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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós Graduação em Administração - PROPAD Bruno César Santos de Alcântara Discursos transformadores e possibilidades para um ‘Novo Organizar’ na política de esporte e lazer do Recife Recife, 2007

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas

Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós Graduação em Administração - PROPAD

Bruno César Santos de Alcântara

Discursos transformadores e possibilidades para um ‘Novo Organizar’ na política de esporte e lazer do

Recife

Recife, 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES

Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco é definido em três graus: - "Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas); - "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita a consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada; - "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou custódia; A classificação desta dissertação/tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.

Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração.

___________________________________________________________________________

Título da Monografia: Discursos transformadores e possibilidades para um ‘Novo Organizar’ na política de esporte e lazer do Recife.

Nome do Autor: Bruno César Santos de Alcântara. Data da aprovação: 15 de junho de 2007.

Classificação, conforme especificação acima:

Grau 1

Grau 2 Grau 3

Recife, 15 de agosto de 2007

--------------------------------------- Assinatura do autor

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Bruno César Santos de Alcântara

Discursos transformadores e possibilidades para um ‘Novo Organizar’ na política de esporte e lazer do

Recife

Orientadora: Profa. Dra. Cristina Amélia Pereira de Carvalho

Dissertação apresentada como requisito complementar para a obtenção do grau de Mestre em Administração, área de concentração em Gestão Organizacional, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco.

Recife, 2007

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Alcântara, Bruno César Santos de Discursos transformadores e possibilidades para um novo organizar na política de esporte e lazer do Recife. / Bruno César Santos de Alcântara. – Recife : O Autor, 2007. 196 folhas : fig. , tab. , abrev. e quadro. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Administração, 2007. Inclui bibliografia, apêndice e anexo. 1. Teoria organizacional. 2. Administração. 3. Administração pública – Participação do cidadão. 4. Políticas públicas. 5. Recife - Lazer. I. Título. 658 CDU (1997) UFPE

658 CDD (22.ed.) CSA2007-077

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Dedico este trabalho aos meus pais, Zeca, também conhecido por José Pedro, pelo apoio incondicional e Cristina, para alguns, Tereza, minha melhor amiga, e ao meu avô Antônio pelo exemplo de vida.

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O desenvolvimento das forças econômicas sobre novas bases e a instauração progressiva da nova estrutura sanearão as contradições que não faltarão e, tendo criado de baixo um novo “conformismo”, permitirão novas possibilidades de autodisciplina, isto é, liberdade individual. (Antonio Gramsci em Notas sobre Maquiavel. Trechos selecionados por Emir Sader em Gramsci: poder, política e partido). A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática ativismo. (Paulo Freire em Pedagogia de Autonomia). Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. (Paulo Freire em Pedagogia de Autonomia).

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Agradecimentos Nessa jornada, iniciada em 2003, quando aluno especial do PROPAD, merecem meus

agradecimentos:

- Profa. Cristina Carvalho, pela oportunidade, pela insistência, pela confiança e finalmente pela paciência. Por junto com os professores Marcelo Milano, Rosimeri Carvalho, Eloise Dellagnelo, ainda que distantes, transmitirem, para um jovem iniciante em pesquisa, a seriedade e o compromisso necessário com a vida pública.

- Sueli Goulart, grande amiga, fundamental nos momentos difíceis que passei, quando quase desisti. Muitas saudades de nossas conversas. Rodrigo Gameiro, grande amigo, com quem muito aprendi, mudei, morei.

- A quem esteve e está no Observatório da Realidade Organizacional, pelo aprendizado e apoio contínuos, especialmente nos momentos difíceis. Em particular, ao longo desses anos, Gustavo Madeiro, Julio Cesar, Paulo Magalhães, Távia, Michelle Menezes, Thiago Dias, Profa. Débora, Flávia, Alba, Myrna, Elias, e mais recentemente Caropul, Ana Luiza, Raquel, Michelaine, Luciana e Profa. Maristela.

- Profa. Ruth Vasconcelos pela grande leitura do projeto, que contribuiu sobremaneira para os rumos deste trabalho. Profa. Jackeline Amantino pela iniciação no mundo da Política, pelas ótimas conversas que tivemos.

- Prof. Gustavo Tavares, pelas primeiras lições sobre política pública (local) no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.

- Prof. Nelson Marcellino e Profa. Leila Mirtes Pinto pelos textos e dicas sobre o setor de esporte e lazer.

- Aos professores do PROPAD, em particular ao Prof. Pedro Lincoln Mattos. Irani, pelo apoio.

- Guilherme Moura, Roberta Medeiros e Julio Cesar pelo inestimável apoio quando ainda aluno da graduação arriscando-me no mestrado. Agradeço ainda o grande apoio do amigo Gustavo Madeiro.

- Alessandra, Ana Beatriz, Ana Márcia, Daniel, João Gratuliano, Marcelo Lima, Marcelim Vieira, Milka, Vinícius, Sérgio, Renata, Walter por marcarem minhas lembranças da Turma 11.

- Do período no Rio Grande do Sul, Profa. Maria Ceci; Prof. visitante Steffen Böhm; Prof. Clézio Saldanha; Profa. Aida Lovison pelo apoio e contribuições valorosas. Os alunos da Escola de Administração Lucas, Romualdo, Duarte, Fabiane, Joyce, Rafael Flores e Rafael Vecchio, pelo apoio. Particularmente, Guilherme Camara, pela acolhida num momento difícil. Cristiane Almeida, pelo apoio amigo, pela culinária nordestina, pelas músicas da terra que tanto inspiraram a redação deste trabalho.

- Emerson Sobral, Jamerson Almeida, Katharine Ninive, Raphael D´Castro, Cezar Lobo, Antonino Fernandes, Thiago de Alencar, Josuel Salvador, Marconi B.boy e muitos outros que organizam o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer, pela oportunidade que me faz hoje um outro cidadão.

- CAPES e FACEPE pelo fundamental apoio financeiro.

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- Meus familiares, que tanto torceram e esperaram. Meus irmãos, Eduardo e Bruna; Minha Tia Etiene; Meus avós queridos; Meus tios e primos, alguns tão distantes. Meus amigos por compreenderem minhas ausências, particularmente Quinho e Zé Inaldo;

- Hayana, meu amor, pelo companheirismo, paciência, equilíbrio e pelos cuidados quase médicos. Seus familiares pelo apoio, particularmente Célia, pelos remédios que tanto me ajudaram na reta final, Deyse pela ajuda com as imagens e fotos.

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Resumo

Desde a década de 30, esporte e lazer se caracterizaram pelo caráter interventor do

Estado brasileiro. A partir do reconhecimento do lazer como direito social, pela Constituição

Federal de 1988, ambos ganharam novos contornos nas ações do poder público. A

prerrogativa da Constituição repercutiu em políticas públicas de esporte e lazer preocupadas

com o resgate de valores comunitários por meio de atividades lúdico-desportivas,

principalmente em governos do Partido dos Trabalhadores. Em 2002, foi criado, pela

Prefeitura Municipal do Recife, o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer para

conscientizar crítica e politicamente e elevar culturalmente as comunidades da periferia da

cidade de modo a restaurar vínculos comunitários que estimulassem ações (políticas)

(auto)organizadas. Em suas ações, o Programa acrescentou aos conteúdos esportivos

tradicionais, como o futebol, manifestações artístico-culturais, assim como elementos dos

esportes radicais e da cultura hip hop. Neste trabalho foi analisado como os elementos

transformadores do discurso do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer se

concretizaram nas práticas de organizar de seus projetos nas comunidades. Da pesquisa de

campo, entre junho de 2005 e abril de 2007, as entrevistas e a observação participante, com

uso de notas de campo, subsidiaram a análise da concretização dos projetos. Para o tratamento

e análise dos dados utilizou-se abordagem qualitativa. Foram identificadas novas

possibilidades de organização entre poder público e sociedade civil na implementação dos

projetos estudados. Porém, os projetos que mostraram maior potencial para criar novas

possibilidades de organização foram, ao longo dos anos, perdendo prioridade nas ações da

política de esporte e lazer do Recife.

Palavras-Chave: Teoria Organizacional. Práticas de Organizar. Esporte e Lazer. Esporte.

Lazer. Políticas Públicas. Avaliação de Políticas Públicas. Observação Participante.

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Abstract

Since the 1930´s, sport and leisure activities were characterized by the interventionist

character of the Brazilian state. Since the recognition of leisure as a social right by the Federal

Constitution of 1988 both gained new roles in public policies. The prerogative of the

Constitution reflected on public policies of sport and leisure concerned with the redemption of

communitarian values through athletic-playfully activities. These took place mainly when the

Workers’ Party was in power. In 2002, the Popular Circles of Sport and Leisure Program was

created in Recife. This program was implemented to integrate communities and to foster

political and cultural awareness of Recife’s periphery communities, primarily by restoring

communitarian bonds aimed at stimulating self-organized autonomous political actions. The

Program added to traditional contents, like soccer, cultural-artistic demonstrations, different

sports, and elements of the hip hop culture. In this work, we analyze how the elements of

discourse of the Popular Circles of Sport and Leisure Program came true in organizing of its

community projects. The fieldwork, conducted between June 2005 and April of 2007,

interviews and the participant observation, with the use of field’s notes, subsidized the

analysis of the realization of the projects. For the treatment and analysis of the data a

qualitative approach was used. New possibilities of organizing were identified between public

power and civil society in the implementation of the studied projects. However, the projects

that showed superior potential to create new possibilities of organizing have been losing

priority in sport and leisure policies of Recife municipal government.

Key words: Organization Theory. Practices of organizing. Sport and leisure. Sport; Leisure;

Assessment of public policy. Public Policy; Participant Observation.

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Lista de Figuras

Figura 1 (3) – Nota de Campo 1 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude 2007 de Brasília Teimosa [RPA 6] ......... 48 Figura 2 (3) – Nota de Campo 2 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude 2007 de Brasília Teimosa [RPA 6] ......... 49 Figura 3 (4) - Organograma do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães ............................. 74 Figura 4 (4) – Questionando a comunidade sobre o que é lazer. Ação do Projeto Animação de Parques e Praças – Parque 13 de maio [RPA1] 2006 ............................................................ 88 Figura 5 (4) – Mobilização das pessoas que estavam no Parque. Ação do Projeto Animação de Parques e Praças 2006 ...................................................................................................... 88 Figura 6 (4) – Folder (em preto e branco) entregue no dia do Espetáculo de Dança, realizado no Teatro Armazém (Recife Antigo) [RPA1] ........... 92 Figura 7 (4) – Foto do Espetáculo – coreografia de dança usando Maracatu ...... 92 Figura 8 (4) – Foto do Espetáculo – teatralizando o dia-a-dia das comunidades no ônibus 92 Figura 9 (4) – Foto do Espetáculo – teatralizando o cemitério de uma comunidade ......... 92 Figura 10 (4) – 3º (e último) Encontro Municipal do Esporte do Mangue – Cais da Aurora 2004 [RPA 1] ........ 95 Figura 11 (4) – Foto Apresentação de bandas do Festival da Juventude do Totó 2004 [RPA 5]......................................................................................................................... 95 Figura 12 (4) – Foto de apresentação de grupo de breakdance no Fórum Esporte do Mangue 2004, no Armazém 12 [RPA 1] .............................................................................................. 95 Figura 13 (4) – Cartaz (em preto e branco) de divulgação dos Festivais da Juventude 2007 102 Figura 14 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da visita às atividades do Festival da Juventude da Aurora [RPA 1] ............ 106 Figura 15 (4) – Foto da seletiva do V Campeonato Popular de Skate .. . 106 Figura 16 (4) – Foto da Oficina de Percussão ....................................................................... 106 Figura 17 (4) – Foto da seletiva do V Campeonato Popular de Skate 106 Figura 18 (4) – Foto do Aulão de Frevo do Festival da Juventude da Macaxeira [RPA 3] 2007 – Palco fruto da Parceria da Prefeitura com empresa eventos ....... 110 Figura 19 (4) – Foto de apresentação de bandas no Festival da Juventude da Macaxeira 2006 - Palco da parceria do GEGM-Geraldão com a comunidade................................................... 110 Figura 20 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da Roda de Diálogo do Festival da Juventude da Macaxeira [RPA 3] ....................................................................................... 113 Figura 21 (4) – Foto da Roda de Diálogo .......................................................................... 113 Figura 22 (4) – Foto da seletiva do VI Campeonato Popular de Skate ............ 113 Figura 23 (4) – Foto da Oficina de Grafite .. .. 113 Figura 24 (4) – Primeira página do (primeiro) Fanzine Satélite ......................... ... 116 Figura 25 (4) – Segunda página do (primeiro) Fanzine Satélite ......................... ... 117 Figura 26 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias [RPA 5]................................................................................................. 120 Figura 27 (4) – Nota de Campo 1 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias 120 Figura 28 (4) – Nota de Campo 2 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias 120 Figura 29 (4) – Nota de Campo 3 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias 120 Figura 30 (4) – Foto 1 (em preto e branco) da Reunião de Unificação do Regulamento da Competição Masculina do Projeto Futebol-Participativo 2006. Sala de reuniões do GEGM-Geraldão [RPA 6] .................................................................................................................. 129 Figura 31 (4) – Foto 2 (em preto e branco) da Reunião de Unificação do Regulamento da Competição Masculina do Projeto Futebol-Participativo 2006 ............ 129

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Figura 32 (4) – Fase regional do Projeto Futebol-Participativo. Jogo em campo nas comunidades ... . 133 Figura 33 (4) – Jogos finais do Projeto Futebol-Participativo 2004 em estádio de futebol 133 Figura 34 (4) – Jogo final masculino do Projeto Futebol-Participativo 2004 em estádio de futebol .................................................................................................. 133 Figura 35 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem com presença do Presidente da República em reportagem de capa de um dos principais jornais de Pernambuco ........163 Figura 36 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem, com presença do Prefeito do Recife, em reportagem de capa de um dos principais jornais de Pernambuco ...........................163 Figura 37 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem, com presença do Governador do Estado e outras autoridades, em reportagem de capa de um dos principais jornais de Pernambuco.............................................................................................................................163 Figura 38 (5) – A proposta do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer................. 176 Figura 39 (5) – A prática no Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer ............ 178

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Lista de Quadros

Quadro 1 (2) - Dimensões básicas do velho organizar e suas práticas organizacionais........ 31 Quadro 2 (4) - Princípios Pedagógicos do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer 53 Quadro 3 (4) - Formas de organizar do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.... 56 Quadro 4 (4) - Diretrizes para formulação dos planos de governo municipais nas eleições de 2004......................................................................................................................................... 70 Quadro 5 (4) - Assuntos freqüentes nas reuniões do Projeto Futebol-Participativo............. 131 Quadro 6 (4) - Dos projetos em ação: práticas de organizar e práticas organizacionais...... 136 Quadro 7 (4) - Ações dos projetos em relação ao ideário do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer....................................................................................................................... 153 Quadro 8 (4) - Temas/Ações para votação nas plenárias temáticas de Juventude (2003-2006) do Orçamento Participativo................................................................................................... 164

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Lista de abreviaturas

(CND) Conselho Nacional de Desportos (CLT) Consolidação das Leis do Trabalho (DGE) Diretoria Geral de Esportes (GEGM-Geraldão) Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (JCA) Jovens Conscientes do Alto (PT) Partido dos Trabalhadores (PCPEL) Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer (PMR) Prefeitura Municipal do Recife (PROCAD) Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (RPA) Região Político-Administrativa (SESI) Serviço Social da Indústria (SESC) Serviço Social do Comércio

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Sumário

1Introdução .............................................................................................................................14 2Caminhos teóricos (contextualiz(ação) ...............................................................................18 2.1Uma breve introdução ao pensamento administrativo ........................................................18 2.2A abordagem tradicional de compreensão do organizar .....................................................21 2.3Como pensar possibilidades do organizar de outra maneira? .............................................24 2.3.1Algumas alternativas de compreensão crítica do organizar nos estudos organizacionais ... ...................................................................................................................27 2.4Formas novas de organização e novas possibilidades de compreender o organizar ...........30 2.5Desporto e Lazer: ações de Estado e concepções para uma política pública para o tempo livre ........................................................................................................................34 3Metodologia...........................................................................................................................44 3.1Instrumentos e técnicas de coleta de dados .........................................................................46 3.2Análise e interpretação dos dados .......................................................................................50 4Apresentação e Análise dos dados.......................................................................................52 4.1Em Recife: uma política setorial de esporte e lazer.............................................................52 4.2Primeiras intenções e práticas do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer..........62 4.3O Programa numa (velha) estrutura organizacional ............................................................72 4.4No discurso do Programa: os elementos transformadores ..................................................76 4.4.1Práticas de organizar: os projetos em ação.......................................................................78 4.5Limites e contradições entre discurso e prática .................................................................138 4.5.1O Programa dentro dos anseios da gestão municipal .....................................................154 5(Em) Conclusões .................................................................................................................170 Referências .............................................................................................................................185 APÊNDICE A - Atividades Durante a Pesquisa ....................................................................190 APÊNDICE B - Lista de Entrevistados..................................................................................192 APÊNDICE C - Roteiro de Entrevistas..................................................................................193 APÊNDICE D - Estrutura das Notas de Campo.....................................................................194 ANEXO A - Mapa Geopolítico da Região Metropolitana do Recife.....................................195 

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1 Introdução

[Foi Recife] em baixo dos pés e a minha mente na imensidão (Da Letra da Música ‘Mateus Enter’ de Chico Science. Álbum ‘Afrociberdelia’ - Chico Science & Nação Zumbi). [Foi] só uma cabeça equilibrada em cima do corpo Escutando o som das vitrolas, que vem dos mocambos Entulhados à beira do Capibaribe na quarta pior cidade do mundo Recife cidade do mangue Incrustada na lama dos manguezais Onde estão os homens caranguejos (Da Letra da Música ‘Antene-se’ de Chico Science e Nação Zumbi. Álbum ‘Da Lama ao Caos’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Após quase duas décadas de experiências de governos populares nos níveis municipais

e estaduais de governo do Brasil, que culminou na chegada ao Governo Federal do Partido

dos Trabalhadores (PT) em 2002, reeleito recentemente para o segundo mandato (2007-2010),

faz-se importante uma avaliação de como, as ‘camadas populares’, ‘as camadas

desfavorecidas socialmente’, ou melhor, a sociedade civil brasileira no caminho de uma maior

organização, contribui naquilo que chamaremos neste trabalho de ‘Novo Organizar’. Recife é

uma das recentes cidades do país onde o PT conseguiu interromper a seqüência político-

institucional tradicional de governos, que caracteriza não só o histórico do município, como

do Estado de Pernambuco.

Quando esta pesquisa foi iniciada em 2005, o Partido dos Trabalhadores encontrava-se

em seu segundo mandato no Recife, primeiro ano da segunda gestão. No Governo Federal era

o terceiro ano do primeiro mandato. No entanto, sua concepção, já se desenhava desde o final

do ano de 2004, quando a população brasileira, e particularmente a do Recife, renovavam suas

esperanças com a possibilidade de governos voltados para as camadas populares e programas

sociais. No Recife, essa esperança se refletiu nas eleições municipais de 2004, quando o PT

ganhou com ampla margem de votos no primeiro turno.

Nesse sentido, o embate entre uma nova possibilidade de organizar, pela ascensão ao

poder do Partido dos Trabalhadores, com o velho organizar, que caracteriza as ações

institucionais do Estado, torna-se aspecto central desta pesquisa, porque o que foi sendo

forjado, ao longo da década de 90, pelos governos populares do país, chega finalmente ao

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topo do poder, de onde o velho organizar (governar) concebe (e concebeu) suas tramas

intelectuais, sócio-políticas e organizativas.

Nesta pesquisa, analisaremos as ações organizativas da política de esporte e lazer do

Recife, particularmente, a ação de três projetos do Programa Círculos Populares de Esporte e

Lazer. A pesquisa de campo que subsidiou as análises ocorreu entre junho de 2005 e abril de

2007. O Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer (PCPEL) propõe pautar suas ações

pela oposição ao esporte e lazer apropriado pela lógica do mercado de oferta e procura, à

indústria cultural, ao individualismo, à ganância da quebra de recordes. Em contrapartida,

busca resgatar a centralidade dos seres humanos na construção da cultura corporal para uma

conscientização crítica e política e elevação cultural das comunidades da periferia do Recife

de modo a restaurar vínculos comunitários que estimulem ações (políticas) (auto)organizadas.

Nesse sentido, propõe respeitar as iniciativas das comunidades da periferia da cidade,

acrescentando aos conteúdos esportivos tradicionais, como o futebol praticado nos campos de

várzea, atividades ligadas a conteúdos artístico-culturais como teatro, dança, artesanato,

percussão, assim como elementos dos esportes radicais, e da cultura hiphop.

Mesmo na área de organizações, não interessou somente, neste trabalho, a análise da

configuração organizacional que suporta as ações PCPEL em suas ações cotidianas nas

comunidades, mas também a análise das práticas de organização comunitárias que permeiam

as ações dos projetos do PCPEL. Como pano de fundo fez-se uma retomada histórica do

tratamento e compreensão do desporto através da interpretação das ações do Estado brasileiro

na área, assim como mudanças de significado na noção de lazer, enfatizando a história

político-institucional brasileira a partir de 1930. Uma ênfase maior é dada à década de 80,

principalmente após a Constituição de 1988, quando emergem as principais iniciativas locais

de governo populares no setor de esporte e lazer, influenciando outras iniciativas que a

sucederam, inclusive uma das mais recentes, o Programa Círculos Populares de Esporte e

Lazer da Prefeitura Municipal do Recife.

Ao campo teórico, pretendeu-se contribuir com um fazer acadêmico não estéril, sem

medo de se contaminar com a realidade social, já que o autor tem sua história de vida e

compartilha um determinado contexto histórico e social, que influenciaram, não somente a

escolha do objeto de estudo e sua problematização, mas a linha de argumentação desta

pesquisa. Foi escolhida uma abordagem teórica que proporcionou um olhar político-crítico e,

portanto, analítico da questão de pesquisa. Procurou-se um caminho alternativo ao

mainstream da área de organizações, sendo necessário recorrer a fontes das ciências sociais

não aplicadas. A contribuição teórica estende-se ao campo crítico dos estudos

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organizacionais, principalmente, sobre o caráter dominador das formas tradicionais de

organização que têm como características a hierarquia, a impessoalidade, o formalismo (o que

está escrito) a ênfase na especialização técnica, subsidiando assim uma forma dominante de

organização social que preza pela eficiência, eficácia, competitividade, produtividade, mesmo

em campos não afeitos a esses elementos, como são as manifestações culturais.

No campo das políticas públicas é comum o discurso do novo, mas é importante

verificar se as propostas de ação desse campo, tendo aqui como objeto o PCPEL, concretizam

(ou não) os (novos) discursos propostos, assim como a relação entre discurso e prática, seus

limites e potencialidades. Nesse sentido, esta pesquisa traz como problema a concretização de

novas práticas de organização social através de propostas de governo envolvendo agentes do

Estado e segmentos da sociedade civil organizada, particularmente, no âmbito do esporte e do

lazer.

Esta pesquisa é um esforço na politização do estudo das organizações, em que

predomina o aprimoramento de ferramentas gerenciais que se adequam aos anseios das

organizações formais, particularmente as empresariais. No contexto de pobreza em que se

situa Recife, é urgente pensar em outras possibilidades de organização social. Aqui, o pensar

sobre o organizar tem como foco o embate entre o poder instituído do Estado e o poder das

iniciativas da sociedade civil, que habita a periferia do Recife.

Assim, esta pesquisa responde à seguinte questão:

Como os elementos transformadores do discurso do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer se concretizam nas práticas de organizar dos círculos populares (seus

projetos)?

O objetivo central é analisar como os elementos transformadores do discurso do

Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer se concretizam nas práticas de organizar dos

círculos populares (seus projetos).

Os passos intermediários até se chegar à resposta da questão da pesquisa são:

- Caracterizar as ações do Estado no campo de esporte e lazer desde 1930 até as iniciativas de

governos locais de administrações populares e progressistas do Partido dos Trabalhadores

(PT).

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- Descrever e caracterizar o Programa Círculos Populares de Esporte Lazer, identificando os

fundamentos de suas ações e os projetos que o constituem.

- Identificar os elementos transformadores no discurso do Programa.

- Identificar as práticas de organizar do Programa a partir da observação da execução dos

projetos estudados.

- Verificar como os elementos transformadores presentes no discurso do Programa se

concretizam nas práticas de organizar dos projetos estudados.

- Analisar se as características e práticas de organizar do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer indicam a possibilidade de um novo organizar.

Este trabalho faz parte de uma investigação maior que reúne pesquisadores de

Pernambuco e do Rio Grande do Sul sob um projeto que no plano institucional busca

fortalecer a área de Estudos Organizacionais dos Programas de Pós-graduação em

Administração das Universidades Federais dos dois Estados. O referido projeto propõe no

plano de investigação a: (1) identificar as características das práticas alternativas de gestão em

organizações nos Estados de Pernambuco e do Rio Grande do Sul; (2) identificar as

características estruturais e as práticas administrativas dessas organizações e verificar se

indicam o surgimento de formatos de gestão alternativos ao modelo empresarial e (3) verificar

de que forma esses formatos podem ser caracterizados como práticas de gestão apropriadas ao

contexto nacional (Projeto PROCAD1- n. 0158054, intitulado ‘Outras formas organizacionais:

o estudo de alternativas ao modelo empresarial na realidade brasileira’).

1 Programa Nacional de Cooperação Acadêmica. O projeto envolve pesquisadores dos Programas de Pós-graduação em Administração das Universidades Federais de Pernambuco e do Rio Grande do Sul.

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2 Caminhos teóricos (contextualiz(ação))

Neste capítulo apresentam-se, num primeiro momento, as origens do campo de estudo

em que este trabalho se encontra; a abordagem tradicional do organizar nos estudos

organizacionais e o caminho teórico escolhido para compreender a possibilidade de um novo

organizar.

Num segundo momento serão caracterizadas as ações do Estado no campo das

políticas desportivas, retomando os entendimentos de esporte e lazer desde 1930 e as

concepções de lazer dos anos 80. Em seguida serão aprofundadas as concepções de esporte e

lazer e as iniciativas de governos locais de administrações populares e progressistas do

Partido dos Trabalhadores (PT), abrindo caminho para a análise da experiência do Recife.

2.1 Uma breve introdução ao pensamento administrativo

De natureza funcionalista e instrumental o pensamento administrativo é fruto de uma

época em que o mundo ocidental passou por um processo de modernização que se refletiu na

“substituição progressiva da economia feudal baseada na autoridade tradicional dos nobres,

dos senhores feudais e das autoridades religiosas e patriarcais por uma economia industrial

baseada na autoridade racional-legal, fundamento das organizações burocráticas” (MOTTA;

VASCONCELOS, 2003, p. 21).

Em ‘A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo’, Weber (2004) traz como ponto

central a explicação dos fundamentos do “espírito” do capitalismo nas premissas do

protestantismo. Esse “espírito” ou ethos, que para Weber se tornaria força motriz da empresa

capitalista moderna e cuja adequação recíproca (“espírito” e empresa) foi, para ele,

inigualável na história. Além disso, Weber analisa historicamente nessa obra, um dos mais

prementes elementos do espírito capitalista moderno como também da própria cultura

moderna, ou seja, a conduta de vida racional fundada na idéia de profissão como vocação.

Weber afirmava que a superação da economia tradicional, regra geral, não se deveu a

um afluxo de dinheiro novo, mas sim à entrada em cena do “espírito do capitalismo

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moderno”. Alertava-nos que “para saber quais as forças motrizes da expansão do capitalismo

moderno não se precisa pôr em primeiro lugar a questão da origem das reservas monetárias

valorizáveis como capital, e sim antes de mais nada a questão do desenvolvimento do espírito

capitalista” (WEBER, 2004, p.61).

Com seu olhar voltado para os EUA, Taylor com seus estudos científicos, em

‘Princípios de Administração Científica’, procurava superar o que definiu por Administração

por Iniciativa e Incentivo, predominante nas organizações americanas, onde o operário tinha

autonomia na forma como organizava e desempenhava seu trabalho, sem necessidade de um

planejador de tarefas. A contribuição de Taylor foi exatamente à introdução de métodos

científicos na administração de maneira a separar quem planeja o trabalho de quem o executa

(de uma única e melhor maneira), que denominou de Administração Científica. Assim, Taylor

foi um dos principais responsáveis pela criação de ferramentas administrativas que retiraram a

autonomia do trabalho dos homens do chão de fábrica, que passaram a ser considerados meros

executores de tarefas. Conceber e planejar atividades se tornaram atribuições de dirigentes

com qualificação profissional. Seu trabalho foi importante em termos de criar ferramentas

administrativas dentro de um contexto da modernidade em que se exige maior eficiência,

produtividade e profissionais especializados.

O trabalho de Taylor tinha uma preocupação não somente com a eficiência e a

eliminação de desperdício em uma empresa ou tarefa particular, mas de toda uma nação, os

Estados Unidos. Buscou contribuir pelo fim dos desperdícios que poderiam ser muito caros ao

seu país. O objetivo primeiro de seu trabalho era “indicar, por meio de uma série de exemplos,

a enorme perda que o país vem sofrendo com a ineficiência de quase todos os nossos atos

diários” (TAYLOR, 1986, p.27).

Seu trabalho foi uma espécie de concretização específica da análise histórica que

Weber fez da relação entre a ética protestante e a ascensão do capitalismo na passagem do

século XIX para o XX no ocidente. A educação religiosa com base na ética protestante

proporcionaria a capacidade de concentração, a retidão e o domínio de si, fundamentais para o

desempenho no trabalho. O trabalho deveria ser encarado como um dever e um fim em si

mesmo (uma missão – “vocação profissional”). Nesse sentido afirma Tragtenberg (1971,

p.15-16), “Taylor, oriundo de uma família de quakers, foi educado na observação estrita do

trabalho, disciplina e poupança. Educado para evitar a frivolidade mundana, converteu o

trabalho numa autêntica vocação”.

Max Weber na Alemanha e Frederick Taylor nos Estados Unidos contribuíram para os

primeiros saltos no campo de estudos das organizações. Relacionar o trabalho de Taylor,

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considerado pai da administração, a uma das obras de Weber mostrou-se importante nesta

breve introdução para reforçar a grande importância das análises históricas de Weber às

origens do pensamento administrativo.

Nesse sentido, Weber ganha neste trabalho destaque especial, principalmente por seus

escritos sobre o tipo ideal burocrático, formulação teórica que fundamentou interpretações

predominantemente prescritivas de sociólogos e teóricos das organizações. No início do séc.

XX já vislumbrava o processo de racionalização do mundo moderno, que contribuiria para

desumanizar e engessar as relações sociais da sociedade ocidental. A partir de então o tipo

ideal da burocracia seria o parâmetro para se vislumbrar formas de organização social. A ação

(social) racional ajustada a fins, racionalidade instrumental, prevaleceria e o capitalismo

avançaria como forma de organização social baseado predominantemente nessa razão.

Weber estava inserido numa sociedade moderna na qual percebia que aspectos

tradicionais da vida comunitária e da relação social se modificavam em detrimento de um

avanço da racionalidade baseada no cálculo utilitário das conseqüências. Aspectos

tradicionais como carisma, parentesco e hereditariedade perdiam sentido e importância.

Assim, Motta e Vasconcelos (2003, p. 20, grifos nossos) enfatizam que,

O pensamento administrativo surge como conseqüência do processo de modernização da sociedade e é a expressão da lógica burocrática, baseada no controle da atividade humana por meio da regra objetivando o aumento de produtividade e a geração de lucro na sociedade industrial.

Na próxima seção abordaremos como um sistema de dominação, a burocracia, torna-

se um sistema social de organização (estratégia de administração), que serve de modelo para a

compreensão das formas de organização do mundo moderno pelos estudos organizacionais.

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2.2 A abordagem tradicional de compreensão do organizar

O mundo moderno, marcado pela ascensão do capitalismo como ordenamento social,

emerge ávido por mudanças que consolidem a sociedade industrial e o domínio da razão

humana sobre a natureza e a “escuridão” das crenças religiosas características da idade média.

Nesse contexto a dominação tradicional, baseada em costumes e tradições passados de

geração a geração, que se legitimou predominantemente nas sociedades antigas e no

feudalismo, perde legitimidade. No processo de racionalização do mundo não há espaços para

privilégios baseados na tradição e escolhas pessoais de patriarcas, senhores feudais ou reis.

Apesar de ser uma dominação de tipo personalista, a autoridade carismática permanece

no mundo moderno na representação da imagem do líder. Nela há uma devoção afetiva a um

indivíduo e suas qualidades naturais, como, por exemplo, suas faculdades mágicas, revelações

ou heroísmos, sabedoria, poder de oratória. Os tipos mais puros são as dominações do profeta,

do herói guerreiro e do grande demagogo. Apesar de ser uma das grandes forças

revolucionárias na história, esse tipo de dominação em sua forma pura tem caráter

eminentemente autoritário e dominador (WEBER, 2003).

No entanto, é a dominação legal que dará fundamento às transformações que os

arranjos organizacionais e políticos sofrem no processo de modernização das sociedades em

vias de industrialização. É ela que irá predominar na sociedade industrial. “A burocracia

constitui o tipo tecnicamente mais puro” dessa dominação. Algumas características a

conformam (WEBER, 2003, p.129-130, grifos nossos):

a) “Obedece-se não à pessoa, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo

tempo a quem e em que medida se deve obedecer”;

b) “O tipo daquele que ordena é o ‘superior’, cujo direito de mando está legitimado

por uma regra estatuída, no âmbito de uma competência concreta, cuja delimitação e

especialização se baseiam na utilidade objetiva e nas exigências profissionais estipuladas para

a atividade do funcionário”;

c) “O tipo do funcionário é aquele de formação profissional, cujas condições de

serviço se baseiam num contrato, com um pagamento fixo, graduado segundo a hierarquia do

cargo e não segundo o volume de trabalho, e direito de ascensão conforme regras fixas”;

d) O funcionário é um burocrata, especialista com alto padrão de qualificação técnica.

Há agora uma separação entre a vida pública e vida privada do ocupante.

“Sua administração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo do cargo. Seu ideal é proceder sine ira et studio, ou seja, sem a menor

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influência de motivos pessoais e sem influências sentimentais de espécie alguma, livre de arbítrio e capricho e, particularmente, de modo estritamente formal segundo regras racionais ou, quando elas falham, segundo pontos de vista de conveniência ‘objetiva’”;

e) “O dever de obediência está graduado numa hierarquia de cargos, com

subordinação dos inferiores aos superiores, e dispõe de um direito de queixa regulamentado.

A base do fundamento técnico é a disciplina do serviço”.

Esses primeiros parágrafos procuram revelar as acepções ideais (puras) de Weber

sobre os tipos de dominação. Weber enxergou na burocracia uma estrutura de organização

dentro de um sistema de dominação mais amplo, equivalente a outras formas de dominação

como o patrimonialismo, o patriarcalismo, o feudalismo e o carismatismo. Todas elas

pensadas enquanto idéias, abstrações, sem grau de correspondência plena na realidade

(MOTTA; BRESSER PEREIRA, 1986).

No entanto, por este trabalho se tratar de um estudo que trabalha com a compreensão

do organizar será preciso abordar a burocracia enquanto uma forma de organização, que se

adaptou como nenhuma outra aos anseios de expansão e intensificação do capitalismo. No

mundo das organizações as características da burocracia se concretizam em estruturas

administrativas caracterizadas pela hierarquia (ordens de cima para baixo), pelas decisões

baseadas em critérios predominantemente racionais que exigem alto grau de

profissionalização e especialização técnica de seus funcionários; em que cada um tem seu

lugar definido por normas escritas em uma hierarquia e a função de seus cargos

predeterminada; um grau de impessoalidade que busca reduzir favoritismos e clientelismos

em favor do mérito e da competência técnica. A burocracia é uma solução organizacional que

procura organizar as atividades humanas de maneira estável para que objetivos

organizacionais sejam atingidos. É uma forma de rotinizar o trabalho humano em vista de

minimizar incertezas, conflitos e riscos comuns à vida coletiva. Motta (1990, p.38, grifos

nossos) afirma que,

Em seu sentido contemporâneo, a burocracia fundamenta-se em regras de caráter geral, impessoal e altamente abrangente, expressando-se numa forma de conduta organizada segundo rotinas preestabelecidas, à qual repugna o novo e o inesperado. Segue-se também uma divisão metódica de trabalho, que se traduz em papéis bem definidos, cujo desempenho se dá de acordo com uma descrição precisa de direitos e deveres, que é, entretanto, estabelecida e modificada pelos ocupantes dos níveis mais altos do próprio grupo.

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Não se pode perder de vista, que longe de ser uma forma de organização neutra “a

burocracia está, de qualquer forma que seja vista, vinculada à sociedade de classes”, em que

“alguns detêm os meios de produção e outros não” (MOTTA; BRESSER PEREIRA, 1986,

p.245).

A organização burocrática é a estrutura de organização que predomina nas sociedades

modernas, em detrimento de formas menos racionais e hierárquicas de organização social

como clãs, tribos, pequenas empresas familiares de caráter artesanal e eventualmente

comercial, sem preocupações finalísticas e racionais, presentes em grande número nos países

desenvolvidos até o início da revolução industrial. A lógica racional da burocracia invadiu o

Estado, os clubes, as escolas, as igrejas, as associações de classe e outras formas de

associações humanas que nunca precisaram profissionalizar sua prática espontânea. Nesse

sentido, neste trabalho, analisaremos as ações organizativas do Programa Círculos Populares

de Esporte e Lazer, tentativa do Estado preservar a espontaneidade das práticas de esporte e

lazer da cidade do Recife através da educação de quem participa de seus projetos para uma

reivindicação política organizada.

Como salientam Motta e Bresser Pereira (1986, p.21), “o desejo de racionalização do

homem moderno atingiu todos os setores de sua vida, inclusive o da estrutura dos sistemas

sociais de que participa. [...] racionalizados através de métodos administrativos”. O que

distingue fundamentalmente a organização burocrática da organização espontânea de certas

ações coletivas é exatamente a racionalização de suas atividades. Nela é premente o ato

racional que “represente o meio mais adaptado para se atingir um determinado objetivo, na

medida em que sua coerência em relação a seus objetivos se traduza na exigência de um

mínimo de esforços para se chegar a esses objetivos” (MOTTA; BRESSER PEREIRA, 1986,

p.22, grifos nossos). Seu princípio fundamental é a eficiência. Nesse sentido, ato eficiente é

aquele que não é só coerente com os fins visados, como também exige o mínimo de esforços,

o mínimo de custos, para um máximo de resultados.

Organização, como burocracia, pode reunir as seguintes conceituações (MOTTA;

BRESSER PEREIRA, 1986, p.23):

a) “Sistema social em que a divisão do trabalho é sistemática e coerentemente

realizada, tendo em vista os fins visados”;

b) “Sistema social em que há procura deliberada de economizar os meios para se

atingir os objetivos”; e ainda;

c) “Sistema social que se administra segundo o critério da eficiência, no qual as

decisões são tomadas sempre tendo em vista o aumento da produtividade”.

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Dessa maneira, foi a partir das características da burocracia enquanto estrutura de

organização que pudemos compreender o aparato administrativo que subsidia as ações do

programa de governo objeto de estudo desta pesquisa. No entanto, para se pensar outras

possibilidades de organizar a compreensão da burocracia enquanto estrutura de organização se

mostrou insuficiente para compreender de maneira mais ampla o organizar do Programa em

estudo, já que a abordagem tradicional restringe o entendimento da organização a “um tipo de

sistema social”, “uma instituição objetivamente existente”, ou como “a forma que

determinada coisa se estrutura, inclusive o modo pelo qual as organizações em seu primeiro

sentido se ordenam” (MOTTA; BRESSER PEREIRA, 1986, p.19). Dessa maneira não nos

permitindo sair do âmbito formal e reificado de compreender um processo de ação

organizacional que, no caso desta pesquisa, envolve tanto ações organizativas e internas do

Estado, como das comunidades participantes da ação governamental em estudo.

2.3 Como pensar possibilidades do organizar de outra

maneira?

O estudioso das organizações deve, antes de mais nada, estar atento às razões e às conseqüências do tipo de pesquisa em que se envolve, ao tipo de conhecimento que produz e a quem esse conhecimento serve (MOTTA, 1990, p.17).

Caso o pensamento administrativo continue privilegiando a visão dominante que rege

seus pressupostos, ele estará “sob o risco de se tornar uma ciência vazia, desprendida da

realidade social e presa a antigas referências locais e formais de análise” (BRONZO;

GARCIA, 2000, p. 86).

Nesse sentido uma abordagem teórico-crítica de pesquisa, no campo das ciências

sociais aplicadas, tem que pelo menos considerar as categorias centrais da crítica, quais sejam:

“criticar o positivismo como forma estabelecida de conhecimento e o mercado como forma

estabelecida de vida coletiva” (VIEIRA; CALDAS, 2006, p. 61, grifos nossos). De acordo

com os autores, em Administração “[...] essa é uma informação fundamental, pois a partir daí

podemos separar de forma definitiva quem produz teoria crítica de quem não a produz e

apenas se apropria indevidamente dela”.

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Esses mesmos autores enunciam dois princípios básicos da teoria crítica (VIEIRA;

CALDAS, 2006, p. 62, grifos nossos):

Orientação para a emancipação do homem na sociedade. Permite compreender a sociedade e agir. Não se limita a compreender o mundo, mas examina-o visando possibilidades; Manutenção do comportamento crítico. O teórico crítico mantém e realimenta seu comportamento crítico frente a tudo que existe, sem se conformar com o que é dado como descrição do real.

Assim, a teoria crítica não admite a neutralidade positivista, vendo na distinção entre

cientista e cidadão uma impossibilidade lógica.

Diante disso, retomar as potencialidades interpretativas dessa abordagem parece

fundamental, pois

[...] a tarefa primordial da Teoria Crítica desde sua primeira formulação na obra de Marx é a de compreender a natureza do mercado capitalista. Compreender como se estrutura o mercado e de que maneira o conjunto da sociedade se organiza a partir dessa estrutura significa, simultaneamente, compreender como se distribui o poder político e a riqueza, qual a forma do Estado, que papéis desempenham a família e a religião, e muitas outras coisas mais (NOBRE, 2004, p.25).

No campo da Administração compreender “como se estrutura o mercado” e “de que

maneira o conjunto da sociedade se organiza” é antes entender a burocracia enquanto

estratégia de organização (administração). É entender sua expressão enquanto um tipo de

sistema social, a organização burocrática.

Conforme Motta e Bresser Pereira (1986, p.11, grifos nossos),

No processo de desenvolvimento capitalista, à medida que cresciam as empresas, a classe capitalista verificou que uma condição essencial para a continuidade desse crescimento e, portanto, para a manutenção do próprio processo de acumulação de capital era a estruturação das empresas na forma de organizações burocráticas. Definiu-se assim uma estratégia de administração baseada nas organizações burocráticas.

Os mesmos autores afirmam que, apesar da burocracia ser a negação da liberdade, “é

um desafio que precisa ser vencido em todos os níveis em que se manifesta. E, se os

obstáculos são colocados historicamente, também sua superação se dá historicamente”.

Essa superação não pode ser vista como uma utopia no sentido de algo irrealizável. Para quem

se preocupa com um novo compreender do organizar, utopia é um projeto que aponta o

caminho da história (MOTTA; BRESSER PEREIRA, 1986, p.10, grifos nossos). Neste

trabalho, a superação em questão é a compreensão das formas de organização apenas

enquanto burocracia.

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Nobre (2004, p. 31, grifos meus) esclarece que “o esforço analítico de Marx está

fundamentalmente na perspectiva da superação da dominação capitalista e ancorado na

realização da liberdade e da igualdade, que, sob o capitalismo, permanecem apenas

aparentemente reais”. Enganar-se-ia aquele que pensa nessa perspectiva como algo ideal, que

esteja apenas no plano da imaginação teórica. Ela é “uma possibilidade real, inscrita na

própria lógica social do capitalismo”. O capitalismo abriga dentro de sua própria lógica a

possibilidade de sua superação. A ‘possibilidade real’ “[...] não é obra da teoria que a

descortina, mas da prática transformadora que a torna real. Assim, a Teoria Crítica só se

confirma na prática transformadora das relações sociais vigentes”.

A importância da prática para a transformação da ordem vigente não quer dizer que a

há abandono da teoria. Conforme Nobre (2004, p.31-32, grifos nossos) a teoria na Teoria

Crítica permite compreender que,

[...] o delineamento de tendências do desenvolvimento histórico ganha extraordinária importância: tanto com relação ao diagnóstico do tempo presente a partir da lógica do capital – lógica que é estruturante do conjunto da sociedade capitalista - como com relação aos prognósticos que podem ser derivados a partir desse diagnóstico.

Pois,

é com base nas tendências estruturais da lógica social do capitalismo e no exame dos arranjos históricos concretos em que essa lógica se expressa – com base no diagnóstico do presente, portanto - que se desenham as perspectivas do sentido do desenvolvimento histórico- os prognósticos, em suma- que orientam o sentido das ações transformadoras por empreender.

Respeitando o primeiro princípio básico da Teoria Crítica, a orientação para a

emancipação, procurou-se não fazer com que a teoria se limitasse à descrição do mundo

social, mas “examiná-lo sob a perspectiva da distância que separa o que existe das

possibilidades melhores nele embutidas e não realizadas, vale dizer, à luz da carência do

que é frente ao melhor que pode ser” (NOBRE, 2004, p. 32-33, grifos nossos).

Assim, nos questionamos: será que na organização social capitalista não há

“possibilidades melhores [nela] embutidas e não realizadas” de outras práticas de organização

(de organizar)? O organizar tradicional pode ser “a carência do que é”, mas onde estão as

possibilidades reais do “melhor que pode ser” o organizar?

A orientação para a emancipação guarda em seu seio o segundo princípio, pois essa

orientação “exige que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente ao

conhecimento produzido sob condições sociais capitalistas e à própria realidade social que

esse conhecimento pretende apreender” (NOBRE, 2004, p.33).

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Nesse sentido, os princípios básicos da teoria crítica nos pareceram importantes para, a

partir das características da organização burocrática, enxergar os obstáculos de superá-la

enquanto (velha) compreensão do organizar. Foi dessa maneira que se tornou possível, nesta

pesquisa, compreendermos outras possibilidades do organizar analisando a implementação de

projetos do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Como já nos diziam Motta e Bresser Pereira (1986, p.09),

Se tantos percebem a história como caminho de libertação do homem consciente de seu destino, então é preciso perceber os auxílios e os entraves que a própria história coloca. É preciso entender, mas não basta entender. Se precisamos entender a burocracia, precisamos também aprender a superá-la.

Uma contribuição, nesse sentido, é vislumbrar um novo compreender do organizar.

2.3.1 Algumas alternativas de compreensão crítica do organizar

nos estudos organizacionais

Conforme Guerreiro Ramos (1989, p.1, grifos nossos),

A teoria da organização, tal como tem prevalecido, é ingênua. Assume esse caráter porque se baseia na racionalidade instrumental inerente à ciência social dominante no Ocidente. Na realidade, até agora essa ingenuidade tem sido o fator fundamental de seu sucesso prático. Todavia, cumpre reconhecer agora que esse sucesso tem sido unidimensional e, [...], exerce um impacto desfigurador sobre a vida humana associada.

Os estudos críticos em Administração iniciam na década de 90 na Grã-Bretanha com o

livro de Alvesson e Willmott (1992) ‘Critical Management Studies’. De acordo com Davel e

Alcadipani (2002, p. 5) os estudos críticos em Administração estão se aliando a áreas como

marketing, estratégia, contabilidade e tecnologia da informação, principalmente, os estudos

desenvolvidos no contexto anglo-saxão. Nesse sentido há um esforço desconfigurador da

perspectiva ampla da teoria crítica, pois uma teoria da sociedade é apropriada para o âmbito

microorganizacional do cotidiano das organizações.

Cabe aqui retomar as idéias de Alberto Guerreiro Ramos, autor brasileiro que deu

grande contribuição ao surgimento de um pensamento crítico no estudo das organizações.

Contrário à possibilidade de atualização humana dentro da esfera organizacional, Guerreiro

Ramos (1989, p.99, grifos nossos) fez a seguinte asserção:

Se uma pessoa permite que a organização se torne a referência primordial de sua existência, perde o contato com sua verdadeira individualidade e, em vez

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disso, adapta-se a uma realidade fabricada. [...] as organizações formais, têm metas que, só acidentalmente e secundariamente, consideram a atualização humana.

Conforme as palavras do mesmo autor, “os momentos autênticos da vida individual

são precisamente aqueles em que os comportamentos corporativos estão suspensos” (p.72).

Segundo Guerreiro Ramos (1989) a essência do ser humano estava em suas

características de ser social e político e não no que era exigido ao homem de organização. Ele

defendia que, mesmo com o advento da administração científica, na sociedade ainda havia

espaço para aqueles que não queriam se tornar um homem de organização.

Como teórico crítico, o autor, em seu livro ‘A nova ciência das organizações: uma

reconceituação da riqueza das nações’, teve como objetivo central “[...] contrapor um modelo

de análise de sistemas sociais e de delineamento organizacional de múltiplos centros ao

modelo atual centrado no mercado [...]” (GUERREIRO RAMOS, 1989, p.11). Não era um

problema de organização sua preocupação, mas um problema de organização da sociedade. O

seu livro “[...] nada mais é que uma enunciação teórica preliminar da nova ciência das

organizações [...] para transformar a nova ciência num instrumento de reconstrução social”

(GUERREIRO RAMOS, p.197, grifos nossos).

Muito diferente de restringir as preocupações do estudo das organizações ao nível

organizacional, o autor entendia que um “cientista” seja ele das ciências sociais ou da

Administração, deve preocupar-se com as mazelas da sociedade e propor “soluções” nesse

âmbito. O modelo alternativo de ciência social que esboça em seu livro não buscou ser

“antimercado” (GUERREIRO RAMOS, 1989, p.195) ou, antiempresa, mas sim

redimensionar esse sistema social (o mercado) na vida humana associada. Para ele o mercado

não poderia ser o sistema hegemônico de organização social.

Ao adotarmos essa perspectiva de crítica nos estudos organizacionais, trazemos como

preocupação subjacente a emancipação do ser humano em uma sociedade governada por

organizações burocráticas. Misoczky e Amantino-de-Andrade (2005, p.204-205, grifos

nossos) trazem importantes reflexões acerca da responsabilidade dos estudos organizacionais

em desenvolver estudos críticos a serviço da emancipação do ser humano e da subversão da

ordem vigente, enfatizando que:

orientar os estudos [críticos] para a emancipação implica em criticar o capitalismo e sua expressão na sociedade de mercado [...]. Implica, ainda, reconhecer que a teoria e a prática administrativas têm responsabilidade para com a constituição e reprodução do sistema vigente, bem como com suas conseqüências: o fato massivo da pobreza, a exclusão social da grande maioria da população do planeta, a destruição progressiva do próprio planeta.

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Esse tipo de crítica social recebe influências da Teoria Crítica desenvolvida pela

primeira fase da Escola de Frankfurt, preocupando-se em pensar a sociedade e suas mazelas

(miséria, fome, alienação), pois a pergunta que os pensadores daquela Escola colocavam “no

centro de suas reflexões” era “como criticar as teorias da sociedade” (MISOCZKY;

AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005, p.197, grifos nossos).

Colocar a materialidade da vida como referência ética para a realização de estudos críticos em administração implica em enfatizar a relação entre a teoria e a prática da administração e as formações sociais em que estas se realizam, entre aspectos culturais/cognitivos e aspectos econômicos da realidade econômica e política, entre configurações (formas de controle e estruturas) e construções sociais historicizadas. Implica assumir a concepção materialista da história em sua inevitável relação com a materialidade da vida (MISOCZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005, p.204-205, grifos nossos).

Como enfatizam as mesmas autoras, “o sentido da produção do conhecimento crítico

está na sua orientação para a transformação, na superação da posição de cumplicidade com o

sistema que gera vítimas e no compromisso prático com estas vítimas” (p.205). Essa

compreensão da crítica proporcionou um olhar contextualizado e apropriado ao contexto

nacional e local, subsidiando a problematização deste trabalho no que se refere à compreensão

de outras possibilidades do organizar.

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2.4 Formas novas de organização e novas possibilidades de

compreender o organizar

O capitalismo traz uma forma específica de organização, a empresa. Esse tipo de

organização tem como ente subjacente o tipo ideal burocrático, construção teórica de Max

Weber. Cooper e Burrell (2006, p. 88, grifos nossos) expõem que “Weber nos fez ver a

organização moderna como um processo que simbolizava a racionalização e a objetivação

da vida social”. Essa visão baseia a análise organizacional ortodoxa, em que se compreende a

organização como um sistema social limitado, que possui estruturas e objetivos específicos e

atua de maneira mais ou menos racional e coerente. Dessa forma, “o próprio conceito de

organização funciona como um metadiscurso para legitimar a idéia de que a organização é

uma ferramenta social e uma extensão do agente humano” (COOPER; BURRELL, 2006, p.

95).

Como também nos lembra Cooper e Burrell (2006, p. 98-99), “[...] o assunto da

análise organizacional é a organização formal. Não é a organização propriamente dita que

exige análise, mas é o seu caráter ‘formal’ [...]”. Nesse sentido, o “formal” ganha o

significado de próprio, metódico e meticuloso. No entanto, no contexto das organizações, das

instituições formais, ele não é apenas o próprio e o metódico, mas também o “oficial”, alçado

ao nível da lei e da verdade pública. Daí o que é formalmente organizado assume a virtude de

uma ordem moral.

Nesse sentido, na tradição dos estudos organizacionais quando se fala em formas

novas de organização toma-se como base os aperfeiçoamentos das características burocráticas

(formais, oficiais) da organização moderna e suas práticas organizacionais (o velho

compreender do organizar). No Handbook de Estudos Organizacionais, por exemplo, o

assunto encontra-se no subtítulo ‘Da burocracia à fluidez: novas formas organizacionais’ em

capítulo assinado por Clegg e Hardy (1999), voltado a discussões do mundo empresarial das

organizações modernas. “Novas Formas Organizacionais” está associado a “cadeias”,

“conglomerados”, “redes” e “alianças estratégicas”. Organizações que adotam essas formas

novas de organização caracterizam-se pela descentralização, distribuição (rede de divisões

ou unidades internas ligadas pelo avanço da tecnologia da informação) e (camuflam a)

eliminação de hierarquia, sendo compreendidas pela visão tradicional do organizar por sua

maior abertura, empowerment e compromisso na relação com seus empregados e clientes.

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Dimensões básicas do velho organizar Algumas das práticas organizacionais que engendra

Formalismo -a autoridade deriva de um sistema de normas racionais, escritas e exaustivas que definem as relações de mando e subordinação (hierarquia); -confere à pessoa investida de autoridade o poder de coação sobre os subordinados e meios coercitivos de impor disciplina; -procuram cobrir todas as áreas da organização, prever todas as ocorrências e enquadrá-las dentro de um comportamento definido; -o comportamento de todos os participantes da organização torna-se muito mais previsível, preciso e controlável; -concretiza-se em estatutos, regulamentos e regimentos;

Impessoalidade -a autoridade e a responsabilidade pertencem ao cargo, seja qual for a pessoa que o ocupe; -o poder de cada indivíduo deriva da norma que cria o cargo e define suas atribuições; -os subordinados obedecem a uma norma impessoal; -não há lugar para sentimentos, favoritismos, gratidão, demonstrações de simpatia e antipatia; Profissionalismo -uso de conhecimento técnico especializado obtido em geral por meio de treinamento especial; -exercício de funções por especialistas que detêm diplomas (títulos) e/ou experiência para poder ocupar o cargo; -escolha baseada na apresentação de títulos e submissão a testes (concursos de admissão); -o cargo ocupado é um meio de vida (principal atividade); -o administrador não possui os meios de administração e produção; -o administrador não se identifica com o chefe, proprietário, o senhor, mas com os objetivos da organização (fidelidade ao cargo e à organização); -recebe uma remuneração em forma de dinheiro; -administrador é nomeado por um superior hierárquico; [...]

[...] -As pessoas são dirigidas por uma estrutura administrativa centralizada; -As iniciativas dependem de chefes/dirigentes e especialistas; -As atividades são dirigidas a partir de um centro e não a partir do local onde são realizadas; -Unidade central define objetivos e cobra resultados; -Separação entre concepção e execução (Heterogestão). -Regras e normas escritas para orientar comportamentos e ações; -Poucas ações autônomas (fora dos padrões estabelecidos); -Ações empreendidas em vista de obter obediência e anuência dos subordinados; -Os conflitos devem ser administrados em prol da organização; -Instâncias superiores não podem ser questionadas e dispõem de instrumentos para reforçar sua autoridade. - Tomada de decisões de cima para baixo; -Negociação restrita a instâncias superiores; -Processo decisão tende a não sair do que foi pré-estabelecido em instâncias superiores; -Poder de decisão restrito a especialistas; -Instâncias inferiores são utilizadas de forma consultiva; -Supervisão direta, controle estrito; -Padronização por processo de trabalho - conjunto de instruções previamente elaboradas; -Padronização de resultados - acompanhamento de desempenho a partir de metas estabelecidas (em geral, quantitativamente); -Ajustamento mútuo em organizações que exigem elevada inovação, flexibilidade e qualificação técnica; -Padronização de habilidades (Detentor de diplomas das escolas formais); -Habilidade e disposição para tomar decisões baseadas no treinamento e experiência profissional. -Quem tem o saber (formal, especializado) ocupa posições elevadas; -Quem tem o saber é responsável pelas decisões, por quem participa delas, que assuntos são discutidos e deliberados e pela definição de critérios para avaliar os resultados das ações empreendidas; -Maximização dos lucros e resultados; -Cumprimento de metas estabelecidas; -Avaliação quantitativa (critérios pré-definidos);

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- Informações importantes concentradas em algumas pessoas/instâncias; -Informações precisas para centros de decisões; -Uso de canais de comunicação formais e legítimos; -Responsabilidade social como estratégia de marketing (Imagem da organização perante a sociedade); -Parceria com redes de comunicação comerciais para divulgação e propaganda; -Campanha publicitária em televisão, outdoors, rádios comerciais; -Participação como método/ferramenta gerencial; -Participação para aumentar a qualidade das decisões e da gestão; -Participação para aumentar a satisfação e a motivação das pessoas; -Participação para transferir responsabilidades e poder de decisão para funcionários; - Participação para distribuir lucros; [...]

Fonte: elaborado com base em Hall (1984), Motta e Bresser Pereira (1986), Maximiano (2000) e Mintzberg (1995).

Quadro 1 (2) – Dimensões básicas do velho organizar e suas práticas organizacionais.

Diferentemente dessa perspectiva o caminho crítico de investigação, adotado neste

trabalho, preocupa-se com as novas possibilidades de compreender o organizar, tomando

como base práticas de organizar não pertinentes ao “enclave social do mercado”, que

representam outros modos de organização com os quais os membros de uma sociedade

cuidam “de tópicos substantivos de vida, na conformidade de seus respectivos critérios

intrínsecos, e no contexto dos cenários específicos a que esses tópicos pertencem”, numa

outra “proposta de vida associada” (GUERREIRO RAMOS, 1981, p.178). Nesta pesquisa,

projetos da política de esporte e lazer do Recife, enquanto espaços potenciais de concretização

de (novas) práticas de organização foram centrais na esperança de encontrarmos um outro

modo de compreender o organizar, “fora dos limites da organização possível” (MISOCZKY;

VECCHIO, 2004, p. 12).

Em vista de dar centralidade à produção do organizar e não à “organização da

produção”, Cooper e Burrell (2006, p. 97) reavaliam a interpretação tradicional da

organização com o seguinte caminho de análise organizacional:

[...] precisamos entender a organização como um processo que ocorre dentro do ‘corpo’ mais amplo da sociedade e que diz respeito à construção de objetos de conhecimento teórico centralizados no ‘corpo social’: saúde, doença, emoção, alimentação, trabalho, etc. Em outros termos, para entender as organizações é necessário analisá-las de fora, como elas eram, e não partir

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daquilo que já está organizado. É uma questão de analisar, [...], a produção da organização, e não a organização da produção.

Assim, privilegiar a “produção da organização” foi compreender as práticas de

organização do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer em vista de vislumbrar a

possibilidade de compreender um (novo) organizar. Um Programa que busca construir uma

nova realidade social e política para as comunidades da periferia do Recife, por meio das

práticas esportivas, de lazer e artístico-culturais de seus projetos.

Para isso, consideramos a estrutura organizacional do Estado que suporta a área de

esportes e suas mudanças ao longo do estudo, em que abordamos a “organização da

produção”, porém enfocando como os elementos transformadores do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer, por meio daquela estrutura de organização, concretizam

possibilidades de “produção da organização”, isto é, práticas de organizar na ação de seus

projetos.

Nesse sentido, também importou “a autotransformação social, que se refere ao fazer

social e político dos homens na sociedade [...]. O fazer pensante e o pensar político implicam-

se numa unidade indestrutível e pensar a sociedade como fazendo-se é um componente

essencial. E este fazer-se é o contrário das hierarquias burocráticas” (MOTTA, 1990, p.28).

Assim, nesta pesquisa, práticas de organizar são ações de organização forjadas na

sociedade civil (organizada2), isto é, no “‘corpo’ mais amplo da sociedade”, que são trazidas

para uma esfera institucional de poder, mostrando potencial modificador das características

tradicionais do que seja o organizar (a estrutura burocrática e seus processos) e da

organização social mais ampla na relação Estado-Sociedade.

Como já nos dizia Motta (1990, p. 46), o mais contemporâneo dos grandes críticos

brasileiros da área de organizações,

[...] a busca do específico na administração é mais do que uma tarefa impossível sem o estudo da sociedade e da política. Isto não se deve apenas ao fato de a administração ser um fato social e político. Deve-se ao fato de se ter tornado o centro das questões sociais e políticas numa sociedade burocrática.

2 Ciente que, apesar de nossa história não oficial, seja no meio urbano ou no rural, ser permeada por vários movimentos de luta e resistência, não podemos afirmar que a história de lutas político-sociais da sociedade brasileira é caracterizada por uma sociedade civil organizada. No entanto, ela vem se organizando (mais recente ganha o reforço de movimentos independentes da periferia urbana). Caso contrário esta pesquisa não poderia ser concebida, muito menos escrita.

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2.5 Desporto e Lazer: ações de Estado e concepções para

uma política pública para o tempo livre

Adotando a perspectiva de Dumazedier (1999, p.26) percebe-se que o lazer, enquanto

tempo livre (liberado) do trabalho, é um fenômeno da sociedade industrial. Atividades livres

do trabalho sempre existiram na história, no entanto ganha feições específicas nessa

sociedade. Nas sociedades arcaicas o trabalho e o jogo estavam integrados às festas,

atividades que embora diferentes nos seus fins, possuíam significações de mesma natureza na

vida comunitária. Nas sociedades pré-industriais, o lazer não existia. Nelas,

O trabalho inscreve-se nos ciclos naturais das estações e dos dias: é intenso durante a boa estação, e esmorece durante a estação má. Seu ritmo é natural, ele é cortado por pausas, cantos, jogos, cerimônias. Em geral se confunde com a atividade do dia: da aurora ao pôr-do-sol. Entre o trabalho e o repouso o corte não é nítido.

Ainda conforme Dumazedier (1999, p.28) duas condições da vida social se realizaram

para que o lazer fosse possível à maioria dos trabalhadores:

(1) A primeira é que com o advento da industrialização as atividades da sociedade, em

sua totalidade, não são mais regradas por obrigações impostas pela comunidade,

particularmente o trabalho e o lazer. Sobre o último salienta que “depende da livre escolha

dos indivíduos, ainda que os determinismos sociais se exerçam”.

(2) A segunda é o destaque do trabalho profissional em relação a outras atividades

humanas. O trabalho na nova sociedade tem “um limite arbitrário, não regulado pela natureza.

Sua organização é específica, de modo que o tempo livre é bem separado ou separável dele”.

A década de 30 é marcada, no Brasil, por um movimento de reforma político-

institucional de ordenamento da sociedade calcado na nacionalização, que mudou as regras de

imigração e estatizou a economia; na criação de leis trabalhistas, que traziam direitos aos

trabalhadores ao mesmo tempo em que tentava esmorecer o movimento operário organizado;

e também intervenções na estrutura do Estado com a criação do Ministério da Educação e

Saúde, este que iria assumir a pasta desportiva. Essa mudança estava dentro de um processo

mais amplo que envolvia uma redefinição política e econômica das principais nações do

mundo na tentativa de encontrar caminhos de recuperação após a crise de 1929, que sobrepôs

a industrialização, em detrimento da economia agroexportadora, na base do modo de

produção capitalista.

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No âmbito de intervenções do Estado na relação do trabalho-lazer, a Constituição

Federal de 1934 abordou pela primeira vez um tempo de não trabalho (PINTO, 2006, p.2).

Em seu art. 121, parágrafo 1º destaca na letra (c) o trabalho diário não excedente de oito horas; na letra (e) o repouso semanal, de preferências aos domingos; e na letra (f) as férias anuais remuneradas. A Constituição de 1937, no seu art. 137, prescreve na letra (d) que o operário terá direito ao repouso semanal aos domingos; na letra (e) depois de um ano de serviço ininterrupto em uma empresa de trabalho contínuo, o operário terá direito a uma licença anual remunerada; e na letra (i) que o dia de trabalho de oito horas poderá ser reduzido.

Nesse movimento de reforma institucional, o desporto3 estava dentre as pautas do

Estado, que intervinha na atividade esportiva, disciplinando, orientando e fiscalizando a

prática dos desportos e imprimia uma política de distanciamento entre esporte e negócio. As

entidades desportivas deveriam estar imbuídas de sentido patriótico, sendo vedados a

organização e o funcionamento daquelas que visassem lucro (MANHÃES, 2002;

GONÇALVES, 2005).

Nesse sentido, as ações do Estado atenderam ao modelo de esporte que disciplina o

corpo e a mente, principalmente quando associado à educação física. Conforme Manhães

(2002, p.110),

a superposição dos interesses nacionais eugenistas subordinou a prática de esportes às entidades responsáveis por suas manifestações competitivas, em detrimento da oferta de cidadania, oficializando a estrutura clubística. [Essa] oficialização foi a repressão ao profissionalismo e ao empresamento da prática esportiva [...]. o profissionalismo e de modo permanente a comercialização [eram] compreendidas como vetores incompatíveis com os interesses nacionais eugenistas.

O Conselho Nacional de Desportos (CND) era o órgão maior da ação interventora e

disciplinadora no esporte. De acordo com Manhães (2002, p. 109, grifos nossos) a alínea ‘a’

do artigo 3º do Decreto-Lei nº 3.199/1941, primeira proposta de lei orgânica para o desporto

no Brasil regeu as ações do Estado no desporto até a revisão constitucional de 1988. Essa

alínea atribuía ao CND

Estudar e promover medidas que tenham por objetivo assegurar uma conveniente e constante disciplina à organização e à administração das associações desportivas do país, bem como tornar os desportos, cada vez mais, um eficiente processo de educação física e espiritual da juventude e uma alta expressão da cultura e da energia nacionais.

3 A palavra desporto (disport) origina a palavra esporte (sport). Ambas de origem inglesa. À Inglaterra é atribuída aquilo que se conhece como esporte moderno, isto é, “divertimento com um rígido sistema de regras, que deve ser seguido por todos [...] e origem, ligada à Revolução Industrial e à especialização” (TURINO, 2005, p. 131). Assim, quando usarmos palavras relacionadas ao desporto estaremos falando em esporte.

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Assim, as ações do Estado brasileiro desvincularam, pelo menos até a revisão

constitucional de 1988, o desporto da lógica de mercado.

Em relação às ações que se referem especificamente ao trabalho, foi promulgado o

Decreto-lei n. 5.452, de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dispôs sobre o

período mínimo de descanso para os trabalhadores (art. 66); intervalo para

repouso/alimentação no trabalho (art. 71); remuneração para repouso semanal (do art. 67 ao

69), feriados (art. 70) e férias (do art. 129 ao 153) 4.

Conforme Pinto (2006, p.3) a CLT “foi um dos instrumentos usados para disciplinar

corpos, trabalhos e tempos cotidianos da classe trabalhadora”. No entanto,

mesmo revestida de caráter de doação, representando uma forma de adaptação ao sistema socioeconômico e político requerido pelo capitalismo, a CLT inaugurou um fato ‘novo’ – ou seja, o reconhecimento legal de um ‘tempo social’ que abriu espaço para experiências que foram sendo ressignificadas como lazer, à medida que, historicamente, foi reconhecido que o essencial da vida dos atores sociais se desenrola também para além do tempo dedicado ao trabalho assalariado.

Essa intervenção do Estado no âmbito do trabalho reforçava a estrutura corporativa

que, desde a década de 30, já marcava suas ações. Em consonância com o corporativismo do

Estado articulado aos anseios de desenvolvimento econômico, também da burguesia

industrial, são criados, sob responsabilidade financeira e administrativa do empresariado da

época, o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC), em

meados da década de 40. Iniciativas voltadas para a assistência social – em educação, saúde e

lazer - dos trabalhadores urbanos da indústria, do comércio e suas famílias, que reforçou a

desorganização e desmobilização dos trabalhadores que acabavam de chegar ao meio urbano

(CARVALHO, 1992).

Nesse período, as ações institucionais para o lazer tinham o objetivo de associar a

recreação com distração, descanso e recomposição da força de trabalho. Ademais, buscavam a

manutenção da ordem social, em que os anseios da sociedade eram representados por

entidades aceitas pela elite do país, educando para um consumo que reforçava a visão de

desenvolvimento econômico dos setores dominantes.

4 De acordo com Pinto (2006, p.3), a Constituição federal de 1946 estabelece em seu art. 157 os princípios da legislação do trabalho, explicitando: no Inciso V a duração diária do trabalho não excedente a oito horas; no Inciso VI o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos e no Inciso VII as férias anuais remuneradas. A Constituição de 1967 preserva os direitos de 1946 e acrescenta no art. 158, Inciso XIX, colônias de férias e clínicas de repouso; recuperação; convalescença mantida pela União. Inclui ainda as 8 horas de trabalho com intervalo para descanso, o que se repetirá no art. 165 da ementa da Junta Militar de 1969.

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Nas décadas de 60 e 70, Pinto (2006, p.6) ressalta a aliança entre as políticas de

esporte, educação física e lazer como um importante aspecto na constituição das políticas de

lazer.

Essa aliança foi alicerçada pelo Decreto n. 69.450, de 1971 – em vigor até 1996 – que dispôs sobre a obrigatoriedade da Educação Física escolar como prática de atividades esportivo-recreativa em todos os níveis de ensino do País. Aliança consolidada nas secretarias municipais e estaduais de Esporte e Lazer do País, consagrando o campo da Educação Física como o principal difusor das políticas de lazer no Brasil. Essa estratégia política foi fundamental ainda para promover uma educação corporal pactuada com educação para o lazer e orientada pelas necessidades do desenvolvimento capitalista.

Reforçando o alinhamento das ações institucionais com os anseios da organização

social capitalista no âmbito do esporte e do lazer, a década de 80 traz o reconhecimento do

lazer como força econômica. As exigências do modo de vida capitalista influenciaram a

disseminação do lazer como tempo-espaço necessário para o consumo das formas de

entretenimento da indústria cultural. Segundo Adorno (2002, p.104) “mesmo onde o

encantamento se atenua e as pessoas estão ao menos subjetivamente convictas de que agem

por vontade própria, essa vontade é modelada por aquilo de que desejam estar livres fora do

horário de trabalho”. Ou seja, daquilo que ele chama “oferta do negócio do tempo livre” (p.

107), ou ofertas da indústria cultural.

Da idéia original de que lazer é a antítese do trabalho, expressão máxima dos desejos e vontades individuais, podemos dizer que houve uma frustração, ou derrota, em que o capital também se apoderou desse espaço da vida humana. A indústria do lazer, e também da cultura, dos esportes, da comunicação, do turismo, da jardinagem, das brincadeiras, enfim, a indústria do tempo livre (sim, o capitalismo cria uma indústria para o tempo livre e transforma em lucro até mesmo as nossas sensações intangíveis) ocupa cada segundo de um tempo tão penosamente conquistado. O lazer torna-se alienado tal qual acontece com o tempo do trabalho, em que os homens e mulheres ficam impedidos de estabelecer finalidades independentes dos interesses do capital, ou seja, da geração de lucro (TURINO, 2005, p. 146-147).

Em contraponto a essa concepção do lazer, no Brasil, destacam-se os trabalhos de

Nelson Carvalho Marcellino. O tema principal de seus trabalhos é o lazer “como elemento

gerador de novos valores que entram em conflito com os tradicionais” e fundamental para a

“recuperar o humano no homem” (MARCELLINO, 1983, p.16). “Recuperar o humano no

homem” é sua compreensão da possibilidade de uma revolução cultural pelo lazer, “um

processo gerado historicamente, do qual emergem novos valores questionadores da sociedade

[...] e da natureza humana”. Nesse sentido afirma, “para que esses valores sejam efetivamente

vivenciados pela população em geral, não ficando restritos a minorias privilegiadas, é

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necessário que sejam assumidos por um movimento de democratização cultural”

(MARCELLINO, 1983, p. 16-17, grifos nossos). Movimento que pode se articular com a via

institucional, mas não deve ficar preso a estruturas formais que não consideram as formas de

organização comunitária e cotidiana dos cidadãos.

Uma das principais contribuições de seus trabalhos é a exploração da perspectiva

educativa do lazer, “visto como componente da cultura historicamente situada, atendendo a

valores não apenas de descanso e de divertimento, mas também de desenvolvimento pessoal

e social” (MARCELLINO, 1996, p.39-40, grifos nossos). Para o autor o lazer tem duplo

aspecto educativo5 (educação para o lazer – objeto de educação e educação pelo lazer –

veículo de educação). Nessa perspectiva, buscou explorar também as possibilidades do lazer

como instrumento de mobilização e participação cultural, criticando as ações

predominantemente institucionais e de especialistas, que não consideram as necessidades do

cotidiano das comunidades que atendem.

A Revisão Constitucional de 1988 reconheceu o lazer como direito social dos cidadãos

(Capítulo II, Dos Direitos Sociais, Art. 6). No Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo I

(Disposição Geral), o Art. 193 expõe que “A ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (BRASIL, 2000). No Capítulo III

(Da Educação, Da Cultura e Do Desporto), Seção III (Do Desporto), Art. 217, é conferida

autonomia às entidades desportivas para determinarem seu funcionamento e organização

numa tentativa de superar o modelo de feição intervencionista estatal, porém subordina o

incentivo do poder público ao lazer às ações de fomento às práticas desportivas, e assim ao

desporto.

Conforme Marcellino (1996, p.25), no art. 217, 3º e último parágrafo do item IV – “O

poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”, há “vícios

assistencialistas”, que não dão conta do “direito à felicidade”. Além disso, afirma que o

desporto é vinculado geralmente ao conteúdo esporte.

Bracht (1989, p.71, grifos nossos), destaca que “a concretização do direito

constitucional ao esporte, conquistado pelo cidadão brasileiro, vincula-se muito mais a

transformações necessárias não ligadas diretamente à questão esportiva, do que naquele

campo específico”. O autor chama atenção para as implicações práticas desse processo que

“coloca em dúvida a legitimidade da organização esportiva para representar/defender junto ao

5 Ver MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987 (coleção Fazer/Lazer).

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poder público (na totalidade) os interesses da população do que ele chama de “esporte

enquanto atividade de lazer”.

Parece-nos ser no esporte enquanto atividade de lazer que existe o maior espaço para exercitar, em certo grau, a autonomia cultural, através da autogestão, no sentido da criação ou recriação, por parte dos diferentes segmentos da população, do seu ‘esporte’, e quem sabe de exercitar uma contra-hegemonia cultural.

Em complemento, Bracht (1989, p.71) afirma que,

O estado intervencionista, que nas sociedades capitalistas desenvolvidas sob pressão das massas trabalhadoras organizadas levou ao ‘Estado Social’ (Welfare State), aparece no capitalismo periférico como um estado de caráter autoritário, que se sobrepõe à sociedade civil, parecendo poder prescindir inclusive da legitimação via realização de políticas sociais que beneficiem as classes populares. Assim, não é de se surpreender que a ação do Estado no Brasil tenha privilegiado o esporte de alto rendimento ou espetáculo.

A prerrogativa proporcionada pela Constituição de 1988 ao reconhecer o lazer como

direito social dos cidadãos, e não somente da classe trabalhadora, teve como repercussão

políticas públicas de esporte e lazer em vários governos municipais. Essas iniciativas surgiram

com o intuito de se contrapor ao lazer para o mercado, vendido como entretenimento na

indústria cultural e que alimenta o esporte competitivo e individual; ao lazer que cumpre uma

função mantenedora da ordem social. Iniciativas do poder público que buscaram superar a

visão parcial do ser humano visto, na modernidade, apenas enquanto um trabalhador do

sistema capitalista, num embate contra uma espécie de mitificação do trabalho. Ademais,

compartilhando a conquista do lazer como direito social e vislumbrando outras possibilidades

para o esporte. Desde então esporte e lazer tornaram-se temas de debate entre poder público e

sociedade civil em espaços institucionais de decisão previstos na Constituição de 1988.

Ao retratar algumas experiências de governos da frente popular no país, Marcellino

(1996, p.4, grifos nossos) demonstra sua importante contribuição à compreensão do lazer nas

políticas públicas de esporte e lazer, ao considerá-lo:

1. cultura vivenciada no ‘tempo disponível’ das obrigações profissionais, escolares, familiares e sociais, combinando tempo e atitude; 2. fenômeno gerado historicamente e do qual emergem valores questionadores da sociedade como um todo, e sobre o qual são exercidas influências da estrutura social vigente; 3. um tempo privilegiado para a vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural; 4. portador de um duplo aspecto educativo – veículo e objeto de educação.

No Brasil, o Rio Grande do Sul, e mais particularmente Porto Alegre no final da

década de 80, é vista como exemplo de uma gestão pública com ênfase na participação social.

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi o responsável pela concretização de experiências

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pioneiras como o orçamento participativo, após a Constituição Federal de 1988 instituir a

descentralização administrativa e a legalidade dos espaços públicos não-estatais como meios

de participação da população nas decisões políticas.

Em relação às políticas de esporte e lazer, após o início da experiência da

Administração Popular de Porto Alegre em 1989, seguiram-se na década de 90, cada uma

com sua particularidade, experiências em São Paulo (SP), Florianópolis (SC), Belo horizonte

(MG), Diadema (SP), Belém (PA), Caxias do Sul (RS), Guarulhos (SP) e, mais recentemente,

em termos estaduais, o Mato Grosso do Sul. Na literatura sobre estudos de caso sobre

políticas públicas de esporte e lazer de governos populares, essas experiências são

constantemente citadas (MARCELLINO, 1996, 2001).

No entanto, em paralelo às experiências locais de políticas públicas contra o

predomínio da lógica de mercado no âmbito do esporte e do lazer, as ações do Governo

Federal pautaram-se pelo regimento do desporto por normas internacionais adequadas à lógica

mercantil, representada principalmente pelos grandes eventos esportivos.

(a) Lei 8.672/93 (Lei Zico), que rompeu o modelo intervencionista do Estado nas

confederações, federações e clubes e admitiu a finalidade lucrativa das entidades desportivas;

(b) Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), que dá continuidade a um processo de reformas no

desporto do país, institui as normas gerais do desporto; disciplina o Sistema Brasileiro de

Desporto (SBD) e seus órgãos; define as fontes de custeio das atividades patrocinadas pelo

Estado; dá atribuições à Justiça Desportiva e; introduz a obrigatoriedade da transformação das

entidades desportivas que desejam participar de competições profissionais em sociedades

comerciais;

(c) Lei 10.264/01 (Lei Agnelo/Piva), que destina 2% da arrecadação das loterias

federais aos Comitês Olímpico (fica com 85% dos recursos) e Paraolímpico (fica com 15%)

brasileiros no intuito de proporcionar uma maior estrutura aos atletas brasileiros e aumentar o

desempenho deles nas competições internacionais, principalmente, nas Olimpíadas e

Paraolimpíadas.

(d) Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor), que estabelece normas de

proteção e defesa do torcedor, como cliente-consumidor, e obriga os administradores do

desporto profissional ao exercício da atividade com transparência financeira e administrativa,

responsabilidade social e moralidade;

(e) Lei 10.672/03, (Lei de Moralização do Esporte), que estabelece regras de

transparência às organizações que trabalham com o desporto profissional e seus

administradores. Reforça o reconhecimento do caráter eminentemente empresarial da gestão e

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exploração do desporto profissional; Implementa medidas reguladoras sobre as atividades de

dirigentes e entidades de prática desportiva; atribui responsabilidade civil e criminal aos

dirigentes; obriga a adoção de modelo profissional e transparente, assim como elaboração e

publicação de demonstrações financeiras, por parte das organizações ligadas ao desporto, em

vista de obter financiamento com recursos públicos; equipara as organizações ligadas ao

desporto às sociedades empresariais para fins tributários, fiscais, previdenciários, financeiros,

contábeis e administrativos, entre outros dispositivos.

As aprovações do Estatuto do Torcedor e da Lei de Moralização do Esporte ocorreram

no início do mandato do Partido dos Trabalhadores (PT), mas as negociações sobre essas leis

já transcorriam desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em meio a essas ações do Governo Federal, em 2002, assume o governo do país, um

partido com origens nas lutas sindicais dos trabalhadores da indústria. Os diversos governos

do Partido dos Trabalhadores (PT), sejam municipais ou estaduais, experimentaram gestões

públicas calcadas no discurso da participação social.

Quando assumiu o Governo Federal uma das primeiras ações do Presidente Luiz

Inácio Lula da Silva, por meio da Medida Provisória nº103 (01/01/2003) foi criar o Ministério

de Estado do Esporte com a missão de “formular e implementar políticas públicas inclusivas e

de afirmação do esporte e do lazer como direitos sociais dos cidadãos, colaborando para o

desenvolvimento nacional e humano” (BRASIL, 2006, p.4). Ação inédita na político-

institucional do país, pois a pasta desportiva, ou esteve subordinada ao Ministério da

Educação, ou, mais recente, dividindo um Ministério com o Turismo.

Em junho de 2004, com base no princípio da participação social na construção das

políticas públicas, ocorreu a I Conferência Nacional do Esporte com a participação de

delegados eleitos a partir das etapas municipais e estaduais da Conferência.

Em 14 de junho de 2005, o Conselho Nacional do Esporte, por meio de sua Resolução

Nº05 aprovou a Política Nacional do Esporte, que trouxe uma proposta setorial, em nível

federal, voltada especificamente para a área de recreação e lazer, sendo criada uma Secretaria

Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer.

Essas iniciativas do Governo Federal buscaram equilibrar as três formas de

manifestação do desporto no país (conforme a Lei Desportiva Nacional - Lei 9.615/98 – ‘Lei

Pelé’): o desporto educacional, entendido como aquele praticado nos sistemas escolares com

a finalidade de desenvolvimento integral do indivíduo para a cidadania e prática do lazer; o

desporto de participação, entendido como uma prática voluntária do desporto que contribui

para a integração dos praticantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na

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preservação do meio ambiente; e o desporto de rendimento, praticado segundo normas da

principal lei desportiva do país e obedecendo regras desportivas nacionais e internacionais

com a finalidade de obter resultados, integrar pessoas e comunidades do país com as de outras

nações.

Vale salientar que a Política Nacional do Esporte tenta conciliar o nacionalismo que

marcou durante décadas o caráter interventor do Estado nas políticas desportivas, com as

contribuições advindas, dos governos municipais do PT, na área de esporte e lazer, que se

propuseram a investir em atividades recreativas voltadas para as populações socialmente

desfavorecidas.

A tese fundamental que embasa [a] Política [Nacional do Esporte] é o esporte como questão nacional. O esporte deve ser entendido como uma política de Estado com vista ao desenvolvimento da nação, ao fortalecimento da identidade cultural, da cidadania, da autodeterminação de seu povo e com vista à defesa da soberania do país. O Esporte, construção humana historicamente criada e socialmente desenvolvida, é abordado como integrante do acervo da cultura da humanidade, e o lazer, como uma prática social contemporânea resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia (BRASIL, 2006, P.10, grifos nossos).

Em consonância com uma perspectiva intervencionista, a Política Nacional diz que o

“esporte deve ser entendido como uma política de Estado”; “como questão nacional”, “com

vista ao desenvolvimento da nação” e ao “fortalecimento da autodeterminação de seu povo”,

inclusive para “defesa da soberania do país”.

Na perspectiva do esporte, como “construção humana historicamente criada e

socialmente desenvolvida”, “integrante do acervo da cultura da humanidade”, e do lazer,

como “prática social resultante das tensões entre capital e trabalho”, como “um tempo e

espaço de vivências lúdicas”, “lugar de organização da cultura”, está a contribuição, à Política

Nacional do Esporte, das experiências locais dos governos municipais do Partido dos

Trabalhadores (PT). Em termos de ações institucionais, essa segunda perspectiva se tornou

importante para este estudo, pois, o objeto central desta pesquisa, o Programa Círculos

Populares de Esporte Lazer, nele se insere.

Por fim, salientamos que, apesar da criação do Ministério de Estado do Esporte e de

Secretarias Nacionais distintas para lidar com Esporte Educacional; Esporte de Alto

Rendimento e o Desenvolvimento do Esporte e do Lazer, as ações do Governo Federal

indicam o fortalecimento do desporto de rendimento. O apoio ao Pan-Americano no Rio de

Janeiro e; à candidatura do Brasil à realização da Copa do Mundo de 2014; as aprovações

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recentes da ‘Timemania’, loteria esportiva que reverte recursos para o pagamento das

milionárias dívidas dos clubes de futebol com o Estado; e da Lei de Incentivo ao Esporte, que

deixa o esporte amador subordinado aos investimentos da iniciativa privada, são ações

voltadas ao fortalecimento do esporte competitivo, que preza pelo atleta de ponta e da

esportivização do lazer. Além disso, preserva elementos tradicionais que freiam os papéis

particulares do esporte e do lazer na transformação do cotidiano da sociedade brasileira,

perpetuando ainda o futebol e os esportes (amadores) de alto rendimento que fazem parte de

grandes eventos esportivos, como principais veículos esportivos do país, sem modificar a

estrutura de poder que os regem.

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3 Metodologia

O paradigma da ciência moderna emergiu socialmente entre os séculos XVIII e XIX,

tornou-se com a evolução histórica uma espécie de dogma, capaz de convencer os próprios

cientistas de que estão lidando com uma forma superior de representar e apreender o mundo,

como se seres autônomos fossem, fora de uma realidade que eles mesmos constroem como

seres sociais (políticos). Paradigma fundado na racionalidade positivista das ciências naturais,

que se arvora senhora da compreensão da realidade em si, pressupondo uma correspondência

entre pensamento e realidade. Modelo de ciência que busca uma linguagem natural (neutra)

para se legitimar, liberta do senso comum, como se distante da dinâmica social em que se

insere.

Na transição para uma ciência que Santos (1989) dá o nome de pós-moderna, assume

papel proeminente o sentido que se deve atribuir ao senso comum (em um de seus sentidos,

uma espécie de sociologia espontânea). Este que é visto como algo estranho e contrário ao

que os cientistas entendem por conhecimento dentro do paradigma da ciência moderna, mas

parece que sempre está presente na prática científica.

A própria ciência natural se colocou em xeque, por exemplo, quando Einstein refutou

a tese de tempo e espaços absolutos de Newton. Por sinal, uma das condições teóricas

associadas à crise do paradigma moderno. Outras condições teóricas importantes advieram

dos avanços da mecânica quântica, quando Heisenberg e Bohr mostraram que o que

conhecemos do real é o que nele introduzimos (ou a intervenção que neles fazemos); da

Teoria da incompletude de Gödel, foi questionado o rigor científico da matemática;

Contribuíram também os avanços alcançados na microfísica, química e biologia. Destas

últimas destaca-se o trabalho de Ilya Prigogine, ao mostrar que os sistemas abertos se recriam

com base em flutuações de energia que estão longe da linearidade. Ele traz uma nova

concepção de matéria e natureza que foge dos trâmites tradicionais do paradigma moderno, ou

seja,

em vez da eternidade, temos a história; em vez de determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a autoorganização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente (SANTOS, 2000, p.70-71).

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O que se abstrai da crise do paradigma moderno é que provavelmente o sujeito

cognoscente nunca esteve abstraído da realidade em estudo. A partir dessa perspectiva

epistemológica procuramos realizar esta pesquisa. O pesquisador, um cidadão, e a realidade, a

história em construção, não foram dimensões estanques. O senso comum permeou a

“desordem”, a “imprevisibilidade” que por vezes “enganou” o método de pesquisa adotado.

Este trabalho procurou respeitar uma das possibilidades da abordagem construtivista

de pesquisa que, em linhas gerais, defende que os seres humanos não acham ou descobrem

conhecimento, mas sim o constroem, pois concebem conceitos, modelos e esquemas para dar

sentido às suas experiências, sempre testando e modificando suas construções à luz de novas

experiências (SCHWANDT, 1994).

A pesquisa qualitativa é a opção que tomamos. Segundo Merriam (1998, p. 6),

“pesquisas qualitativas estão baseadas em uma visão, que a realidade é construída por

indivíduos interagindo com seu mundo social”. Além disso, “pesquisadores qualitativos estão

interessados nos significados que as pessoas constroem” na relação com as outras pessoas e

com o mundo em que vivem.

O principal produto da pesquisa qualitativa é o argumento robusto que é fruto da

combinação de descrição e interpretação. A descrição, na qual ela se apóia mantém uma

relação de equilíbrio com a análise e a interpretação. Assim, o argumento não necessita

afundar num acúmulo excessivo de dados sem o devido tratamento analítico (JANESICK,

1994).

Esse tipo de pesquisa é desenvolvido em íntima relação com a realidade em

investigação, em quase todos os estágios, o que inclui idas ao campo. A natureza do plano de

pesquisa emerge à medida que a investigação evolui, estando o todo e cada uma das partes

sujeitos à constante adaptação, mudança e re-planejamento (CRESWELL, 1994; JANESICK,

1994; MILES; HUBERMAN, 1994). A própria lógica de construção desta pesquisa seguiu

esse tipo de desenvolvimento da pesquisa qualitativa. A compreensão do problema e as

opções empíricas de objeto de estudo foram constantemente modificadas nesse processo.

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3.1 Instrumentos e técnicas de coleta de dados

Entre junho de 2005 e abril de 2007, fizemos visitas sistemáticas ao campo de estudo,

conversando com participantes, gestores públicos, educadores sociais, líderes comunitários,

membros da comunidade e conhecendo a implementação dos projetos do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer (PCPEL). Da primeira experiência no campo empírico

escolhemos entrevistar os principais diretores do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

(GEGM-Geraldão), em fevereiro de 2006, tendo perdido uma das entrevistas por problemas

técnicos (na passagem do gravador digital para o computador o áudio ficou mudo). Não foi

necessária a repetição da entrevista. Depois de todas as visitas de campo retornamos, em abril

de 2007, para realização de novas entrevistas, após conhecer as ações dos projetos em estudo

nas comunidades.

Nas visitas tivemos acesso a importantes documentos que tratam das políticas de

esporte municipal e nacional; participamos de seminário nacional na área de esporte e lazer

(em 2005), das conferências municipais e estaduais de esporte promovidas pelo Governo

Federal para a construção do Sistema Nacional do Esporte e do Lazer (em 2006).

Ao longo das visitas ao GEGM-Geraldão e às comunidades, estabelecendo contato

com diretores, gerentes, coordenadores e educadores, tivemos acesso a documentos basilares

que norteiam o ideário do PCPEL, como documentos internos das diretorias, que resumiam

a proposta do programa, objetivos e fundamentos, constando também resumo dos projetos

desenvolvidos e as linhas de ação utilizadas para executá-los.

Em julho de 2005, conseguimos documento da proposta pedagógica do PCPEL. Em

fevereiro de 2006, tivemos acesso a um projeto6 remetido ao Ministério do Esporte (em

2004), para financiamento das atividades do Programa, com detalhamentos importantes sobre

os fundamentos, ações, organização e projetos. Também tivemos acesso a uma pesquisa-ação

sobre um dos projetos do PCPEL.

Em maio de 2006, conseguimos o primeiro documento das propostas pedagógica e

organizativa do Programa, elaborado em 2002. Por fim, em março de 2007, conseguimos

outra pesquisa-ação sobre um dos Projetos do PCPEL, por meio eletrônico

(www.dominiopublico.gov.br). Esses documentos compunham parte dos dados secundários

desta pesquisa. Nas visitas ainda conseguimos jornais comunitários (fanzines), panfletos,

6 Em vista de conseguir recursos pelo Programa Esporte e Lazer da Cidade para contratação de educadores (foram contratados 175, como bolsistas).

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cartazes, programação de atividades, registramos fotos, que em seções subseqüentes ilustrarão

a descrição e análise dos dados. Da Prefeitura Municipal do Recife (PMR) solicitamos alguns

dados do Orçamento Participativo.

As visitas ao campo empírico foram complementadas por leituras de textos do campo

dos estudos organizacionais e de outras áreas do conhecimento, como Sociologia, Ciência

Política, Educação e Educação Física e Desporto. Desafio que se mostrou crucial para

compreender outras possibilidades do organizar.

Na pesquisa de campo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com base em

um roteiro de entrevistas (APÊNDICE C) com diretores, gerentes e coordenadores. Com

coordenadores, educadores e monitores (lideranças comunitárias), os que estão em contato

direto com as atividades nas comunidades, fizemos algumas perguntas (“espontâneas”, como

qualquer cidadão faria numa conversa), baseadas no roteiro de entrevista preparado.

Com base em Triviños (1987, p.146), entendemos por entrevista semi-estruturada,

aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa.

As entrevistas (complementadas por conversas informais) e a observação

participante das ações dos projetos estudados, que envolve líderes comunitários, educadores

e outros membros das comunidades, onde usamos notas de campo (APÊNDICE D),

subsidiaram a análise da concretização da proposta do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer.

A perspectiva de Bruyn de observação participante “como uma metodologia”, “como

uma orientação básica para o estudo da sociedade humana” (BRUYN apud HAGUETTE,

1987, p.74) é a que mais se aproximou do processo desta pesquisa. Segundo Haguette (1987,

p.74-75) essa

concepção envolve o pressuposto de que a sociedade é construída a partir do processo interativo de indivíduos e grupos que agem em função dos sentidos que o seu mundo circundante representa para eles [...]. Esta perspectiva se opõe frontalmente àquelas que concebem a ação social como uma conseqüência de fatores estruturais atuantes sobre o indivíduo e que, conseqüentemente, descartam ou minimizam o papel do homem na história, ou seja, a liberdade humana.

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Figura 1 (3) – Nota de Campo 1 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude 2007 de Brasília Teimosa [RPA 6].

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Figura 2 (3) – Nota de Campo 2 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude 2007 de Brasília Teimosa [RPA 6].

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Nesse sentido, Bruyn (apud HAGUETTE, 1987, p. 75) define alguns “axiomas” e

“corolários” que envolvem o papel do observador participante, o autor desta pesquisa:

Axioma 1: o observador participante compartilha da vida ativa e dos sentimentos das pessoas em termos de relações face a face. Corolário: o papel do observador participante requer ao mesmo tempo desprendimento e envolvimento pessoal. Axioma 2: o observador participante é uma parte normal da cultura e da vida das pessoas sob observação. Corolário: o papel científico do observador participante é interdependente com seu papel social na cultura do observado. Axioma 3: o papel do observador participante reflete o processo social de vida em sociedade.

3.2 Análise e interpretação dos dados

Para o tratamento e análise dos dados foi utilizada análise interpretativa,

confrontando discurso e prática, ou seja, prática tornando-se discurso, discurso tornando-se

prática. Esse confronto permeia toda a análise dos dados.

Os elementos do discurso do PCPEL foram retirados dos dados secundários. Em

alguns pontos da análise as falas dos entrevistados foram interpretadas como discurso. Porém,

as falas foram predominantemente interpretadas como concretizações do discurso,

considerando a particularidade de cada projeto estudado.

As práticas ganharam dois sentidos, ambos respeitando a dimensão central desta

pesquisa, a compreensão do organizar. Assim, nos referimos a práticas organizacionais

quando abordamos aspectos formais, internos e tradicionais da estrutura de organização do

órgão executor do PCPEL, o GEGM-Geraldão e sua relação com a estrutura institucional da

Prefeitura Municipal do Recife ou outra entidade formal, não envolvendo articulação com as

comunidades (sociedade civil).

No segundo, definido na seção 2.4, analisamos práticas de organizar como ações de

organização forjadas na sociedade civil (organizada), isto é, no “‘corpo’ mais amplo da

sociedade”, que são trazidas para uma esfera institucional de poder, mostrando potencial

modificador das características tradicionais do que seja o organizar (a estrutura burocrática e

seus processos) e da organização social mais ampla na relação Estado-Sociedade. Essa

perspectiva é mais ampla e abrange a anterior. Utilizamos ainda o termo práticas de

organização para se referir ao organizar de maneira mais abrangente, especialmente para nos

referimos às práticas cotidianas das comunidades.

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Essa abordagem proporcionou compreender uma relação importante no campo dos

estudos organizacionais, entre discurso e prática. Não nos preocupamos com a aplicação da

teoria na prática (um processo que somente considera o que vem de cima), muito comum nas

abordagens funcionalistas das pesquisas em Administração. Fizemos uma tentativa de

reflexão, através de outras concepções do que seja a relação entre discurso e prática, para

então compreender o organizar a partir de novas perspectivas.

No entanto, por esta pesquisa ter sido realizada no calor dos acontecimentos, com o

Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer em ação, em meio a um conjunto de

constantes modificações da política municipal (de esporte e lazer), aspectos podem ter

passado despercebidos, inclusive aos entrevistados. As imprecisões dos conceitos de

organização, de organizar e práticas de organização (organizar) e suas relações, apesar de

associados à concretização de idéias, foram por vezes limitantes. Por fim, nos projetos

estudados nem sempre foi possível explorar as particularidades das comunidades.

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4 Apresentação e Análise dos dados

4.1 Em Recife: uma política setorial de esporte e lazer

No Brasil, os investimentos em políticas públicas de esporte e lazer são voltados

geralmente para os esportes de alto rendimento, o financiamento de eventos esportivos e o

fortalecimento de princípios competitivos no esporte. Nos governos estaduais e municipais

prioriza-se o futebol como carro-chefe das políticas, muitas vezes reduzidas a eventos anuais.

Assim, o caráter educativo e a melhoria da qualidade de vida e de outras formas de expressão

cultural por meio de esporte e lazer ficam em segundo plano.

Em contraponto a esse histórico, e em consonância com as experiências de políticas

setoriais de esporte e lazer das administrações progressistas e populares, em Recife, no ano de

2002, é formulada a Política Municipal de Esporte e Lazer em governo liderado pelo Partido

dos Trabalhadores (PT), que assumiu a Prefeitura municipal em 2001 e encontra-se no

segundo mandato (até 2008). As diretrizes da política de esporte e lazer foram criadas em

consonância com as diretrizes gerais do governo municipal: uma gestão pública radicalmente

democrática apoiada na mobilização popular, na promoção da cidadania e na luta contra a

exclusão e as desigualdades sociais. Além das diretrizes, seguiram os princípios da gestão.

A partir também de alguns princípios que o prefeito João Paulo nos colocou, inversão de prioridades, participação popular e elevação da consciência política da nossa população. Eram esses três princípios que deveriam orientar todos os projetos e programas que nós tínhamos que fazer em relação ao esporte (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 17/04/2007).

De acordo com Silva (2005a, p.159, grifos nossos), os valores que orientariam a

política de esporte e lazer do Recife em suas ações, programas e projetos a partir de sua

formulação no ano de 2002 seriam: (a) o esporte como fator de desenvolvimento humano,

traduzido “na compreensão do esporte como ‘fenômeno histórico cultural’ e ‘parte das

manifestações da cultura corporal’”; (b) o lazer como instrumento pedagógico de elevação

cultural e da consciência política da população, constituindo-se em “um conjunto de

práticas sociais de caráter lúdico, vivenciadas no tempo liberado do trabalho e de quaisquer

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obrigações relacionadas à sobrevivência, caracterizadas pela liberdade de escolha e por

acontecer a partir de diversas manifestações culturais”. Por fim, (c) o esporte e o lazer como

fatores de inclusão social, pois enquanto direitos sociais seriam considerados “fatores de

emancipação humana e exercício da cidadania quando desenvolvem formas humanizadas de

sociabilização”.

Assim, o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer foi criado com o objetivo de

implementar, nas comunidades de baixa renda da cidade, círculos de convivência social que

possibilitassem o desenvolvimento sistemático de aprendizagens significativas relacionadas

ao campo da cultura corporal e esportiva, tendo em vista a educação no e para o tempo livre

(SILVA, 2005a). Dentro da proposta educacional do PCPEL foram criados princípios

pedagógicos para nortear suas práticas, desde o planejamento até os momentos festivos e de

avaliação7.

Princípios Pedagógicos O que procuram expressar

Trabalho Socialmente Útil

[...] uma educação que se realiza no âmbito do lazer, na perspectiva da autodeterminação, deve estar em profunda sintonia com as necessidades e interesses dos sujeitos e das comunidades envolvidas (p.33). [...] significa colocar os sujeitos diante das situações concretas que configuram a produção cultural – seja ela artística, esportiva ou intelectual, no tempo liberado. Esse processo inclui a conquista, construção e gestão dos espaços e equipamentos comunitários de lazer, a apropriação da cultura acumulada historicamente, a construção de possibilidades para a criação de novas formas de práticas assim como lutas mais amplas como a redução da jornada de trabalho, o controle do tempo do lazer (p.35). A educação a partir de uma atividade socialmente útil, também deve contribuir para a formação de hábitos socialmente úteis (p.35).

Desenvolvimento da Cultura Popular

A questão central é de democratização e acesso crítico aos bens culturais socialmente construídos pela humanidade e seu desenvolvimento de acordo com os interesses de emancipação das maiorias. Rejeitar a recorrência simplista aos modelos

7 A criação dos princípios pedagógicos pode ser vista na pesquisa ação de Silva (2005b), que abrangeu as ações do Projeto de Formação Continuada nos primeiros três anos do Programa.

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importados e desenraizados, privilegiando o desenvolvimento crítico das iniciativas oriundas das camadas populares, tornando unitário e coerente aquilo que as classes populares são capazes de produzir (p.38). [...] a atividade reflexiva deve contribuir para a superação do ‘praticismo desvairado’ e do ‘entretenimento banalizado’, construindo formas críticas e efetivamente protagônicas de lazer (p.38).

Auto-Organização e Trabalho Coletivo

Trabalhar coletivamente significa saber organizar e dirigir um grupo quando é necessário e também saber obedecer quando for preciso (p. 38). Todos assumam responsabilidade no interior da estrutura de organização (p. 38). Analisar cada problema novo como organizador (p.39).

Intergeracionalidade

[...] expressa a necessidade de superação da segmentação entre as gerações (etárias), colocando a necessidade de construção de procedimentos e mecanismos que restabeleçam a coexistência e convivência entre sujeitos das diferentes faixas etárias, de maneira que seja garantida a preservação da memória cultural e política, fortalecida pelos vínculos sentimentais inerentes aos coletivos familiares. [...] faz-se imprescindível que tais mecanismos de coexistência possam reaproximar a velha geração com a dinâmica contemporânea da sociedade e suas exigências (p.42).

Fonte: elaboração própria com base em Silva e Silva (2004).

Quadro 2 (4) – Princípios Pedagógicos do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

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A proposta pedagógica, que norteia o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer

como um projeto educativo não-formal8, tem como finalidade educativa “a formação dos

sujeitos das camadas populares para a transformação da realidade social na qual estão

inseridos. Esta formação/transformação tem [...] como objeto central, o lazer, e visa

desenvolver a autodeterminação destes sujeitos, a partir de seu próprio exercício crítico”

(SILVA; SILVA, 2004, p.42-43, grifos nossos). O resgate das atividades lúdico-desportivas

nas comunidades da periferia do Recife como dimensões fundamentais da vida humana,

quando ancoradas em práticas educativas, políticas e de expressão cultural, são o cerne das

ações do PCPEL.

Conforme Silva e Silva (2004, p.11),

É possível organizar o lazer com vistas à emancipação humana, mesmo considerando o momento histórico no qual o capital vem transformando tudo que vê pela frente em mercadoria. Uma condição básica para isso é compreendermos o lazer como um espaço/tempo sistemático e planejado, no qual as pessoas possam ludicamente desenvolver aprendizagens sociais que contribuam para sua autodeterminação no campo da cultura, da política e da economia.

A educação emancipatória proposta pelo PCPEL não é somente expressa pela

capacidade de emancipação da consciência, mas também pela sua capacidade de estimular

novas experiências organizativas nas comunidades. O Programa propõe a construção de

círculos populares, isto é, reunião planejada e sistemática de círculos de convivência social

que na luta concreta pelo acesso à cultura possam fazer nascer uma nova concepção de lazer e

de mundo ao unir consciência crítica e vontade coletiva, o lúdico e a autodeterminação, a

política e o lazer (SILVA; SILVA, 2004, p.29-30). Os círculos populares são a experiência

organizativa vislumbrada para concretizar o ideário do Programa. Essa experiência

organizativa abrange também atividades eventuais (eventos, campeonatos, torneios).

Em vista da concretização das ações são sugeridas algumas formas de organizar, e de

se apropriar do tempo livre, que buscam “estruturas participativas” e o estímulo à “auto-

organização dos sujeitos das camadas populares” (SILVA; SILVA, 2004, p.47).

8 De acordo com Afonso (apud GARCIA, 2001, 150-151, grifos do autor), “por educação formal entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que a designação educação informal abrande todas as possibilidades educativas no decurso da vida de um indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado. Por último, a educação não-formal, embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não-fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto”.

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Formas de organizar O entendimento de quem concebeu o programa

Planejamento Participativo

O planejamento [...], ao nível da gestão de um círculo de convivência, tem em vista o desenvolvimento do protagonismo e da autodeterminação (p. 47). O planejamento participativo tem como objetivo identificar o ponto de partida do trabalho. Define-se pela problematização da prática social, identificação de interesses e do acervo de conhecimentos que o grupo possui, pela definição coletiva de objetivos e da construção da programação de conteúdos e eventos. É também o momento de divisão de responsabilidades na gestão do grupo e da organização das condições materiais para a continuidade do processo (p. 47).

Oficinas Temáticas

As oficinas temáticas podem ser definidas como um conjunto de procedimentos com o objetivo principal de construir e reconstruir conhecimentos e práticas corporais e esportivas, tendo a auto-organização como fator primordial (p.48). Tendo em vista a ampliação e a diversificação do acervo esportivo-cultural dos seus membros, em cada um dos círculos de convivência são abordadas diversas temáticas no decorrer do ano, de acordo com o estabelecido no planejamento participativo. As oficinas podem ser desenvolvidas nos espaços disponíveis na comunidade, tais como os parques e praças, os campos de pelada, os terrenos vazios e até mesmo na rua (p.48). As temáticas selecionadas devem ser problematizadas de modo a permitir o conhecimento de suas determinações, seus elementos constitutivos, para então serem construídas as possibilidades de sua recriação (p. 48).

Escolinhas Esportivas

Vista como uma possibilidade de organização do espaço/tempo pedagógico, em que se caracteriza pela identificação de uma turma com uma modalidade esportiva específica. As escolinhas tradicionais têm como objetivo central a iniciação ou treinamento esportivo. [...] é importante que a escolinha não fique reduzida ao mero treinamento. O estímulo à auto-organização e ao trabalho coletivo dos jovens é fundamental (p.49). Os educadores deverão forjar procedimentos que estimulem os jovens a criar e sistematizar novas formas para a prática esportiva, incluindo o incentivo à auto-organização do treinamento pelos jovens do grupo (p.49).

Seminários e Encontros

Participativos

Os seminários são espaços próprios para o intercâmbio de conhecimentos, experiências e informações entre os círculos de diferentes comunidades com outras entidades e instituições, movimentos sociais e culturais e demais grupos interessados. São momentos que permitem aprofundar temáticas que exigem abordagens mais sistematizadas e ampliadas em função de sua complexidade (p. 49). Nos seminários poderão ser debatidos tanto os temas específicos relativos às oficinas, quanto temas transversais como: drogas, violência, sexualidade, política, entre outros. Esses momentos pressupõem sempre algum tipo de sistematização e registro por meio da produção de textos, materiais instrucionais, pinturas coletivas, utilização de vídeos e novas tecnologias educacionais (p. 49).

Festivais

Os festivais são momentos de catarse, realizados em datas festivas e comemorativas, destinados à vivência coletiva das várias formas de manifestação da cultura corporal e esportiva, construídas no interior das oficinas e escolinhas (p. 50).

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Eles também podem ‘ser realizados integrando as diversas comunidades, abrangendo as exposições e experimentações junto a outros segmentos da comunidade tais como as escolas, associações ou igrejas’ (p. 50).

Arrastões de Lazer

Os arrastões são essencialmente atividades de sensibilização dos sujeitos das comunidades onde serão implantados os círculos. Pressupõem uma pesquisa anterior que identifique as células potenciais de um Círculo, caracterizando suas experiências, suas preferências e suas expectativas, bem como a realização de atividades relâmpago de alta intensidade, sensibilizando os sujeitos das comunidades a se engajarem na construção do protagonismo no que se refere à conquista do tempo livre (p. 50).

Colônia de Férias

Constitui um conjunto de atividades desenvolvidas no período das férias escolares. Normalmente contempla todos os procedimentos apontados acima, sendo num período intensivo que dura uma, duas ou mais semanas. Nas colônias de férias, promover desafios que pressuponham a auto-organização de maneira mais intensa é um fator fundamental já que nos outros momentos as atividades devem ser mais dirigidas pelos educadores (p. 50).

Fonte: elaboração própria com base em Silva e Silva (2004).

Quadro 3 (4) – Formas de organizar do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

As formas de organizar apresentadas no quadro acima permeiam os projetos do

PCPEL, criados para atuar em quatro eixos: (1) promoção de atividades sistemáticas para

crianças, jovens, adultos e idosos; (2) democratização e requalificação dos equipamentos de

esporte e lazer; (3) formação continuada de quadros e (4) apoio às iniciativas espontâneas das

comunidades, de maneira a estimular a autodeterminação da população no uso do tempo livre

(SILVA, 2005). Essas frentes se refletem em projetos (descritos a seguir), que buscam

concretizar o ideário do Programa. A apresentação dos projetos baseou-se em documentos

internos do GEGM-Geraldão datados de 2004 e 2005, sendo necessárias algumas pequenas

atualizações à medida que realizamos esta pesquisa. As linhas de ação descritas nem sempre

se concretizaram, no entanto preferimos a descrição mais completa possível dos projetos.

Foram considerados os projetos que tiveram maior perenidade desde a criação do PCPEL.

PROJETO ESPORTE DO MANGUE – Desenvolve ações em parques, praças e

outros espaços para prática esportiva nas comunidades envolvendo a juventude através de

oficinas, campeonatos e eventos, em torno do skate, patins, bicicross (esportes radicais) e dos

elementos da cultura hiphop (Breakdance, Grafite, DJ e Rap). Suas linhas de ação são:

Seminários Parabólica e Satélite do Mangue, momento em que são desenvolvidos debates

sobre temas relacionados à vida dos jovens, visando problematizar a situação e construir

saídas coletivas. A síntese desse processo é produzida e socializada pelos jovens através de

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linguagens alternativas como fanzines, jornais, grafites, etc.; Fórum Esporte do Mangue,

chama a comunidade, principalmente a juventude radical, para discutir a agenda de eventos do

ano, tendo caráter de sensibilização e mobilização da juventude; Festivais da Juventude,

realizados enquanto etapas regionais do Encontro Municipal do Esporte do Mangue nas

regiões político-administrativas do Recife, onde ocorrem oficinas, vivências, campeonatos

populares relacionados às linguagens esportivas e de lazer implementadas pelo Programa e

apresentação de bandas musicais das próprias comunidades. Esse projeto finaliza suas ações

do ano com o Encontro Municipal do Esporte do Mangue, de formato parecido com os

festivais mas com uma maior dimensão. O projeto Esporte do Mangue9 foi criado junto ao

Programa, em 2002.

PROJETO CÍRCULOS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL - Desenvolve ações

sistemáticas (duas vezes por semana) para todos os segmentos da população. Envolve também

atividades eventuais (Festivais, torneios, encontros).

Até 2005, primeiro ano do PCPEL no Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães,

autarquia responsável pela implementação do Programa, a Diretoria de Lazer e Cidadania era

responsável por todas as atividades sistemáticas relacionadas ao conteúdo esporte e lazer e

assim estava exclusivamente responsável pelo projeto. Em 2006, com a atribuição de novas

responsabilidades às diretorias do ginásio, os círculos foram desmembrados em círculos de

convivência social de lazer (Diretoria de Lazer e Cidadania), abrangendo ginástica, capoeira,

dança popular, artes plásticas, artesanato, canto coral, percussão (maracatu baque virado),

teatro e/ou outra linguagem demandada pela comunidade que se insira no lazer; círculos de

convivência social de esporte (Diretoria de Esporte Amador), que abrangem futebol, futsal,

vôlei, basquetebol, handebol, karatê, judô, ginática olímpica e esportes considerados

tradicionais; e círculos convivência social de juventude (Diretoria de Esporte e Juventude),

que abrangem conteúdos relacionados aos esportes radicais (BMX – Bicicross, Skate, Patins)

e aos elementos da cultura hiphop (Breakdance, Grafite, DJ e Rap).

A Diretoria de Lazer e Cidadania, antes única responsável pelo projeto, ficou ainda

responsável pelas linhas de ação da antiga organização do Projeto Círculos de Convivência

Social, sendo elas: Festivais Temáticos de Esporte e Lazer, que são momentos de

sistematização e troca de experiências das produções realizadas nos círculos de convivência

social (de lazer), em torno de temáticas como: datas comemorativas, temas, jogos e eventos

9 Para maiores detalhes sobre a construção do projeto ver pesquisa-ação desenvolvida por Silva (2005a).

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esportivos (ex: Festival de dança, Festival de carnaval, Festa Junina, Encontro de adultos e

idosos); Arrastão do Lazer, ação itinerante de esporte e lazer, desenvolvida em parques,

praças, campos ou quadras para mobilizar, divulgar ou registrar as ações desenvolvidas no

Programa; Colônia de Férias, ação realizada durante as férias escolares, envolvendo

segmentos da população em uma semana de atividades no campo do lazer e esporte; Projeto

de Animação de Parques e Praças, que em 2006 realizou ações a partir de oficinas de arte,

percussão, dança, teatro e outros conteúdos relacionados ao lazer; e da prática espontânea dos

jovens que visitavam o espaço público (praça ou parque) onde aconteceram as atividades.

Algumas dessas linhas de ação são atividades eventuais (Momentos de Catarse) que têm como

origem os círculos de convivência social de lazer (atividades sistemáticas).

O ideário do PCPEL tem como modelo heurístico esse projeto, que é confundido pelos

proponentes e executores com o próprio Programa. As primeiras iniciativas do Programa nas

comunidades foram colocadas em ação por meio dele, que foi seu projeto-piloto.

PROJETO FUTEBOL-PARTICIPATIVO - Tem o objetivo de incitar o processo de

resgate do futebol como alternativa de lazer nas comunidades de baixa renda do Recife.

Organiza anualmente campeonatos de futebol de várzea na periferia do Recife envolvendo

aproximadamente 18.000 participantes, que ocupam cerca de 40 campos de várzea na

periferia da cidade. Engloba as categorias masculino e feminino aberto, veterano, sub-15 e

sub-17. Suas linhas de ação são: Fase Regional do Futebol Participativo que ocorre por

regiões político-administrativas, consistindo na primeira fase do Futebol Participativo; Fase

Final do Futebol Participativo em que há o cruzamento dos vencedores de cada região

político-administrativa do Recife em competição que resultará na equipe vencedora geral da

cidade; Campanha de preservação dos campos de várzea: consiste num ciclo de debates e

ações comunitárias, visando preservação dos campos públicos de futebol. 2003 é o ano inicial

desse Projeto, quando apoiava campeonatos isolados das comunidades. Em 2004 houve um

primeiro esforço de integração desses campeonatos. 2005 foi o ano em que houve a primeira a

ação organizativa com o atual formato, em que o campeonato é iniciado por meio de reuniões

nas seis regiões político-administrativas da cidade, culminando com sua unificação em uma

reunião geral e jogos realizados por região (Fase Regional).

Desse modo, o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer volta-se para o

desenvolvimento de projetos e ações envolvendo pessoas de todas as idades em torno de

práticas esportivas e de lazer sistemáticas, esportes radicais e esporte amador com o intuito de

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garantir o acesso da população do Recife, especialmente os segmentos desfavorecidos

socialmente. As ações voltadas às comunidades têm a intervenção pedagógica de professores

e estagiários de educação física; e educadores sociais (advindos das comunidades) utilizando

praças, parques, campos e outros espaços adequados às práticas esportivas e de lazer, como

associações de bairro, clubes, institutos, universidades, escolas públicas, igrejas, entre outros.

De caráter subsidiário aos projetos descritos acima existem ainda:

PROJETO REDE FÍSICA MUNICIPAL DE ESPORTE E LAZER - Desenvolve

ações em torno da elaboração de projetos de centros populares de esporte e lazer para a cidade

do Recife através de ações integradas com outros órgãos municipais e a comunidade em torno

do planejamento, construção, reforma, manutenção e gestão de espaços e equipamentos

públicos de esporte e lazer. Suas linhas de ação ocorrem: nos Centros Populares de Esporte

e Lazer, de maneira a requalificar os espaços e equipamentos públicos esportivos e de lazer

do Recife em torno da construção de possibilidades multifuncionais que possam atender a

todos os segmentos da população; nas Arenas de Esportes Radicais, na construção de

espaços e equipamentos públicos que atendam à juventude praticante de esportes radicais para

possibilitar a integração dos diversos grupos existentes na cidade; nos Campos de Futebol de

Várzea, consiste em requalificar campos de futebol de várzea do Recife garantindo infra-

estrutura que permita a utilização por todos os segmentos da população; Pesquisa dos

Espaços Públicos de Esporte e Lazer, consiste no levantamento geopolítico dos espaços

públicos esportivos e de lazer existentes e potenciais do Recife; Projeto de Gestão e

Manutenção de Equipamentos Públicos de Esporte e Lazer, consiste na construção de

possibilidades de co-gestão dos equipamentos públicos de esporte e lazer de forma a garantir

a manutenção, o controle social e a utilização democrática dos equipamentos. Esse Projeto

consta no primeiro documento oficial que apresentou o PCPEL, em 2002, pois um dos

problemas para a implementação dos projetos era a falta, a degradação e a apropriação

privada, por membros das próprias comunidades, de espaços e equipamentos públicos

adequados para a prática das modalidades. Atualmente o Ginásio de Esportes Geraldo

Magalhães (GEGM-Geraldão), por meio do projeto, é responsável pela administração e

manutenção de um conjunto de espaços na cidade, sendo eles: o próprio Ginásio (RPA-6); o

Centro Popular de Esporte e Lazer Cais da Aurora (na Rua da Aurora, Centro da cidade –

RPA-1); o Centro Popular de Esporte e Lazer da Macaxeira (Campo do União na Macaxeira –

RPA-3); o Parque do Caiara (Iputinga, RPA-4); o Campo e a Quadra do Arraial Novo do Bom

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Jesus (Torrões, RPA-4); o Centro Popular de Esporte e Lazer da Imbiribeira (Campo da

Imbiribeira - RPA-6); o Centro Popular de Esporte e Lazer da Orla do Pina (no final da

Avenida Boa Viagem – RPA-6) e o Centro Esportivo do IPSEP (Quadra Euler Bentes - RPA-

6). Esses são os espaços priorizados para atividades e ações dos projetos do PCPEL.

PROJETO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE ESPORTE E LAZER -

Desenvolve ações em torno da qualificação do corpo docente através de conhecimentos

necessários ao trabalho pedagógico realizado procurando garantir espaços para planejamento,

reflexão pedagógica teórico-prática, socialização das experiências, publicação e participação

em eventos científicos. Foi criado no ano de 2002 em vista de subsidiar a proposta político-

pedagógica do PCPEL. Suas ações têm como subsídio o livro ‘Círculos Populares de Esporte

e Lazer: fundamentos da educação para o tempo livre’, elaborado por Silva e Silva (2004),

que apresenta a proposta pedagógica do Programa. As linhas de ação do projeto voltam-se

para os servidores municipais com atuação nas áreas de esporte e lazer, incluindo gestores,

educadores e agentes comunitários (monitores) diretamente envolvidos com os círculos

populares e professores da rede municipal de ensino. Nesse sentido são realizados: Encontros

de formação continuada de esporte e lazer, com periodicidade anual, nesses encontros são

socializadas experiências e realizadas oficinas, cursos, palestras e conferências com

pesquisadores da área; Reuniões pedagógicas, realizadas mensalmente para discussão de

elementos pedagógicos do PCPEL junto com diretores, gerentes, coordenadores, educadores e

agentes comunitários (monitores); Sistematização e socialização das experiências para

publicação em eventos e revistas ligados ao setor de esporte e lazer, quando as

experiências, estudos e pesquisas desenvolvidas, são apresentadas em encontros locais,

regionais e nacionais e publicadas em anais, livros, revistas e periódicos; Projeto educação

esportiva, voltado para a formação continuada dos professores de educação física da rede

municipal de ensino.

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4.2 Primeiras intenções e práticas do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer

A proposta do PCPEL foi sendo construída à medida que era implementado.

Primeiramente na Secretaria de Turismo e Esporte da Prefeitura Municipal do Recife, onde os

gestores do Programa foram alocados na Diretoria Geral de Esportes (DGE).

[...] a gente encontrou quase nenhum registro de política e sim alguns registros de alguns projetos e ações, tipo Peladão [Campeonato de Futebol de Várzea da gestão anterior], apoio a uma competição A, dava troféu, medalha, mas não encontramos nenhum registro de uma política sistemática que tivesse começo, meio e fim e que pudesse ser avaliada e melhorada ao longo do tempo. Então começamos basicamente do zero a procurar sistematizar isso (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 17/04/2007).

A nova proposta do Programa, em termos de política municipal de esporte (e lazer) no

município, precisou abrir caminhos em direção às comunidades não realizados pelo poder

público em gestões anteriores. Essas resumiam suas ações a eventos esportivos, especialmente

campeonatos de futebol, com período de inscrição definido pelo órgão público competente.

Os primeiros caminhos foram trilhados com uma estrutura física e de pessoal bem reduzida.

Na organização inicial você não tinha pessoas pra trabalhar, você não tinha nem estrutura física. Então, o início foi muito complicado, mas a gente queria estruturar o setor a partir desse espaço que tínhamos dentro do governo municipal (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 17/04/2007).

Os responsáveis pela implementação do Programa precisaram ir às comunidades

mobilizá-las, cativá-las, mostrar atividades não comuns em programas de governos anteriores,

“testar” na prática o ideário do PCPEL, permanecer por um tempo nas comunidades para criar

vínculos e compreender a dinâmica cotidiana de cada uma.

O Programa surge carregado com as concepções de um de seus projetos, os Círculos

de Convivência Social, suas atividades sistemáticas. A vinculação de seu ideário com esse

projeto é corroborada no seguinte relato de Silva (2005b, p. 100-101, grifos nossos),

o Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer teve seu nascedouro voltado especificamente para a animação de parques, praças, quadras e campos de futebol, etc, com ênfase em atividades de caráter recreativo, a partir do Projeto Arrastão do Lazer [hoje umas das linhas de ação do Projeto Círculos de Convivência Social], em outubro de 2001. Estas ações foram realizadas inicialmente pelos gestores e voluntários, e posteriormente, também, pelos oito primeiros estagiários, e tinham como objetivo

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possibilitar a construção das bases para o desenvolvimento de atividades sistemáticas, organizadas sob a forma de Círculos de Convivência Social. E, para tanto, começou a ser desenhado ainda em 2001, o piloto do que viria a ser o projeto Círculos de Convivência Social.

Confirmando também a vinculação da proposta pedagógica do Programa com o

Projeto Círculos de Convivência Social, Silva e Silva (2004, p.29-30, grifos nossos) afirmam

que os círculos populares são uma proposta de “reunião planejada e sistemática de círculos de

convivência social que na luta concreta pelo acesso à cultura possa fazer nascer uma nova

concepção de lazer e de mundo”.

No início de 2002, pautando suas primeiras ações no desenvolvimento de atividades

sistemáticas, em paralelo a tentativas frustradas de atuação nos Centros Sociais Urbanos de

responsabilidade da Prefeitura, o Programa consegue iniciar, em parceria com o Projeto

Academia da Cidade10 seus primeiros projetos-piloto.

Nas palavras de Silva (2005b, p.103-104, grifos nossos)

O local e a ênfase da atuação foram definidos com lideranças comunitárias e representantes de vários grupos e entidades do bairro (procedimento sempre adotado pelo Programa para implantar e discutir a realização deste), foi definido que o projeto piloto seria voltado para o trabalho com idosos, no bairro de Brasília Teimosa. Tendo em vista a intenção de construir uma Política realmente integrada com a Secretaria de Saúde, a equipe de professoras de Educação Física, foi formada com um perfil mais voltado para esta área, ao mesmo tempo que foi iniciado um processo de aprofundamento em estudos sobre o lazer e a educação para que esta equipe pudesse ir construindo elementos teóricos para fundamentar uma ação pela emancipação humana. E logo parte da equipe foi direcionada para outra comunidade, a partir da solicitação de uma liderança que comandava um grupo de quase cem idosas do Jordão, que participava do projeto Renascer (do Governo do Estado), que foi extinto. Foi a partir deste trabalho piloto que na verdade foram sendo discutidas as bases para a construção das ações sistemáticas do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Assim, desenhavam-se as primeiras atividades do Projeto Círculos de Convivência

Social. O trecho mostra que as atividades sistemáticas, o apoio de uma secretaria municipal

com maiores recursos e o início de práticas de articulação com a comunidade, por meio de

lideranças e grupos comunitários, foram fundamentais.

10 Projeto de responsabilidade da Secretaria de Saúde do Recife, implantado desde 2002 com o intuito de requalificar espaços públicos e oferecer oportunidade para prevenção de doenças por meio de atividades físicas. Os pólos da Academia da Cidade são espaços em que as pessoas têm acesso a serviços de avaliação física para a prática de exercícios, caminhada orientada, aulas de ginástica, alongamento e danças desenvolvidas por profissionais e acadêmicos da área de Educação Física. O programa é implementado por profissionais da área de educação física, sendo também campo de estágio para acadêmicos dos cursos de Educação Física, Nutrição e Medicina (Adaptação de descrição do projeto constante no site da Prefeitura do Recife. Disponível em: www.recife.pe.gov.br. Acesso em: 28 abr. 2007).

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Nessas primeiras ações já se identificava um anseio por uma unificação da política de

esporte e lazer da cidade.

A partir [do] I Encontro de Formação Continuada, de onde se construiu um consenso em torno da viabilidade de construção de Círculos Populares de Esporte e Lazer nos Centros Sociais Urbanos, a Diretoria Geral de Esportes começou a investir [nos círculos de convivência social]. [...] Até o mês de maio do ano de 2002, os Círculos Populares de Esporte e Lazer foram lançados nos quatro Centros Sociais vinculados à Prefeitura do Recife, porém não vingaram neste momento em nenhum desses locais, pelo mesmo fundamental motivo que resultou em outros obstáculos à concretização da Política Municipal de Esporte e Lazer: a ausência de uma Política Municipal única para o setor, já que diversos órgãos atuavam, desordenadamente, em relação ao esporte e lazer e não havia nenhuma regulação mínima que pudesse servir de parâmetro para orientar a atuação (SILVA, 2005b, p.102-103, grifos nossos).

No II Encontro Municipal de Formação Continuada, realizado em julho de 2002,

dentro das ações do Projeto de Formação Continuada (SILVA, 2005b, p.105-106),

as experiências realizadas através de colônia de férias; arrastão do lazer; formação continuada e, sobretudo, do projeto piloto dos Círculos de Convivência em Brasília Teimosa e Jordão, foram apresentadas, debatidas e redefinidas para nortear o trabalho nos Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Os círculos de convivência foram ampliados de duas para dez comunidades, aumento

que se efetivou em setembro de 2002. Nesse encontro foi distribuída entre coordenadores e

colaboradores (pessoas ou entidades externas ao Programa) uma primeira versão de sua

proposta pedagógica. Nela estavam os conteúdos esportivos, culturais e artísticos que

poderiam ser desenvolvidos nas comunidades por meio de grupos de convivência, a partir do

planejamento participativo, em forma de oficinas: (a) jogos e brinquedos populares; (b)

esporte – futebol, futsal, handebol, basquete e vôlei; (c) esporte alternativo – skate, patins, hip

hop, rapel, trilhas; d) ginástica – olímpica, artística, aeróbica, circense; (e) luta – capoeira,

judô, Karatê, Tekwondô, Aikidô; (f) Dança – clássica e popular; (g) Artes plásticas – desenho,

pintura, grafitagem, guache, óleo, etc; (h) música – erudita e popular.

A, então, Diretoria Geral de Esportes (DGE) era composta por: (a) uma Diretoria

Geral; (b) um Departamento de Projetos de Esporte; (c) uma Coordenação de Infância e

Juventude; (d) uma Coordenação de Idosos e (e) uma Coordenação de Apoio Pedagógico. A

organização em direção às comunidades foi a partir da intervenção pedagógica de um núcleo

básico de educadores que poderiam ser professores e estagiários de educação física, educação

artística, pedagogia e agentes comunitários de esporte e lazer voluntários. Esses agentes eram

lideranças comunitárias (moradores das comunidades) que participavam de associações de

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moradores, em esferas de interlocução da comunidade com o poder público e, principalmente,

em atividades ligadas à prática esportiva nas comunidades e que aceitaram trabalhar sem

remuneração nas primeiras ações do Programa.

Tendo como referência a proposta pedagógica do PCPEL e os conteúdos esportivos,

culturais e artísticos, os círculos de convivência social voltaram-se para a infância, a

juventude e os idosos. Em cada local (núcleo) de atuação na cidade, os círculos tinham

coordenação própria, composta por um professor e um estagiário. Cada círculo deveria

também formar um conselho gestor, ao qual caberia gerenciar e discutir, coletivamente, todos

os problemas relativos ao seu funcionamento, composto pelas crianças e jovens, pelos pais,

idosos, agentes comunitários, professores e monitores. No entanto, esse conselho na prática

foi concretizado por participantes que se tornaram representantes dos respectivos círculos. As

atividades dos círculos aconteceriam duas vezes por semana, porém um dos dias da semana

para reuniões pedagógicas e os sábados para a realização de eventos (festivais), seminários e

reuniões específicas.

Ainda em 2002, o Projeto Esporte do Mangue, de caráter não sistemático, iniciou

ações efetivas nas comunidades, sendo objeto de tese de doutorado de um dos autores da

proposta do PCPEL.

A vitória das forças democráticas e populares na cidade do Recife, em 2000, liderada [pelo] [P]refeito João Paulo Lima e Silva, representou um desafio [...]. Neste contexto, fomos convidados a ajudar na construção de uma proposta de trabalho sintonizada com os propósitos centrais da gestão de inverter prioridades, promover a participação popular e contribuir para a elevação da consciência política da população (SILVA, 2005a, p.10-11).

Um projeto que, como o anterior (o Círculos de Convivência Social), nasceu tateando

caminhos e lidando com segmentos não comuns em políticas de esporte e lazer. Segmentos

conhecidos pela relutância ao poder público e por sofrer preconceitos da sociedade.

Parte da intervenção que realizamos teve como público alvo os jovens praticantes de esportes radicais como skate, patins, bicicross e adeptos da cultura hip hop, os quais representavam uma parcela da população empobrecida e discriminada, mas com uma rebeldia latente. Nosso desafio, então, foi desencadear uma série de ações que estimulassem a auto-organização e a participação política desses jovens e, ao mesmo tempo, melhorassem as condições de acesso ao esporte e lazer na cidade (SILVA, 2005a, p.10-11, grifos nossos).

O Projeto Esporte do Mangue tentava reunir a rebeldia da juventude para uma ação

política mais organizada inspirada num movimento político-cultural de Recife que contestava

as desigualdades sociais da cidade.

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Especificamente para a Juventude Radical desenvolvemos o projeto Esporte do Mangue cujo objetivo foi estimular a autodeterminação da juventude das classes populares através da prática de esportes radicais e das culturas relacionadas ao movimento manguebeat, tais como o Hip Hop, hard core, funk, rock, maracatu, punk etc. Acreditávamos na possibilidade de encontrar nexos pedagógicos e políticos para uma ação comunitária de lazer, através do diálogo com um movimento político cultural que catalisava toda a rebeldia dos jovens da periferia da cidade (SILVA, 2005a, p.15-16, grifos nossos).

No tatear e conhecer essa juventude em busca de conceber e implementar o projeto,

seus executores utilizaram algumas estratégias organizativas para se articular a comunidade.

Nosso primeiro contato com o segmento se deu a partir da Federação Pernambucana de Bicicross, que ao saberem da existência de uma Diretoria Geral de Esporte (DGE) buscaram apoio para um evento de BMX [modalidade do bicicross que se pratica em circuitos fechados de corrida com diversos obstáculos] que iria acontecer no Parque da Jaqueira, situado num bairro nobre da cidade. Com o apoio da DGE, logo a notícia se espalhou e começamos a receber reivindicações também de outras tribos. Primeiro vieram os skatistas, dos quais recebíamos o maior número de reivindicações. Reclamavam da falta de espaços próprios para a prática esportiva e reivindicavam principalmente a construção de uma pista de skate. Junto com eles vieram também os jovens dos patins e do bicicross que andavam nas ruas “amocegando” os ônibus. Depois recebemos os surfistas do bairro do Ibura, que solicitavam transporte para as praias do interior em função dos freqüentes ataques de tubarão que estavam ocorrendo nas praias do Recife. Finalmente conhecemos o grupo de Hip Hop “Êxito d’rua” que solicitavam apoio para realizar um trabalho social com jovens na periferia da cidade (SILVA, 2005a, p.180, grifos nossos). A cada conversa ficávamos sabendo também de diversos casos de violência contra os jovens, desde a apreensão dos skates por estarem correndo em lugares proibidos, até casos de espancamento policial por pura discriminação (SILVA, 2005a, p.180).

Esses primeiros contatos definiam as “‘tribos” a serem objetos de ação e as

dificuldades delas no dia-a-dia. Faziam os executores do PCPEL conhecerem a realidade da

juventude radical ao mesmo tempo que identificavam diferenças no que parecia convergir as

linguagens alternativas e radicais do esporte. Esses primeiros contatos ajudavam também na

circulação da informação de que existia uma política pública para esses seguimentos, o boca a

boca foi fundamental.

Durante essas primeiras conversas como os diferentes segmentos da juventude, começamos a perceber que, apesar de se apresentarem de maneira desarticulada, existia uma identidade comum entre as diferentes tribos. Observamos que o modo de vestir, o gosto musical, os pontos de encontro e os problemas cotidianos que enfrentavam eram aglutinados pelo movimento ‘Mangue Beat’. Então tivemos a idéia de elaborar um projeto que utilizando a linguagem “mangue”, desse relevo às práticas esportivas, artísticas e sociais dessas diferentes tribos. Então a idéia de chamar o projeto ‘Esporte do Mangue’ tentou seguir o legado do ‘Movimento MangueBeat’ que foi

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fruto de um grupo de jovens da periferia do Recife, provocando um estilo, uma discussão sobre os problemas sociais da cidade, através das letras das músicas, do jeito de vestir, do resgate de certos aspectos da cultura popular, que trazia na palavra mangue, uma identidade que chamava esses grupos para discutir seus problemas. A gente percebeu que os jovens demandantes, apesar da diversidade, possuíam uma identidade com o movimento mangue (SILVA, 2005a, p.181-182). Não tínhamos um conhecimento mais aprofundado sobre o cotidiano daqueles jovens. Entender suas linguagens era sempre um desafio para nós (SILVA, 2005a, p.188).

Desses primeiros contatos foi elaborado um primeiro projeto que tinha o objetivo de

realizar um grande encontro municipal, onde os jovens pudessem vivenciar práticas esportivas e artísticas, discutir seus problemas sociais, econômicos e políticos, e organizar suas reivindicações. O encontro então teria o caráter de sensibilização para a participação dos jovens nos processos decisórios da política municipal de esporte e lazer. Sabendo da resistência desses segmentos a participarem dos mecanismos de participação tradicionais, estávamos preocupados em construir formas que se adequasse a expressão dos diversos segmentos. Assim, a realização do I Encontro Municipal do Esporte do Mangue resumia o primeiro desafio da DGE junto à juventude da cidade, onde tudo estava por ser construído (SILVA, 2005a, p.182-183, grifos nossos).

A decisão do encontro, advinda de quem estava à frente da implementação do

Programa (do poder público), ainda à procura de caminhos para trabalhar com a juventude

radical, mostrava a necessidade do Projeto Esporte do Mangue reunir mais jovens, convergir a

força contestatória dos segmentos envolvidos para as instâncias de decisão do Estado e

dialogar com eles para continuar a concepção, principalmente em termos organizativos, de

como o projeto iria tomar corpo. Mesmo com esse caminho de articulação com a comunidade

em construção, algumas práticas de organização do projeto caracterizariam as atividades não

sistemáticas do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Para a realização do I Encontro Municipal do Esporte do Mangue houve

primeiramente convocações (fóruns) com o intuito de mobilizar e apresentar o projeto à

juventude, e conhecer os segmentos praticantes de esportes alternativos e radicais da cidade.

Essa convocação ocorreu por meio de telefonemas e distribuição de panfletos às lideranças

jovens, que espalhavam a informação em suas respectivas comunidades e entre suas redes de

contato. Algumas reuniões ocorreram no prédio-sede da Prefeitura no intuito de quebrar

receios entre a juventude e o poder público e dialogar sobre a proposta do I Encontro,

inclusive com a presença do Prefeito do Recife e do Secretário de Turismo e Esporte. Naquele

momento a legitimidade do PCPEL dentro da gestão municipal também estava por ser

construída.

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Após a convocação da juventude, principalmente as lideranças envolvidas com as

linguagens esportivas do projeto, para reuniões que resultaram num primeiro esboço de como

se organizaria o I Encontro Municipal do Esporte do Mangue, os executores do Projeto

Esporte do Mangue resolveram ir às comunidades.

Identificamos a necessidade de ir ainda mais perto dos jovens. Conhecer suas comunidades, os equipamentos de esporte e lazer nelas existentes, suas condições de mobilização e organização. Era preciso conversar também com os outros jovens que aquelas lideranças representavam. Era importante que eles também soubessem de perto o que estávamos fazendo. Muitos deles não participaram das outras reuniões [...] (SILVA, 2005a, p.194, grifos nossos).

Além de mobilizar mais pessoas, ir às comunidades tinha o intuito de aproximar os

educadores do projeto e a juventude da comunidade para mobilizar, organizar e coordenar

trabalhos para o I Encontro Municipal do Esporte do Mangue. Com o projeto em construção,

os executores buscavam conhecer as formas de organização da comunidade que os ajudariam

a mobilizar mais pessoas e realizar o Encontro. Em algumas comunidades já existiam

organismos juvenis que realizavam ações semelhantes às propostas de ação do projeto.

Ir às comunidades quebrava a tradição das ações das políticas públicas de esporte e

lazer, que funcionam por procura da comunidade, por períodos de inscrições para

campeonatos, em que a comunidade tem que ir ao órgão do poder público. Os encontros nas

comunidades, chamados de encontros regionais, obedeceram à divisão das seis regiões

político-administrativas do Recife, utilizando escolas públicas e outros espaços comunitários.

Encerrados os encontros regionais tínhamos cadastrado cerca de quinhentos e oitenta jovens. Os encontros serviram também para uma melhor divulgação do projeto, o que pudemos observar através do grande número de jovens que não participaram das reuniões e procuraram a DGE para se inscrever. Entretanto, o maior saldo foi o intercâmbio que fizemos com os jovens nos bairros (SILVA, 2005a, p.203, grifos nossos).

Depois dos encontros regionais foi então realizado o I Encontro Municipal do Esporte

do Mangue fechando a seqüência de ações do projeto. Os encontros regionais nos anos

seguintes se tornariam os Encontros da Juventude Radical e depois os Festivais da Juventude,

ação que antecede ao Encontro Municipal do Esporte do Mangue.

Em 2002, outro projeto voltado às comunidades era o esporte popular, embrião do que

viria a ser no ano seguinte o Projeto Futebol-Participativo. O Esporte popular visava apoiar

ações, no âmbito de esporte e lazer, realizadas por organizações populares tais como:

associações de bairro, centros esportivos populares, ligas esportivas, etc., promovendo cursos

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de aperfeiçoamento técnico, de arbitragem e organização esportiva; fornecimento de material

esportivo e de premiações; pagamento de arbitragem; realização de campeonatos de futebol

de bairro; promoção de escolinhas esportivas; realização de eventos esportivos e de lazer em

datas comemorativas (SILVA, 2005a). Em termos de ações, em 2002, houve apoio ao

campeonato aberto de futebol de várzea do bairro da Macaxeira (RPA-03) dentro de um

processo de retomada do Campo do União da Macaxeira, após mais de 20 anos sob a

administração de um morador da comunidade.

Essas primeiras ações mostraram o Projeto Círculos de Convivência Social, como

referência à proposta do PCPEL e fundamental para criar os primeiros laços com as

comunidades; o Esporte do Mangue como um grande catalisador da juventude radical, vista

com potencial de criar novas formas de organização coletiva na relação com o poder público,

e o Projeto Futebol-Participativo, fundamentado no futebol, esporte mais presente no histórico

dos programas governamentais voltados aos deporto, como uma incógnita, desenhando-se em

vista de se coadunar com a proposta do Programa.

Nos anos seguintes o Projeto Círculos de Convivência Social e Projeto Esporte do

Mangue continuaram como ações estratégicas de mobilização, organização e chegada às

comunidades.

[...] os Círculos de Convivência Social como o mais estratégico por permitir a operação dos demais projetos, em função de estar voltado aos diversos segmentos da população e por possibilitar uma melhor aproximação dos técnicos com o público alvo, facilitando a convivência destes com os demais participantes de outras modalidades esportivas. O Esporte do Mangue, embora atingindo uma clientela muito específica, possuía um significado muito especial por atender um segmento em situação historicamente discriminada e excluída. (SILVA, 2005a, p. 220, grifos nossos).

Silva (2005a, p.241-242) destaca no ano de 2003 a realização do II Encontro

Municipal do Esporte do Mangue pela visibilidade que deu à política de esporte e lazer,

reconhecida pela gestão municipal na presença do Prefeito do Recife. O contato com a

juventude mostrou-se importante para a organização adotada pelo Projeto Esporte do Mangue.

promoveu grande repercussão na cidade, dando boa visibilidade à Política de Esporte e Lazer com atenção a juventude participante do projeto Esporte do Mangue. Contou ainda com a participação do Prefeito do Recife e divulgação na mídia local. O encontro veio consolidar as novas demandas apontadas pelos diferentes grupos juvenis, como também, apresentou um novo formato que veio fortalecer a organização e participação de novos grupos juvenis.

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Em 2004, após três anos de atuação do PCPEL houve novas eleições. Nas reuniões da

Setorial Estadual de Esporte e Lazer do Partido dos Trabalhadores foram elaboradas diretrizes

orientadoras para planos de governo municipais tendo o reforço do que era realizado pelo

Programa, na primeira gestão do PT na cidade.

Diretrizes para formulação dos planos de governo municipais nas eleições de 2004 (1) Um projeto político integrado: cultura, lazer e esporte; (2) A garantia do direito ao esporte e lazer junto aos segmentos da população historicamente discriminados; (3) A Democratização, requalificação e ampliação dos espaços e equipamentos de Esporte e Lazer; (4) Uma nova compreensão da relação Esporte, Lazer e Saúde; (5) Uma Educação Física Escolar de qualidade; (6) A democratização do espetáculo esportivo; (7) Uma nova Legislação para o setor; (8) Uma nova atuação legislativa no setor; (9) Criar um programa de ampliação de quadro profissional para atuar no setor; (10) Possibilitar uma gestão participativa e democrática, descentralizada e baseada na transparência administrativa; (11) Desenvolver e/ou fortalecer programas de turismo esportivo; (12) Garantir uma gestão baseada com a cara do Partido dos Trabalhadores;

Fonte: elaboração própria com base em documentos internos do GEGM-GERALDÃO.

Quadro 4 (4) – Diretrizes para formulação dos planos de governo municipais nas eleições de 2004.

Dado esse panorama, evidencia-se que os primeiros três anos de atuação do Programa

Círculos Populares de Esporte e Lazer foram para o conhecimento da periferia e suas

especificidades, tanto em termos de carências e estrutura física, como de iniciativas

autônomas na área de esporte, lazer e cultura. Houve, por parte dos gestores do Programa,

busca de reconhecimento das comunidades, principalmente da juventude radical, e da própria

gestão municipal. Junto a isso houve uma preocupação com a formação de quadros para

trabalhar nas atividades. Os projetos que tiveram maior atenção foram os Projetos Círculos de

Convivência Social e Esporte do Mangue. O Futebol-Participativo dava os primeiros passos.

Na questão administrativo-orçamentária algumas dificuldades foram apontadas no fim

da primeira gestão.

O projeto Esporte do Mangue e todo o programa Círculos Populares de Esporte e Lazer se desenvolveram sob uma precária estrutura político-administrativa, com grandes dificuldades a serem enfrentadas pela jovem equipe da DGE. A começar pela informalidade com que seus gestores se submeteram para iniciar o trabalho no ano de 2002 (SILVA, 2005a, p. 242). Não só a estrutura administrativa, mas também a precariedade da estrutura física, onde funcionou a DGE, gerou grandes dificuldades no desenvolvimento do programa (SILVA, 2005a, p. 252).

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No ano de 2002, de fato o orçamento da DGE sofreu vários cortes, mas que foram recuperados, nos anos posteriores, em função da repercussão política que o projeto estava tendo [...] (SILVA, 2005a, p. 253).

A repercussão política se mostrou importante para a continuidade das ações,

articulação com outras secretarias do governo e aumento de recursos para a ampliação das

atividades.

[...] o projeto tornou-se vitorioso na base da política. Aos poucos [...] foi ganhando peso político, chegando ao status de programa estratégico da gestão, quando foi formado um grupo de gestão intersetorial, composto por diferentes Secretarias, o que melhorou sensivelmente o funcionamento, que teve uma atenção maior (SILVA, 2005a, p. 254-255). Com status de programa estratégico, o orçamento foi sendo ampliado ano a ano. Em 2001 o orçamento do programa Círculos Populares de Esporte e Lazer foi de R$ 150.000,00, subiu para R$ 374, 577,00 em 2002, passou para R$ 1.902.500,00 em 2003, terminando em 2.500.000,00 em 2004. O Esporte do Mangue acompanha a evolução desse quadro (R$126.277,00 em 2002, R$ 291.500,00 em 2003 e R$ 305.000 em 2004) (SILVA, 2005a, p. 255).

O anseio inicial de unificação da política, as dificuldades administrativo-orçamentárias

e a consolidação de uma política de esporte e lazer, enquanto ação estratégica da gestão

municipal, foram alguns dos aspectos considerados para o novo rumo do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer na segunda gestão do PT. Rumo que se coadunou com novas

atribuições, advindas da reforma administrativa realizada pelo governo municipal em 2005,

para a política de esporte e lazer do Recife.

Eu diria que 2001 a 2004 foi uma gestão de formulação de metas, de elaboração de projetos, de concepção, de estudar a cidade. Porque você tinha um campo aberto, você tinha que sair pesquisando, colhendo informação pra você montar uma intervenção. E aí, o resultado dessa primeira gestão foi que o Ginásio Geraldão passou a ser um órgão responsável pela política de esporte e lazer de toda a cidade. E aí com algumas atribuições (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 06/02/2006).

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4.3 O Programa numa (velha) estrutura organizacional

Quando esta pesquisa tem início, em junho de 2005, a execução do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer não é mais responsabilidade da Diretoria Geral de Esportes. Em

2005, primeiro ano do segundo mandato do Partido dos Trabalhadores na cidade, tendo

novamente João Paulo Lima e Silva como Prefeito, a reestruturação institucional da Prefeitura

desvincula a pasta de esporte e lazer da Secretaria de Turismo e Esporte e a coloca na nova

Secretaria de Educação, Esporte e Lazer. A pasta de esporte e lazer, vinculada à Secretaria de

Educação, Esporte e Lazer, tornou-se responsabilidade do Ginásio de Esportes Geraldo

Magalhães, a autarquia responsável pelo planejamento e execução de todas as ações do

município relacionadas à política de esporte e lazer.

A partir de então, o PCPEL é implementado de uma grande estrutura física (um órgão

central) em direção às comunidades, após três anos de ações sem muitos formalismos que

proporcionaram aos gestores um conhecimento maior da realidade da periferia, das lideranças

comunitárias e, principalmente, das experiências organizativas desenvolvidas nas

comunidades relacionadas às linguagens e seguimentos trabalhados.

O Geraldão é o ginásio que normalmente tinha enquanto suas atribuições cuidar de si próprio, cuidar da infraestrutura, oferecer atividades esportivas aqui no local [...]. O Geraldão cuidava dele mesmo e como na Diretoria Geral de Esportes nós desenvolvemos o Programa Círculos Populares, Esporte do Mangue, fizemos pesquisas, começamos a identificar as potencialidades do setor. Isso recebeu uma importância bastante significativa do Prefeito e o Prefeito, então, na reforma administrativa, resolveu passar todas as ações da Prefeitura pra um órgão só [...]. Então, viemos pra o Geraldão com a missão de transformar o Geraldão numa autarquia responsável pelo desenvolvimento da política de esporte e lazer pra toda a cidade. Então [o] Geraldão [em] 2005 [pass]a ser o núcleo irradiador da política de esporte e lazer (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 17/04/2007).

A implementação dos projetos do PCPEL foi aglutinada às atividades relacionadas às

novas atribuições do GEGM-Geraldão: (a) promover e incentivar a realização de atividades

esportivas e de lazer no âmbito do município; (b) promover o intercâmbio de ações na área de

esporte e lazer com outros municípios, estado, órgãos federais e instituições internacionais;

(c) criar sistema de parceria com empresas privadas para execução de atividades esportivas e

de lazer; (d) viabilizar junto aos órgãos municipais – escolas, centros regionais e demais

equipamentos públicos a realização de ações de parceria para lazer e recreação entre o seu

público-alvo, integrantes de atividades esportivas e de lazer, associações comunitárias e as

federações de esportes e clubes; (e) gerenciar a programação de esporte e lazer em

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equipamentos públicos tais como ginásios, praças, parques e campos de várzea; (f) coordenar

e articular a política de esporte e lazer junto aos órgãos municipais; (g) incentivar a produção

de conhecimento, o aprimoramento de práticas e a preservação da memória no âmbito dos

esportes e do lazer no município do Recife (RECIFE, 2005).

Com essas novas responsabilidades os aparatos de estrutura administrativa e

organizacional, além do acompanhamento das atividades do Programa, foram modificados. A

informalidade que caracterizou os primeiros anos de ação na DGE foi substituída por uma

estrutura de cargos (comissionados), que permitiu trazer mais pessoas para implementar não

só o PCPEL, como as outras atribuições do GEGM-Geraldão. Além disso, os gestores do

PCPEL tiveram que dividir os esforços de gerentes, coordenadores e educadores com outras

ações, ainda responsabilizando-se pela gestão, manutenção e implementação das atividades de

esporte e lazer do ginásio.

Em junho de 2004 havia ocorrido a I Conferência Nacional do Esporte com a

participação de gestores da política municipal e representantes da sociedade civil do Recife.

A Primeira edição da Conferência Nacional do Esporte teve como resultados a indicação das potencialidades e dificuldades do Esporte Nacional, a aprovação dos referenciais para uma nova Política Nacional do Esporte, a Resolução de criação do Sistema Nacional do Esporte e do Lazer e, ainda, as Propostas de Ação para cada um dos eixos temáticos que integram o Documento Final da Conferência. Essas indicações, somadas aos resultados do Diagnóstico Esportivo Nacional, a outros estudos existentes e à consulta à legislação esportiva, formam uma base consistente para levantar os pilares da nova Política Nacional do Esporte, que se legitima democrática pela sua construção em parceria com a comunidade esportiva (entidades de prática e de administração esportiva, atletas, técnicos, dirigentes), com os gestores das esferas municipal, estadual e federal, com as universidades, entidades de classe, sindicatos, associações, movimentos sociais e sociedade em geral (BRASIL, 2006, P.8, grifos nossos).

Em 14 de junho de 2005, o Conselho Nacional do Esporte, aprovou a Política

Nacional do Esporte. Nesse momento acontecia o processo de transição e reestruturação

organizacional e de pessoal da política de esporte e lazer do Recife, indicando a influência das

diretrizes nacionais em suas ações, que também se refletiu nas próprias atribuições do

GEGM-Geraldão.

A pasta de esporte e lazer da Prefeitura, que no primeiro mandato implementou

prioritariamente aquilo que a Lei Desportiva Nacional (Lei 9.615/98) denomina desporto de

participação, por meio do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer, a partir de 2005

passa a trabalhar com as três formas de manifestação do desporto prevista na Lei: o desporto

educacional, o desporto de participação e o desporto de rendimento.

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Em novembro de 2005 foi lançado o Projeto Geraldão Melhor com o objetivo de

melhorar as condições físicas, administrativas e de serviços do ginásio. As linhas de ação

foram as reformas administrativa e estrutural, assim como a ampliação da programação. O

ginásio estava com sua estrutura comprometida, sendo necessárias algumas intervenções.

Entre o final de 2005 e ano de 2006 foram recuperados sanitários, alojamentos, a piscina,

bebedouros e implementado plano de limpeza e manutenção e reforma das placas da fachada.

Após o lançamento do projeto, conseguiram substituir o placar eletrônico, recuperar as

cadeiras, reparar infiltrações da cobertura, substituir sistema de som e pintar todo o Ginásio.

Sua reinauguração ocorreu em maio de 2006 e, desde então, abriga programação de atividades

que inclui projetos do GEGM-Geraldão e apoio a eventos de federações locais. Algumas

vezes é alugado para eventos que servem como fonte de renda para o setor de esporte e lazer e

para a própria manutenção do ginásio.

Em termos organizacionais a seguinte estrutura começava a ser implementada:

Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 3 (4) - Organograma do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães.

Com essa nova estrutura o Diretor geral da DGE tornou-se Diretor-Presidente do

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, a antiga coordenação de apoio pedagógico tornou-se

Assessoria Técnica (inclui Assessorias Político-Pedagógica, de Promoções, Jurídica e da

Presidência). A Assessoria Político-Pedagógica é responsável pelo Projeto de Formação

Continuada. A Diretoria Administrativo-Financeira é remanescente da antiga estrutura do

ginásio. Como autarquia o GEGM-Geraldão precisa formar Comissão de Licitação.

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Abaixo das diretorias, principais responsáveis pela implementação dos projetos do

PCEL foram criadas gerências: a) Gerência de Projetos Sistemáticos e Gerência de Eventos de

lazer na Diretoria de Lazer e Cidadania; b) Gerência de Esporte de Rendimento e Gerência de

Esporte Comunitário na Diretoria de Esporte Amador; c) uma Gerência de projetos

Sistemáticos e Eventos de Juventude na Diretoria de Esporte e Juventude (a partir de 2006),

apesar de no organograma constar duas.

Você tem a formalidade, mas você tem o jogo que o dia-a-dia chama você para fazer, então se eu fosse pensar uma única gerência de eventos eu não ia atender a particularidade das diretorias, se eu fosse pensar a partir da pulverização, da fragmentação das gerências de eventos eu não poderia atender a globalidade da política, então a gente vai tá sempre tendo que mexer (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

A Gerência de Gestão de Equipamentos, informalmente chamada de diretoria de

gestão, é a responsável pelo Projeto Rede Física, tendo um gerente responsável pela

manutenção do ginásio e outro pelos espaços administrados nas comunidades.

Abaixo das gerências existem ainda as gerências operacionais (ou coordenadores de

área), os educadores (professores, estagiários de educação física e educadores sociais

advindos da comunidade) e agentes comunitários (monitores). São esses últimos que têm um

maior contato com as comunidades, tanto nas atividades sistemáticas como nas eventuais.

Considerando as novas atribuições da política de esporte e lazer, nesta pesquisa, a

preocupação principal foi com aquilo que a política buscou trazer de novo no histórico das

políticas públicas de esporte e lazer do município. Nesse sentido optamos pelo estudo do

Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer, programa voltado ao que a Lei Desportiva

Nacional denomina de desporto de participação e na Política Nacional do Esporte se entende

por Esporte de Lazer ou Recreativo que

expressa, na adjetivação do conceito de esporte, a compreensão de que em sua realização deve prevalecer o sentido lúdico, caracterizado pela livre escolha, busca de satisfação e construção, pelos próprios sujeitos envolvidos, dos valores ético-políticos a serem materializados. Ele se realiza em limites temporais e espaciais do lazer como expressão de festa e alegria. Por meio dele o ser humano só vivencia situações esportivas lúdicas e prazerosas, seja em pequenos grupos ou em multidão (BRASIL, 2006, P.12).

Para isso, o PCPEL procura, além de trazer conteúdos ligados diretamente às

linguagens esportivas, recreativas e de lazer, agregar manifestações culturais e linguagens

alternativas que recebem influência de um movimento político-cultural reconhecidamente

local, o Movimento Manguebeat.

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Assim, nesta pesquisa, ao analisarmos como os elementos transformadores do discurso

do PCPEL se concretizam nas práticas de organizar dos círculos populares (seus projetos)

aborda-se na próxima seção o que compreendemos como os elementos transformadores do

discurso do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

4.4 No discurso do Programa: os elementos

transformadores

[...] a gente não acredita numa hierarquização das necessidades. O homem é necessidade do estômago e da fantasia ao mesmo tempo [...]. A nossa luta, na minha concepção e, na concepção que em certa medida eu divido com o pessoal que a gente trabalha, vê o seguinte: a gente tá vivendo um momento de crise do capitalismo que tem um fundamento básico que é a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto [...]. Então o que é que resta pra gente mudar a sociedade? [...] Hoje a gente tem condições de pensar numa cultura do tempo livre, numa cultura do ócio, numa cultura da expansão da consciência como diz Chico Science, e por outro lado pensar que esse objetivo maior de uma sociedade humanizada, justa e igualitária passa pela redução da jornada de trabalho e aí o tempo que a gente vai utilizar cada vez maior e o tempo do trabalho cada vez menor vai ser utilizado pra quê? Pra uma cultura do tempo livre, pra o homem fazer aquilo que ele foi criado principalmente pra fazer, que é pensar, que é fazer ciência, que é fazer arte, que é fazer cultura, então do ponto de vista estrutural a crise do capitalismo tá nos dizendo abandonem a cultura do trabalho alienado e tá nos dizendo abracem a cultura da preguiça, a cultura da [...] arte, da ciência, do trabalho intelectual, isso do ponto de vista macroestrutural. Agora entre o conceito de homem e a crise estrutural que a gente tá vivendo existe uma parte estratégica e tática, na medida em que você reclama o direito ao lazer, você reclama também o direito a outras esferas da vida (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Essas primeiras palavras, de um dos autores da proposta do Programa, explicitam o

problema mais amplo em que se insere a conquista do tempo livre e sua importância como um

momento para a criação humana. De caráter estrito, já que essa questão envolve aspectos

estruturais da sociedade, como o trabalho, o PCPEL é criado como uma estratégia do poder

público municipal para estimular a conquista do tempo livre, através da reclamação do direito

constitucional ao lazer, de maneira que isso repercuta numa tomada de consciência para a

reclamação de direitos de outras esferas da vida em sociedade.

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Consideramos elementos transformadores do discurso político/programático do PCPEL

aqueles que transmitem possibilidades de mudanças na maneira como as comunidades

interpretam a si mesmas de maneira que vislumbrem novas possibilidades de organização do

cotidiano, principalmente no âmbito de reivindicação política, a partir de atividades lúdico-

desportivas e culturais, de suas iniciativas, complementadas pelas ações dos projetos do

Programa.

Conforme Silva e Silva (2004, p.19), “o lazer crítico deverá promover um processo de

tomada de consciência histórica da realidade”, de maneira a “impulsionar o surgimento de

círculos populares e democráticos capazes de organizar, de forma ‘audeterminada’, seu tempo

de lazer, ao mesmo tempo em que se engajam na luta política pela democratização da

cultura”. Nesse sentido, o PCPEL busca mudar a realidade das comunidades da periferia do

Recife através de uma educação para o tempo livre. Uma proposta de compreensão do lazer

“como um espaço/tempo sistemático e planejado, no qual as pessoas possam ludicamente

desenvolver aprendizagens sociais que contribuam para sua autodeterminação no campo da

cultura, da política e da economia” (SILVA; SILVA, 2004, p. 11).

Em reforço ao que foi abordado em seções anteriores, quando de alguma maneira foram

pinçados os elementos transformadores do discurso do PCEL, citam-se abaixo alguns deles

retirados dos dados secundários (exceto das pesquisas-ação) que subsidiaram esta pesquisa:

(a) Unir, por meio da organização de círculos populares, consciência crítica e vontade

coletiva, o lúdico e a autodeterminação, a política e o lazer, numa perspectiva emancipatória;

(b) Articular e apoiar organizações populares, oferecendo atividades sistemáticas com o

acompanhamento de educadores populares, tendo em vista a construção do protagonismo

social;

(c) A partir do acesso ao conhecimento da cultura corporal e das artes, abrir

possibilidade de produção de formas autônomas e autodeterminadas de lazer;

(d) Rejeitar a recorrência simplista aos modelos importados e desenraizados,

privilegiando o desenvolvimento crítico das iniciativas oriundas das camadas populares;

(e) Fortalecimento da luta comunitária pela democratização, preservação e ampliação

dos espaços e equipamentos públicos e potenciais de esporte e lazer, principalmente das áreas

populares da cidade;

(f) Formação de círculos de convivência que integram diversas gerações, como fator

decisivo para a mobilização, a auto-organização e a politização da comunidade;

(g) Articular a ação de professores de Educação Física com agentes comunitários de

esporte e lazer, promovendo um diálogo entre o saber sistematizado e o saber popular.

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Em essência a proposta do Programa se reflete no seguinte discurso do Diretor-

Presidente do GEGM-Geraldão: “formar círculos de convivência, que esses círculos

construam vínculos, que esses vínculos sejam transformados de coisas lúdicas pra coisas

reivindicativas do ponto de vista político tanto pra área de esporte quanto pra outras coisas”

(Dito, em 31/05/2006, em reunião geral com a presença de assessores, diretores, gerentes,

coordenadores, educadores e monitores, ocorrida numa sala de reuniões do GEGM-Geraldão).

Apresentados alguns dos elementos transformadores do discurso, na próxima subseção

far-se-á a identificação das práticas de organizar do Programa a partir do que foi observado na

execução dos projetos estudados, complementando a análise com as entrevistas realizadas.

4.4.1 Práticas de organizar: os projetos em ação

Conforme desenvolvido no capítulo teórico, nesta Pesquisa, práticas de organizar são

ações de organização forjadas na sociedade civil (organizada), isto é, no “ ‘corpo’ mais amplo

da sociedade”, que são trazidas para uma esfera institucional de poder, mostrando potencial

modificador das características tradicionais do que seja o organizar (a estrutura burocrática e

seus processos) e da organização social mais ampla na relação Estado-Sociedade.

Evidenciar-se-á os três principais projetos do Programa voltados para ações diretas nas

comunidades, ou seja, o Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer), o Projeto Esporte

do Mangue e o Projeto Futebol-Participativo. Optou-se em priorizar a análise das atividades

de lazer do Projeto Círculos de Convivência Social de maneira a serem contempladas nesta

pesquisa todas as linguagens trabalhadas no Programa. A área esportiva foi trabalhada com a

observação das ações do Projeto Futebol-Participativo; Os esportes radicais e elementos da

cultura hiphop nas ações do Projeto Esporte do Mangue, e as atividades de lazer (ginástica,

dança e artes) em algumas ações do Projeto Círculos de Convivência Social.

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PROJETO CÍRCULOS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL (DE LAZER)

Esse projeto iniciou as primeiras ações do PCPEL nas comunidades. É o responsável

pelas atividades sistemáticas e o que mais se aproxima, em suas práticas cotidianas, da

proposta pedagógica do Programa. Nele as ações sistemáticas envolvem também ações não

sistemáticas (encontros, espetáculos), também conhecidas como momentos de catarse.

Nosso primeiro contato com suas atividades nas comunidades ocorreu em 2006. Antes

das visitas acompanhamos a primeira reunião pedagógica11 do ano, atividade da assessoria

político-pedagógica, responsável pelo Projeto de Formação Continuada. Na reunião foi

entregue uma folha a todos os presentes com o seguinte título: “organização geral das

atividades sistemáticas de esporte, lazer e juventude12”, que além do cronograma de reuniões

(gerais e pedagógicas) e os cursos de formação continuada até o fim do ano, continha alguns

encaminhamentos, entre eles o que é citado abaixo, que buscavam indicar meios para

qualificar as ações das atividades sistemáticas do projeto nas comunidades.

As atividades sistemáticas dos Círculos Populares de Esporte e Lazer deverão se consolidar enquanto serviço de qualidade prestado à população do Recife, tanto do ponto de vista quantitativo (potencializando a capacidade de atendimento), quanto do ponto de vista qualitativo (perseguindo os princípios para uma intervenção emancipatória).

A qualidade (“manter e qualificar”) foi o lema, em 2006, das ações do Programa, que

acompanhava diretrizes da gestão da Prefeitura Municipal do Recife.

É saber que o trabalho não tá concluído. Eu acho que João Paulo foi muito feliz quando diz que esse ano [2006] a gente tem que preservar pela qualidade do trabalho da gente, porque trabalho já teve, já foram quatro anos de gestão, já foi iniciado, a gente já conseguiu democratizar, já conseguiu tornar mais acessível às pessoas. E agora eu acho que é dá qualidade mesmo, como é necessário na educação, como é necessário na saúde (Diretor de Esporte Amador, em 08/02/2006).

11 Criada com o intuito de ser um espaço de esclarecimento e discussão da proposta pedagógica do Programa e sua concretização na prática cotidiana dos projetos, principalmente, das atividades sistemáticas (os círculos de convivência social). O trabalho dos educadores, que estão cotidianamente nas comunidades, é o principal alvo de discussão. Porém, participam diretores, gerentes, coordenadores e educadores envolvidos com o Programa e com as atividades do Geraldão. 12 Documento aprovado pelo colegiado da autarquia Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (GEGM-Geraldão). O colegiado é o instrumento organizacional, onde são tomadas as decisões mais importantes em relação às prioridades da política municipal de esporte e lazer. Dela participam, com direito a voto, o diretor-presidente, os assessores e os diretores. Todo início de ano também acontece o Planejamento Coletivo do ano (prioridades, melhorias, realização de novos projetos, entre outros) e neste participam as pessoas até o nível de coordenação (os educadores não participam). Este planejamento é realizado com base no monitoramento, no balanço coletivo realizado antes do planejamento, no plano de governo e outros materiais de apoio como Atlas do desenvolvimento humano de Recife, entre outros meios.

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Esse processo fez parte de uma reorganização das atividades sistemáticas do PCPEL,

que em 2006 foram desmembradas em esporte, lazer e juventude. Na reunião pedagógica

predominou o debate em relação às dificuldades administrativas (operacionais) de execução

do Programa.

aqui o relacionamento humano foi sobreposto ao processo burocrático. Burocracia cruel, perversa, que não foi criada com base em nossos valores [humanos] (Coordenador das linguagens artísticas da Diretoria de Lazer e Cidadania, único no GEGM-Geraldão que ocupava aquela posição e era reconhecido pela sua formação popular).

Da reunião depreendemos que no dia-a-dia de suas atividades os educadores não

separavam um período para estudo e reflexão sobre os princípios do Programa e como

estabelecê-los em suas práticas cotidianas. Na reunião, pela primeira vez, escutamos as

pessoas que estavam cotidianamente nas comunidades, relatando experiências do dia-a-dia e

as dificuldades enfrentadas nas atividades sistemáticas.

A partir de 2004 a ação do projeto em direção às comunidades mudou. Ao em vez de

ir às comunidades dialogar sobre o conteúdo que os participantes desejasse, passou a oferecer

atividades sistemáticas por conteúdos antecipadamente definidos. Esse processo teve relação

com as dificuldades encontradas nos primeiros anos, quando os professores tentavam planejar

coletivamente com os participantes dos círculos o rodízio de linguagens, mas também com

mudanças de ordem organizacional com ida do PCPEL para o GEGM-Geraldão em 2005.

Quando a gente começou em 2002 [...] A gente formava os círculos de convivência na comunidade e nesses grupos a gente fazia um planejamento participativo onde os participantes escolhiam qual o conteúdo que eles queriam trabalhar. A partir do conteúdo que eles queriam trabalhar a gente ia trabalhando três em três meses cada conteúdo, desses três meses a gente fazia um festival, se a gente trabalhou o conteúdo do futebol três meses quando a gente terminava o conteúdo a gente fazia um festival de futebol, a gente chamava de festivais temáticos na época. Era exatamente o momento de catarse e a catarse ela se dava a partir dos conteúdos trabalhados (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

No início de suas ações o projeto também trabalhava com linguagens esportivas, mas

foi no trabalho com linguagens artístico-culturais que os círculos de convivência social

enfrentaram resistência nas comunidades, onde os participantes queriam esportes tradicionais

como o futebol.

[...] a gente trabalhava planejamento participativo muito voltado pra questão do conteúdo e o conteúdo que normalmente eles se propunha a trabalhar era os conteúdos que eles tinham mais conhecimento então sempre ia recair ou no futebol, ou na ginástica, com aquela perspectiva de futebol de eu ser um jogador e na ginástica de melhorar minha performance e a gente vinha trabalhando pra que isso mudasse. [...] a questão do futebol era muito

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imbuída nas comunidades e a questão da ginástica também (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Após alguns anos de atuação, as linguagens trabalhadas voltaram-se basicamente à

ginástica, à dança (popular e de salão) e às artes (teatro, percussão e artesanato). Eram essas

que predominavam quando visitamos as atividades sistemáticas em 2006.

Pela cultura da cidade, pela demanda que vem construindo a partir da cultura da própria cidade; Pela objetividade dessas linguagens, objetividade que eu digo, pela facilidade que a gente tem de trabalhar [...], o próprio ponto de vista das pessoas que trabalham com a gente, que são os educadores e também pela parte administrativa que a gente tem e pela demanda que tem dentro da cidade. Essas foram as linguagens que mais se identificaram digamos assim com as comunidades (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Essas linguagens têm suas respectivas particularidades e envolvem segmentos

diferentes. A ginástica, por exemplo, é caracterizada pela grande presença de mulheres e

freqüentada predominantemente por idosos. As outras linguagens voltam-se para infância e

juventude.

2002 era o seguinte, a gente trabalhava com núcleos, então o núcleo, [...] tinha o professor da infância, professor da juventude, professor de adulto/idoso. Todo mundo trabalhava naquela comunidade em horários diferentes, era um núcleo que tinha mais ou menos sete pessoas e trabalhava respectivo àquela comunidade. Talvez até isso ficasse mais fácil na mobilização, porque se juntava as sete pessoas que se propunha a fazer a mobilização, ia todo mundo junto, e todos eles conheciam as comunidades, conheciam as lideranças comunitárias e era a partir das lideranças que a gente fazia a mobilização (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Essa ação, com mobilização de pessoas nas comunidades pelas lideranças

comunitárias, marcou a chegada do PCPEL nas comunidades. A mudança de atuação, não

mais por núcleos, foi uma decisão dos gestores do GEGM-Geraldão, quando perceberam que

poderiam atender às comunidades com um menor número de educadores. Além disso, a

organização das atividades estava dispersa, não havendo controle do trabalho dos educadores,

que contribuía para que alguns deles organizassem as atividades na comunidade de acordo

com suas respectivas disponibilidades e não de acordo com as necessidades dos participantes.

Alguns constavam como educadores, mas não compareciam às comunidades.

Esse processo de reorganização teve contribuição do sistema de monitoramento e

avaliação13 do PCPEL que começou a ser implementado em meados de 2005.

13 Em 2006 houve um processo de implementação mais ampla incluindo um formulário para os educadores, mas houve muitas dificuldades, principalmente por parte dos educadores populares que não conseguiam entender as linguagem formal do formulário. Atualmente o sistema não está sendo implementado.

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Hoje muda um pouco isso, primeiro por que a gente trabalha por áreas e as áreas são muito mais abrangentes do que os núcleos, elas abrangem outros bairros, outras comunidades e não trabalha todo mundo junto dentro daquela comunidade. Por outro lado a gente abrangeu a nossa atuação. Hoje a gente atua em muito mais comunidades do que quando a gente atuava em núcleos. Normalmente não tem uma equipe de sete pessoas pra mobilizar aquela comunidade, normalmente é aquele professor que mobiliza pra sua turma, por outro lado o Programa é muito mais conhecido do que quando a gente iniciou em 2002 (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

A reorganização por áreas, por exemplo, nos permitiu observar as atividades

sistemáticas do Projeto Círculos de Convivência Social de bairros circunvizinhos. Visitamos

as atividades da Área14 3, que abrangia as seguintes localidades: Torre, Iputinga, Torrões,

Engenho do Meio, Cordeiro15 e Prado (Todos na RPA-4).

Com a nova organização o professor/educador adquiriu maior responsabilidade na

mobilização das comunidades. Essa forma de atuação foi viabilizada também pelo fato do

projeto recrutar ao longo dos anos, além de professores de Educação Física, educadores

populares advindos das comunidades. Ambos são responsáveis pela mobilização e procura de

possíveis locais para as atividades, principalmente quando não existe espaço na comunidade

administrado pelo GEGM-Geraldão por meio do Projeto Rede Física. Nesse processo, os

educadores populares (ou sociais) se tornaram importantes elos de comunicação e articulação

do GEGM-Geraldão com as comunidades. Eles geralmente têm uma experiência comunitária

no conteúdo em que trabalham. No PCPEL trabalham em linguagens artístico-culturais como

artesanato, dança, teatro de rua, percussão, no caso dos círculos de lazer; esportes radicais e

elementos da cultura hiphop, nos círculos de juventude. Conteúdos que sofrem muitos

preconceitos e para os quais é escasso o oferecimento de formação específica pela educação

formal, seja em escolas, seja em universidades.

Além dos professores e educadores populares a organização dos círculos de

convivência social em direção às comunidades conta com um coordenador, que semanalmente

tem uma reunião específica16 com os educadores da área da cidade, ou da linguagem, no caso

14 As áreas tentam seguir a divisão que a Prefeitura fez da Região Metropolitana de Recife em seis regiões político-administrativas. As diretorias fizeram algumas adaptações para facilitar a organização das suas atividades nas comunidades. 15 O autor desta pesquisa mora no Cordeiro há cerca de 20 anos e a escolha da área levou em consideração não só o seu maior conhecimento dos bairros da área 3, como a própria viabilidade das visitas para o tempo que tínhamos para realizar a pesquisa de campo. Seria muito difícil fazer visitas a uma região distante e, além disso, que não tivéssemos a mínima familiaridade. 16 As reuniões específicas ocorrem uma vez por semana e participam dela o coordenador da área (ou da linguagem) e os educadores que estão à frente das atividades nas comunidades. São utilizadas para planejamento e acompanhamento das atividades, para escutar as dificuldades enfrentadas pelos educadores, para repassar recomendações da diretoria e podem ser utilizadas para estudo. Pode numa mesma área, por exemplo, existir um

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dos círculos de convivência de lazer, pelas quais é responsável. Essas reuniões ocorrem uma

vez por semana, geralmente em espaços na comunidade após as atividades do período da

manhã. O coordenador de área é uma espécie de “olho” das diretorias funcionais (esporte

amador; lazer e cidadania; esporte e juventude) nas atividades dos educadores nas

comunidades. Ele leva as reivindicações e dificuldades dos educadores em relação às

atividades, tanto em termos administrativos como pedagógicos, para sua respectiva diretoria e

traz decisões e orientações da diretoria para os educadores. Além disso, sintetizam as

informações da área e as colocam no sistema informatizado de monitoramento e avaliação do

PCPEL, ajudam os educadores no processo de escolha de espaços, levam reivindicações da

comunidade para diretoria e ajudam na indicação de educadores comunitários existentes na

comunidade para trabalhar no projeto.

O processo de avaliação das atividades é predominantemente baseado no que os

coordenadores vêem nas suas visitas e no que os educadores falam para aqueles durante as

reuniões específicas. A partir disso, os coordenadores preparam um relatório não-estruturado

utilizado como base para as reuniões com gerentes e diretores, como também para alimentar a

seção do sistema de avaliação e monitoramento pela qual é responsável. A opinião do

educador combinada com o olhar do coordenador tornam-se centrais para a avaliação das

ações. Os educadores são avaliados também por um diário de bordo onde colocam

informações sobre conteúdo, metodologia, materiais utilizados e avaliação das atividades que

realizam em suas atividades nas comunidades. Os educadores populares têm muitas

dificuldades de preencher esse diário, pois não entendem os elementos formais (metodologia,

objetivo) que o conformam. Para isso precisam da ajuda do coordenador e de educadores com

formação superior.

A mudança de atuação nas comunidades fez com que as ações do projeto ficassem

mais centralizadas no GEGM-Geraldão. Ao invés de ir às comunidades, os gestores do projeto

priorizaram esperar a comunidade ir ao ginásio solicitar atividades, modificando a

característica do início do projeto de ir às comunidades e, a partir do cotidiano dessas, iniciar

a implementação de atividades.

E outra coisa a gente atende hoje pela demanda, então a demanda é construída antes de a gente entrar na comunidade. Pra gente encaminhar um educador pra tal comunidade normalmente vem uma liderança já com um grupo que tá querendo aulas de ginástica, já vem com uma listagem, abaixo assinado alguma coisa assim, o espaço já previsto, já com tudo previsto, a

coordenador para os círculos de esporte e outro para os de lazer. Aas reuniões podem acontecer em espaços na comunidade ou nas instalações do GEGM-Geraldão.

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gente encaminha o educador, o educador só tem mais que organizar aquele grupo. Antes não, a gente ia, construía a demanda pra construir um grupo, hoje a gente já trabalha mais ao inverso a demanda vem primeiro e o educador vai, esse tá sendo o processo de implementação pela demanda que existe no local (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

A chegada ao Geraldão é vista pelos gestores do projeto como algo positivo,

principalmente, pela estrutura de trabalho proporcionada pelo ginásio, juntamente à

reorganização administrativa das atividades do Projeto Círculos de Convivência Social que

proporcionou às linguagens de lazer (Ginástica, Dança e Artes) uma ação mais concentrada.

[...] primeiro pela própria estrutura física do trabalho [...], hoje cada Diretoria tem a sua estrutura, isso facilita a comunicação, isso facilita até o envolvimento da gente com a comunidade, com os grupos. Também a divisão por linguagem dentro dessa estrutura daqui, digamos assim que ele condense mais, objetive mais a linguagem de lazer e cidadania, faz com que a gente tenha mais o olhar, seja mais objetivo pra aquele tipo de linguagem, pra aqueles grupos que a gente quer construir, pra o objetivo que a gente quer construir. Essa estrutura que a gente tem a gente tem possibilidade maior de sistematização, consegue sistematizar melhor os projetos, consegue fazer uma avaliação melhor deles, consegue se reunir melhor e discutir dentro pra a partir daí a gente ter respostas pra comunidade e fazer com que eles criem esse diálogo com a gente, esse vínculo também entre a comunidade e o Geraldão, que isso ainda tá sendo construído (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

No entanto, o processo de ida para o GEGM-Geraldão gerou alguns problemas na

organização cotidiana das atividades. Alguns educadores reclamaram da distância que o

projeto criou com a comunidade indo para o Ginásio, outros abordaram o trabalho solitário e,

principalmente os professores de Educação Física, falaram da limitação de trabalharem

apenas com um conteúdo17.

Esse processo também gerou dificuldades no relacionamento com a comunidade.

Agora não, agora muito menos, mas no início as pessoas não conseguiram associar o que eles tavam fazendo na comunidade nas atividades de esporte e lazer com o Geraldão até por que isso foi uma coisa que a gente construiu a partir dessa política. E aí eles criam esse vínculo com a gente, eles vêm aqui na Diretoria, não só a gente que vai lá comunidade, que tem o dia-a-dia lá os coordenadores, os professores, mas eles criam esse elo também, eles vêm aqui, eles sabem quem procurar, dizem o que é que tão precisando, [...], então esse foi um vínculo que fica estabelecido entre a comunidade e o Geraldão (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

17 Se estiverem na Diretoria de Lazer e Cidadania só podem trabalhar com lazer. Na Diretoria de Esporte Amador só podem trabalhar com conteúdos esportivos. Nas atividades sistemáticas da Diretoria de Esporte e Juventude não há professores de Educação Física.

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Mesmo com a ida para o GEGM-Geraldão o projeto não deixou de lado o processo de

mobilização da comunidade, no sentido de ir à comunidade e não somente esperar a

solicitação de uma demanda. A ida às comunidades continua recebendo apoio de lideranças

comunitárias e utiliza, em complemento, práticas cotidianas da vida comunitária como a

mobilização boca a boca.

Esse processo é feito com as próprias lideranças comunitárias e com as demandas que elas vêm levantando. [...] Por exemplo, tem um espaço, a Praça do Ipiranga em Afogados, que é um espaço da Prefeitura mas tem o 14ª Batalhão do Exército que cuida da Praça, então a praça é muito bem cuidada, é uma praça que tem vários equipamentos e que não se tinha nada de atividade lá. Então a gente foi pra lá, formamos os grupos, formou um grupo de adultos e idosos lá a partir da mobilização, passagem mesmo das casas, mosquitinho, mobilização boca a boca, a gente não tem uma mobilização de carro de som, não tem uma mobilização de mídia, não tem isso, a mobilização continua a mesma coisa de boca a boca, [...] a gente forma representantes naqueles grupos também e eles se tornam lideranças, se tornam uma identidade daquela comunidade não só do grupo de convivência. Tem esse tipo de liderança e tem as lideranças que já são lideranças da própria comunidade (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Geralmente as lideranças (representantes) dos círculos de convivência social são

lideranças antigas, pessoas que têm reconhecimento na comunidade e estão envolvidas com

processos tradicionais de organização comunitária. O projeto utiliza espaços na própria

comunidade para implementar suas ações, mas enfrenta problemas com a falta de espaço para

realização de atividades com dança e ginástica, como também para guardar com segurança os

materiais utilizados.

a gente vai pros espaços que são mais adequados pra gente fazer as atividades, que são exatamente o local próximo de onde as pessoas moram, mas que esse local é uma sala que dá pra gente fazer atividade de dança, se é público, se é particular, quais as condições que a gente tem. A gente sempre procura os espaços que sejam bem localizados, que tenha um fácil acesso pras pessoas daquela localidade e normalmente que seja de visibilidade, pelo menos dentro do bairro, dentro da comunidade. Esses são os critérios que a gente usa pra os espaços que são pras atividades sistemáticas. [...] normalmente são os espaços públicos que existem, mas tem alguns espaços que não são espaços públicos que são espaços privados, sala das associações dos moradores, sala de algum espaço da comunidade, de clube. Não paga nada, a gente presta serviço pra comunidade, é como se fosse uma troca pra que esse serviço seja feito (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

A primeira visita que fizemos foi a um Círculo de Convivência Social de Lazer,

modalidade ginástica, voltado para adultos e idosos na Escola Municipal da Iputinga, bairro

Iputinga. Nele foi possível observar que para além das atividades físicas os círculos realizam

passeios conjuntos. No dia que visitamos o grupo, era um dia de passeio à praia junto com um

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grupo de outro círculo de convivência social de lazer de ginástica voltada ao adulto/idoso da

mesma área. Da conversa com duas senhoras do grupo soubemos que o projeto ajudou na

melhoria da saúde, diminuindo dores nas suas articulações. Outro ponto abordado foi a

participação na organização de passeios e da festa de São João, que se aproximava, ação que

busca resgatar práticas comunitárias que vêm sendo perdidas.

Numa visita a outro Círculo de Convivência Social de Lazer, modalidade ginástica

voltada ao adulto/idoso, no Centro Social Urbano (CSU) do Engenho do Meio, espaço de

estrutura precária no bairro Engenho do Meio. Vimos que os acessórios utilizados por boa

parte dos participantes, apenas mulheres, para praticarem as atividades eram todos feitos por

elas. Os pesos eram garrafinhas plásticas com líquido ou areia, e os bastões de apoio, eram

cabos de vassoura. Os círculos de ginástica são predominantemente formados por mulheres,

fato que muitas vezes inibe a participação dos homens. Um grupo de integrantes desse círculo

já tinha um grupo de idosos que se encontravam antes de iniciarem as atividades do PCPEL

na comunidade. Esse processo geralmente acontece em relação ao trabalho com os idosos. Em

algumas comunidades existiam grupos de idosos que se reuniam, mas precisavam de um

apoio operacional, que veio com a implementação do PCPEL.

Nessa segunda visita a educadora, com formação superior em Educação Física, fez um

debate sobre a festa de São João. Falou que a festa de suas três turmas ocorreria

conjuntamente e, provavelmente, seria no CSU do Engenho do Meio devido ao tamanho do

espaço. Ela também era a professora do primeiro círculos que visitamos.

Esse processo de fazer comemorações de datas festivas e passeios conjuntos tenta

resgatar os vínculos comunitários ao mesmo tempo que tenta expandir a concepção de bem

estar físico dos participantes em relação à ginástica.

A construção que a gente tá fazendo do Encontro de Adulto e Idoso, por exemplo, é também a gente mudar essa concepção de saúde que a maioria tem que é relativo à ginástica, que é a saúde física, o seu bem estar pessoal, o seu bem estar do corpo físico e a gente vem trabalhando na mudança dessa concepção de saúde, que a saúde é uma saúde moral, uma saúde social, é intervir na sociedade de uma outra forma, é fazer com que o seu corpo se relacione com outros, se relacione com o coletivo (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Essa influência da ginástica nas comunidades, principalmente com os idosos, tem

relação com outra ação da Prefeitura, o Projeto Academia da Cidade, da Secretaria Municipal

de Saúde, que começou suas ações antes do PCPEL. Em algumas comunidades os dois

projetos são confundidos e compartilham participantes. Porém os gestores dos círculos de

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convivência procuram diferenciar as atividades, principalmente no sentido de salientar que a

atividade de ginástica do projeto vai para além da questão da saúde e do exercício físico.

Hoje a gente não tem problemas em relação a isso, foi criada uma identidade. Por exemplo, no Ipsep na mesma praça tem os círculos, mas tem o grupo da Academia da Cidade, tanto é que às vezes é no mesmo horário e no mesmo local e tem os dois. Às vezes quando eles tão nos círculos [falam] a Academia da Cidade tá vindo, ameaça! Mas a identidade que eles criam com o educador às vezes é muito forte, a relação afetiva com o grupo, com o educador. O tipo de organização é diferente (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Da linguagem de artes visitamos um Círculo de Convivência Social de Lazer,

modalidade Percussão (maracatu baque virado), voltado para infância/juventude. Ocorria nas

instalações do Instituto Bom Pastor, ao lado da Penitenciária Feminina Bom Pastor, no

Engenho do Meio. O círculo dava apoio, com atividades ligadas ao lazer, a um projeto do

Instituto chamado Semeando Arte e Vida, que também recebia apoio do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)18. O educador do círculo era um jovem que tinha

estudado até a 5º série do Ensino fundamental e que aprendeu a tocar Maracatu envolvendo-se

em atividades de sua comunidade, tendo também um grupo independente de Maracatu na

comunidade de Roda de Fogo (No Bairro do Engenho do Meio, RPA-4). Os círculos ligados

às artes (teatro, percussão e artesanato) têm à frente de suas atividades, inclusive, seu

coordenador, somente educadores populares, que geralmente têm iniciativas independentes

em suas respectivas comunidades.

No ano de 2006, a Diretoria de Lazer e Cidadania implementou o Projeto de

Animação de Parques e Praças dentre as ações do Projeto Círculos de Convivência Social,

como uma maneira de tentar mobilizar mais pessoas da comunidade para as linguagens

voltadas às artes e para fazer animação nos principais parques e praças da cidade nos finais de

semana.

18 Programa do Governo Federal que tem o objetivo de “erradicar as chamadas piores formas de trabalho infantil no País, aquelas consideradas perigosas, penosas, insalubres ou degradantes. Para isso, o PETI concede uma bolsa às famílias de meninos e meninas em substituição à renda que traziam para casa. Em contrapartida, as famílias têm que matricular seus filhos na escola e fazê-los freqüentar a jornada ampliada” (disponível em: http://www.mds.gov.br/ascom/peti/peti.htm. Acesso em: 09 mai. 2007).

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Figura 4 (4) – Questionando a comunidade sobre o que é lazer. Ação do Projeto Animação de Parques e Praças –

Parque 13 de maio [RPA1] 2006.

Figura 5 (4) – Mobilização das pessoas que estavam no Parque. Ação do Projeto Animação de Parques e Praças 2006.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Fonte: GEGM-Geraldão.

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Visitamos uma ação do Projeto de Animação de Parques e Praças, que ocorreu no

Parque 13 de maio, no bairro da Boa Vista (RPA-1), no centro do Recife. Das atividades

participaram em grande maioria crianças, apesar de o projeto voltar-se para todas as idades.

Havia oficinas de futebol de barrinhas; de amarelinha; para pular corda; de percussão

(maracatu baque virado); de dança; de artes e ainda alguns educadores teatralizando ao redor

do parque perguntando sobre o que era lazer para os que estavam presentes. Na ação estavam

em conjunto quase todas as linguagens trabalhadas pela diretoria de lazer e cidadania. As

oficinas eram ministradas pelos educadores. No local estavam ainda gerentes e coordenadores

da diretoria de lazer e cidadania. As atividades de percussão e artes mobilizaram mais

crianças, entre elas catadores de lixo e menores de rua. Na percussão as crianças dividiam os

poucos instrumentos disponibilizados. Na de artes faziam pintura em cartolinas com ajuda de

pais, educadores e coordenadores. Ao final da tarde houve uma peça de teatro em que

coordenadores e educadores encenaram um programa análogo aos programas de auditório das

tardes de domingo da televisão. Procuraram estimular os presentes a participarem, assim

como modificar a percepção do que era lazer através do teatro. No fim uma ciranda foi

iniciada e várias pessoas foram se aproximando. Um catador de lixo pediu para cantar, alguns

B.Boys (Breakdance), que se encontravam todo domingo na praça, chegaram para cirandar e

outros presentes não arredaram o pé até o fim das atividades.

Numa época em que as crianças ficam em casa, presas ao mundo da televisão e dos

jogos de vídeo game, aquele projeto, limitado pelo caráter eventual, potencializava o resgate

da vida comunitária em praças e parques. A maneira como as atividades estavam dispostas,

abertas a todos, trazendo atividades pouco comuns como artes, amarelinha, pula corda, dança,

teatro, reforçava outra perspectiva de lazer. Os educadores davam diretrizes e cuidavam para

que os materiais não fossem danificados, mas não impunham uma forma de participar das

atividades. Os participantes podiam sugerir uma forma diferente de praticar as atividades,

como também participar de várias delas sem necessidade de pagamento.

No entanto, o projeto foi uma ação planejada de cima para baixo, não foi realizada a

partir das atividades sistemáticas de artes, que enfrentavam muitas dificuldades de

implementação.

com as dificuldades que a gente teve durante as oficinas sistemáticas da construção, da questão de artes, isso interferiu também diretamente no Animação de Parques e Praças. Porque era a mesma equipe, teve muita dificuldade da equipe, teve até dificuldades ideológicas mesmo entre a equipe, o que é que se ia trabalhar em relação às artes, até o próprio teatro (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

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Talvez o Animação de Parques e Praças nem se caracterize tanto como um momento de catarse. Porque o momento de catarse é exatamente caracterizado pela construção dos círculos de convivência (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

A concepção do projeto esbarrou em problemas entre a equipe da linguagem artística,

predominantemente formada por educadores populares. Não houve diálogo com a

comunidade, até por que a ação do projeto visava chamar mais pessoas para as atividades de

lazer ligadas ao artesanato, à percussão e ao teatro. O projeto só foi realizado em 2006.

A primeira concepção da gente era levar o teatro do oprimido, trabalhar a partir da prática do teatro do oprimido, só que pra isso teria que ter uma formação, uma fundamentação que a gente não teve condições de ter [...] e aí a gente mudou, em vez de ser teatro do oprimido a gente trabalhar com teatro de rua, só que a equipe de Animação de Parques e Praças a maioria das pessoas [...] nunca havia trabalhado com o teatro. A gente ainda fez uma formação com o teatro de rua só que entre essas pessoas que tinha uma formação do teatro tinha pessoas que tinha a formação do teatro de rua, outros que tinha a formação pra teatro mais formal. Então isso gerou uma série de dificuldades de trabalho dentro do grupo, porque a idéia era levar pra praça uma animação, um grupo de teatro e tal e a partir dali a gente ia trabalhar com outras oficinas, isso foi uma grande dificuldade da Animação de Parques e Praças, então é dificuldade pedagógica e estrutural também (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007). A dificuldade estrutural era porque a gente queria um espaço, como se fosse montar um grande espaço dentro da praça, não era um parque de diversões, era um parque de atividades. [...] Pra que esse projeto fosse concretizado a gente teria que ter uma equipe voltada pra isso e não a própria equipe da gente trabalhar também com isso, aí a gente teve muita dificuldade (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Em relação à dança visitamos um Círculo de Convivência Social do Lazer voltado

para a infância, modalidade Dança Popular, que ocorria nas instalações do Instituto Bom

Pastor no Engenho do Meio. Ele estava sob a responsabilidade da educadora dos círculos de

ginástica que visitamos. Naquele dia ensaiavam uma coreografia com o ritmo do xote, típico

do período junino, que estava próximo. A educadora ia explicando os passos ao mesmo tempo

em que alertava as meninas que estavam dançando um xote e assim deveriam ter uma

cadência. Nesse sentido, as atividades tentavam educar aquelas crianças associando a aula a

um ritmo musical nordestino, considerando que o período junino estava próximo.

A educadora falou da inibição do espaço para que outras pessoas da comunidade

participem do projeto. Apesar de estar aberto, naquele círculo de dança popular não havia

ninguém da comunidade que não estivesse ligado ao projeto do Instituto. Mas a educadora

salientou que a dança precisava de uma estrutura reservada, precisava de som, e nesse sentido,

achava importante o apoio do Instituto. A questão de espaço e infra-estrutura adequada nas

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comunidades é uma grande dificuldade enfrentada pelas linguagens artísticas do projeto. Isso

envolve falta de equipamento, como som, como também salas reservadas e locais para

guardar com segurança os materiais.

O educador de percussão que visitamos dias antes estava no Instituto naquela tarde.

Falou que conseguia mobilizar mais pessoas da comunidade, pois às vezes realizava as

atividades de percussão numa praça em frente ao Instituto (Praça Bom Pastor). A própria

emissão de sons do batuque de maracatu, para o educador, era uma forma de chamar a

comunidade. Falou que de longe já reconheciam. Salientou, como a educadora, que os

instrumentos para percussão precisavam de um local de abrigo com segurança, nesse sentido a

estrutura do Instituto era importante. Ambos falaram que o Instituto fornecia o apoio

estrutural que o Programa não teria condições de oferecer. Uma das vulnerabilidades da

parceria com o Instituto era que as atividades dos círculos dependiam das atividades do

Instituto. Quando não havia aula, os alunos não apareciam e não tinham as atividades dos

círculos. Em 2007, essa parceria foi desfeita.

Das atividades sistemáticas de lazer a última observada foi um Círculo de Convivência

Social de Lazer, modalidade Dança de Salão, voltado para infância/juventude, na Praça

Arraial Novo do Bom Jesus, no bairro Avenida do Forte. Quem estava à frente do círculo era

um educador, cursando o 2º ano do ensino médio e morador de uma comunidade

circunvizinha, que aprendeu a dançar a partir da participação em projetos governamentais.

Este educador tinha uma ação independente de aula de dança na comunidade e a partir do

reconhecimento ganho nesse projeto foi indicado pela própria comunidade para ingressar no

Projeto Círculos de Convivência Social. Crianças, jovens e adultos participaram das

atividades. O equipamento de som e outros acessórios utilizados (como CDs) eram guardados

pelo educador numa sala no centro da praça, próximo ao local da aula, que ocorreu ao ar livre

num local destinado à prática de ginástica. Ao mesmo tempo em que guardava o material

distribuía para os alunos uma ficha para que conseguissem autorização dos responsáveis para

irem ao desfile de reabertura do GEGM-Geraldão. Uma parte daquele grupo apresentou-se na

reabertura do ginásio. Um pai que passava pela praça, perguntou à filha o que era aquilo, a

filha respondeu que era uma aula de dança, ele retrucou dizendo que não queria a filha metida

com aquilo e que ela fosse para casa. O preconceito nas comunidades é uma dificuldade

constante da dança.

Esse problema do preconceito foi abordado no Espetáculo de Dança realizado, em

abril de 2007, a partir das atividades de todos os círculos populares de dança do projeto.

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Figura 6 (4) – Folder (em preto e branco) entregue no dia do Espetáculo de Dança, realizado no

Teatro Armazém (Recife Antigo) [RPA1].

Figura 7 (4) – Foto do Espetáculo – coreografia de dança usando Maracatu.

Figura 8 (4) – Foto do Espetáculo – teatralizando o dia-a-dia das comunidades no ônibus.

Figura 9 (4) – Foto do Espetáculo – teatralizando o cemitério de uma comunidade.

Fonte: autor da pesquisa.

Fonte: autor da pesquisa.

Fonte: autor da pesquisa.

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O Espetáculo de Dança foi um momento de catarse, a gente vem trabalhando a partir dos círculos de convivência. Porque o momento de catarse é exatamente isso, é a transformação de uma prática social, é o auge assim digamos. Eles construíram aquilo ali, eles se apresentaram e na volta muitos já tem outra concepção de dança, outra concepção de sociedade, outra concepção do que foi construído dali. Tem coreografia que foi feita só por aluno, tem coreografia que foi feita por professor, [...] e isso vai mudando a concepção dele da dança, vai mudando concepção de sociedade que eles tão inseridos, isso é o fundamental do momento de catarse (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Os momentos de catarse são as atividades não sistemáticas do projeto, que advém do

cotidiano das atividades sistemáticas. São organizados conjuntamente por diretores, gerentes,

coordenadores, educadores e participantes das atividades de lazer articulando as linguagens

trabalhadas no projeto em um encontro. No caso do Espetáculo de Dança combinaram o teatro

com a dança no intuito de fazer os participantes ampliarem a concepção deles em relação às

atividades realizadas nos círculos de convivência e a relação delas com o cotidiano, guiando a

apresentações a partir das seguintes temáticas: localização, costumes locais, possíveis

influências religiosas da área e fragmentos do cotidiano.

Das visitas percebeu-se que o Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer),

inspirador da proposta pedagógica do PCPEL, proporcionou a movimentação, por meio de

atividades recreativas, de espaços comunitários, especialmente praças e parques.

Movimentação importante para o resgate de valores coletivos e comunitários na vida urbana.

Das visitas às atividades depreendemos que o projeto tem potencial para o fortalecimento da

vida comunitária, mas mostrou algumas limitações em termos de discussões mais amplas que

envolvem a vida política da cidade e a politização de seus participantes. Os momentos de

catarse mostraram potencial educativo, principalmente, em relação ao que o senso comum das

comunidades interpreta de certas linguagens. Além desses aspectos em suas ações mostra

potencial de articulação entre o trabalho de educadores populares e professores de Educação

Física, quebrando assim uma prática comum de programas de esporte e lazer que geralmente

trabalham com professores com formação superior em Educação Física. No que concerne a

esse assunto, o recrutamento dos educadores populares é geralmente indicação da

comunidade, que além dos educadores, tem o coordenador, como elos de interlocução diária

com o GEGM-Geraldão, a estrutura formal do PCPEL.

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PROJETO ESPORTE DO MANGUE

Dos projetos estudados foi o último que conhecemos. Foi criado com a intenção de

articular as dimensões lúdica e política nas ações do PCPEL.

[O] Projeto Esporte do Mangue, que a gente iniciou justamente em 2002, teve os encontros regionais, a gente começou a levantar as demandas por regiões da cidade. [...] aí a gente realiza o I Encontro do Esporte do Mangue [...] sempre priorizando essa discussão da relação do lúdico e do político, criar um espaço [...] que esses dois elementos não sejam antagônicos, mas pelo contrário, estejam juntos nesse processo de organização e formatação daquele espaço [...]. Foi nesse primeiro encontro que se demandou um diagnóstico das demandas da cidade [...] ligados a essa juventude. [...] foi feito uma série de levantamento de problemas a partir da galera do BMX, do Skate, do patins, capoeira, a gente ainda conseguiu fazer, e hiphop (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

O projeto busca proporcionar instrumentos políticos à juventude, especialmente

ligadas aos esportes radicais e elementos da cultura hiphop, de maneira a estimular ações

(auto)organizadas. Os gestores do projeto vêem uma possibilidade de transformação social

nesse processo.

O contato com a juventude, o sair dos aparelhos institucionais da Prefeitura em direção

às comunidades trouxe como corolário o próprio formato organizativo do projeto.

[O] Projeto Esporte do Mangue foi construído a partir da demanda existente na cidade do Recife, não foi um projeto que ele foi construído dentro de uma sala, foi a partir da demanda da cidade, de várias linguagens, skatistas, grafiteiro, a turma do break, hiphop, movimento de surfe e foi construído o projeto em cima disso (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

Ao longo dos anos de atuação e, principalmente, no contato com a juventude da

periferia do Recife, que já tinha certa organização independente, o projeto foi adquirindo o

formato atual em que primeiro acontece o Fórum Esporte do Mangue. Nesta pesquisa foram

observadas reuniões do VI Fórum Esporte do Mangue, em 2006. Em 2007, observamos as

atividades dos Festivais da Juventude, antes chamados Encontros da Juventude Radical, a

segunda seqüência de ação do projeto. Nenhum Encontro Municipal do Esporte do

Mangue, o ‘momento de catarse’, foi realizado durante a realização desta pesquisa.

O primeiro encontro é o fórum, que a gente chama Fórum Esporte do Mangue, que é justamente aonde a gente enquanto gestão apresenta a agenda do ano pra eles, apresenta todas as atividades que vão acontecer e discute com eles quais são as possibilidades, como é que podem modificar. Então a gente fez esse mesmo processo no segundo ano. A partir daí eles apontaram que era necessário que descentralizasse mais ainda esses encontros por regiões [...]. E aí surgiu essa necessidade que a gente criasse os espaços justamente pra tá dialogando mais, então foi ampliado o que a gente chamou de Encontro da Juventude Radical (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

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Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 11 (4) – Foto Apresentação de bandas do Festival da Juventude do Totó 2004 [RPA 5].

Figura 10 (4) – 3º (e último) Encontro Municipal do Esporte do Mangue – Cais da Aurora 2004 [RPA 1].

Fonte: GEGM-Geraldão.

Fonte: GEGM-Geraldão. Figura 12 (4) – Foto de apresentação de grupo de breakdance no Fórum Esporte do Mangue 2004 no Armazém 12 [RPA 1].

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Fórum Esporte do Mangue

Em maio de 2006, ocorreu nas instalações do GEGM-Geraldão o VI Fórum Esporte

do Mangue com o intuito de “deflagrar projetos”. O principal objetivo era divulgar a agenda

de eventos do ano, que incluiu os Festivais da Juventude e culminaria com a realização do IV

Encontro Municipal do Esporte do Mangue. Participaram jovens das oficinas sistemáticas

(círculos de convivência social de juventude), praticantes das modalidades com atividades

independentes nas comunidades e outros interessados.

No primeiro dia, estavam programadas, após uma abertura, reuniões paralelas

relacionadas ao BMX (Bicicross), Skate, Surfe, Patins e Streetball. Dois dias depois

relacionadas ao Breakdance e Grafite (elementos da Cultura hiphop). Ainda na noite do

segundo dia, reuniões com representantes de bandas e grupos culturais. Como não havia

atividades especificamente voltadas para esse último seguimento (bandas e grupos culturais)

no projeto, nem no Programa, não achamos oportuno participar. Entendemos a importância

das bandas quando observamos os Festivais da Juventude. O Fórum tinha programado um

fechamento geral numa tarde do final de semana com todos os segmentos no GEGM-

Geraldão, com falas do Diretor-Presidente e do Prefeito do Recife, que no dia foi representado

pelo Secretário de Desenvolvimento Humano do Recife.

O principal meio de divulgação e de mobilização utilizado pelos organizadores do

Projeto Esporte do Mangue é o telefonema. Quem o recebe, repassa para o maior número de

pessoas envolvidas com as linguagens nas comunidades, geralmente por meio do boca a boca.

Ao longo do tempo foi criada uma rede de contatos com jovens das comunidades. Nas

reuniões normalmente existe uma lista de presença, em que se pode colocar nome e contato.

Além disso, os educadores possuem uma grande rede de contatos, dado o envolvimento em

suas comunidades, anterior à entrada no projeto, com atividades independentes ligadas aos

esportes radicais e elementos da cultura hiphop.

No primeiro dia do Fórum, a estimativa de 150 pessoas, concretizou-se nos seguintes

números: Surfe 2 pessoas; Patins e Streetball, não apareceram representantes; Skate e BMX

(Bicicross), respectivamente, cerca de 30 e 40 pessoas. Somente o Skate e o BMX tinham

oficinas sistemáticas (os círculos de convivência social de juventude) na Diretoria de Esporte

e Juventude. O BMX estava no início, o Skate com mais de um ano.

Escolhemos a reunião com os skatistas, que foi coordenada por três educadores das

oficinas sistemáticas de Skate formados nas ruas, no cotidiano de suas comunidades e a partir

da articulação com outros jovens envolvidos com a linguagem. Nas atividades do projeto não

há educadores e monitores com formação superior, todos advieram das comunidades e

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geralmente estão envolvidos com algum organismo independente ou federação relacionados

às suas respectivas linguagens. Eles têm um jargão particular que em algumas ocasiões foi

difícil compreender.

A gente tem dentro da equipe de trabalho skatistas, B.boys, tem bikers, que trabalham junto com a gente. Porque a gente pegou de dentro da comunidade que pratica pra tá aqui dentro e pra pude fazer a interlocução comunidade-poder público. [...]. Ter pessoas que entendem a linguagem da população trabalhando em prol de executar a política (Gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

O educador que esteve mais à frente da coordenação dos debates na reunião com os

skatistas participou das ações do Projeto Esporte do Mangue em anos anteriores, pois estava

envolvido em ações de articulação, relacionadas ao skate, com outras comunidades do Recife

antes de ingressar no projeto. Em sua comunidade tentava conseguir apoio para a prática do

Skate, quebrar preconceitos contra a modalidade e formar associações e grupos com outras

comunidades. Seu engajamento abriu portas para conhecer pessoas do PCPEL e depois

ingressar como educador. Para formar uma associação de skatistas estava pedindo ajuda da

assessoria jurídica do GEGM-Geraldão. Ajudar os jovens na formação de associações e outros

tipos de organismos é um mecanismo utilizado para “instrumentar politicamente” a juventude

que participa dos espaços abertos pelo projeto.

Na reunião com os skatistas falou-se da importância da participação deles para a

construção de novos espaços para o Skate.

Um exemplo que pode se dar: nós construímos na gestão passada a primeira pista de skate modelo street. É o que a gente chama de a primeira Arena de Esportes Radicais lá na Rua da Aurora, coisa que não tinha na cidade. Por eles serem considerados a juventude radical aí a gente colocou arena, porque arena significa um espaço de manifestação de esportes radicais (Gerente de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão, em 06/02/2006).

Os skatistas foram freqüentemente citados pelos gestores do GEGM-Geraldão como

exemplos de conquistas na cidade, principalmente, em relação à pista de skate street da Rua

da Aurora, fruto de votações no Orçamento Participativo. O incentivo à participação nesse

tipo de espaço de decisão era também visto como um mecanismo de “instrumentar

politicamente” a juventude.

Eu vou puxar um exemplo bem claro da galera do skate. A galera do skate [...], a gente começou a se reunir com eles, começou a criar alguns espaços de debates com eles no sentido de: a gente quer uma pista de skate na cidade, sim, a demanda de vocês é que se construa um equipamento de skate na cidade [...] O instrumento que nós temos na cidade hoje, que define isso aí, é o Orçamento Participativo. Então a gente vai precisar se organizar, digo se organizar eles, se organizar enquanto comunidade, enquanto região que eles residem, pra que eles possam tá participando desse espaço, porque é nesse

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espaço que define essas prioridades, essas ações e demandas. Então um exemplo bem prático que a gente tem hoje foi o exemplo da Rua da Aurora (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Em detrimento da visão dos skatistas como exemplos de conquistas, na reunião do VI

Fórum a participação deles nas deliberações foi muito pequena. Eles mais escutavam os

educadores problematizarem algum aspecto, ou repassarem alguma informação. Não

colocaram nenhum assunto em debate, nem emitiram críticas ou propuseram ações conjuntas

entre os presentes. Nesse sentido, soubemos por um dos educadores que muitas pessoas que

participaram do projeto nos primeiros anos não vinham mais para as reuniões. Quem estava

participando daquelas reuniões não eram os skatistas das primeiras ações. Naquela reunião um

educador das oficinas de Skate falou da falta de um “chegar junto” da galera do Skate. A

relação com a linguagem não parecia ser a mesma, a maioria dos participantes do projeto em

anos anteriores não apareciam mais.

Na reunião com os skatistas os poucos debates que surgiam não foram levados adiante,

perdiam-se no silêncio da platéia. As discussões tenderam à dispersão, dificultando a

proposição de ações futuras e mesmo a articulação entre os participantes. Quando havia

algum debate ficava restrito aos educadores do projeto e aos skatistas visivelmente mais

velhos, que tinham uma história de vivência na prática da modalidade. Nesse sentido,

mostraram um potencial individualista em suas intervenções. Ao final da reunião nenhuma

proposta dos participantes surgiu. A reunião, em termos de discussão, ficou restrita ao

regulamento da competição de Skate que iria acontecer no final daquele mês (maio/2006).

No segundo dia do Fórum, as reuniões foram relacionadas ao Breakdance e ao Grafite,

ambos elementos da cultura hiphop. Só o primeiro fazia parte das atividades sistemáticas da

Diretoria de Esporte e Juventude. O educador das atividades sistemáticas de breakdance está

há mais de vinte anos envolvido com a cultura hiphop nas comunidades organizando festivais

e encontros. Entrou no projeto por indicação da comunidade e trabalha em outro projeto

governamental, o Programa Escola Aberta19.

19 Programa do Governo Federal com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que “visa proporcionar aos alunos da educação básica das escolas públicas e às suas comunidades espaços alternativos, nos finais de semana, para o desenvolvimento de atividades de cultura, esporte, lazer, geração de renda, formação para a cidadania e ações educativas complementares”. Para execução consta com a parceria das secretarias de educação municipais e estaduais para “abertura de escolas públicas de ensino fundamental e médio localizadas em regiões urbanas de risco e vulnerabilidade social, aos finais de semana, para toda a comunidade” (Disponível em: http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=/escola_aberta/escola_aberta.html. Acesso em: 9 mai. 2007).

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A estimativa era que viessem 80 pessoas das duas linguagens, mas cerca de 15 pessoas

estiveram presentes para discutir assuntos relacionados ao Breakdance. Sobre o pequeno

número de pessoas presentes, os próprios B.Boys, aqueles que praticam Breakdance, falaram

que estavam representando a comunidade deles, pois muitos não tinham condição financeira

de pagar passagem para ir à reunião. O pequeno número de pessoas demonstrou também que

o projeto não era mais o mesmo, não tinha mais a relação que estabeleceu inicialmente com a

juventude e, particularmente, com a cultura hiphop. O mesmo tinha ocorrido no primeiro dia.

Logo no início da reunião, os B.Boys cobraram a premiação (roupas de B.Boy) de um

campeonato de Break de dois anos antes, em 2004, no III Encontro Municipal do Esporte do

Mangue. O coordenador da reunião, gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, disse que as

roupas estavam prontas e perguntou aos B.boys se poderiam ser entregues na festa de

reabertura do Geraldão no final daquele mês, a pedido do Diretor-Presidente. Os B.Boys

disseram que não dava mais para esperar e apresentaram uma contraproposta: lançar a roupa

no dia da reabertura através de uma apresentação. Os B.boys mostraram não estar suscetíveis

à estratégia de uso político da entrega das roupas na reabertura do ginásio ao mesmo tempo

que queriam aproveitar o evento para apresentarem um dos elementos da cultura hiphop às

comunidades e autoridades presentes no dia da reabertura.

Após esse primeiro debate, iniciaram a discussão sobre o regulamento de uma batalha

de Break que iria acontecer semanas depois na Macaxeira (RPA-3). Os B.boys retiraram todos

os critérios, que na opinião deles, davam aspecto de show às batalhas. Eles mostraram

conhecer muito mais os elementos e formas de disputa que o coordenador da reunião.

Estiveram sempre na condução dos debates, explicaram as linguagens, suas diferenças e o que

vem sendo feito “por aí” em relação ao elemento B.Boy. Para eles uma deturpação, uma

banalização do elemento hiphop.

Quem liderou as discussões, foi um B.Boy, já com uma certa maturidade e que

desenvolvia um projeto comunitário em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes, município

vizinho ao Recife. Um dos aspectos levantados por ele e, que foi unanimidade para os demais,

referiu-se à valorização dos B.Boys locais e dos projetos que desenvolviam em suas

comunidades. Nesse sentido, criticaram bastante as iniciativas tanto da Prefeitura, como de

outras organizações que traziam B.Boys de fora do Estado para dar palestras ou aulas com

cachês altíssimos. Para eles existiam pessoas da cidade que tinham o mesmo potencial ou até

maior que os que vinham de fora, mas não havia valorização. O mesmo B.Boy, afirmou que

era a terceira vez que ia discutir propostas do Esporte do Mangue, mas nunca tinha nada

referente à premiação, mais uma vez levantando a questão da não valorização do trabalho dos

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B.Boys. Creditou à premiação somente com troféus o boicote a muitos campeonatos, não

somente aos promovidos pelo Projeto Esporte do Mangue, falando que a luta deles era muito

grande para receberem troféus.

Apesar da forma de organização e de assuntos relacionados a dificuldades financeiras

parecidas às que observamos nas reuniões do Projeto Futebol-Participativo, as reuniões do

Fórum mostraram um tom maior de crítica, reivindicação e conscientização, principalmente,

nas reuniões com os B.Boys, que não se mostraram satisfeitos com a contrapartida do projeto

(e do poder público) com a luta deles nas comunidades. No Fórum, pela primeira vez em

nossas visitas às atividades do PCPEL, escutamos o incentivo à participação no orçamento

participativo, um dos espaços de reivindicação política da gestão do PT na cidade.

Na observação das reuniões do Fórum dois aspectos foram evidentes: a expectativa de

público muito abaixo do esperado mostrou que o Projeto Esporte do Mangue não tinha a

mesma relação do início de suas ações com a juventude radical da cidade, e que nas

discussões a condução dos debates era realizada por pessoas com experiência não-formal em

relação às linguagens que estavam envolvidos, alguns inclusive em projetos comunitários.

Mostraram conhecer amplamente a linguagem que trabalhavam, em detrimento a quem

implementava o projeto. Os mais jovens tenderam a seguir os debates e sugestões levantados

pelos mais experientes. Sobre a ausência de linguagens chamou atenção a não presença de

representantes dos demais elementos da cultura hiphop, além do breakdance, considerando

que

A galera do Skate tem uma organização num nível legal, sendo previsto pra esse ano [2006] a criação de pelo menos três associações a mais na área de skate e possivelmente uma federação de esportes radicais e aí envolvendo uma associação da galera do BMX, que também tá se organizando; A galera do hiphop tá muito organizada hoje através de uma rede que se chama Rede de Resistência Solidária e através da Associação Metropolitana de Hiphop; Só a galera do [patins] in line que é organizada, mas não no sentido de querer formar uma associação e tal, mas eles têm lá sua organização, que é um grupo menor (Gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, em 16/02/2007). Outra coisa que eu vejo como forte que cada vez mais crescendo são as organizações e grupos culturais, ou seja, de bandas, principalmente bandas de fundo de quintal (a turma da Macaxeira é um exemplo) (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2007).

Apesar de considerados organizados pelos gestores, a presença de representantes da

cultura hiphop foi rara nas ações do Projeto Esporte do Mangue. Sobre as bandas e grupos

culturais o relato dos Festivais da Juventude será mais esclarecedor.

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Festivais da Juventude O evento que não tem interferência direta do setor privado [...] o grupo consegue ter um estímulo pra tá construindo o evento muito maior porque ele vai ter que buscar, vai ter que correr atrás. A gente tinha um orçamento que era um orçamento muito mínimo, tinha um palco que era tablado [...]. Na questão de estrutura [...] a gente tinha que correr. [...] eles tinham um estímulo maior pra tá construindo o evento. Esse espaço de discussão era muito mais rico, porque eu tinha dificuldades, [...] eu tinha que superar e eu só ia superar a partir do momento que eu começasse a se organizar com meu grupo. [...] correr atrás pra garantir o evento. Porque a gente chegava na comunidade, a estrutura que a gente pode garantir é essa, não tem carro de som, não vai ter lanche pras bandas. Panfleto a gente garantia. Panfleto e estrutura de som. Estrutura muito mínima. Boca-boca. [...] a gente conseguia passar a mensagem e o grupo ia consolidando muito mais. Era uma história muito social, [...] era muito nesse sentido. Eles não entravam em contradições, em crise porque não tinha nenhuma empresa privada, não tinha nenhuma banda paga pra tá tocando. [...] a partir daí eles iam se fortalecendo, ia se valorizando, porque eles tavam construindo, tavam correndo atrás (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

Essa primeira citação mostra como os Festivais da Juventude eram organizados até

2006. Havia maior aproximação com os jovens, um processo feito a partir das comunidades

com pouca infra-estrutura oferecida pela organização do projeto. Em 2007, os festivais

tiveram “nova” roupagem a partir de uma parceria entre a Prefeitura e uma empresa de

promoção de eventos, que envolveu o GEGM-Geraldão e a Secretaria de Turismo do Recife.

Dois Festivais da Juventude não ocorreram em 2006 por falta de recursos. O

planejamento era que fossem realizados doze festivais em 2006, culminando com o IV

Encontro Municipal do Esporte do Mangue, mas devido à falta de recursos, o número de

festivais decresceu para sete, sendo cinco efetivamente realizados. A principal linha de ação

do projeto, o IV Encontro Municipal do Esporte do Mangue, não ocorreu. A parceria veio

como um alento às dificuldades financeiras enfrentadas.

Os festivais em 2007 utilizaram a infra-estrutura do Verão Total do Frevo, evento da

Secretaria de Turismo para descentralizar a comemoração do centenário do Frevo. A empresa

parceira disponibilizou uma estrutura de palco para ser montada (pelos educadores do projeto)

nas periferias do Recife, estrutura não comum aos Festivais da Juventude. Além da realização

dos festivais, o Verão Total do Frevo utilizou os educadores das atividades sistemáticas do

PCEL em oficinas de lazer e esporte nos pólos itinerantes (e um fixo na orla de Boa Viagem)

que percorreram a periferia do Recife. Na parceria o GEGM-Geraldão ficou responsável pela

programação das atividades dos pólos.

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Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 13 (4) – Cartaz (em preto e branco) de divulgação dos Festivais da Juventude 2007.

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Em relação à organização dos festivais, a escolha dos locais continuou sob

responsabilidade do GEGM-Geraldão. Para a escolha o Colegiado do GEGM-Geraldão leva

em consideração os locais onde existem atividades sistemáticas da Diretoria de Esporte e

Juventude, o histórico da comunidade na realização de festivais e a ligação delas com as

linguagens trabalhadas no projeto.

A gente analisa o histórico da comunidade, e até os eventos anteriores que a gente realizou lá. A questão dos movimentos, da demanda que existem lá, a gente vê muito isso, do nível de organização também lá. A gente faz a questão do mapeamento, identifica grupo e tal, e vê se aquela comunidade tem o potencial pra tá construindo o festival da juventude com a gente, eu não vou chegar numa comunidade onde não tem toda... É feito a leitura política do local, mas assim, é muito nesse sentido, [...] Ibura [RPA-6], Macaxeira [RPA-3], Várzea [RPA-4], Torre [RPA-4], são locais que a gente identifica que existem grupos, que se reúnem, aí dentre associações, grupos de juventude, entidades, enfim ONG, que estão com o setor de esporte e lazer, ou não, mas que fazem pressão pra a realização daquele evento (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

Nesse sentido, os critérios para decisão final dos locais levam em consideração

aspectos políticos, que têm a ver com o tipo de visibilidade da ação nas comunidades. A

decisão final é da instância central do GEGM-Geraldão, levando em consideração

informações de membros da estrutura organizacional do ginásio sem a participação da

juventude, que ocorria no início das ações do projeto.

Quem decide é o colegiado, de fato é o colegiado [...], mas a partir da cobrança que existe a partir da gerência, com os monitores [...]. [O] monitor tá na comunidade, a gente também vai pra comunidade, mas diferente dos monitores, que eles [...] repassam pra gerência, a gerência repassa pra diretoria, e a partir daí a diretoria planeja e apresenta a proposta no colegiado, mas a decisão que é tomada no colegiado, não é decisão entre quatro diretores, é uma decisão que foi construída com o grupo [...] (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

O apoio da parceria que patrocinou o Verão Total do Frevo modificou a construção

paulatina dos festivais com a comunidade. Esse evento durou pouco mais de um mês (janeiro

e o início de fevereiro). Assim, os festivais não puderam cumprir efetivamente sua primeira

etapa: reuniões preliminares na comunidade em que são realizados, perdendo o aspecto da

interação e participação da comunidade no processo de “construção do festival”. Com a

parceria os festivais ganharam a característica de evento que vem pronto, com estrutura de

divulgação profissional, num processo implementado de cima para baixo e realizado em curto

período. Além disso, a média de dezesseis bandas por festival em anos anteriores diminuiu

para seis em 2007.

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Só pra você ter uma noção a gente conseguiu envolver em torno de 12 festivais [em 2005], 148 grupos envolvendo bandas, grupos de dança e isso por quê? A gente se utilizou de uma estratégia, a missão da gente no ano anterior era o quê? Iniciar o fortalecimento dos grupos juvenis nas comunidades. Mas como isso ia se dar? Justamente a partir da construção de Festivais de Juventude [...] ele não era um festival em si, simplesmente a gente levava um grupo pra gente se apresentar lá e pronto, não. Ele tinha um processo de dois a três meses, onde tudo era discutido e pensado dentro da comunidade com os jovens da comunidade. [...] a gente era o instrumento dessa organização, a gente enquanto poder público deu condições pra que a ação acontecesse, mas todo o processo se deu muito mais a partir da organização dos grupos na comunidade, ou seja, desde a definição de programação, de como ia se estruturar, desde a linguagem que ia acontecer (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2007).

Nas reuniões preliminares são criadas comissões para trabalhar no que, coordenadores

e educadores, chamam de “construção do festival”. Nessas comissões participam pessoas da

comunidade, que se oferecem voluntariamente e, juntamente com coordenadores e

educadores, organizam, algumas semanas antes, o que é necessário para realizar os festivais.

Existem comissões: de estrutura; de torneios e campeonatos; de apresentação cultural e palco;

de vivências; de oficinas e roda de diálogo; de mobilização e comunicação. Nesse sentido, um

dos coordenadores dos festivais falou de uma experiência no Festival da Juventude do Ibura

(RPA-6), onde a comunidade tem resistência a eventos. Para a realização daquele festival

houve uma articulação das comissões de estrutura e mobilização e comunicação para

conseguir um abaixo-assinado da comunidade em vista de realizar o evento.

As reuniões, para além da discussão da organização dos festivais, são utilizadas para a

explanação dos princípios do PCPEL. Com a parceria não houve reuniões em todos os

festivais previstos. Nos dois festivais que não foram realizados em 2006, o da Praça do

Arraial do Bom Jesus em Torrões (RPA-4) e o da Rua da Aurora (RPA-1), os organizadores

mantiveram certo contato, pois reuniões preliminares ocorreram ainda em 2006. Para 2007,

além dos dois festivais não realizados em 2006, ocorreram mais quatro, dentre os quais, não

visitamos as ações do Festival da Juventude do Ibura (RPA-6) para aperfeiçoar teórica e

metodologicamente esta pesquisa.

Para as reuniões que antecedem aos festivais, as comunidades são mobilizadas a partir

do contato telefônico (a partir do GEGM-Geraldão), complementando-se pelo boca a boca e

por lideranças comunitárias juvenis que fazem parte de organismos independentes nas

comunidades. Nos festivais, um conjunto de bandas, oriundas das comunidades

circunvizinhas ao festival, tocam gratuitamente. As bandas são escolhidas pelos

coordenadores e educadores com base na percepção deles em relação ao comprometimento de

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cada uma na organização dos festivais. No entanto, com a parceria, nos Festivais da Juventude

de 2007 as noites de apresentação das bandas da comunidade eram finalizadas com a

apresentação de uma banda de pagode reconhecida na cidade e uma orquestra de frevo, ambas

recebendo cachês das empresas que patrocinaram o Verão Total do Frevo e da Prefeitura do

Recife.

Na comunidade os festivais acontecem em três dias (formato original que não foi

modificado com a parceria). Na sexta à noite há uma Roda de Diálogo com tema escolhido

nas reuniões que antecedem ao festival. Com a parceria, na sexta, pela manhã, um dos

educadores do projeto fazia a divulgação da Roda de Diálogo e do festival por meio de um

carro de som que percorria não só a comunidade em que iria ocorrer o festival, como as

circunvizinhas. No dia da roda de diálogo essa forma de divulgação era complementada pela

distribuição de panfletos.

No final de semana seguinte à primeira visita que fizemos ao GEGM-Geraldão em

janeiro de 2007, ocorreu o Festival da Juventude da Aurora (RPA-01), no Cais da Aurora

(RPA-1), conhecida pela sua pista de skate. Foi nossa primeira visita às atividades do Projeto

Esporte do Mangue numa comunidade, observamos as oficinas de Breakdance, Grafite e o

campeonato popular de Skate, oficinas e vivências relacionadas à percussão, jogos de futebol

em barrinhas e pula-pula, além de um torneio de futsal. Essas últimas realizadas por

educadores das outras diretorias do GEGM-Geraldão. No panfleto distribuído aos presentes

percebemos que na noite anterior havia ocorrido uma roda diálogo que discutiu o seguinte

tema: ‘Políticas públicas para a juventude e justiça social’. Um educador de skate relatou que

a presença foi pequena, que os skatistas não tinham aparecido. Aproveitamos essa visita para

registrar algumas fotos e principalmente para ver como é na prática um Festival da Juventude.

Salientamos que preferimos fazer a descrição das observações por festival, pois cada

comunidade mostrou uma particularidade em relação às ações do projeto. A Aurora, por

exemplo, tem a única pista de skate street da cidade, sempre citada pelos gestores como uma

conquista da juventude, além disso, por estar localizada no Centro do Recife, não tem uma

comunidade bem definida. Jovens de várias comunidades do Recife freqüentam o espaço de

lazer da Aurora.

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Figura 14 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da visita às atividades do Festival da Juventude da

Aurora [RPA 1].

Figura 15 (4) – Foto da seletiva do V Campeonato Popular de Skate.

Figura 17 (4) – Foto da seletiva do V Campeonato Popular de Skate.

Fonte: autor da pesquisa.

Fonte: autor da pesquisa.

Fonte: autor da pesquisa.

Figura 16 (4) – Foto da Oficina de Percussão.

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Duas semanas após o Festival da Aurora, fomos ao Festival da Juventude de Brasília

Teimosa (RPA-06). Brasília Teimosa é uma comunidade objeto de atenção não só de

políticos como da especulação imobiliária do Recife, situa-se no final da orla de Boa Viagem.

Foi a primeira visitada pelo Presidente Lula quando ganhou a primeira eleição. É uma

comunidade que não tem tradição de movimentos artístico-culturais ligados à juventude.

Realizar o festival foi uma opção política dos gestores do PCPEL. A comunidade é

geralmente citada pelo movimento de idosos, que fazem parte tanto dos Círculos de

Convivência Social de Lazer, como do Projeto da Secretaria de Saúde do Recife, a Academia

da Cidade, projeto que apoiou as primeiras ações do PCPEL naquela comunidade.

Em Brasília Teimosa observamos a dinâmica da Roda de Diálogo. Cerca de 50

pessoas presentes, entre pessoas ligadas ao projeto, coordenadores, educadores e alunos do

ProJovem; representantes das bandas musicais que tocariam no festival e outros interessados.

O tema em debate foi ‘Inclusão social através da cultura, esporte e lazer’. Um dos

coordenadores da Diretoria de Esporte e Juventude abriu a discussão. Depois outro

coordenador e os educadores presentes foram acrescentando suas opiniões e provocavam os

presentes ao debate. Falaram do “sistema capitalista desigual”, das “desigualdades sociais”,

do “esporte e lazer (cultura) como um direito social”, da “quebra de estereótipos”, de

“resistência e mobilização comunitária”, citando como exemplo a história de Brasília

Teimosa, e, por fim, um coordenador questionou, “como a gente pode mudar essa sociedade

que está aí?”. A história de luta de Brasília Teimosa é jargão comum de quem trabalha no

PCPEL e na gestão municipal.

Logo no início das discussões um senhor falou do Orçamento participativo que

aprovou a construção de uma pista de skate para o Pina e queria que saísse daquela reunião

um encaminhamento garantindo essa construção e a continuidade dos festivais mesmo com a

mudança de gestão. Um dos educadores presentes respondeu que algumas coisas não

aconteceram por um esmorecimento da própria juventude da comunidade. Usou como

exemplo a articulação de adultos e idosos da comunidade, que conseguiram a construção de

uma estrutura para a Academia da Cidade, mesmo sem aprovação no Orçamento

Participativo. Esse embate entre a conquista da juventude e o movimento de idosos deu o tom

da particularidade daquela comunidade. A votação no Orçamento Participativo para a

construção da pista de skate do Pina (o Rodão do Pina) foi fruto da mobilização da juventude

pelos próprios gestores do PCPEL no início de suas ações. A intenção era construir várias

pistas de skate na cidade.

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[...] aquela pista de skate que tá hoje na rua da Aurora foi pensada a partir de uma oficina de maquete com o pessoal de espaço, que discutiu com eles a relação de espaço na cidade. Daí surgiram oito projetos de pista para a cidade, a Rua da Aurora que já se concretizou, tem o Rodão do Pina que já dentro das nossas prioridades pra esse ano [2006] e vem surgindo outras séries de projeto (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006) .

Em relação à pista do Pina, há uma intenção da gestão municipal em readaptar o

projeto para construção de algo maior que contemple, principalmente, um espaço para a

ginástica de adultos e idosos. Esse processo vem gerando atrito entre os gestores do PCPEL e

os skatistas que participaram das votações do Orçamento Participativo, que repercute na

ausência de alguns deles nas ações do Projeto Esporte do Mangue.

Na Roda de Diálogo de Brasília Teimosa os organizadores do projeto enfatizaram que

o festival era uma oportunidade de mostrar o que acontece na comunidade. Falando em

autoorganização incitaram os presentes a mobilizarem pessoas da própria comunidade

interessadas em planejar uma ação. Falaram que a própria discussão em uma roda de diálogo

de certos assuntos já era uma iniciativa. Sobre conscientizar falaram no acesso a

informações, informações para uma ação organizada. Enfatizaram que o poder público

precisava saber o que a comunidade faz e, para saber, a comunidade precisava mobilizar-se e

se articular de forma organizada. Sobre resistir falaram na afirmação da criação cultural das

comunidades. A questão naquele momento seria “se organizar e ocupar espaço”. As

discussões procuravam articular o processo de conscientização crítica dos presentes com um

incentivo à que se organizassem. Um dos presentes, músico, citou um caso de organização

independente em sua comunidade, o Ibura Rede. Dessa maneira, descobrimos que algumas

comunidades da periferia do Recife estavam se organizando por meio de articulação de

movimentos independentes, principalmente relacionados a manifestações artístico-culturais.

Nesse sentido, aquela era uma oportunidade para os participantes conhecerem outras pessoas

e iniciativas comunitárias, trocar experiências, debater temas sociais relevantes, abrir

caminhos para a articulação de iniciativas comunitárias.

As pessoas mais conscientes, informadas e que estavam articuladas com movimentos e

organizações comunitárias, sejam ligadas ao projeto, ou não, estiveram à frente dos debates. O

músico do Ibura (RPA-6) levantou as principais discussões relacionadas aos programas e

ações do poder público no meio artístico e cultural, apesar de ali ser um espaço de discussão

da política pública de esporte e lazer. Disse ele, “se tem palco e envolve bandas”, era também

um debate para artistas e músicos.

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No entanto, a Roda de Diálogo não proporcionou aprofundar algumas discussões, nem

concretizar ações mais efetivas, como o encaminhamento requerido no início das discussões

sobre a pista de Skate e a exigência da continuação do projeto mesmo com a mudança de

gestão. Os diversos temas levantados contribuíram para a dispersão dos debates. Apesar de

um tema norteador houve discussões sobre: espaços de apresentação artística e cultural na

cidade; pagamento de artista; transformação da cultura em mercadoria; exigências de muitas

documentações por parte da política nacional de cultura às iniciativas comunitárias, uso da

cultura negra e dos elementos hiphop pela mídia. Chamou atenção a ausência de lideranças

contestatórias ao poder público e ao projeto, apesar do tom de crítica de alguns presentes em

relação à pista de Skate do Pina (conquistada no Orçamento Participativo) e o papel do poder

público em relação aos artistas da periferia.

No final de semana seguinte fomos à Roda de Diálogo do Festival da Juventude da

Macaxeira (RPA-3), no palco de uma quadra (votada no Orçamento Participativo) ao lado do

campo do União da Macaxeira. Nesse palco ocorreram as apresentações de bandas dos

festivais dos anos anteriores. Cerca de 50 pessoas estiveram presentes, coordenadores e

educadores do projeto; outra turma do Projeto Projovem; representantes das bandas musicais

e outros interessados.

Na Macaxeira, houve duas reuniões anteriores ao festival. Na comunidade há um

movimento de bandas independentes ligadas ao movimento underground.

Um exemplo é a galera lá da Macaxeira, Macaxeira Multicultural, que se organizaram enquanto grupo que são bandas de rap, hardcore, rock, punk, que tão se organizando em torno dessa entidade [...] dentro do festival eles já começaram aquela discussão, eles tinham um outro nome, mas que não tava abrangendo a quantidade, a diversidade, era o Macaxeira quer Rock . E aí não tinha só o Rock mais, tinha outras manifestações, então eles abrangeram e cresceram (Gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

O movimento, que tem ainda bandas ligadas ao Reggae, ao Maracatu sempre apoiou a

realização das ações do Esporte do Mangue na Macaxeira, mas nas reuniões que antecederam

à realização do festival de 2007, demonstrou resistência em relação à aproximação do Projeto

Esporte do Mangue com bandas de Pagode, Swingueira e Brega, especialmente com o cachê

pago, por meio da parceria, para as bandas que fechavam as noites do festival. Por pouco não

participaram do festival em 200720.

20 Essa informação foi conseguida com um educador.

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Figura 18 (4) – Foto do Aulão de Frevo do Festival da Juventude da Macaxeira [RPA 3] 2007 – Palco fruto da Parceria da Prefeitura com empresa eventos.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 19 (4) – Foto de apresentação de bandas no Festival da Juventude da Macaxeira 2006 - Palco da parceria do GEGM-Geraldão com a comunidade.

Fonte: GEGM-Geraldão.

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Os Festivais da Juventude21, antes fechados, abriram espaço para ritmos musicais

como swingueira e brega. Seguindo anseios da aproximação da gestão municipal com a

política nacional de juventude, os gestores viram nessas linguagens uma possibilidade de dar

maior visibilidade ao projeto, apesar de ir contra a proposta inicial voltada às bandas

underground (Rap, hardcore, rock, punk, etc.), que têm ligações com os esportes radicais e os

elementos da cultura hiphop.

[...] ao longo desses quatro anos [...] tinha de certa forma grande maioria de seu público esses jovens ligados aos esportes radicais e que até o final da primeira gestão de João Paulo isso sinalizou não mais só pra juventude radical, mas pra outras juventudes, que é a juventude ligada aos grupos de dança, juventude ligada ao brega que é uma das coisas que a gente de certa forma tinha uma certa resistência [...]. Então, isso começou a ser cobrado, um trabalho não só com a juventude radical, mas um trabalho que tivesse uma atenção [...] com as diferentes juventudes. Juntando a isso, também, veio, de certa forma, uma relação direta com a política nacional. A juventude vinha ganhando espaço nas agendas governamentais [...] (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2007).

Nas reuniões que antecederam ao Festival da Macaxeira foi escolhido o seguinte tema

para a Roda de Diálogo: ‘Juventude lutando contra a violência no seu tempo livre’. Um

educador do projeto ficou responsável por iniciá-la. Falou que as comunidades teriam que

lutar contra a apropriação do tempo livre para a violência, citando casos de envolvimento de

jovens nas comunidades com grupos organizados para pichar muros e brigas em bailes funk.

Sobre a modalidade que praticava falou do preconceito contra os skatistas, vistos como

vagabundos e desocupados, tanto por parte da polícia (os “homi”) como das comunidades.

Falou da experiência na sua comunidade, das repressões que sofreu. Falou que a violência

estava no âmbito familiar, nas ruas e na forma como as pessoas falam umas com as outras.

Outro educador interveio falando em “lutar contra o sistema”. Um participante do Projovem,

que se tornou monitor dos círculos de convivência social de juventude, falou de sua

experiência com violência policial. Enfatizou que todo mundo pensa que quem é “maconheiro

é ladrão”, para ele, uma forma de preconceito e discriminação.

Na seqüência, outro educador, falou da violência alimentada pela mídia que repercute

nas comunidades. O papel da mídia é tema recorrente da juventude radical. Exemplificou a

questão da violência por um episódio visto na tarde daquele dia quando um grupo de meninos

21 Desde seu início ligado às bandas de Rock (Underground), em 2006, o antes Festival da Juventude tornar-se-ia Festival das Juventudes, para agregar outras linguagens (Brega, Swingueira). Apesar de o coordenador usar a nova nomenclatura, nos cartazes continuaram como Festivais da Juventude.

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brincando de futebol, no campo do União da Macaxeira, ameaçavam uns aos outros com tapas

e socos, alertando que os jovens estavam aprendendo a resolver tudo pela violência (agressão

física). Esse mesmo educador ampliou a perspectiva de se compreender a violência

interpretando “as carteiradas”, “as prisões e solturas do Juiz Lalau”, “a subida de preços de

comida, de gás” como formas de violência na sociedade brasileira. Abordou também a

ocupação das universidades públicas por “filhos de burgueses”, de viver num país

democrático, livre e com direitos sociais. Disse ainda, “não importa onde a burguesia se

esconda, a periferia vai encontrá-los”.

Outro educador, que era da comunidade da Macaxeira falou da “mídia como um

instrumento do Capitalismo”. Incitou os presentes e demonstrou uma preocupação para além

do seu trabalho como educador do projeto.

a gente tem que mudar. A gente tem que se organizar. Pensar em todo mundo. Vamos fazer alguma coisa pra mudar algo pra essa criançada. Não é porque tô com essa camisa agora [referindo-se à camisa dos círculos populares], antes eu já fazia algo. Dava minhas aulas no Poeta [local na Macaxeira]. O jovem tem muita coisa pra dá.

Um participante da Roda de Diálogo citou uma organização independente do Alto Sta.

Terezinha (RPA-2), da qual fazia parte, chamada Jovens Conscientes do Alto (JCA). Falou do

envolvimento das crianças de sua comunidade com o tráfico de drogas, da falta de

perspectiva, da ausência da família para “mandar os meninos para a escola” (pensar o futuro

das crianças). Com aquela organização tentava contribuir, junto com outros colegas, na

mudança do cotidiano da juventude de sua comunidade.

O movimento surgiu através de uma militância que a galera construiu, são jovens, que significa JCA, Jovens Conscientes do Alto que é do Alto Santa Terezinha, do Alto do Pascoal, de vários Altos. Tem grupo de grafiteiro, skatista, bandas, onde a gente se organiza pra tirar aquela galera que tá sem fazer nada pra construir alguma coisa. Tipo a gente o ano passado, a gente fez um projeto lá, teve aqui o Festival da Juventude que era da Prefeitura e a gente tinha participado das reuniões e dali a gente foi todo mundo fazer um festival. Aí onde a gente correu atrás de várias parcerias, ai teve até participação da mídia lá, entrevistou um dos representantes do JCA. A gente fez independente. As formas de divulgação, [...] a gente às vezes desenrola uns panfletos, mas quando não tem a gente vai no boca a boca mesmo, chega nas escola, pega umas cartolina e risca dizendo que vai ter evento em tal lugar, deixa no mural de aviso, vai de sala em sala explicando [...], onde a gente corre de skate a gente deixa aviso, tipo assim: ‘você que tá de bobeira sem fazer venha para cá correr de skate!’, aí JCA (Depoimento de um monitor da Diretoria de Esporte e Juventude que faz parte da organização, em 11/04/2007).

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Figura 20 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da Roda de Diálogo do Festival da Juventude da

Macaxeira [RPA 3].

Figura 21 (4) – Foto da Roda de Diálogo.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 22 (4) – Foto da seletiva do VI Campeonato Popular de Skate.

Figura 23 (4) – Foto da Oficina de Grafite.

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Jovens das comunidades aproveitam as ações do Projeto Esporte do Mangue para

aprenderem como organizam festivais e outros tipos de ações, e mesclam esse aprendizado

com práticas comunitárias simples, geralmente utilizadas por organismos juvenis

independentes que existem na periferia, como o boca a boca e divulgação de suas atividades

em escolas públicas. Práticas que inspiraram a forma de organização dos projetos do PCPEL.

Apesar do predomínio de intervenções, na Roda de Diálogo, de quem estava envolvido

no projeto ou em alguma ação nas comunidades, o “diálogo” foi rico e não ficou restrito à

contribuição que o esporte e o lazer proporcionam no combate à violência. O preconceito, a

polícia e o papel da mídia foram assuntos recorrentes. Porém, ao final da reunião não houve

proposição para a continuidade das reuniões ou alguma reivindicação da comunidade. Um

aspecto que chamou atenção foi que não ocorreu nenhum tipo de contestação ou elogio ao

Projeto Esporte do Mangue, nem referência à gestão municipal, mesmo por parte de quem era

do projeto. Às vezes dava a impressão que não estávamos numa ação de um programa de

governo. Outro aspecto importante do Festival da Macaxeira foi a contestação do movimento

independente de bandas, Macaxeira Multicultural, em relação à aproximação do projeto com

bandas não ligadas ao movimento underground.

No Festival da Macaxeira observamos as vivências e oficinas. Além das oficinas de

Breakdance e Grafite e o campeonato popular de Skate, houve oficinas e vivências

relacionadas à percussão, jogos de futebol em barrinhas e pula-pula. Um dos coordenadores

do projeto havia falado, no Festival da Aurora, que as atividades nos espaços das

comunidades eram bem diferentes da Rua da Aurora, conhecida por sua estrutura e um dos

poucos locais da cidade com pista para a prática de skate. Na Macaxeira os obstáculos,

compostos de madeira e ferro, foram colocados no meio de uma quadra. Nela havia banners,

um era do fabricante e o outro do revendedor no Recife de materiais voltados para esportes

radicais. Não houve interlocução da diretoria responsável pelo projeto naquele patrocínio. Os

educadores através do conhecimento e engajamento junto às empresas conseguiram o apoio.

Empresas que fornecem materiais para uso nas atividades sistemáticas (círculos de

convivência social de juventude) e premiação das competições do projeto. Nas atividades na

Macaxeira os educadores alertavam os consumidores de droga para não fazerem aquilo perto

das atividades. Por meio do diálogo tentavam retirá-los, pois as atividades não poderiam estar

associadas ao consumo de drogas ilícitas. O mesmo procedimento tinha ocorrido no Festival

da Aurora. Na organização dos festivais os educadores e monitores das atividades sistemáticas

da Diretoria de Esporte e Juventude têm envolvimento direto com a organização das ações do

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Projeto Esporte do Mangue. O que não ocorre, por exemplo, com o Projeto Futebol-

Participativo, que tem monitores específicos para a organização de suas ações (campeonatos).

Na semana seguinte estávamos na Roda de Diálogo do Festival da Juventude de

Areias, na Escola Municipal Isaac Pereira, em Areias (RPA-5). Era o último festival na

programação do Verão Total do Frevo. Era o 3º Festival da Juventude, naquela comunidade,

desde o início das atividades do Projeto Esporte do Mangue em 2002. 18 pessoas estiveram

presentes, o coordenador de eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, alguns educadores e

monitores do projeto; representantes das bandas musicais e dois líderes comunitários que

trabalhavam na Prefeitura, um delegado Orçamento Participativo e uma senhora que fazia

parte do Plano Diretor da cidade. Não houve turma do ProJovem, que contribuiu para o maior

número de pessoas nas outras reuniões. O tema debatido foi ‘Juventude e participação

política’. Um jovem da comunidade problematizou o tema. Era poeta e junto com o

coordenador de eventos do projeto fazia parte de um grupo independente de jovens dos

bairros Areias e Barro (RPA-5). Grupo que, como outros organismos juvenis da periferia,

organizava festivais independentes e procurava o poder municipal para solicitar ajuda

financeira. Além disso, fazia jornais comunitários, conhecidos como fanzines.

[...] na luta com a juventude [...] fundei o grupo de juventude Mente Aberta [...] que tem o objetivo de articular todas as entidades e grupos na RPA. É um grupo que aglutina os skatistas, grafiteiro, em sua maior parte é uma galera de banda. Foi a partir desses movimentos, desde tá organizando festivais com a juventude [...] buscando apoio da Prefeitura, mesmo não tando inserido na gestão. [...] eu vim da área de Geografia e sempre fazia essa ponte, e na prática e no trabalho o que eu mais desenvolvia era no setor de eventos. Mas um evento que era voltado muito para a questão da autoorganização, do trabalho socialmente útil, não é evento pra vender marca nenhuma, é evento que era pra mobilizar a juventude e dá espaço pra aquela galera de periferia que em sua maioria das vezes não tinha espaço pra tá tocando, pra tá participando de um campeonato. Outro fato importante, que [a gente] se preocupava [era] na questão da parte de comunicação, sempre fazendo essa ponte com a questão de evento, como tá divulgando? como tá registrando? Era por meio de um fanzine, comecei com o Fanzine Mente Aberta (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

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Fonte: fanzine fruto do Projeto Parabólica e Satélite do Mangue, 10/08/2005.

Figura 24 (4) – Primeira página do (primeiro) Fanzine Satélite.

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Figura 25 (4) – Segunda página do (primeiro) Fanzine Satélite.

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Na Roda de Diálogo foi levantado o problema da continuidade das atividades após o

festival. A senhora que fazia parte da gestão municipal disse, “e depois a criança pobre não

tem escola de música em sua comunidade”. O componente de uma banda questionou o caráter

pontual das reuniões e senão poderiam continuar para não ficar restrita ao momento do

evento. O coordenador de eventos do projeto falou que existiam monitores na comunidade em

vista de uma articulação e que a juventude tinha que procurá-los. Enfatizou que “vocês

precisam refletir sobre autoorganização”, “a gestão vai acabar”. Falou que era aquilo que o

PCPEL tentava passar e questionou sobre o que iria acontecer quando não existir mais uma

pessoa para ir discutir com eles, como naquela ocasião. Nesse sentido o facilitador da Roda de

Diálogo explicitou que as pessoas ainda dependem muito da Prefeitura para uma iniciativa,

falou que no seu bairro, quando falavam em reunião da juventude, as pessoas questionavam

logo se o coordenador daquela roda iria. Outro presente, monitor do projeto, incitou os

presentes a procurar a comunidade, conversar com comerciantes, por exemplo, para mostrar o

que estava sendo feito em termos de cultura na comunidade. Citou como exemplo uma

articulação do Ibura (RPA-6) entre skatistas, praticantes de elementos da cultura hiphop e

surfistas, criticando a mídia por falar de sua comunidade como um lugar que só tem violência.

Os presentes falaram do preconceito da comunidade com as linguagens culturais,

pensando que são jovens que não têm o que fazer. Isso dificultava um maior reconhecimento

e articulação dos jovens com moradores e comerciantes. Falaram que em Areias a vizinhança

não gosta de barulho e que quando tentavam fazer uma reunião na rua eram expulsos. Nesse

sentido foram feitas críticas à atuação da associação de moradores, para os jovens presentes,

tomada por disputas políticas.

Além desses, outros aspectos foram abordados sobre as limitações de iniciativas

próprias por parte da juventude. O primeiro deles foi a falta de espaço para encontros e

reuniões, salientando que estavam ali por intermédio da Prefeitura e não por eles mesmos.

Falaram que muitas vezes os administradores das escolas impedem que as comunidades as

usem nos finais de semana. Aspecto que não teve a concordância dos líderes comunitários que

trabalhavam na Prefeitura, que afirmaram que o Prefeito João Paulo não permitiria que se

fechassem as escolas para uma reivindicação da comunidade. Em seguida falou-se da

ausência de uma espécie de atrativo para outros jovens virem debater temas importantes para

a vida comunitária e discutirem temas para além da cultura, como também dos limites de

encontrar uma maneira de mostrar às comunidades o que realizam, de conquistar

reconhecimento.

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A Roda de Diálogo de Areias, como as anteriores, mostrou-se uma oportunidade de

troca de experiências e de conhecimento de algumas incitativas tomadas pelas comunidades,

como foi o caso de uma articulação existente no Ibura e de uma associação de bandas de Rock

do Pina (Sobra). Nela alguns componentes de banda souberam de projetos governamentais,

como o Programa Escola Aberta, que ocorriam aos finais de semana nas escolas públicas e

que eles poderiam participar com oficinas. Aquela foi a primeira roda de diálogo que mostrou

indícios para uma ação futura. Foi a que teve menos pessoas, mas um debate com foco e

perspectiva. O local, uma escola pública, contribuiu para um contato maior entre os

participantes, dados o ambiente silencioso e a pouca movimentação de pessoas. Como em

outras reuniões já relatadas, quem esteve à frente das discussões foi o pessoal envolvido com

o Projeto Esporte do Mangue, alguns componentes de banda mais conscientes de seu papel

enquanto promotores da cultura em sua comunidade, e, particularmente, nessa última,

funcionários da gestão municipal.

Em Areias a particularidade esteve no envolvimento de jovens, especialmente do

coordenador de eventos do projeto com uma organização juvenil que tinha ações voltadas

para a divulgação de suas ações por meio de um jornal comunitário, conhecido como fanzine.

Em relação à dificuldade de continuação de reuniões após os festivais, os Seminários

Parabólica e Satélite do Mangue, ação do Projeto Esporte do Mangue em 2005, cumpriam

bem esse papel através do fanzine, que ajudava a divulgar, na própria comunidade, o que

vinha sendo feito pela juventude. Uma ação que não exigia grande investimento orçamentário

do GEGM-Geraldão.

O Parabólica era um instrumento muito bom, tinha um sistemática de tá se reunindo com os jovens na comunidade toda semana [...]. A questão do fanzine na comunidade é uma das ações que é simples e quando requer a questão de orçamento não é isso tudo. [...] A gente conseguiu segurar essa juventude com ação após os Festivais da Juventude. [...] tá sistematizando tudo que foi discutido, tá divulgando as ações e identificando valorização cultural e artística da comunidade, acho que foi um instrumento muito bom pra tá concentrando a juventude em prol de um objetivo. E a partir de um fanzine eles começaram disseminar em relação a galera tá se estimulando a tá construindo seu próprio festival, eu vi muito isso também. A partir do momento que ele tava produzindo algo, ele viu que ele poderia produzir muito mais além daquele material, um simples jornalzinho na comunidade. (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

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Figura 26 (4) – Panfleto recebido pelo autor no dia da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de

Areias [RPA 5].

Figura 27 (4) – Nota de Campo 1 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias.

Figura 28 (4) – Nota de Campo 2 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias.

Figura 29 (4) – Nota de Campo 3 da Roda de Diálogo do Festival da Juventude de Areias.

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No entanto essa ação foi deixada de lado, não só pela falta de investimento e ausência

de pessoas suficientes para implementá-lo, mas principalmente por uma nova atribuição da

coordenação de eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, a organização e apoio a eventos.

Todas as ações relacionadas ao PCPEL, que envolvem um evento, são organizados por uma

equipe da Diretoria de Esporte e Juventude. Experiência adquirida, ao longo do tempo, na

aproximação (e recrutamento) de jovens envolvidos com organismos juvenis nas

comunidades.

Hoje a gente tá tentando voltar, retomar o parabólica porque ele perdeu um pouco sua essência a partir do momento que a gente começou a apoiar evento (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

PROJETO FUTEBOL - PARTICIPATIVO

Seguindo um processo já iniciado por outros projetos e aproveitando a experiência

adquirida pela equipe gestora do PCPEL, o Futebol-Participativo vai às comunidades, a partir

de 2003, conhecer os peladeiros, as lideranças envolvidas com o futebol, os espaços ainda

existentes para a prática de esporte, para então adotar uma forma de organização de

campeonatos de futebol de várzea, que se inspira nos moldes do foi realizado, principalmente,

nas primeiras ações do Projeto Esporte do Mangue, isto é, realizando reuniões nas

comunidades. Assim, quebrou uma prática comum na organização de torneios de futebol por

poderes instituídos em que geralmente se abre um período de inscrições, marcam-se reuniões

e esperam-se os interessados aparecerem.

No início [...] nós tivemos que ir pra comunidade aos finais de semana, conversar com alguns peladeiros, saber quais eram as pessoas que organizam torneios para que elas nos indicassem quem eram as equipes ali da comunidade. Aí começamos também a fazer alguns torneios, fizemos um torneio na macaxeira, um torneio na RPA-4 na Iputinga e a partir daí começamos a marcar reuniões com dirigentes de equipes, o pessoal que fazia escolinha de futebol nas comunidades e a partir dessas reuniões começamos a colocar o projeto, a importância de fazer um campeonato de futebol, mas de maneira diferenciada, campeonato onde todo mundo se envolvesse, onde o pessoal pudesse apresentar quais eram os espaços que a gente poderia utilizar, quais eram os campos que eram públicos que eram privados, quem poderia tá utilizando, quais os parceiros ali na comunidade poderiam estar ajudando a que as pessoas se autoorganizassem pra participar da competição, então foi a partir daí que nós conseguimos a desenvolver o projeto futebol-participativo. Muito do garimpar mesmo as pessoas que já trabalhavam com o futebol na várzea (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

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Esta pesquisa teve seu início com uma visita a uma reunião da competição de futebol

masculino do projeto em junho de 2005. Não conhecíamos o Programa, seus fundamentos, os

outros projetos, enfim não sabíamos a dimensão do objeto empírico deste estudo. Naquele

momento o problema de pesquisa estava em definição. Foi uma visita de sondagem. Era a

terceira reunião da RPA-04. Ocorreu numa sala de aulas da Escola Municipal da Iputinga, no

bairro Iputinga, com o intuito de discutir o regulamento da competição e mobilizar pessoas

para participarem da competição, prática esta concretizada naquela reunião quando o

coordenador pediu aos representantes das equipes, que manifestaram conhecer pessoas que

desejavam participar da competição, a falarem (por boca a boca) aos interessados que as

reuniões estavam acontecendo. 2005 foi o ano em que houve a primeira ação mais ampla do

projeto, abrangendo as seis RPAs do Recife. Formato em que o campeonato é iniciado com

reuniões nas comunidades culminando com sua unificação em uma reunião geral. Essa forma

de organização foi testada em 2004, mas sua implementação efetiva foi em 2005.

Essas reuniões são utilizadas para discussão e definição do regulamento; do calendário

e das formas de disputa, junto às comunidades, representadas por donos de equipes, poucos

meses antes do início das competições. Nessas reuniões os representantes das equipes

reivindicam mais apoio para melhorar as condições do campo de jogo, expõem as

dificuldades para se locomover para as reuniões, sugerem formas de premiação, são

incentivados a mobilizar pessoas da comunidade a participar, entre outros aspectos. As

reuniões ocorrem nas comunidades (escolas públicas, associações de bairro, espaços públicos

de esporte e lazer), como nas instalações do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (GEGM-

Geraldão).

À frente daquela reunião estavam o coordenador das atividades do projeto na RPA-4,

professor de Ed. Física, e um líder comunitário. O primeiro faz parte da Diretoria de Esporte

Amador e o segundo é uma pessoa da comunidade que trabalha como monitor do

coordenador, sendo elo de contato e meio de articulação entre a Diretoria e a comunidade.

Esse monitor tinha participado em anos anteriores do campeonato de futebol à frente de uma

equipe naquele bairro, sendo depois trazido para trabalhar no Programa. Como o coordenador

não está diariamente nas comunidades, o monitor fica responsável por comunicar quando e

onde ocorrerão as reuniões, tirar dúvidas e levar reivindicações da comunidade para o

coordenador, que as repassa ao gerente responsável pelas atividades do projeto.

A princípio nós começamos a fazer esse trabalho com as equipes, mas diante da organização do campeonato foram surgindo a necessidade de que pessoas da comunidade pudessem tá ajudando nossa organização. E pessoas que a princípio eram ligadas a equipes, eram donos de equipes e que

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voluntariamente nos ajudavam aí nessa organização, seja na informação, na reunião com os clubes, na questão de tá achando locais pra gente fazer reuniões, escolas etc. E a gente começou a formar então comissões de apoio. [...] a gente começou de cada localidade trazer um pra que a gente pudesse nos dias de jogos eles tarem levando a súmula do jogo, organizando o pessoal da arbitragem pra que o pessoal pudesse ficar, ter uma segurança, inclusive fazer a segurança mesmo já que a gente não contava e tem a dificuldade muito grande de contar com policiamento, então a amizade, o conhecimento que eles têm ali com a localidade faz com que essa segurança apareça pelo respeito que as pessoas têm a essas lideranças (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Essas lideranças participaram de campeonatos de futebol promovidos por governos

anteriores, alguns têm escolinhas de futebol e equipes em suas comunidades. Em geral estão

envolvidos em organização tradicionais de organização comunitária, principalmente nas

associações de bairro. Além disso, representam a comunidade em esferas de participação

social abertas pelo poder público, centralizando a representação comunitária. São amantes do

futebol e vistas como realizadores de trabalhos sociais nas comunidades por parte dos gestores

do projeto. A experiência dessas lideranças em relação ao cotidiano das comunidades se

mostra fundamental na implementação do projeto.

[...] passaram 2, 3 anos sem nada receber, voluntários mesmo. Dávamos apoios, eles têm assim escolinhas comunitárias, então tinham nosso apoio com material esportivo, mas nunca em troca do apoio na comunidade, era muito mais por ver o interesse deles, o trabalho que eles vinham desenvolvendo e aí isso fez com que eles se envolvessem ainda mais dentro do projeto. [...] antes do Futebol-Participativo existir eles já participavam de outras competições que já existiam aí por outras gestões, [...] eles são abnegados ao futebol, [...] têm escolinhas de futebol há mais de 20 anos, então já fazem um trabalho social na comunidade. [...] incentivamos ainda mais esse trabalho nas comunidades e eles vieram se aproximando de maneira voluntária e nós fomos aproveitando todo o potencial e capacitando ainda mais eles para o trabalho dentro da comunidade (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Em julho de 2005 ocorreu a reunião de unificação do regulamento da competição

masculina do Futebol-Participativo, na Escola Municipal Pedro Augusto, Bairro Boa vista

(RPA-1). Nesse ano, os organizadores do projeto deixaram claro que a competição deveria ter

o maior número de equipes possível. Na reunião o regulamento da competição foi unificado

após deliberações sobre os pontos divergentes levantados nas reuniões das regiões político-

administrativas da cidade. Foi o momento de tirar todas as dúvidas e propor algo, já que a

competição começaria em menos de um mês. Dela participaram o gerente responsável pela

competição, coordenadores, monitores/líderes comunitários e representantes de todas as

regiões político-administrativas da cidade, eleitos nas respectivas reuniões.

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Coordenada pelo gerente do projeto, na reunião de unificação um líder comunitário

que trabalhava no projeto como monitor, mas representava sua RPA, interveio falando da

importância de ele, como líder da comunidade, participar da organização do campeonato e a

implicação disso na sua cidadania. Falou que participava de campeonatos de várzea

promovidos por governos desde o início da década de 80, salientando que esses campeonatos

tinham seus jogos levados para quartéis, pois viam o pessoal da periferia como causadores de

problemas, dizendo ainda que o Projeto Futebol-Participativo fez a comunidade valorizar os

campeonatos de várzea, os campos estavam lotados novamente.

O depoimento do líder comunitário/monitor mostrou um aspecto positivo do Futebol-

Participativo, levar jogos para os campos das comunidades, mas um ponto chamou atenção: o

elogio ao projeto e à própria gestão por parte de um liderança comunitária que trabalhava no

projeto. Esse mesmo líder comunitário, após esse depoimento, foi escolhido para falar no

desfile de abertura do campeonato, que contou com a presença do Prefeito da cidade, da

Secretária de Educação, Esporte e Lazer, do Diretor-presidente do GEGM-Geraldão e outras

representantes do poder municipal, que falaram em um palco após um discurso de elogio ao

projeto em nome das comunidades, por parte do líder comunitário. O desfile de abertura, após

a reunião de unificação do regulamento, ocorreu no campo do Bueirão, na Torre (RPA-4),

em agosto de 2005. Esse campo faz parte dos espaços administrados pelo GEGM-geraldão

dentro do Projeto Rede Física.

[...] o Bueirão simbolizava, e simboliza ainda, o campo de várzea, é o melhor campo de várzea que temos na cidade. Isso é dito por todos que participam, ex-atletas, representantes de equipes, etc. [...]. (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

No desfile algumas equipes ganham prêmios como uniformes e bolas. O critério preza

pela quantidade de pessoas que a equipe mobiliza, o respaldo que dá ao projeto em termos de

visibilidade.

Nós premiamos as equipes que trazem o maior número de participantes uniformizados, equipes que realmente participam aí de categoria aberto, sub-15, veterano, então são equipes que são organizadas dentro da comunidade, a gente premia nesse sentido e equipes que têm uma torcida grande. Então premiamos a maior torcida, a torcida mais animada na verdade a equipe que fizer o melhor desfile, então fazemos aí um sorteio de padrões, de uniformes de equipes, de bolas, e alguns outros brindes que conseguimos aí com nossos parceiros. A equipe que tiver a torcida mais animada ganha um padrão completo e uma bola, a segunda um padrão, a terceira uma bola (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

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Ainda em 2005, foram observadas as ações do projeto nas reuniões da competição

feminina de futebol, em três reuniões, que ocorreram entre outubro e novembro de 2005.

Essas, ao contrário da competição masculina, não aconteceram em espaços públicos nas

comunidades, nem obedeceram à subdivisão em regiões político-administrativas. O número

de participantes era muito pequeno e de lugares muito distantes, inclusive de outros

municípios. Em relação à competição masculina tinha características bem diferentes,

principalmente no que concerne à ligação com iniciativas comunitárias. Agregava, além da

equipe feminina do próprio Geraldão, dois grandes clubes de futebol, o Clube Náutico

Capibaribe e o Sport Club do Recife, que investiam na modalidade feminina. As reuniões

foram centralizadas numa sala de reuniões do GEGM-Geraldão, na Imbiribeira (RPA-06) e

coordenadas pelo gerente de esporte comunitário da Diretoria de Esporte Amador. Com ele

monitoras, vindas das comunidades da periferia e que participavam da equipe de futsal

feminina do GEGM-Geraldão, para sistematizarem os assuntos que eram discutidos e as

deliberações, mas sem emitir qualquer opinião durante as reuniões.

[..] hoje o que temos aí é na verdade um projeto que se ampliou bastante porque se antes nós tínhamos voluntários, agente começou a fazer um trabalho junto à juventude e à formação de monitores, durante todos esses anos nós formamos pessoas pra trabalhar efetivamente no Futebol-Participativo. [..] eles são jovens, diria que adultos/jovens faixa etária que chega a 25 anos no máximo, inclusive pessoas que saíram do projeto ProJovem22. Então, eles organizam as reuniões, marcam as reuniões, auxiliam os coordenadores [...]. Então eles hoje têm uma bolsa, são remunerados, mas ainda assim eles conseguem captar pessoas que os ajudam na comunidade. Muito do trabalho de informação no decorrer do processo todo, na organização dos jogos, eles trabalham também como delegados do jogo, é um trabalho que você tem que primeiro organizar todo o local pro jogo, organiza o campo, coloca as redes, demarca o campo, eles fazem todo esse trabalho (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

O trabalho desses jovens monitores volta-se para a ajuda na organização e viabilização

do campeonato junto às comunidades. Trabalham no apoio administrativo-operacional que os

gestores do projeto necessitam para mobilizar as comunidades.

22 “Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária - ProJovem é componente estratégico da Política Nacional de Juventude, do Governo Federal. Foi implantado em 2005, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Seus destinatários são jovens de 18 a 24 anos que terminaram a quarta série, mas não concluíram a oitava série do ensino fundamental e não têm vínculos formais de trabalho. Aos participantes, o ProJovem oferece oportunidades de elevação da escolaridade; de qualificação profissional; e de planejamento e execução de ações comunitárias de interesse público” (Disponível em: http://www.projovem.gov.br/html/oprograma_apresentacao.htm. Acesso em: 9 de mai. 2007). O GEGM-Geraldão é o órgão executor do Programa no Recife por meio do Arco de Esporte e Lazer.

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Repetindo o que aconteceu no campeonato masculino o gerente falou que o objetivo

era fazer as jogadoras participarem o máximo possível, pois só iriam acontecer três jogos por

equipe em todo o campeonato. “O intuito é manter as meninas em atividade até o final do

ano”, disse. Na reunião da competição feminina falou-se da importância dos representantes

das equipes criarem e estimularem círculos de convivência em suas respectivas equipes de

maneira a evitar que as jogadoras fossem seduzidas por propostas de equipes grandes e com

maior estrutura. Além disso, foi salientado que o intuito era fazer com que as equipes

jogassem “como equipe e não como time”, aspecto reforçado pelo Diretor de Esporte

Amador, que esteve presente na reunião, falando da importância da disciplina da equipe, no

sentido de convívio e respeito de uns com os outros. Nesse sentido foi indicado aos

representantes das equipes, que dentro da proposta de criar círculos de convivência, seria

interessante discutirem com as jogadoras o regulamento, particularmente, sobre atrasos, não

comparecimento, agressão contra árbitros e as conseqüências desses atos. A convivência seria

criada a partir de um aspecto organizativo (o regulamento) do campeonato.

A mobilização das equipes, especificamente para a competição feminina, acontece

principalmente por telefonemas aos representantes das equipes que participaram em anos

anteriores. Em 2005, os organizadores do projeto souberam, por meio de telefonemas aos

representantes, que algumas equipes femininas não deram continuidade às suas atividades.

Após as reuniões, em vez de uma abertura na comunidade, a competição feminina teve

um congresso técnico, uma solenidade na Prefeitura tendo à frente o Prefeito da cidade, pois

de acordo com os organizadores da competição, o futebol feminino estava dentro de um

âmbito muito maior de inclusão das mulheres na sociedade. Explicaram que a solenidade com

o Prefeito seria uma forma de valorização da mulher, como prioridade da gestão por meio da

Diretoria de Direitos Humanos da Prefeitura. Nesse sentido, o Projeto Futebol-Participativo

mostrava uma aproximação com a gestão municipal e começava a receber apoio, tendo o

Prefeito presente nas aberturas dos campeonatos masculino e feminino.

Em maio de 2006, retornamos às reuniões da competição masculina do Futebol-

Participativo com o escopo da pesquisa redefinido para o estudo de outros projetos do

Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer. A primeira reunião que participamos foi na

RPA-06, em sala de reuniões no GEGM-Geraldão. Era uma das reuniões, que também

aconteciam em outras regiões político-administrativas da cidade, dando início à competição

de futebol masculino de 2006. Nessa reunião um representante falou que uma coisa muito

importante foi a opção de se levar os jogos para campos próximos à comunidade. Esse

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representante havia sido citado como exemplo, pelo gerente do projeto, na reunião de

unificação de 2005, por ter conseguido levar jogos para o campo de sua comunidade, que

tinha poucas condições para sediar partidas.

Uma semana depois estivemos na reunião da RPA-4, numa sala de aulas da Escola

Municipal da Iputinga. Era a primeira reunião do ano naquela RPA. Naquele dia houve a

despedida do monitor/líder comunitário que apoiava o coordenador da área. Ele iria

administrar o campo da Praça Arraial Novo do Bom Jesus, espaço administrado pelo GEGM-

Geraldão dentro do Projeto Rede Física. Na reunião da RPA-4 foram citados problemas de

indisciplina entre equipes, agressões, troca de insultos e ameaças a coordenadores e

monitores. O coordenador alertou aos representantes presentes que aquele não era o intuito do

projeto, que, ao contrário, queria tornar o domingo um momento de lazer e brincadeira;

ensinar as equipes a lidar com a vitória e aceitar a derrota, e não, ir ao campo desrespeitar o

companheiro e demais presentes.

Em 2006 o objetivo era qualificar o Projeto Futebol-Participativo. O importante seria a

qualidade das equipes, não importando a quantidade de equipes como ocorreu em anos

anteriores. Para os organizadores era melhor um número menor de equipes, mas que

cumprissem o mínimo estabelecido. Queriam evitar os times “pega bebo”, ou seja, os

formados de última hora só para a disputa do campeonato. Uma das justificativas para a

mudança foi que mesmo não havendo os jogos, os custos de arbitragem e organização

continuavam. Aos times formados de última hora foi atribuído o grande número de jogos não

realizados (W.O.) em 2005. A preocupação em qualificar as ações do projeto, contrastou com

o ano anterior em que se procurava um maior número possível de equipes participantes.

[...] A questão da organização pra inscrição, nós intensificamos ainda mais isso, e isso realmente fez com que as equipes tivessem que se organizar mais e aí algumas realmente viram que não dava pra participar em função da necessidade de organização. Isso fez bem ao campeonato porque o número de wos diminuíram muito. É preciso aumentar a participação, mas de maneira organizada. O estímulo à participação não pode combinar com a não participação no dia do jogo. Você escreve a equipe, a equipe tá lá disposta a participar e no dia do jogo não aparece, então a partir daí a participação tá comprometida (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

A participação nos projetos passou a ser associada ao comparecimento, ou não, de

uma equipe no dia dos jogos. O discurso de aumentar a participação de maneira organizada

indicou obstáculos do projeto a possíveis participantes “espontâneos”.

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Na semana seguinte aconteceu a reunião de unificação do regulamento da

competição de 2006. Diferentemente de 2005, onde ocorreu numa escola pública, a reunião

foi numa sala de reuniões do GEGM-Geraldão, já indicando uma mudança de rumos da ação

do PCPEL, agora trazendo a comunidade para o órgão de implementação da política.

Com a nossa vinda pra o Geraldão, todas as atividades relativo ao Futebol-Participativo e ao esporte e lazer de uma maneira geral está sendo concentrada dentro do Geraldão, então as reuniões do feminino, do aberto, de todas as categorias a gente faz aqui, unificação do regulamento, tudo por aqui (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Além disso, o número de reuniões foi bastante reduzido em relação a 2005, resumido a

duas reuniões por RPA antes da reunião geral. O gerente responsável pela organização do

projeto enfatizou que em 2006 o projeto priorizou um menor número de reuniões para que não

houvesse o desgaste de 2005, quando as reuniões se estenderam por um longo período, fato

que para ele desmotivou a participação de algumas equipes. Junto a essa justificativa foi

salientado que o projeto estava consolidado, pois há três anos discutia a organização e o

regulamento das competições com os representantes das equipes. A maioria deles vinha

participando das reuniões desde o início da implementação desse formato de organização do

projeto. Além desses aspectos o gerente enfatizou que o projeto, em 2006, priorizando a

qualidade e evitando times “pega bebo” poderia atrair mais investimentos e que a não

ocorrência de jogos em 2005 atrapalhou a cobertura do campeonato pelos órgãos de imprensa.

No entanto, a brevidade das reuniões naquele ano trouxe problemas como, por

exemplo, polêmicas surgidas devido à má interpretação e sistematização das discussões na

comunidade por parte dos coordenadores. Num caso, um representante chegou a dizer que o

ponto não foi discutido na sua região político-administrativa. Em uma das RPAs (RPA-4) não

houve discussão de regulamento. Além disso, percebemos a brevidade limitou a possibilidade

educativa da reunião, que se restringiu aos aspectos organizativos de viabilização do

campeonato.

Na reunião de unificação de 2006 um representante, que foi citado, na reunião de

unificação do regulamento de 2005, como exemplo de iniciativa comunitária em levar jogos

para o campo da própria comunidade, falou que era um orgulho participar do projeto. Mais

uma vez nas reuniões do Futebol-Participativo, especialmente na masculina, uma liderança

comunitária se expressava em favor do projeto.

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Figura 30 (4) – Foto 1 (em preto e branco) da Reunião de Unificação do Regulamento da Competição Masculina do Projeto Futebol-Participativo 2006. Sala de reuniões do GEGM-Geraldão [RPA 6].

Figura 31 (4) – Foto 2 (em preto e branco) da Reunião de Unificação do Regulamento da Competição Masculina do Projeto Futebol-Participativo 2006.

Fonte: autor da pesquisa.

Fonte: autor da pesquisa.

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Assim, nas reuniões do Futebol-Participativo foi bastante esporádica a referência à

proposta político-pedagógica do PCPEL. Quando ocorreu, buscou-se incentivar os times, por

meio de seus representantes, a formarem círculos de convivência sem mediação por parte de

um coordenador ou educador do Programa. O trabalho dos monitores/líderes comunitários é

restrito ao apoio administrativo-operacional de organização dos campeonatos, envolvendo

também mobilização das comunidades. Nas reuniões observadas, houve apenas uma ocasião

em que o líder comunitário/monitor interferiu. Na ocasião respaldou as afirmações do

coordenador sobre o cuidado dos organizadores do projeto em relação a deliberações sobre

punição/exclusão de equipes, de jogadores, da decisão sobre o local das partidas e no esforço

para a melhora das condições dos campos de várzea de alguns bairros. Tentava quebrar a

desconfiança dos representantes em relação às decisões dos organizadores.

Nesse sentido, predominaram deliberações sobre aspectos relacionados à organização

e viabilidade do campeonato. Boa parte das deliberações sobre o regulamento e reivindicações

dos representantes das equipes barraram nos impedimentos estruturais, principalmente, na

falta de recursos do projeto e na resistência dos organizadores em modificar as regras do

futebol. A legislação e as regras oficiais do futebol foram usadas como justificativa para não

mudar pontos do regulamento sugeridos pelos representantes dos times, potencializando a

quebra do caráter educativo da discussão do regulamento. Vale salientar que o gerente e todos

os coordenadores do projeto têm formação de árbitro de futebol profissional.

A questão de formação de árbitros comunitários, a gente vai fazer, o fato concreto é que em 2005 nós não fizemos, nem 2006, porque isso foi cumprido pela parceria que tínhamos com o Sindicato dos Árbitros [de Futebol de Pernambuco]. Mas fizemos com que pessoas da comunidade fossem fazer o curso de árbitros pelo Sindicato e aí os monitores da gente, os nossos monitores, a maioria fez curso de árbitro no Sindicato são árbitros do sindicato, acho que 80% é árbitro. Mas além de fazer com que os nossos monitores sejam árbitros, incentivar realmente que façam curso de regra de futebol nas comunidades. No nosso cronograma desse ano vai ter espaço para esse curso de formação (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Ao final das três reuniões da competição feminina evidenciou-se a passividade dos

representantes das equipes em relação às deliberações, seja no que se refere aos pontos do

regulamento, seja em relação à maneira de organização do campeonato como um todo. Como

a competição acontecia após o início da masculina, o regulamento desta era utilizado como

referência. A competição masculina teve um nível maior de deliberação, mas ainda restrita à

organização e ao regulamento, como também a limites de infra-estrutura levantados pelos

representantes das equipes.

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Das observações percebeu-se também que os representantes referenciavam

constantemente as experiências e limites de suas equipes, e não da comunidade. Mostravam-

se predominantemente interessados na possibilidade (ou não) de realização do campeonato e

nas condições para a participação. Não foi levantado tema relacionado à realidade social das

comunidades para discussão ou debate (exceto em relação à violência no dia dos jogos), nem

incentivado, por parte dos organizadores, o uso das esferas públicas de participação social,

como orçamento participativo, para reivindicações. As discussões nas reuniões foram muito

parecidas, inclusive os pontos levantados, predominantemente de ordem administrativa.

ASSUNTOS FREQÜENTES DAS REUNIÕES NAS COMUNIDADES Por parte da Comunidade (representantes das

equipes/RPA) Aspectos abordados pelos organizadores

(Gerente, Coordenadores, Monitores) - Solicitação de prêmio financeiro devido à gastos para manutenção das equipes e compra de material esportivo. - Dificuldades financeiras para ir às reuniões, cumprir exigências da competição, como fotos de jogadores, bolas e deslocamento para os jogos. Esse ponto exacerbou-se na competição feminina. - Solicitação para que a final do campeonato fosse realizada em campos da comunidade e não, como é comum, em um dos estádios de futebol do Recife. A final do campeonato tem cobertura de órgãos de imprensa da cidade, presença do Prefeito e outros representantes do poder público local. - Solicitação para quem tivesse o mando do jogo levasse a partida para o campo que desejasse. - Exigência de punição aos times que cometeram atos violentos ou de ameaça a equipes e a jogadores adversários, evitando alocar os jogos, de times que sofreram ameaça, no campo onde a receberam. - Questionamento da qualidade dos árbitros, vista como geradora de confusões. - Relato de perda de atletas, pois os jogos aconteciam no domingo à tarde. Nesse horário, os jogadores preferiam “tomar uma (cachaça, cerveja)”, escolhendo os jogos/ campeonatos que aconteciam pela manhã.

- Explicação aos presentes sobre os requisitos de inscrição, preenchimento e entrega de formulários e assuntos relacionados às condições dos campos e onde seriam os jogos. - Iriam trazer pessoas da comunidade, que não estivessem envolvidos com as equipes, para trabalharem como mesários nos dias de jogos. - Enfrentavam problemas com falta de campos para as partidas em algumas comunidades. Bairros como Casa Amarela e Macaxeira (ambos na RPA-3) tem apenas um campo cada e uma grande quantidade de jogos. -Foi salientado que, como projeto do poder público, não poderia ter premiação financeira, nem constar no regulamento itens relativos à exigência de pagamento. - Relataram iniciativas da comunidade, como, por exemplo, o caso do Campo Jardim de Alá (RPA-6), Imbiribeira. Mesmo sem dimensões e condições adequadas para uma partida de futebol, um dos líderes da comunidade junto com representantes das equipes convenceram a organização do projeto a levar os jogos para o campo, alegando que era importante para a comunidade. - Relataram que dependendo da organização e iniciativa das comunidades a final poderia ser um dia nos campos da própria comunidade. Reforçaram o sonho do atleta de várzea em jogar num campo oficial.

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- Questionamentos sobre o porquê da organização do projeto nunca levar sua bola e exigir das equipes. - Solicitação para que constasse no regulamento a obrigação do pagamento da marcação do campo para a equipe mandante. - Solicitação para que a festa de premiação das equipes campeãs ocorresse nas comunidades e não no GEGM-Geraldão.

- A falta de recursos foi a justificativa para não colocar bolas nos campos em que ocorrem os jogos. - Sobre a festa de premiação, um esforço seria feito para que ocorresse tanto no GEGM-Geraldão como na comunidade.

Quadro 5 (4) – Assuntos freqüentes nas reuniões do Projeto Futebol-Participativo.

Como o regulamento estava praticamente assimilado, após cerca de três anos de

discussão, as reuniões tornaram-se encontros sem potencial educativo e voltado para

explicação a novos participantes do que era preciso para participar dos campeonatos. A

ausência de deliberações mais amplas nas reuniões fez com que, em 2006, seu número fosse

sensivelmente reduzido, já que o projeto conseguia reunir um grande número de participantes

(cerca de 18.000) sem grande esforço de mobilização. Ir à comunidade e utilizar a

experiências de reuniões, iniciada pelo Projeto Esporte do Mangue, fez do Futebol-

Participativo um projeto de grande visibilidade já no primeiro ano (2005) de implementação

com novo formato.

A falta de apoio sistemático ao futebol feminino nas comunidades, que culminou no

fim de algumas equipes apenas um ano após a primeira competição realizada pelo projeto

para a categoria, mostrou uma das vulnerabilidades do projeto, seu caráter eventual/pontual,

principalmente, na modalidade feminina do futebol que sofre muitos preconceitos.

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Fonte: site da Prefeitura Municipal do Recife.

Fonte: GEGM-Geraldão. Figura 33 (4) – Jogos finais do Projeto Futebol-Participativo 2004 em estádio de futebol.

Fonte: GEGM-Geraldão.

Figura 34 (4) – Jogo final masculino do Projeto Futebol-Participativo 2004 em estádio de futebol.

Figura 32 (4) – Fase regional do Projeto Futebol-Participativo. Jogo em campo nas comunidades.

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No final de 2006, a reunião geral de fechamento das atividades do GEGM-Geraldão

indicou a mudança de rumos do PCPEL. Nela estavam presentes o Diretor-Presidente, os

assessores político-pedagógicos, diretores, coordenadores e educadores numa sala de reuniões

do ginásio. Um balanço do ano foi realizado.

O Projeto Futebol-Participativo se mostrou o mais consolidado, pois na relação custo-

retorno político é o melhor.

[...] a gente aumentou também o braço pra fora, a gente tem muita coisa de organização da comunidade que é o principal. Esse grupo trabalha pra o lastro que a gente tem na comunidade crescer, a gente vai crescendo na medida em que vai crescendo também o lastro na comunidade. Futebol-Participativo é um exemplo disso [...], numericamente falando, é muito mais gente fora do que dentro, tem no máximo 10 pessoas organizando o campeonato com 18000. Com liderança, organização de bairros, os times (Diretor-Presidente do GEGM-GERALDÃO, em 13/02/2006).

Esse tipo de consolidação e importância do Projeto Futebol-Participativo refletiu-se,

em 2007, numa decisão (tradicional) estritamente organizacional do GEGM-Geraldão, que

deixou a Gerência de Esporte Comunitário da Diretoria de Esporte Amador somente

responsável pela organização dos campeonatos do projeto, com uma equipe exclusiva de

monitores comunitários para trabalhar com mobilização de pessoas e articulação nas

comunidades. Até 2006 essa Gerência era também responsável pelas atividades sistemáticas

(Círculos de Convivência de Esporte) daquela diretoria.

Da Diretoria de Lazer e Cidadania, responsável pelo Projeto Círculos de Convivência

Social (de Lazer) foi avaliado que tinham o desafio de no ano seguinte (2007) criar eventos

(entenda-se ‘momentos de catarse’) relacionados a seus conteúdos. O projeto em 2006

enfrentou problemas com a evasão de participantes. Os momentos de catarse eram uma das

possibilidades, na perspectiva dos gestores, para conseguir consolidar as atividades

sistemáticas, pois os participantes estavam sem uma referência para continuarem, já que não

tinham um momento final como os outros projetos.

É o momento de catarse, porque esse desafio de realizar eventos é exatamente a construção dele, não é o momento só em si, mas é toda a construção que é feita (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

No entanto, foram destacados na reunião os círculos de convivência social de lazer

voltados à ginástica para adultos e idosos. Segmento que possui o maior número de Círculos

de Convivência Social de Lazer23, tendo uma média entre 30 a 50 participantes por turma,

23 Dados de Fevereiro de 2007, que refletiram como acabou o ano de 2006, mostraram que a Diretoria de Lazer e Cidadania tinha 61 círculos de convivência social, desses, 39 eram de Ginástica, 15 de Dança e 7 de Artes. As

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indicando a importância da quantidade de participantes nas atividades para a visibilidade do

Programa. Nesse sentido, a exigência por eventos às atividades de lazer mostrou também que

os gestores do GEGM-Geraldão desejam que as ações do Projeto Círculos de Convivência

Social realizassem eventos para movimentar mais pessoas e proporcionar maior visibilidade

ao PCPEL e à própria Prefeitura Municipal do Recife.

Em relação aos outros círculos de convivência de lazer, especialmente os relacionados

às artes, alguns pontos foram levantados pelos educadores presentes: falta de material para

suas oficinas de artesanato e percussão. Reivindicação recorrente em todas as reuniões

(pedagógicas e gerais em que estivemos presente). Um educador sugeriu a compra de matéria-

prima, para que ele, junto com outros educadores e participantes das atividades sistemáticas,

construíssem os instrumentos para as oficinas. Falou que já tinha feito um projeto, mas nunca

recebeu o retorno de sua diretoria. Insistiu sugerindo um projeto conjunto entre vários

educadores, mas os gestores salientaram que não adiantava mandar projeto sem ter recursos e

orçamento.

Sobre a Diretoria de Esporte e Juventude foi abordada a questão da falta de recursos

como principal impedimento para a realização dos Festivais da Juventude previstos para 2006,

assim como o IV Encontro Municipal do Esporte do Mangue, que fecharia as atividades do

Projeto Esporte do Mangue. Não houve qualquer tipo de debate maior sobre o projeto e sua

importância dentre às ações do PCPEL.

Na reunião abordou-se também a volta de grandes eventos ao GEGM-Geraldão, como

a reabertura do ginásio, os jogos escolares e também a realização de shows, eventos e

campeonatos não relacionados às atividades do ginásio. Antes da centralização da Política de

Esporte e Lazer da Cidade no GEGM-Geraldão, o Ginásio estava abandonado, com

problemas estruturais sérios e praticamente sem atividades e articulação com as comunidades

circunvizinhas. Hoje o ginásio tem uma grande movimentação, com escolinhas gratuitas para

várias modalidades esportivas. No entanto, em 2006, existiram períodos em que a quantidade

de atividades sistemáticas do ginásio era maior que as existentes nas comunidades, aspecto

que foi motivo de mudanças organizacionais e de pessoal na atuação do Projeto Círculos de

Convivência Social nas comunidades.

duas últimas linguagens, pelas próprias características, mantêm uma média de participantes bem abaixo dos círculos de ginástica.

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Observados os projetos em ação do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer,

algumas práticas de organizar evidenciaram potencial de ruptura com as práticas

organizacionais engendradas pelo organizar tradicional.

DA OBSERVAÇÃO DOS PROJETOS EM AÇÃO Práticas de organizar com potencial de ruptura com o organizar tradicional.

Práticas organizacionais que fortalecem o organizar tradicional.

- Fundamentos e princípios guiam as ações. Aprende-se na participação e no fazer, no contato com práticas organizativas comunitárias; - Mobilização comunitária e articulação com organismos independentes e lideranças comunitárias juvenis usando práticas comunitárias cotidianas (como o boca a boca); - Realização de Encontros/Reuniões de maneira a proporcionar: espaço de troca de experiências entre iniciativas da comunidade; conscientização dos entraves do poder público para realização de certas atividades; espaço de crítica às ações do poder público; informação sobre como participar de projetos governamentais e instâncias “não-estatais” de decisão; instrumentos para a formação de associações e realização de eventos independentes; - Disseminação de informações com o objetivo de desencadear ações autônomas nas/das comunidades; - Apoio a atividades existentes nas comunidades e abertura de espaço para iniciativas comunitárias na realização de eventos; - Participação da comunidade na organização das ações; - Movimentação/Ocupação de espaços ociosos urbanos nas comunidades (praças, parques, campos, escolas, igrejas, associação de moradores, em presídios, em universidades, entre outros). - Recrutamento de educadores sem saber formal para a realização de atividades relacionadas a conteúdos específicos, como capoeira, skate, breakdance, bicicross, arte, teatro de rua e percussão. A formação deles é caracterizada pelo autodidatismo e pela história de vida comunitária, envolvidos em iniciativas

- Decisões de instâncias superiores, entre Prefeitura, GEGM-Geraldão e Secretarias se sobrepõem a iniciativas de coordenadores e educadores nas comunidades; - Patrocínio, por parte da Prefeitura, de grandes eventos relacionados às atividades do Programa e clubes de futebol profissionais da cidade; - O gabinete do GEGM-Geraldão é a principal instância de decisão, onde o Colegiado define as prioridades (inclusive orçamentárias), trilha os objetivos e o rumo das ações; - Não há participação das comunidades na principal instância decisória do GEGM- Geraldão; - Os cargos com maior poder de decisão são ocupados por pessoas com formação superior (formal); - Excesso de reuniões (administrativas) em paralelo às ações nas comunidades, dificulta o estudo dos fundamentos do Programa e planejamento de atividades por coordenadores e educadores; - Educadores dependentes de instâncias superiores para solicitar equipamentos e acessórios para suas atividades, assim como para conserto e manutenção. Precisam passar, por escrito, o que necessitam para coordenadores, que depois remetem para diretores. Muitas vezes não recebem feedback; - Apoio a atividades de lideranças comunitárias que centralizam a representação de suas comunidades nas instâncias de participação do Estado; - Nas reuniões com as comunidades a maioria das sugestões e proposições que fogem da pauta tem que passar pelo aval de instâncias superiores do

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independentes e em projetos governamentais em suas comunidades; - Utilização de educadores populares como importantes elos de mobilização, articulação e comunicação nas comunidades; - Autonomia de coordenadores e educadores, na realização das atividades, para discussão de temas sócio-políticos cotidianos como: drogas, violência, preconceito, incentivo à leitura, respeito ao próximo, cuidado com o bem público, inclusão social, relação centro/periferia e sobre o sistema capitalista.

GEGM-Geraldão; - Avaliação do sucesso das ações pelo contingente de pessoas que mobilizam.

Quadro 6 (4) – Dos projetos em ação: práticas de organizar e práticas organizacionais.

A construção do quadro acima tomou como base as características da burocracia e

algumas das práticas organizacionais que ela engendra, aspectos do organizar tradicional que

explicitamos na seção 2.4 (Quadro 1(2)) desta pesquisa. O quadro desenvolvido naquela seção

serviu como uma referência para as observações dos projetos do PCPEL em ação. No entanto,

nem todos os aspectos que abordamos naquele quadro puderam ser retomados nesse último,

no qual procuramos destacar os aspectos que foram mais importantes e evidentes para um dos

propósitos deste trabalho, isto é, identificar novas possibilidades de práticas de organização

nas atividades e ações do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

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4.5 Limites e contradições entre discurso e prática

Na seção 4.4 deste trabalho identificamos os fundamentos do PCPEL, criado como uma

estratégia do poder público municipal para estimular a conquista do tempo livre pelas

camadas populares do Recife, principalmente, através da reclamação do direito constitucional

ao lazer, de maneira a repercutir na reclamação de direitos a outras esferas da vida em

sociedade. Essa dimensão corrobora a parte formal, institucional que sustenta sua proposta.

[...] pensar o esporte e o lazer como um direito social, como um direito humano. Porque são bens que a humanidade construiu socialmente e que pra o movimento proletário contemporâneo é um elemento central. Uma vez que eu falei anteriormente da contradição que está existindo aí da crise do capital, da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto e da condição potencial que a gente tem de socializar o campo da arte da ciência e da cultura (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

No entanto, essa proposta, especialmente depois de observadas as práticas de organizar

dos projetos, trouxe imbricada na dimensão formal e institucional, o cotidiano, o não-formal

das práticas de organização comunitárias, que demonstraram grande contribuição na

concretização das ações dos projetos do PCPEL.

O novo modelo de sociedade [...] passa pela modificação do que a gente vai colocar no centro da nossa vida. [...] esse novo modelo, com certeza, é o trabalho intelectual [...]. O que tá colocado é socializar a ciência, a arte, socializar a cultura. Isso do ponto de vista mais objetivo transformado em tecnologia inserida e democratizada a todas as esferas do cotidiano, [...] das relações humanas, das relações sociais, então eu acho que a gente tem que brigar pelas relações sociais (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Fairclough (2001, p.91) ao considerar a linguagem enquanto forma de prática social vê

no discurso “um modo de ação”, com o qual as pessoas agem sobre o mundo e sobre outras

pessoas. Esse discurso se relaciona dialeticamente com a estrutura social em que ocorre.

Assim, “o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação

do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado”. Nesse sentido, discurso e

prática aqui se confundiram, sendo ambos ao mesmo tempo, sem dicotomias, no que

denominamos ações do PCPEL. Ações que precisaram ser examinadas em termos de seus

limites e contradições em relação ao discurso do PCPEL.

A essência da proposta do PCPEL está na contribuição para o estímulo à

conscientização crítica e política, e elevação cultural, daqueles que participam das ações dos

projetos de maneira que esse processo repercuta em ações (auto)organizadas, isto é, que os

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“vínculos sejam transformados de coisas lúdicas pra coisas reivindicativas do ponto de vista

político tanto pra a área de esporte quanto pra outras coisas” (Diretor-Presidente do GEGM-

Geraldão em reunião geral, em 31/05/2006). Uma compreensão do lazer “como um

espaço/tempo sistemático e planejado, no qual as pessoas possam ludicamente desenvolver

aprendizagens sociais que contribuam para sua autodeterminação no campo da cultura, da

política e da economia” (SILVA; SILVA, 2004, p. 11), de maneira a “impulsionar o

surgimento de círculos populares e democráticos capazes de organizar, de forma

‘audeterminada’, seu tempo de lazer, ao mesmo tempo em que se engajam na luta política

pela democratização da cultura” (SILVA; SILVA, 2004, p.19).

Na seção 4.4 afirmamos que os elementos transformadores do discurso do PCPEL são

aqueles que transmitem possibilidades de mudanças na maneira como as comunidades

interpretam a si mesmas de maneira que vislumbrem novas possibilidades de organização do

cotidiano, principalmente no âmbito de reivindicação política, a partir de atividades lúdico-

desportivas e culturais, de suas iniciativas, complementadas pelas ações dos projetos do

Programa.

Da observação do encontro do formal com o cotidiano nas ações dos projetos alguns

elementos transformadores do discurso se destacaram em relação aos que selecionamos na

seção 4.4, sendo eles: (a) unir, por meio da organização de círculos populares, consciência

crítica e vontade coletiva, o lúdico e a autodeterminação, a política e o lazer, numa

perspectiva emancipatória; (b) articular e apoiar organizações populares, oferecendo

atividades sistemáticas com o acompanhamento de educadores populares, tendo em vista a

construção do protagonismo social; (c) a partir do acesso ao conhecimento da cultura corporal

e das artes, abrir possibilidade de produção de formas autônomas e autodeterminadas de lazer;

(d) rejeitar a recorrência simplista aos modelos importados e desenraizados, privilegiando o

desenvolvimento crítico das iniciativas oriundas das camadas populares; (e) fortalecimento da

luta comunitária pela democratização, preservação e ampliação dos espaços e equipamentos

públicos e potenciais de esporte e lazer, principalmente das áreas populares da cidade.

Assim, a partir de uma compreensão não dicotômica da relação entre discurso e prática

e refinamento do que na seção 4.4 consideramos os elementos transformadores do discurso do

PCPEL, nesta seção verificamos os limites e contradições das ações dos projetos do PCPEL

em seu anseio de conscientização crítica e política das camadas populares do Recife. Em

paralelo, levantaremos as potencialidades de cada projeto estudado em relação à proposta do

Programa.

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PROJETO FUTEBOL-PARTICIPATIVO

No Projeto Futebol-Participativo vimos que os espaços de diálogo com a comunidade

para conscientização crítica e política são tomados por aspectos administrativo-operacionais

de viabilização do campeonato. Isso se reflete em uma das “marcas” do campeonato, sua

gratuidade, que contrasta com a proposta educativa de conscientização crítica do PCPEL.

Utilizamos 40 campos de várzea, [...] a gente tem interesse que o campeonato aconteça em campos públicos pra que verdadeiramente o campeonato seja gratuito. As pessoas não pagam inscrição, não pagam utilização de campo, então essa é uma marca do Futebol-Participativo (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

As reuniões nas comunidades não conseguem aglutinar todos os participantes do

projeto, mas apenas os representantes dos times, restringindo a possibilidade de diálogo dos

organizadores com quem efetivamente participa das ações, os cerca de 18.000 participantes

citados pelos gestores. Isso indica que muitos participantes podem não saber o que

fundamenta o propósito de conscientização crítica e política do Programa no qual o projeto se

insere. Além disso, a representação das equipes pelo “dono” é uma das características mais

tradicionais do futebol de várzea, aspecto que o projeto não conseguiu romper.

A gente coloca aí a dificuldade [...] pra que as pessoas possam tá se reunindo pra realização de toda a parte administrativa do projeto, são as reuniões que a gente faz de discussão de regulamento, a gente ainda tem uma dificuldade em relação a isso. [...]. A gente tem também ainda a dificuldade de reunir os atletas, porque a gente consegue alcançar, tem reuniões com os representantes das equipes, mas os atletas, como são muitos atletas, a gente não consegue ter um contato mais próximo a eles (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

As reuniões não se mostraram espaços de conscientização para a reivindicação de

espaços, como apontado pelos gestores. Nas reuniões observadas não houve menção ou

incentivo à participação em espaços de decisão do Estado na relação com a sociedade civil.

[...] Com as nossas reuniões nós começamos a descobrir e trabalhar a parte mais da consciência da utilização do espaço e o pessoal foi vendo que aquilo ali era um espaço público e tinha que tá utilizando aquele espaço sem pagar. A partir daí houve algumas resistências, mas a própria comunidade foi se organizando de maneira a ter o espaço deles garantido e conseguiram o espaço pro Futebol-Participativo (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

A reconquista de espaços na comunidade aconteceu devido ao anseio da gestão

municipal em retomá-los. As denúncias da comunidade em relação ao uso indevido de

espaços comunitários de lazer, como os campos de várzea, aconteceram no intuito dos

denunciantes em ficar com a administração do espaço. A intenção não era democratizar o uso

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do espaço para toda a comunidade, mas sim estabelecer uma nova “privatização” do espaço

comunitário. Intenção que o GEGM-Geraldão busca modificar com o Projeto Rede Física.

O Projeto Rede Física do PCPEL é responsável pela administração e manutenção de

espaços na comunidade, no entanto sofre com a falta de mão-de-obra e recursos necessários

para a administração de espaços de esporte e lazer na cidade. Utiliza moradores da

comunidade, líderes comunitários que estão há muitos anos administrando o espaço, mas que

concordaram em trabalhar conjuntamente com os gestores dentro da proposta PCPEL.

Atualmente, o projeto administra oito espaços na cidade, conforme relatado na seção 4.1.

Assim, a retomada de espaços de lazer comunitários foi uma ação do PCPEL como um

todo respaldado pela gestão municipal e não especificamente do Projeto Futebol-Participativo,

apesar de os gestores enfatizarem a participação da comunidade nesse processo.

[...] o Vereador [...] tá entrando com o projeto de lei pra preservação dos espaços públicos de esporte e lazer. Então isso já é fruto da mobilização, da organização, dos peladeiros, principalmente, que sempre lutou por isso, de grupos das comunidades, grupos dentro de gestão, gente que se preocupou em manter o esporte vivo (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Há uma dependência muito grande do GEGM-Geraldão, nas ações com o Projeto

Rede Física, de instâncias superiores do Estado, principalmente, em relação à democratização

de espaços públicos para esporte e lazer, como os campos de várzea, que não têm legislação

específica que regule sua preservação contra a especulação imobiliária.

a especulação imobiliária ainda assusta, a gente vê cada vez mais os campos sumindo, desaparecendo, e as pessoas precisam se organizar em função disso. Hoje a Prefeitura nos dá total, total apoio no projeto. O projeto realmente é um dos carros chefes da gestão, então a gente realmente tem esse apoio (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

Corroborando a preocupação com questões organizacionais de viabilização dos

campeonatos promovidos pelo projeto, as repercussões de suas ações são vistas no sentido de

dar instrumentos para os participantes realizarem seus próprios campeonatos de modo a

preservar o futebol de várzea. É praticamente inexistente a discussão da realidade social das

comunidades em suas ações.

[...] um dos nossos objetivos realmente era esse, dá condições pra que eles lutassem de maneira organizada, autoorganizada em prol do futebol de várzea principalmente [...]. E isso faz com que hoje eles possam organizar seus campeonatos, eles mesmos conseguem captar recursos dentro da comunidade com o comércio local. Existe um comércio informal muito forte nos finais de semana no campo de várzea (Gerente responsável pelo projeto, em 18/04/2007).

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No entanto, devemos considerar que a experiência na organização de campeonatos de

várzea pertence às comunidades e não ao poder público.

Eles mesmos disseram, foram dando os caminhos e terminou isso sendo uma coisa na cidade toda, tanto que em alguns lugares que estão com um nível de organização mais avançado fornecem elementos pra outros que estão com um nível de organização menos avançado de organização fazer... ou copiando, ou reestruturando de um jeito ou de outro, até a gente chegar àquele momento que é o da unificação do regulamento e do jeito de se organizar [...] (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Assim, o projeto não mostrou potencial de conscientização crítica e política de seus

participantes. Em contraponto mostrou potencial de aglutinar muitas pessoas, principalmente

pelo fato de aproximar comunidades, representadas por “donos de equipes”, realizando

reuniões em espaços públicos nessas comunidades, reunindo campeonatos independentes e

movimentando campos de várzea da cidade (o campeonato ocorre em cerca de 40 campos).

No entanto, o potencial de aglutinação de muitas pessoas é restrito aos dias de jogos, durante

os sete meses de realização do campeonato, limitando o caráter sistemático e mais vinculativo

que o termo círculos de convivência tem no ideário do PCPEL. Além disso, deve se

considerar que o futebol de várzea tem uma forma de organização, antecedente às ações do

projeto, que facilita o “bem querer” que as comunidades têm em relação a ações

institucionais, especialmente do poder público, voltadas ao esporte.

[...] o que a gente fez foi impactar com outros valores naquela organização e ela só fez crescer. Teve gente que organizou time só para jogar o futebol-participativo, porque o Estado, o município colocou à disposição uma série de coisas mais generalizadas do que existia antes. Antes era vai no balcão, tu é meu amigo, tu é meu cliente, tu é meu aliado político, rola... Se tu não é, não rola, ou só rola se for para você passar a ser. Agora não, tá na rua, tá organizado, quer participar, venha. A participação é o elemento fundamental, se organize e venha (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006). [...] Porque o que a gente fez foi o quê? Foi inicialmente juntar, botar pra dialogar campeonatos que não dialogavam e eram inimigos praticamente (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

O projeto mostrou potencial de preservação do futebol de várzea, ainda que

dependente de instâncias de decisão superiores do Estado no que se refere à preservação de

espaços contra a especulação imobiliária; Trouxe uma forma diferente de organizar

campeonatos comunitários ao sair dos muros institucionais e ir às comunidades, mas ainda

fortalece lideranças comunitárias antigas que centralizam a representação da comunidade, não

somente em relação aos clubes de bairro, mas também às esferas de participação social do

Estado. O incentivo a essas lideranças contribui para preservação de práticas tradicionais de

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organização nas comunidades. Lideranças que dominam o cotidiano de suas comunidades,

mas têm muita experiência na organização de campeonatos de várzea, sendo importantes elos

de aprendizado e articulação com as comunidades nas ações do projeto.

PROJETO CÍRCULOS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL (DE LAZER)

Esse projeto, dentre os estudados, é o que demonstra em suas ações nas comunidades

maior aproximação com a proposta pedagógica do PCPEL. Trabalha atualmente com

ginástica, dança (popular e de salão) e artes (artesanato, percussão e teatro).

O que a gente caracteriza enquanto os círculos de convivência social é a fundamentação que a gente trabalha a partir dos princípios de autoorganização, do trabalho socialmente útil, do trabalho coletivo, são grupos que a partir daí trabalham esses princípios (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Diferente do Projeto Futebol-Participativo, o caráter sistemático das atividades

essenciais dos Círculos de Convivência Social sofre com a falta de recursos para manter

certas ações, que dependem de manutenção e reposição constante de material. Esse aspecto

envolve também a falta de condições para contratação de mais educadores para o

oferecimento de outras linguagens artístico-culturais e manutenção dos instrumentos

necessários nas ações do projeto nas comunidades.

A gente tem uma dificuldade muito grande com essa questão de material e que por vezes a gente teve de cortar algumas linguagens pela dificuldade que a gente tem de adquirir os materiais que essa linguagem necessita (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Nesse sentido, as linguagens relacionadas às artes sofrem as maiores conseqüências e

têm certas particularidades.

Por exemplo, a gente teve dificuldade de manter percussão, porque era um material que por mais que a gente adquirisse [...] tem muita manutenção e a gente ficou com dificuldade de tá fazendo a manutenção porque quebra uma coisa, quebra outra e vai se desfazendo e é um material tão minucioso que a gente tem dificuldade de tá fazendo aquisições (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

O teatro a gente tem um educador de teatro só. A gente tinha várias dificuldades com o teatro até porque culturalmente na cidade o teatro não é uma coisa que sobressaia, que tenha mídia forte, e que é uma linguagem muito restrita pra quem tem um poder aquisitivo que possa ir ao teatro [...] (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007). [Artesanato] tinha, mas não tem mais. Porque também foi uma dificuldade que a gente teve [...] principalmente a parte pedagógica do artesanato [...], a professora aprendia a fazer tal objeto levava pra comunidade, ensinava a fazer, [mas] não ficava uma coisa atrelada, com objetividade, os círculos de

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convivência o que é que se tava construindo de fato no artesanato? A gente ainda tentou propor a construção de uma brinquedoteca, que eles iam construir brinquedos a partir de materiais recicláveis e construir uma brinquedoteca dentro da comunidade, só que por limitações pedagógicas da própria educadora e também por dificuldade de material a gente teve que esgotar essa linguagem (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Essas, para além dos limites de material e pedagógico, mostraram uma particularidade

em relação às demais: há certa monopolização de educadores populares nessas linguagens,

que geralmente têm grupos artístico-culturais paralelos em suas respectivas comunidades.

Essa manutenção de atividade paralela mostrou potencial de confusão entre o que esses

educadores trazem de experiência comunitária nos seus projetos e o que o PCPEL se propõe

enquanto educação emancipatória para o tempo livre.

com capoeira24 a gente teve uma limitação até interessante. Normalmente quem dá aula de capoeira faz parte de algum grupo e quem faz parte dos grupos de capoeira tem meu mestre, tem a ideologia do grupo, que muitas vezes não é compatível com a ideologia do projeto, ou então quando ele vai fazer o grupo de capoeira, aí não identifica se aquele grupo é dos círculos populares, identifica que o grupo é do grupo que ele participa. (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Essa monopolização das linguagens artístico-culturais, que dependem do saber não-

formal, em poucos educadores, potencializou a acomodação desses educadores e dos próprios

gestores, que não investem na articulação dessas linguagens com movimentos comunitários

independentes. Articulação que poderia trazer novos educadores populares para as atividades.

Essa falta de articulação dos círculos de convivência de artes com movimentos e lideranças

comunitárias à frente de projetos comunitários mostrou-se um dos fatores de insucesso do

Projeto de Animação de Parques e Praças, que foi pensado somente pelos educadores do

projeto sem participação dos alunos dos círculos e sem articulação com as comunidades.

Além desses aspectos, os círculos de convivência de artes têm problemas para se

estabelecer. O número de grupos é bastante reduzido em relação às outras linguagens,

esbarrando também no anseio dos gestores do Geraldão-GEGM em investir nas ações que

dêem maior visibilidade à política de esporte e lazer do Recife, especialmente ao PCPEL.

Os círculos de convivência de ginástica, exclusivamente formados por adultos e

idosos, foram os responsáveis pelas primeiras ações do PCPEL nas comunidades. No início da

atuação do Projeto Círculos de Convivência Social, em parceria com a Academia da Cidade,

apoiaram iniciativas de grupos de idosos já existentes nas comunidades. Em suas ações

buscam romper com a concepção de ginástica somente relacionada à saúde física. Anseio que

24 Linguagem que até 2006 fazia parte das ações dos Círculos de Convivência Social de Lazer.

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sofre limites da falta de formação dos educadores para uma nova abordagem da atividade e da

concepção que a comunidade tem sobre ginástica.

A ginástica, por exemplo, fazendo um paralelo com os ideais do Programa, quando a gente chega na comunidade [...] as pessoas querem ginástica pra ter o corpo perfeito, pra ter uma boa saúde e dentro do Programa não é nosso principal objetivo, [..] a gente tem muita dificuldade de ultrapassar esse limite, tanto pedagogicamente, pelos próprios educadores e também pela aceitação na comunidade. [...] a saúde não perpassa só a questão física, mas a questão social, da relação entre as pessoas, da concepção social, da concepção de classe que eles tão inseridos na comunidade (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

No que se refere ao último aspecto, a Academia da Cidade, que tem uma perspectiva

de criar hábitos saudáveis através da ginástica e uma maior visibilidade na cidade, atua em

algumas comunidades em que estão os círculos de convivência social. Brasília Teimosa, por

exemplo, é uma referência para os dois projetos. Essa comunidade é sempre citada pelo

movimento de idosos e sempre quando se elogiou as ações dos círculos de convivência social

de ginástica, Brasília Teimosa foi citada como exemplo.

Em relação aos círculos de convivência social de dança, o preconceito foi mais

evidente do que as dificuldades pedagógicas e de material predominante nas outras

linguagens. O preconceito com a dança esteve relacionado, principalmente, a aspectos

religiosos de algumas comunidades. A dança popular sofre ainda mais pôr estar ligada a

manifestações religiosas africanas.

Então tem algumas linguagens que a gente tem essas dificuldades, não só de material, mas dificuldades ideológicas de se trabalhar. [...]. Por exemplo, trabalhar com dança numa comunidade que tem a predominância de tal religião, seja o candomblé, seja a evangélica, são religiões que têm uma predominância muito forte nas comunidades (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007). Muitas vezes a predominância da religião dentro da comunidade é tão forte que a maioria das pessoas fazem parte da igreja e, tanto os pais fazem essa ressalva, quanto as próprias pessoas que têm vontade de dançar [...]. Teve uma faixa que a gente teve de tirar dança [...] pelo preconceito que existia com a dança. [...]. Não é só o brega, dança popular principalmente. Afoxé acha que coisa de macumba, tem de várias formas (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Em complemento aos limites apontados, os círculos de convivência social,

principalmente de artes, enfrentam o problema de para onde caminham as atividades

sistemáticas, aquilo que nas entrevistas surgiu como falta de objetividade.

[...] não tem muita dificuldade de mobilização, principalmente de artes, a gente sempre tinha grupos, só que era muito limitado assim os grupos, limitados nesse sentido, não tinha pra onde [ir, não viam sentido pra onde

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iam], a aprendizagem ficava limitada (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Em relação a essa “falta de objetividade” das atividades sistemáticas a saída que vem

sendo utilizada é a construção de momentos de catarse (atividades eventuais que são

desenvolvidas a partir das atividades sistemáticas).

Por isso a gente tá criando esses momentos de catarse, essas construções que foi o Espetáculo de Dança, a gente tá criando também o Encontro de Adultos e Idosos e a gente tá fazendo com que eles se envolvam numa construção maior mais na frente, mas que eles percebam o que eles tão fazendo e ter uma objetividade naquilo que eles tão fazendo (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

A proposta de construir encontros, espetáculos, etc. a partir das atividades

sistemáticas, ajuda as linguagens que precisam de uma maior consolidação em termos de

mobilizar mais pessoas e mantê-las nas atividades. Essas ações também potencializam a

concretização do que no ideário do PCPEL se compreende como círculos de convivência.

A gente passou um ano pra construir. Esse Espetáculo de Dança [...]. Todos os grupos de dança se apresentou. [...] esse espetáculo foi o que ajudou bastante a gente a consolidar os grupos de dança. Porque eles perceberam, exatamente esse é desafio da gente, o que é que eles tão construindo. A construção do espetáculo foi uma coisa bem objetiva pra eles e faz com que eles se concretizem enquanto grupo, enquanto círculos de convivência, de ter um compromisso, de tá presente nas oficinas, de ter um compromisso coletivo com aquele grupo, de consolidação dos círculos mesmo de convivência. Então esse espetáculo foi fundamental, tanto é que cresceu o número de círculos de convivência de dança, cresceu a quantidade de pessoas que fazem dança a partir da construção do espetáculo (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Para além da discussão da questão da objetividade, os momentos de catarse são

utilizados para discutir temas mais amplos relacionados à realidade social das comunidades. O

Espetáculo de Dança, que mesclou em uma ação o teatro e a dança, mostrou potencial de

problematização de temas sociais cotidianos, sendo uma ação que teve na sua maioria a

participação de crianças e jovens que convivem com preconceitos nas suas respectivas

comunidades.

Existem [temas paralelos] e pra construir é fundamental. O Espetáculo de dança não é construir coreografias, eles construíram o espetáculo a partir de uma concepção do espetáculo, o que é? Discussão do tema por exemplo, Na Parada Dança! É a forma de eles se locomoverem dentro da comunidade, fazer coreografias que representam a sua comunidade, fazer eles olharem pra dentro da comunidade, a localidade, quais são as instituições importantes que tem dentro da sua comunidade? Qual a religião predominante dentro da sua comunidade? Qual a identidade cultural, grupos culturais que tem dentro da sua comunidade? Faz com que eles percebam muitas vezes o que eles nem se apercebem no dia-a-dia [...] (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

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Os momentos de catarse ganham outra dimensão quando voltados para o segmento

adulto/idoso. Apesar da tentativa de trazer a discussão de questões sócio-políticas, ela se

mostrou restrita a uma perspectiva de consolidar o envolvimento (relação) dos participantes

com a comunidade, para não ficarem presos somente ao momento das aulas.

Tentando [fazer] eles perceberem que eles podem fazer esses mesmos movimentos de outras formas, [...], trabalhando a questão lúdica dentro de uma questão política [...]. Tem questão de grupos que tem vergonha, de fazer [em] espaço aberto, a gente tudo dessa idade brincando feito se fosse menino e a idéia não é brincar feito menino [...]. São idosos e que podem fazer atividades de esporte e de lazer de uma outra forma que não só a ginástica e podem se relacionar com a comunidade de uma outra forma que não tem que ser escondido (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Com os círculos de adultos e idosos evidencia-se essa tentativa por meio de mudanças

na forma pedagógica, de conteúdo e do local das atividades de maneira a contribuir para que

os participantes se relacionem de outra maneira com a comunidade.

Primeiro mudar a forma que a linguagem tá sendo trabalhada não só com alongamento, caminhada. A gente vem trabalhando com outros tipos de linguagem que trabalhe mais o coletivo e eles se relacionarem entre as comunidades e isso é importante. A gente vai fazer alguns torneios (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Apesar dessa limitação para discutir temas sócio-políticos nos círculos de ginástica

para adultos e idosos, eles o carro-chefe dos círculos de convivência social de lazer,

principalmente, por serem responsáveis pelo maior número de participantes dentre as

atividades sistemáticas de lazer. Essa importância se refletiu na seguinte mudança em 2007:

Os círculos de convivência social de ginástica são denominados agora círculos de convivência

social de adulto/idoso. Neles poderão ser trabalhadas outras linguagens além da ginástica.

Essa ampliação das linguagens é vista, pelos organizadores do projeto, como uma maneira de

ampliar a concepção de saúde dos participantes.

Mesmo com essa intenção de ampliar a perspectiva das atividades com adultos e

idosos, os participantes dos círculos preocupam-se primordialmente com a falta de material

para as atividades ou com a maneira como o educador realiza as aulas. A contestação dos

grupos é mais no sentido de preocupação com o bom andamento das atividades e não com

uma contestação mais ampla, que envolve aspectos sócio-políticos, do cotidiano das

comunidades.

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Tem grupos que são mais resistentes, têm outros que até reclamam quando só tem atividade de ginástica, aí vem aqui reclama, liga. Então, isso varia muito de acordo com os grupos (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007). A contestação maior é [que eles querem] material, da comunidade com a gente. A partir dos representantes, eles vêm aqui. No Espetáculo de Dança mesmo, quando acabou o espetáculo, a representante do Córrego do Jenipapo [RPA-3] me chamou olha a gente tá precisando de colchonete, de camisa pra identificar o grupo, de material pra fazer ginástica, de som pra trabalhar com dança (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Corroborando essa limitação, os tipos de reivindicações por parte dos idosos,

apontados pelos gestores, estiveram também relacionados à questão do tempo disponível para

a prática das atividades e ao oferecimento de atividades gratuitas por parte do Poder público.

[...] o espaço do tempo disponível que é uma das brigas que são individuais dentro das suas famílias, mas que é coletivo quando se trata do grupo de ter aquele tempo disponível pra ter suas atividades de lazer. A questão do espaço, [...] e a questão das atividades sistemáticas, do oferecimento do poder público dessas atividades e que sejam gratuitas [...] isso retrata quando a demanda chega pra gente da própria comunidade (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Em termos de reivindicação política mais ampla, assim como o Projeto Futebol-

Participativo, o projeto segue a pauta da luta institucional da gestão do município, que dedica

atenção ao Projeto de Lei25 para a preservação de espaços comunitários de esporte e lazer.

Uma das coisas que tá latente agora e que é fundamental é reivindicar espaço de lazer, tanto espaços físicos pra exercer as atividades esportivas e de lazer dentro da comunidade (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Na Audiência Pública, ocorrida na Câmara dos Vereadores, para discutir com a

sociedade civil o Projeto de Lei, estiveram presentes as participantes dos círculos de ginástica,

tomando a maioria do espaço do plenário reservado ao público. A maioria mulheres, que têm

problemas ligados às atividades domésticas para se manter constantemente nas atividades.

A questão do compromisso a gente tem uma barreira muito forte com isso, principalmente, com as mulheres idosas, compromisso com a casa, de levar o neto pra escola, de fazer a comida de casa, isso é uma barreira que a gente vem até quebrando aos poucos, porque a maioria dos grupos são bem limitados em relação a isso (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Esses aspectos entram em contradição com o anseio dos gestores do Projeto Círculos

de Convivência Social em articular e associar as atividades dos adultos/idosos com estímulo à

reivindicação política. As participantes não mostraram tom contestatório ou reivindicativo em

25 Projeto de Lei nº247/2005, de autoria do Vereador do PT Josenildo Sinésio, criando áreas de Preservação Esportiva e de Lazer.

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sua relação com o poder público, inclusive na participação na Audiência Pública a

representante das idosas tentou apaziguar as discordâncias, pois os representantes da

juventude se mostraram insatisfeitos com os rumos da pista de Skate do Pina, aprovada no

Orçamento Participativo. Os últimos alegaram que a Prefeitura estava modificando o projeto

da pista para contemplar espaços de atividades com os adultos e idosos. Dessa maneira, os

beneficiados seriam os participantes dos Círculos de Convivência Social e da Academia da

Cidade, que ocorrem em Brasília Teimosa (Localizada no Pina), e não a juventude que votou

no espaço.

Além desses aspectos, os círculos de convivência social para adultos e idosos

chegaram às comunidades apoiando iniciativas já existentes, alimentando uma organização

comunitária tradicional, que se fundamenta em líderes comunitários que centralizam a

representação da comunidade, na maioria das vezes homens que potencializam a preservação

de sua posição na comunidade em detrimento do protagonismo (iniciativas) das mulheres.

Esse processo é feito com as próprias lideranças comunitárias e com as demandas que elas vêm levantando. Lideranças são presidente de associação dos moradores, presidente de associação de grupo de mães, tem grupos de idosos que já eram formados antes dos círculos, os círculos termina se acrescentando, sendo mais uma atividade pra eles, grupos de idosos, grupos jovens, enfim são lideranças que representam esses grupos dentro da comunidade. E aí essas lideranças têm um contato mais direto com a gente, mas também a gente forma os grupos e a gente forma as lideranças, elas formam também os grupos a partir do espaço (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Dessa maneira, o Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer) mostrou potencial

de refletir a proposta pedagógica do PCPEL, principalmente no sentido de criar vínculos mais

humanos nas comunidades, que se concretizam em círculos de convivência. Foi o projeto que

melhor refletiu a proposta do Programa de fazer dialogar educadores com saber formal e

educadores com saber popular. No entanto, mostrou pouco potencial de fazer dos círculos de

convivência instrumentos de reivindicação política. A questão política se mostrou coadjuvante

em relação à concretização da proposta pedagógica e de reconstrução de linguagens, maiores

anseios do projeto. Das ações observadas o Espetáculo de Dança mostrou indicação de

discussão de temas sociais mais amplos (religião, cotidiano, lazer), especialmente pela

articulação da ação com a vida cotidiana das comunidades em que acontecem os círculos de

convivência social de dança. Círculo que mostrou potencial de aproximação e articulação com

lideranças juvenis que convivem com preconceitos, com o tráfico de drogas, e outros

problemas cotidianos de suas respectivas comunidades. Nos círculos de artes chamou atenção

a ausência de articulação dos educadores populares com outras lideranças comunitárias.

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PROJETO ESPORTE DO MANGUE

Em suas primeiras ações, o Projeto Esporte do Mangue tinha como foco a juventude

radical, vista como detentora da rebeldia necessária para modificar as relações sócio-políticas

do município com as comunidades de maneira a repercutir em novas formas de organização.

Ademais, contribuindo para articular a dimensão lúdica do PCPEL e a reivindicação política.

Projeto que, inspirado no Movimento Manguebeat, trouxe linguagens esportivas não comuns

a uma política de esporte e lazer.

Acreditávamos na possibilidade de encontrar nexos pedagógicos e políticos para uma ação comunitária de lazer, através do diálogo com um movimento político cultural que catalisava toda a rebeldia dos jovens da periferia da cidade (SILVA, 2005a, p.15-16). E pra juventude é bem claro, a questão da apropriação, você se apropriar da cultura enquanto instrumento de transformação social. À medida que você tem acesso às diversas manifestações do esporte e do lazer você tá, ao mesmo tempo, tendo uma elevação cultural [...] você tá se apropriando e vivenciando essas manifestações, [...] enquanto elemento que venha lhe instrumentar politicamente, [...] de maneira que mais à frente possa tá se organizando (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

A capacidade de elevação cultural e política das comunidades, pelas ações do projeto,

foi relacionada ao envolvimento da juventude na reeleição da gestão, à participação em

espaços institucionais de decisão do Estado e à criação de organizações independentes como

associações de esportes radicais e de elementos da cultura hiphop. Com destaque especial

para os skatistas.

Essa elevação política é essencial. [...] um fato claro, principalmente dos skatistas, foi o envolvimento deles com a reeleição de João Paulo, eles se identificaram com que tava fazendo e viram a possibilidade de isso tá tendo continuidade. Então isso pra gente que tá à frente dessa política é sinal de que o caminho a gente tá fazendo (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

[...] eles começaram realmente a participar de alguns espaços de decisão que foi desde a plenária do OP a Conferências de esporte, que foi discutir o plano nacional de juventude, os skatistas tavam lá, foi audiência pública na câmara municipal que discutiu qual a contribuição de Recife pra política nacional de juventude e eles estavam lá falando dessa discussão dos equipamentos. Sem contar da questão mais de o que foi que surgiu de forma de organização da sociedade civil. Surgiu a Associação de skatistas da Iputinga, [...], a Associação Metropolitana de HipHop, que surgiu a partir de toda essa discussão, de todo esse processo do Esporte do Mangue e que hoje a demanda é cada dia mais pra tá surgindo esses instrumentos enquanto forma de organização de jovens. (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

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No entanto, ao longo dos anos a juventude radical passou a ser vista como imediatista,

ao demonstrar discordâncias com a implementação do projeto. Em relação a esse aspecto, vale

destacar que a juventude radical mostrou independência em relação à necessidade de uma

ação do poder público para conscientizá-la criticamente. Já havia organizações juvenis antes

das ações do Esporte do Mangue.

Logicamente que dentro desse processo há uma contradição, a gente enquanto gestor a gente tem bem claro hoje. É o tempo da gestão e o tempo da necessidade que eles apontam. Pra eles as coisas têm que ser muito no imediatismo, ou seja, a gente discutiu, a gente planejou, então a pista de skate tem que sair daqui a um mês, ela tem que tá pronta. Enquanto que o tempo da gestão é um tempo diferente [...] (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Além desse aspecto deve-se considerar que os gestores do projeto estiveram sujeitos

ao maior domínio da comunidade em relação às linguagens, principalmente em relação aos

elementos da cultura hiphop, mas aproveitaram a troca de experiências com a juventude para

adquirir alguns conhecimentos.

Eu não tinha nenhuma ligação com essa questão do Skate, do Patins e foi um desafio enquanto gestor tá se aproximando dessa galera do Skate, do patins, do BMX e você tá conduzindo o processo com eles, discutindo com eles e isso acho que tem sido pra gente elemento que o projeto possibilitou a gente alcançar (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006). Eu acho que quando você começa a estabelecer essa relação a partir de uma participação, do diálogo, a partir de uma construção de um coletivo e não do individual, de uma coisa restrita, aí você começa a perceber que realmente eles participando a gente tem muito mais a aprender do que pra tá conduzindo aquilo ali. Eu acho que isso é recíproca. A gente possibilita eles se apropriarem, mas a gente se apropria muito (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Esse se “apropriar muito” no diálogo com a juventude, principalmente com lideranças

juvenis contestatórias e envolvidas com projetos independentes nas comunidades permitiu aos

gestores do PCPEL instrumentalizarem o próprio formato que o Projeto Esporte do Mangue

tomou. Nesse sentido, a coordenação de eventos da Diretoria de Esporte e Juventude se

tornou referência de organização de eventos, corroborando para isso também o recrutamento

de jovens da comunidade que estavam envolvidos com organização de eventos.

A gente tem uma equipe de comunicação, tem uma equipe de sistemática e a gente tá tentando formar hoje a questão aqui de produção de eventos pelo fato de a gente hoje ser referência na área de eventos na Prefeitura (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007). A minha experiência foi mais nessa questão de movimentos sociais, eu vive a universidade, [...] Eu tenho a formação [...] mas a prática que eu

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desenvolvi na área de eventos, [...], foi muito na prática. Foi a partir desses movimentos, desde tá organizando festivais com a juventude, buscando apoio da Prefeitura, mesmo não tando inserido na gestão. Aprendi muito essa questão técnica [...] eu vim da área de Geografia e sempre fazia essa ponte e na prática e no trabalho o que eu mais desenvolvia era no setor de eventos (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

Em paralelo à modificação das ações da coordenação de eventos, agora tendo que

apoiar todas as ações eventuais de responsabilidade do GEGM-Geraldão e não somente a

realização do Projeto Esporte do Mangue, houve uma mudança de ênfase na juventude.

Processo indicado desde as ações do projeto na primeira gestão do PT, que se justificou pelo

discurso da diversidade, presença constante no discurso do poder instituído, formal. Mudança

de ênfase que teve relação também com a busca de maior visibilidade para o projeto.

até o final da primeira gestão de João Paulo isso sinalizou não mais só pra juventude radical, mas pra outras juventudes, que é a juventude ligada ao grupos de dança, juventude ligada ao brega que é uma das coisas que a gente de certa forma tinha uma certa resistência e isso veio uma pressão, uma demanda a partir dos núcleos de convivência social dos círculos. Então [...] começou a ser cobrado um trabalho, não só com a juventude radical, mas um trabalho que tivesse uma atenção, dentro dessa perspectiva do esporte e do lazer, com as diferentes juventudes (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

[Tocando] na questão da diversidade um dos grandes diferenciais da gente esse ano [2005], [...] era tá congregando todas essas tribos, principalmente a galera do Brega. [...]. Eles tiveram que participar do espaço de debate com todas as bandas, discutir pra começar a desmistificar um pouco também essa questão do Brega [...] a gente sabia que até resistência, logo no início, da gente [tinha] depois a gente começou a perceber que isso tinha que ser construído bem por dentro e com outros grupos pra que eles pudessem tá se organizando e começando a entender como é que se dá esses processo de organização e de construção dessas ações, acho que foi muito legal em relação a isso (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Essa aproximação, como já explorado na descrição das ações do Projeto Esporte do

Mangue gerou muitas discordâncias das bandas relacionadas ao movimento underground,

caracterizadas por lideranças juvenis contestatórias e politizadas. Essa discordância

exacerbou-se, em 2007, devido à parceria da Prefeitura do Recife com uma empresa, que

contratou uma banda de pagode e uma orquestra de Frevo para fecharem as noites dos

Festivais da Juventude nos pólos do Verão Total do Frevo.

Apesar de ser o projeto que mostrou maior potencial de reivindicação (contestação)

política, dentre os estudados, principalmente para além da participação em espaços

institucionais de decisão do Estado, potencial que se refletiu na discussão de temas sociais

relevantes nas atividades do projeto, em termos de formação de círculos de convivência o

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projeto se mostrou limitado. Nesse sentido, há muita dificuldade em fazer algumas linguagens

(tribos) dialogarem. Esse aspecto foi exacerbado, por exemplo, quando se agregou jovens

ligados a bandas de brega e swingueira nas reuniões de construção dos Festivais da Juventude.

Outro aspecto a destacar é a queda da presença de representantes dos elementos da cultura

hiphop nas ações do projeto. Os skatistas, citados pelos gestores por conquistas, também

diminuíram sua presença. Esse abandono das lideranças juvenis contestatórias enfraquece

tanto o potencial do PCPEL para articular as dimensões lúdica e política em suas ações, como

para criar novas práticas de organização coletiva nas comunidades, que podem romper com

práticas comunitárias tradicionais que reforçam o poder de lideranças antigas, centralizadoras

da representação das comunidades no poder público.

Após a análise dos limites e contradições que permeiam a concretização das ações dos

projetos em relação ao ideário do PCPEL, depreendemos que:

AÇÕES DOS PROJETOS EM RELAÇÃO À PROPOSTA DO PROGRAMA

Projeto Futebol-Participativo Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer) Projeto Esporte do Mangue

- Pouco potencial de formação de círculos de convivência; - Potencializa o resgate do futebol comunitário; - Organiza campeonatos com reuniões nos espaços das comunidades e mobilização de lideranças comunitárias antigas que freqüentemente elogiam o Projeto e a Prefeitura; - Não mostrou potencial de conscientização crítica e política dos participantes nas reuniões de “construção” dos campeonatos; - Não mostra potencial de contestação das ações do Projeto e da Prefeitura.

- Potencializa a convivência comunitária, dentro da proposta do PCPEL de formar círculos de convivência; - Nas ações em direção às comunidades articula-se com lideranças antigas; - Potencial na articulação entre o saber formal e o popular; - Mostrou pouco potencial de conscientização crítica e política dos participantes; - Mostra pouco potencial de contestação das ações do Projeto e da Prefeitura.

- Não mostrou potencial para criar círculos de convivência; - Permite o debate sobre a realidade cotidiana da vida urbana, particularmente da periferia; - Permite a articulação com lideranças juvenis contestatórias e politizadas; - Potencializa a conscientização crítica e política dos participantes; - Potencializa a contestação do Projeto e da Prefeitura; - Oportuniza o conhecimento de instrumentos para a criação de organismos independentes.

Quadro 7 (4) – Ações dos projetos em relação ao ideário do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer.

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4.5.1 O Programa dentro dos anseios da gestão municipal

O ideário do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer foi construído

respeitando diretrizes do governo municipal.

A vitória das forças democráticas e populares na cidade do Recife, em 2000, liderada [pelo] [P]refeito João Paulo Lima e Silva, representou um desafio [...]. Neste contexto, fomos convidados a ajudar na construção de uma proposta de trabalho sintonizada com os propósitos centrais da gestão de inverter prioridades, promover a participação popular e contribuir para a elevação da consciência política da população (SILVA, 2005a, p.10-11).

Nesse sentido, exploramos, nesta subseção, dois aspectos importantes nas ações dos

projetos que procuram concretizar “os propósitos centrais da gestão”. O primeiro,

conscientização política/participação popular, se refere à contribuição para a elevação da

consciência política da população, sobre o qual vimos que as ações dos projetos priorizam o

incentivo à participação em espaços institucionais de decisão na relação Estado-Sociedade. O

segundo, inversão de prioridades/orçamento, que analisamos qualitativamente explorando a

prioridade de investimento orçamentário nos projetos.

CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA/PARTICIPAÇÃO POPULAR

No discurso, os gestores do PCPEL tentaram não vincular a contribuição para

conscientização política, nas ações dos projetos, à participação em espaços de participação

popular abertos pelo Estado. A intenção era que as ações concretizassem uma perspectiva

educacional e não-formal para que a participação se tornasse conduta cotidiana da população.

[...] a cultura da participação, ela vai se desenvolvendo em vários aspectos. Não é o fato de existir uma conferência municipal de esporte, ou existir um mecanismo mais formal de participação que vai definir que aquele grupo social aprendeu a participar, [...] a participação constitui um valor na conduta [...] daquelas pessoas, não é que vá acontecer assim, de uma forma tão mecânica (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006). Na cultura de participação. A gente trabalha até um conceito mais amplo de que o de participação, que é o de autodeterminação. Então isso é um valor que vai se desenvolvendo com mecanismos informais de participação. Tem os espaços formais de decisão, mas tem o dia-a-dia participativo nos projetos [...] (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

No entanto, na execução dos projetos a contribuição para a conscientização política

esteve atrelada à participação em espaços de decisão do Estado. Exemplos do Projeto Esporte

do Mangue foram freqüentes nas falas dos gestores, apesar da conscientização crítica e

política dos participantes não se restringir à participação em espaços de decisão institucionais.

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O que é que a gente vê de diferencial nesse processo todo? [...] houve uma significativa organização desses jovens [...] eles começaram realmente a participar de alguns espaços de decisão que foi desde a plenária do OP a Conferências de esporte, que foi discutir o plano nacional de juventude, [...], foi audiência pública na câmara municipal que discutiu qual a contribuição de Recife pra política nacional de juventude (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

[...] A primeira coisa que o projeto se propõe, [...], que é o projeto de foco com a juventude, projeto Esporte do Mangue, é justamente educar essa juventude através das diferentes ações desportivas e culturais pra que ele possa vim a conquistar o seu tempo livre. Mas como é que isso se dá? [...] Como é que isso se deu dentro do projeto? [...]a gente começou a se reunir com eles, começou a criar alguns espaços de debates com eles no sentido de, a gente quer uma pista de skate na cidade, sim, a demanda de vocês é que se construa um equipamento de skate. Mas quais são os mecanismos que a gente tem [...]? O instrumento que nós temos [...] é o Orçamento Participativo. Então a gente vai precisar se organizar, digo se organizar eles, se organizar enquanto comunidade, enquanto região que eles residem, pra que eles possam tá participando desse espaço, porque é nesse espaço que define essas prioridades (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Inclusive em relação à reivindicação de espaços para a prática esportiva, os

participantes envolvidos com as linguagens do Projeto Esporte do Mangue mostraram-se mais

engajados que os dos outros projetos. O fato de boa parte dos participantes serem politizados

contribuiu para o maior engajamento deles na abertura do poder público em relação às suas

reivindicações. Porém, essa abertura esbarrou no conflito entre o tempo da gestão e tempo das

necessidades da juventude, um dos aspectos que contribuiu para o abandono contínuo da

juventude radical das ações do Projeto Esporte do Mangue, inclusive dos skatistas, sempre

citados pelos gestores como exemplo de conquistas.

No início de 2003, nas reuniões de planejamento da então Diretoria Geral de Esportes

(DGE) foram definidas algumas “prioridades estratégicas” para os anos de 2003-2004.

Os resultados do quadro de priorização dos projetos apontaram os Círculos de Convivência Social como o mais estratégico por permitir a operação dos demais projetos, em função de estar voltado aos diversos segmentos da população e por possibilitar uma melhor aproximação dos técnicos com o público alvo, facilitando a convivência destes com os demais participantes de outras modalidades esportivas. O Esporte do Mangue foi avaliado como a segunda prioridade uma vez que, embora atingindo uma clientela muito específica, possuía um significado muito especial por atender um segmento em situação historicamente discriminada e excluída, e em busca de uma ação mais radical, procurando se diferenciar dos demais. [...] as metas definidas para o período de 2003, consta das seguintes ações: III Fórum do Esporte do Mangue; Encontro de Formação dos Agentes Comunitários de Esporte e Lazer; Oficinas itinerantes nas comunidades; Pólo Hip Hop; Casa do Hip Hop; Produção de equipamentos esportivos, moda e primeiro emprego;

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Construção de equipamentos; II Mostra de Capoeira (SILVA, 2005a, p.219-220).

Em 2003 foi destacada a realização do II Encontro Municipal do Esporte do Mangue.

promoveu grande repercussão na cidade, dando boa visibilidade à Política de Esporte e Lazer com atenção a juventude participante do projeto Esporte do Mangue. Contou ainda com a participação do Prefeito do Recife e divulgação na mídia local. O encontro veio consolidar as novas demandas apontadas pelos diferentes grupos juvenis, como também, apresentou um novo formato que veio fortalecer a organização e participação de novos grupos juvenis Silva (2005a, p.241-242).

Exatamente quando o Projeto Esporte do Mangue e o Projeto Círculos de Convivência

Social eram as prioridades na política municipal de esporte e lazer, houve uma grande votação

no tema Esporte e Lazer no Orçamento Participativo.

Tabela 1 (4) – Lazer e Esportes na Votação Geral do Orçamento Participativo. TEMA ANO PONTO26

2001 2848 2002 11904 2003 23387 2004 10073 2005 10409

LAZER E

ESPORTES

2006 9589 TOTAL 68210

Fonte: Coordenadoria de Orçamento Participativo e Participação Popular.

Tabela 2 (4) – Lazer e Esportes como prioridade eleita por Microrregião na votação geral do Orçamento Participativo.

ANO Microrregiões 2002 1.1 3.3 5.3 2003 1.1 1.2 1.3 3.1 4.1 4.2 4.3 5.1 5.3 6.1 6.3 2004 4.1 4.3 2005 1.1 3.2 5.1 2006 1.1 1.2 5.1 Fonte: Coordenadoria de Orçamento Participativo e Participação Popular.

Dessas evidências depreendemos que, mesmo os gestores salientando o grande

número de pessoas participantes do Projeto Futebol-Participativo, isso não se repercutiu nas

votações do Orçamento Participativo, que caíram quando esse projeto começou a ser

considerado o mais consolidado do PCPEL. Exatamente o projeto que não mostrou potencial

26 Ponto quer dizer o número de pessoas que votaram no tema.

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de conscientização crítica e política dos participantes e incentivo à participação em espaços de

decisão na relação Estado-Sociedade. Característica que vai de encontro não só à proposta do

PCPEL de elevação política das comunidades, como da gestão municipal em seu propósito de

promover a participação popular e contribuir para a elevação da consciência política da

população.

INVERSÃO DE PRIORIDADES/ORÇAMENTO

No decorrer desta pesquisa vimos que há dificuldade orçamentária para a execução

dos projetos. Na visão dos gestores é o principal empecilho para a efetiva concretização da

proposta do PCPEL.

[O problema] é orçamento. Com mobilização a gente não tem problema. Até porque o município já criou todos os caminhos necessários para entrar em qualquer comunidade na cidade, via Orçamento Participativo, via Conferências, via agora Secretaria de Direitos Humanos, via Círculos Populares, via saneamento integrado, agente comunitário, então [...] a Prefeitura tem muitos agentes que entram nas comunidades, que dialoga com a população, [...], agora o problema é recurso, [...] quando tem recurso... Quando chega para o nível de organização que o município já tem... É coisa pra cinema (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Em termos de dificuldades orçamentárias foi ponto comum entre os projetos a relação

entre o aumento da demanda das comunidades e a falta de recursos para atendê-las,

considerando ainda que a chegada ao GEGM-Geraldão aumentou as atribuições da pasta de

esporte e lazer no município.

A linguagem esportiva, trabalhada nesta pesquisa a partir do Projeto Futebol-

Participativo, apesar da dificuldade financeira, particularmente no sentido de definição de

prioridades (já que a diretoria responsável pelo projeto desenvolve também atividades

relacionadas ao desporto de alto rendimento), não impactou na realização do projeto.

[...] a gente tem a dificuldade financeira, a gente não tem um recurso suficiente pra atender a toda a demanda, mas a gente já consegue ordenar melhor as despesas. Acho que é mais questão de adequação ao recurso essas ações estratégicas que a gente tá conseguindo priorizar, porque a gente não tem como atender tudo hoje (Diretor de Esporte Amador, em 08/02/2006).

O mesmo não ocorreu em relação às atividades do Projeto Esporte do Mangue e das

ações relacionadas ao Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer), que deixaram de

realizar ações importantes.

Em relação ao primeiro, o número de festivais foi sensivelmente diminuído e a fala

dos gestores indicou que o Encontro Municipal Esporte do Mangue seria realizado, caso os

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recursos fossem suficientes para trazer artistas de renome nacional, indicando o anseio pela

grande visibilidade das ações.

A dificuldade financeira foi tão grande que a gente não conseguiu fazer o Encontro Municipal do Esporte do Mangue [em 2005], mas a gente conseguiu fazer um seminário de avaliação, onde aglutinou os mesmos elementos do Encontro Municipal, não teve a magnitude do Encontro (Gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, em 16/02/2006). [...] o recurso seria o essencial pra gente dá uma avançada no sentido de a gente dá mais condições. Porque a demanda cresceu de todas as formas, de apoio a você oferecer um Encontro. Por exemplo, a gente já deu condições de realizar Encontro Municipal [Esporte do Mangue] onde tem grupos de renome nacional, que vem pra cá, a galera acostumada a ter alimentação durante o evento todo, ter camisa, ter essa coisa toda. E hoje se você for fazer um encontro com essas coisas, com a demanda que a gente tem hoje, as condições não dá, [...] pra quem iniciou com 70, 80 jovens participando, hoje a gente tem quase uma média anual de 8000 a 9000 jovens participando [...] (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

Em relação ao Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer) deixaram de realizar

ações não sistemáticas que constam nas formas de organizar do PCPEL.

A gente deixou de realizar a Colônia de Férias, Festival de Encerramento [o último foi no final de 2005] que a gente sempre fazia. Quando a gente faz esses festivais gerais, por exemplo, o festival de carnaval quando a gente fazia envolvia todo mundo, o festival Junino a gente também deixou de realizar, porque o Geraldão foi tomando outra dimensão, com outros projetos e aí vai tendo que adequar, aumentou a demanda, aumentou os projetos, mas o orçamento não se tem um aumento proporcional. Então a gente vai tendo que fazer uns cortes e aí a gente teve que cortar alguns projetos nossos também. Vai tomando outra proporção dentro da cidade, [...] aí a gente vai tendo que cortar realmente os projetos pra atender a outros públicos (Diretora de Lazer e Cidadania, em 20/04/2007).

Nesse sentido, o investimento na revitalização do GEGM-Geraldão, que envolveu o

anseio da gestão municipal em dar maior visibilidade à política de esporte e lazer da cidade,

contribuiu não só para a falta de recursos para as ações dos projetos, como para a perda de

foco do PCPEL.

As principais atenções, em 2006, em termos de revitalização de espaços, estiveram

voltadas à recuperação do ginásio por meio do Projeto Geraldão Melhor.

O ano [2005 e 2006] que não teve o Esporte do Mangue foi priorizada a reforma do ginásio (Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude, em 04/04/2007).

A recuperação do GEGM-Geraldão proporcionou sua reutilização para eventos, como

a reabertura do ginásio, os jogos escolares, e ações relacionadas ao PCPEL, como também

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shows, eventos e campeonatos, aluguel de quadras, que, movimentam o ginásio, mas não

trazem recursos suficientes para mantê-lo. Os campeonatos muitas vezes são promovidos por

federações de desporto amador e ligas que sofrem com a falta de recursos em suas entidades e

necessitam do apoio municipal para realizar seus torneios. Alguns eventos e shows trazem

recursos que quase se equivalem ao gasto de apoio do GEGM-Geraldão a eventos esportivos.

Nosso orçamento tem aumentado anualmente, isso é um fato. A questão é... Na verdade foi somado o orçamento que tinha na DGE com o que se tinha aqui, agora ele não é suficiente. Porque quando a gente chegou aqui, a gente trouxe uma política muito grande praqui pra dentro27.

O orçamento28 do GEGM-Geraldão é basicamente para manutenção do Ginásio, para

pagamento de pessoal e para o Projeto-Futebol Participativo, sobrando muito pouco para a

compra de materiais. Contrastando com o que apresentamos sobre a não realização de

algumas ações, foi afirmado pelos gestores que

Não tem projeto cortado [por causa da] manutenção do Geraldão29.

Sobre a não realização de ações do Projeto Esporte do Mangue devido à falta de

recursos foi respondido que:

É. Mas aí também assim por priorização da... Sem o Geraldão... Como eu lhe disse a gente tem uma necessidade muito grande só que a manutenção do Geraldão não é prioridade número um, por exemplo, entre realizar um projeto estratégico que tá consolidado e que a comunidade, a sociedade já tá toda mobilizada e espera por aquilo, termina passando por cima da manutenção. É claro que tem coisa emergencial que não poder deixar de ser feita, mas é exatamente o contrário que ocorre, é o Geraldão é quem recebe cortes às vezes por causa de liberar recursos pros projetos.

Nesse sentido e considerando a dificuldade Orçamentária do GEGM-Geraldão, o

Projeto Futebol-Participativo, visto como o mais consolidado do PCPEL, foi prioridade.

Somente ele não sofreu com a não realização de ações por falta de recursos.

Porque veja o futebol, o que é que deixa o futebol tão assim, tão fácil? Porque uma bola você já une 22 correndo e o campo, então se você for dividir o preço da bola R$ 50,00, uma bola boa pra se jogar com 22, tá entendendo? Não é como o judô que você tem que comprar um Kimono que

27 Informação conseguida em conversa com Diretor Administrativo-Financeiro do GEGM-Geraldão, em 19/04/2007, nas dependências do ginásio. 28 O orçamento do ginásio é composto por três tipos de receita: 1) Tesouro Municipal, usado basicamente para manutenção do ginásio, pagamento de pessoal e realização do Futebol Participativo; 2) Convênio com o Ministério do Esporte, somente usado para pagamento de educadores e monitores do PCPEL e compra de alguns equipamentos; Por fim, existem os recursos que podem ser realizados ao longo do ano em virtude de aluguel de espaço do Ginásio, etc. (fonte própria–fonte 0241). 29 Informação conseguida em conversa com Diretor Administrativo-Financeiro do GEGM-Geraldão, em 19/04/2007, nas dependências do ginásio.

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é R$ 200,00, R$ 150,00 e é um cara só que tem que fazer isso, né? É mais popularizado porque é mais barato (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Exatamente o projeto que não mostrou potencial para concretizar o discurso de

conscientização crítica e política que permeia a proposta do PCPEL. Projeto que na primeira

gestão não esteve entre as prioridades de ações, que se voltaram para o segmento da

juventude, com o Projeto Esporte do Mangue, e para o Projeto Círculos de Convivência

Social, como ação importante para chegada e articulação nas comunidades. Nesse sentido, a

“inversão de prioridades”, analisada aqui pelo investimento de recursos, mostrou-se

contraditória à proposta do PCPEL como também aos propósitos da gestão municipal, pois o

Projeto Futebol-Participativo não contribuiu para promover a participação popular e para a

elevação da consciência política da população.

A influência dos anseios da gestão municipal nas ações do PCPEL envolveu outros

aspectos. O discurso da gestão municipal sobre a necessidade de qualificar as ações da

Prefeitura, em 2006, colidiu com a proposta do Futebol-Participativo de incitar o resgate do

futebol como alternativa de lazer nas comunidades de baixa renda do Recife. Desde então o

discurso de “tá na rua, tá organizado, quer participar, venha. A participação é o elemento

fundamental, se organize e venha” (Diretor-Presidente do GEGM-GERALDÃO, em

13/02/2006), que caracterizou as ações do projeto em 2005, foi sobreposto ao de que “é

preciso aumentar a participação, mas de maneira organizada. O estímulo à participação

não pode combinar com a não participação no dia do jogo. Você escreve a equipe, [...] e no

dia do jogo não aparece, então a [...] a participação tá comprometida” (Gerente responsável

pelo Projeto Futebol-Participativo, em 18/04/2007).

A participação que antes poderia ser realizada de forma mais espontânea, ganhou

como exigência a necessidade de organização por parte de quem pretende fazer parte dos

campeonatos. Além disso, o discurso da qualidade foi aliado à necessidade de eficiência dos

recursos e da cobertura pela imprensa do campeonato (principalmente o masculino adulto).

Sobre o trabalho com a juventude verificamos que a presença da juventude radical foi

bastante reduzida desde as primeiras ações do PCPEL, aspecto que se refletiu no

esmorecimento das ações do Projeto Esporte do Mangue. A juventude ligada aos elementos

da cultura hiphop esteve praticamente ausente nas ações do projeto. Juventude que

contraditoriamente ao investimento no projeto é vista com grande potencial para gerar o novo.

[...] essa juventude que a gente tem [...] que a mídia vem passando que é uma juventude alienada, que é uma juventude que não tem referência na

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juventude da década de 60 e 70 [...]. A nova geração não tem esse trauma, tem outros traumas, mas não tem [...] medo de enfrentar uma política, [...]. [...] essa nova geração é o lugar onde tá nascendo um bocado de coisa nova, ela tem muita coisa pra ensinar pra gente, ela consegue fazer uma síntese interessante do que é a tradição da cidade com o que tem de desafio do novo, das coisas que vem chegando. Quando você vê o Movimento Manguebeat que de uma certa forma vive a contradição do valor de uso e do valor de troca [...] da indústria cultural. Mas a capacidade que esses grupos têm de reinventar, de ressignificar o que a indústria cultural joga é muito grande, é o celeiro das coisas novas que vão acontecer (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

Um reforço à nova ênfase na(s) juventude(s) foi a aproximação com a Política

Nacional de Juventude, que no ano de 2006, se refletiu na mudança de rumos da diretoria

responsável pelo Projeto Esporte do Mangue. Essa aproximação que envolve a execução do

ProJovem no Recife e a representação norte-nordeste de uma articulação da juventude no

Mercosul, contrasta com a limitação levantada pelos gestores de não conseguir dar conta das

ações do Projeto Esporte do Mangue por conta do aumento da demanda dos jovens da cidade.

Nesse sentido, vêm sendo priorizadas ações que proporcionam visibilidade à política

municipal de esporte e lazer, principalmente, seguindo diretrizes da Política Nacional de

Juventude.

A diretoria tem esse ano [2006] uma missão pesadíssima, primeiro ligado mais especificamente ao Projeto Esporte do Mangue, [...] a gente tem essa idéia da construção do IV Encontro Municipal Esporte do Mangue, [...]. Segundo, vem [...] esse ano as atividades sistemáticas [os círculos de convivência social de juventude], e isso é novo pra gente [...]ainda é piloto [...] a gente tá em torno de cinco comunidades. Terceiro é a linha que a gente vai tá assumindo agora em torno do Projovem, é um programa do Governo Federal que envolve a questão da qualificação, ação comunitária e a certificação [...] pra jovens que tenham concluído até a quarta série [...] entre 18 a 24 anos. [...], Recife, escolheram, o Arco de esporte e lazer, o Arco vai tá se certificando em quatro funções, Recreador, Monitor de esporte e lazer, que é o ligado mais a questão das escolinhas, ligado um pouco a questão do rendimento esportivo; Agente Comunitário de Esporte e Lazer, que é ligado a atividades dentro da comunidade de esporte e lazer e Animador de Festas e Eventos, justamente aquela pessoa ligada a questão de coordenador eventos [...]. [...] inicialmente são 300 jovens, durante três meses, que depois vão tá se inserindo dentro da política da gente. [...]. Outro foco da gente esse ano é questão da Mercocidade, que hoje a gente faz parte da unidade temática de juventude e que a gente vai tá realizando aqui em Recife o Encontro Internacional da Juventude da Mercocidade, ou seja, são cidades membros, tem uma relação com o Mercosul [...] a gente aqui Recife coordena a subunidade temática norte-nordeste e a gente vai tá puxando aqui pra setembro essa grande atividade [...] com todos os jovens desses países participando. Acho que de estratégico esse ano são essas ações (Diretor de Esporte e Juventude, em 16/02/2006).

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Como vimos o Encontro Esporte do Mangue não foi realizado, dos doze festivais

previstos para 2006 foram realizados cinco. As atividades sistemáticas ainda são incipientes.

Em contraponto, as atividades articuladas com a Política Nacional de Juventude foram

realizadas e, particularmente o Projovem, vem ganhando destaque nas ações da política

municipal, pois o GEGM-Geraldão é o órgão executor do Programa por meio do Arco de

Esporte e Lazer. Um projeto voltado especificamente à qualificação técnica

(profissionalizante) de jovens, que contrasta com os fundamentos de conscientização crítica e

política do PCPEL.

Ao elaborar o presente Projeto Piloto do Arco de Esporte e Lazer do Programa Projovem, estamos propondo uma formação inicial para que os jovens de 18 a 24 anos que fazem parte do público alvo desse Programa possam acessar uma qualificação para o trabalho no âmbito do Esporte e Lazer, em quatro tipos de atuação, todas com grande caráter comunitário. Dessa forma, o Projovem, enquanto uma Política Nacional para a Juventude e preocupando-se com uma certificação destes [...] oferece também a possibilidade de enriquecimento desse processo com uma qualificação para o mundo do trabalho e para o desenvolvimento de experiências de organização comunitária (Documento Interno da Diretoria de Esporte e Juventude do GEGM-Geraldão).

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Figura 35 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem com presença do Presidente da República em reportagem de capa de um dos

principais jornais de Pernambuco.

Fonte: Diário de Pernambuco, 31/03/2007.

Fonte: Folha de Pernambuco, 31/03/2007.

Fonte: Jornal do Commercio, 31/03/2007.

Figura 36 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem, com presença do Prefeito do Recife, em reportagem de capa de um

dos principais jornais de Pernambuco.

Figura 37 (4) – Cerimônia de diplomação do ProJovem, com presença do Governador do Estado e outras autoridades, em reportagem de capa de um dos principais jornais de Pernambuco.

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A mudança de rumos, nas ações voltadas para a juventude, se refletiu inclusive na

forma como as atividades do PCPEL passaram a ser abordadas nas Plenárias Temáticas de

Juventude do Orçamento Participativo. Nessas, a temática de Esporte e Lazer foi trazida a

partir de 2003. Ao longo dos anos os temas para votação foram se distanciando da juventude

radical, segmento que inspirou o nome do Projeto Esporte do Mangue e para o qual foi

direcionado o foco das ações desse projeto nos primeiros anos do PCPEL.

No quadro abaixo isso se reflete no tom generalista que as ações do tema Esporte e

Lazer voltadas para juventude foram ganhando nas votações, principalmente no biênio 2005-

2006, quando as ações do Projeto Esporte do Mangue não receberam prioridade na

distribuição orçamentária do GEGM-Geraldão e suas principais ações não foram realizadas.

ANO TEMAS AÇÕES Formação profissional e geração de

renda Programa primeiro emprego

ESPORTE E LAZER ESPORTE DO MANGUE 2003

Assistência social Centro da Juventude

Formação profissional e geração de renda

Ampliação dos programas de transferência de renda e

profissionalização (agente jovem, agentes de esporte e lazer e animadores

culturais)

Assistência social Centro da juventude / que história é essa?

2004

ESPORTE E LAZER

Círculos populares de esporte e lazer (círculo de convivência da juventude

e construção de áreas de esporte e lazer)

ESPORTE E LAZER Círculos populares de esporte e lazer Protagonismo juvenil Centros da Juventude 2005

Educação Ampliar o acesso à educação de jovens e adultos com orientação profissional

ESPORTE E LAZER Círculos populares de esporte e lazer

Educação Ampliação do jeac-programa juventude, educação e animação cultural. 2006

Cultura Programa Multicultural Fonte: Coordenadoria de Orçamento Participativo e Participação Popular. Quadro 8 (4) – Temas/Ações para votação nas plenárias temáticas de Juventude (2003-2006) do

Orçamento Participativo.

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Esse panorama contradiz, de alguma maneira, a seguinte afirmação do coordenador de

eventos da Diretoria de Esporte e Juventude (em 04/04/2007).

falando especificamente na questão da plenária temática de juventude há cerca de três a quatro anos esporte e lazer, Projeto Esporte do Mangue fica em primeiro lugar.

Somente em 2003, o Esporte do Mangue apareceu especificamente como uma ação, na

plenária de juventude, relacionada ao tema Esporte e Lazer. Exatamente no ano em que a

temática de esporte e lazer teve grande presença nas votações do Orçamento Participativo do

Recife.

A nova ênfase na juventude por parte da política de esporte e lazer do município

repercutiu em 2007 no planejamento do Projeto Futebol-Participativo.

E esse ano [2007] nós já temos aí mapeados praticamente as equipes e atletas em função de todos esses anos no projeto e vamos tentar avançar na questão, em aumentar o número de participantes, criando mais uma categoria que é o sub-17. Na verdade a gente entende que a gente precisa avançar com relação ao Futebol-Participativo, é preciso dar um salto qualitativo. Esse ano é um ano que tem uma expectativa muito grande que isso aconteça. Os dois anos anteriores foram anos de consolidação, de marcar ali o espaço e consolidar o espaço e hoje a gente já tem consolidado. É preciso avançar dentro do Projeto, tentar fazer o que sempre se propôs anteriormente, porque consolidado já tá, mas precisa avançar um pouco nesse sentido. Ampliar a gente vai ampliar em função dessa nova categoria que vai ser colocada aí, que é o sub-17, [...] o principal realmente é intensificar as ações em relação à formação principalmente, seja de agentes comunitários, de lideranças comunitárias, trazer informação para que se estimule a autoorganização nas comunidades e, trabalhar com a juventude especificamente para tratar questões como a violência e autoorganização dentro da juventude para o esporte (Gerente responsável pelo Projeto Futebol-Participativo, em 18/04/2007).

A juventude está sendo vista como uma possibilidade de avançar qualitativamente o

Projeto Futebol-Participativo, principalmente em termos de discussão de temas sociais mais

amplos e politização de seus participantes. Essa iniciativa de algum modo reforça (e

reconhece) o potencial de contribuição crítica e politizada da juventude para as atividades do

PCPEL, mas ao mesmo tempo chocasse com os rumos tomados pela política municipal de

esporte e lazer voltada à juventude (especialmente no Projeto Esporte do Mangue).

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Assim, evidenciando-se como a ação que vem recebendo maior atenção e investimento

dentro do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer, o Projeto Futebol-Participativo

mostrou-se um projeto de grande retorno político e adequado na luta da pasta de esporte e

lazer por reconhecimento dentro da própria gestão municipal. Além disso, proporcionou

grande visibilidade às ações esportivas da Prefeitura Municipal do Recife junto à sociedade, e

para a composição dos relatórios de ação da PMR, considerando as limitações de recursos do

GEGM-Geraldão para implementar as ações do PCPEL.

Nesse sentido, verificamos que o grande potencial de retorno político do Futebol-

Participativo se sobrepôs, respectivamente, aos projetos: com maior potencial educativo

(pedagógico) dentro da proposta do Programa, o Projeto Círculos de Convivência Social (de

Lazer); e que demonstrou potencial de transformação das estruturas de poder, do tradicional,

do velho da relação Estado-Sociedade em termos de reivindicação política por meio de uma

política de esporte e lazer, o Projeto Esporte do Mangue.

Nas discussões do Futebol-Participativo foi comum ver representantes das

comunidades elogiarem o projeto, principalmente, lideranças comunitárias que há muitos anos

trabalham com o futebol comunitário e são frutos da relação tradicional dos programas de

governo anteriores, especialmente com o futebol de várzea. Aspecto que não se evidenciou

nas ações do Projeto Esporte do Mangue. Nesse projeto, as discussões valorizaram o

momento de diálogo na comunidade, os assuntos do cotidiano (violência, mídia, cultura, etc.),

as iniciativas tomadas nas comunidades, o reconhecimento de iniciativas da comunidade, as

linguagens alternativas e radicais do esporte e seu papel social. O Projeto Esporte do Mangue

caracterizou-se pela contestação das ações do projeto e da Prefeitura, potencializando a

formação de sujeitos que depois se voltaram contra os espaços institucionais do Estado, como

o Orçamento Participativo, inclusive contra os rumos do próprio projeto. No entanto, não

proporcionou a visibilidade das ações esportivas, esperada pela PMR, junto à sociedade30.

O Programa Círculos Populares de Esporte Lazer mostrou-se ambíguo no sentido de

articular o discurso de esporte, lazer e cultura. O elemento cultural surge como uma

possibilidade de agregar movimentos independentes das periferias (elementos da cultura

hiphop; Skate e BMX; teatro, artesanato e dança) em vista de ajudar na proposta do Programa

de conscientização crítica e elevação cultural das comunidades da periferia. No entanto, em

contradição, os projetos com maior continuidade estiveram atrelados ao fortalecimento da

30 Um aspecto despercebido, mas importante, foi a presença do Prefeito da cidade (pelo menos durante a realização desta pesquisa), dentre as atividades do Programa, somente nas aberturas do Campeonato Masculino do Projeto Futebol-Participativo 2005 (No campo do Bueirão-RPA4) e 2006 (no GEGM-Geraldão).

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reivindicação do esporte e do lazer como direito sociais (Constituição, Projetos de Lei, etc.)

em que a luta acontece para afirmar instrumentos institucionalizados de decisão na relação

Estado-Sociedade (Câmara Municipal dos Vereadores, Orçamento Participativo, Audiências

Públicas, etc.). O teatro, o artesanato e a dança não mostraram tom contestatório, mas sim

educativo, dentro do discurso de educação no e para o tempo livre do PCPEL. Nessas

linguagens, a reivindicação política, quando ocorre, é por meios institucionalizados e

seguindo os anseios da gestão municipal e dos gestores do PCPEL.

O Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer poderá marcar a história de

políticas públicas voltadas ao esporte e lazer no município, mas deixa uma marca negativa aos

movimentos independentes que alimentou esperanças no início das ações do Projeto Esporte

do Mangue, principalmente a juventude radical ligada aos elementos da cultura hiphop.

Juventude que se mostrou rebelde, inclusive com autonomia para criticar as ações do poder

público, e cheia de expectativas com a abertura do olhar governamental para seus trabalhos

independentes nas comunidades da periferia do Recife e municípios circunvizinhos.

Nesse sentido, ações ligadas a segmentos com posicionamentos contestatórios, como o

Projeto Esporte do Mangue, foram ao longo do tempo sofrendo com a falta de investimento,

desmobilizando o esforço inicial de reivindicação dos segmentos da juventude radical nos

espaços institucionais (principalmente no Orçamento Participativo31), que ocasionou a

descrença dessa juventude frente às iniciativas do governo. Segmento que foi importante na

chegada das ações do Programa nas comunidades da periferia (ao saberem que o poder

público estava abrindo os olhos para quem sempre ignorou) e também no envolvimento na

reeleição da gestão municipal em 2004, contribuindo para o ganho de visibilidade do PCPEL

no primeiro mandato do PT na cidade, que culminou em sua ida para o GEGM-Geraldão.

No entanto, as ações e seguimentos que foram importantes para o estabelecimento

inicial do Programa só receberam continuidade quando demonstraram potencial de reforço ao

poder institucionalizado das esferas de decisão do Estado, principalmente o Orçamento

Participativo e ajudaram o PCPEL na conquista de reconhecimento no âmbito intra-

governamental e da gestão municipal nas periferias.

31 Considerando ainda que essas esferas de decisão mostram pouco potencial em modificar as relações de poder entre Estado e sociedade civil em organização. Essas esferas deixam as comunidades dependentes das negociações institucionais que marcam a relação entre secretarias de governo e o alinhamento político da Câmara dos Vereadores com o Poder Executivo da cidade. Isso ficou evidente em relação à construção da pista de skate na orla do Pina votada no Orçamento Participativo, mas que vem sofrendo empecilhos para sua construção.

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A partir de 2005, quando o PCPEL foi para o GEGM-Geraldão, o Projeto Futebol-

Participativo e o Projeto Círculos de convivência social de Lazer (principalmente a

ginástica para adulto/idoso) emergem como os projetos prioritários, exatamente os que se

caracterizaram pelo caráter não contestatório de seus participantes às esferas institucionais do

Estado e não demonstraram críticas mais amplas às ações do Programa. O Projeto Círculos de

Convivência Social (de Lazer) se mostrou importante, principalmente, por ser o mais alinhado

com a proposta pedagógica do PCPEL e responsável por ações sistemáticas nas comunidades.

Esse tipo de priorização dos gestores do PCPEL, apoiados pela PMR, gerou como

corolário uma (re)volta dos movimentos juvenis independentes às suas origens, ao que faziam

antes da atenção do poder público municipal. Durante a pesquisa notamos que o segmento da

juventude radical continua suas ações nas comunidades, criando outros tipos de iniciativas

para continuarem sua luta. Exatamente os segmentos que o Projeto Esporte do Mangue

contemplou com vigor nas primeiras ações do Programa. No entanto, não podemos afirmar

que essas iniciativas são frutos das ações do projeto. Provavelmente terão sido fruto do

embate do novo (o cotidiano), que sempre existiu nas comunidades, com o velho (o formal), o

poder institucionalizado, atuando através do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Salientamos ainda que, houve uma grande contribuição, em termos de práticas de

organização advindas de práticas comunitárias, na maneira como os projetos do PCPEL são

hoje implementados. O próprio formato de organização das ações do Programa, como os

campeonatos do Projeto Futebol-Participativo, que só adquiriram o formato atual a partir de

2004, foi fruto da experiência dos responsáveis pela implementação dos projetos nas

primeiras ações nas comunidades. Foi uma experiência que adveio, principalmente, das ações

dos Projetos Círculos de Convivência Social e Esporte do Mangue.

[...] eu trabalhei pesquisa-ação, então, eu mesmo, a equipe da pesquisa-ação é que denunciava o que é que comprometia uma coisa que tava na intenção da gente e fazia com que a gente chegasse por um lado, não chegasse por outro, entendeu? Porque eu acho que o mais importante aí é a gente consegui construir ou descobrir os caminhos que tão sendo percorridos, tá entendendo? Pra gente não ter que percorrer denovo caminhos, abrir determinadas portas que já tavam abertas por outros atores (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

O não percorrer novamente os mesmos caminhos abertos por outros atores resultou

numa forma nova de organização, que o PCPEL atualmente utiliza nas ações sistemáticas e

não-sistemáticas, adquirida nas ações dos projetos nas comunidades e fruto de práticas de

organização que já faziam parte do cotidiano das comunidades, principalmente na ação de

organismos juvenis independentes:

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(1) Mobilização (agora também) via telefone e o boca a boca das lideranças

comunitárias (educadores, monitores, lideranças juvenis, lideranças antigas, etc.) e de

pessoas à frente de iniciativas independentes na comunidade (além de grupos juvenis

incluem ONG´s);

(2) Reuniões nas comunidades (fóruns, reuniões, rodas de diálogo);

(3) Evento (festivais, encontros, campeonatos, oficinas, torneios, vivências).

Essa forma nova de organização em 2007 ganhou uma “nova” roupagem em um

projeto do GEGM-Geraldão, que tem a seguinte preocupação “não é só oferecer um evento, a

gente quer deixar alguma coisa32”, pois a gestão municipal acaba no próximo ano. Projeto que

agrega as quatro principais diretorias do GEGM-Geraldão no Geraldão nos Bairros, uma

ação do poder formal em direção ao cotidiano das comunidades, aglutinando ações de esporte,

lazer e juventude em finais de semana festivos. Projeto que mescla ações, ao longo do tempo

abandonadas pelos gestores do PCPEL, tais como os Arrastões do Lazer e o Projeto de

Animação de Parques e Praças, com o formato dos Festivais da Juventude do Projeto Esporte

do Mangue.

32 Informação conseguida em conversa com Diretor de Esporte Amador, em 02/04/2007, no GEGM-Geraldão.

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5 (Em) Conclusões

Eu [não] preferia ser como alguns ‘manos’ da [cidade] que só vivem falando de futebol ou nas ‘minas’ que vão pegar no fim de semana. Eles são mais felizes porque não ficam preocupados com os outros, nem com eles mesmos. Quando a gente começa a perceber o que está em volta, vai ficando com raiva, infeliz, tentando entender por que as coisas são daquele jeito [e aí surge o novo] (Adaptação de trecho de Palestra de Mano Brown, rapper da zona sul de São Paulo. Retirado do Livro de Célio Turino, ‘Na trilha de Macunaíma: ócio e trabalho na cidade’, 2005, p.170).

As crises existenciais foram o novo definhando o velho. Entristecer foi o velho definhando o novo. Inquietude é o novo atacando o velho. Sem inquietude não seria possível compreender o novo (o autor da pesquisa).

Lembremos agora do início desta pesquisa, do que é básico para o início de um

trabalho acadêmico, a compreensão do que vai se fazer e sua concretização em palavras que

definimos como:

Questão de Pesquisa e Objetivos Geral e Específicos:

Como os elementos transformadores do discurso do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer se concretizam nas práticas de organizar dos círculos populares?

- Analisar como os elementos transformadores do discurso do Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer se concretizam nas práticas de organizar dos círculos

populares.

- Caracterizar as ações do Estado no campo de esporte e lazer desde 1930 até as

iniciativas de governos locais de administrações populares e progressistas do Partido

dos Trabalhadores (PT).

- Descrever e caracterizar o Programa Círculos Populares de Esporte Lazer,

identificando os fundamentos de suas ações e os projetos que o constituem.

- Identificar os elementos transformadores no discurso do Programa.

- Identificar as práticas de organizar do Programa a partir da observação da execução

dos projetos estudados.

- Verificar como os elementos transformadores presentes no discurso do Programa se

concretizam nas práticas de organizar dos projetos estudados.

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- Analisar se as características e práticas de organizar do Programa Círculos Populares

de Esporte e Lazer indicam a possibilidade de um novo organizar.

Olhando o projeto de dissertação, defendido há pouco mais de um ano, perceberão que

o velho, isto é, o novo das nossas elucubrações se concretizando em palavras (a questão de

pesquisa e os objetivos) não mudou praticamente. No entanto, nossa compreensão, o novo, o

pensar constante, que teima em renovar-se no confronto com o velho, o já pensado, fazia-nos

a cada leitura ver infinitas possibilidades do Organizar. O novo foram todas as infinitas

possibilidades que elucubramos quando lemos o velho, a concretização de nossas idéias ou de

outros autores em palavras. Velho que insistiu com toda sofisticação em nos esconder o novo,

mas sem o qual ele não vive, senão não haveria possibilidade de um novo compreender a

partir dos processos de ler e conhecer.

Nos caminhos teóricos tentamos construir aquilo que foi o novo organizar para uma

determinada época histórica, a estrutura de organização burocrática, mas que hoje representa a

forma mais sofisticada do velho organizar, mesmo que tentem vesti-la do novo (basta

observar as ferramentas de gestão do momento).

Com o histórico do país em termos de esporte e lazer, apesar de panorâmico, tentamos

mostrar que a intervenção do Estado na pasta de esporte e lazer foi predominantemente

calcada no que compreendemos pelo velho organizar, uma intervenção de cima para baixo.

Mesmo após a Constituição de 1988 as subseqüentes leis para regular o desporto do país

seguiram uma tendência internacional de mercantilização do esporte.

No Brasil, as ações governamentais em esporte e lazer estiveram predominantemente

associadas ao futebol, que historicamente se tornou um instrumento do poder instituído para

apaziguar as massas, reforçar o caráter predominantemente apolítico de nosso cotidiano e

reproduzir o que é mais velho em nossa sociedade (o patrimonialismo, o autoritarismo, a

cordialidade, a perpetuação no poder de uma elite oligárquica, a corrupção).

Na década de 80, esse histórico foi marcado pela influência das tendências dos países

desenvolvidos com a indústria do lazer, mas a sociedade civil brasileira estava mais

organizada, concebendo, com destaque para os trabalhos de Nelson Carvalho Marcellino, uma

concepção de lazer em consonância com a vida comunitária de algumas regiões do país. Essa

concepção, na década de 90, inspirou as ações de governos progressistas, principalmente no

nível municipal, desembocando também no ideário do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer.

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Esta pesquisa foi realizada no calor de acontecimentos, no que ainda estamos vivendo.

Coincidentemente quando o Partido dos Trabalhadores (PT) estava no poder maior da nação,

quando tentava construir uma estratégia de luta contra o velho governar, depois de uma

estratégia vitoriosa percorrida para chegar ao poder. Vendo-se lá em cima teve o dever de

retornar abrindo caminhos para a possibilidade de um novo governar, forjado na sociedade

civil em organização, que trazia o restante da bagagem intelectual, organizativa e cultural

resultante do embate histórico entre o novo (a sociedade) e o velho (o Estado) do país.

Nesse caminho de volta, a estratégia de luta do Governo Federal, contra o velho

governar, atinge Recife uma das últimas capitais a ter prefeituras lideradas pelo Partido dos

Trabalhadores (PT). Exatamente quando esta pesquisa tem início e a gestão municipal decide

que o órgão irradiador da política municipal de esporte e lazer do Recife tem que priorizar o

Formal, o velho organizar, a partir do GEGM–Geraldão, em detrimento do Cotidiano, da

contínua emergência do novo organizar a partir das práticas da sociedade civil em

organização, das comunidades da periferia do Recife.

A partir dos caminhos teóricos e da estratégia de pesquisa (o método), percebemos por

um instante, no calor dos acontecimentos, uma das infinitas possibilidades de compreender o

embate do novo organizar com o velho organizar, que gerou uma das infinitas possibilidades

de compreender o Organizar, nas ações do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Essa compreensão pode ser vista a partir do relato (abaixo), que reúne vários

elementos do jogo do organizar, particularmente as práticas organizacionais, o organizar

interno das organizações, o organizar tradicional e formal; e as práticas de organizar, que se

referem ao embate entre o velho organizar, o formal e o novo organizar, o cotidiano.

Você tem a formalidade, mas você tem o jogo que o dia-a-dia chama você pra fazer [...]. O principal o que é? Dessa coisa de organizar o sistemático e o não-sistemático. É que todos os anos a gente faz um planejamento participativo, onde todos, até o nível de coordenação (gerências operacionais), os coordenadores de ponta. Até esse nível a gente senta pra organizar o plano de trabalho do ano e a política como um todo. Então, quer dizer, você tem no planejamento o elemento que reúne todo mundo pra tomar as decisões e durante o dia-a-dia a gente trabalha muito com o coletivo, com grupo de trabalho. O guia da gente é o documento final do planejamento e isso aqui vai se adequando ao jogo do que a realidade vai pedindo. Nunca termina um ano sem a gente fazer uma revisão disso aqui, nunca termina um ano sem a gente revisar como vai se organizar pra fazer o próximo, porque não dá, é muita coisa, não dá... entendeu? Quando a gente joga uma coisa na rua vem uma nova necessidade transformada em demanda da comunidade e a gente tem que se reorganizar pra responder aquilo ali e no outro ano já acumula mais e a gente vai ter que... (Diretor-Presidente do GEGM-Geraldão, em 13/02/2006).

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Os destaques mostram a relação constante e intrínseca entre a tentativa de

instrumentalização de um órgão do Estado do que a realidade, o cotidiano da comunidade, a

sociedade civil em organização, faz e como isso repercute numa decisão administrativa do

primeiro, que se concretiza numa ferramenta de gestão, o planejamento participativo, uma das

formas de organizar do Programa. Quando aumenta algo na comunidade o formal tenta se

apropriar, mas o cotidiano teima em renovar-se.

A partir dessa nova compreensão do Organizar, as possibilidades de uma forma nova

de organização advêm do embate entre o novo e o velho organizar. Porém, o velho organizar

tenta nos fazer compreender esse processo a partir de uma via, sem considerar seu oponente o

novo organizar. Ademais, o velho organizar tenta criar rótulos nas formas novas de

organização que surgem do embate entre o velho e o novo. Vimos isso concretamente com o

Geraldão nos Bairros, quando, compreendendo o Organizar com uma nova perspectiva,

sabemos que são, principalmente, os Bairros no Geraldão.

A partir dessa compreensão afirmamos que o velho organizar não cria, por ele mesmo,

uma forma nova de organização, nem um instrumento novo de gestão. Necessita de um

embate com o novo organizar (o cotidiano, o que está fora do poderes (formais) instituídos)

para que possa instrumentalizar uma forma nova de organização e/ou um instrumento novo de

gestão. Além disso, mesmo saindo do embate do novo com o velho, uma ferramenta nova de

gestão só servirá para o nível micro, para a organização (a empresa, o Estado, a Escola, etc.),

ainda que, com implicações amplas no social (no meio ambiente, na desigualdade, na pobreza

política da atualidade, no acesso à cultura, na perpetuação de posições dominantes, etc.).

No Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer vimos que:

No Projeto Futebol-Participativo o velho organizar instrumentaliza o novo

organizar, reforçando o caráter apolítico e não reivindicatório que caracteriza o cotidiano de

quem pratica, profissionalmente ou não, esse esporte.

Em reforço a esse processo salientamos que o histórico do futebol brasileiro não indica

espaço para contestação e reivindicação política, isto é, lutas pela quebra de estruturas de

poder que sustentam qualquer sociedade. Esse esporte, especialmente, no contexto brasileiro:

contribuiu para a quebra da elitização da prática; foi meio de aglutinação e convivência da

massa trabalhadora (dos vários recantos do país) no meio urbano; contribuiu para conquista

do direito do negro em praticar o esporte; foi e é meio de resistência das comunidades com o

futebol comunitário (ou de várzea); oportunidade de vida que alimenta o sonho de uma

imensa juventude sem educação, sem renda, sem perspectivas, sem acesso crítico à cultura,

mas que se ilude com a vida dos craques que saíram da periferia. Uma manifestação de nossa

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cultura que mais do que nunca reproduz a característica mais marcante do capitalismo, que é

seu poder de camuflar o que o caracteriza, sob uma áurea de modernização, democratização,

igualdade de oportunidades, cientificidade, responsabilidade e transformação social.

Reconhecendo-se que,

Com certeza. No futebol não tenho dúvida nenhuma e eu sempre falo isso, não seria possível se não fosse a tradição de futebol de bairros que se tem. [...] então não tenho dúvida nenhuma, com certeza, foi resultado já de um bem querer com o futebol aí que existe. Em outras modalidades isso não é possível ainda, a gente ainda tá na fase de dizer ó é possível fazer, é possível... (Diretor-Presidente do GEGM, em 13/02/2006).

No Projeto Esporte do Mangue o novo organizar luta contra o velho organizar,

inspirado numa luta genuinamente de baixo, da periferia urbana, do cotidiano que faz o novo

e sabe usar o velho em favor do novo.

Pois compreendem que,

Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro Computadores avançam, artistas pegam carona, cientistas criam robô, artistas levam a fama. (Da Letra da Música ‘Computadores fazem arte’ de Fred Zeroquatro. Álbum da ‘Lama ao Caos’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Sabem que,

É o povo na arte, é arte do povo, e não o povo na arte de quem faz arte com o povo (Da Letra da Música ‘Etnia’ de Chico Science e Lucio Maia. Álbum ‘Afrociberdelia’ - Chico Science & Nação Zumbi).

E que,

Há um tempo atrás se falava em bandidos, há um tempo atrás se falava em solução, há um tempo atrás se falava em progresso, há um tempo atrás que eu via televisão (Da letra da música ‘Banditismo por uma questão de classe’ de Chico Science. Álbum ‘Da Lama ao Caos’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Apesar de,

[...] essa ênfase com a juventude não [ser] tão grande assim. A gente trabalha com o princípio da intergeracionalidade por entender que o movimento dos jovens não deve estar desconectado do movimento dos velhos [...]. A gente já viu muita coisa interessante acontecer. Da juventude hoje ser muito simpática ao movimento na Venezuela, ao movimento em Cuba... A nossa juventude, na nossa cidade é muito simpática a essas coisas e a gente tem clareza que isso tem a ver com uma série de mediações que nós fazemos e que outros movimentos fazem também, entendeu? Então, é preciso chamar atenção a esse fato, a gente dá uma relevância, dá uma atenção maior, mas não é tão maior do que a gente dá às crianças, que precisam de duas coisas básicas: da proteção da nossa política, da nossa geração e tal, por outro lado a proteção também significa já ir disseminando, desde pequeno, valores que

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são importantes nessa luta, principalmente, a autoorganização, a autodeterminação, já na mais tenra idade. E os idosos que é a síntese da nossa memória e os adultos que são a linha de frente na relação capital e trabalho, então não tem essa ênfase tão maior. Agora, tem 16% de jovem na nossa cidade, não é pouca gente. (Diretor-Presidente do GEGM, em 13/02/2006).

No Projeto Círculos de Convivência Social (de Lazer), em essência a proposta

discursiva do Programa e que reflete, com a particularidade das manifestações culturais do

Recife, o discurso das políticas públicas de esporte e lazer implementadas pelo Partido dos

Trabalhadores em outros municípios do país, o velho organizar convive (bem) com o novo

organizar. Mas onde,

o relacionamento humano [indica a possibilidade de ser sobreposto pelo] processo burocrático. Burocracia cruel, perversa, que não foi criada com base em nossos valores [humanos]33.

A ida para o GEGM-Geraldão demonstrou a escolha pela predominância do velho

organizar nas ações do Programa Círculos Populares e Esporte e Lazer. Considerando ainda

que o ideário do Programa recebeu influências do que já havia sido concebido e praticado em

outros contextos por outras prefeituras do Partido dos Trabalhadores (PT). Durante a pesquisa

o novo organizar foi resgatado quando se falou do antes, do início, das primeiras ações, das

primeiras raízes fincadas no Movimento Manguebeat, do antes do GEGM-Geraldão, do antes

de entrar no Programa, do que advinha do cotidiano, do observar sua execução nas

comunidades.

A partir do que foi apresentado nesta pesquisa poderíamos dizer que:

As características e práticas de organizar do Programa Círculos Populares de Esporte e

Lazer indicaram a possibilidade de um novo organizar.

No entanto, iluminando melhor a resposta à questão desta pesquisa, afirmamos que,

exatamente por esquecer as raízes de uma história genuinamente local com inserções e

influências nacionais e globais, o Movimento Manguebeat, que influenciou o Projeto Esporte

do Mangue, as características e práticas de organizar do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer não indicam a possibilidade de um ‘Novo Organizar’. O PCPEL desde que

foi para o GEGM-Geraldão sucumbe ao velho organizar, isto é, o Futebol como carro-chefe e

a necessidade de um órgão de Estado para gerir a pasta de esporte e lazer.

33 Trecho adaptado de numa frase dita por um educador popular numa reunião pedagógica que discutia a execução das atividades sistemáticas do Programa, os círculos de convivência social. “o relacionamento humano foi sobreposto ao processo burocrático. Burocracia cruel, perversa, que não foi criada com base em nossos valores” (Educador popular e coordenador das linguagens artísticas da Diretoria de Lazer e Cidadania, em 28/04/2006).

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A HISTÓRIA – Embate sempre desigual entre

o novo e o velho.

Contexto Global

FIGURA REPRESENTA A PROPOSTA DO PROGRAMA EM

SEU INÍCIO

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Burocracia (V)

As infinitas possibilidades de um novo organizar (N) v

n

v

PCPEL

v

Arcabouço Capitalista (V)n

As infinitas possibilidade de uma nova utopia em construção (N) v

Contexto LocalN

Porém, quando o Programa estava sendo concebido, em suas primeiras ações nas

comunidades, suas características e práticas indicaram possibilidades de um ‘Novo

Organizar’. Quando o novo organizar - sustentado no resgate das idéias de um movimento

cultural local de contestação política em um de seus projetos; nas ausências de uma estrutura

rígida e do respaldo da gestão municipal; na ausência do futebol como objeto de ações,

predominava sobre o velho organizar.

Na seção 2.3 deste trabalho afirmamos que ao respeitar o primeiro princípio básico da

Teoria Crítica, a orientação para a emancipação, procuraríamos não fazer com que a teoria se

limitasse à descrição do mundo social, mas “examiná-lo sob a perspectiva da distância que

separa o que existe das possibilidades melhores nele embutidas e não realizadas, vale dizer,

à luz da carência do que é frente ao melhor que pode ser” (NOBRE, 2004, p. 32-33, grifos

nossos). Questionamos: será que na organização social capitalista não há “possibilidades

melhores [nela] embutidas e não realizadas” de outras práticas de organização (de organizar)?

O organizar tradicional pode ser “a carência do que é”, mas onde estão as possibilidades reais

do “melhor que pode ser” o organizar?

Figura 38 (5) – A proposta do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

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Burocracia é a expressão maior do (V)elho organizar que um dia foi Novo, mas que

guarda nela embutida o germe do (n)ovo, como guardou por um período o germe do (v)elho,

que se tornou com o tempo predominante ((V)elho). Assim como a Burocracia, as infinitas

possibilidades de um (N)ovo organizar têm embutida o (v)elho, pois o Organizar necessita

desse embate para se concretizar.

Citamos Motta e Bresser Pereira (1986, p.09), que nos dizem

Se tantos percebem a história como caminho de libertação do homem consciente de seu destino, então é preciso perceber os auxílios e os entraves que a própria história coloca. É preciso entender, mas não basta entender. Se precisamos entender a burocracia, precisamos também aprender a superá-la.

Nesse sentido, o embate sempre desigual entre o novo organizar, que tem embutido o

velho, e o velho organizar, que tem embutido o novo, faz emergir infinitas possibilidades do

Organizar em determinadas épocas históricas. A Burocracia, por exemplo, foi o Novo

Organizar de nosso tempo, mas que se tornou o Velho Organizar ao longo do século XX.

Superá-la não é criar um novo modelo de organizar, mas alimentar e reforçar em nossas

práticas cotidianas, individual ou coletivamente, dentro ou fora das instituições, elementos

que fortaleçam o novo, que está sempre embutido no velho organizar, ao mesmo tempo que

criamos outras novas possibilidades de praticar o organizar, que terão sempre embutidas o

velho organizar.

Trazendo essa compreensão para esta pesquisa, afirmamos que o Programa Círculos

Populares de Esporte e Lazer foi concebido e inicialmente implementado com a intenção de

contribuir para as infinitas possibilidades de um ‘Novo Organizar’, quando em suas intenções

predominou o (N)ovo sobre o (v)elho organizar (as setas nas figuras indicam maior ou menor

contribuição a uma perspectiva do Organizar). No entanto, verificamos que ao longo de seus

anos de implementação o (N)ovo tornou-se (n)ovo e o (v)elho tornou-se (V)elho,

principalmente após a escolha do GEGM-Geraldão como órgão irradiador da política

municipal de esporte e lazer e do Projeto Futebol-Participativo como prioridade. Esse

processo fez com que o PCPEL em suas práticas de organizar não fortalecesse, com o vigor

(vontade) de seus anseios, as infinitas possibilidades do novo organizar, apesar de ter nele

embutido o novo.

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Contexto Global

FIGURA REPRESENTA O PROGRAMA NA

PRÁTICA

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Burocracia (V)

As infinitas possibilidades de um novo organizar (N) v

n

v

PCPEL

n

Arcabouço Capitalista (V)n

As infinitas possibilidade de uma nova utopia em construção (N) v

Contexto LocalV

Figura 39 (5) – A prática no Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer.

Nesta pesquisa procuramos contribuir antes de tudo com uma compreensão nova do

Organizar. Nesse sentido, trazemos nesse final uma contribuição de dois biólogos, que se

mostrou fundamental em nosso trabalho, para a quebra das bases epistemológicas da filosofia

tradicional através de uma nova interpretação do construtivismo.

Quando Glasersfeld (1996, p. 77) aborda as obras dos céticos como uma das fontes do

construtivismo, alerta que não podemos comparar “verdades”, nem “realidades” e muito

menos dizer qual a mais correta, pois a “[...] cada vez que contemplamos o mundo externo, o

que vemos é visto de novo, através de nosso sistema sensorial e conceitual”. Assim, mesmo

que conhecêssemos “completamente” o mundo externo não teríamos como fazer qualquer

comparação, já que a cada visão emergem novos sentidos sobre a “realidade”.

Complementando Foerster (1996, p. 65) ressalta que, “costuma-se afirmar que a linguagem é

a representação do mundo. Eu gostaria de sugerir o contrário: que o mundo é uma imagem da

linguagem. A linguagem vem primeiro: o mundo é uma conseqüência dela”. Assim, ao

mundo real (ontológico) se contrapõe o mundo da experiência, o mundo que criamos, de

acordo com nossos propósitos. E não o mundo ontológico, que está “lá fora”, fechado e

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acabado. Não haveria assim um mundo independente de nós. A realidade, antes de tudo, está

dentro de nós. Nesse, a concepção tradicional do que seria o conhecimento “verdadeiro” é

questionada.

Iniciamos nossa compreensão das infinitas possibilidades do Organizar quando demo-

nos conta que o novo, o pensamento criador, o não natural, o pesquisador no processo do

conhecer, e o velho, a realidade, que o paradigma moderno da ciência nos faz compreender

como realidade externa ao homem e que deve ser apreendida, não são dimensões estanques.

O que se depreendeu dos textos daqueles autores foi que não há aquela coisa:

construtivismo é isso; para colocá-lo em prática você usa as seguintes abordagens e

ferramentas. Em detrimento, o construtivismo está na maneira como os humanos explicam o

mundo, em sua capacidade de elaborar uma linguagem que explique a “realidade”, isto é, um

modo de pensar e conhecer. Assim, como nos disse o Prof. Pedro Lincoln nas belas aulas de

Ciência e Conhecimento em Administração, “construtivismo não é anti-realismo, apenas diz

que não se tem como se referir à ‘realidade’ sem o uso de uma linguagem humana”,

complementando que “a questão do construtivismo não é a realidade, mas o conhecimento”.

Esse foi exatamente o problema central desta pesquisa, compreender (conhecer) o Organizar,

em detrimento de vislumbrar uma nova forma de organização ou prática de organização, a

partir da análise de como o discurso do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer se

concretiza nas práticas de organizar de seus projetos.

Salientamos que o caminho percorrido nesta pesquisa foi um dentre as infinitas

possibilidades do novo–velho pesquisar. Não foi a melhor maneira de analisar o problema

proposto. Nesse sentido, não podemos esquecer o grupo de pesquisadores com quem tanto

discutimos os temas desta pesquisa. Grupo que nos proporcionou dar um passo a mais, saber

que podíamos mais, que nos encorajou a correr certos riscos.

Ademais, esta pesquisa foi realizada num momento particular de nossa história,

especialmente nacional e local, porque somente agora colhemos repercussões da história de

lutas, da sociedade civil, ignoradas pela história oficial do Brasil. Lutas que contribuíram para

que o Partido dos Trabalhadores (PT) chegasse ao poder maior do país com o rótulo de

esquerda. No contexto maior vivemos uma crise global de existência com a questão da

degradação ambiental de nosso tempo, que não atinge somente a questão do verde, como

também a da água, a do aquecimento global, a da miséria extrema de povos, que podem levar

à extinção da vida humana. Por todos esses problemas perpassa também um questionamento

sobre a organização social de nosso tempo, o que inclui o tempo livre, o tempo para a criação

plena, para irmos além do que pensamos ser e realizar.

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Deixamos para o leitor mais algumas divagações sobre o que procuramos entender

aqui como ‘Novo (Organizar)’ em vista de contribuir para estarmos atentos às possibilidades

do novo que o velho insiste em nos esconder. Pois o velho está no que não nos possibilita

enxergar o novo e o novo está no que nos possibilita compreender o velho.

Assim,

Novo foi uma inquietude constante com a burocratização do conhecimento, com a

profissionalização do intelectual (acadêmico), o velho.

Novo é o que os grandes clássicos, críticos de seu tempo, nos proporcionam no nosso

tempo.

Novo foi um educador comunitário ir à Câmara Municipal de Vereadores e dizer que

está preocupado com o futuro das crianças de sua comunidade sem os campos de várzea.

Novo foi um skatista (com o skate nas costas e os trajes que caracterizam os skatistas),

na Câmara Municipal de Vereadores, ter a liberdade de dizer a algumas autoridades do

município (entre elas o Presidente da Câmara) que não acredita mais nas esferas de

participação do Estado.

Novo foi um educador comunitário teorizando, a partir de sua vivência, sobre o que é

ser professor.

Novo foi “o boca a boca” (o cotidiano) numa ação do Estado, maior representante do

formalismo burocrático.

Novo foi saber que a periferia pode ser centro.

Novo foi me descobrir enquanto cidadão, que vive num momento histórico fruto de

lutas da sociedade civil, com uma vontade imensa de utilizar um recurso de poder

fundamental, o poder do discurso científico, revertendo-o numa vontade coletiva de mudança

da organização social que marca nosso tempo. Pois, [...] no século XIX. Aí é que se

construíram as bases de nossa época, no plano econômico, cultural, artístico e ideológico; aí é

que se constituiu a ‘questão social’ do moderno capitalismo (TEIXEIRA, 2002, p. 16). Este

trabalho, escrito no nosso tempo, é fruto de uma construção intelectual (pessoal e coletiva) da

briga do novo com o velho conhecer. Foi escrito de cima para baixo, porém com uma

estratégia clara de como acreditamos que o velho (organizar) tem que ser desconstruído e

revelado.

Novo foi compreender que, as violências físicas sofridas quando fui agredido

covardemente por nove pessoas num campo de futebol de várzea e depois assaltado em frente

à minha casa, são conseqüências de uma organização social que gera e reforça (e torna-se

predominante ao novo que nunca morre) o velho de nosso tempo, a organização social

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capitalista e todo seu arcabouço cultural, intelectual e institucional. Concepção de mundo que

deve ser desconstruída a partir de uma reflexão da prática e da prática em reflexão, ou seja,

aquilo que se conhece como Práxis, e não, a partir de uma indignação voluntarista.

Novo foi quebrar a noção que tinha de que o novo organizar, ou viria de alguma

instância superior, bem estruturada, cheia de conhecimentos sistematizados e profissionais

qualificados, ou da sociedade civil organizada por meio de movimentos sociais pouco

burocráticos.

Novo foi descobrir que

Por trás de algo que se esconde há sempre uma grande mina de conhecimentos e sentimentos [e que] não há mistérios em descobrir o que você tem e o que você gosta. Não há mistérios em descobrir o que você é e o que você faz (Da Letra da Música ‘Etnia’ de Chico Science e Lucio Maia. Álbum ‘Afrociberdelia’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Mas aí?

Ôh! Josué, nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais o urubu ameaça. Peguei um balaio e fui na feira roubar tomate e cebola, ia passando uma veia pegou a minha cenoura, aê minha veia! deixa a cenoura aqui, com a barriga vazia não consigo dormir, e com o bucho mais cheio comecei a pensar, que eu me organizando posso desorganizar que eu desorganizando posso me organizar que eu me organizando posso desorganizar. Da lama ao caos, do caos a lama, o homem roubado nunca se engana (Da Letra da Música ‘Da Lama ao Caos’ de Chico Science e Nação Zumbi. Álbum ‘Da Lama ao Caos’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Mas,

Por que no rio tem pato comendo lama? (Da Letra da Música ‘Rios, Pontes e Overdrives’ de Chico Science e Fred Zeroquatro. Álbum ‘Da Lama ao Caos’ - Chico Science & Nação Zumbi).

Paramos por aqui, a história continua a ser construída, a revolução, como já nos dizia

Marx, só vem da sociedade (do novo, do cotidiano). Nesse sentido, o ‘Novo Organizar’ ou

uma ‘Nova organização social’ advém de um embate histórico entre o novo e velho, pois um

não vive sem o outro e ganha particularidades em cada lugar do planeta, pois cada povo tem

sua história, ainda que tenhamos impressão que a história se repete. E o ‘Novo’ pode se tornar

‘Velho’, como é o caso atualmente do arcabouço do sistema capitalista, que um dia foi o

‘Novo’, resultado de uma luta histórica mais profunda entre o novo e o velho de uma longa

história da civilização ocidental e iluminista.

Nesse momento, o ‘Velho’ que um dia foi ‘Novo’ me diz sutilmente (ainda que com

uma força indescritível), por meio de um de seus instrumentos burocráticos mais poderosos,

que tenho que simplesmente parar de escrever, mesmo sem interromper o que penso, o que

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tenho vontade de saber (conhecer), o que ainda poderia (e poderei) inferir e aonde as

conseqüências do amor dedicado a este trabalho podem repercutir. Porque simplesmente não

há mais tempo, o relatório tem que sair, mais um mestre a se formar nesse país.

O ‘Novo’ não é ‘um modelo’, nem vive sem o ‘Velho’, que também não o é. O ‘Novo’ pode inclusive incorporar parte do velho. Mas o novo para ser ‘Novo’ não pode romper com nada que vem da raiz humana, o pensamento crítico e criativo, nada mais que a filosofia; a noção de que já nascemos desiguais, em essência a política (que pressupõe coletivo); que quando surgimos somos seres vivos, e, portanto, vida; que não vivemos sem a natureza, em essência o meio ambiente. As infinitas possibilidades do ‘Novo’, são a todo instante ameaçadas e, particularmente no nosso tempo, instrumentalizadas pelas infinitas possibilidades do ‘Velho’. Ainda que o ‘Novo’ tenha, como o ‘Velho’, a capacidade de se camuflar, o ‘Velho’ aproveita-se da falta de sofisticação da camuflagem do ‘Novo’, tornando difícil não somente perceber o ‘Novo’ como também não perceber o ‘Velho’, na sua sofisticada dissimulação. Recuso-me a acreditar que em qualquer outra civilização tenha existido tanto conhecimento, seja para salvar vidas, seja para criticar o existente, seja para perceber que o fundamento do ‘Novo’ é a vida humana associada fundada em outra maneira de compreender a organização social; Recuso-me a acreditar que em qualquer outra civilização tenha existido tanto tempo para criar, ainda que a grande massa (não falo de massas populares), anestesiada pelo tempo livre fabricado pelo ‘Velho’, não saiba que o ‘Novo’ está aqui e agora, como sempre esteve. Tempo para criar que pode ser potencializado ao infinito pela tecnologia da informação [falo em capacidade de disseminação de informações, de conhecimento novo], que permite ao ‘Novo’, como nenhuma outra ferramenta criada pelo ‘Velho’, disseminar suas infinitas possibilidades; Recuso-me a acreditar que em qualquer outra civilização tenha existido tanto dinheiro, que distribuído, poderia resolver as grandes mazelas sociais de nossa civilização; Recuso-me a acreditar que em qualquer outra civilização tenha existido tanto potencial para as infinitas possibilidades do ‘Novo’, para reconhecermos que não estamos no caminho mais humano para a plena vida associada e para a própria existência do ser humano. Lembremos que nas infinitas possibilidades do ‘Velho’ não surgiu a capacidade de produzir ar puro, de produzir vida, ainda que a ciência, obra humana, tente criá-la. Temos que questionar se isso não é mesmo a cristalização da vida, o ‘Velho’ querendo acabar com aquele que é seu grande oponente, o ‘Novo’, mas sem o qual não pode viver.

(O autor da pesquisa).

Deixamos ainda uma contribuição do novo para uma inquietação cotidiana, atual e

global de nosso tempo.

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SERÁ? (Siba34)

Será que ainda vai chegar O dia de se pagar Até a respiração?

Pela direção Que o mundo está tomando

Eu vou viver pagando O ar de meu pulmão

Pago imposto pra morar Pra beber água e comer E até quando eu morrer

Tem imposto pra enterrar Só não poderão cobrar Por minha respiração

Pela direção Que o mundo está tomando

Eu vou viver pagando O ar de meu pulmão

A justiça tem um peso Pra cada tipo de gente

Quando o réu é influente Quase sempre escapa ileso Só quem se demora preso É quem não tem um tostão

Pela direção Que o mundo está tomando

Eu vou viver pagando O ar de meu pulmão

Até mesmo o que não presta

Tem um preço pendurado Todo favor é cobrado

De graça nada mais resta E até injeção na testa Começa a ter cotação

E pela direção Que o mundo está tomando

Eu vou viver pagando O ar de meu pulmão

34 Na explicação do próprio compositor: “Bruno, Tem uns quase três anos. A inspiração veio do próprio tema, sei lá... a gente fica observando as coisas procurando idéia. Na verdade tem um dito, uma expressão popular sobre essa idéia de a respiração ser a única coisa de graça. Nesse caso é um coco de roda. A estrutura se divide em: Refrão –‘será ...’; Obrigação – ‘Pela direção ...;’ Repente - estrofes que desenvolvem o tema, p. ex ‘Pago imposto pra morar ..., A justiça tem um peso...Até mesmo o que não presta’ ...”. Siba é um dos importantes nomes da geração que fez parte do Movimento Manguebeat. Viveu no eixo Rio-São Paulo na época do projeto com o Mestre Ambrósio e viajou o mundo com esse projeto. Depois o abandonou para encarar outro projeto de vida, morando hoje na Zona da Mata Pernambucana onde desenvolve projeto com a Fuloresta do Samba, grupo formado por mestres (populares) da música da Zona da Mata de PE, mais especificamente de Nazaré da Mata. Fui a uma apresentação deles em Porto Alegre, com entrada franca, no Salão de Atos da UFRGS em 24 de setembro de 2006. A apresentação foi promovida por um projeto daquela universidade chamado Unimúsica: festa e folguedo.

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ALGUMAS SUGESTÕES DE PESQUISA

- Problematizar as atividades lúdico-desportivas como aparelhos de luta pela hegemonia no

campo da cultura;

- Estudar o papel das lideranças comunitárias nos projetos do Programa Círculos Populares de

Esporte e Lazer;

- Estudar as práticas de organizar dos movimentos independentes ligados a linguagens

artísticas e culturais nas periferias dos centros urbanos;

- Analisar os limites dos canais institucionais abertos pelo Estado para a sociedade civil

decidir sobre o rumo das políticas públicas, como Orçamento Participativo, Conferências de

Esporte, Audiências Públicas na área de esporte e lazer e de forma mais ampla na cultura.

- Realizar uma análise contábil do investimento de recursos, pelos governos, em programas

inovadores na área de esporte e lazer e mais amplamente na cultura;

- Compreender ferramentas de gestão inovadoras a partir da compreensão do Organizar

desenvolvido nesta pesquisa.

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APÊNDICE A - Atividades Durante a Pesquisa

2005

Datas Atividade Local

07 de junho Reunião RPA-4 Projeto Futebol-Participativo (masculino)

Escola Municipal da Iputinga (RPA-4).

27 de julho Reunião de unificação do regulamento – Projeto Futebol-Participativo (masculino)

Escola Municipal Pedro Augusto, Boa Vista (RPA-1)

De 10 a 14 de agosto

V Seminário Nacional de Políticas em Esporte e Lazer. Organizado pela Diretoria de Esportes junto ao Instituto Tempo Livre

Centro de Tecnologia e Geociências da Universidade Federal de Pernambuco

21 de agosto Abertura Projeto Futebol-Participativo (masculino)

Campo do Bueirão, Vila Santa Luzia, na Torre (RPA- 4)

13 de outubro Reunião Projeto Futebol-Participativo (feminino)

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (RPA-6)

18 de outubro Reunião Projeto Futebol-Participativo (feminino)

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

08 de novembro

Reunião Projeto Futebol-Participativo (feminino)

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

2006 Datas Atividade Local

30 de janeiro

Conversa com Assessor Político-Pedagógico do Programa sobre projetos, prioridades, e outros assuntos relacionados à organização das atividades

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

Entre 06 e 16 de fevereiro

Entrevistas com o diretor-presidente e diretores funcionais do GEGM-Geraldão

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

17 e 18 de março

Participação na II Conferência Nacional de Esporte e Lazer – Etapa Municipal

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

01 de abril Participação na II Conferência Nacional de Esporte e Lazer – Etapa Estadual

Colégio Salesiano, Boa vista (RPA-1)

28 de abril Reunião Pedagógica da Diretoria de Esportes

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

Reunião VI Fórum Esporte do Mangue Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães 16 de maio Reunião RPA-6 Projeto Futebol-

Participativo (masculino) Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

Visita – Círculo de Convivência Social de Lazer

Escola Municipal da Iputinga (RPA-4)

17 de maio Visita – Círculo de Convivência Social de Esporte

Praça Arnaldo Assunção no Engenho do Meio (RPA-4)

Visita – Círculo de Convivência Social de Lazer

Centro Social Urbano do Engenho do Meio

Visita – Círculo de Convivência Social de Lazer

Instituto Bom Pastor no Engenho do Meio

Reunião Específica área 3 - Círculos de Convivência Social de Lazer

Praça Arnaldo Assunção no Engenho do Meio

18 de maio

Reunião VI Fórum Esporte do Mangue Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

21 de maio 1ª ação do Projeto de Animação de Parques e Praças (Diretoria de Lazer e Cidadania)

Parque 13 de maio, Boa Vista (RPA-1)

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Visita – Círculo de Convivência Social de Lazer

Instituto Bom Pastor no Engenho do Meio

23 de maio Reunião RPA-4.1 Projeto Futebol-Participativo (masculino)

Vila Santa Luzia - Torre

24 de maio Reunião Específica Área 4 - Círculos de Convivência Social de Esporte

Praça Arnaldo Assunção no Engenho do Meio (RPA-4)

Visita – Círculo de Convivência Social de Esporte

Praça Arraial Novo do Bom Jesus, em Avenida do Forte (RPA-4)

Visita – Círculo de Convivência Social de Lazer

Praça Arraial Novo do Bom Jesus, em Avenida do Forte

Reunião Específica área 3 - Círculos de Convivência Social de Lazer

Praça Arnaldo Assunção no Engenho do Meio

25 de maio

Reunião RPA-4 Projeto Futebol-Participativo (masculino)

Escola Municipal da Iputinga (RPA-4)

Visita – Círculo de Convivência Social de Esporte

Praça Arnaldo Assunção no Engenho do Meio 29 de maio Reunião Específica - Círculos de

Convivência Social de juventude Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

Reunião Geral da Diretoria de Esportes Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães 31 de maio Reunião de unificação do regulamento –

Projeto Futebol-Participativo (masculino) Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

De Junho a outubro Mestrado Sanduíche Escola de Administração da UFRGS,

Porto Alegre 06 de

novembro Reunião Específica - Círculos de Convivência Social de juventude

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

15 de dezembro

Reunião Geral de Fechamento do GEGM-Geraldão

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

2007

08 de janeiro Reunião Específica - Círculos de Convivência Social de juventude

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

13 de janeiro Atividades do Festival das Juventudes da Aurora

Cais da Aurora (RPA-1).

26 de janeiro Roda de Diálogo - Festival das Juventudes de Brasília Teimosa

Orla de Brasília Teimosa (RPA-6)

02 de fevereiro

Roda de Diálogo - Festival das Juventudes da Macaxeira

Centro Popular de Esporte e Lazer da Macaxeira (RPA-3)

03 de fevereiro

Atividades do Festival das Juventudes da Macaxeira

Centro Popular de Esporte e Lazer da Macaxeira

09 de fevereiro

Roda de Diálogo - Festival das Juventudes de Areias

Escola Municipal Isaac Pereira em Areias (RPA-5)

03 de abril Audiência Pública para discussão de Projeto de Lei que cria áreas de preservação esportiva e de lazer.

Plenário da Câmara Municipal dos Vereadores.

16 de abril 1º dia de apresentações do Espetáculo de Dança, Na Parada Dança! Memórias da Periferia do Recife, promovido pelo PCPEL

Teatro Armazém, Recife Antigo

Entre 04 e 20 de Abril

Entrevistas com alguns diretores funcionais, Gerentes e Coordenadores do GEGM-Geraldão

Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães

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APÊNDICE B - Lista de Entrevistados

Fevereiro de 2006 Antonino Fernandes – Diretor de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão. Formação Superior em Educação Física. Cezar Lobo – Diretor de Esporte Amador. Formação Superior em Educação Física. Jamerson Almeida – Diretor –Presidente do GEGM-Geraldão. Graduado em Educação Física com Mestrado e Doutorado em Educação. José Nildo Caú – Diretor de Esporte e Juventude e Sérgio Santos – Gerente da Diretoria de Esporte e Juventude, em entrevista conjunta. O primeiro com Formação Superior em Educação Física, o segundo estudante de Educação Física. Renata Lucena – Diretora de Lazer e Cidadania do GEGM-Geraldão. Formação Superior em Educação Física. Todas as entrevistas duraram pouco mais de uma hora e foram realizadas nas instalações do GEGM-Geraldão.

Abril de 2007 Antonino Fernandes – Diretor de Gestão e Equipamento do GEGM-Geraldão. Formação Superior em Educação Física. Emerson Sobral – Gerente de Esporte Comunitário da Diretoria de Esporte Amador. Responsável pelo Projeto Futebol-Participativo. Formação Superior em Educação Física. Josuel Salvador – Coordenador de Atividades Sistemáticas da Diretoria de Esporte e Juventude. Formação Superior em Ciências Sociais. Para esse entrevistado foi utilizado o roteiro de entrevista do Coordenador de Eventos da mesma Diretoria. Renata Lucena – Diretora de Lazer e Cidadania do GEGM-Geraldão e Fátima Souza – Gerente de Atividades Sistemáticas da Diretoria de Lazer e Cidadania, em entrevista conjunta. Ambas com Formação Superior em Educação Física. Thiago de Alencar – Coordenador de Eventos da Diretoria de Esporte e Juventude. Formação Superior em Geografia. Todas as entrevistas duraram pouco mais de uma hora e meia e foram realizadas nas instalações do GEGM-Geraldão. Citamos ainda Raphael D´Castro com quem conversamos constantemente no primeiro ano da pesquisa, quando era responsável pelo sistema de monitoramento e avaliação do Programa. Hoje é Diretor Administrativo-Financeiro do GEGM-Geraldão.

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APÊNDICE C – Roteiro de Entrevistas

Dimensão do Discurso - Por que a conquista do tempo livre (esporte e lazer) é importante para as classes populares (essas as menos favorecidas em termos de emprego e renda)? Por que hoje é um direito social mais que antes (uma necessidade mais urgente e que deve ser motivo de luta das classes populares)? - O que vocês esperam alcançar com os projetos implementados? Dimensão das Práticas - Na interação com a comunidade que práticas são utilizadas de maneira a concretizar o que vocês têm como diretrizes/discursos? - Em que essas práticas vêm contribuindo para conscientizar criticamente as comunidades? - Quais as principais dificuldades encontradas para pôr em prática o que vocês se propõem a fazer? - O que vocês acham que já conseguiram mudar na realidade das comunidades com os projetos? - Até que ponto as iniciativas das comunidades são fruto de algo anterior ao Programa ou são fruto da intervenção do Programa?

- Como vocês podem (ou estão mensurando) mensurar isso? O que estão fazendo para saber sobre essas mudanças?

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APÊNDICE D – Estrutura das Notas de Campo

Informações básicas: - Data, hora e local. - Duração das reuniões (atrasos, não utilização do tempo previsto). - Propósito. - Tipo de participante, quantidade e suas formas de intervenção (passividade, contestação, elogio). - Assuntos abordados de acordo com a proposta da reunião e do Projeto. - Impressões do autor. No início das vistas de campos as anotações aconteciam à medida das discussões, de maneira linear. Não havia estruturação prévia. Ao longo das vistas houve um aperfeiçoamento devido a um maior conhecimento dos projetos e ao aprimoramento da compreensão do autor das principais dimensões do trabalho, o discurso, a prática e o organizar. Nesse sentido, o próprio roteiro de entrevistas serviu como referência.

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ANEXO A – Mapa Geopolítico da Região Metropolitana

do Recife

RPA-1 Microrregião 1.1 Bairros: Recife e Santo Amaro. Microrregião 1.2 Bairros: Boa Vista, Cabanga, Ilha do Leite, Paissandu, Santo Antônio, São José e Soledade. Microrregião 1.3 Bairros: Coelhos e Ilha Joana Bezerra. RPA-2 Microrregião 2.1 Bairros: Arruda, Campina do Barreto, Campo Grande, Encruzilhada, Hipódromo, Peixinhos, Ponto de Parada, Rosarinho e Torreão. Microrregião 2.2 Bairros: Água Fria, Alto Santa Terezinha, Bomba do Hemetério, Cajueiro, Fundão e Porto da Madeira. Microrregião 2.3 Bairros: Beberibe, Dois Unidos e Linha do Tiro. RPA-3 Microrregião 3.1 Bairros: Aflitos, Alto do Mandu, Apipucos, Casa Amarela, Casa Forte, Derby, Dois Irmãos, Espinheiro, Graças, Jaqueira, Monteiro, Parnamirim, Poço, Santana e Sítio dos Pintos Microrregião 3.2 Bairros: Alto José Bonifácio, Alto José do Pinho, Mangabeira, Morro da Conceição e Vasco da Gama. Microrregião 3.3 Bairros: Brejo da Guabiraba, Brejo do Beberibe, Córrego do Jenipapo, Guabiraba, Macaxeira, Nova Descoberta, Passarinho e Pau Ferro. RPA-4 Microrregião 4.1 Bairros: Cordeiro, Ilha do Retiro, Iputinga, Madalena, Prado, Torre e Zumbi. Microrregião 4.2 Bairros: Engenho do Meio e Torrões. Microrregião 4.3 Bairros: Caxangá, Cidade Universitária e Várzea.

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RPA-5 Microrregião 5.1 Bairros: Afogados, Bongi, Mangueira, Mustardinha e San Martin. Microrregião 5.2 Bairros: Areias, Caçote, Estância e Jiquiá. Microrregião 5.3 Bairros: Barro, Coqueiral, Curado, Jardim São Paulo, Sancho, Tejipió e Totó. RPA-6 Microrregião 6.1 Bairros: Boa Viagem, Brasília Teimosa, Imbiribeira, Ipsep e Pina. Microrregião 6.2 Bairros: Ibura e Jordão. Microrregião 6.3 Bairros: Cohab.