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DIÁRIO DE S. PAULO - QUARTA-FEIRA / 18 DE MAIO DE 2016 20 Olimpíada Rio 2016 Cerco fechado COI aumenta pressão sobre fraudes contra o controle de doping, refaz testes da Olimpíada de Pequim e divulga que 31 atletas foram flagrados em reavaliação. Nomes ainda são mantidos em sigilo Marta Teixeira [email protected] “Qualquer atleta que consiga uma medalha olímpica por meio de fraude pode até come- morar por algum tempo, mas ele nunca mais dormirá tran- quilo. Pode demorar um, dois ou até oito anos, mas ele sabe que poderá perdê-la a qualquer momento.” A frase do secretá- rio nacional da ABCD (Autori- dade Brasileira de Controle de Dopagem), Marco Aurelio Ke- lin, resume o sentimento dos atletas que obtiveram conquis- tas burlando as regras interna- cionais de combate ao doping. Ontem, o COI (Comitê Olím- pico Internacional) revelou que 31 participantes dos Jogos Olímpicos de Pequim-2008 foram flagrados no exame anti- doping. As análises das amos- tras desses atletas foram refei- tas e deram resultado positivo para substâncias proibidas. Os nomes dos atletas perma- necem em sigilo. Só serão reve- lados depois de concluída a in- vestigação. Segundo o COI, eles são de seis modalidades dife- rentes e os flagrados que conti- nuam na ativa serão proibidos de participar dos Jogos no Rio de Janeiro, em agosto. HORA DA DEVASSA/ No total, foram reavaliadas 454 amostras de exames da edição chinesa. A operação pente-fino, porém, continua. Serão refeitos 250 testes dos Jogos de Londres- 2012. Além disso, todos os me- dalhistas de 2008 e 2012 terão seu material reanalisado. Em caso de uso de substân- cias proibidas, eles perderão as medalhas. E aqueles que esti- verem na lista para herdá-las só levarão o prêmio depois de também serem reavaliados. Alvo de suspeita de um es- quema de acobertamento de resultados adversos, o labora- tório que realizou os testes nos Jogos de Inverno de Sochi-2014 também está sendo investiga- do. Com isso, todas as amostras do evento serão revisadas pelo Laboratório Antidoping de Lausanne, na Suíça. A revisão de exames olímpi- cos não é novidade. Isso acon- teceu com amostras de atletas que competiram em Atenas- 2004 antes dos Jogos de Lon- dres. Desta vez, porém, o COI quis deixar clara sua mensa- gem aos que não jogam limpo. “Este é um golpe poderoso contra a trapaça, que nós não vamos permitir que vença”, disse o presidente Thomas Ba- ch, após reunião do Conselho Executivo da entidade. As medidas do COI para limpar o esporte DSP >> O COI reexaminou 454 amostras coletadas nos Jogos Olímpicos de Pequim >> Os exames foram refeitos a partir de novos métodos de análise científica >> 31 atletas de 6 modalidades foram pegos na nova avaliação. Seus nomes ainda são mantidos em sigilo e só serão revelados nos próximos dias, quando terminar a investigação >> Os atletas flagrados nos exames serão proibidos de disputar os Jogos Olímpicos do Rio, em agosto >> Ainda serão refeitos os testes em 250 amostras coletadas nos Jogos de Londres-2012 >> As amostras dos medalhistas olímpicos das edições de Pequim-2008 e Londres-2012 serão reexaminadas >> O medalhista flagrado no exame pode ter sua medalha cassada >> O COI destinou R$ 70 milhões ao fundo de proteção aos atletas limpos >> R$ 35 milhões serão usados em um programa de educação e alerta aos riscos de atitudes ligadas à manipulação de resultados >> R$ 35 milhões vão beneficiar programas de desenvolvimento científico em métodos antidoping Até 2015, as amostras eram guardadas por oito anos. O prazo agora é de dez anos ENTREVISTA Marco Aurelio Klein_ Secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem ‘A vigilância não se esgota na conquista da medalha’ DIÁRIO_ Qual a mensagem desta ação do COI ? MARCO AURELIO KLEIN_ É parte de um cerco cada vez maior à dopagem, que é uma fraude esportiva. É um sinal muito forte de que a vigilância não se esgota no momento da conquista da medalha. O atleta que frauda para vencer ganha apenas um tempo. Os escândalos da sistemati- zação no doping do atletismo russo, do Quênia e do labora- tório dos Jogos em Sochi con- tribuíram muito para o recru- descimento do COI? A revisão é algo que acontece sempre à luz de novas tecnolo- gias. Isso é sempre esperado, mas, provavelmente, ficou um pouco mais intensa por causa desses eventos Atletas flagrados ou com his- tórico de doping vão ficar sob verificação mais intensa para os Jogos. O COI deu alguma orientação especial à ABCD? O COI é a autoridade de teste e o Comitê Organizador, a auto- ridade de coleta. A nós, coube seleção, treinamento e certifi- cação de agentes de controle de dopagem para poder atuar nos Jogos. E cabe a condução de testes fora de competição, fora das instalações olímpicas ou durante a fase de aclimatação das delegações. E vocês têm alguma meta na aplicação destes testes? Estamos em um momento de muitos testes fora de competi- ção, com atletas sendo subme- tidos a vários controles em es- paço de tempo pequeno. So- mente este ano, já aplicamos 1.310 testes, sendo 57% deles fora de competição. Os controles fora de compe- tição são mais “eficientes”? Esta é a tendência mundial nas melhores práticas. Uma das principais agências antidopa- gem do mundo faz 80% dos seus testes fora de competição. A ABCD persegue este caminho e já passou dos 40%, preten- dendo passar dos 50% até o fi- nal do ano. O futuro aponta concentração máxima nos tes- tes fora de competição, basea- dos na inteligência. Acredita que a Federação russa será liberada para com- petir no Rio de Janeiro? Não sei dizer e não quero espe- cular. Sei que a IAAF está em- penhada em fazer do atletismo modelo de competições limpas. O caso da Rússia foi um grande alerta. Li na íntegra o relatório da investigação independente promovida pela WADA-AMA e, com base nele, fizemos pente- fino em nossos processos. Fica- mos muito bem, após pequenas correções. Alguns consideram a luta contra a dopagem batalha per- dida, pois os que tentam burlar as regras estão sempre um pas- so à frente. Concorda? Nem sempre. Dopagem é uma questão além de drogas. É, fun- damentalmente, questão ética. Dopagem é fraude. É o roubo do sonho do atleta limpo, que compete apenas com sua técni- ca, capacidade de dedicação e treinamento. O ladrão nunca corre atrás da polícia. Mas o controle de dopagem se sofisti- ca nos recursos tecnológicos e, sobretudo, na inteligência. Se um atleta fraudar e ganhar do- pado, talvez escape num pri- meiro momento, mas, certa- mente, nunca mais dormirá em paz com seu troféu ou sua me- dalha: a fraude será descoberta. Não há saída. A fraude é um elemento estranho ao corpo do verdadeiro sentido do esporte.

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DIÁRIO DE S. PAULO - QUARTA-FEIRA / 18 DE MAIO DE 201620Olimpíada Rio 2016

Cerco fechadoCOI aumenta pressão sobre fraudes contra o controle de doping, refaz testes da Olimpíada de Pequime divulga que 31 atletas foram flagrados em reavaliação. Nomes ainda são mantidos em sigilo

Marta [email protected]

“Qualquer atleta que consigauma medalha olímpica pormeio de fraude pode até come-morar por algum tempo, masele nunca mais dormirá tran-quilo. Pode demorar um, doisou até oito anos, mas ele sabequepoderáperdê-laaqualquermomento.” A frase do secretá-rio nacional da ABCD (Autori-dade Brasileira de Controle deDopagem), Marco Aurelio Ke-lin, resume o sentimento dosatletas que obtiveram conquis-tas burlando as regras interna-cionais de combate ao doping.

Ontem, o COI (Comitê Olím-picoInternacional)revelouque31 participantes dos JogosOlímpicos de Pequim-2008foramflagradosnoexameanti-doping. As análises das amos-tras desses atletas foram refei-tas e deram resultado positivopara substâncias proibidas.

Os nomes dos atletas perma-necememsigilo.Sóserãoreve-lados depois de concluída a in-vestigação.SegundooCOI,elessão de seis modalidades dife-rentes e os flagrados que conti-nuam na ativa serão proibidosde participar dos Jogos no Riode Janeiro, em agosto.

HORA DA DEVASSA/ No total,foramreavaliadas454amostrasde exames da edição chinesa.A operação pente-fino, porém,continua. Serão refeitos 250testes dos Jogos de Londres-2012. Além disso, todos os me-dalhistas de 2008 e 2012 terãoseu material reanalisado.

Em caso de uso de substân-cias proibidas, eles perderão asmedalhas. E aqueles que esti-veremnalistaparaherdá-lassólevarão o prêmio depois detambém serem reavaliados.

Alvo de suspeita de um es-quema de acobertamento deresultados adversos, o labora-tório que realizou os testes nosJogosdeInvernodeSochi-2014também está sendo investiga-do. Com isso, todas as amostrasdo evento serão revisadas peloLaboratório Antidoping deLausanne, na Suíça.

A revisão de exames olímpi-cos não é novidade. Isso acon-teceu com amostras de atletasque competiram em Atenas-2004 antes dos Jogos de Lon-dres. Desta vez, porém, o COIquis deixar clara sua mensa-gem aos que não jogam limpo.“Este é um golpe poderosocontra a trapaça, que nós nãovamos permitir que vença”,disse o presidente Thomas Ba-ch, após reunião do ConselhoExecutivo da entidade.

Asmedida

s do COI

para limpar

o

esporte

DSP

>>OCOI reexaminou454 amostrascoletadas nos Jogos Olímpicos de Pequim

>>Os exames foram refeitos a partir de novosmétodos de análise científica

>>31 atletas de6modalidades foram pegos nanova avaliação. Seus nomes ainda sãomantidosem sigilo e só serão revelados nos próximos dias,quando terminar a investigação

>>Os atletas flagrados nos examesserão proibidos de disputar osJogos Olímpicos do Rio, em agosto

>>Ainda serão refeitos os testesem250 amostras coletadasnos Jogos de Londres-2012

>>As amostras dosmedalhistasolímpicos das ediçõesde Pequim-2008 e Londres-2012serão reexaminadas

>>Omedalhista flagradono exame pode ter suamedalha cassada

>>OCOI destinouR$ 70milhões ao fundo de proteçãoaos atletas limpos

>>R$ 35milhões serãousados emumprograma deeducação e alerta aos riscosde atitudes ligadas àmanipulação de resultados

>>R$ 35milhões vãobeneficiar programas dedesenvolvimento científico

emmétodosantidoping

Até 2015, as amostraseram guardadas poroito anos. O prazoagora é de dez anos

ENTREVISTA Marco Aurelio Klein_ Secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem

‘A vigilância não se esgota na conquista da medalha’DIÁRIO_ Qual a mensagemdesta ação do COI ?MARCO AURELIO KLEIN_ Éparte de um cerco cada vezmaior à dopagem, que é umafraude esportiva. É um sinalmuito forte de que a vigilâncianão se esgota no momento daconquista da medalha. O atletaque frauda para vencer ganhaapenas um tempo.

Os escândalos da sistemati-zação no doping do atletismorusso, do Quênia e do labora-tório dos Jogos em Sochi con-tribuíram muito para o recru-descimento do COI?A revisão é algo que acontecesempre à luz de novas tecnolo-gias. Isso é sempre esperado,mas, provavelmente, ficou umpouco mais intensa por causadesses eventos

Atletas flagrados ou com his-tórico de doping vão ficar sobverificação mais intensa para

os Jogos. O COI deu algumaorientação especial à ABCD?O COI é a autoridade de teste eo Comitê Organizador, a auto-ridade de coleta. A nós, coubeseleção, treinamento e certifi-cação de agentes de controle dedopagem para poder atuar nosJogos. E cabe a condução detestes fora de competição, foradas instalações olímpicas oudurante a fase de aclimataçãodas delegações.

E vocês têm alguma meta naaplicação destes testes?Estamos em um momento demuitos testes fora de competi-ção, com atletas sendo subme-tidos a vários controles em es-paço de tempo pequeno. So-mente este ano, já aplicamos1.310 testes, sendo 57% delesfora de competição.

Os controles fora de compe-tição são mais “eficientes”?Esta é a tendência mundial nas

melhores práticas. Uma dasprincipais agências antidopa-gem do mundo faz 80% dosseus testes fora de competição.A ABCD persegue este caminhoe já passou dos 40%, preten-dendo passar dos 50% até o fi-nal do ano. O futuro apontaconcentração máxima nos tes-tes fora de competição, basea-dos na inteligência.

Acredita que a Federaçãorussa será liberada para com-petir no Rio de Janeiro?Não sei dizer e não quero espe-cular. Sei que a IAAF está em-penhada em fazer do atletismomodelo de competições limpas.O caso da Rússia foi um grandealerta. Li na íntegra o relatórioda investigação independentepromovida pela WADA-AMA e,com base nele, fizemos pente-fino em nossos processos. Fica-mos muito bem, após pequenascorreções.

Alguns consideram a lutacontra a dopagem batalha per-dida, pois os que tentam burlaras regras estão sempre um pas-so à frente. Concorda?Nem sempre. Dopagem é umaquestão além de drogas. É, fun-damentalmente, questão ética.Dopagem é fraude. É o roubo dosonho do atleta limpo, quecompete apenas com sua técni-ca, capacidade de dedicação etreinamento. O ladrão nuncacorre atrás da polícia. Mas ocontrole de dopagem se sofisti-ca nos recursos tecnológicos e,sobretudo, na inteligência. Seum atleta fraudar e ganhar do-pado, talvez escape num pri-meiro momento, mas, certa-mente, nunca mais dormirá empaz com seu troféu ou sua me-dalha: a fraude será descoberta.Não há saída. A fraude é umelemento estranho ao corpo doverdadeiro sentido do esporte.