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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA FLORESTAL METODOLOGIA PARA PROJETOS DE ENGENHARIA NATURAL PARA OBRAS DE INFRAESTRUTURA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Charles Rodrigo Belmonte Maffra Santa Maria, RS, Brasil 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CINCIAS RURAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA FLORESTAL

    METODOLOGIA PARA PROJETOS DE ENGENHARIA NATURAL PARA OBRAS DE

    INFRAESTRUTURA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Charles Rodrigo Belmonte Maffra

    Santa Maria, RS, Brasil

    2014

  • METODOLOGIA PARA PROJETOS DE ENGENHARIA NATURAL PARA OBRAS DE

    INFRAESTRUTURA

    Charles Rodrigo Belmonte Maffra

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-graduao em Engenharia Florestal,

    rea de Concentrao em Manejo Florestal, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),

    como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Engenharia Florestal.

    Orientador: Prof. Dr. Fabrcio Jaques Sutili

    Santa Maria, RS, Brasil

    2014

  • Esse trabalho utilizou bolsa de estudos concedida pela Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP) via Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Amrico Miguez de Mello (Cenpes) e foi apoiado com recursos financeiros da Fundao de Apoio Tecnologia e Cincia (FATEC).

    Ficha catalogrfica elaborada atravs do Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

    Maffra, Charles Rodrigo Belmonte Metodologia para projetos de engenharia natural para obras de infraestrutura / Charles Rodrigo Belmonte Maffra. 2014. 150 p.; 30 cm

    Orientador: Fabrcio Jaques Sutili Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Cincias Rurais, Programa de Ps-Graduao em Engenharia Florestal, RS, 2014

    1. Bioengenharia de solos 2. Travessia de dutos 3. Estabilidade de taludes I. Sutili, Fabrcio Jaques II. Ttulo.

  • Universidade Federal de Santa Maria Centro de Cincias Rurais

    Programa de Ps-Graduao em Engenharia Florestal

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado

    METODOLOGIA PARA PROJETOS DE ENGENHARIA NATURAL PARA OBRAS DE INFRAESTRUTURA

    elaborada por Charles Rodrigo Belmonte Maffra

    como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Engenharia Florestal

    COMISSO EXAMINADORA:

    _________________________________________________

    Prof. Dr. Fabrcio Jaques Sutili (Presidente/Orientador)

    ________________________________________

    Prof. Dr. Rafaelo Balbinot UFSM

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Francisco Sandro Rodrigues Holanda UFS

    Santa Maria, 28 de fevereiro de 2014.

  • AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal de Santa Maria, minha casa, pelas inmeras oportunidades de aprendizado e tambm de convvio com pessoas realmente especiais.

    Ao professor Fabrcio Jaques Sutili, amigo e orientador, pelos ensinamentos constantes e lies que transcendem os assuntos acadmicos. Sem dvida seus ensinamentos me auxiliaram a ter uma viso diferenciada do ambiente minha volta.

    Ao professor Elvdio Gavassoni Neto, amigo e coorientador, pelos ensinamentos, pacincia e disponibilidade, e pelas palavras sinceras nos momentos mais adequados. Sem seu auxlio este trabalho no seria o mesmo. Obrigado Professor!

    Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), pela bolsa concedida via Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Amrico Miguez de Mello (Cenpes). Fundao de Apoio Tecnologia e Cincia (FATEC), pelo apoio financeiro. Sem estes auxlios seria mais difcil dedicar-me exclusivamente pesquisa.

    Aos professores da ps-graduao (Engenharia Florestal e Civil), pelos ensinamentos e conhecimentos transmitidos.

    A todos os colegas de ps, pelos momentos compartilhados e pela troca de ideias sempre convenientes a peculiaridade de cada momento.

    Aos amigos Rita, Suelen e Vagner, pela amizade e companheirismo que, com certeza, tornaram mais interessantes e fceis os dias de ps-graduao.

    Greici (especialmente).

    minha famlia, sempre especial, por todo o apoio e pelo amor puro e sincero.

    Aos amigos que fizeram parte deste processo, torcendo e/ou incentivando.

    Muito Obrigado a Todos!

  • RESUMO

    Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Engenharia Florestal

    Universidade Federal de Santa Maria

    METODOLOGIA PARA PROJETOS DE ENGENHARIA NATURAL EM OBRAS DE INFRAESTRUTURA

    AUTOR: Charles Rodrigo Belmonte Maffra ORIENTADOR: Fabrcio Jaques Sutili

    Local da Defesa e Data: Santa Maria, fevereiro de 2014.

    A engenharia natural bastante difundida e comumente utilizada na Europa e Amrica do Norte para a estabilizao de sistemas naturais como taludes fluviais, encostas e reas sob processo erosivo. uma disciplina tcnica relativamente recente que tem conceitos, do ponto de vista prtico-aplicativo, bem desenvolvidos. Contudo, possui questes, principalmente de carter terico-tcnico, que ainda devem ser respondidas. Uma dessas questes diz respeito falta de metodologias analticas e procedimentadas para o desenvolvimento de projetos de engenharia natural em obras de infraestrutura. Neste sentido, a proposta do presente trabalho consiste em desenvolver uma metodologia para a elaborao de projetos de engenharia natural para obras de infraestrutura e demonstrar sua aplicao no desenvolvimento de um projeto de estabilizao fluvial em travessia de dutos terrestres. A metodologia desenvolvida apresenta um procedimento hierarquizado composto por trs fases de projeto: Conceitual, Bsica e Executiva, sendo, cada uma, composta por objetivos e atividades de desenvolvimento. Na concepo do projeto a metodologia mostrou-se importante para a organizao das informaes em uma sequncia racionalizada de obteno e anlise, facilitando, desse modo, a compreenso da fenomenologia dos problemas envolvidos, a escolha e o dimensionamento das tcnicas mais adequadas a cada problema, bem como a descrio e quantificao da logstica necessria implantao da obra projetada. A metodologia se mostra uma ferramenta eficiente na uniformizao e universalizao das atividades de projeto de engenharia natural em aplicaes de maior responsabilidade.

    Palavras-chave: Bioengenharia de Solos. Travessia de dutos. Estabilidade de Taludes Fluviais.

  • ABSTRACT

    Mater Course Dissertation Post-Graduate Program in Forestry Engineering

    Federal University of Santa Maria

    METHODOLOGY FOR SOIL BIOENGINEERING DESIGNS

    AUTHOR: Charles Rodrigo Belmonte Maffra ADVISER: Fabrcio Jaques Sutili

    Defense Place and Date: Santa Maria, February 28, 2014.

    Soil bioengineering is a widespread science which is usually applied in Europe and North America for natural systems stabilization such as streambanks, slopes and eroded areas. It is a relatively new technical discipline, that has well developed concepts, from a practical point of view. Nevertheless, it still has some theoretical and technical issues that should be addressed. One of those issues is related with the lack of analytical methodologies and procedures for the elaboration of projects based on soil bioengineering techniques. Taking this issue into consideration, the purpose of this dissertation is to accomplish the development of a project methodology for the application of soil bioengineering techniques in infrastructure works, and to show its use in one case study for river stabilization in pipeline stream crossing. The developed methodology presents an hierarchical procedure with three project phases: conceptual, basic and executive, each of which is composed by objectives and development activities. During project elaboration this methodology has proved to be relevant to acquire, manage and analyze information in a rationalized sequence, and hence, facilitating the understanding of the problem phenomenology, the choice of techniques and the design method for each problem, as well as logistic description and quantification required for the execution of the one projected case study. This methodology has proved to be an efficient tool to standardize and generalize soil bioengineering project activities for greater responsibility applications.

    Keywords: Soil Bioengineering. Pipeline Stream Crossings. Streambank Stabilization.

  • LISTA DE FIGURAS E TABELAS

    Figuras:

    Figura 2.1 Esquema que ilustra a lei do mnimo em intervenes de engenharia natural. 30

    Figura 3.1 Objetivos da fase conceitual de projeto. .............................................................. 39

    Figura 3.2 Objetivos da fase bsica de projeto. ..................................................................... 42

    Figura 3.3 Objetivos da fase executiva de projeto................................................................. 45

    Figura 3.4 Atividades da fase conceitual de projeto. ............................................................. 49

    Figura 3.5 Atividades da fase bsica de projeto. ................................................................... 53

    Figura 3.6 Atividades da fase executiva de projeto. .............................................................. 57

    Figura 3.7 Fluxograma dos procedimentos gerais de projeto. ............................................... 59

    Figura 4.1 Localizao da regio de estudo no municpio de Cariacica, ES, Brasil. ............ 62

    Figura 4.2 Problemas desencadeados na rea de projeto. ...................................................... 64

    Figura 4.3 Perfil longitudinal esquemtico conceitual da obra transversal. .......................... 66

    Figura 4.4 Cinto basal saliente, em vista frontal e em cortes transversais, onde: 1 retilneo, 2 inclinado e 3 sinoidal. ...................................................................................................... 67

    Figura 4.5 Remodelagem de talude (ou retaludamento)........................................................ 70

    Figura 4.6 Exemplos da aplicao de biomanta combinada com estaquia vegetativa, base mantida com enrocamento (esquerda), com estrutura de madeira (centro) e detalhe da estaquia (direita). .................................................................................................................................... 71

    Figura 4.7 Plantio em banquetas. Esquema conceitual e exemplo de aplicao. .................. 72

    Figura 4.8 Muro simples de prumo frontal: exemplo de aplicao e esquema conceitual. ... 73

    Figura 4.9 Esteira viva sendo construda (esquerda) e resultado aps um ano (direita). ...... 74

  • Figura 4.10 Esquema conceitual de uma parede krainer dupla com base enrocada e montada em peas de madeira. ............................................................................................................... 75

    Figura 4.11 Bacia hidrogrfica da travessia e perfil longitudinal do talvegue de um afluente do Rio Bubu, no municpio de Cariacica, ES. ......................................................................... 80

    Figura 4.12 Rochas que direcionam o fluxo a margem esquerda onde o talude encontra-se rompido. ................................................................................................................................... 89

    Figura 4.13 Drenagem dos excedentes pluviais diretamente sobre o talude durante eventos pluviomtricos intensos............................................................................................................ 89

    Figura 4.14 Aspectos do perfil de compensao a ser formado naturalmente devido posio e altura do cinto basal saliente. .............................................................................. 102

    Figura 4.15 Aspectos executivos do cinto basal saliente. ................................................... 103

    Figura 4.16 Aspectos executivos do perfil de compensao a ser construdo a montante do cinto basal saliente. ................................................................................................................ 104

    Figura 4.17 Aspectos executivos da parede krainer dupla em vista frontal. ....................... 105

    Figura 4.18 Aspectos executivos da parede krainer dupla e banquetas vegetadas, ambas em corte transversal. .................................................................................................................... 105

    Figura 4.19 Planta esquemtica de localizao das solues. Na margem esquerda (parte superior da figura) parede krainer e banquetas, na margem direita (parte inferior) plantio de mudas e cordo de biorretentores em sua base e, mais a jusante, o cinto basal saliente. ...... 107

    Figura 4.20 Aspecto executivos dos grampos e cravos na amarrao entre longarinas e transversinas. .......................................................................................................................... 109

    Figura 4.21 Aspectos executivos das estruturas provisrias de conteno. ........................ 112

    Figura 4.22 Rochas que devem ser retiradas do leito e reacomodadas na construo do perfil de compensao. .................................................................................................................... 112

    Figura 4.23 Aspecto executivo do plantio de mudas associado a biorretentores nas alas do cinto basal saliente. ................................................................................................................ 113

    Figura 4.24 Aspectos executivos do sistema de drenagem em planta (posicionamento em relao as demais estruturas e extenso). ............................................................................... 115

    Figura 4.25 Aspectos executivos de plantio das mudas na margem direita. ....................... 117

  • Figura 4.26 Srie histrica de precipitaes para o municpio de Viana, ES (valores de 2013, somente at o ms agosto). ..................................................................................................... 119

    Figura 4.27 Custos totais em percentual dos principais servios que compem a execuo da obra. ........................................................................................................................................ 122

    Figura 4.28 Comparativo percentual entre os principais custos para realizao dos servios de implantao da obra. .......................................................................................................... 123

    Figura 4.29 Percentual dos custos totais de implantao para cada tcnica projetada. ....... 124

    Tabelas:

    Tabela 4.1 Condies hidrulicas atuais para o curso de gua, considerando a vazo de projeto. ...................................................................................................................................... 85

    Tabela 4.2 Condies de escoamento atuais para o curso de gua, considerando a vazo de projeto. ...................................................................................................................................... 87

    Tabela 4.3 Condies hidrulicas para o novo perfil do curso de gua, considerando a vazo de projeto. ................................................................................................................................. 93

    Tabela 4.4 Condies de escoamento para o novo perfil do curso de gua, considerando a vazo de projeto. ....................................................................................................................... 94

    Tabela 4.5 Cronograma das atividades envolvidas na execuo da obra. ........................... 120

    Tabela 4.6 Quantificao e oramento das atividades, materiais e mquinas necessrias a implantao da obra. ............................................................................................................... 121

  • LISTA DE APNDICES

    Apndice A PRANCHA B-01. Levantamento planialtimtrico (posio do duto).............143

    Apndice B PRANCHA B-02. Levantamento planialtimtrico (sees transversais da faixa e do curso de gua)..................................................................................................................144

    Apndice C PRANCHA B-03. Levantamento planialtimtrico (sees transversais da faixa).......................................................................................................................................145

    Apndice D PRANCHA B-04. Levantamento planialtimtrico (vista em planta, sees longitudinais e transversais do curso de gua)........................................................................146

    Apndice E PRANCHA B-05. Levantamento planialtimtrico (sees transversais do curso de gua)...................................................................................................................................147

    Apndice F PRANCHA E-01. Detalhes e localizao das intervenes transversais e longitudinais............................................................................................................................148

    Apndice G PRANCHA E-02. Perfil de compensao e aspecto das sees transversais..............................................................................................................................149

    Apndice H PRANCHA E-03. Detalhes do sistema de drenagem.....................................150

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .............................................................................................................. 21 1.1 Objetivos .................................................................................................................... 24 1.2 Organizao do trabalho ............................................................................................ 24

    2 A ENGENHARIA NATURAL COMO DISCIPLINA TCNICA ............................ 27 2.1 Evoluo histrica ...................................................................................................... 27

    2.2 Caractersticas e princpios ........................................................................................ 29

    2.3 Funes e efeitos ........................................................................................................ 31

    2.4 Vantagens e desvantagens ......................................................................................... 32

    2.5 Limites de aplicao .................................................................................................. 33

    2.6 Requisitos de projetos ................................................................................................ 34 3 PROCEDIMENTO DE PROJETO .............................................................................. 37

    3.1 Objetivos .................................................................................................................... 37 3.1.1 Conceitual ........................................................................................................... 38

    3.1.2 Bsica ................................................................................................................. 39

    3.1.3 Executiva ............................................................................................................ 42

    3.2 Atividades de projeto ................................................................................................. 45 3.2.1 Conceitual ........................................................................................................... 45

    3.2.2 Bsica ................................................................................................................. 49

    3.2.3 Executiva ............................................................................................................ 53

    4 PROJETOS NA INFRAESTRUTURA DUTOVIRIA ............................................. 61 4.1 Localizao e aspectos gerais da rea de estudo ........................................................ 62

    4.2 Exemplo de aplicao ................................................................................................ 63

    4.2.1 Projeto conceitual ............................................................................................... 64 4.2.2 Projeto bsico ..................................................................................................... 77

  • 4.2.3 Projeto executivo.............................................................................................. 100 5 CONCLUSO .............................................................................................................. 129 6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 133 7 APNDICES................................................................................................................. 141

  • 1 INTRODUO

    A engenharia natural1 definida como uma disciplina da engenharia que possui objetivos tcnicos, ecolgicos e estticos utilizando-se, sobretudo, de materiais vivos, ou seja, sementes, plantas, partes de plantas e associaes vegetais (SCHIECHTL, 1985). As tcnicas que compem a engenharia natural empregam materiais vivos como elementos construtivos

    (que tm funes e propriedades tcnicas) em conjunto, ou no, com materiais inertes2 (palha, rocha, madeira, ao, etc.) para perenizar cursos de gua e para proteger, estabilizar e consolidar3 os solos em obras de engenharia em geral (GRAY e LEISER, 1982; SCHIECHTL, 1992; CORNELINI e SAULI, 2005). Em comparao com tcnicas tradicionais de engenharia, a engenharia natural oferece vantagens, como por exemplo: custo geralmente menor, manuteno reduzida (dependendo da localizao e objetivo da obra), estruturas de menor impacto ambiental, aumento do valor esttico e ecolgico e tambm da funcionalidade4 da obra (GRAY e LEISER, 1982; MORGAN e RICKSON, 1995).

    A engenharia natural por seu carter simples quando comparada s intervenes tradicionais da engenharia civil tem sido usada em ambientes rurais e urbanos, em obras de pequeno porte, de modo quase artesanal, onde a seleo das tcnicas para a soluo dos problemas realizada de maneira subjetiva, quase sempre sem critrios analticos e procedimentos definidos de escolha, baseando-se mais na intuio e na experincia prvia de quem desempenha a atividade (MORGAN e RICKSON, 1995; FLORINETH, 1998). Essas caractersticas artesanais constituem uma vantagem quando se trata de aplicaes de menor responsabilidade, pois os problemas decorrentes de falhas das intervenes so pequenos e,

    1 Engenharia enquanto so utilizados dados tcnicos e cientficos com fins construtivos, de consolidao e

    anti-erosivos; Natural enquanto so utilizados materiais vivos, predominantemente plantas de espcies locais com a finalidade de reconstruo do ecossistema natural prximo do original e o aumento da biodiversidade tambm se considera o emprego de materiais mortos de origem vegetal (MENEGAZZI e PALMERI, 2013). 2 So materiais mortos que tm funo estrutural e que conferem estabilidade e proteo inicial s obras de

    engenharia natural at que a vegetao esteja efetivamente estabelecida e desempenhando seu papel. So esses materiais que geralmente fornecem os parmetros para os dimensionamentos estruturais das obras. Sua aplicao adequada pode garantir a qualidade de uma interveno. 3 Proteger: tcnicas de cobertura para o controle da eroso superficial; so exemplos hidrossemeadura,

    biomantas e geomalha tridimensional. Estabilizar: tcnicas para movimentos de massa superficiais; so exemplos estacaria viva, feixes vivos e entranados vivos. Consolidar: Tcnicas para movimentos de massa profundos; so exemplos todas as variantes de muros de suporte vivo ou parede krainer (FLORINETH, 2004). 4 Isso ocorre porque as plantas continuam a se desenvolver e a aumentar os efeitos das propriedades que

    conferem proteo e estabilidade ao solo, ao contrrio das estruturas constitudas de materiais inertes, que, em geral, deterioram-se ao longo do tempo (PETRONE e PRETI, 2009).

  • 22

    quando ocorrem, no envolvem grandes perdas econmicas ou ambientais. Alm disso, so simples e rpidas de serem reconstrudas. Trata-se, portanto, de intervenes que, em geral, apresentam baixo custo, pois dependem apenas da disponibilidade de materiais locais, bem como dos conhecimentos empricos e da experincia do construtor.

    Por outro lado, quando se trata da aplicao dessas tcnicas em obras de infraestrutura, como o caso dos problemas de eroso e perda de estabilidade em dutovias, rodovias, ferrovias, faixas de servido de redes eltricas e de dados, taludes fluviais e lagos de barragens, por exemplo, a situao mais complexa. Isso porque, esses casos geralmente possuem nveis mais elevados de riscos associados e devem responder a exigncias legais com maiores consequncias de carter econmico e ambiental. Essas aplicaes, portanto, demandam uma abordagem mais analtica, constituda por um procedimento hierarquizado de projeto que auxilie o engenheiro na escolha da soluo mais otimizada dentro das restries de uma determinada interveno, bem como o correto dimensionamento das estruturas constituintes da soluo de engenharia adotada.

    Esse procedimento de projeto deve orientar o engenheiro na determinao das alternativas que melhor respondam aos vrios requisitos de viabilidade de uma obra de engenharia, tais como: segurana, economia e exequibilidade. Deve agregar tambm as importantes funes marcadamente desempenhadas pelas solues baseadas em engenharia natural: impacto reduzido e melhor integrao esttica e ecolgica com o ambiente natural. Desse modo, alm de constituir uma metodologia de identificao e escolha de alternativas de soluo, o procedimento de projeto deve incluir mecanismos de auxlio na especificao dos materiais necessrios para a aplicao da soluo escolhida. Deve tambm, descrever e sequenciar os passos executivos das intervenes e prescrever o perodo e o procedimento de monitoramento da obra aps sua implantao. Alm disso, deve atentar para os procedimentos executivos de manuteno e recuperao dessas obras se necessrio. Em suma, todas as fases do ciclo de vida de um empreendimento devem ser contempladas em seu projeto.

    Uma vez que a engenharia natural combina elementos inertes comumente usados nas solues convencionais com materiais vegetais vivos, o procedimento de projeto para obras de infraestrutura deve atentar para as peculiaridades e a interao de ambos os materiais (inertes e vivos).

    Um processo de projeto racionalizado tem s suas atividades adequadamente ordenadas na forma de fluxo de trabalho claro, com as etapas principais hierarquicamente organizadas, para que possam ser planejadas e controladas (PAHL et al., 2005). Em obras de infraestrutura, todas essas especificaes so indispensveis porque os servios e atividades

  • 23

    devidamente elaborados e com procedimentos bem definidos podem ser ento prescritos, acompanhados, avaliados e terem o seu desempenho assegurado por meio de critrios objetivos e passveis de quantificao.

    O desenvolvimento de uma metodologia planificada, bem definida e procedimentada contribui para a preveno de erros deontolgicos e erros tcnicos5 nos projetos de engenharia natural. Contribui tambm para a uniformidade de resultados em projetos realizados por diferentes profissionais, pois fornece uma sequncia padronizada com os principais requisitos de elaborao que devem ser atendidos. As vantagens de um procedimento de projeto em aplicaes de maior responsabilidade decorrem diretamente dos seguintes fatores: procedimentao da caracterizao dos processos identificados no local de tratamento, anlise dos fenmenos relacionados a esses processos, quantificao dos parmetros chaves na fenomenologia analisada, dimensionamento das intervenes, especificao criteriosa dos materiais, quantificao dos nveis de segurana e risco associados s estruturas dimensionadas e descrio objetiva sequencial das atividades executivas. Conforme destaca Pahl et al. (2005), em geral, no processo de concepo de um projeto de engenharia os procedimentos de elaborao iniciam-se de forma qualitativa e tornam-se cada vez mais especficos e, portanto, quantitativos.

    Para intervenes em obras de infraestrutura, os procedimentos de abordagem e anlise dos problemas encontrados e de escolha dentre as possveis alternativas baseadas em tcnicas de engenharia natural ainda no so analiticamente satisfatrios. Essa carncia analtica de procedimentos comum a todas as disciplinas tcnicas em estgio de desenvolvimento como campo cientfico (STRAUB, 1960). Esta caracterstica, atualmente, constitui um dos principais entraves para a larga aceitao e a ampla especificao das solues tcnicas de engenharia natural por parte dos engenheiros (MICKOVSKI e VAN BEEK, 2007).

    Existe, portanto, na engenharia natural a demanda por metodologias de projeto tal qual aquelas j existentes para outras reas analiticamente desenvolvidas da engenharia.

    Neste sentido, o presente trabalho busca contribuir com informaes para a elaborao de projetos de engenharia natural em obras de infraestrutura. Para a sintetizao das informaes geradas sero utilizados como exemplos projetos em obras de infraestrutura dutoviria. Essa escolha se justifica devido importncia do empreendimento e tambm pela

    5 Erro deontolgico ocorre por excesso ou superestimativa ao usar uma interveno cuja resistncia excede em

    muito a mxima solicitao atuante durante toda a vida til de projeto. Erro tcnico em oposio ao erro deontolgico, ocorre por falta ou subestimativa, ou seja, usa-se uma interveno cuja resistncia fica aqum das solicitaes (CORNELINI e SAULI, 2005).

  • 24

    compatibilidade das solues de engenharia natural na correo de problemas especficos que ocorrem nas faixas de dutos terrestres.

    Atualmente o Brasil conta com mais de 14.000 km de dutos destinados ao transporte de leo e gs, sem incluir dutos de transferncia e distribuio (PETROBRAS TRANSPORTES S.A., 2012). Ao longo de toda a malha dutoviria, e especialmente nas reas onde os dutos cruzam cursos de gua (travessias de dutos terrestres), a exposio de dutos um problema que gera grandes preocupaes s transportadoras. Dutos expostos em reas de travessia so mais suscetveis a riscos decorrentes da ao de terceiros, fenmenos hidrulico-geotcnicos (perda de suportabilidade, vibrao em decorrncia de vrtices, corrida de detritos e outros movimentos de massa) e de deteriorao da integridade mecnica (variao trmica e danos aos elementos de proteo catdica). O grau desses riscos ainda potencializado pelas consequncias de eventuais rupturas, o que pode resultar em perdas humanas e materiais e ainda impactos ambientais altamente nocivos.

    Diante da possibilidade desses acontecimentos, as medidas cabveis de preveno e/ou correo dos problemas devem ser tomadas. As solues de engenharia natural, frente a essas necessidades, constituem uma alternativa tcnica potencial para realizar a proteo dos dutos e da faixa, e tambm para melhorar as condies ambientais e ecolgicas locais.

    1.1 Objetivos

    O objetivo deste trabalho desenvolver e apresentar uma metodologia para elaborao de projetos de engenharia natural em obras de infraestrutura e demonstrar como a metodologia proposta pode ser empregada na concepo de projetos, usando tcnicas e abordagens de engenharia natural.

    1.2 Organizao do trabalho

    Inicialmente apresenta-se o desenvolvimento histrico da engenharia natural como disciplina tcnica, suas caractersticas e princpios, suas vantagens e desvantagens em relao s tcnicas tradicionais de engenharia, efeitos e limites de aplicao e as principais informaes que so requisitos em projetos da rea.

  • 25

    Em seguida apresenta-se a proposta de metodologia para a elaborao de projetos de engenharia natural em obras de infraestrutura, constituda de um procedimento hierarquizado organizado em trs fases de projeto: a conceitual, a bsica e a executiva. Cada fase discutida especificamente abordando-se as prticas, procedimentos e aes que tornam o procedimento de projeto um processo mais analtico. Na sequncia a aplicao da metodologia exemplificada utilizando-se um projeto de interveno de eroso fluvial em travessia de dutos terrestres. Por fim so abordadas as concluses e consideraes finais e sugestes para trabalhos futuros.

  • 2 A ENGENHARIA NATURAL COMO DISCIPLINA TCNICA

    Uma disciplina um campo do conhecimento que possui conceitos, dados e termos prprios (OCDE, 2013). A engenharia natural atende a esses requisitos e complementada, em grande medida, por conceitos oriundos de vrios campos do conhecimento tcnico-cientfico. Em suma, se caracteriza como uma disciplina essencialmente transversal, onde alm de conceitos prprios, utiliza de informaes da geologia, geomorfologia, geotecnia, pedologia, hidrologia, hidrulica, botnica e fitossociologia, engenharia da paisagem e tecnologia de materiais (CORNELINI e SAULI, 2005). Desse modo, a engenharia natural no apenas um conjunto de tcnicas de engenharia, pois prope abordagens multidisciplinares para a formulao de solues mais eficazes na correo de problemas de instabilidade oriundos, principalmente, de processos erosivos e movimentos de massa pouco profundos (MENEGAZZI e PALMERI, 2013).

    2.1 Evoluo histrica

    H muito a engenharia natural utilizada para prevenir e controlar efeitos dos processos de eroso e movimentos de massa. No perodo romano plantas mortas ou vivas j eram utilizadas para garantir proteo adequada s margens de cursos de gua e tambm de encostas (ERCOLINI, 2005; CORNELINI e SAULI, 2005); a aplicao das tcnicas era realizada de modo emprico, no ciente de conceituaes e/ou terminologias tcnicas, tampouco de consideraes cientficas.

    Somente na primeira metade do sculo XX a engenharia natural comeou a ser desenvolvida como disciplina. O carter tcnico da disciplina teve incio com os trabalhos de Kraebel6 (1936) e de Kruedener e Becker7 (1941). No entanto, considera-se como marco inicial, a publicao da obra de Kruedener (1951), intitulada Ingenieurbiologie (Engenharia

    6 Trabalho no qual aplicou tcnicas de construo com plantas vivas para resolver problemas de eroso em

    taludes de estradas em montanhas no sul da Califrnia, EUA no definiu nenhuma nomenclatura especfica para a atividade construtiva que desenvolveu com as plantas. 7 Publicado pelo centro de investigao em engenharia natural de Munique, para o departamento de estradas

    alemo. Trabalho que realiza a caracterizao de diferentes espcies de plantas e indica a aplicao mais dequada em obras de estradas os autores usaram pela primeira vez o termo Ingenieurbiologie, mas no o definiram.

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    Natural), onde se define pela primeira vez um conceito para a atividade. A partir dessa publicao uma sucesso de trabalhos foi desenvolvida principalmente na Europa e tambm na Amrica do Norte. Dentre os autores merece destaque Schiechtl8, considerado por muitos o pai da engenharia natural pela relevncia e pioneirismo de suas inmeras contribuies para desenvolvimento e aplicao prtica da engenharia natural como disciplina tcnica.

    Nos sessenta9 anos de evoluo da engenharia natural como disciplina distinguem-se duas fases de desenvolvimento: a primeira acontece durante as quatro primeiras dcadas e a segunda entre os 20 e 30 anos finais. A primeira fase foi dedicada a identificar as caractersticas biolgicas das plantas que conferem as propriedades biotcnicas desejveis para o uso nas intervenes, bem como em formular e descrever as tcnicas e intervenes apropriadas, considerando os materiais, as configuraes e os locais de aplicao. Nessa fase a vegetao comea a ser entendida como material construtivo que pode, isoladamente ou por meio do suporte de estruturas inertes, corrigir, mitigar e/ou prevenir problemas de eroso e movimentos de massa. ntido, nesse perodo, o esforo para fixar as bases iniciais necessrias para tornar a disciplina apropriada para o uso do ponto de vista tcnico, econmico, ecolgico e paisagstico. A obra de Schiechtl (1973) Bioingegneria Forestale um exemplo caracterstico dessa abordagem.

    Na segunda fase, a engenharia natural j reconhecida como uma disciplina com resultados satisfatrios de aplicao em vrios tipos de interveno. Esse perodo se caracteriza pela busca de maior fundamentao tcnica para a disciplina, tornando-a mais analtica como outras reas da engenharia. Nessa fase dedica-se maior importncia regulamentao das atividades e critrios para a elaborao de projetos, surgem as primeiras leis na Itlia em 1988, 1990, 1998 (CORNELINI e SAULI, 2005), com a evidente preocupao de padronizar os mtodos exigindo pr-requisitos para a aprovao dos mesmos. O perodo marca, tambm, o incio da regulamentao tcnica da disciplina com as normas elaboradas pela ASTM (American Society for Testing and Materials), padronizando formas de aplicao de algumas tcnicas interventivas e tambm testes; so exemplos a construo de feixes vivos em taludes (ASTM D6599 00, 2008), estaqueamento vivo (ASTM D6765 02, 2008), esteira viva (ASTM D6939 03, 2003), teste para laminados de controle de eroso (ASTM D7322, 2013) e teste de avaliao de germinao em grande escala (ASTM WK21836, 2008).

    8 Arquiteto, engenheiro, botnico, professor e pintor Austraco (* 1922 2002).

    9 Decorridos desde a publicao de Kruedner (1951).

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    Outra iniciativa que marca este segundo estgio evolutivo da engenharia natural a criao de instituies de formao de pessoal na rea. Surge nesse perodo o primeiro instituto de engenharia natural na ustria em 1994, na Universitt fr Bodenkultur (BOKU), e subsequentemente convnios entre pases e cursos de especializao na Itlia, Mxico, Nicargua e Nepal (CORNELINI e SAULI, 2005), e tambm em pases da Amrica do Norte e Amrica do Sul. Na mesma fase, a transversalidade disciplinar da rea enriquecida com uma sucesso de trabalhos tcnicos para descrever e quantificar os efeitos hidrulicos e hidrolgicos10 das plantas, bem como seus efeitos mecnicos11 no solo, aproximando a disciplina cada vez mais do enfoque analtico que marcadamente caracteriza as disciplinas tradicionais da engenharia. Comeam a ser desenvolvidos softwares para suporte na tomada de deciso em obras de recuperao e estabilidade de taludes (MICKOVSKI e VAN BEEK, 2007). Os engenheiros passam a reconhecer a importncia das plantas em trabalhos de construo e recuperao de reas geotecnicamente instveis (COPPIN e RICHARDS, 1990; MORGAN e RICKSON, 1995; GRAY e SOTIR, 1996). Atualmente, essa tendncia progride com iniciativas que buscam um enfoque mais tcnico para a engenharia natural, fortalecendo-se os procedimentos tcnicos e mtodos analticos de dimensionamento (NORRIS et al., 2008; MENEGAZZI e PALMERI, 2013).

    2.2 Caractersticas e princpios

    A engenharia natural uma disciplina que preconiza o conhecimento das exigncias e caractersticas biolgicas da vegetao e, especialmente, a capacidade desta em solucionar problemas tcnicos de estabilizao de margens e encostas em combinao com estruturas inertes de grande simplicidade (DURLO e SUTILI, 2012).

    As plantas, nessa disciplina, tm carter fundamental, e por isso, no so consideradas somente do ponto de vista esttico e ecolgico, mas tambm funcional e tcnico, como materiais de construo vivos e eficazes. Essa peculiaridade o que diferencia a disciplina daquelas que fazem uso apenas de materiais inertes engenharia tradicional ou que usam

    10 O assunto abordado em trabalhos como o de Coppin e Richards, 1990; Morgan e Rickson, 1995; Florineth,

    1998, entre outros.

    11 O assunto abordado em trabalhos como o de Wu, 1995; Coppin e Richards, 1990; Morgan e Rickson, 1995;

    Gray e Sotir, 1996; Gray e Leiser, 1982, Norris et al., 2008, entre outros.

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    plantas apenas com fins paisagsticos e de restaurao ecolgica (CORNELINI e SAULI, 2005; CORNELINI, 2008).

    Nas solues de engenharia natural, tenta-se, sempre que possvel, evitar construes grandes e rgidas, procurando-se modificar o mnimo as condies naturais preexistentes no local de interveno. O princpio bsico nas escolhas de projeto adotar tcnicas que apresentem um nvel de energia mais baixo (complexidade, artificialidade, rigidez, custo), empregando solues de menor impacto para a resoluo de um determinado problema (SAULI et al., 2003). A Figura 2.1 explica esse princpio, tambm conhecido como lei do mnimo, onde no intervir sempre a primeira alternativa de projeto e as tcnicas, sempre que necessrias, so usadas para corrigir apenas o que o problema demanda, evitando-se faltas (erros tcnicos) ou excessos (erros deontolgicos) na definio das intervenes.

    Figura 2.1 Esquema que ilustra a lei do mnimo em intervenes de engenharia natural.

    Fonte: Adaptado de Sauli et al. (2003).

    Sendo assim, a disciplina, alm da soluo tcnica para os problemas, procura considerar os critrios ecolgicos, econmicos e estticos envolvidos. De modo geral, os efeitos proporcionados e os resultados conseguidos so dependentes das escolhas tanto do tipo

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    de material e modelo de construo, quanto das espcies vegetais e formas de revegetao que so combinadas com as estruturas (DURLO e SUTILI, 2012).

    2.3 Funes e efeitos

    De acordo com Schiechtl e Stern (1996, 1997), as principais funes da engenharia natural podem ser resumidas da seguinte maneira:

    a) Funo Geotcnica

    Proteo da superfcie do solo da eroso causada pela precipitao, vento e gelo;

    Proteo de margens e encostas contra a eroso causada pelo fluxo e ao da gua;

    Aumento da estabilidade do talude pelo estabelecimento de uma matriz solo-raiz e modificao do contedo de umidade;

    Proteo contra a ao do vento e a queda de rochas.

    b) Funo Ecolgica

    Modificao dos extremos de temperatura e umidade do ar prximo superfcie do solo, criando assim melhores condies para o crescimento;

    Aumento da formao de hmus no solo;

    Criao de habitats para animais e plantas;

    Sombreamento das margens de rios e reas de desova pela copa de arbustos e rvores;

    Purificao da gua pela reteno de poluentes no sistema radicial;

    Proteo contra a ao do vento.

    c) Funo Econmica

    Reduo dos custos de construo e manuteno;

    Criao de reas utilizveis para a agricultura, silvicultura, indstria, habitao e recreao.

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    d) Funo Esttica

    Melhoria dos aspectos visuais da paisagem;

    Integrao e harmonizao das intervenes e elementos de construo com a paisagem local.

    Essas funes e efeitos atendem tanto aplicaes realizadas em rios e reas ribeirinhas, como em vertentes e taludes secos (que no so influenciados constantemente por um fluxo de gua).

    2.4 Vantagens e desvantagens

    De acordo com Menegazzi e Palmeri (2013), as principais vantagens e desvantagens das obras de engenharia natural, em relao s tradicionais de engenharia, so as seguintes:

    Vantagens

    Deformabilidade e capacidade de regenerar partes danificadas;

    Capacidade de se adaptar as mudanas ambientais;

    Reduo do impacto ambiental e melhoria da qualidade ambiental;

    Geralmente mais econmicas e com melhor balano energtico;

    Funcionalidade aumenta ao longo do tempo.

    Desvantagens

    Menor opo de materiais;

    Parmetros de projeto menos precisos e procedimentos construtivos ainda no padronizados;

    Perodos mais prolongados para entrar em plena funcionalidade12;

    Limites tcnicos, biolgicos e temporais; maior influncia dos fatores ambientais;

    12 Imediatamente aps a implantao de uma obra de engenharia natural a vegetao inserida ainda no

    desempenha a funo efetiva de estabilizar o solo. A vegetao somente comea a desempenhar sua funo tcnica quando consegue se estabelecer no local e desenvolver um denso sistema areo e radicial.

  • 33

    Manuteno regular e contnua por alguns anos aps a execuo, mesmo que com

    intensidade decrescente13.

    2.5 Limites de aplicao

    Uma vez que a vegetao o principal material utilizado nas intervenes de engenharia natural, os limites de aplicao de suas tcnicas esto diretamente associados s necessidades desse material. De acordo com Schiechtl e Stern (1996, 1997), materiais vivos geralmente possuem limites biolgicos, tcnicos e temporais de aplicao.

    Limites biolgicos reas que so inadequadas para certas plantas; limites de distribuio; poluio excessiva, e demais condies que podem restringir ou impedir o desenvolvimento das plantas.

    Limites tcnicos a estabilizao de taludes somente possvel se o substrato tem a capacidade de suportar fsica e quimicamente o crescimento da raiz. Os movimentos do solo em profundidade podem ser evitados somente de maneira indireta pelas intervenes de engenharia natural. Em mbito fluvial, os limites so as velocidades de fluxo, foras de trao e turbulncia excessivas;

    Limites temporais os trabalhos so realizados durante o perodo de dormncia vegetativa ou no perodo de crescimento das plantas.

    Essas limitaes realam que as tcnicas de engenharia natural no tem a funo de substituir aquelas empregadas pela engenharia tradicional, mas de ser um complemento aos mtodos puramente convencionais.

    Com frequncia existem situaes em que se pode trabalhar exclusivamente com as tcnicas de engenharia natural, e outras em que, por questo de segurana pblica e/ou por caractersticas climticas locais, necessrio agir de acordo com os padres da engenharia tradicional (PROVINCIA DI TERNI, 2003).

    13 A realizao obrigatria de manuteno varia conforme o tipo de obra e, em alguns casos particulares, pode

    ser dispensvel.

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    Apesar das qualidades e do potencial que a disciplina apresenta, deve existir a conscincia de que ela no uma panaceia que resolver todas as questes e problemas (BIFULCO, 2013).

    2.6 Requisitos de projetos

    A aplicao das solues de engenharia natural em obras de infraestrutura, indispensavelmente, precisa de um projeto para definir e hierarquizar as etapas e atividades em uma sequncia de desenvolvimento. A quantidade de informaes geradas nesses empreendimentos muito grande, e por isso, praticamente impossvel manter o controle de qualidade segurana, econmica e ambiental sem lanar mo de um documento escrito que sirva como base de referncia a ser seguida. A falta desse documento aumenta a chance de equvocos e reduz a qualidade das obras como um todo, pois fomenta a tomada de decises subjetivas e leva os procedimentos de implantao a concluses empricas.

    O desenvolvimento de um procedimento de projeto inicia-se pelo reconhecimento de seus requisitos. Na engenharia natural, boa parte desses requisitos so os mesmos utilizados em projetos tradicionais de engenharia, sendo que a principal diferena encontra-se nas informaes relativas vegetao, o material diferencial empregado em suas tcnicas.

    Conforme indicaes realizadas nos trabalhos de Schiechtl (1973, 1980, 1996, 1997), Gray e Leiser (1982), Coppin e Richards (1990), Gray e Sotir (1996), Sauli et al. (2003), Cornelini e Sauli (2005), Florineth (2004), Petrone e Preti (2005), Norris et al. (2008), Menegazzi e Palmeri (2013), um projeto de engenharia natural necessita do aporte das seguintes informaes para ser elaborado:

    a) Caractersticas topoclimticas e microclimticas do local de interveno (temperatura, precipitaes, altitude e exposio);

    b) Mapas topogrficos, fotos areas e ortofotos (fotografias retificadas) e/ou imagens orbitais;

    c) Anlise pedolgica com referncia s caractersticas orgnicas, qumicas, fsicas e hidrolgicas do solo natural do local e/ou aquele disponvel para a interveno;

    d) Anlise das caractersticas geolgicas e geomorfolgicas; e) Verificaes geotcnica, hidrulica e hidrolgica; f) Informaes disponveis sobre a ecologia local;

  • 35

    g) Avaliao da possibilidade de interferncia das intervenes em alguma infraestrutura local (pontes, estradas, etc.);

    h) Conhecimentos sobre florstica e fitossociologia da vegetao existente na rea de projeto (com nfase a avaliao das caractersticas biotcnicas14 das plantas);

    i) Disponibilidade regional de materiais vegetativos vivos e mortos, bem como materiais de inertes;

    j) Caractersticas mecnicas dos materiais inertes e vivos (peso especfico, resistncia trao e a compresso, mdulo de elasticidade, coeficientes de atrito, resistncia ao arranquio, etc.);

    k) Aspectos legais de implantao da obra (propriedade, uso, responsabilidade, etc.);

    Dada grande quantidade e diversidade de informaes necessrias a elaborao de projetos de engenharia natural dispostas na literatura, torna-se necessrio e fundamental que estas sejam organizadas em uma sequncia racionalizada de obteno e anlise. Tal sequncia deve facilitar a elaborao do projeto desde a compreenso da fenomenologia dos problemas envolvidos at a escolha e dimensionamento das tcnicas mais adequadas a sua correo.

    14 So propriedades eco-morfo-fisiolgicas (botnicas) que algumas espcies vegetais possuem e que

    desempenham funes tcnicas de auxlio, direto ou indireto, no aumento da resistncia e/ou reduo s solicitaes aplicadas aos solos dos sistemas naturais durante processos dinmicos, sejam eles mecnicos ou hidrulicos. Pequeno porte, ramada flexvel e resistente, assim como sistema radicial desenvolvido e resistente, so propriedades eco-morfo-fisiolgicas que conduzem a caractersticas biotcnicas muito importantes para obras de engenharia natural. Propagao vegetativa, seminal ou o uso de mudas prontas, so exemplos de requisitos que variam conforme o tipo de obra.

  • 3 PROCEDIMENTO DE PROJETO

    O procedimento de projeto de engenharia natural para aplicao em obras de infraestrutura aqui apresentado constitudo por trs etapas: a conceitual, a bsica e a executiva. Essa sequncia de fases comum nas aplicaes tradicionais de engenharia.

    Na fase conceitual os problemas e os objetivos do projeto so identificados, as alternativas viveis de tratamento so formuladas e a aquisio das informaes especficas e necessrias para a elaborao das fases subsequentes prescrita.

    Na fase bsica so selecionadas as intervenes mais adequadas, a fenomenologia do problema estudada e considerada no dimensionamento das intervenes, os riscos, bem como as consideraes esttica e ecolgica das intervenes, so analisadas.

    Na fase executiva abordam-se as informaes necessrias para a implantao da obra, para isso so descritas detalhadamente as atividades e servios. Nessa fase descrita a forma como as estruturas devem ser construdas, incluindo-se os desenhos detalhados e as plantas de projeto, so especificados o cronograma executivo e as formas de monitoramento e manuteno da obra, alm disso, so especificados, quantificados e orados os materiais e a mo-de-obra necessrios para tal.

    Para que as trs etapas sejam plenamente desenvolvidas, existem objetivos especficos para cada uma delas que, quando cumpridos, constituem-se numa orientao objetiva e analtica no processo decisrio do engenheiro.

    Primeiramente, so apresentados e descritos os objetivos que devem ser alcanados em cada uma das trs fases de projeto. Aps isso, so definidas e descritas, em tpicos, as atividades a se realizar para atingir os objetivos de cada fase de projeto. Ao longo da seo, os tpicos principais so organizados em esquemas, e ao seu trmino, apresentado um fluxograma que condensa a sequncia do mtodo de abordagem proposto (Figura 3.7).

    3.1 Objetivos

    Cada uma das fases de projeto tem o objetivo de responder a diferentes questes durante o processo decisrio envolvido na prtica de engenharia natural aplicada em obras de infra-

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    estrutura.

    3.1.1 Conceitual

    A fase conceitual busca atingir trs objetivos: identificar os objetivos do projeto, identificar as alternativas de tratamento e prescrever a aquisio de informaes adicionais ao projeto. Os objetivos da fase conceitual so reunidos de forma esquemtica na Figura 3.1.

    I Identificar os objetivos do projeto

    O primeiro objetivo da fase conceitual identificar, ou seja, nomear e classificar, bem como descrever qualitativamente, quais so as demandas da interveno. preciso identificar claramente quais requisitos tcnicos (proteo, estabilizao e/ou consolidao) so necessrios ao sistema objeto do projeto, que, quando se trata de engenharia natural, quase sempre consiste de um sistema natural15.

    II Identificar as alternativas de tratamento

    Depois de identificadas as necessidades para se alcanar a estabilidade do sistema, esse conjunto de informaes constitui a base para iniciar a identificao e a escolha das alternativas de engenharia natural viveis, que atendam aos objetivos requeridos pelo projeto. Nesta fase, a viabilidade das alternativas analisada, contudo, apenas qualitativamente, uma vez que neste estgio ainda so incipientes as informaes quantitativas sobre os processos em questo. Quando apropriado ou necessrio, tambm podem ser formuladas novas sugestes de interveno de modo emprico e qualitativo, principalmente quando a situao analisada tiver peculiaridades cujos requisitos no so plenamente atendidos pelos mtodos de engenharia natural j estabelecidos.

    15 Como sistema natural entende-se os locais de interesse de um determinado projeto, bem como suas feies,

    elementos inertes e vivos e sua interao com o entorno. Podem ser citados como exemplo de sistemas naturais os ecossistemas em geral, os sistemas fluviais, as bacias hidrogrficas, encostas ou vertentes, fundos de vales e qualquer um de seus subsistemas em qualquer nvel desejado.

  • 39

    III Prescrever a aquisio de informaes adicionais ao projeto

    Para que se possa tornar analtico o estudo preliminar de viabilidade feito quando se identificam, de modo qualitativo, as alternativas com viabilidade de aplicao, necessria a prescrio de aquisio de informaes que propiciem nas prximas etapas do projeto, uma precisa fundamentao terica. Essa prescrio constitui o terceiro objetivo da fase conceitual e compreende a descrio das informaes a serem obtidas, os mtodos para sua obteno, as quantidades necessrias de dados, de ensaios, e as formas de apresentao dos seus resultados. De modo geral, esse conjunto de prescries engloba, sem, contudo, se limitar a estes: levantamentos e ensaios de campo, laboratrio, informaes documentais e outros dados que se entendam necessrios de acordo com a tipologia da rea e as especificidades do problema.

    Figura 3.1 Objetivos da fase conceitual de projeto.

    3.1.2 Bsica

    A fase bsica busca atingir cinco objetivos principais: escolher a abordagem de projeto, dimensionar as intervenes, estimar os custos, analisar os riscos associados e avaliar esteticamente e ambientalmente as intervenes. Ao trmino desta subseo, os objetivos so reunidos em esquema na Figura 3.2.

  • 40

    I Escolher a abordagem de projeto

    A partir das solues apontadas na fase conceitual, o primeiro objetivo da fase bsica de projeto escolher aquela que seja a mais vivel quanto aos critrios tcnicos, econmicos, de exequibilidade, ecolgicos, estticos, de manuteno e de segurana. Nesta fase, este processo conduzido analiticamente, ou seja, as inferncias feitas na fase conceitual so fundamentadas por informaes numricas obtidas por clculos especficos, baseadas em leis empricas ou formulaes analticas que descrevam a fenomenologia identificada. O processo que envolve essa tomada de deciso flexvel, e por isso, conforme novas anlises quantitativas (principalmente os dimensionamentos da fase posterior) so realizadas e diferentes condies so constatadas, a definio das alternativas pode ser adaptada ou substituda para melhor atender as necessidades de projeto.

    II Dimensionar as intervenes

    O segundo objetivo da fase de projeto bsico determinar a forma de interveno, o tipo de material (vivo e/ou inerte), as dimenses, as configuraes e o conjunto de todos os elementos constituintes da interveno. A determinao desse conjunto de informaes comumente chamada de dimensionamento. nesta etapa, portanto, que so realizados os dimensionamentos hidrolgico, hidrulico, estrutural, geotcnico e vegetacional (escolha e uso de plantas com as caractersticas biotcnicas adequadas para cada tipo de interveno em especfico). Os resultados do dimensionamento tambm podem apontar que uma alternativa j escolhida no a mais adequada para a correo do problema indicando que precisa ser realizada uma reconsiderao na abordagem de projeto adaptar ou substituir a tcnica interventiva.

    III Estimar os custos

    A estimativa de custos tem por finalidade atestar a viabilidade econmica da soluo tecnicamente dimensionada. Nesta fase a questo econmica ainda avaliada de modo aproximado, sendo por essa razo denominada estimativa de custos, uma vez que somente o detalhamento executivo fornece a informao essencial para uma anlise de viabilidade

  • 41

    econmica mais precisa. Contudo, essa estimativa suficiente para orientar e confirmar, ou no, a escolha da(s) alternativa(s) cuja viabilidade tcnica j est confirmada.

    IV Analisar os riscos associados

    Mesmo que analtico, o dimensionamento de obras em sistemas naturais envolve incertezas, uma vez que estes so regidos por fenmenos complexos, errticos e randmicos16. Assim, deve-se avaliar quantitativamente o risco associado a essas incertezas, ou seja, quais as possibilidades da obra vir a falhar no caso de uma solicitao predeterminada (solicitao tomada com base nos dimensionamentos). Essas informaes remetem segurana da obra e ao custo financeiro necessrio para sua implantao, e que, por essa razo, revestem-se de importncia fundamental no processo que define a escolha de uma configurao em detrimento de outra.

    V Avaliar esttica e ambientalmente as intervenes

    Por fim necessrio avaliar esttica e ambientalmente as intervenes17, estimando-se os ganhos advindos de sua implementao. Alm disso, deve-se analisar os impactos para alm do ponto de interveno e descrever a evoluo da obra com o tempo e sua integrao ao ecossistema18 e a paisagem. Deve-se ter em mente que, mesmo nos casos onde as funes estticas e ecolgicas no so tratadas prioritariamente como objetivo do projeto, em maior ou

    16 Na engenharia natural essas consideraes so mais acentuadas uma vez que o material construtivo, por ser

    vivo, traz mais incertezas do que as aplicaes puramente com materiais inertes, tal como as realizadas em tcnicas tradicionais de engenharia. Os materiais inertes manufaturados tm suas propriedades intrnsecas, principalmente de resistncia, bem determinadas, e por essa razo, clculos acurados para o dimensionamento de estruturas podem ser realizados. O conhecimento das propriedades tcnicas da vegetao ainda no est nesta fase analtica, e, portanto, no permite exatamente as mesmas descries e aplicaes quantitativas. 17

    Os princpios orientadores da engenharia natural tambm apresentam finalidades no tcnicas, as quais esto ligadas composio da paisagem e contribuio aos aspectos ambientais. 18

    O ecossistema a unidade funcional bsica da ecologia, inclui tanto os organismos vivos quanto o ambiente abitico onde sobrevivem (ODUM, 1985). Nesse mbito, a engenharia natural projeta fitocenoses que gradualmente so incorporadas ao ecossistema local, possibilitando a unio dos pontos fragmentados e as condies necessrias para o aumento da biodiversidade florstica e faunstica. Para Cornelini e Sauli (2005), a engenharia natural projeta ecossistemas paranaturais mediante o emprego de espcies vegetais de ocorrncia local.

  • 42

    menor medida uma composio vegetal ou fitocenose19, que evoluir e ser integrada aos poucos ao ecossistema, est sendo projetada (MORGAN e RICKSON, 1995). Ecossistemas paranaturais (ou seja, que so semelhantes ao original), tais como os projetados pela engenharia natural, so sistemas dinmicos que se desenvolvem ao longo do tempo e, por isso, previses de sua formao e desenvolvimento devem ser realizadas.

    Figura 3.2 Objetivos da fase bsica de projeto.

    3.1.3 Executiva

    A fase executiva a ltima fase de projeto e busca atingir sete objetivos principais: otimizar as intervenes, detalhar as solues, especificar os materiais, descrever os servios, elaborar o cronograma executivo, especificar o monitoramento e a manuteno das intervenes. Ao trmino desta subseo, os objetivos so reunidos em esquema na Figura 3.3.

    19 Conjunto de espcies vegetais que ocupam um determinado habitat.

  • 43

    I Otimizar as intervenes

    Uma vez dimensionadas as intervenes, o primeiro objetivo da fase executiva concentra-se na otimizao das mesmas. O detalhamento torna possvel que o gasto de materiais, o impacto da execuo e os demais recursos envolvidos sejam minimizados. Deve-se atentar para que sejam aplicados apenas os recursos necessrios para a mitigao e/ou soluo dos problemas encontrados.

    II Detalhar as solues adotadas

    O detalhamento minucioso das solues adotadas compreende as descries tipolgica, de material e geomtrica dos arranjos, elementos conjuntos e individuais. Essas informaes tambm so sintetizadas em desenhos e plantas detalhadas e precisas, que constituem uma ferramenta indispensvel de consulta a campo no momento da implantao. Esse detalhamento torna possvel a interpretao das intervenes planejadas e dimensionadas durante as fases anteriores, e possibilita que as solues sejam descritas, oradas e finalmente executadas.

    III Especificar os materiais

    Este objetivo consiste na listagem das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas, bem como dos requisitos mnimos de desempenho, dos critrios de aceitao, estocagem, manuseio e emprego na obra de acordo com o tipo de material vivo e/ou inerte a ser empregado.

    IV Descrever os servios

    A descrio dos servios compreende tanto as atividades em si, quanto sequncia cronolgica de cada etapa dos servios. Abrange todas as etapas das obras de implantao de uma interveno e geralmente so apresentadas na forma de um documento denominado Memorial Descritivo.

  • 44

    V Elaborar o cronograma e o oramento

    A descrio dos servios constitui a base para a elaborao do cronograma de atividades e tambm de oramento que inclua os custos dos materiais e das atividades necessrias para a implantao das obras. O cronograma planifica o tempo necessrio para elaborao das atividades que envolvem a execuo dos trabalhos, bem como define a poca do ano mais apropriada para a implantao, considerando as necessidades fisiolgicas dos materiais vivos utilizados. No oramento so especificados os custos e valores unitrios e totais de todas as atividades, servios e materiais que a obra necessita para ser executada.

    VI Especificar o monitoramento

    A especificao do monitoramento se constitui em mais um objetivo relacionado dinmica do ecossistema. A especificao do monitoramento tem a funo de garantir que o conjunto de estruturas constitudas pela associao de elementos estruturais inertes e vivos evolua conforme o esperado. Deve-se assegurar que as estruturas inertes (que conferem a estabilidade inicial ao terreno e suporte a vegetao) mantenham sua integridade por tempo suficiente no mnimo ao estabelecimento do material vivo, que passa, ento, a assumir a funo de estabilizao e/ou consolidao da rea afetada. Assim, a importncia do monitoramento reside no diagnstico das inconformidades encontradas imediatamente aps a instalao das intervenes, bem como as encontradas ao longo do processo de estabelecimento do sistema dinmico implantado. O atendimento desses requisitos fornece as bases necessrias para que as atividades de manuteno possam ser planejadas, seja em carter emergencial ou de rotina peridica e pr-programada. Para isso so definidos prazos, periodicidade e as aes que devem ser realizadas durante as verificaes in situ.

    VII Especificar a manuteno

    A manuteno tem o objetivo de garantir que todos os trabalhos planejados e executa- dos, mantenham sua qualidade no perodo imediatamente posterior s obras, bem como mantenham ou mesmo propiciem o aumento gradual das qualidades do sistema dinmico implantado.

  • 45

    Figura 3.3 Objetivos da fase executiva de projeto.

    3.2 Atividades de projeto

    A identificao da relao entre atividades e aes prticas das fases de projeto e os seus objetivos indispensvel para a elaborao de uma metodologia hierarquizada de projeto. Portanto, uma vez que os objetivos especficos de cada fase estejam definidos, necessrio analisar quais atividades devem ser desenvolvidas para que os mesmos sejam alcanados. Com esse intuito, as atividades correspondentes aos objetivos das trs fases de projeto conceitual, bsica e executiva so detalhadas e, ao final de cada uma, so identificados os respectivos produtos gerados, ou seja, as informaes resultantes.

    3.2.1 Conceitual

    Para atender aos objetivos dessa fase as seguintes atividades so desenvolvidas: visita de avaliao em campo, medies expeditas de campo, anlise de informaes de escritrio, anlise qualitativa da fenomenologia, identificao e formulao das intervenes e especificao dos mecanismos de aquisio de informaes detalhadas. Ao trmino desta subseo, as atividades so reunidas em esquema na Figura 3.4.

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    i Avaliao inicial em campo

    Observar as feies do problema, as caractersticas do local e do entorno, perceber as interaes dessas caractersticas com os processos desencadeados, bem como avaliar as condies da bacia hidrogrfica ou rea de contribuio que o problema envolve. Observar as caractersticas da vegetao local buscando identificar, ou no, a ocorrncia de espcies com propriedades biotcnicas comprovadas ou com caractersticas potenciais para a aplicao em obras de engenharia natural. Caso sejam encontradas, verificar a possibilidade de coleta de material vegetativo em quantidade suficiente para a aplicao direta, ou se existe necessidade de propagar maior quantidade em local apropriado. Caso no sejam identificadas in situ espcies com atributos biotcnicos necessrios para as aplicaes, devem ser buscadas informaes sobre espcies regionais. As espcies devem ser nativas e preferencialmente ocorrer na mesma regio fitoecolgica e/ou bioma. Observar tambm se nas proximidades existe a disponibilidade de materiais inertes (madeira, rochas, cascalho, etc.) que prontamente possam ser utilizados nas intervenes. Informaes preliminares como essas fornecem indicadores de quais intervenes podem ser empregadas e que recursos necessariamente devem ser mobilizados para a realizao da obra.

    ii Medies expeditas de campo

    Embora a fase conceitual seja essencialmente qualitativa, medies expeditas realiza- das em campo constituem uma orientao inicial para o engenheiro compreender a fenomenologia e as relaes que so responsveis pelos processos desencadeados. Como medies expeditas citam-se, por exemplo, as avaliaes de gradientes de margens de rios e encostas, estimativas de velocidades e vazes de escoamento, medies das feies erosivas e a caracterizao tctil-visual da textura dos solos.

    iii Anlise de informaes documentais

    Essa atividade consiste em coletar e reunir informaes em documentos existentes que auxiliem na caracterizao dos processos e tambm da rea e seu entorno, tais como:

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    relatrios prvios, imagens de satlite, bases cartogrficas, dados climticos e bancos de dados de rgos pblicos e/ou privados. Tambm podem ser reunidas se disponveis informaes de sries histricas de dados hidrolgicos, uso e ocupao do solo na bacia hidrogrfica, bem como de geologia, geomorfologia, sedimentologia do curso de gua e informaes prvias sobre a vegetao local com potencial biotcnico (espcies ocorrentes e localizao). Informaes que no so sries histricas, e que no esto disponveis, devem ser obtidas em atividades especficas in situ.

    iv Anlise qualitativa da fenomenologia

    Com base nas informaes obtidas nas atividades anteriores so identificados os objetivos tcnicos do projeto, ou seja, so definidas as propriedades de engenharia do sistema natural envolvido que precisam ser corrigidas por meio de proteo, estabilizao e/ou consolidao. Como exemplos dessas propriedades podem ser destacados os aspectos relativos ao solo (o tipo de textura, a desagregao, a cobertura superficial, diagnstico visual da estabilidade, etc.), ao escoamento (o regime de fluxo e os pontos onde este afeta a estabilidade das margens) e ao transporte de sedimentos (dimenso das partculas transportadas). A anlise conjunta dessas propriedades propicia as bases necessrias para descrio qualitativa do problema encontrado e indispensvel para a formulao inicial das intervenes que possam atender as necessidades diagnosticadas.

    v Identificao e formulao das intervenes

    Com base nas necessidades identificadas na anlise qualitativa da fenomenologia, podem ser listadas as possveis formas de tratamento utilizando-se tcnicas de engenharia natural para tratar o problema. Para isso, so levados em conta os seguintes fatores:

    Atendimento aos requisitos tcnicos procurar esquemas construtivos constitudos por materiais inertes e vivos cuja associao responda as necessidades requeridas, com a mnima alterao possvel do ambiente;

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    Atendimento aos requisitos no tcnicos considerar as funes ecolgicas e estticas que devem ser agregadas ao projeto de acordo com a rea de implantao (zona rural ou urbana, ambiente natural ou alterado);

    Restries quanto aos materiais identificar a disponibilidade local de materiais inertes e vivos, bem como a interao entre eles (como podem ser utilizados em conjunto). Sempre que possvel utilizar materiais de ocorrncia local ou regional (um dos princpios guia da engenharia natural), recorrendo-se a fontes externas apenas em situaes necessrias (ausncia local materiais vivos ou inertes).

    Restries quanto ao ambiente condies de desenvolvimento do material vivo, conservao dos materiais inertes e vivos e manuteno das combinaes entre estes;

    Restries econmicas avaliao da mo de obra, dos materiais, da execuo, da manuteno a partir dessa avaliao prvia, optar por solues economicamente justificveis;

    Restries de impacto ambiental avaliao dos impactos dentro e fora dos limites do local de interveno, limitando-se escolha das alternativas qualitativamente definidas como menos impactantes;

    Restries locais existncia de infraestrutura ou benfeitorias, ocupao humana, e quaisquer outros objetos ou condies locais que limitem as intervenes previstas.

    vi Especificao dos mecanismos de aquisio de informaes detalhadas

    O ltimo objetivo da fase conceitual diz respeito prescrio especfica dos mtodos de aquisio de informaes em nvel quantitativo que so utilizadas nas prximas fases de projeto. Essas informaes devem ser listadas em conformidade e em complemento s informaes qualitativas j obtidas, tambm devem ser evidenciados o grau de exatido e detalhamento, suas quantidades, locais e formas de obteno. De modo geral, a prescrio quantitativa abrange levantamentos topogrficos, ensaios geotcnicos, levantamentos

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    florsticos, fitossociolgicos e faunsticos (quando for o caso), anlises qumicas e fsicas do solo, obteno de sries histricas de dados hidrolgicos, etc.

    Figura 3.4 Atividades da fase conceitual de projeto.

    Produtos da fase conceitual

    Ao final da fase de projeto conceitual as seguintes informaes so geradas: relatrio conceitual com fotografias, esquemas e descrio dos objetivos, descrio qualitativa dos fenmenos e apresentao e descrio das possveis alternativas de correo dos problemas fazendo uso de imagens e/ou plantas esquemticas.

    3.2.2 Bsica

    Para atender aos objetivos dessa fase as seguintes atividades so desenvolvidas: anlise quantitativa da fenomenologia, definio das medidas de tratamento, dimensionamentos, considerao e avaliao dos critrios ambientais e estticos. Ao trmino desta subseo, as atividades so reunidas em esquema na Figura 3.5.

    FASE CONCEITUAL

    PROCEDIMENTOS DE PROJETO

    Atividades de projeto i. Avaliao inicial em campo;ii. Medies expeditas de campo;iii. Anlise de informaes documentais;iv. Anlise qualitativa da fenomenologia;v. Identificao e formulao das

    intervenes;vi. Especificao dos mecanismos de

    aquisio de informaes detalhadas.

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    i Anlise quantitativa da fenomenologia

    A partir das informaes adquiridas nos levantamentos quantitativos so realizadas as anlises especficas do local e dos problemas encontrados para a obteno de modelos que expliquem o comportamento e levem a um entendimento das causas dos problemas. Os principais agentes e suas propriedades, bem como os processos em que estes atuam precisam ser identificados e caracterizados. Para isso, as condies hidrolgicas da bacia hidrogrfica so consideradas para um tempo de retorno consistente aos objetivos do projeto e associadas s suas condies fsicas tambm determinadas. Determinam-se as condies hidrulicas do canal, bem como as condies geotcnicas20 e edafolgicas21 do solo local. Esses fatores so associados e analisados conjuntamente, e, ento, so realizadas as inferncias acerca da fenomenologia, da criticidade e da evoluo dos processos desencadeados. Por meio da anlise explicitada, se alcana o entendimento das causas do problema, e pode-se ento definir as solues tecnicamente mais apropriadas e as variveis para atender os objetivos de correo requisitados.

    ii Definio das medidas de tratamento

    A compreenso analtica da fenomenologia, da criticidade e da evoluo dos processos desestabilizantes do sistema natural objeto do projeto possibilita a escolha definitiva das solues de tratamento, pois fornece critrios de escolha. A definio das medidas de tratamento deve ser fundamentada nas informaes qualitativas obtidas na fase conceitual, mas, principalmente nos parmetros quantitativos reunidos durante as atividades de projeto bsico. As informaes especficas advindas de anlise quantitativa quanto a aspectos hidrolgicos e hidrulicos, condies do solo (estabilidade mecnica e suporte para as plantas), diagnstico de recomposio e estabilizao de leito e/ou taludes, somadas ao conhecimento da disponibilidade regional de materiais inertes e vivos adequados, informaes

    20 Ramo da engenharia que faz uso da mecnica de solos e das rochas (descreve a resposta das massas aos

    sistemas de fora) para encontrar solues de planejamento, projeto, construo e operao de obras que envolvem fundao de construes sobre materiais inalterados (escavaes e cortes) ou ainda o uso dos materiais terrosos e rochosos como matrias-primas para a construo (preenchimentos e aterros) (SOWERS, 1979). 21O termo edafologia (do grego edaphos = terra ou terreno) algumas vezes usado como sinnimo de pedologia aplicada ao estudo do solo, sendo este entendido como o meio onde se cultivam as plantas (LEPSCH, 2002) tem, por essa razo, relao direta com as disciplinas que tratam dos cultivos florestais e agrcolas.

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    qualitativas da ecologia da paisagem (florstica, fitossociologia e fauna quando for o caso), bem como a estimativa prvia dos custos associados, compem as medidas gerais para a escolha definitiva dos tratamentos que sero implantados. Em resumo, todas as informaes levantadas na fase qualitativa (conceitual) so complementadas pelas informaes da fase quantitativa (bsica), constituindo os fundamentos necessrios para a escolha da(s) medida(s) mais adequada(s) de tratamento dos problemas conforme as exigncias ambientais, econmicas e de segurana de cada projeto.

    iii Dimensionamento

    Nesta etapa determinam-se as solicitaes para possibilitar o dimensionamento das estruturas, dos elementos e de seus arranjos, inclusive considerando-se as estimativas de custos, nveis de segurana e desenvolvimento da vegetao e seus efeitos. As intervenes so dimensionadas e modeladas de acordo com as solicitaes mais desfavorveis encontradas tanto na situao atual quanto nos cenrios de evoluo durante toda a vida til do sistema natural projetado.

    A partir do momento que a demanda crtica (solicitao mais desfavorvel) for determinada, tm-se ento, as bases para o dimensionamento das estruturas interventivas, respeitando-se que: os esforos mximos22 nas estruturas, elementos e arranjos utilizados devem ser menores ou iguais aos esforos admissveis. Para isso so necessrias anlises hidrolgica, hidrulica, geotcnica e da vegetao. So essas informaes que possibilitam projetar estruturas e configuraes compatveis resoluo do problema. ainda com essa atividade que se alcana o objetivo de estimar os riscos, quer pelos tempos de retorno, probabilidades de falha ou fatores de segurana para todos os perodos representativos da vida til de uma estrutura23.

    22 Fala-se aqui de modo generalizado quanto aos esforos, no s os puramente mecnicos, ou mesmo os

    hidromecnicos, mas sempre as solicitaes que os processos naturais extremos (normalmente chuvas intensas) impem aos sistemas naturais (sistemas fluviais representados pelo curso de gua e seus componentes ecossistmicos biticos e abiticos), o que os obriga a encontrar novas configuraes de equilbrio (novos leitos de fluxo onde prevalea a menor quantidade de energia). 23

    A vida til de uma interveno de engenharia natural indeterminada, pois a vegetao se estabelece e continua a se desenvolver ao longo dos anos e a proporcionar melhorias s condies que fornecem proteo aos sistemas naturais. Determinvel ou estimvel, atravs de um tempo de retorno (TR), por exemplo, a vida til de estruturas inertes que complementam as intervenes fornecendo as condies necessrias de estabilidade enquanto as plantas esto em processo de desenvolvimento. As estruturas associadas que so protegidas pelas intervenes de engenharia natural, tais como estradas, pontes, gasodutos, etc., tambm so construdas com base em uma estimativa de durabilidade.

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    O dimensionamento, neste caso, resulta da aplicao das leis de equilbrio para um sistema dinmico. As combinaes de solicitaes que refletem situaes de instabilidade podem ser diversas. Deste modo, procura-se no somente dimensionar estruturas resistentes aos estgios em que as solicitaes so as mais desfavorveis, mas que tambm tenham graus de liberdade24 suficientes para acomodar apropriadamente as configuraes de equilbrio que um sistema dinmico apresenta ao longo do tempo.

    Por fim, com os dimensionamentos realizados, os custos da obra podem ser estimados e a soluo adotada pode ser avaliada quanto a sua viabilidade econmica. Alm disso, torna-se possvel afirmar se os nveis de segurana so aceitveis ou no, bem como realizar previses da ao da vegetao ao longo do tempo.

    iv Considerao e avaliao dos critrios ambientais e estticos

    As obras de engenharia natural, alm de corrigirem a instabilidade dos solos pelo aumento da sua resistncia e reduo do impacto das solicitaes sobre os mesmos, tambm proporcionam o aumento gradual da qualidade ambiental da rea tratada. Para amplificar as qualidades da obra para alm dos aspectos econmicos e de segurana, os critrios ambientais e estticos devem ser considerados.

    Os projetos devem satisfazer condies que vo desde o uso preferencial de um conjunto diversificado de espcies vegetais autctones25 da regio de interveno, at formulao de combinaes que se assemelhem, ou muito se aproximem, da paisagem potencial do local, fornecendo as condies iniciais necessrias para o aumento da biodiversidade natural. Em larga medida, deve-se evitar o que estranho ao ambiente local e que segundo os preceitos ecolgicos pode ser prejudicial s interaes ocorrentes no meio, como por exemplo, o uso de espcies vegetais invasoras (normalmente exticas) que podem reduzir a biodiversidade do ambiente26 tratado. Em engenharia natural os aspectos tcnicos, ambientais e estticos no se dissociam e, portanto, a avaliao das obras deve atentar para a constituio de um ambiente que possibilite o desenvolvimento e a diversidade da biocenose (flora e fauna).

    24 Trata-se de um acrscimo de segurana flexvel as condies de equilbrio que normalmente ocorrem ao longo

    do tempo em sistemas dinmicos, tais como os cursos de gua e suas reas de influncia. 25

    Vegetao que tem sua origem na regio onde encontrada (HOUAISS, 2004). 26

    Reduzir a biodiversidade do ambiente significa reduzir os graus de liberdade na manuteno do equilbrio dinmico.

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    Figura 3.5 Atividades da fase bsica de projeto.

    Produtos da fase bsica

    Ao final da fase de projeto bsico as seguintes informaes so geradas: memorial de clculo que descreve os fenmenos e o ecossistema envolvido de modo quantitativo (aspectos morfomtricos da bacia hidrogrfica, hidrologia, hidrulica do canal e vegetao), apresentao dos modelos de interveno e os clculos de dimensionamento (hidrulico, geotcnico, estrutural, riscos associados, configurao e fatores de segurana das estruturas) acompanhados das plantas esquemticas das intervenes (somente a forma inicial e parcialmente desenvolvida, uma vez que plantas e desenhos detalhados e com especificaes fazem parte do projeto executivo).

    3.2.3 Executiva

    Para atender aos objetivos dessa fase as seguintes atividades so desenvolvidas: detalhamento das solues, servios, cronograma de implantao e oramento, monitoramento e manuteno. Ao trmino desta subseo, as atividades so reunidas em esquema na Figura 3.6.

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    i Detalhamento das solues

    Definidas e dimensionadas as estruturas que compem as intervenes de engenharia natural, pode-se ento, realizar o detalhamento de cada uma delas, atentando para a otimizao, especificao e quantificao dos materiais necessrios para que sejam construdas. Nesta etapa realizada a descrio minuciosa de cada estrutura, especificando cada tipo de material que a compe (ex.: madeira, vergalhes de ao, pregos, grampos, material vegetal [estacas, mudas, estoles, rizomas, bulbos, sementes], etc.), e ao mesmo tempo, se descreve como exatamente cada uma deve ser implantada, indicando-se sequencialmente o procedimento de instalao, inclusive com a elaborao de desenhos e plantas com as medidas e localizao detalhadas e em escala de cada interveno na rea de trabalho.

    Esse detalhamento fornece as bases necessrias para que as intervenes sejam oradas e o cronograma para sua implantao seja constitudo (pois se identifica o tamanho e o grau de complexidade que influenciam diretamente no tempo dispensado construo). Do mesmo modo, so fornecidas as informaes necessrias execuo e a posterior fiscalizao da obra. O detalhamento das intervenes ao nvel em que tcnicos alheios ao processo de elaborao do projeto possam compreend-lo e realiz-lo autonomamente se reveste de fundamental importncia para a execuo bem sucedida de uma obra, pois nem sempre o projetista (que participa de todas as fases de elaborao do projeto) pode estar presente para prestar esclarecimentos durante as atividades de execuo.

    ii Servios

    Os servios so listados por categorias abordando-se os materiais, as atividades e equipamentos que so utilizados na execuo. So apresentados e descritos os servios iniciais (preparo e limpeza da rea, canteiro e atividades de apoio, obras provisrias de controle de eroso e sedimentos), servios auxiliares (terraplanagem, desmonte de rochas, etc.), servios de implantao das intervenes propriamente ditas, servios complementares s estruturas principais de estabilizao (tal como estruturas de drenagem), servios finais (limpeza final, recomposio de reas afetadas pelo trnsito de veculos e equipamentos de construo, e do canteiro de obra), plano de monitoramento e manuteno de estruturas inertes e material vivo.

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    iii Cronograma de implantao e oramento

    Na definio do cronograma so previstas todas as atividades relacionadas execuo da obra considerando-se o perodo mais adequado para cada atividade e o tempo de durao das mesmas. Como as intervenes so realizadas com material vivo muitas vezes estacas de plantas deve-se ter especial ateno, sempre que possvel, para realiz-las durante o perodo de dormncia vegetativa, pois assim o ndice de pega e enraizamento pode alcanar maior xito27. Quando no realizadas com estacas, mas com mudas ou sementes, a amplitude temporal de execuo das intervenes pode ser um pouco maior, especialmente se houver recurso irrigao.

    Todos os servios apresentados no item anterior devem ser organizados sequencialmente de acordo com as atividades que so pr-requisitos para outras de modo a facilitar o processo e evitar erros grosseiros de logstica e/ou implantaes em perodos desfavorveis. No que diz respeito ao oramento, o computo minucioso de valores reais de mercado deve ser condizente a tudo o que for mobilizado para a realizao da obra, seja material, maquinrio ou pessoal. Esse conhecimento imprescindvel para avaliar a viabilidade financeira da execuo, bem como para realizar a programao financeira do rgo responsvel pela contratao dos servios e evitar inconformidades que podem interromper o bom andamento da obra. O licenciamento ambiental e demais trmites legais junto aos rgos competentes so imprescindveis para que as datas de execuo das atividades sejam estabelecidas e, portanto, devem ser realizados com antecedncia. Os pedidos de licena devem ser encaminhados j nas primeiras fases de projeto. Normalmente o projeto conceitual suficiente para os esclarecimentos exigidos pelos rgos ambientais.

    iv Monitoramento e manuteno

    Ambas as atividades so interdependentes e realizadas in situ. O monitoramento avalia as condies da obra como um todo, a partir da anlise individual e conjunta dos componentes inertes e vivos, sendo que sua periodicidade de realizao consistente aos objetivos da obra. As atividades de manuteno, por sua vez, dependem dos diagnsticos realizados durante os

    27 O maior ndice de pega pode ser explicado pelo fato das reservas nutricionais de uma planta, no perodo de

    dormncia, estarem disponveis ao mesmo tempo e em maior quantidade para a emisso de razes e brotos. O contrrio ocorre com as estacas coletadas na primavera, quando parte das reservas da planta j foram disponibilizadas para a emisso de novas razes, brotos e florao.

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    monitoramentos para constituir as diretrizes de abordagem das inconformidades (se estas existirem) e correo das mesmas, buscando retornar as condies previstas em projeto.

    A periodicidade de monitoramento da obra geralmente deve ser ajustada ao atendimento das necessidades das plantas utilizadas nas intervenes. Isso ocorre porque as plantas dependem de maiores cuidados iniciais para garantir o seu estabelecimento do que as estruturas inertes que, ao serem implantadas, tm condies praticamente imediatas de atender s solicitaes para que foram dimensionadas.

    No primeiro ms ps-implantao, a vegetao encontra-se em processo de adaptao ao novo ambiente ao qual foi inserida e, por isso, os monitoramentos necessariamente devem ter frequncia semanal (uma ou mais vezes). O perodo inicial o mais crtico ao estabelecimento vegetao. Uma vez constatada a pega da vegetao e tambm sinais de seu desenvolvimento (normalmente no segundo ms isso bastante visvel) o monitoramento pode ter sua frequncia reduzida (mas no suspendida) a um nmero que corresponda ao comportamento da vegetao ou aos acontecimentos que podem interferir em seu estabelecimento (no mnimo duas visitas ao ano, uma na estao seca e outra na estao das chuvas). Sempre que ocorrer um evento climtico extremo (evento pluviomtrico intenso, seca, etc.) ou ataque de insetos (especialmente formigas) o monitoramento deve ser imediatamente reajustado (antecipado e intensificado). Deve-se ter em mente que os monitoramentos so realizados simultaneamente para os elementos vivos e inertes que compem as intervenes.

    No monitoramento das estruturas inertes avalia-se a integridade estrutural, o aparecimento de sinais e pontos de fraqueza que antecedem ou indicam uma ruptura, a ruptura propriamente dita, o surgimento de processos erosivos ou qualquer inconformidade capaz de enfraquecer a estrutura tornando-a instvel ou que inviabilize o seu funcionamento conforme a finalidade para qual foi projetada. Quanto vegetao, todas as espcies plantadas ou semeadas devem ser verificadas quanto sobrevivncia, sanidade (alteraes fisiolgicas causadas por pragas, deficincia nutricional ou hdrica) e desenvolvimento (avalio do dimetro de caule e ramos e altura total por meio de procedimentos de amostragem que represente todo o plantio, ou