discurso da crise_02

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    C a mp in as , 2 8 d e ma r o a 3 d e a br il d e 2 0 1 1 A NO XX V N 4 8 8 | E X P E DI E NTE | A S S INE O JU |

    Os melhores esforos da crtica literriase deslocaram para a universidade

    LVARO KASSAB

    JU Parte significativa da produo literria brasileira do sculo XX tributria do

    jornalismo impresso, que deu voz a escritores e foi tribuna de polmicas e

    manifestos em pginas avulsas, em suplementos literrios ou em iniciativas

    pioneiras como a pgina Poesia-Experincia, coordenada por Mrio Faustino no JB

    na dcada de 50. Contudo, o espao dedicado a experimentaes e crtica

    literria substituda pelas resenhas foi ficando cada vez mais rarefeito,

    sobretudo a partir da dcada de 90. Como o sr. v esse vcuo? O mercado

    venceu?

    Siscar Minha impresso que o enfoque mudou e se concentra menos na criaoartstica (no que h de conflituoso e reflexivo na criao) e mais no espetculo, nasvariedades, que se oferecem hoje de modo mais abundante que no passado. H tambmnovas artes e novas prticas, o que no impede que continue havendo aqueles queescrevem crtica literria para jornal e recolhem seus escritos em livros. O que ocorre que os melhores esforos da crtica literria, posteriores poca qual voc se refere,se deslocaram para a Universidade. H dcadas, a crtica mudou de lugar e mudou,tambm, de natureza e de funo.

    No vejo isso como uma perda. Nesse percurso, a crtica conquistou outras tarefas eoutras ambies os anos 60 e 70, por exemplo, foram uma das pocas mais ricas dacrtica literria, no Brasil e no mundo. Nem por isso, respondendo a sua questo, acho quepodemos discordar da afirmao de que o mercado venceu. Ele tem vencido, htempos. A lgica de mercado se impe em todas as reas. Bastaria lembrar que omercado de livros cada vez maior, assim como a necessidade da resenha rpida delanamentos.

    No acredito, entretanto, que odesaparecimento, por exemplo,dos suplementos literrios sejauma questo que se expliquetotalmente pela lgica da ofertae da procura. Os jornais tmenfrentado, como dizem, suaprpria crise (crise do jornalismoimpresso, concorrncia comfontes alternativas deinformao). No se pode negaros efeitos transformadores das

    acomodaes aos terremotoscapitalistas, mas acho que, nocaso dos suplementos,frequentemente a poltica decontedos dos editores precedeconsideraes de outra ordem. Ou seja, nesse campo, agem como publicitrios, por vezesat mais do que como intelectuais ou gerentes de venda. Por outro lado, veja que no

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    apenas do jornalismo que a discusso sobre literatura sumiu, ou est sumindo.Poderamos, tambm, lembrar o caso da correspondncia, gnero em dificuldades, umavez que atingido diretamente pelos novos meios de comunicao. Falamos do jornalismoporque um lugar de destaque, de grande fora na produo das nossas prioridades, maso lugar de produo da literatura tem um escopo mais amplo e, no caso da poesia, muitomenos previsvel.

    JU Nesse contexto, a internet tem poder de fogo para substituir os chamados

    jornales?

    Siscar Ningum duvida que a internet um acontecimento histrico importante.

    Entretanto, acho que no devemos associar a isso a ideia de que ela acarretaautomaticamente um deslocamento da crtica ou, ainda, da criao literria. claro queisso pode ocorrer, e o entusiasmo de quem nasceu junto com a internet real. Alis,alguma coisa sempre acontece quando os tempos mudam, para a felicidade dos profetas.Mas preciso pensar que os ritmos so diferentes, as prioridades so diferentes. Ainternet oferece novos espaos, possibilidades de novas estruturas, novos gneros. Masas opes literrias no so determinadas to imediatamente pelas estruturastecnolgicas. A prpria poesia, embora pretenda estar nos lugares mais avanados doaproveitamento da tecnologia, na verdade, como um todo, depende muito pouco dela. um gnero economicamente e tecnologicamente marginal, o que lhe d pouca ateno do

    mercado, mas muita liberdade para af irmar suas prprias prioridades.

    JU No captulo Poetas beira de uma Crise de versos, o sr. aborda a ruptura

    causada pelo Concretismo, enfatizando o embate entre a poesia visual e a verbal.

    As obras e as tradues de Augusto e Haroldo de Campos so da mesma forma

    objeto de anlise em outros captulos. Quais foram, em sua opinio, os legados do

    movimento e qual a importncia do que o sr. chama de pedagogia concretistapara a renovao da poesia e na produo das geraes subsequentes?

    Siscar Os poetas concretistas, alm de incansveis militantes de uma viso de poesia,que tm evidentemente flancos bastante problemticos, alguns dos quais exploro no meulivro, foram poetas que tomaram para si a responsabilidade de reexplicar sua gerao oque significa poesia. Chamo a isso pedagogia. Baseados na lio de Ezra Pound,tomaram em mos a tarefa de comear tudo de novo, por assim dizer, inclusive dereescrever, em grandes traos, a histria da tradio. O mesmo se poderia dizer deoutros movimentos artsticos coletivos, conhecidos como vanguarda. Isso mostra comoessa tarefa explicativa importante historicamente, embora a ideia de comear tudo denovo tenha um preo.

    Alm da explicao, os poetas concretistasassumiram tambm essa outra tarefa advinda da

    didtica poundiana que a necessidade deescolher, de indicar os poetas que o iniciante develer. Como o procedimento envolve literaturasestrangeiras, foram tambm tradutores e estocertamente entre os mais bem-sucedidos nessaatividade. Independentemente das discussessobre o conhecimento das lnguas de quetraduziam, colocaram em circulao no Brasil umcorpus de poemas e de poetas que passou a fazerparte de nossa experincia de leitura. Tanto asideias quanto as escolhas dos poetas concretistasainda so objeto de discusso o perfil de poeta-crtico que prescrevem igualmente controverso.Mas a pertincia e a energia explicativa dessasobras oxigenaram a vida literria brasileira, durantemuitos anos.

    JU Em outro ensaio, o sr. observa que a

    poesia de Augusto de Campos tem se tornado

    cada vez mais uma experimentao das

    potencialidades das novas tcnicas e menos

    uma experimentao potica para, mais

    adiante, afirmar que ... preciso admitir que a inveno da crise do verso pelos

    poetas concretistas foi um blefe produtivo.... Isto posto, cabe a pergunta:

    legtimo a poesia ficar apenas a reboque da tcnica e de seus respectivos

    suportes? O papel dos recursos multimdias no vem sendo superdimensionado?

    Siscar As duas situaes que voc retoma, em relao obra de Augusto de Campos,so de pocas diferentes: o blefe da crise do verso faz parte da instaurao domovimento concretista e de seus manifestos a experimentao com as novas tcnicas um aspecto que foi se potencializando e ganhando importncia ao longo da trajetria de

    Augusto de Campos. De certo modo, a grande nfase do movimento, de ruptura com algica da estrutura do verso, e indiretamente (mas efetivamente) com a lgica dodiscurso verbal, se desdobra e se especializa na poesia de Augusto, ao longo do tempo,diferentemente de outros concretistas, como Haroldo de Campos, seu irmo, que seguiuuma carreira solo por vias diferentes. Acho que experimentar um procedimento bsicoda criao potica. Entretanto, a passagem da experincia para a experimentao (sob abatuta da inveno) preocupante, quando passamos a flertar com a lgica quase

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    laboratorial do que quer dizer experimentar.

    O que me incomoda particularmente no a presena de outros suportes na poesia,mas aquilo que a justifica ou a prescreve, em casos como esse: a viso do que fazer nopresente sempre formulada em termos de um inquietante mimetismo, segundo o qual tudoo que pode acontecer para a poesia, no cu do futuro, como diz um poema de Augusto,

    j est aria previsto pelo desenvolvimento das tec nologias da imagem e do som. Como vocdiz, ela fica a reboque da tcnica, e de uma ideologia da tcnica. Acho que h umantida inverso de prioridades.

    JU No raro a academia vista como incapaz de descortinar e analisar novos

    cenrios por estar aprisionada a cnones. O sr. concorda?

    Siscar Corro o risco de ser acusado de argumentar em causa prpria, mas acho quenesse campo preciso ser muito direto: a academia, como curiosamente se diz hojepara se referir universidade, um dos raros lugares em que se pode de fato analisarnovos cenrios. No tenho conhecimento de nenhum outro lugar institucional onde sediscuta to abertamente, com critrios e com rigor, o estado contemporneo da cultura eda sociedade. A prpria ideia de que somos prisioneiros de nossos cnones provm dedentro da universidade, de formas variadas (na crtica literria, remete a uma discussobem especfica, que vem dos anos 80).

    A universidade um espao cuja natureza poder suportar sua prpria crtica e serenovar a partir dela. Naturalmente, a universidade ampla e feita de pessoas, degrupos, de escolas que tm suas prioridades e seus projetos, que so colocadas emsituao de dilogo e de conflito. A pluralidade e a diferena de opinio so uma riqueza eno um dficit, e no apenas para as cincias humanas. Nesse sentido, preciso noesquecer de que no existe a universidade: existe uma heterogeneidade de posiesque constitui o mundo acadmico. Muito do que se especula sobre novos cenrios vemde dentro dela, no apenas no Brasil. H, claro, e isso faz parte da crtica interna dauniversidade (a qual sua concepo lhe d no apenas o direito, mas o dever), muitos

    ritmos: coisas que demoram a mover-se, mais do que deveriam, que se escoram noshbitos e em valores no problematizados e h coisas que querem mover-se rpidodemais, sem conseguir avaliar que interesses esto em jogo no deslocamento. Saber emque categoria devemos colocar, por exemplo, a questo do cnone (que nada mais doque a questo dos currculos e das prioridades da universidade) o prprio objeto dadiscusso e no a expresso de uma incapacidade. A questo envolve no apenas ocontedo das disciplinas, mas o prprio destino delas.

    JU D para mensurar o tamanho da sombra do primeiro time (Bandeira,

    Drummond, Joo Cabral, entre outros) sobre os novos talentos?

    Siscar Havia at bem pouco tempo, nos manuais didticos do ensino mdio, umatendncia em concluir a histria da poesia em Drummond e Cabral, no Concretismo. Alis,na viso mais geral da histria literria, a impresso que fica que os poetas que voccita so a santa trindade da poesia brasileira, e no apenas autores importantes dosculo XX. Isso faz parte do processo de canonizao artstica. Argumento, no livro, quehaveria inclusive uma tentao, entre os novos poetas, dos ltimos 20 anos, em saltar

    por cima do passado recente imediato e ir buscar nesses grandes nomes uma espciede lenitivo para um incmodo que no imediatamente percebido. Existem

    continusmos, claro, osdrummondianos assumidos, osimitadores de Cabral, e por a vai.

    Voc fala em sombra, masjustamente acho que valeria a penacomparar os grandes poetasmodernistas como uma espcie de

    sol cuja fora de atrao acabaobscurecendo outras dificuldades,que fazem parte das problemticassubterrneas da poesiacontempornea. Minha hiptese,sobre essa questo, que oretorno aos heris do modernismobrasileiro ajuda a colocar entre parnteses a discusso direta sobre os hbitos tericosimpostos pela vanguarda brasileira, relacionados com a postura potica combativa, e quecontrastam com o pluralismo que queremos (no sem contradies) imprimir nossapoca. Como se, ao saltar por cima do passado recente, estivssemos empurrandoalguma coisa para debaixo do tapete. No , certamente, a melhor estratgia deresponder a um incmodo.

    JU No captulo A cisma da poesia brasileira, so citados e analisados autores

    que emergiram aps a ditadura, entre os quais Cacaso, Francisco Alvim, Jos

    Paulo Paes, Sebastio Uchoa Leite, Hilda Hilst, Armando Freitas Filho, Chacal, AnaCristina Cesar, Paulo Leminski, Arnaldo Antunes e Manoel de Barros. Apesar da

    heterogeneidade das propostas e da produo desses autores, o sr. no se furtou

    a relacion-los e a situ-los, contextualizando as respectivas obras. Quais so as

    maiores barreiras enfrentadas por quem mapeia e d congruncia produo

    contempornea recente? Por que esse exerccio analtico to raro?

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    Siscar O mapeamento do contemporneo no to raro, assim como o estudo de obrasparticulares, que tem hoje espao muito grande na universidade. Mas certamente atentativa de explic-lo nas suas razes profundas um exerccio complexo. No poracaso que a modstia crtica sobre o assunto de praxe e muitos preferem dizer que no possvel falar sobre o que est em curso. o argumento tradicional para se omitir ocontemporneo. A dificuldade, claro, existe, mas a recusa de envolver-se nela explica-se provavelmente pelo fato de que o contemporneo um espao onde as questescontroversas ainda esto em aberto, no angariam unanimidade, como pode ocorrer maisfacilmente com questes do passado. As explicaes do presente envolvem, de modomuito mais imediato, interesses, jogos de fora, determinadas possibilidades de futuro.

    Mas como o que escrevemos, escrevemos em vista do contemporneo, o sentido dopresente no pode ser omitido, mesmo no estudo de um objeto historicamente muitodistante. A outra explicao, mais interna ao campo potico, creio que est ligada com aprpria ideia da crise. Ao preferir os grandes quadros que demonstram a falncia (o que

    j se tornou quase que um gnero c rtico, por exemplo, na Frana), ou que descrevem umestgio da histria dessa falncia, a crtica acaba preterindo o esforo analtico maisentranhado produo, que poderia se expressar tanto como uma histria da poesiaquanto como uma crtica de seus padres e de suas nfases. Uma das coisas quelamento, no livro, a ausncia de um esforo histrico-crtico minucioso, altura dacomplexidade da produo potica brasileira das ltimas dcadas, que consiga inclusiveenvolver as problemticas do modernismo. Uma histria da poesia brasileira da segundametade do sculo XX algo que est por ser feito.

    JU Desses autores, Cacaso, Leminski, Chacal, Hilda Hilst e Arnaldo Antunes, de

    uma forma ou de outra, incursionaram pela msica. Chama tambm a ateno o

    fato de o sr. citar, em epgrafes, excerto de cano de Caetano Veloso e trecho de

    escrito do artista plstico Nuno Ramos, autor de ensaio j clssico sobre NelsonCavaquinho [Revista Serrote, n 1]. Como o sr. v esse dilogo entre a poesia e

    MPB? Essa imbricao devidamente estudada ou permanece ainda

    subestimada?

    Siscar O dilogo, sobretudo com o grau de abrangncia com que voc o coloca, notem uma explicao apenas. A primeira coisa a se dizer que se trata de um dilogoamplo entre duas manifestaes que se reconhecem em espectros diferentes da cultura.Autores de MPB, claro, leem poetas, chegam a musicar poemas poetas e escritoresouvem MPB, escrevem sobre ela, poetas se tornam letristas no frequente, mas ocorreque letras feitas para cano ganhem status de poemas (como o caso, a meu ver, detextos de Caetano Veloso), e vice-versa. H algo a que no deixa de ser umacircunstncia brasileira, se considerarmos a fora, a qualidade e o prestgio cultural danossa cano. um elemento a ser levado em conta.

    Por outro lado, estamos longe deum hibridismo generalizado, e o maisimportante, de imediato, tentarimaginar o que ganhamos e o queperdemos ao considerar as duasmanifestaes como partes de ummesmo fenmeno de cultura. Aexplicao dessa integrao, oudessa rivalidade produtiva, comotendo a v-la, dependeria deinstrumentos crticos muito maisrefinados do que o falatriohabitual, do qual resulta, porexemplo, a ideia de que a MPBsucedeu a poesia, no Brasil, ouainda, mais recentemente, de que a

    MPB morreu. Algum poderia dizer que a proximidade com a cano, do ponto de vista dapoesia, apenas um episdio de nossa histria literria. Talvez mas j entraramos naprofecia, novamente mais do que um episdio, algo que um dia poderamos chamar decaracterstica. Pessoalmente, como disse, prefiro v-la no campo da rivalidade ou da

    emulao entre as artes: uma estimula a outra, no apenas pelo que t m em comum, jque no fazem parte do mesmo esforo, mas graas a suas diferenas.Do ponto de vista institucional, no basta reclamar que os departamentos de literaturano aceitam a MPB, o que alis no toda a verdade: h dcadas os institutos de letrasdo espao para o estudo do texto de cancionistas h gente especializada nisso, emdepartamentos de literatura, de lingustica, de semitica. Eu mesmo j fiz trabalhos nestarea, j orientei teses. No creio, portanto, que a questo possa ser colocada como a deuma excluso. Por outro lado, talvez falte um conhecimento mais sistemtico, que tomeem mos a tarefa de organizar esse dilogo, do ponto de vista das tradies s quaispertencem e que, no caso em questo, talvez modifiquem. Lateralmente, por que nolembrar que faltam no Brasil escolas superiores de msica popular, que no seriam apenasescolas de msica, mas tambm de reflexo sobre seu objeto?

    JU Qual a sua avaliao do ensino de literatura hoje no pas?

    Siscar Tenho muita preocupao com as discusses sobre o assunto, sobretudo emtermos de elaborao de currculos, das quais nem sempre participam os profissionais deliteratura. Os currculos esto em constante transformao e, ao mesmo tempo que

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    preciso atualiz-los, no se pode perder de vista o contexto mais geral a que servem. Asnfases na formao de mo de obra (no lugar da formao de cidados) e nos meiosde aprendizagem (em detrimento dos contedos especficos), embora tenham razo deser, a partir de ngulos especficos, tendem a deixar margem a formao do cidado,como homem de sua cultura, ainda que cosmopolita. A literatura e a tradio literria noso apenas mais um registro da nossa lngua, mais uma experincia possvel da leiturasua riqueza de elaborao da nossa situao, quer seja de brasileiros ou de humanos, inestimvel, tanto como memria histrica quanto como capacidade ativa de construode imaginrio.

    Ento, h uma questo de currculo que fundamental e preocupante, uma vez que mediada por amplos projetos pedaggicos e culturais que nem sempre so colocados em

    discusso. Embora, nas melhores escolas, o ensino da literatura tenha grande vivacidade,incorporando inclusive textos e questes contemporneas, a situao geral do ensinopblico piorada pelo mesmo mal de que sofrem as outras disciplinas, dada adesmobilizao ou a desmotivao geral dos professores. Isso tem a ver tanto com afalta de um plano de carreira favorvel ao exerccio da profisso, o que j est emdiscusso no Estado de So Paulo, quanto com a necessidade de uma concepo deeducao que no se esgote na condio de via de acesso ao trabalho e aoempreendedorismo o que, claro, ela no deixa de ser.

    JU A poesia est em crise?

    Siscar Esse o tema do meu livro, que levanta a questo da relao entre poesia ecrise no , obviamente, minha opinio. Interesso-me sobretudo pela anlise, comodisse, do discurso da crise e no da situao da poesia, por ela prpria, a meu verdemasiadamente polarizada entre otimistas e pessimistas, geralmente sem levar em

    considerao as razes histricas profundas dos fenmenos. Tento mostrar que o discursofaz parte da situao, por assim dizer, e que, ao fazer parte, tambm a modifica.

    Ento, o que se coloca em primeiro plano quando nomeamos o presente uma espcie deresponsabilidade, a necessidade de explicar a coerncia histrica e terica de nossasproposies. Mas, para no deixar a pergunta sem resposta, posso dizer que continuolendo poesia com grande interesse e acho que as dcadas recentes nos deixaram vriosautores relevantes, sobre os quais ainda h muito a dizer. Voc citou alguns deles, hpouco. Para enfatizar apenas um desses nomes, estou preparando agora, para umaeditora do Rio, uma antologia de Ana Cristina Cesar, que uma poeta, morta nos anos 80,que tem despertado paixes. Com o tempo, provavelmente perceberemos melhor osprocessos de canonizao que esto em curso, como o que ocorre atualmente com aobra de Haroldo de Campos. Posso dizer que continuo lendo poesia com grande prazer.Como tambm sou poeta, percebo que os desafios contemporneos so grandes, mas queno me cabe seno enfrent-los.

    UM POEMA DE SISCAR

    A VNUS DA MENSAGEM

    a caminho de mercrio a espaonave messengersobrevoa a superfcie venusiana. que mensagemlevar s margens da consumao pelo sol? o sol o que est distante. miramos o distante o solexterior a pira cinerria da distncia. e nesse trajetoem que a mensagem se perde. ei-las as galxiaschave do adiamento em que nos vemos. o aqui eagoraobsoletos h milhares de anos-luz em tmulo csmico.o que no est l o que aqui nos mantm unidos. sua imagem que nos relaciona e aproxima. vcuopartilhado nosso sol mais prximo essa terra interior.(de Interior via Satlite, Ateli Editorial, 2010)

    Quem

    Marcos Siscar poeta, tradutor e professor do Instituto de Estudos da Linguagem daUnicamp, onde atualmente coordena a ps-graduao em Teoria e HistriaLiterria. Sua tese de doutorado (Jacques Derrida. Rhtorique et Philosophie),defendida na Universidade de Paris 8, foi publicada em 1998 (LHarmattan).Desenvolveu estudos de ps-doutorado sobre Baudelaire e Mallarm, com asuperviso de Jacques Derrida e Michel Deguy. Tem publicado trabalhos sobretemas relacionados poesia moderna e contempornea. Como tradutor,

    publicou obras de Tristan Corbire (2006), Michel Deguy (Cosac Naify, 2004Editora da Unicamp, 2010) e Jacques Roubaud (Cosac Naify, 2006). autordos livros de poesia Metade da Arte (2003), O Roubo do Silncio (2006) eInterior via Satlite (2010).

    Obra:Poesia e Crise

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    Autor: Marcos Siscar

    Pginas: 360

    Editora da Unicamp

    Preo:R$ 60,00

    Lanamento:29 de maro,s 11 horas, na Livraria do IEL

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