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A DISCIPLINA ACADÊMICA COMOFATOR DE MELHORIA NA QUALIDADE DO PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM Lina Maria Graça Borges 1 [email protected] RESUMO Neste texto apresentamos dados de trabalho realizado em um Colégio Estadual, no município de Arapongas, visando possibilidades de melhor entendimento da temática (in)disciplina, na perspectiva de criar espaços para estudo, debates e reflexões sobre a relação professor- aluno e outras relações vivenciadas dentro da escola, visando novas formas de enfrentamento do problema. Os vários grupos de estudo tiveram a participação de professores, equipe pedagógica, administrativa e alunos. Os dados resultantes desse trabalho mostram que o estudo, debates e reflexão coletiva podem contribuir para o enfrentamento da indisciplina em nosso cotidiano escolar. PALAVRAS-CHAVE: (in)disciplina, relação professor-aluno, trabalho coletivo, novas formas de enfrentamento. ABSTRACT In this text we presented data of the work accomplished at a State High school, municipal district of Arapongas, seeking possibilities of better understanding of the subject (un)discipline, seeking to provide spaces for studies, debates and reflections concerning teacher-student relationship and other relationships that happen within the school in the perspective of creating new ways of confronting the problem. The several groups of study had the participation of teachers, pedagogic team, administrative team and students. The resulting data of the collective study, debates and refletion might contribute to face the undiscipline in our school daily routine. KEY WORDS: (un)discipline, teacher-student relationship, collective work, new way of confronting. 1 Professora Pedagoga na Rede Pública Estadual da Educação, Estado do Paraná. Participante do PDE-Programa de Desenvolvimento Educacional, cuja finalidade é a Formação Continuada em Rede e a integração das Escolas às IES-Instituições de Ensino Superior. 1

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A DISCIPLINA ACADÊMICA COMO FATOR DE MELHORIA NA QUALIDADE DO PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM

Lina Maria Graça Borges1

[email protected]

RESUMO

Neste texto apresentamos dados de trabalho realizado em um Colégio Estadual, no município de Arapongas, visando possibilidades de melhor entendimento da temática (in)disciplina, na perspectiva de criar espaços para estudo, debates e reflexões sobre a relação professor-aluno e outras relações vivenciadas dentro da escola, visando novas formas de enfrentamento do problema. Os vários grupos de estudo tiveram a participação de professores, equipe pedagógica, administrativa e alunos. Os dados resultantes desse trabalho mostram que o estudo, debates e reflexão coletiva podem contribuir para o enfrentamento da indisciplina em nosso cotidiano escolar.

PALAVRAS-CHAVE: (in)disciplina, relação professor-aluno, trabalho coletivo, novas formas de enfrentamento.

ABSTRACT

In this text we presented data of the work accomplished at a State High school, municipal district of Arapongas, seeking possibilities of better understanding of the subject (un)discipline, seeking to provide spaces for studies, debates and reflections concerning teacher-student relationship and other relationships that happen within the school in the perspective of creating new ways of confronting the problem. The several groups of study had the participation of teachers, pedagogic team, administrative team and students. The resulting data of the collective study, debates and refletion might contribute to face the undiscipline in our school daily routine.

KEY WORDS: (un)discipline, teacher-student relationship, collective work, new way of confronting.

1 Professora Pedagoga na Rede Pública Estadual da Educação, Estado do Paraná. Participante do PDE-Programa de Desenvolvimento Educacional, cuja finalidade é a Formação Continuada em Rede e a integração das Escolas às IES-Instituições de Ensino Superior.

1

1- INTRODUÇÃO

A (in)disciplina escolar tem sido o centro de

preocupações crescentes nos meios educacionais. São presenciadas

cotidianamente discussões sobre possíveis causas e possibilidades

alternativas de superação. Crise da autoridade docente, crise da

autoridade familiar e crise de autoridade sócio-cultural são

inquietações consensuais nos meios educacionais. Jornais e revistas

frequentemente convocam os profissionais da educação a uma tomada

de posição sistematizada e efetiva na direção do estabelecimento de

estratégias que objetivem com clareza possibilidades concretas de

solução. Se, as crises de um modo geral podem servir como

mecanismo de consciência ampliada de nossas responsabilidades,

porque não considerarmos essas circunstâncias de crescente

(in)disciplina como oportunidade de desenvolvimento para nós,

profissionais da educação?

Longe de se desprezar a experiência enquanto

conhecimento, pode-se perceber nos discursos iniciais da abordagem

do tema, uma tendência de culpabilizações e até auto-culpabilizações:

o problema é o aluno que não se interessa, o problema é o professor

que não tem eficiência, o problema é a família que não se importa, o

modelo de gestão escolar, a sociedade, a mídia, etc. A proposta deste

trabalho é contribuir para ampliação desta visão do tema e das

próprias possíveis alternativas para sua superação, utilizando-se de

abordagens psicológicas e histórico-sociais, presentes nos textos que

fundamentam este trabalho, bem como o trabalho de intervenção em

nosso colégio.

Como o título do trabalho sugere, a abordagem do tema

se fundamenta na convicção de que, uma maior compreensão do

enfoque poderá contribuir para uma possível melhoria no foco de nosso

2

trabalho pedagógico: o processo de apropriação dos conhecimentos

historicamente acumulados, por parte de nossos alunos.

2- (IN)DISCIPLINA – PENSANDO COM OS MESTRES

Com a finalidade de ampliar a compreensão da

(in)disciplina nossa de cada dia, recorremos a FOUCAULT na leitura de

Marlene Guirado:

Na compreensão Foucaultiana, (...), o poder está além e

aquém do Estado. Não é uma coisa de leis e da Constituição

de um país ou estado exclusivamente. Sequer, é monopólio de

um grupo na hierarquia constitucional. Poder é exercício

regional de forças, sempre móveis e mutáveis, do interior das

relações que se estabelecem, e não algo que acontece de

cima para baixo, por vigência de lei de regimento ou de cargo.

É tensão constante no dia-a-dia, e não emanações de “grupos

no poder”, como ouvimos dizer com freqüência. (Guirado,

p.59-60, 1996)

Frequentemente ouvem-se comentários de que esta ou

aquela escola tem um sistema de punição e vigilância eficazes onde

“não passa nada” e etc. Refletindo como FOUCALT tratou do poder

enquanto disciplina, Marlene Guirado nos conduz a um

aprofundamento de olhar na análise de nossos regimentos escolares

enquanto disciplinadores atitudinais. Questiona-se, inclusive, a

arquitetura de nossas escolas e salas de aula como instrumento de

facilitação de vigilância. Como explicita GUIRADO (1996, p.64) “a

vigilância é constante, ininterrupta e tem, praticamente por si o efeito

normalizador da ação”.

Também no poder disciplinar, as punições costumam-se

ser evitadas, com o objetivo de se obterem resultados multiplicados.

Um poder que passaria do caráter negativo/repressor para

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positivo/produtivo, moldando comportamentos, “padronizando”

indivíduos, através de recursos sutis de adestramento, o que pode

passar sem ser notado pelos mais bem intencionados educadores.

Onde ficaria a coerência de nosso discurso pela formação de um

cidadão crítico?

Pode não ser tão linear essa compreensão, pois o mesmo

olhar que vigia, está também sendo vigiado, o que pode decorrer que o

poder disciplinar acaba por gerar indisciplina, até por reprimi-la e

objetivar seu controle (por exemplo, a fraude da “cola” em dia de

avaliação). Quando ampliamos nossa visão, amparados por idéias

como essas, ganhamos maior dimensão nas possibilidades de pensar e

repensar sobre as turmas que ano a ano conosco habitam nas salas de

aula.

Recorrendo aos sentidos na língua portuguesa, podemos

definir “disciplina” como regime de ordem imposta ou livremente

consentida que convém ao funcionamento regular de uma organização

e, “indisciplina” como todo ato ou dito contrário à disciplina que leva à

desordem, desobediência, rebelião. No confronto desses significados

podemos recorrer às duas tendências apresentadas por MAFFESOLI na

leitura de Áurea Guimarães:

Uma representa o lado iluminado que explica a existência dos

homens a partir de um conjunto de leis econômicas, políticas,

educacionais; e a outra, denominada o lado de sombra,

acentua a importância das múltiplas e minúsculas situações do

cotidiano onde predomina a fragmentação e a pluralidade do

corpo social. (Guimarães, 1996 p.74)

Nessa perspectiva, aparece o termo “social” que

determinaria os caminhos de cada indivíduo dentro de suas instituições

em oposição à “socialidade” onde as possibilidades se multiplicam pois

se exercem no insignificante ou banal. A escola, assim como toda

instituição, seria palco da dupla conotação dessas duas lógicas.

Enquanto o “dever-ser” da lógica social parece prevalecer com a

tentativa de normatizar comportamentos através das regras vigentes,

a lógica do querer-viver (a socialidade), vai permitindo a participação

4

individual no seu jeito pessoal de colaborar, não perdendo seu caráter

específico nem deixando de sentir-se representado coletivamente.

Quando desaparece a coesão social, pelo esvaziamento

da força da socialidade (o querer-viver), agiganta-se a manipulação do

individuo pelas instituições, aparecendo o que Maffesoli chama de

“violência dos poderes instituídos” (dos órgãos burocráticos, dos

Estados e do Serviço Público). Toda as vezes que os poderes instituídos

fazem submergir as forças coletivas dos diferentes grupos, visando

anulá-las, através de um controle racionalizado da vida social, surgem

forças que emanam do querer-viver (a socialidade), que acabam por

evitar o êxito da dominação. Essas forças podem se expressar de

maneira violenta ou através da “violência banal”, que aparenta

integrar-se ao instituído, mas o subverte de maneira silenciosa.

A banalidade é tudo aquilo que está fora do alcance de todo o

poder exterior, mas que alicerça o prazer de estar-junto.

Submissões aparentes podem representar resistências reais

desde que se as considere como atitudes que tomadas em

conjunto, tendem a quebrar ou, pelo menos, desviar as

imposições da planificação social. (Guimarães, 1996 p. 76)

Nessa ótica, a indisciplina (capacidade de resistência

expressa por aparente submissão ou por vários tipos de excessos:

conversas paralelas, gritos, zombarias, depredações, etc.) bem como a

disciplina são características constitutivas essenciais do estar-junto.

Existiria uma espécie de dinâmica que recusaria a monopolização por

uma acumulação da energia social e que garantiria a circulação dessa

energia.

Maffesoli refere-se a uma ordem (con)fusional que garante os

interesses comum de um conjunto, mas guarda a autonomia

de cada um. Não se trata de uma ordem que impõe uma

unidade fundada no igualitarismo, na homogeneização dos

comportamentos, mas de uma ordem incorporada que, ao ser

vivida, cria uma espécie de unicidade, ou seja, uma união em

pontilhado, um ajustamento de elementos heterogêneos que

não ocorre sem dilaceramentos e conflitos. (Guimarães, 1996

p. 77)

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Embora se tenha (in)consciência da vulnerabilidade da

escola em relação aos mecanismos de reprodução social e cultural,

seria injusto não admitir que as escolas também criam sua próprias

indisciplinas dos mais variados tipos de atitudes subversivas, tanto

frontais quanto silenciosas (expressão de saúde segundo Maffesoli).

À luz dessas idéias, compreende-se que a escola, como

qualquer instituição vem com a força que objetiva a homogeneização

(escola ideal feita para alunos ideais), através do poder disciplinar de

suas regras. Os alunos, e todas as pessoas envolvidas em todas as

redes de poder estabelecidas nas escolas, são pessoas reais e capazes

de gerar formas de resistência passivas ou nem tanto. Os alunos, de

modo geral, buscarão o querer-viver (a socialidade), que estará sempre

evitando a instalação de qualquer tipo de autoritarismo. Segundo

Áurea Guimarães (1996, p. 79) “quanto maior a repressão, maior a

violência dos alunos em tentar garantir as forças que assegurem sua

vitalidade enquanto grupo”.

Pensando com Maffesoli, compreende-se que, mais que

eliminar qualquer tipo de indisciplina escolar, é necessário entender

que existe na sala de aula uma tensão permanente entre o poder

instituído (representado pelo professor) e suas forças antagônicas

espontâneas (representadas pelos alunos). Quando essa tensão

permanente tem a permissão de se expressar, ou seja, quando ela é

vivida coletivamente, ela vai construindo a coesão do grupo. Quando

se esclarece que a paz aqui requerida não é a ausência de conflitos,

mas a possibilidade de se exercer um trabalho que venha de encontro

aos interesses éticos de professores e alunos, poder-se-á gerar um

ambiente propício ao atendimento da função epistêmica da escola.

Se a crise econômica, como bem mencionou Newton

Duarte (fevereiro de 2009) em sua palestra de encerramento do PDE-

PR, por atender unilateralmente os interesses dos envolvidos, se

instala em nosso meio, não é justo que o povo seja culpabilizado e

muito menos que pague a conta por erros daqueles que planejaram e

monitoraram os programas econômicos, ou seja, os economistas e os

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responsáveis pelos vieses desses planos, eventualmente acordados

para privilégios unilaterais da classe dominante. Analogicamente,

quando se instala uma crise na educação é justo que nós, profissionais

da educação e todas as suas instâncias municipais, regionais,

estaduais e federais, estejamos comprometidos com alternativas

efetivas de solução, como a que o programa de formação continuada

PDE-PR prenuncia.

Munidos da convicção (sem possibilidades de

relativização) de que a Escola Pública é a grande instituição que

possibilita o acesso da classe trabalhadora ao conhecimento

historicamente acumulado, vamos todos nos empenhar com esforço

renovado, para que isso efetivamente aconteça, desde o chão das

salas da Educação Infantil até os mais altos níveis de nossas

universidades, provocando articulações reais e intervenções reais em

nossa comunidade, para atender a que essas mesmas universidades

foram criadas.

Quando nos apropriamos de novos conhecimentos, eles

passam a nos constituir e a fazer-se presentes em nossas práticas. Se

temos maior clareza de que podemos construir na escola espaço de

contradição, o conhecimento poderá deixar de servir à ideologia e a

reconstruir-se infinitamente no diálogo com a contra-ideologia. Ao nos

empenharmos na construção de um ambiente democrático em nossa

relação com nossos alunos, nos dedicamos comprometidamente à

apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados por esses

alunos, ao mesmo tempo em que vamos concretizando a paixão do

estar-junto que se realimenta a cada conquista compartilhada.

Essa ambiência democrática pode ser construída não

em um passe de mágica, mas lentamente no dia-a-dia, na disposição

também de o professor planejar espaços para que os alunos sejam

ouvidos. Como diz Miguel Arroyo:

Os materiais trabalhados revelam que, se dermos a palavra

aos educandos, eles terão o que falar. Não há um dia sem

palavras em nossa docência ao que correspondem muitos dias

sem palavra dos alunos. Será que suas in-disciplinas

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significam um pedido? Nos deixem falar. Temos o que dizer.

(Arroyo, 2004, p.95)

O que nos encantou no projeto inicial do PDE-PR, foi

exatamente essa possibilidade de ampliar nossa rede de comunicação,

quiçá pelo vislumbramento de uma verdadeira alternativa pela

horizontalização das relações dentro da Educação. Essa construção

coletiva a nível estadual e federal, passa pela construção coletiva

dentro de nossas escolas locais e talvez principalmente dentro de

nossas salas de aula. Quando o olhar sobre o tema (in)disciplina passa

de mera observação pessoal para observação fundamentada pelos

textos estudados, podemos compreender melhor este recorte no texto

de Miguel Arroyo:

Um fato pode ser observado: o olhar sobre os alunos, sobre

suas indisciplinadas interrogações está se tornando mais

cuidadoso, menos apressado nos julgamentos docentes. Está

se tornando mais profissional. (...) Entender a história social,

racial, de gênero e classe dos alunos é um campo legítimo de

conhecimento de profissionais do conhecimento. (...) Somente

avançando naqueles saberes profissionais sobre os educandos

iremos deixando longe olhares e posturas ingênuas, moralistas

e preconceituosas. Iremos entendendo a complexidade da

instituição escolar e de nosso ofício. Entenderemos a

complexidade de suas indisciplinadas condutas. Terminaremos

entendendo mais de nossas áreas. (Arroyo, 2004, p.101)

No texto de Julio Groppa Aquino, “A indisciplina e a

escola atual” (1998), ele busca desconstruir as explicações mais

corriqueiras sobre as possíveis causas da indisciplina escolar, como por

exemplo: o apelo mediático, o desinteresse do aluno, falta de limites do

aluno,falta de limites na família, problemas psicológicos e sociais,

estruturação escolar no passado, etc. Antes de nos enredarmos no

saudosismo ingênuo de nossa escola do passado, é bom lembrar que o

advento da democratização da escola trouxe a necessidade de um

preparo para se lidar com a diversidade apresentada pela nossa

clientela atual, não podendo mais ser gerida sob as mesmas regras

elitistas do passado.

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Assim, para que haja um real compromisso de todos com a

continuidade das relações, as regras devem ter clareza e

transparência de intendionalidades, devendo

imprescindivelmente ser construídas no coletivo. Quando

somos verdadeiramente envolvidos no processo de

construção, passamos a ter mais compromisso com o êxito do

que ajudamos a criar. (Lenardão/Graça Borges, 2007, p.03)

A crise da Educação, apoiada principalmente pelo

fracasso escolar (tanto dos excluídos quanto dos incluídos) tem

alarmado todos nós, trabalhadores da Educação, também porque abala

nossa credibilidade profissional. Quando analisamos cotidianamente as

possíveis razões desse fracasso escolar, dentre muitas outras alegadas

pelos educadores, aparece a figura do “aluno-problema”, que seria

protagonista nas ações ditas indisciplinas. Ao que podemos ouvir nos

corredores e salas de professores traduzido pela máxima enunciada

por Aquino (1998, p.02): “Se o aluno aprende, é porque o professor

ensina; se ele não aprende, é porque não quer ou porque apresenta

algum tipo de distúrbio, de carência, de falta de pré-requisito”.

Da mesma forma que não podemos culpar nossos alunos

pelo fracasso escolar, não podemos culpar professores por tanto.

Culpabilizações à parte, não podemos fugir de nossa responsabilidade,

enquanto educadores, de buscarmos alternativas exeqüíveis que

possibilitem o cumprimento de nossas funções. No entanto, temos que

lembrar que, com o direito à escolarização maciça, podemos sim,

questionar o preparo dessa própria escola real e não idealizada, para

atender a essa nova clientela real e povoada por todo tipo de

diversidade. Cabe aqui uma pequena reflexão com Aquino:

Indisciplina, então, seria sintoma de injunção da escola

idealizada e gerida para um determinado tipo de sujeito e

sendo ocupada por outro. Equivaleria, pois, a um quadro difuso

de instabilidade gerado pela confrontação deste novo sujeito

histórico a velhas formas institucionais cristalizadas. Ou seja,

denotaria a tentativa de rupturas, pequenas fendas em um

edifício secular como é a escola, potencializando assim uma

transição institucional, mais cedo ou mais tarde de um modelo

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autoritário de conceber e efetivar a tarefa educacional peara

um modelo menos elitista e conservador. (Aquino, p.45, 1996)

Cremos que a nossa leitura sobre o que é indisciplina e

suas possíveis causas poderá influenciar nossa prática, tanto em nossa

relação professor-aluno quanto em nossos critérios de avaliação e

objetivos a serem alcançados. Daí nossa esperança de que este texto

possa de alguma forma contribuir para um maior entendimento do

tema e, consequentemente, ampliar a visão de possíveis alternativas

de seu enfrentamento. Em meio a tantos conceitos cristalizados dentro

de nossas escolas, vale esta reflexão:

A vida em sociedade pressupõe a criação e o cumprimento de

regras e preceitos capazes de nortear as relações, possibilitar

o diálogo, a cooperação e a troca entre membros deste grupo

social (sobretudo numa sociedade complexa como a nossa). A

escola, por sua vez também precisa de regras e normas

orientadoras do seu funcionamento e da convivência entre os

diferentes elementos que nela atuam. Nesse sentido, as

normas deixam de ser vistas apenas como prescrições

castradoras, e passam a ser compreendidas como condição

necessária ao convívio social. Mais do que subserviência cega,

a internalização e a obediência a determinadas regras podem

levar o indivíduo a uma atitude autônoma e como

conseqüência, libertadora, já que orienta e baliza suas

relações sociais. Nesse paradigma, o disciplinador é aquele

que educa, oferece parâmetros e estabelece limites. (Rego,

1996, p.86)

É urgente sairmos da simples descrição do problema e

passarmos para concretas alternativas de solução do mesmo. Assim

como uma nova enfermidade é desafio para o profissional da medicina,

o sintoma “indisciplina” pode ser uma grande oportunidade para que

nossa prática pedagógica se afirme e caminhe em direção a uma

excelência profissional. É por acreditar nisso que nos juntamos a Julio

Groppa Aquino em que sua proposta, que talvez pudéssemos assim

traduzir: “Mãos a obra, caminhemos cotidianamente, também em

nossas salas de aula, na luta pela democratização! Ensinemos às

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nossas crianças e adolescentes a democratização através de um dos

métodos mais eficazes: democratizando nossas relações com eles!”

Um dos maiores equívocos que estudando Aquino,

pudemos esclarecer, é aquele que ainda presenciamos muito em

nossas escolas: o de considerar a disciplina como um pré-requisito para

o nosso trabalho pedagógico, quando, de fato, a disciplina escolar é um

dos resultados de nossa ação cotidiana de sala de aula. Portanto,

construir essa disciplina democrática e coletivamente, pode ser uma

das decisões que talvez devamos enfrentar. Na proposta de Aquino,

esse ensaio pode ser feito através do contrato pedagógico com

assembléias de classe periódicas (talvez semanais).

O primeiro dia de aula é o dia mais adequado para a

celebração dos “contratos” que podem ser implícitos ou explícitos e

registrados por escrito e assinados, etc. Interessante antes de celebrá-

los, definir funções diferentes do professor e aluno e sua

complementaridade; esclarecer sobre a necessidade de regras para o

bom andamento do trabalho, bem como a flexibilização das mesmas,

que será exercida através das assembléias de classe periódicas.

Embora o professor possa e até deva prenunciar regras que considere

imprescindíveis, as mesmas deverão passar pela avaliação coletiva,

assim com as que forem sugeridas pelos alunos, sempre lembrando

que o objetivo prioritário da ação pedagógica é a aquisição dos

conhecimentos por parte dos alunos e nunca a moralização dos

hábitos. Deve-se observar que diferentes áreas do conhecimento

podem demandar regras diferentes, sendo que as regras devem ser no

menor número possível.

A etapa seguinte é a implementação gradativa das

rotinas de trabalho que ficaram acordadas no Contrato Pedagógico.

Embora os alunos já saibam o que deve ser feito, quem inicia a ação e

supervisiona o conhecimento das regras é o professor (heteronomia).

Sempre que o professor cumpre sua parte no acordo, essa atitude por

si só já pode motivar os alunos a cumprirem a sua também.

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No processo de incorporação desse também

conhecimento, Contrato Pedagógico, o terceiro e último passo tem a

direção de um consentimento voluntário e o comprometimento de

todos (professor e alunos) com os resultados esperados. Este seria o

clímax da intervenção escolar, quando todos encaram as regras como

constitutivas próprias de cada um e consequentemente podem

prescindir da supervisão do professor. Podem ser incluídos: itens

programáticas, cronogramas de atividades e tarefas, metodologia,

critérios de avaliação e principalmente, regras comuns de conduta de

sala de aula. A legitimidade posterior dependerá do acordo devido

entre as partes.

As transgressões ao Contrato que por ventura

acontecerem, de modo aberto ou dissimulado, podem significar: falta

de clareza das regras; rigidez excessiva; indisposição de algum aluno

ou ausência de comprometimento do professor com as regras. Para o

bom funcionamento do contrato há que se considerar que a clareza do

aluno quanto ao seu papel é diretamente proporcional à do professor

quanto ao dele. Se houver qualquer flagrante de ruptura ou pelo aluno,

ou pelo professor, ou por uma inadequação do próprio contrato, é hora

de renegociar mais uma vez. As sanções também devem ser definidas

coletivamente e acompanhadas de diretrizes de como agir, pois devem

objetivar a continuidade das relações.

As Assembléias de Classe se constituem como

instrumento de regulação do convívio democrático, visando otimização

da ação e convivência democrática. Para a organização das mesmas

deve-se prever: destinar um tempo periodicamente para sua

realização, dispor o espaço da sala que favoreça o diálogo, distribuir o

tempo para falar juntos dos conflitos da sala, objetivar organização do

trabalho, e solução dos conflitos e comprometimento de todos e

finalmente, observar a idade dos alunos na realização. As Assembléias

podem se desenvolver em três momentos: a preparação, o debate e a

aplicação dos acordos.

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A realização sistematizada das assembléias, podem

resultar em esclarecimentos dos problemas que preocupam a sala,

bem como o desenvolvimento de capacidades morais desejáveis e criar

hábitos que objetivem a consolidação do modo de vida democrático. A

palavra compartilhada, nesse contexto, como diz Aquino:

(...) é gestação do mundo e da vida. Por meio dela,

corporificamos uma inconformidade necessária em relação à

vida presente, em igual medida a coragem de conceber um

mundo que não há ainda, mas que pode vir a ser a qualquer

instante. Mundo e vida sempre em expansão, portanto.

(Aquino, 2003, p.90)

3- (IN)DISCIPLINA ESCOLAR – AMPLIANDO A VISÃO DE MANEIRA COLETIVA

A questão da (in)disciplina sempre nos provocara

inquietações e desconforto tanto como professora quanto do olhar de

supervisão pedagógica e direção. Talvez por esta razão há anos temos

buscado compreender e arriscar alternativas, ainda que quase

totalmente empíricas, junto aos nossos colegas de trabalho e alunos .

Participar do PDE-PR nos deu a oportunidade de aprofundar a questão e

num segundo momento (o da intervenção), participar dessa busca de

maneira coletiva e considerando o contexto real do nosso colégio.

Quando iniciamos o trabalho de envolvimento de toda a

nossa equipe de trabalho e alunos, pudemos perceber significativos

sinais de cooperação e/ou resistência. Pudemos observar total abertura

da equipe diretiva, o que nos deu impressão de real articulação com os

objetivos da coordenação do PDE-PR. Na equipe de professores e

funcionários tivemos assíduos colaboradores, bem como alguns que

demonstraram civilizada resistência. Isto é, pudemos perceber melhor

o que FOUCAULT (na leitura de Marlene Guirado) pode querer significar

com:

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Poder é relação de forças. Isso significa que poder não é uma

coisa, um algo a mais que alguém tem, ou que algum grupo

tenha, em detrimento de outro. Poder é relação de forças, isto

é uma dimensão constitutiva de qualquer relação social ou

discursiva. Os parceiros, nesse jogo estão em constante

movimento de equilibração dessas forças. Tanto que o lugar da

resistência exerce pressão sempre móvel sobre o lugar de

domínio. (Guirado, 1996, p.59)

Enquanto continuávamos com leituras e releituras dos

artigos e textos escolhidos, pudemos reforçar nossa hipótese de que a

abertura de novos espaços de estudo e reflexão direcionados aos

problemas elencados pelo coletivo, é urgente. Queremos dizer com

isso, problemas realmente percebidos pelo coletivo e priorizados

segundo a percepção desse mesmo grupo. Talvez isso também

explique alguma resistência do grupo, pois embora todos

concordassem com a relevância do tema (in)disciplina, não fora o

coletivo que o elegera como prioridade.

Nas duas primeiras socializações, buscamos articular o

tema (in)disciplina com o Plano de Ação de nosso Colégio,

considerando as discussões presenciadas que pareciam direcionar o

nosso trabalho para um resgate sistemático do conteúdo, como diria

Julio Groppa Aquino (1996, p.39), nossa equipe de trabalho está com o

firme propósito de consolidar a função epistémica do ensino, isto é, “a

escola estaria a serviço da apropriação, por parte da criança e do

adolescente, dos conhecimentos acumulados pela Humanidade”. Como

o próprio parágrafo já demonstra, as duas socializações acabaram por

diluir demasiadamente o tema (in)disciplina.

Iniciamos então os grupos de estudo, agora focados no

tema e com o objetivo de escolher um artigo para a terceira

socialização no grande grupo. Trabalhando com grupos menores

pudemos perceber a disposição de estudar nos professores, nos alunos

e nos funcionários da administração. Com objetivo de aumentar a

visibilidade das diversas redes de poder encontradas na escola

optamos pelo artigo “Poder Indisciplina: os surpreendentes rumos da

relação de poder” de Marlene Guirado para a terceira socialização

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quando o grande grupo pode então compartilhar suas percepções

sobre as redes de poder dentro da escola e, especificamente, dentro da

sala de aula.

Voltamos então aos pequenos grupos de estudo para

demorarmos mais, por exemplo, na identificação do que anda

acontecendo nas situações concretas em nossa escola. Observemos

estes dois textos:

O sistema punitivo visa sempre a restauração da ordem; o

como esta restauração vai ser feita depende da época, ou

melhor, da estratégia de poder dominante em uma

determinada época. (Guirado, 1996, p.62)

É comum evitarem-se punições, para funcionar por

recompensa da ação. Os efeitos se multiplicam com isso. Um

poder de caráter predominantemente positivo/produtivo,

portanto ele não se apropria de nada, nem retira. Adestra.

(Guirado, 1996, p.65)

Comentários do grupo:

“Não imaginava como era importante analisar as normas

da escola e realmente revê-las”. (professor)

“Pra falar a verdade, nunca questionei as punições

previstas no manual do aluno”. (aluno)

“E por acaso adianta a gente reclamar?” (outro aluno)

Após confronto de “recomendações disciplinares” (1922)

e o nosso Regimento atual, o grupo percebeu algumas formas

cristalizadas de normatizar as relações dentro da escola.

“Mas será que se não for firme assim, os alunos vão

respeitar?” (funcionário do administrativo)

A grande descoberta ainda que tão pequenina diante da

Academia, foi podermos perceber como a apropriação de novos

conhecimentos foi retirando véus que ainda embaçam nossa visão. Foi

também nos percebermos tão “indisciplinados” com todas as

conotações “vis” que atribuímos aos nossos alunos: demasiadas

conversas paralelas, ingestão de alimentos durante as aulas,

intervenções orais não formalmente autorizadas, mobilizações não

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autorizadas pela sala de aula, excesso de autonomia na realização das

tarefas propostas, etc.

Em uma das reflexões coletivas, chegamos a vislumbrar

um flagrante de: Será que aqueles que culpam os professores da

indisciplina instaurada não estariam certos? Será que realmente temos

os alunos que merecemos, espelho, espelho meu? Quando estávamos

quase que moribundos, prestes a pedir trégua, ouvimos não a voz

salvadora, mas aquela que nos faltava para definitivamente

escorregarmos abismo abaixo:

“É verdade, quando participamos de cursos em que os

professores não participam, mas só a secretaria e a supervisão, todos

atendem ao primeiro chamado e não há tumulto durante a palestra”

(supervisão)

Quando parecia não haver mais esperança, já que o

coração parara de bater há alguns segundos, ecoa a voz paramédica

que nos ressuscita prontamente:

“Não se esqueçam que a situação de palestra é um sair

da rotina para quem está na secretaria, já para os professores é a

situação cotidiana deles!” (pasmem, a voz paramédica, contrariando

muitas previsões, não era de um professor, mas de um outro

supervisor.)

Levantamos todas nossas cabeças, ainda sem verdades

absolutas mas com uma reconfortante sensação de que fazemos todos

parte do mesmo espetáculo. Talvez resida aí o grande tesouro da

construção coletiva: ao nos apropriarmos de novos conhecimentos

sobre o outro em inusitadas situações que a construção coletiva acaba

por nos permitir, os véus vão sendo retirados, as máscaras vão caindo

e podemos nos relacionar com mais simplicidade que advém das

relações transparentes. Esta nos parece ser a essência a proposta de

Júlio Groppa Aquino quando sistematiza e fundamenta a instauração

talvez explícita do contrato pedagógico e das assembléias de classe

como mecanismos de democratização de nossa prática pedagógica.

16

Para a última socialização planejamos, junto aos nossos

mais dedicados colaboradores (que se dispuseram a re-estudar os

artigos e textos fundamentais para a elaboração deste artigo final,

durante as férias de Janeiro/Fevereiro/2009), uma retomada geral do

trabalho realizado, bem como a formulação de como os trabalhos

poderiam continuar, segundo a análise desse grupo menor.

Pudemos observar níveis diferentes de resistência da

turma de professores das turmas matutinas e noturnas (basicamente

os mesmos) e os professores das turmas vespertinas. Atribuímos a

menor resistência dos professores matutinos/noturnos ao fato de terem

cotidianamente mais interação com o professor PDE e também há

muitos anos estarem trabalhando junto, o que provavelmente

contribuiu para uma postura altamente solidária. Após a exposição do

trabalho, pudemos observar no grupo um verdadeiro interesse em

ampliar seus conhecimentos para enfrentar os problemas de

indisciplina com mais propriedade. Quando comentamos sobre a

função do Contrato Pedagógico e as especificações que esse contrato

deve possuir para cumprir tal função, como por exemplo:

1)uma clareza razoável, para os parceiros, dos propostos da

relação;

2)uma nítida configuração das atribuições de cada parte

envolvida;

3)rotinas e pautas de convivência conhecidas e respeitadas

por ambos;

4)resultados concretos que validem seu processamento

cotidiano; (Aquino, 2004, p.76.)

Tivemos as seguintes palavras partilhadas que nos

chamaram a atenção:

“Tenho que admitir meu excesso de autoritarismo. Pode

ser também que as regras que creio ser importantes, não devem estar

claras para alunos”. (Professor Ensino Médio)

“Para ser bem honesta, nem sei se apresentei regras aos

alunos, penso mesmo que acho que eles já deveriam saber”. (Professor

Ensino Médio)

17

“Gostaria que depois você me explicasse melhor como

construir um contrato pedagógico. Gostaria de experimentar com

minhas quintas sérias”.

Quando falamos sobre possíveis burlas ou transgressões

veladas ou não e suas possíveis causas, todos professores se

mostraram particularmente atentos ao que diz Aquino:

No primeiro caso, a transgressão ocorrerá quando as cláusulas

não estiverem suficientemente claras ou razoáveis. Os alunos,

passam então a não ver mais sentidos nas regras (...).

Na segunda situação as cláusulas estão superestimadas e não

se ajustam, portanto, às possibilidades factuais dos implicados

(...)

A terceira possibilidade de burla se dá quando, por alguma

razão incontrolável, os alunos têm uma pré-disposição muito

negativa em relação ao professor e resolvem sabotar as regras

acordadas, como maneira de afrontá-lo pessoalmente.

Há ainda outra possibilidade de transgressão que, devido ao

baixo acometimento ético-profissional do profissional, indica

sua falta de autoridade moral para fazer valer os acordos.

Rompe-se, assim, a igualdade entre os deveres e os alunos

pressentem que apenas eles têm obrigações a cumprir.

(Aquino, 2004. p.73/74)

Os professores ficaram bastante introspectivos e

compartilharam conosco:

“Creio que preciso ter mais tolerância com meus

alunos”.

“Preciso cuidar mais de como venho falando com os

alunos”.

“Nunca tinha imaginado que a reação indisciplinada dos

alunos pudesse significar outra coisa senão hostilidade por mim”.

“Sinto muito. Eu não vou parar com meu conteúdo para

me preocupar com toda essa baboseira”.

Quando explicitamos a questão das sanções, também

pensando com Aquino:

Claro está que a observância das regras contratuais, bem

como, a definição das sanções para quem não as cumpre

18

devem ser de responsabilidade coletiva do próprio grupo. No

entanto, as sanções não podem jamais ser tomadas como

mecanismos de exclusão compulsória. Ao contrário, as

penalidades devem portar um caráter inclusivo e sempre de

reparação ao andamento acordado pelo grupo-classe. (Aquino,

2004, p.754/75)

“Jamais pensei sobre a questão da inclusão quando

estabeleço uma punição. Meu Deus!”

“É muita informação! Dá pra fazer a recuperação dessa

aula?”

Ao explicitarmos a necessidade das assembléias de

classe como instrumento regulador dos contratos, a maioria dos

professores se mostrou interessada em aprender como fazer e

organizar uma assembléia de classe. Para esclarecer com mais

detalhes, o grupo optou por realizar mais um encontro, quando alguns

se dispuseram a trabalhar o contrato pedagógico coletivamente com os

alunos e trazer impressões para a próxima reunião.

Feita a última socialização para o encerramento dessa

etapa, contamos ainda com o auxílio de nossos colegas PDE de outras

cidades, que demonstraram paciência e consideração ao ouvirem

nosso ensaio de texto, dando sugestões, comentando sobre seus

próprios trabalhos e ampliando assim, a nossa visão na elaboração do

texto final. Embora essa troca de experiências tenha sido informal e

acontecido durante as quatorze horas de viagem de ida e volta a

Curitiba por ocasião de nossa formatura PDE, elas foram extremamente

importantes na elaboração desse trabalho. (daí nossa ousadia em

mencioná-las no espaço reservado à “ampliando a visão de maneira

coletiva”).

4-CONSIDERAÇÕES FINAIS

19

A confrontação de idéias a respeito da (in)disciplina pode

nos levar ao aprofundamento das mesmas no sentido de incorporá-las

à nossa prática. Apoiados pelas idéias de FOUCAULT, podemos de

repente, compreender melhor as situações embaraçosas de nosso

cotidiano escolar no calor da hora ou mesmo depois dela, reinventando

novas posturas sem a necessidade de encontrar culpados. Quando

pensamos com MAFFESOLI podemos, quiçá, deslumbrar, ainda que

num campo onde se expressem confrontos e diferenças, o surgimento

de um crescente altruísmo que crie uma comunidade de trabalho

solidária e que concretize a paixão do estar-junto. Após muitos

questionamentos apresentados podemos também enfrentar com

simplicidade e transparência, que muitas das indisciplinas de nossos

alunos podem ser procedentes!

O trabalho do professor é muito mais do que fixar regras

de comportamento, o que poderia cair na violência do poder instituído.

O ofício do professor é criar e recriar uma maneira de trabalhar

verdadeiramente comprometida com aprendizagem do aluno.

Como diz Saviani:

Não se trata de optar entre relações autoritárias ou

democráticas no interior da sala de aula mas de articular o

trabalho desenvolvido nas escolas como processo de

democratização da sociedade. E a prática pedagógica

contribui de modo específico, isto é, propriamente pedagógico

para democratização da sociedade na medida em que se

compreende como se coloca a questão da democracia

relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico.

(Saviani, 1982, p.64)

Na medida em que vamos também nós, professores, nos

instrumentalizando com a posse de novos conhecimentos,

compreendemos melhor os vínculos de nossa prática com a prática

social global. Dessa forma, o programa de formação continuada, bem

como a consolidação de grupos de estudo permanentes em nossas

escolas e núcleos PDE-PR nas universidades, poderão fortalecer a

classe dos educadores como membros cada vez mais conscientes de

20

sua contribuição pedagógica específica, bem como de sua importância

política e consequentemente, a importância política de seus alunos.

A posse de novos conhecimentos vai nos levando

também a superar a forma descritiva do problema e a nos

comprometer com possíveis alternativas de solução como as propostas

por Julio Groppa Aquino: o contrato pedagógico e as assembléias de

classe. Tem também nos provocado novas necessidades de estarmos

estudando cada vez mais, não apenas pela aquisição de novos

conhecimentos mas pela possibilidade de melhor atuar, criando em

nossas salas de aula novas possibilidades cada vez mais

comprometidas com a verdadeira democratização do ensino, que

somente se concretiza com aprendizagem dos alunos, que em posse

dos conhecimentos historicamente acumulados, serão também mais

capazes de compreender as articulações da sua prática com a prática

social global. Assim munidos e sabedores que o objetivo maior desse

pequeno estudo sobre (in)disciplina visa acima de tudo buscar

alternativas que culminem na maior competência de nossas escolas

em cumprirem sua função epistêmica, anterior a qualquer benefício

que possa dela advir posteriormente, seguimos não mais os mesmos

professores de antes do PDE-PR, mas com esperança e compromisso

renovados. Lembrando o que diz Julio Groppa Aquino:

A qualificação profissional do educador seria, portanto,

condição necessária, porém não suficiente, para o exercício da

profissão. Exige-se, ademais, a responsabilidade pela

manutenção do mundo público – o que se traduziria, a nosso

ver, na intransferível iniciação das novas gerações no modo de

vida democrático. (Aquino, 2004, p.60)

Nesse sentido, confirmamos nossa esperança de que a

transformação do PDE-PR em política pública e não apenas

governamental, poderá contribuir grandemente no processo de

horizontalização das relações dentro da esfera educacional, desde a

relação professor-aluno, matéria-prima a partir da qual se produz o

objeto institucional escolar (conhecimento), passando pela gestão

escolar, núcleos regionais e secretarias da educação de âmbito

21

municipal e estadual até o ministério da educação. Pois, como

aprendemos com a elaboração desse pequeno ensaio de artigo

científico, se é convicção que a (in)disciplina é uma necessidade

gerada para o bom trabalho coletivo, também é convicção

fundamentada que a (in)disciplina, efetivamente construída numa

ambiência democrática, “é resultado da tenacidade e do compromisso

proporcionados pela responsabilidade partilhada sobre o mundo”

(Aquino, 2004, p.52)

Essa reflexão também nos conduz a um questionamento

sobre a qualidade democrática e crítica da relação professor e

instâncias superiores da Educação, onde muitas vezes, o professor

“entra mudo e sai calado”, não porque não tivera questionamentos a

propor, mas porque nem sequer fora previsto espaço para ouvir a sua

voz. No entanto, ainda que minimamente, o presente estudo nos

remete à construção desse espaço de maneira ética e civilizada (pois

que somos professores, e portanto, por força de ofício, a nossa possível

resistência silenciosa deve ter sempre a consciência do educador, que

sabe-se observado e condutor natural daqueles aos quais representa,

bem como comprometido com o coletivo).

Compartilhamos aqui um desafio emergente: se nas

salas de aula, nós, professores, devemos garantir a participação efetiva

de nossos alunos como co-responsáveis no processo ensino-

aprendizagem; o que podemos fazer na construção de novos espaços

junto às instâncias educacionais superiores, sem nos esquecermos da

continuidade da relação, sem nos esquecermos do comprometimento

educacional das ações que devem, por responsabilidade inerente ao

nosso ofício, resultar em alternativas que visem a negociação

transparente dos conflitos e não a ausência de tais conflitos (o que

resultaria utópico dentro da metodologia dialética apresentada)?

Na grande tarefa da horizontalização das relações nas

instâncias educacionais, a contribuição de cada um de nós é

importante, pois no final das contas, como nos alerta Sapeli (2004,

p.19) da mesma forma que a ideologia torna-se consensual através dos

22

instrumentos formais, a escola traz em si a possibilidade da construção

da contra-ideologia com os instrumentos mesmos do saber, mas com o

método dialético histórico.

Trabalhar com o pressuposto de que a escola, bem como

todas as instâncias educacionais, são espaços de contradição, nos

obriga a sair das zonas de conformismo: nem que as mudanças

acontecerão a partir da escola, nem que escola mudará se a sociedade

mudar. Temos convicção de que, apesar dos significativos sinais de

adestramento que a escola acaba por reproduzir; apesar dos poucos

espaços de contradição criados dentro da escola, podemos enxergar

uma luz no final do túnel: a possibilidade de ir além da crítica e utilizá-

la como instrumento à ação de ruptura. Como diz MARX: “Não se trata

apenas de interpretar o mundo, é preciso transformá-lo”. Somos todos

trabalhadores da educação. Sejamos solidários à nossa própria classe,

cuidando por não acabar representando a outras classes por força de

cargos ou o que quer que seja. Mais ainda, que o compromisso com

nossa própria classe não nos permita esquecermos a necessidade de

conhecermos cada vez melhor este nosso mundo, para instruirmos e

assumirmos nossas responsabilidades perante este mundo. Atentos à

manipulação que nos rodeia, não percamos o rumo! Muito agradecida!

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5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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São Paulo: Summus, 1996.

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Revista da Associação Nacional de Educação (ANDE) Ano 1, nº3, 1982.

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