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DIS2E DESIGN PARA A INOVAÇÃO SOCIAL: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO‐ APRENDIZAGEM BERNARDO PROVIDÊNCIA 1 1 Escola de Arquitetura da Universidade do Minho, providê[email protected] Resumo: Em ambiente de workshop intensivo, alunos do 1º ano dos cursos de teatro e design, desenvolvem um projeto conjunto com uma comunidade local num território específico. Cinco casas, cinco famílias, cinco objetos e cinco grupos, foi o mote para construir com a comunidade um espetáculo, que dá voz às memórias materiais e imateriais de um lugar, Couros, que é um eixo estratégico no centro histórico de Guimarães. Mais do que a iniciação às metodologias participativas, o modelo de ensino‐aprendizagem do design para inovação social, pretende criar competências para trabalhar com as comunidades, de forma a cooperar no desenvolvimento integrado da zona de Couros aproximando vivências, interesses e expectativas de alguns do seus ocupantes, neste caso, alunos, professores e habitantes locais. A colaboração no sentido da socialização entre múltiplos criadores funcionou como uma ferramenta de trabalho do design na valorização e na revitalização social e cultural da zona do campus urbis da Universidade do Minho. Palavras Chave: inovação social, metodologias de design, desenvolvimento local, cultura 1. O design para a inovação social: reflexões de partida Na obra “Making Things Happen...“, Manzini (2014) aborda um conjunto de casos a partir de uma postura de inovação radical inspirada no co‐design, no qual desmonta o conceito de “Design para a inovação Social”. Uma metodologia de design colaborativo baseada no designing for and with communities que quebra com as metodologias de design quer tradicionais quer incrementais, para configurar novos modelos onde a inovação deixa de se circunscrever ao “produto” ou “processo” para se focar nas populações, nas suas expectativas e aspirações. As metodologias do design surgem como motor da relação social e cultural das pessoas e populações na interação com o território e com as necessidades das comunidades. O designer passa a participar em equipes heterogéneas de diferentes áreas disciplinares e formações de base, co‐concebendo e co‐ produzindo atividades, produtos e serviços orientados pela inovação disruptiva (Christensen, C., Baumann, H., Ruggles, R. & Sadtler, T., 2006). Entramos na era onde o design e os designers encontram novas abordagens (Young, 2008) que passam por intervenções com as comunidades locais do tipo bottom‐up, onde a estratégia de trabalho radica em metodologias participativas que colocam a população local e designers e outros criativos a trabalhar conjuntamente na afirmação de valores culturais. Um dos exemplos da análise sobre inovação social em Portugal encontra‐se documentado num audiovisual coproduzido por Parente, Martinho e Providência (2014), que retrata, entre outros exemplos, o caso da cooperativa Terra Chã. De há 20 anos a esta parte, que a cooperativa desenvolve um trabalho baseado numa metodologia colaborativa que valoriza os recursos endógenos, a população autóctone e a comunidade, e despoleta, numa perspetiva bottom‐up, um modelo de construção e estruturação de projetos de desenvolvimento local orientados para a revitalização social, cultural e económica, privilegiando a relação intergeracional e as aprendizagens entre pares. Este modelos de intervenção social trazem uma nova dimensão ao design, conferindo hoje ao ensino do design, uma vertente social, de valorização de pessoas, produtos e comunidades locais, até então CIMODE 2016 - 3º Congresso Internacional de Moda e Design | ISBN 978-972-8692-93-3 3201

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DIS2E DESIGN PARA A INOVAÇÃO SOCIAL: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO‐APRENDIZAGEM 

BERNARDO PROVIDÊNCIA 1 

1Escola de Arquitetura da Universidade do Minho, providê[email protected] 

 

 

Resumo: Em ambiente  de workshop  intensivo,  alunos  do  1º  ano  dos  cursos  de  teatro  e  design,  desenvolvem um 

projeto conjunto com uma comunidade local num território específico. Cinco casas, cinco famílias, cinco objetos e cinco grupos, foi o mote para construir com a comunidade um espetáculo, que dá voz às memórias materiais e imateriais de um lugar, Couros, que é um eixo estratégico no centro histórico de Guimarães. Mais do que a  iniciação às metodologias participativas, o modelo de ensino‐aprendizagem do design para  inovação social,  pretende  criar  competências  para  trabalhar  com as  comunidades,  de  forma  a  cooperar  no  desenvolvimento integrado  da  zona  de  Couros  aproximando  vivências,  interesses  e  expectativas  de  alguns  do  seus  ocupantes,  neste caso,  alunos,  professores  e  habitantes  locais.  A  colaboração  no  sentido  da  socialização  entre  múltiplos  criadores funcionou como uma ferramenta de trabalho do design na valorização e na revitalização social e cultural da zona do campus urbis da Universidade do Minho.  Palavras Chave: inovação social, metodologias de design, desenvolvimento local, cultura 

 

1. O design para a inovação social: reflexões de partida  

Na obra “Making Things Happen...“, Manzini (2014)  aborda um conjunto de casos a partir de uma postura de  inovação  radical  inspirada  no  co‐design,  no  qual  desmonta  o  conceito  de  “Design  para  a  inovação Social”.  Uma  metodologia  de  design  colaborativo  baseada  no  designing  for  and with  communities  que quebra  com  as  metodologias  de  design  quer  tradicionais  quer    incrementais,  para  configurar  novos modelos  onde  a  inovação  deixa  de  se  circunscrever  ao  “produto”  ou  “processo”  para  se  focar  nas populações, nas suas expectativas e aspirações. 

As metodologias do design surgem como motor da relação social e cultural das pessoas e populações na interação  com  o  território  e  com  as  necessidades  das  comunidades.  O  designer  passa  a  participar  em equipes  heterogéneas  de  diferentes  áreas  disciplinares  e  formações  de  base,  co‐concebendo  e    co‐produzindo atividades, produtos e serviços orientados pela inovação disruptiva (Christensen, C., Baumann, H., Ruggles, R. & Sadtler, T., 2006). 

Entramos na era onde o design e os designers encontram novas abordagens (Young, 2008) que passam por intervenções  com  as  comunidades  locais  do  tipo  bottom‐up,  onde  a  estratégia  de  trabalho  radica  em metodologias  participativas  que  colocam  a  população  local  e  designers  e  outros  criativos  a  trabalhar conjuntamente na afirmação de valores culturais. 

Um dos exemplos da análise sobre inovação social em Portugal encontra‐se documentado num audiovisual coproduzido por  Parente, Martinho e  Providência  (2014),  que  retrata,  entre  outros  exemplos,  o  caso da cooperativa Terra Chã. De há 20 anos a esta parte,   que a  cooperativa desenvolve um trabalho baseado numa  metodologia  colaborativa  que  valoriza  os  recursos  endógenos,  a  população  autóctone  e  a comunidade,  e  despoleta,  numa  perspetiva  bottom‐up,    um  modelo  de  construção  e  estruturação  de projetos  de  desenvolvimento  local  orientados  para  a  revitalização  social,  cultural  e  económica, privilegiando a relação intergeracional e as aprendizagens entre pares. 

Este modelos de  intervenção social  trazem uma nova dimensão ao design,  conferindo hoje ao ensino do design,  uma  vertente  social,  de  valorização  de  pessoas,  produtos  e  comunidades  locais,  até  então 

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inexistente. Tendo em conta o nosso papel de profissionais, investigadores e professores na área do design, não podemos ficar alheios a este movimento humanizador e mais efetivo de uma disciplina, que mantendo o seu cariz técnico, integra  uma nova dimensão experimental de projetos “para e com as comunidades”. Esta abordagem impõe a necessidade de repensar a metodologia de design, bem como o impacto que estas podem  ter  na  educação  dos  nossos  estudantes  em  termos  da  sua  formação  académica,  profissional  e pessoal.  

Tratamos  neste  artigo  de  projetos  que  nos  parecem  ilustrar,  pelo  menos  parcialmente,  as  novas metodologias de design, dando ênfase ao projeto EM CAIXA desenvolvido no âmbito da unidade curricular de Projeto Uso e Identidade da Licenciatura em Design de Produto da Universidade do Minho. É enquanto docente da unidade disciplinar que propomos refletir sobre a experiência que tem entusiasmado a equipa composta por professores, criativos, estudantes ‐ de design e teatro ‐   e população local que anualmente dedica algumas semana de trabalho  intenso, mas  igualmente gratificante à co‐produção de uma peça de teatro cenografada a partir das inspirações da cultura local.  

2. EmCaixa: um projeto de ensino‐aprendizagem de design para Couros 

2.1. O território:  Couros 

Couros é uma zona habitacional, outrora industrial no coração da cidade de Guimarães, banhada por uma pequena ribeira, eixo dos ofícios de curtumes e têxteis desde o séc. XIII. Caracteriza‐se por uma expressiva malha de tanques em granito (Figura 1)., local onde em tempos os artesãos curtiam e tratavam peles. Este local esteve na origem de um polo de industria têxtil que, em finais do séc XX, viria a desaparecer. 

 

Figura 1 Curtumes. Tanques de curtição. Operários.  Décadas de 1930/1940, Couros, Fonte Muralha, Associação de Guimarães para a Defesa do Património. 

Com  a  classificação  de  centro  histórico  como  Património  Mundial  pela  UNESCO  em  2001  e  a  Capital Europeia da Cultura em 2012, Guimarães, requalifica o património industrial de Couros com a  construção de um projeto estratégico que alia as competência da Universidade do Minho ao desenvolvimento    local por  via  autárquica.  Esta  vontade  política  concretizou‐se  na  criação  de  um  polo  criativo  de  extensão universitária,  o  campus  urbis,    que  integra  cursos  de  primeiro  ciclo  universitário,  nas    áreas  de  teatro  e design, sendo que se prevê a breve trecho, a abertura de uma licenciatura em artes plásticas. 

Neste quarteirão, desenhado a sul pela Ribeira de Couros e a norte pelo Largo do Trovador (séc. XIX ‐ XX), encontramos  uma  comunidade  de  famílias,  algumas  das  quais  aqui  nasceram,  trabalharam  e  viveram, edificando um capital imaterial patente em cada porta que se abre. São as histórias dos ofícios, dos saberes e das famílias que se transmitem de geração em geração, recheadas de pequenas experiências materiais e imaterias, que simbolizam memórias e traços culturais locais.  

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A proposta de um plano integrado no âmbito das unidades curriculares de Laboratório de Teatro e Projeto de  Design  –  Uso  e  Identidades  dos  cursos  respetivamente  de  teatro  e  design,  nasce  da  necessidade  da construção de metodologias de ensino‐aprendizagem que a partir da interdisciplinaridade e co‐participação com  a  comunidade  local,  permita  reequacionar  a  função  destes  cursos,  como  parceiros  e  atores  da construção de uma nova realidade para Couros. O propósito é integrar atores, que muitas vezes andam de „costas  voltadas“,  possibilitando  a  partir  da  interação    socializadora  entre  a  comunidade  académica  e  a  comunidade local, uma partilha de valores e de práticas para o desenvolvimento e construção conjunta de projetos futuros mais humanizados, sejam eles de índole, social, económica ou cultural. 

2.2. As fontes inspiradoras:  “Arraial”  

O  modelo  design  para  a  inovação  social  baseado  na  coparticipação  na  criação  de  espetáculos,  viu  em Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura, a sistematização de um conjunto de experiências. É o caso do espetáculo    “Arraial”,  que  sob  a  direção  de  Madalena  Victorino  e  produção  da  Companhia  Circulando, trabalhou  com habitantes de Donim, freguesia  vizinha à  cidade, bailarinos e músicos uma peça alusiva à festa popular, desenvolvendo um trabalho colaborativo de integração  social e interpretação de papéis . 

Em “Arraial1”, encontramos um espetáculo carregado de identidades, seja pelo afeto, seja pelas memórias e  tradições, onde se expressam códigos  individuais e coletivos da população  local  (Figura 2). Criado com base em símbolos, do que mais genuíno a população  tem,  como por exemplo os “ex‐votos2”, o  trabalho parte da co‐participação entre os habitantes de Donim, e coreógrafos, bailarinos, músicos e técnicos, para a construção de novas linguagens, gramáticas visuais e de movimento performativo.  Como resultado vimos nascer  ao  longo  de  quase  um  ano  de  trabalho,  o  potencial  de  valorização  humana,  bem  como  de  um património imaterial que que se consagra,  em 2012, com a peça, que representa a síntese da construção de uma memória coletiva. 

 

Figura 2 Arraial, cena final, Guimarães 2012. 

 

O  projeto  envolveu  uma metodologia  colaborativa,  onde  durante  2011  e  2012,  um  grupo  de  trabalho, constituído por equipas mistas entre as populações locais e profissionais das áreas criativas diversificadas em termos de formação de base e consequentes códigos culturais e de leitura do real,  concebeu, produziu e representou um espetáculo  em torno das vivências dos habitantes da freguesia de Donim. 

O modelo baseou‐se num processo constante de reflexão dos valores autóctones da população local para a partir de diversos tipos de registos, quer orais, como memórias, histórias, crenças e hábitos de vida, quer 

                                                            1 O termo arraial designa uma festas popular ao ar livre em épocas de romarias.  

2  Ex‐votos  são  comummente  reconhecidas  sob  as  formas  de  pinturas ou  desenhos,  figuras   moldadas  em cera, representando muitas vezes partes do corpo que estavam adoecidas e foram curadas. São usados em atos religiosos para efeitos de agradecimento de uma promessa.  

 

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materiais, como artefactos diversos, construir enxertos que serviram de base à construção de contextos e  das cenas que enformam as várias partes do espetáculo. 

Esta  metodologia  acabaria  por  ser  determinante  no  desenho  do  exercício  EmCaixa,  sobre  o  qual  nos deteremos  a  seguir  e  que  reconheceu  neste  exemplo  a  necessidade  de  trabalhar  “com”  e  não  “para”  a população local no âmbito do projeto EmCaixa. 

3. Um  modelo  de  ensino‐  aprendizagem  do  design  para  a  inovação  social:  a experiência do EmCaixa 

3.1 A proposta do EmCaixa 

A  partir  das  dinâmicas  sociais  e  culturais  de  trabalho  com  e  para  a  comunidade  local  de  Couros,  e inspirados nas experiências descritas, bem como num anterior projeto piloto designado de “Andando”, o primeiro projeto de articulação entre os cursos de Teatro e Design, começou‐se no ano letivo 2014‐2015 a desenhar  uma  intervenção  que  envolvesse  ativamente  a  população  de  este  território  especifico,  com alunos e professores num novo projeto, que se pretendia participado e colaborativo. 

 O objetivo do projeto foi alinhar os processos de trabalho e os produtos de 2 áreas científicas e de ensino, a  de  Teatro  e  Design,  com  as  necessidades  e  expectativas  locais,  articulando  experiências,  sentidos  e aprendizagens numa produção  conjunta, que, no  caso dos alunos e professores,  culmina no  trabalho do final de semestre das 2 áreas.  Para a população local cremos que culminou no sentimento de dignificação e reconhecimento das suas vivências. 

O  Projeto  orientado,  na  fase  de  arranque,  pelos  docentes  e  uma  equipa  criativa  (encenadores  e  atriz), previu um guião de trabalho que contemplava uma articulação dos programas académicos de cada curso num  desafio  de  envolvimento  com  a  comunidade  local.  A  integração  da  comunidade  começou  com  a participação população do largo do Trovador que acolheu nas suas casas grupos de alunos.  Previamente, ao  acolhimento  a  população  foi  contactada  pelos  professores,  e  colocada  a  par  do  projeto,  de  forma  a decidir participar, ou não, do mesmo. Os alunos, munidos de grelhas de observação, tinham como missão explorar o interior da casa, com a recolha de fontes materiais e imateriais, que testemunham a vida local.  Esta  interação  entre  alunos  e  população  local  envolveu  cinco  casas,  onde  viviam  cinco  famílias,  que constituíram o núcleo central da metodologia participativa. 

O trabalho conjunto desenvolvido daria origem a um produto final ‐ sob a forma de um sistema integrado ‐, que  se  materializava  em:  i)  “objetos”  ‐  produtos  físicos  –  próprios  da  investigação  em  design,  que  se materializou  em  cenários,  ou  seja,  na  produção  dos  contexto  para  as  diferentes  cenas;  e  ii)  no  ato  de representação  em  teatro  de  cinco  peças  que  caraterizam  o  local  a  partir  da  pesquisa  em  contexto doméstico.    Como  resultado  final  teríamos  uma  peça  representada  por  alunos,  com  uma  produção concebida pela equipa composta pelos alunos e a população local, que manifestaria a integração dos vários intervenientes na edificação de cenas que enraízam factores identitários de Couros. 

A proposta de ensino‐aprendizagem é desafiadora, e diríamos mesmo arrojada,  dado que trabalhávamos com  alunos  do  primeiro  ano,  que  viam  neste  trabalho  o  seu  primeiro  contacto  de  co‐construção  com comunidade, que, por sua vez,  em tão pouco tempo de convivência criou  expectativas sobre o processo co‐construtivo. Tratando‐se de um projeto de final de ano, o projeto tinha todas as condições para correr bem. Os dias são grandes, o que permitia longas sessões de trabalho, e a meteorologia ajudaria com boa temperatura e dias soalheiros.  

O  Projeto,  que  se  pretendia  focado  no  processo  de  ensino‐aprendizagem,  acabou  por  assumir  uma dimensão maior, com o convite feito à equipa para a participação no festival Gil Vicente, uma estratégica autárquica de aglomerar os vários espetáculos de teatro da cidade.  

3.2 A metodologia 

O  projeto EmCaixa  surge  como  um  exercício  que  pretende  trabalhar  as  competências  interpessoais  dos alunos  de  design  que  até  então  apenas  tinha  tido  a  experiência  de  desenho  de  produto  tangível.  Este 

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exercício aciona uma perspetiva de desenvolvimento e consciência social, ao trabalhar as capacidades de cada  aluno  na  articulação  com  equipas  pluridisciplinares  que  envolvem  cursos  diferentes,  bem  como  a comunidade local.   

O projeto nasce do contacto com a comunidade local na perspetiva de construir com a própria comunidade o espetáculo. Em torno de desafio de construção de um espetáculo, o projeto encontra em cinco casas do largo  do  trovador,  cinco  famílias,  cinco  possibilidades  performativas  que,  com  a  ajuda  de  uma  plateia móvel, criam a narrativa para progressivamente desvendar a memória imaterial da zona de couros. 

Criam‐se cinco grupos mistos que partem para largo do trovador com um guião exploratório.  

É  um  exercício  de  espaço  público  quer  para  os  alunos  de  teatro  como  de  design.  O  processo  de  co‐construção da peça decore num modelo de workshop  intensivo,  em que  alunos,  professores  e  a  equipa criativa, se articulam durante uma semana num processo contínuo de trabalho que se reparte entre o Largo do  Trovador  (objeto  do  trabalho  e  local  de  apresentação  do  trabalho  final),  Instituto  de  Design  de Guimarães (onde se fabricam os protótipos e montam e desmontam de adereços) e as instalações do curso de teatro (lugar de ensaios e reuniões). 

Nas instalações do curso de design, faz‐se a apresentação de toda a equipa de docentes, alunos e equipa de criativos. É criado o primeiro exercício a partir da análise de um texto (figura 3), em que se visa encontrar pontos de contacto e interpretação na perspetiva de uniformizarem códigos de comunicação. 

 

Figura 3 Primeira sessão  de trabalho entre os alunos dos cursos de teatro e de design em atividade de exploração de um texto. 

 

Cada  grupo  tem  a  seguir  o  desafio  de  fazer  a  visita  a  uma  casa,  onde  uma  família  os  espera  para  uma partilha mútua de experiências e onde são  recolhidos de  testemunhos orais e escritos,  registos visuais e solicitado  a  cada  família  a  cedência  de  um  objecto  de  carácter  pessoal  com  uma  carga  emotiva representativa da família ou de algum acontecimento excecional. 

Este momento de incursão pelas 5 casas do largo do trovador, tornavam‐se o momento de construção da partilha, um momento disruptivo face ao processo de interação entre todas estas gentes,   que apesar de coabitarem o mesmo local, não se conheciam e por consequência não partilhavam o testemunho de várias gerações, histórias de vida, conjunturas carregados de uma identidade local.  

Cada uma das cinco casas acolheu um grupo, partilhou histórias, e de forma carinhosa disponibilizou um objeto referencia daquele lar. Foram muitos os olhares dos alunos que descobriam entre conversas com os nativos,  pequenos  contos,  histórias  de  vida  que peça  a  peça  contavam a história  passada  e  presente da zona de couros (figura 4).  

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Figura 4 Recolha de material de uma das habitações do Largo do Trovador 

 

Uma nova sessão de trabalho tem lugar e os alunos fazem o mapeamento e análise dos registos, o que dá inicio ao trabalho de construção de textos e de esboços cenográficos para a construção da identidade de cada um dos cinco espetáculos. Este exercício, tanto parte do testemunho oral, como de uma fotografia ou objeto pessoal. 

A dinâmica de trabalho passa pelo trabalho dividido entre os laboratórios de design, os espaços de teatro e o  largo do trovador que é constantemente visitado de forma a reenquadrar os exercícios que estão a ser desenhados. 

São observados o  dia  a  dias  das  pessoas  que  por  aqui  passam e  aperfeiçoadas  as  linguagens,  tendo em consideração a população, o movimento, os objetos, a partir do carácter cenográfico das performances. 

Nos  bastidores  dos  laboratórios  de  design,  concebem‐se  objetos  de  grande  escala.  De  acordo  com  os pressupostos assumidos no trabalho de equipa com os alunos de teatro, os alunos de design intervêm em objetos de grande escala que  fazem a demarcação do espaço  cenográfico no  largo do  trovador. Objetos como banheiras de  ferro, móveis,  frigoríficos que aparentemente  teriam sido  retirados de cada uma das casas são trabalhados de forma a enfatizar o espetáculo de teatro (figura 5) 

 

Figura 5 Sessão plenária sobre a construção dos objetos. 

 

Durante uma semana entre manhãs de trabalho acompanhados por tutores (professores e equipa criativa), tardes e noites de ensaios e criação de protótipos, o espetáculo vais nascendo. 

O  entusiasmo  e  a  emoção  da  revisitação  do  local,  das  pessoas  e  das  tradições  de  outras  épocas  são  os sentimentos que se vão vivendo quotidianamente no processo de co‐construção. 

Paralelamente,  em  jeito  de  desafio,  a  academia  de  música  da  cidade  também  ela  ensaia  pequenas partituras como elemento de ligação entre uma procissão de inicio do espetáculo ou de articulação entre 

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cada  uma  das  peças.  A  academia  de  musica  intervêm  entre  cada  uma  das  cenas,  acompanhando  o reposicionamento de uma plateia móvel de onde se vê o espetáculo. 

3.3 O produto do EmCaixa 

Como  resultado,  assistimos  à  construção  e  desencadeamento  de  cinco  pequenos  espetáculos, acompanhados por  uma  amovível  plateia  que,  ao  som dos  alunos da  academia de música  da  cidade,  se readaptava e posicionava para cada peça (figura 6). 

 

Figura 6 Momento entre espetáculos com o movimento da plateia 

 

Foi  um  espetáculo  composto  por  várias  cenas  onde  o  palco  era  o  largo  em  si,  com  todas  as  casas,  os habitantes locais, alunos e demais pessoas que se foram associando a este projeto e que por fim levaram a experiência de um dia. 

Chegado  o  momento,  entre  curiosos,  população,  alunos  e  demais  que  se  quiseram  juntar  à  festa,  o espetáculo dá inicio, consagrando‐se a partilha tida até então, de forma mais privada, no âmbito de cada família e cada casa. Este é o momento de concretização de uma memória que durante anos se escondia em cada uma das casas, e que por momento sai à rua e se transforma em identidade coletiva. 

Encontramos no olhar de cada um, seja a Dona Maria, ou dos estudantes que conjuntamente com o seu testemunho  construíram  o  trabalho,  a  construção  de  um  valor  imaterial,  um  grito  de  afirmação  e construção  conjunta  de  uma  nova  identidade  para  Couros  e  para  as  suas  populações  que  cremos  ser potenciadora de dignidade social, de densidade humana e de desenvolvimento local. 

Assistimos  à  construção  de  novas  histórias  sem  muros  nem  barreiras  em  que  na  construção  peças cenográficas  ou  na  criação  de  um  espetáculo,  transportavam  um misto  de  valorização  das  experiências partilhadas  na  reinterpretação  de  cada  elemento  deste  novo  coletivo  composto  por  alunos,  habitantes locais ou equipes de apoio. 

Foram momentos  coletivos onde desde de os protagonistas, habitantes de  cada uma das  casas nas  suas janelas ou varandas, os estudantes e a comunidade em geral, por momentos quebraram barreiras. 

Durante a construção do espetáculo, entre a construção dos cenários e dos espetáculos em si, sentíamos a construção  de  uma  relação  entre  alunos  e  a  comunidade  local  onde  se  sentia  a  integração  de  todos  na construção de um todo coletivo. 

Durante o espetáculo, assistimos à vivencia de cada habitante em particular, quer na forma como podiam olhar o espetáculo da janela da sua casa, como na integração do espetáculo, no apoio na movimentação da móvel plateia, ou na forma como agradeciam aquando da recolha dos objetos pessoais a partilha mútua de toda esta comunidade agora mais rica também com os cursos de teatro e design. 

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4. Conclusão 

Com a Capital Europeia da Cultura e o exercício desenhado entre a autarquia e a universidade, assistimos à criação de uma dinâmica que passa pela requalificação de edifícios da cidades e utilização dos mesmos para a construção de um polo criativo da universidade. 

A criação de um campu urbis  da Universidade do Minho na zona de Couros, com o Instituto de Design e o Centro de Formação Pós Graduada onde estão  instalados respetivamente o curso de design e o curso de teatro,  bem  como  o  Centro  de  Ciência  Viva  fazem  parte  de  uma   estratégia  entre  a  autarquia  e  a universidade para a revitalização e desenvolvimento do território.  

O trabalho cooperativo entre os alunos e a população da zona de Couros, estimula com base em metodologias participativas, a aproximação a valores endógenos materiais e imateriais, na construção de uma identidade. 

Estas  duas  experiências,  primeiro  o  “Andado”,  agora  o  EmCaixa,  serviram  como  ponto  de  partida  para perceber  a  importância  de  aproximação  às  comunidades  locais  na  construção de um produto  com valor social, acreditando que o desenvolvimento local não se faz somente pela via da economia, mas também de outras áreas disciplinares que orientados pelos princípios de partilha de experiências e valorização pessoal são alicerces de uma vida dignificante. 

O modelo de construção deste trabalho em torno de um workshop intensivo com equipas mistas, ajuda os alunos  a  desenvolver  competências  interpessoais,  planeamento  e  gestão  de  tempos  e  resolução  de conflitos, mas também, proporciona a construção de uma  inter‐relação pessoal com a população que se  manifesta no autorreconhecimento da valorização pessoal e coletiva da mesma. 

Por sua vez, os alunos de design como os de teatro têm necessidade de criação de públicos quer para os seus espetáculo quer  para os seus produtos e serviços, e de contactar com os mesmos de modo a perceber esses mesmos  públicos,    construindo  diálogos  que  permitam  trabalhar  as  suas  necessidades,  sejam  em produtos mais tangíveis ou intangíveis. 

A  criação  de  metodologias  participativas  envolvendo  comunidades  locais,  estudantes  e  profissionais  de diversas  áreas  numa  perspetiva  de  desenvolvimento  local,  nasce  como  contraponto  de  uma  perspetiva massificada de trabalho para a produção de um produto standard.  

Parece‐nos deste modo que o desafio que se adivinha, passa muito mais pela aproximação à população local, a partir de metodologias de trabalho bottom‐up, onde se valoriza a particularidade de cada um, alunos, habitantes do largo do trovador, músicos e equipe criativa, pela incorporação num produto coletivo. 

Por ultimo acreditamos na criação de metodologias que trabalhem dinâmicas da  inclusão como forma de promover desenvolvimento mais democrático e sustentável.  

Agradecimentos 

Este trabalho tem o apoio financeiro do Projeto Lab2PT‐ Laboratório de Paisagens, Património e Território ‐ AUR/04509  e  da  FCT  através  de  fundos  nacionais  e  quando  aplicável  do  cofinanciamento  do  FEDER,  no âmbito dos novos acordos de parceria PT2020 e COMPETE 2020 – POCI‐01‐0145‐FEDER‐007528. 

Referências 

MANZINI, E. (2014). Making Things Happen: Social Innovation and Design. Design Issues, Volume 30, No. 1, Pages 57‐66  

CHRISTENSEN, C., BAUMANN, H., RUGGLES, R. & SADTLER, T. (2006). Disruptive Innovation for Social Change. Harvard Business Review, 84 (12), 94‐101.  

YOUNG, R. (2008), A perspective on Design Theory and Service Design Practice, in: Designing for Services ‐ Multidisciplinary Perspectives: Proceedings from the Exploratory Project on Designing for Services in Science and Technology‐based Enterprises. Kimbell, Lucy and Seidel, Victor. P. (Ed.). Oxford: University of Oxford Press, pp. 43‐45.  

PARENTE, C, MARTINHO, A. L., PROVIDÊNCIA, B.(2014)  ÉS SOCIAL. Documentário realizado por R. D. Ribeiro ‐ KINTOP. Universidade do Porto ‐ Faculdade de Letras, Porto.  

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