dissertacao ernesto daniel chambisse (2)

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  • 8/2/2019 Dissertacao Ernesto Daniel Chambisse (2)

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    ERNESTO DANIEL CHAMBISSE

    ENSINO DE FILOSOFIA EM MOAMBIQUE:

    Filosofia como Potncia para Aprendizagem Significativa

    Mestrado em Educao/Currculo

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, em Convnio com aUniversidade Pedaggica

    2006

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    ERNESTO DANIEL CHAMBISSE

    ENSINO DE FILOSOFIA EM MOAMBIQUE:

    Filosofia como Potncia para Aprendizagem Significativa

    Mestrado em Educao/Currculo

    Dissertao apresentada Bancaexaminadora da Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo em Convnio com

    UP-Maputo como exigncia parcial para a

    obteno do ttulo de Mestre em

    Educao:Currculo, sob a orientao da

    Prof. Dr Terezinha Azerdo Rios e co-

    orientao do Prof. Dr. Luis George Pouw

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, em Convnio com aUniversidade Pedaggica

    2006

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    Banca examinadora

    ____________________________________

    Professora Doutora Terezinha Azerdo Rios

    ____________________________________

    Professor Doutor Lus George Pouw

    ____________________________________

    _____________________________________

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    Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, areproduo total ou parcial desta Dissertao por processos de fotocopiadora

    ou electrnicos.

    Ernesto Daniel Chambisse

    Maputo, Maro de 2006

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    NOTAS PRVIAS

    1 A presente dissertao foi produzida no mbito do convniointer-institucional entre a Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    Programa de Ps-Graduao em Educao:Currculo, e a Universidade

    Pedaggica, de Moambique.

    2 A presente dissertao foi escrita de acordo com a norma

    padro da lngua portuguesa usada em Moambique.

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    Dedicatria

    famlia CHAMBISSE: esposa, filhos, netos, irmos e a

    todos aqueles que contriburam para o sucesso deste

    trabalho.

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    Agradecimentos

    A todos que contriburam de forma directa ou indirectamente para a

    realizao com sucesso do presente trabalho, vo os meus mais sinceros

    agradecimentos.

    professora Terezinha Azerdo Rios, pela sbia e sempre pronta

    orientao, pela oferta dos primeiros livros que tanto me influenciaram na

    formulao final do trabalho.

    Ao Professor Lus George Pouw, pela co-orientao e por todo esforo

    para a concretizao desta dissertao, com o qual cimentamos pelo trabalho

    uma nova parceria cientfica durante a discusso dos termos filosficos.

    minha companheira de trincheira, a colega Bendita, outra co-

    orientanda do Prof. Lus, pela pacincia nas sesses de orientao conjunta.

    Ao Prof. Dr. Douglas Santos, pelas persistentes e vigorosas

    observaes a quando da banca de qualificao. Os mesmos agradecimentos

    so extensivos ao Prof.Dr. Armindo Ruben Monjane pelas sugestes dadas

    para o melhoramento das tabelas.

    Dr Rosa Alfredo Mechio, professora de Filosofia na EscolaSecundria de Lhanguene e assistente da cadeira de tica na UP, pelas longas

    conversas sobre as vises do ensino de filosofia em Moambique.

    Ao meu assessor de informtica, Antero de Almeida Nhantumbo,

    estudante do Curso de Ensino de Portugus.

    Aos professores e alunos das escolas secundrias onde foi realizado

    trabalho de campo, muito especialmente aos professores Miguel, Jacinto

    Mondlane e Alcido Numaio.Meus agradecimentos especiais para meus familiares de grande estima.

    Nina, Yola e Zezito (Netos), Yolanda, Danito, Ktia, Moiss, Adelina, Leu,

    Vernica, Filomena e Celeste Mazanga.

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    Resumo e palavras-chave

    Este estudo analisa as condies em que o ensino de filosofia se realiza

    no Ensino Secundrio Geral do 2 ciclo em Moambique, procurando testar a

    hiptese segundo a qual a forma como a se ensina a Filosofia no contribui

    para a realizao da sua potncia de aprendizagem significativa na sala de

    aulas.

    O estudo tem origem em preocupaes vivenciadas no

    acompanhamento das prticas e estgios pedaggicos dos futuros professores

    de filosofia em formao na Universidade Pedaggica. Foi realizada uma

    reviso da bibliografia referente ao tema e um trabalho de campo em 3 escolas

    previamente seleccionadas, sendo uma para pr-testagem e outras duas para

    o trabalho mais profundo.

    A abordagem metodolgica baseou-se na investigao quantitativa e foi

    orientada para o estudo do caso.

    Os resultados da pesquisa apontam para uma necessidade premente damudana nas condies em que decorre o ensino de Filosofia e de outras

    disciplinas nas escolas moambicanas do 2 ciclo. Constatou-se a existncia

    de falhas que se revelam, entre outras, em condies precrias de trabalho,

    falta de material didctico, superlotao das turmas, falta de estmulos para os

    professores, rigidez nas planificaes do Ministrio da Educao e Cultura.

    Na concluso procura-se apresentar uma breve proposta tendo em vistao melhoramento das condies do ensino e muito especialmente do ensino de

    Filosofia em Moambique.

    Palavras-chave: Moambique Ensino Secundrio Geral Currculo Ensino

    de Filosofia Aprendizagem significativa

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    Abstract and Key-words

    This dissertation examines the conditions under which happens

    Philosophy teaching in ESG II (Grades 11 and 12) in Mozambique, by testing

    the hypothesis that the way Pilosophy is taught at the moment does not

    contribute to enhacing its potencial for significant learning in the classroom.

    The work departs from observations of Philosophy teaching practice

    carried out by teacher trainees from the Universidade Pedaggica. It was made

    a revision of specialized and complementary literature and a field research in

    three selected schools one for pre-testing and the other two for in-depth

    research.

    The methodological approach is based on qualitative research in the

    form of a case study.

    The results of this research lead to the conclusion that there is a need ofurgent changes in the conditions under which Philosophy and other ESG II

    subjects are taught, such as: precarious working conditions, lack of teaching-

    learning materials, lack of stimuli for the teachers, excess of rigor in MEC

    planning.

    This dissertation demonstrate the potential contributions of Philosophy in

    enhancing the teaching-learning process in Philosophy and other subjects ofthe curriculum and it has as a purpose the improvement of teaching, especially

    of Philosophy teaching in Mozambique.

    Key words: Mozambique Second phase of Secondary Education (ESG II)

    Curriculum Significant learning Philosophy syllabus

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    ndice

    Lista de siglas e abreviaturas ..............................................................................................12

    Lista de tabelas .....................................................................................................................13

    Lista de anexos .....................................................................................................................13

    Captulo 0 Introduo/justificativa ................................................................................... 15

    0.1. Origem do trabalho ....................................................................................................... 15

    0.2. Definio do problema..................................................................................................20

    0.3. Hiptese de pesquisa ...................................................................................................20

    0.4. Objectivos .......................................................................................................................21

    0.4.1. Objectivos gerais........................................................................................................ 21

    0.4. Objectivos especficos..................................................................................................21

    0.5. Metodologia ....................................................................................................................21

    0.6. Desenvolvimento do trabalho ...................................................................................... 22

    Captulo 1 Caractersticas da reflexo filosfica: a Filosofia no contexto doconhecimento humano ......................................................................................................... 24

    1.1. Relao entre a filosofia e o mito na Antiguidade ................................................... 27

    1.2. Relao entre a filosofia e a religio na Idade Mdia ............................................. 29

    1.3. Relao entre a filosofia e a cincia na Idade Moderna ......................................... 29

    Captulo 2 -O lugar da Filosofia no Ensino Secundrio. ............................................... 38

    2.1. O lugar da Filosofia na Escola. ................................................................................... 38

    2.2. O lugar da Filosofia no Ensino Secundrio............................................................... 38

    2.3. Filosofia como potncia para a aprendizagem significativa ................................... 42

    2.3.1. O conceito de aprendizagem significativa ............................................................. 42

    2.3.2. Contribuio do Ensino de Filosofia para uma aprendizagem significativa ..... 44

    2.3.3. A Filosofia como motivao para uma aprendizagem por descoberta

    contnua .................................................................................................................................. 48

    2.3.4. Filosofia como exerccio da liberdade e autonomia no pensar e no agir .........51

    2.3.5. A Filosofia como exerccio da cidadania................................................................ 54

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    Capitulo 3 - A disciplina de Filosofia na Escola Moambicana .................................... 58

    3.1. O lugar da disciplina de Filosofia no currculo moambicano................................ 60

    3.2. Enquadramento da disciplina de Filosofia no currculo do ESG II ........................63

    3.2.1. Enquadramento jurdico-legal.................................................................................. 63

    3.2.2. Relao entre a Filosofia e a Lngua Portuguesa como lngua oficial .............. 69

    3.2.3 Relao e ntre a Filosofia e a Histria...................................................................... 70

    Captulo 4 - Pesquisa do campo ........................................................................................ 73

    4.1. Metodologia ....................................................................................................................73

    4.1.1. Abordagem metodolgica.........................................................................................73

    4.1.2 Procedimento metodolgico...................................................................................... 744.1.3 Pr-testagem ............................................................................................................... 76

    4.1.4 Resultados do ensaio da grelha:.............................................................................. 82

    4.1.5 Anlise critica dos resultados do ensaio da grelha ............................................... 90

    Captulo 5 Pesquisa de campo (tratamento e anlise de dados) ..............................92

    5.1. Grelha de recolha de dados ........................................................................................ 92

    5.2. Escola Secundria n 2................................................................................................945.2.1.Apresentao da Escola ........................................................................................... 94

    5.2.2 Recolha de dados da observao na escola secundria n 2 .............................94

    5.2. 3. Entrevistas ................................................................................................................. 97

    5.2.3.1. Aos professores ...................................................................................................... 97

    5.2.3.2. Aos alunos ............................................................................................................... 99

    5.2.4 Anlise crtica preliminar dos resultados da observao e entrevista na

    Escola Secundria n 2......................................................................................................102

    5.3 Escola Secundria n 3 ...............................................................................................109

    5.3.1. Apresentao da Escola ........................................................................................109

    5. 3.2. Recolha de dados de observao na escola secundria n 3 ........................110

    5. 3.3. Entrevistas ...............................................................................................................113

    5.3.3.1. Aos professores....................................................................................................113

    5.3.3.2 Aos alunos: .............................................................................................................116

    5.3.4. Anlise critica preliminar dos resultados da observao e entrevista na

    escola Secundria n 3 ......................................................................................................119

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    5.4. Resumo dos resultados da pesquisa.......................................................................120

    5. 4. 1. Resultados da reviso terica .............................................................................120

    5.4.2. Resultados dos trabalhos do campo ....................................................................121

    5.4.2.1. Resultados das observaes..............................................................................121

    5 4.2.2. Resultados das entrevistas .................................................................................123

    5.5. Proposta de professores............................................................................................124

    5.5.1. Propostas dos professores de Lngua Portuguesa:...........................................125

    5.5.2. Propostas de professores de Histria ..................................................................126

    5.5.3 Propostas de professores de Filosofia ..................................................................126

    Captulo 6 Concluses e recomendaes ...................................................................129

    6.1. Concluses gerais.......................................................................................................129

    6. 2. Concluses especficas ............................................................................................131

    6.3. Recomendaes/ Sugestes ....................................................................................132

    6.3.1. Para o Ministrio de Educao e Cultura ............................................................132

    6.3.2. Para os professores ................................................................................................133

    Bibliografia............................................................................................................................135

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    Lista de siglas e abreviaturas

    ACS Actividades de controle sistemtico

    ACP Actividades de controle permanente

    DNEG Direco Nacional do Ensino Geral

    ESGII Ensino secundrio do 2 grau (11 e 12 classes)

    ES Ensino Superior

    GM Governo de Moambique

    MINED Ministrio de Educao

    MEC Ministrio de Educao e Cultura

    ONG Organizao no governamental

    PEA Processo do ensino-aprendizagem

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    RM Repblica de Moambique

    UD Unidade Didctica

    UDEBA Unidade para o Desenvolvimento do Ensino Bsico

    UP Universidade Pedaggica

    SNE Sistema Nacional de EducaoTPC Trabalhos para casa

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    Lista de tabelas

    Tabela Contedo PginaTabela 1 Organizao de grupos de disciplinas no ensino

    secundrio com vista aos cursos universitrios

    (Fonte: OPIS Moambique/Portugal 2005)

    64

    Tabela 2 Dados de observao relativa varivel n1 na

    escola secundria n 2

    103

    Tabela 3 Dados de observao relativa varivel n 2 na

    escola secundria n 2

    104

    Tabela 4- Dados de observao relativa varivel n 1 na

    escola secundria n 3

    110

    Tabela 5 Dados de observao relativa varivel n 2 na

    escola secundria n 3

    111

    Tabela 6 Resumo dos dados de observao relativa

    varivel n 1 nas duas escolas

    122

    Tabela 7 Resumo dos dados da observao relativa varivel n 2 nas duas escolas

    122

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    Lista dos anexos

    Anexo I

    Lei do SNE- 6/92

    Anexo IIOrganograma do SNE

    Anexo IIIDiploma Ministerial n 68/96

    Anexo IVPrograma de Filosofia para o ESGII

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    Captulo 0

    Introduo/Justificativa

    O ensino de Filosofia exercita, (com efeito, o aluno) a julgar por

    si mesmo, a confrontar argumentaes diversas, a respeitar a

    palavra dos outros, a submeter-se somente autoridade da

    razo(Mayor, 1996)

    Nesta parte introdutria, apresentamos as razes internas e conjunturais

    que nos influenciaram na escolha do tema deste trabalho. Definimos o

    problema e a hiptese que buscamos investigar em nossa pesquisa, indicamosos objectivos gerais e especficos e apontamos a metodologia usada, a qual

    retomada com detalhe em outra parte do trabalho 1.

    0.1. Origem do trabalho

    A vivncia quotidiana com o ensino de Filosofia em Moambique, assim

    como a reflexo sobre o seu lugar no ESG II e o seu carcter multidimensional,impulsionou-nos a decidir por este estudo.

    Os objectivos do SNE para o ensino pr-universitrio definidos pela Lei

    4/83 e reajustados pela Lei 6/92 orientam para uma formao integral do aluno

    secundrio. Preconizam a preparao do aluno para uma orientao na vida

    profissional e para fazer face ao ensino superior (SNE Lei 6/92)2.

    A experincia de longos anos de acompanhamento dos estgios

    pedaggicos de futuros professores de Filosofia e de docente de Didctica de

    Filosofia e a leitura dos argumentos para introduo da filosofia no ensino

    secundrio levaram-nos a constatar que o actual ensino de Filosofia mostra-se

    1 Ver captulo 4.2Os objectivos do SNE esto visualizados no Captulo II e II, nos quais se aborda o

    lugar da filosofia na escola e a disciplina de filosofia na escola moambicana,respectivamente.

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    inadequado para uma aprendizagem significativa na sala de aulas, isto , na

    escola moambicana a Filosofia no tem realizado sua mais alta potncia e

    funo de instrumento crtico, o seu papel de formar pessoas com o

    pensamento crtico, solidrio, criativo, que saibam distinguir argumentos,

    fundamentar posies e tomar decises, habilidades necessrias ao mundo

    prtico (Mance in: Vrios, 1998:7).

    Constatamos igualmente que o lugar de filosofia no universo das outras

    disciplinas no tem merecido o devido destaque, embora a definio dos

    objectivos almejados pelo ensino de Filosofia resulte da verificao de que a

    falta do ensino de Filosofia no nvel secundrio provoca nos alunos um dfice

    epistemolgico3 e abstractivo4 entrada do Ensino Superior, um dfice moral e

    uma resposta inadequada aos desafios resultantes da construo da

    moambicanidade (ibid.:1), sendo urgente a introduo da Filosofia como forma

    de compensao na actividade congnitiva escolar (Oficio n

    1598/GM/MINED/97 de 16 de Setembro (MINED, 1997)

    A partir dessa constatao, propusemo-nos buscar alternativas para a

    transformao dessa situao e a ampliao da qualidade do ensino deFilosofia como uma contribuio ao aprimoramento do contexto educativo na

    escola moambicana. Julgamos que a mudana da situao actual do ensino

    de Filosofia passa necessariamente pelo assumir de novas atitudes pelos

    principais sujeitos do processo do ensino e aprendizagem (professores, alunos,

    gestores da educao e outros actores).

    Para encaminhar nossa reflexo, formulamos as seguintes perguntas:Como que se pode promover uma aprendizagem significativa em filosofia?

    Quais so os mtodos a considerar no ensino de filosofia, para que ele se torne

    3O nosso aluno elabora o seu conhecimento apenas no nvel situacional por falta de

    referncias crticas que podem ser obtidas atravs de confrontao com vrias obras

    filosficas e pensadores clssicos na histria de filosofia.4

    Falta de capacidades de abstrao e fragilidade na construo crtica de redesconceptuais

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    17

    instrumento de reflexo crtica e um meio da educao para a cidadania? Qual

    o trabalho que os professores de Filosofia realizam na sala para que o ensino

    de Filosofia seja uma maneira de ver o mundo com um olhar claro, fundo e

    largo, entendendo-se por isso o evitar das armadilhas que servem de obstculo

    para uma viso que no se conforma com a superficialidade dos processos,

    isto , no se guia pelas aparncias, mas busca as razes mais profundas dos

    problemas que pretendemos esclarecer (Rios, 2000)?

    Alm da nossa vivncia prtica registamos como fonte de inspirao

    tambm o livro de Henrique D. Dussel Mtodo para uma Filosofia da

    Libertao, que explora questes ligadas aos movimentos de libertao da

    Amrica Latina.

    Nesse livro, Dussel (1986:210) afirma que a libertao a condio

    para o mestre ser mestre. Se nos referimos escola moambicana e

    queremos formar um homem criativo, que participa activamente na construo

    da sua prpria vida, capaz de compreender e interpretar os fenmenos da vida

    que ocorre em sua volta, na relao com os outros, com o mundo, capaz de

    olhar de uma forma profunda e abrangente, devemos, acima de tudo, criarcondies para que este homem se sinta livre. E tenha uma capacidade crtica

    para compreender tudo o que aprende no contexto escolar e nas disciplinas

    que compem o currculo. Um homem que tenha coragem de reagir perante os

    contedos que fazem parte do currculo escolar, de modo a criar coeso no seu

    sistema de conhecimento.

    Esses requisitos s so possveis nas condies de uma aprendizagemsignificativa, mais importante do que uma aprendizagem mecnica ou

    instrumental (Marnoto, 1989: 101).

    A grande preocupao do nosso estudo a aprendizagem significativa

    na sala de aulas, e como o ensino de filosofia a pode promover. Com o

    presente trabalho pretendemos trazer uma contribuio para imprimir a

    dinmica da aprendizagem significativa ao ensino de filosofia, no sentido de

  • 8/2/2019 Dissertacao Ernesto Daniel Chambisse (2)

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    18

    ajudar os alunos a alargar a sua viso sobre a vida e sobre o mundo que os

    rodeia.

    O conceito de aprendizagem um conceito polissmico e s pode ser

    compreendido num contexto especfico, no se relacionando apenas com a

    modificao do comportamento motor e das estruturas cognitivas, mas

    abrangendo igualmente, em sentido mais amplo, as transformaes da

    motivao e do comportamento social.

    No mbito da nossa reflexo, acrescentamos o adjectivo significativa

    ao conceito de aprendizagem para o qualificar de uma maneira especial.

    Assim, por aprendizagem significativa compreende-se a aprendizagem

    relacionada estreitamente vida, isto , o que o aluno aprende na escola

    encontra utilidade no seu dia a dia e no futuro; uma aprendizagem que

    estabelece conexo entre o aprendido e a realidade.

    tambm significativa a aprendizagem quando permite ao aluno

    desenvolver uma capacidade critica, de comparao de modelos e

    identificao com aquele que achar mais adequado para si, que permite tomar

    partido em conscincia sobre a realidade que o rodeia. Uma aprendizagem quedesenvolve no aluno um esprito de responsabilidade perante si mesmo,

    perante o outro, a sociedade e o trabalho (Chambisse, 2003:11). A

    aprendizagem significativa ajuda o aluno a investigar a sua realidade e abre-lhe

    horizontes para a busca de uma orientao concreta na vida laboral.

    O ensino de Filosofia torna-se relevante na medida em que se prope a

    ressignificar a prtica quotidiana e promove uma atitude de abertura e deesperana do sujeito e da sociedade concreta.

    As perguntas que a filosofia coloca no visam uma resposta imediata,

    muito menos definitiva. As respostas dadas s perguntas filosficas visam

    voltar a fazer perguntas sobre as mesmas respostas, isto , o questionamento

    na perspectiva filosfica contnuo. Assim, o ensino de filosofia deve ser

    tambm contnuo e buscar as razes cada vez mais profundas da realidade.

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    A filosofia tem uma relevncia poltica, na medida em que levanta

    questes relacionadas com a vida social organizada das comunidades, aborda

    temas inerentes liberdade, construo da cidadania e tica, ao mesmo

    tempo questiona o que a liberdade e autonomia, e quais so os princpios

    que esto na base da constituio de sistemas sociais.

    A resposta a esse questionamento pela filosofia torna o seu ensino mais

    necessrio e significativo. Da a pertinncia de questionar sobre as

    possibilidades que tornam o ensino de filosofia mais significativo. Acreditamos

    que este estudo se justifica pela reflexo que procura fazer acerca do trabalho

    desenvolvido nas escolas e a tentativa de encontrar caminhos para que a

    Filosofia realize efectivamente sua funo, que no a de fornecer os

    pensamentos, muito menos de ensin-los, mas de capacitar o aluno a construir

    os seus pensamentos, a construir novos a partir dos dados pelos filsofos e

    pela sociedade em que vive, tal como afirma Descartes (1995: 108):

    viver sem filosofar propriamente como ter os olhos fechados sem

    nunca se esforar por abri-los, e o prazer de ver todas as coisas que a

    nossa vista descobre no comparvel satisfao que d oconhecimento daquelas coisas que se descobrem por meio da

    Filosofia.. 5

    Esta afirmao de Descartes aponta para a importncia e a pertinncia

    do ensino de Filosofia nas escolas e traz reforo nossa opo de torn-la

    significativa.

    Em Moambique h esforos renovados para a valorizao dos saberes

    locais, os quais precisam ser redescobertos, reconstrudos e reorganizados

    5 O pargrafo foi tomado do original da obra de Descartes Princpios de Filosofia, na

    carta prefcio traduo francesa, onde ele procura mostrar o valor formativo,

    informativo, tico e pedaggico de Filosofia. Para Descartes a dedicao filosofia

    no responde apenas a questes cognitivas, mas tambm a uma preocupao

    sapiencial e tica, isto , a busca de melhores formas de se orientar na existncia, navida em geral e nos assuntos especficos da vida real.

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    para serem revalorizados na cultura oficial. A Filosofia, por sua caracterstica

    de meta-cultura,6 serve em ltima instncia de elo de ligao entre os

    diferentes saberes, liga a cultura local com o saber universal. Julgamos,

    portanto, que o tema em estudo importante para a cultura moambicana, pois

    a aprendizagem significativa desenvolvida no contexto das aulas de filosofia

    propiciar a formao de alunos crticos, que tero maiores possibilidades para

    a interpretao dos fenmenos culturais, inter-culturais e, entre outros

    aspectos, actuao criativa no contexto social.

    0.2. Definio do problema

    Nosso problema a ausncia do desenvolvimento de uma

    aprendizagem significativa na disciplina de Filosofia no Ensino Secundrio

    Geral em Moambique. Nossa investigao vai ao encontro da reintroduo de

    Filosofia no ESG II e pretende contribuir para se atingirem os objectivos do

    Sistema Nacional de Educao em Moambique e do prprio programa de

    Filosofia.

    A superao do problema e as respostas s perguntas aqui levantadaspassa por um estudo das causas que impedem a filosofia de realizar a sua

    mais alta potncia educativa, de tornar-se um instrumento de libertao no

    pensar e agir.

    0.3. Hiptese de pesquisa

    Segundo Gil (2002:31), a hiptese a proposio testvel que pode vir

    a ser a soluo do problema (definido).

    A nossa hiptese a de que o ensino de filosofia realizar a sua funo

    crtica, reflexiva e libertadora do intelecto se os professores se empenharem

    em desenvolver em suas aulas uma aprendizagem significativa.

    6 Na concepo do Hountodji, a filosofia o instrumento da interpretao e

    ressignificao das culturas, isto , ela situa-se acima da cultura, apesar de a culturaser fonte de inspirao da prpria filosofia.

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    0.4. Objectivos

    O sucesso de qualquer trabalho de pesquisa depende em parte da

    clareza na definio dos objectivos que se pretendem alcanar. Para o

    presente trabalho definem-se os seguintes objectivos:

    0.4.1. Objectivos gerais

    - Fazer uma anlise sobre o ensino de Filosofia no ensino secundrio do

    segundo grau em Moambique.

    - Propor formas de ensino que contribuam para uma aprendizagem mais

    significativa em Filosofia.

    0.4.2. Objectivos especficos

    - Identificar o lugar da disciplina de filosofia no currculo do ESGII.

    - Identificar as condies em que o ensino de filosofia se realiza nas

    escolas e verificar se contribui para uma aprendizagem significativa.

    - Identificar a relao entre a filosofia e as outras disciplinas do currculo .

    0.5. Metodologia

    Abbagnano (2003:668) define o mtodo como sendo procedimento de

    investigao organizado, repetvel e autocorrigvel, que garanta a obteno de

    resultados vlidos, isto , um conjunto de caminhos ou procedimentos que

    nos levam a uma finalidade (objectivo).

    Neste trabalho realizamos uma reviso bibliogrfica sobre o tema

    escolhido e uma pesquisa de campo no sentido de obter dados que

    comprovassem a nossa hiptese.

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    O mtodo escolhido para trabalho com os dados foi o mtodo

    hermenutico7. Este teve como funo a interpretao dos dados recolhidos a

    partir da utilizao dos instrumentos a observao viva das aulas e a

    entrevistaaos observados.

    As entrevistas tiveram perguntas prvias e as respostas foram gravadas

    em fita magntica para a sua posterior anlise e comparao com os factos

    observados.

    0.6. Desenvolvimento do trabalho

    O presente trabalho se desenvolve em 5 captulos, alm desta parte

    introdutria e da bibliografia, que se apresenta no final.

    As caractersticas da reflexo filosfica no contexto do conhecimento

    humano constituem matria do captulo 1, no qual destacamos as formas

    filosficas de olhar para o mundo, tomando como exemplo a sua relao com o

    mito na Antiguidade, com a religio na Idade Mdia e com a cincia na Idade

    Moderna. O captulo fecha com uma breve demonstrao de como essasrelaes exercem suas influncias sobre o conhecimento filosfico dentro do

    currculo moambicano.

    No captulo 2 exploramos as potencialidades da filosofia na escola, a

    relao entre a filosofia e escola, buscamos demonstrar como que a filosofia,

    sendo uma disciplina por natureza crtica e reflexiva, pode contribuir para o

    sucesso da escola na sua misso de reordenadora do discurso e da acohumana e reflectimos sobre as caractersticas do conhecimento filosfico

    dentro do currculo escolar. Procuramos verificar at que ponto o ensino de

    filosofia uma potncia para aprendizagem significativa, quer nas aulas de

    7O mtodo hermenutico pensado para atravs dele compreender-se o significado

    dos dados. Recorreu-se a ele como forma de crtica de lidar quer com os fenmenos

    quer com as informaes que foram recolhidas na assistncia s aulas ou nasentrevistas aos professores e alunos.

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    filosofia quer nas outras disciplinas do currculo. Discutimos tambm em que

    circunstncias a filosofia se torna um exerccio para a liberdade e autonomia no

    pensar e agir, assim como o seu papel na educao para a cidadania.

    No captulo 3 refletimos sobre o lugar de filosofia na escola

    moambicana, comeando por uma breve viso histrica do seu ensino no

    passado colonial mais recente e as razes jurdicas e pedaggicas da sua

    reintroduo no currculo moambicano depois de ter sido banida em 1974.

    Analisamos em seguida a organizao curricular do 2 ciclo do ensino

    secundrio geral em Moambique, e a relao que a disciplina de filosofia tem

    com as outras disciplinas do grupo nos quais leccionada e com as outras

    disciplinas de carcter tcnico, com as quais se costuma inadequadamente

    julgar que nada tem a ver.

    O captulo 4 dedicado apresentao dos dados obtidos com o

    trabalho do campo. Apresentamos as tabelas sumrias das observaes feitas

    atravs de assistncias directas s aulas e dos resultados das entrevistas aos

    professores.

    Fazemos, no captulo 5, uma apreciao geral e especfica de todo o

    trabalho e dedicamos o captulo 6 apresentao das concluses e

    recomendaes, as quais so orientadas para os rgos da gesto da

    educao e responsveis pela formao de professores de filosofia que no seu

    conjunto podem contribuir para o melhoramento do ensino de filosofia em

    Moambique.

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    Captulo 1

    Caractersticas da reflexo filosfica: a Filosofia no contexto do

    conhecimento humano

    Este captulo tem como objectivo central apontar as caractersticas

    identificadoras do conhecimento filosfico e explorar as relaes que a filosofia

    mantm com outros campos do conhecimento, contribuindo para a abertura e

    ampliao do saber dos seres humanos e, portanto, de sua aco sobre a

    realidade.

    Filosofia significa, etimologicamente, amor sabedoria. Pitgoras foi o

    inventor da palavra, ao pretender mostrar que o filsofo no era detentor do

    saber, mas o amigo da sabedoria. Isso quer dizer que a Filosofia no tem

    espao como posse, mas como demanda do saber. Ela reflecte, no mais alto

    grau, uma paixo, um amor pela verdade. por isso que a actividade filosfica

    comea a onde a mente se v num labirinto, numa inquietao ou

    perplexidade, para culminar numa atitude crtica diante do real e da vida

    concreta (Mondin, 1997:7).

    Mais tarde, outros filsofos gregos retomaram, aprofundaram e

    ampliaram o conceito de filosofia. A escola sofista, por exemplo, entendeu a

    filosofia como um saber fazer, como competncia essencial para o exerccio da

    actividade poltica, como actividade que ajuda na organizao do discurso

    orientado para a conquista e ampliao do espao poltico (conquista do

    poder). Plato a entendeu como uma busca de conhecimento, uma forma delibertao e de autonomia.

    Para Aristteles (in Reale, 2002:4), a filosofia comea com a

    perplexidade, ou melhor, com a atitude de assombro do homem perante a

    natureza, em um crescendo de dvidas, a comear pelas dificuldades mais

    aparentes.

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    Isso leva-nos a pensar que a filosofia s comea onde h problemas

    ela aparece como tentativa de um esclarecimento de situaes problemticas

    perante a natureza e perante a realidade humana. Brhier (1955:12) diz que a

    filosofia comea quando as afirmaes da conscincia espontnea sobre o

    Homem e sobre o universo se tornam problemticas. Esta posio

    complementa a de Aristteles e aprofunda a compreenso de que a Filosofia

    representa um grande esforo de busca das razes dos problemas. um saber

    que procura buscar a explicao ltima de todos os princpios da razo a

    certeza e a universalidade.

    Em outras pocas histricas, a filosofia foi tendo vrias significaes

    conforme as questes fundamentais de cada uma dessas pocas. Na Idade

    Moderna, por exemplo, com Ren Descartes e seus contemporneos, a

    filosofia surge como reflexo acerca do conhecimento e da cincia,

    problematizando o valor e os limites, os mtodos e os resultados do

    conhecimento cientfico, assim como o seu impacto na vida do homem.

    A universalidade da Filosofia verifica-se nos problemas e no na sua

    soluo ou resoluo, pois a soluo est em consonncia com as condiesconcretas de cada sujeito a particularidade. Os problemas que a filosofia

    levanta so problemas da humanidade, que resultam da aco do homem

    medida que a sua conscincia vai se desenvolvendo ou vai construindo a sua

    realidade material e espiritual (Alves, Arredes e Carvalho, 1999:51). por esta

    razo que Karl Jaspers (1972:16) conclui que toda a filosofia define-se a si

    mesma por sua realizao.

    A Filosofia deve ser vista como actividade perene do esprito, como

    paixo pela verdade essencial e, nesse sentido, realiza em seu mais

    alto grau e consequncia a qualidade inerente a toda cincia: a

    insatisfao dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros

    fundamentos sem outra finalidade alm da puramente especulativa. Isto

    no significa porm, que o filsofo no possa ou no deva empenhar-se

    por suas ideias: o que incompatvel com a pesquisa filosfica

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    converso da aco prtica e, sobretudo, do empenho poltico social,

    em que a razo meta do filosofar (Reale, 2002:7).

    Deste longo texto pode se depreender que a Filosofia uma actividade

    em busca da sabedoria com o propsito de torn-la real e operativa. Ela vista

    como capacidade que resume o esprito, que sintetiza e integra os diferentes

    saberes na unidade conceptual resultante das mltiplas experincias da aco

    humana.

    As grandes perguntas da Filosofia abrangem no s as vrias reas do

    saber filosfico, mas tambm outras do mbito prtico que se relacionam ou

    influenciam na vida do homem e na sua orientao no tempo e no espao.

    Para Marques/Santos (sd:12) a Filosofia no resolve os problemas da

    substncia ou as necessidades elementares da vida; contudo, ela pode

    iluminar os caminhos para a soluo desses problemas, atravs de abertura de

    novos horizontes crticos da realidade.

    Russell (1974:205) considera que a filosofia visa primeiro o conhecer. O

    conhecimento que ela tem em vista aquela espcie de conhecimento queconfere unidade e organizao sistemtica a todo o corpo do saber cientfico,

    como o que resulta de um exame crtico dos fundamentos, das nossas

    convices e dos nossos preconceitos.

    No se pode afirmar, entretanto, que a filosofia o nico tipo de

    conhecimento que resulta das relaes do homem com o mundo no qual est

    inserido. O senso comum, o mito, a religio, a cincia, a arte so saberes quese juntam filosofia e aos quais os seres humanos tm recorrido no decorrer

    de sua histria. A filosofia tem se relacionado com cada um desses saberes de

    diversas maneiras, deles aproximando-se ou distanciando-se. A seguir, vamos

    explorar as relaes que a filosofia manteve, em virtude do contexto histrico,

    com o mito, a religio e a cincia. Vamos, ainda que de maneira breve, fazer

    referncia relao entre a filosofia e o mito, na Antiguidade, entre a filosofia e

    a religio, na Idade Mdia, e a filosofia e a cincia, na Idade Moderna. Cada

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    uma dessas relaes se configura de maneira especial em virtude do contexto

    histrico em que se realiza.

    1.1. Relao entre a filosofia e o mito na Antiguidade

    O mito uma concepo do mundo que se elabora em diferentes

    crculos culturais, no sentido de trazer uma explicao para os fenmenos com

    que se deparam os seres humanos. uma forma de ver o Mundo a partir de

    modelos construdos em funo das condies histricas do desenvolvimento

    cultural concreto.

    Na antiguidade clssica o mito foi considerado como um produto inferior

    ou deformado da actividade intelectual (Abbagnano 2003: 673). Para Plato o

    mito contrape-se verdade ou narrativa verdadeira. Esse filsofo, contudo,

    admite a possibilidade de em alguns momentos o mito ser a nica forma vlida

    do discurso humano, a via humana mais certa para convencer ou para trazer

    compreenso de alguns fenmenos da vida concreta. Onde o pensamento

    racional no suficiente para a clarificao de alguns fenmenos, o recurso ao

    mito a soluo ideal.

    Para Aristteles, o mito uma verdade imperfeita ou diminuda a que o

    homem recorre para legitimar a validade moral ou religiosa. Aristteles

    distingue trs significados do termo mito: o mito como forma atenuada da

    intelectualidade; o mito como forma autnoma de pensamento ou da vida e o

    mito como instrumento de estudo social (Logos, 1997: 673). A posio de

    Aristteles admite um reconhecimento do papel vlido do mito na educao doHomem.

    A forma mtica de ver o mundo assenta-se na narrativa que se

    fundamenta, segundo Chau (2000)8, na cosmogonia a narrativa sobre o

    nascimento e a organizao do mundo, a partir de foras geradoras divinas e

    na teogonia, que era para os gregos a narrativa sobre a origem dos deuses de

    8Educao, tica, So Paulo 2000 in (htt:/usertes.hotlink.com.br/fico/refl0035htm)

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    seus pais e antepassados. O mito narra a origem dos factos em forma de

    fbulas, resgata os acontecimentos de um passado imemorial para disciplinar e

    corrigir alguns comportamentos da vida das pessoas; h casos em que o mito

    narra tudo de forma genealgica e h vezes que estabelece rivalidades e

    oposies entre foras divinas.

    Em oposio a esta forma mtica de interpretar os factos, a filosofia na

    antiguidade preocupou-se em explicar, de maneira racional, como e porque, no

    passado, no presente e no futuro as coisas so como so. Enquanto que o mito

    narra factos inditos sobre os corpos celestes, por exemplo, a filosofia busca

    uma explicao que seja coerente, lgica e racional do surgimento e da

    transformao desses seres naturais.

    Jaspers (in Logos, 1997, 903) aponta o mito como linguagem de

    transcendncia, isto , aquilo que no se consegue construir cientifica e

    racionalmente pode ser ressignificado no nvel mitolgico:

    O mito constitui uma histria extraordinria que conta o divino, uma

    linguagem de transcendncia, que pode ser falsa do ponto de vistacientfico, mas que verdadeira como provocao a outro espao, a

    outro mundo e a outra vida, superior e misteriosa.

    Segundo Andery (1996), o mito surge da necessidade consciente e

    inconsciente que o homem tem de explicar seu meio, seus problemas

    desconhecidos. , assim, um pensamento anterior reflexo mais crtica, dos

    factos e fenmenos. Num primeiro momento o mito no questionado, no

    objecto de crtica, mas objecto da crena, de f. O conhecimento filosfico, ao

    contrrio, pe-se a desenvolver o pensamento objectivo, isto , o conhecimento

    que nos faz ultrapassar as aparncias e alcanar a realidade (ibidem).

    deste modo que para Guedes (1997:80) o conhecimento filosfico

    inaugura o primado do pensamento humano. Com ele o mundo passa a ser

    bem mais explicado. Tales de Mileto, um dos primeiros filsofos da Grecia

    antiga foi insistente na colocao da pergunta Qual a causa ltima, o

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    princpio supremo de todas as coisas? (Mondin 2002:17). Com esta pergunta,

    Tales pretendia buscar o elemento nico a partir do qual pudesse explicar a

    origem do cosmo diversificado e catico, negando a explicao mtico-religiosa

    que se oferecia no tempo. De Tales a Demcrito foram oferecidas vrias

    explicaes sobre o cosmo fora do horizonte mtico.

    Assim, mito e a filosofia na antiguidade compreendem duas esferas da

    compreenso e interpretao do cosmo. Enquanto o mito baseia-se nas

    narrativas dos acontecimentos do passado com um carcter mais axiomtico, a

    filosofia ocupa o espao da reflexo crtica, baseada na racionalidade. No se

    tem, entretanto, a inteira superao do mito pelo pensamento racional, uma vez

    que os prprios filsofos recorrem aos mitos para apresentao das suas

    idias e teorias.

    O que podemos verificar, at hoje, que o mito se liga s outras formas

    de saber como manifestao vlida do conhecimento e construo da

    realidade, importante, sobretudo, para o campo da educao e formao das

    novas geraes.

    1.2. Relao entre a filosofia e religio na Idade Mdia

    Religio o respeito que o indivduo sente, no mais profundo de si,

    perante qualquer ser que disso seja digno, em particular o divino, ou

    sagrado. Este respeito manifesta-se no cuidado que se coloca aquando

    da participao nos ritos e outros gestos tradicionais da Sociedade.

    (Ccero, 106/43 a.C)

    A religio uma outra forma de conhecimento humano com a qual a

    filosofia estabeleceu estreitas relaes.

    Qualquer definio enciclopdica que se possa dar da religio nunca vai

    ser suficiente para uma caracterizao efectiva e consensual do fenmeno

    religioso. por isso que toda a reflexo sobre ela ter um carcter especulativo

    e provisrio.

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    Para Abbagnano (2003,846), a religio a crena na garantia

    sobrenatural de salvao, e tcnicas destinadas a obter e conservar essa

    garantia. Durkheim a concebe como um sistema solidrio de crenas e prticas

    que unem numa mesma comunidade moral, chamada Igreja, todos aqueles

    que a ela aderem (ibidem).

    Neste espao concentro a minha reflexo na histrica relao entre a

    filosofia e a religio na Idade Mdia, perodo em que se deram as relaes

    mais estreitas entre essas duas formas de conhecimento.

    Como a Idade Mdia um perodo rico em acontecimentos de natureza

    religiosa, as minhas reflexes limitar-se-o apenas a alguns aspectos do

    pensamento de Santo Agostinho e Santo Toms de Aquino, que foram os

    pensadores mais expressivos daquele perodo. Para sustentar as reflexes,

    recorro a Filon como ponte de transio entre o pensamento religioso grego e o

    medieval e fao referncia a Duns Escoto como crtico do Sto Agostinho e S.

    Toms de Aquino.

    A escolha de Filon justifica-se pelo facto de ter sido atribudo a esse

    pensador o mrito de fundador da filosofia religiosa, por ser o primeiro

    pensador a apresentar uma sntese entre a sagrada escritura e a filosofia de

    Plato (Mondin, 2002:122). Ao proceder desta forma metodolgica, Filon

    pretendeu estabelecer uma fuso entre a filosofia grega e a chamada teologia

    mosaica, que se baseava numa interpretao alegrica. Esta metodologia viria

    a alcanar grande sucesso na interpretao da Bblia para grande parte doclero da poca.

    A compreenso de filosofia de Filon na poca representou um progresso

    em relao a alguns conceitos usados pelos pensadores gregos. Por exemplo,

    Filon usa o conceito criao, que os gregos no usaram em nenhum

    momento. Para Filon, Deus cria a matria do nada, imprimindo depois a forma

    sobre ela (Reale e Antiseri, 1990:403).

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    As reflexes filosficoreligiosas de Sto. Agostinho se iniciam com a sua

    converso e a conquista da f crist. A f tornou-se substncia de vida do

    pensador, e tambm do seu pensamento na generalidade (ibidem, 434). Foi

    deste modo que se configurou uma nova forma de compreender e interpretar o

    Mundo a Filosofia crist.

    Santo Agostinho julgava que o movimento do filosofar autnomo seria

    idntico vivncia da f crist. Aqui comea-se a desenhar a posio de Sto

    Agostinho em relao filosofia e religio: a f e razo como formas de

    compreender e interpretar o mundo.

    Na verdade, o pensamento teolgico constitui a essncia das reflexes

    do sto Agostinho. Contudo, a f para ele no substitui nem elimina a

    inteligncia humana, mas a estimula e a promove, assim como a inteligncia

    no elimina e nem enfraquece a f, pelo contrrio, considera Sto Agostinho, a

    inteligncia fortalece e clarifica a f, isto , a f e a razo complementam-se

    mutuamente (ibidem, 436). Assim Sto Agostinho coloca no mesmo prisma de

    anlise a f e razo, assim como a filosofia e religio.

    A relao entre a filosofia e f em Sto Agostinho resume-se nesta

    afirmao: Ningum pode atravessar o mar do sculo seno for carregado

    pela Cruz de Cristo. Nisto consiste precisamente o filosofar na f, ou seja a

    filosofia crist (ibidem: 437). Neste sentido pode se compreender que entre a

    filosofia e a religio como duas formas diferentes de encarar e interpretar o

    mundo no existe contradio, porque ambas as formas vo se revelar na

    verdade divina.

    Outro pensador influente, no que concerne relao entre a filosofia e

    religio na Idade Mdia foi So Toms de Aquino.

    Para ele, a f e a razo so dois modos de conhecer (Mondin,

    2002:172), isto , eles no podem estar em contradio, porque a f aceita a

    verdade por causa da autoridade de Deus, que a revela, enquanto que a razoaceita a verdade por causa da sua evidncia intrnseca. Esta conformidade

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    resulta do facto de a f, a razo, a Filosofia e a teologia serem promovidos por

    Deus. Por isso uma verdade nunca se pode opor a uma outra verdade com a

    mesma fonte. As posies filosficas que, em algum momento da histria,

    agiram contra a f no resultaram de verdades, mas de concluses falsas que

    no tm a sua origem em Deus.

    S.Toms de Aquino eterniza a conformidade entre a f e a filosofia nos

    seguintes termos Se se encontrar, portanto, alguma coisa contrria f nas

    afirmaes dos filsofos, no se deve atribuir isso filosofia, mas a um mau

    uso da filosofia devido a alguma falha da razo (ibidem:172).

    A absoro da Filosofia pela Teologia em Sto Agostinho e a conciliao

    entre a Filosofia e Teologia em S. Toms de Aquino parecia ter resolvido o

    problema da controvrsia entre a filosofia e religio na Idade Mdia. Mas

    surgiram crticos quer contra a filosofia absortista de Sto Agostinho tanto corno

    contra a filosofia confirmista de S. Toms de Aquino. O exemplo dessa crtica

    resume-se no pensamento de Joo Duns Escoto.

    Escoto, em oposio a Agostinho e Aquino, pela clara distino entrea filosofia e a teologia por tratar-se de dois conhecimentos de mbitos

    completamente diferentes. Para Escoto, a filosofia tem uma metodologia e

    objecto de estudo que no pode ser absorvido e nem colocado no nvel da

    teologia ou f. A filosofia se ocupa do ente enquanto tal e de tudo o que

    redutvel e ele ou dele dedutvel (Reale e Antiseri, 1990:599), enquanto que a

    teologia guia-se pela f. A filosofia aborda os problemas guiando-se pela lgica

    natural e especulativa porque visa conhecer, enquanto que a teologia ocupa-secom questes resultantes da revelao divina, isto , a teologia ostenta um

    carcter prtico e induz o homem a praticar atitudes positivas.

    Escoto acusa Sto Agostinho de ter tentado absorver a filosofia na

    teologia e Sto. Toms de Aquino de ter tentado colocar no mesmo nvel a f e a

    razo a filosofia e a teologia, quando se trata de duas formas distintas do

    acesso ao mundo.

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    A reflexo desenvolvida por Escoto vai prolongar-se nas teorias de

    outros filsofos e fazer avanar um esforo de distanciamento da filosofia do

    pensamento religioso, aproximando-o do pensamento cientfico, o que vai

    ocorrer na Idade Moderna.

    1.3. Relao entre filosofia e cincia na Idade Moderna

    A cincia foi ao longo da histria da humanidade considerada autoridade

    da legitimao das mais variadas formas do saber humano.

    A reflexo sobre a cincia como forma de saber e como possibilidade de

    dominar a natureza e transform-lo ao seu benefcio deve ser feita tendo em

    conta os progressos que ela foi alcanando em diferentes etapas de seu

    desenvolvimento.

    A Cincia o conhecimento que inclui, em qualquer forma ou medida,

    uma garantia da prpria validade (Abbagnano, 2003: 136). Esta definio

    inclusiva ou reconciliatria com o conceito tradicional da cincia moderna, em

    que o conhecimento cientifico visto como grau mximo da certeza. Adefinio coloca tambm uma limitao quanto forma e medida da actuao

    de cincia.

    A origem da Cincia atribuda Grcia antiga por volta de sc. VI a.C.,

    com finalidade de fundamentar e sistematizar o saber humano (Logos, 1997:

    963).

    Aristteles considerou a cincia como conhecimento demonstrativo,

    entendendo por tal o conhecimento da causa de um objecto, isto , conhece-se

    porque o objecto no pode ser diferente do que . por a que em Aristteles a

    cincia distingue-se da opinio (Abbagnano, 2003: 137).

    O surgimento das cincias modernas no ps em crise os ideais dos

    antigos, no que concerne ao conceito de cincia. Por exemplo, a ideia de que amatemtica a cincia mais perfeita fundamenta-se na proposta da

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    objectividade da cincia em Aristteles. Outro exemplo que faz reviver a ideia

    de Aristteles sobre a cincia, o facto de Descartes ter tentado organizar todo

    o saber humano com base em modelo de aritmtica e geometria. Para esse

    filsofo, a aritmtica e geometria eram as nicas cincias livres de falsidade e

    incerteza pelo facto de se fundarem na deduo (ibidem). A filosofia, portanto,

    para ser um conhecimento consistente deveria buscar um mtodo to rigoroso

    como o dessas cincias.

    Isso mostra a proximidade da filosofia com a cincia na Idade Moderna.

    Naquele momento, distanciando-se da religio e da Teologia, a filosofia busca

    para sua reflexo o modelo da cincia, pois cincia atribui-se a finalidade de

    definir aquilo que verdadeiro, de buscar e administrar os fatos.

    Para alm do estabelecimento de diferena, existe entre a Cincia e a

    Filosofia um certo paralelismo de critrios, na perspectiva da pluralidade de

    anlise dos factos e fenmenos. Vrios cientistas podem formular diferentes

    ideias sobre os mesmos dados. A Filosofia refugiando-se nas diferentes vises

    do mundo tambm pode apresentar diferentes proposies sobre a mesma

    realidade, dependendo do ponto de vista e da concepo do mundo de cadateoria filosfica.

    Mas o que se percebe mais freqentemente nesse momento a

    distino entre filosofia e cincia, no sentido de que a cincia fornece um

    conhecimento exacto dos factos e de que a filosofia forneceria apenas vises

    de mundo sujeitas a comprovao criteriosa. Nesta perspectiva a cincia

    vista como fornecedora de conhecimentos seguros e acabados em formas deaxiomas enquanto que a Filosofia se limita nas vises do mundo, isto ,

    oferece algo que est acima das nossas capacidades de compreender

    (Newton, 1990:30).

    Esta forma de pensar e de separar a cincia de Filosofia pode nos

    conduzir a agonia, pois nem a cincia uma fornecedora perene de verdades e

    nem as doutrinas filosficas s tm o valor de composies musicais quepodem agradar a todos. (ibidem 31). Esta viso mostra que tanto a cincia

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    quanto a Filosofia tm um compromisso social que a busca da verdade, isto

    , a cincia assim como a Filosofia no flutuam no espao. Moura (apud

    Marnoto 1989:65) afirma, a propsito, que no existe uma cincia e nem uma

    Filosofia que ocorrem como exerccio em abstracto, isto , originam-se e se

    desenvolvem num concreto histrico social.

    A problemtica da relao entre a cincia e a Filosofia na idade moderna

    pode se resumir, na nossa ptica, no pensamento de Bacon (1561-1626) e

    Descartes (1596-1650), embora estes dois pensadores no sejam os nicos

    que pensaram profundamente sobre a relao entre a Filosofia e a Cincia na

    Idade Moderna.

    Bacon um filsofo que se tornou um verdadeiro profeta da revoluo

    tecnolgica, ao constatar e acreditar que todo o saber devia ter os seus frutos

    na prtica, que a cincia devia ser aplicvel ao mundo do trabalho, que os

    homens deviam se organizar para transformar as suas condies de vida

    (Reale/ Antiseri, 19989: 324).

    Esta ideia teve um grande alcance e influenciou positivamente o cursoda histria da humanidade. O pensamento do Bacon mostrou que a cincia

    pode e deve transformar as condies da vida do Homem. Bacon mostrou,

    segundo Reale e Antiseri, que a verdadeira relao entre o saber e o

    desenvolvimento da reforma cultural est na transformao prtica das

    condies concretas da vida. Bacon rejeita a validade da Filosofia tradicional

    de Aristteles atravs da sua fundamentao cientfica, acusando-a de rigor

    silogstico. O pensamento cientfico e filosfico de Bacon mudou a forma de vera relao entre Filosofia e a Cincia na Idade Moderna.

    A relao entre a Filosofia e a Cincia na Idade Moderna atingiu o seu

    apogeu em Descartes, que por sinal foi considerado pai desta, como afirma

    Whitehead: a histria da Filosofia moderna a histria do desenvolvimento do

    cartesianismo em seu duplo sentido idealismo e mecanicismo (ibidem 350).

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    Descartes fixou novos moldes de relao entre a Filosofia, Fsica e

    Astronomia. Para ele, a cincia da natureza tem um carcter matemtico. O

    mtodo das cincias, principalmente da Fsica e da Matemtica, desempenha

    uma funo especial no projecto filosfico de Descartes. Ele v a relao entre

    a Filosofia e a Cincia nestes termos: toda a Filosofia como uma rvore

    cujas razes so a metafsica, o tronco a fsica e os ramos que procedem do

    tronco so todas as outras cincias (ibidem 351). Assim, Descartes esboa

    uma relao objectivamente necessria entre a cincia e a Filosofia, isto , o

    sucesso da Filosofia depende em grande medida da aco das cincias, que,

    por sua vez, buscam na Filosofia o fundamento das suas hipteses

    especulativas para uma posterior verificao criteriosa.

    O pensamento cientfico e filosfico de Descartes abre uma nova fase

    de olhar para cincia e para a prpria Filosofia na Idade Moderna.

    Kant considerou cientfico aquilo que se apresenta em unidade do saber

    como sistema, entendendo por sistema a unidade de conhecimentos diversos

    sob uma ideia (Kant, 1977:657- A832/B860). Para ele, a cincia s possvel

    onde tem lugar um sistema organizado de conhecimentos ordenados earticulados entre si. A constatao de Kant segundo a qual a cincia um

    sistema organizado de conhecimentos tornou-se trampolim da Filosofia do

    sculo XIX e foi tambm adoptada pelo Romantismo. O exemplo disso o

    facto de Fichte ter ajuzado que uma cincia deve ser uma unidade, em todo e

    que as propores isoladas s podem tornar cincias no todo, graas a seu

    lugar no todo, sua relao como o todo (Abbagnano, 2003: 137). Na mesma

    linha, Hegel concluiu que a verdadeira forma na qual a verdade existe s podeser sistema cientfico dela (ibidem).

    Assim, pode se afirmar que a relao entre a Filosofia e a cincia na

    idade moderna foi sempre de correlao. A cincia precisa de Filosofia para o

    enunciamento das suas hipteses de investigao com vista busca da

    verdade e a Filosofia precisa das cincias para dar corpo s suas teorias nos

    mais diversos sectores de saber.

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    Tomamos como exemplo para sustentar esta posio a exploso das

    cincias e multiplicao das descobertas cientficas, nos incios do sculo XV

    at ao limiar do sculo XVII, que contribuiu em grande medida para a mudana

    da estrutura do pensamento em relao ao mundo fsico, que mudou as ideias

    que se tinham sobre o Homem e a sociedade e sobre a relao entre a

    Filosofia e a cincia (Reale/Antiseri 1990:186).

    A reflexo que fizemos sobre as relaes entre a filosofia e os outros

    tipos de conhecimento ajudou a compreender a necessria compenetrao

    entre os vrios campos do saber humano. O historial cultural explorado no

    captulo permitiu ter uma conscincia sobre os possveis tipos de contradio

    no processo da construo do conhecimento.

    Neste trabalho, procuraremos explorar a potencialidade da filosofia no

    mundo contemporneo. As caractersticas da reflexo filosfica sero

    retomadas em todo o percurso, buscando pensar no significado de sua

    presena na escola, no contexto moambicano de hoje, que est numa fase da

    construo da sua identidade, despojada durante 5 sculos de dominao

    colonial.

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    Captulo 2

    O lugar da Filosofia no Ensino Secundrio

    2. 1. O lugar da Filosofia na Escola

    A definio do lugar de Filosofia na escola passa necessariamente pela

    compreenso da sua dimenso histrica. Seu lugar na escola secundria no

    definido pela vontade ou voluntariedade de um ou de outro, mas requerido

    pela pertinncia de dar um carcter dinmico a todo o processo da construo

    crtica do conhecimento e da realidade.

    Como a escola tem tambm a funo de ressignificar o discurso

    humano, ela busca um verdadeiro instrumento a filosofia que aparece

    fornecendo fundamentos tericos para o reordenamento de todo o corpo de

    saber que a escola tem a obrigao de fornecer. Ela parece-nos ser a luz que

    ilumina o discurso escolar em todas as suas discusses curriculares. Da que a

    Filosofia na escola e muito particularmente no ensino secundrio constitui um

    momento especial de convite ao aluno para uma reflexo permanente sobre os

    seus problemas.

    2.2. O lugar da Filosofia no Ensino Secundrio9.

    No contexto do Ensino Secundrio a Filofofia possui um grande valor, na

    medida em que convida o aluno para a sua autoformao. A autoformao ,

    para o aluno, um momento de ruptura que ocorre entre os velhos hbitos de

    receber todos os dados ou conhecimentos do professor e as novas exignciasimpostas pelos princpios de aprendizagem significativa, na qual o aluno

    sujeito activo no processo da construo do conhecimento. Na disciplina de

    filosofia, ele obrigado a guiar o seu esprito atravs de um questionamento

    contnuo de toda a realidade em sua volta, de modo a construir ele prprio as

    9O conceito de Ensino Secundrio varia de sistema para sistema, contudo indica o

    mesmo nvel que o pr-universitrio. No sistema de educao moambicano oensino secundrio divide-se em dois nveis (o 1 e o 2 ciclos)

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    solues dos problemas que a vida lhe impe. Kant (in: Neves e Vieira, sd:58)

    observou a propsito que o adolescente que saiu da instruo escolar estava

    habituado a aprender. Agora, ele pensa que vai tambm aprender filosofia, o

    que , porm, impossvel, porque agora ele tem de aprender a filosofar.

    Na perspectiva kantiana a Filosofia assume-se como elemento da

    exercitao do esprito orientado para a descoberta contnua da verdade.

    Tassin, ao apreciar o valor formativo de Filosofia, recorre ao argumento

    pedaggico, argumentando que a Filosofia desenvolve capacidades de anlise,

    de leitura, de abstraco, alarga as tcnicas de argumentao e conduz ao

    desenvolvimento do raciocnio. A filosofia abre-se para uma interrogao

    conceptual e uma reflexo racional (Tassin, in: ibidem:59 e Chambisse, 2003).

    O elemento que nos parece destacar com rigor o lugar de Filosofia no

    ensino secundrio o facto de ela reconhecer implicitamente a universalidade

    do pensamento em relao opinio. A aco da Filosofia no recai sobre as

    prprias coisas, mas sobre uma reflexo lgica-racional que se elabora sobre

    elas.

    Esta caracterstica peculiar da filosofia confere-lhe um lugar especial no

    ensino secundrio, que antecede o ensino universitrio. O aluno do secundrio

    precisa de treinar o seu intelecto para compreender o mundo e a vida numa

    perspectiva histrica, universal, autnoma e radical, elementos que coincidem

    com as caractersticas fundamentais de filosofia, que so: a historicidade,

    universalidade, autonomia da razo e radicalidade, entre outras.

    Na medida em que a Filosofia possui um carcter histrico, seu ensino

    liga o aluno do secundrio com a poca em que ele vive, com os problemas da

    vida cultural e intelectual. A filosofia aborda os problemas de cada poca em

    consonncia com o nvel do desenvolvimento das foras produtivas, isto ,

    cada sistema filosfico, como manifestao e criao do homem, integra os

    problemas de uma determinada poca e de um determinado contexto histrico.

    A viso filosfica dos factos ajuda o aluno secundrio a contextualizar o seu

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    processo do ensino e aprendizagem, atravs de uma integrao efectiva,

    sistemtica e contnua dos seus conhecimentos.

    Jos Trindade Santos (in Henriques /Bastos 1998:267) afirma que

    A dimenso histrica da disciplina de Filosofia manifesta-se no modo

    como a tradio convocada pela reflexo e pela inteno crtica:

    passado, presente e futuro convergem num dinamismo criativo,

    superador dos seus limites temporais e culturais.

    Esta posio parece dar a entender que a historicidade uma forma

    contnua de revisitar o passado com os olhos orientados para o futuro, isto ,ao visitar historicamente o passado, pretende-se estabelecer uma

    compenetrao crtica do passado com o presente e prognosticar o futuro.

    A universalidade uma outra caracterstica peculiar da filosofia. O que

    se d com a filosofia que esta representa uma compreenso total (Reale,

    2000:19), uma vez que busca a unidade ou a totalidade da conexo dos factos

    e fenmenos. A universalidade supera o nvel sectorial e permite estabelecerum dilogo entre os pensadores de todos os tempos e lugares.

    A viso universalista dos factos assume um carcter transcendental, que

    se abre para um perspectiva de conjunto. Pode-se ler isto na obra A Repblica

    de Plato (sd:180). Ali, o filsofo apresenta uma reflexo acerca da natureza,

    das exigncias e do sentido da existncia humana. Na Alegoria da Caverna

    esto reflectidas algumas perspectivas filosficas importantes, que indicam as

    formas de busca de liberdade no pensar e no agir, tais como a pretenso para

    a libertao, o aprender para uma reorientao no tempo e no espao, a

    exercitao da mente para a arte. Isso pode conferir ao aluno do secundrio a

    capacidade de pensar e agir de uma forma independente e autnoma. O

    exemplo da Alegoria da Caverna refora a idia da Filosofia como um olhar

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    fundo e largo (Lorieri e Rios, 2001) ou para um olhar da Coruja da Minerva

    (Castiano10 , in Ngoenha, 2004).

    nesta perspectiva que Kant (in: Alves e Carvalho, 1999:51) considerou

    o filosofar como um processo recriador, mostrando que no se pode resumir a

    filosofia a um conjunto de teses que se aprendem, mas tambm no pode

    dispensar o seu conhecimento, resumindo essa idia nos seguintes termos:

    Aquele que quiser aprender a filosofar deve encarar os sistemas da Filosofia

    apenas como histria do uso da razo e como objectivo do exerccio do seu

    prprio talento filosfico....

    Para alm da historicidade, universalidade e autonomia, a Alegoria da

    Caverna reflecte ainda a radicalidade da Filosofia. A Filosofia mostra-se radical

    ao predispor-se a questionar e problematizar tudo em sua volta. Para Neves e

    Vieira, a radicalidade de filosofia est nas suas posies ou explicaes, isto ,

    o objectivo da filosofia dar conta dos fundamentos, das razes de ser ltimas,

    dos princpios, das causas primeiras de qualquer realidade particular e at da

    realidade em geral (Neves e Vieira, sd:92). Isto significa que a radicalidade da

    filosofia em momento nenhum assume posies como verdades ltimas antesde criteriosamente examin-las em critica severa. A insatisfao como mtodo

    de filosofia mostra sua disposio e interesse de uma busca cada vez mais

    renovada de formas da vida, da cultura, do modo de estar e por fim, da vida em

    geral.

    Como o ensino secundrio representa o momento da maturidade

    cientfica, a filosofia, ao lado das outras disciplinas, instrumento necessriopara abrir a mente do aluno para o desenvolvimento de uma reflexo critica.

    A Filosofia , portanto, pela sua natureza crtica, uma potncia para uma

    aprendizagem mais significativa na sala de aulas, alm de apresentar-se como

    um estmulo para uma aprendizagem por descoberta contnua e/ou

    10

    Castiano, no seu prefcio obra de Severino Ngoenha Os tempos de Filosofia emMoambique, faz de uma forma especial referncia questo da coruja de Minerva.

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    aproximao sucessiva de contedos pela sua natureza crtica e desdobrar-se

    como um verdadeiro exerccio da cidadania. disso que trataremos nos

    prximos itens.

    2.3. Filosofia como potncia para a aprendizagem significativa

    2.3.1. O conceito de aprendizagem significativa

    A compreenso do conceito aprendizagem significativa passa

    necessariamente pela anlise de vrias teorias sobre a aprendizagem.

    Aprendizagem um conceito polissmico e aplicado em funo deuma perspectiva e um contexto especficos. O conceito pode ser abordado na

    perspectiva dos factores biolgicos, que condicionam a aprendizagem humana;

    pode ser abordado a partir dos factores sociais que determinam a

    aprendizagem e pode, ainda, ser analisado sob o ponto de vista de seus

    fundamentos psicolgicos.

    Para a presente reflexo sobre a aprendizagem significativa, faremosrecurso a cada uma dessas abordagens.

    Para Duarte (1998:14/5),

    a aprendizagem a modificao na disposio ou na capacidade do

    Homem que no pode ser atribuda apenas ao processo de crescimento

    biolgico... A aprendizagem ocorre quando se compara o

    comportamento do indivduo antes de ser colocado em uma situao de

    aprendizagem e o seu comportamento aps.

    Duarte atribui um carcter dinmico e multidimensional ao conceito de

    aprendizagem. Para ele, a aprendizagem ocorre na e pela actividade. O

    resultado da aprendizagem manifesta-se no comportamento exterior do aluno.

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    Aprendizagem significa, ainda de acordo com Moreira e Masini (2001:4),

    organizao e integrao dos contedos na estrutura cognitiva. Esses autores

    (ibidem:100) definem a aprendizagem significativa como sendo aquisio de

    novos significados, (pressupondo) a existncia de conceitos e proposies

    relevantes na estrutura cognitiva, uma predisposio para aprender e uma

    tarefa de aprendizagem potencialmente significativa.

    No mbito da nossa reflexo, por aprendizagem significativa

    compreende-se uma aprendizagem que se relaciona com a vida, isto , o que

    o aluno aprende na escola encontra aplicao no seu dia a dia e no futuro; uma

    aprendizagem que parte da vida para a sala de aulas e da sala de aulas para a

    vida; uma aprendizagem que garante aplicao do aprendido na realidade.

    A aprendizagem significativa ocorre quando a nova informao se

    ancora em conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva de quem

    aprende (Moreira/Masini 2001:7). Como j referi, a aprendizagem s se torna

    significativa quando produz impacto ao ser incorporada na estrutura cognitiva

    do aluno/aprendiz. A rede conceptual de significados que garante uma

    ascenso significativa da aprendizagem e constri uma hierarquia designificados especficos assumidos como novo conhecimento. Por exemplo: na

    Unidade 4 do programa de Filosofia poltica (vide programa de Filosofia 2000),

    o aluno pode ter teoricamente o domnio da teoria da tripartio do poder em

    Montesquieu e, a partir deste dado, olhar para a separao dos poderes em

    Moambique, e ser capaz de formular juzos crticos, reflectir sobre a sua

    prpria realidade e comparar um regime democrtico com um outro. Assim

    estaramos perante uma situao de articulao dos conhecimentos sobre ateoria de tripartio do poder em Montesquieu nova realidade moambicana

    no estudada directamente na sala de aulas. Deste modo, os dois

    conhecimentos articulados (a teoria de Montesquieu foi usada para

    compreender e interpretar a realidade moambicana) tornam-se significativos

    para o aluno.

    A aprendizagem significativa no produto do acaso. Ela pressupecondies prvias. Os contedos a serem aprendidos tm de ser

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    potencialmente significativos para o aluno, ou seja, o contedo deve se

    relacionar com o conhecimento de uma forma consciente, crtica e gradual.

    Portanto, o pressuposto da aprendizagem significativa, na perspectiva

    de Moreira e Masini, a predisposio de relacionar o novo contedo de forma

    consciente e crtica com o j existente. Os dois autores apontam como sinais

    de presena da aprendizagem significativa a posse de significados claros,

    precisos, diferenciados e transferveis (Moreira e Masini, 2001:14/15).

    Anteriormente usei o exemplo da aplicao da teoria da tripartio do

    poder em Montesquieu, para analisar a organizao poltica do Estado

    Moambicano. A posse de significados claros no pode acontecer

    mecanicamente, assim como o ancoramento dos conhecimentos. Ausubel,

    citado por Moreia e Masini, prope que, ao se procurarem evidncias de

    compreenso significativa, sejam utilizados problemas novos, os quais

    provocam uma transformao na estrutura cognitiva do aluno ou no

    conhecimento j existente. O outro teste da aprendizagem significativa

    recomendado por Ausubel a colocao de tarefas numa sequncia com uma

    interdependncia. Por exemplo: para dominar a concepo da Alegoria daCaverna, de Plato, seria imperativo ter o conhecimento da sua concepo do

    Mundo e/ou do Homem.

    .

    A aprendizagem significativa um processo prtico da aquisio activa

    do conhecimento, que o aluno, como sujeito do processo de ensino e

    aprendizagem, deve dominar.

    2.3.2. Contribuio do Ensino de Filosofia para uma aprendizagem

    significativa

    Temos procurado demonstrar que o ensino de Filosofia uma potncia

    para a aprendizagem significativa. Ele um espao de reflexo e de

    ordenamento do saber e contribui de diferentes maneiras para a aprendizagem

    significativa, no s na disciplina de Filosofia, mas tambm nas outras

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    disciplinas. O seu carcter pluralista, multidimensional e crtico dinamiza a

    aprendizagem significativa em qualquer disciplina.

    Para, efectivamente, saber como a filosofia um conhecimento, uma

    forma de saber, que tem uma esfera prpria de competncia na qual procura

    informaes vlidas para a orientao no tempo e no espao (Mondin 1990:7),

    preciso sair da esfera individual de anlise de fenmenos e penetrar no

    objecto e nos fenmenos atravs de actividades reflexivas do dia-a-dia

    (Chambisse, Cossa, Castiano, 2003:73).

    A esfera de competncia da filosofia de difcil identificao,

    contrariamente ao que acontece com as outras cincias. Segundo Mondin

    (1990:7), fcil determinar o que estuda a Botnica, a Geografia, a Histria

    etc. Quanto filosofia, dificilmente se identifica a sua esfera de competncia de

    uma forma consensual.

    Para Mondin, a filosofia estuda todas as coisas. Por isso surge a

    pergunta: como ensinar uma cincia que estuda todas as coisas?

    Kant afirma na Crtica da Razo Pura (1972) que no se aprende

    filosofia (nenhuma), mas sim a filosofar. Com isso Kant quer dizer que ningum

    est na posse dela. Kant questiona ainda na mesma obra (1972:67) : onde est

    ela, quem a tem na sua posse e em que se faz ela reconhecer?

    Essa posio de Kant passou por uma srie de diferentes

    interpretaes. Kant compreendia que a filosofia para ser aprendida tinha queantes de tudo existir como tal. Mas como ela um processo de construo

    contnua e gradual no se pode ensinar. Quem pretendesse ensinar Filosofia,

    teria em primeiro lugar que responder: Que filosofia pretendo ensinar, que

    contedos vo ser tratados? O que se vai considerar como elementos

    fundamentais do trabalho? Quais os mtodos a usar, em que consiste o

    especficoem filosofia?

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    Favaretto, em aparente oposio a Kant, insiste na possibilidade do

    ensino de Filosofia contudo, para ele o ensino de filosofia vale o que vale o

    pensamento daquele que a ensina (Favaretto; 1996:77). Ele compreende que

    aquele que ensina membro de uma sociedade concreta. Ao ensinar, o faz em

    nome da sociedade. Portanto, a escolha do que vai ensinar e como vai ensinar,

    a imagem e o contedo da filosofia que pretende efectivar na sala de aulas,

    tem em vista os valores que fazem parte da cultura da sociedade.

    Jos Barata Moura afirma que o ensino de filosofia no um magistrio

    em abstracto. Assim como o de qualquer outra disciplina do curso, ele

    fundamenta-se e desenvolve-se num contexto concreto histrico social de

    tradies existentes e de esperanas (Moura, apud Marnoto, 1989:66/7).

    Portanto a conjugao de problemas tipicamente filosficos com questes

    emergentes da experincia depende da maneira como o professor concebe a

    situao cultural da escola, dos alunos e da prpria sociedade onde est

    inserido. A Filosofia s pode desempenhar a sua funo de instituio cultural

    no ensino quando h um currculo previamente concebido em funo das

    necessidades do desenvolvimento da sociedade.

    Para Rios (in Lorieri e Rios, 2004:11), a filosofia um exerccio de

    reflexo em busca da ampliao e do aprofundamento do saber. Para alm do

    exerccio de reflexo, a filosofia assume uma atitude crtica ao tentar olhar com

    outros olhos, para ver os aspectos bons e maus dos processos sociais e da

    realidade em sua volta (ibidem: 23). A atitude crtica, aquela que no aceita

    nada que no esteja claro e distinto sua mente, que procura estabelecer

    conexo entre factos e fenmenos, que tem um teor dialctico, serve deferramenta para a superao dos aspectos julgados maus e estimular os

    julgados como bons, de modo a torn-los cada vez melhores.

    A atitude crtica promove aprendizagem significativa na medida em que

    fornece instrumentos de anlise da realidade ao sujeito. Ela incita o

    pensamento a despertar-se sempre(Mayor, 1996:4). nela que se encoraja o

    questionamento permanente com o intuito de desenvolver o universo doconhecimento do sujeito no processo do ensino-aprendizagem.

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    Chau (apud Lorieri /Rios, 2004:26) afirma que a filosofia no trabalha

    apenas no nvel reflexivo e crtico, mas ela a busca do fundamento e do

    sentido da realidade em suas mltiplas formas atravs de um questionamento

    permanente. a ferramenta que permite questionar para ampliao do

    conhecimento multifactico e que constitui grande contributo para uma

    aprendizagem significativa, uma vez que o aluno vai ligar atravs da crtica

    permanente a sua aprendizagem com a vida, com os aspectos culturais e

    sociais: a filosofia vai estimul-lo a questionar mais e a atribuir o significado ao

    que aprende e vive no seu dia-a-dia.

    Ngoenha (1992) concorda com essa concepo, afirmando que a

    filosofia transforma-se num esforo do esprito humano com vista a dar conta

    da significao de todos os aspectos da realidade, com a maior profundidade

    possvel e sempre em relao significao da existncia do ser humano.

    As perguntas que a filosofia coloca so em si uma contribuio para

    uma aprendizagem significativa, porque estabelecem uma conexo entre os

    vrios campos de saber dentro de um sistema curricular de qualquer nvel doensino.

    Estes argumentos a favor do ensino de Filosofia e da sua contribuio

    para a aprendizagem significativa justificam a sua pertinncia no currculo

    escolar do 2 ciclo.

    A promoo da aprendizagem significativa no algo prprio apenas dafilosofia, pois todo o ensino bem dirigido provoca aprendizagem significativa na

    formao do homem, na construo do saber e da cultura ou seja na

    construo do mundo do prprio homem cultural. O que pretendemos aqui foi

    assinalar a contribuio que a filosofia pode trazer formao e transformao

    do homem e da cultura.

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    2.3.3. A Filosofia como motivao para uma aprendizagem por descoberta

    contnua

    Onde os ingnuos s vem factos diversos,

    acontecimentos amontoados, a filosofia permite discernir

    uma significao, uma estrutura(Favaretto, 1996:79).

    A motivao constitui impulso interno que nos impele a realizar uma

    certa actividade com um certo nvel de concordncia connosco mesmos. A

    motivao no aparece por si isolada de alguma causa, objectivo, interesse ou

    significado pessoal.

    Stratton e Hayes (1998:153) entendem a motivao como sendo o

    termo geral dado a um estado subjacente inferido que energiza o

    comportamento provocando a sua ocorrncia, enquanto que Vilarinho a define

    como um processo interior, individual, que deflagra, mantm e dirige o

    comportamento. Implica um estado de tenso energtica, resultante da

    actuao de fortes motivos que impelem o sujeito a agir com certo grau deintensidade e empenho (Vilarinho, 1979:17).

    A partir destes subsdios pode-se concluir que a motivao parte de

    razes internas e se manifesta na actividade e pela actividade. A motivao

    est ligada com os interesses da pessoa, est ligada com o sucesso que se

    alcana ou que se almeja. Ela pode ser despertada pelo elogio O elogio

    aumenta a fora psquica e motriz para a aco positiva e dinmica.

    No processo de ensino e aprendizagem, a escola tem por obrigao

    criar um ambiente favorvel aprendizagem dos alunos. Os professores

    devem identificar as formas de manifestao da motivao dos alunos para a

    partir da estimul-los. Uma das tarefas mais difceis para o professor na sala

    como manter viva a motivao que os alunos levam para a sala de aulas, como

    orientar esta fora para coisas positivas e teis para a vida dos prprios alunos,

    para a escola e para a comunidade na qual esto inseridos.

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    Para Isabel Marnoto (1989:144), o novo conhecimento incorporado

    estrutura cognitiva atravs de relao substantiva e no arbitrria. Esse

    exerccio de compenetrao de contedos anteriores com os novos torna-se

    um impulso na aprendizagem, porque os novos contedos vo se relacionar

    continuamente estrutura cognitiva do aluno.

    O ensino de filosofia com o seu carcter crtico e reflexivo, pode motivar

    os alunos para uma contnua descoberta de novos conceitos e contedos de

    aprendizagem. A filosofia , segundo Chambisse, (2003: 20), em si um impulso

    para a descoberta da realidade, atravs da utilizao do mtodo de justificao

    lgico-racional. Atravs desse mtodo, a filosofia estimula o aluno na

    aprendizagem a organizar as suas capacidades cognitivas orientadas para a

    descoberta de novos argumentos para as proposies que lhe aparecem

    aglutinando-as com as anteriormente conhecidas. Rancire (apud Kohan,

    2004:19) afirma que quem busca sempre encontra. No encontra

    necessariamente, o que busca, menos ainda o que necessrio encontrar.

    Mas encontra algo novo para relacionar coisa que j conhece.

    A atitude filosfica de mergulho nas trevas, no desconhecido, em busca

    de algo para a construo do novo conhecimento constitui uma caracterstica

    peculiar da filosofia como estimuladora da aprendizagem. Toda a

    aprendizagem que visa uma descoberta de novas realidades ou do mundo

    cognitivo, quando feita efectivamente, torna-se uma motivao para a

    consolidao dessa descoberta. A aprendizagem por descoberta prpria dos

    problemas do dia-a-dia e das fases iniciais do desenvolvimento cognitivo(Marnoto, 1989:103). Ela, quando aplicada na prtica quotidiana do aluno,

    oferece novas ideias e novos motivos para uma procura cada vez maior do

    conhecimento.

    A caracterstica essencial da aprendizagem por descoberta, segundo

    Marnoto, que o contedo principal daquilo que vai ser aprendido no dado,

    mas deve ser descoberto pelo aluno, antes que seja significativamenteincorporado sua estrutura cognitiva (ibidem 139). A funo central da

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    aprendizagem por descoberta , efectivamente, descobrir algo novo para

    completar ou continuar o seu conhecimento anterior. Este tipo de

    aprendizagem torna-se motivao para a aprendizagem significativa, quando

    se entra na ressignificao dos novos contedos. Por exemplo, o aluno

    reagrupa uma diversidade de informaes ou peas de puzzle com

    caractersticas diversa