diretrizes e metas para o pnrh -...

123
DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final PRODOC 704BRA2041 ANA/UNESCO Nome do Consultor: PAULO ROBERTO HADDAD 05 de dezembro de 2005

Upload: phamhuong

Post on 19-Jan-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH

PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final

PRODOC 704BRA2041 ANA/UNESCO

Nome do Consultor:

PAULO ROBERTO HADDAD

05 de dezembro de 2005

República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva Presidente Ministério do Meio Ambiente – MMA Marina Silva Ministra Agência Nacional de Águas - ANA Diretoria Colegiada José Machado – Diretor-Presidente Benedito Braga Oscar de Morais Cordeiro Netto Bruno Pagnoccheschi Dalvino Troccoli Franca Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos João Gilberto Lotufo Conejo Superintendência de Usos Múltiplos Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho Superintendência de Conservação de Água e Solo Antônio Félix Domingues Superintendência de Outorga e Cobrança Francisco Lopes Viana Superintendência de Fiscalização Gisela Damm Forattini Superintendência de Apoio a Comitês Rodrigo Flecha Ferreira Alves Superintendência de Informações Hidrológicas Valdemar Santos Guimarães Superintendência de Tecnologia e Capacitação José Edil Benedito Superintendência de Administração e Finanças Luis André Muniz Superintendência de Programas e Projetos Paulo Lopes Varella Neto

©© Agência Nacional de Águas – ANA Setor Policial Sul, Área 5, Quadra 3, Blocos B, L e M CEP 70610-200, Brasília / DF PABX: 2109-5400 Endereço eletrônico: http://www.ana.gov.br Equipe editorial: Supervisão editorial: Elaboração dos originais: Revisão dos originais: Editoração eletrônica dos originais: Projeto gráfico, editoração e arte-final: Capa e ilustração: Diagramação: Todos os direitos reservados É permitida a reprodução de dados e de informações contidos nesta publicação, desde que citada a fonte. CIP-Brasil (Catalogação-na-publicação)

ANA - CDOC

SUMÁRIO

I. MODELO DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E O FUTURO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL-2020 ................................................................................................ 01

II. UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO ECONÔMICA NO PERÍODO 2005-2020.................. 20

III. UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO: PARTICIPAÇÃO, ENDOGENIA E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL ........................................................... 36

IV. OS REBATIMENTOS ESPACIAIS DAS MEGA-TENDÊNCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PNRH .................................. 51

V. RUMO A UM CAPITALISMO NATURAL?........................................................................ 72

VI. DIRETRIZES E METAS DO PNRH: RESTRIÇÕES, CONDICIONALIDADES E PROPOSIÇÕES.................................................................................................................. 80

ANEXOS

Anexo 1 – Síntese

Anexo 2 – Comentários e Recomendações

TABELAS

Tabela 1 - Brasil: Taxa Over/Selic – 2003 A 2005-09 ......................................................... 22

Tabela 2 - Brasil: Crescimento e Inflação - 1948 – 1989 ................................................... 26

Tabela 3 - Balança Comercial - Minérios e Seus Concentrados (Us$ Fob) – 1996 A 2005 ........................................................................................................................... 29

TABELA 4 – POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES ECONÔMICOS....................................................................................................................... 64

TABELA 5 - POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES SÓCIO-INSTITUCIONAIS................................................................................................................... 66

TABELA 6 - ORGANIZAÇÃO DAS COMBINAÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DOS ARQUÉTIPOS ............................................................................................................... 67

TABELA 7 - INDICADOR SÍNTESE – POR ARQUÉTIPO E FAIXAS DE VALORES .............................................................................................................................. 68

GRÁFICOS

Gráfico 1 - Brasil: Exportações Mensais 1977-01 A 2005-10 - Milhões de Dólares................................................................................................................................... 05

Gráfico 2 - Brasil: Importações Mensais 1980-01 A 2004-12 - Milhões de Dólares................................................................................................................................... 06

Gráfico 3 - Ondas de Inovação............................................................................................ 74

FIGURAS

Figura 1 - A Economia Circular ........................................................................................... 40

Figura 2 - Etapas de um Processo de Desenvolvimento Endógeno ............................... 45

Figura 3 - Curva de Williamsom .......................................................................................... 54

Figura 4 - Municípios Classificados Segundo o Nível de Desenvolvimento e o Ritmo de Crescimento ...................................................................................................... 62

DIAGRAMAS

Diagrama 1 - Modelos de Crescimento Econômico .......................................................... 02

Diagrama 2 - O Ciclo Vicioso da Destruição de Riqueza .................................................. 07

Diagrama 3 - Instrumentos Econômicos mais Utilizados nos Países com Políticas Ambientais Consolidadas .................................................................................... 91

QUADROS

Quadro 1 - Níveis de Integração: Características Principais............................................ 12

Quadro 2 - Características de uma Economia Tradicional Contrapostas às de uma Economia Moderna – Fundamentos da Competitividade ................................... 19

Quadro 3 - Formas de Capitais Intangíveis Determinantes do Processo de Desenvolvimento Regional.................................................................................................. 44

Quadro 4 - Principais Características do Capitalismo Convencional e do Capitalismo Natural .............................................................................................................. 78

Quadro 5 - Classificação dos Instrumentos de Política Ambiental Baseada na Descentralização e na Flexibilidade da Decisão Individual – Exemplos Gerais .................................................................................................................................... 99

MAPAS

MAPA 1 – Arquétipos de Municípios Deprimidos ............................................................. 70

MAPA 2 – Municípios Economicamente Deprimidos com Baixo Potencial Endógeno .............................................................................................................................. 71

BOXES

BOX 1 – O Que São Arranjos Produtivos Locais? ............................................................ 17

BOX 2 – Perspectivas das Micro, Pequenas e Médias Empresas num Processo de Integração Competitiva.................................................................................. 32

BOX 3 – Eficiência Alocativa dos Impostos Verdes.......................................................... 93

BOX 4 – Principais Características Econômicas das Taxas Ambientais ........................ 96

1

I. MODELO DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E O FUTURO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL-2020

1. Para se definirem diretrizes e metas para o Plano Nacional de Recursos Hídricos

(PNRH), é fundamental que se caracterize, inicialmente, qual modelo de crescimento

econômico terá maiores chances de prevalecer no País, ao longo da vigência do Plano de 2005 a 2020. Este modelo poderá ser determinante para se delimitarem as

pressões que poderão advir sobre a base de recursos naturais das regiões brasileiras, a

inserção de nossa economia na nova divisão internacional do trabalho, os grupos sociais e

os setores produtivos que terão maiores ganhos e perdas, e, particularmente, a escassez

relativa e os usos alternativos dos recursos hídricos do País.

Podemos vislumbrar a alternativa de um modelo de crescimento econômico a ser

considerado no PNRH, a partir do Diagrama 1, proposto por Inácio Rangel. Nele a economia

brasileira é representada, didaticamente, por três estruturas produtivas: a economia de

subsistência, a economia pré-capitalista e a economia capitalista. O Diagrama mostra que,

quando deslocamos verticalmente para cima fatores de produção escassos que têm usos

alternativos, de uma estrutura produtiva para outra, ampliam-se a divisão social do trabalho

e os ganhos de produtividade da economia brasileira. Na economia de subsistência, a

produção se destina para o auto-consumo, com baixo grau de divisão social do trabalho; já

as estruturas pré-capitalista e capitalista se inserem na divisão internacional do trabalho com

elevados ganhos de produtividade total dos fatores, por meio de vantagens comparativas ou

vantagens competitivas.

Se considerarmos o modelo de crescimento primário-exportador, que prevaleceu

dominantemente no Brasil do século XVII até a crise de 29, podemos observar que há várias

possibilidades de realocação de seus fatores de produção, diante de uma crise de

realização no comércio internacional, tais como: uma regressão econômica com a volta dos

fatores para estrutura produtiva de subsistência (por exemplo, após a decadência da

mineração de ouro e diamantes em Minas Gerais, no século XVIII); expansão econômica

decorrente dos deslocamentos dos fatores de produção nas crises de exportação do café

para a substituição de importações, desde o final do século XIX e intensificando-se a partir

da crise de 29; etc.

2

DIAGRAMA 1

Modelos de Crescimento Econômico

Adotamos a hipótese de que, no período do PNRH, deverá prevalecer o aprofundamento do modelo de integração competitiva da economia brasileira que vem se estruturando desde os anos 90, e que, também, tem sido repensado e reformulado à medida que os seus impactos sobre o processo de desenvolvimento sustentável do País vão se configurando com maior nitidez e dramaticidade.

2. A década de 90 foi marcada por grandes transformações econômicas e sociais no

Mundo e no Brasil, as quais iriam demandar uma reestruturação das organizações

produtivas do País e afetar a forma de sua integração no comércio exterior. Algumas destas

transformações são a consolidação de mega-tendências manifestas ainda nas duas

décadas anteriores.

Neste período, ocorreu um avanço do processo de globalização econômica e financeira.

As barreiras econômicas caíram significativamente devido às sucessivas rodadas de

negociações do comércio internacional. Avanços tecnológicos nos sistemas de comunicação

e de transporte reduziram custos de acessibilidade e estimularam fortemente a expansão do

comércio. Uma revolução nos negócios econômicos internacionais ocorreu na medida em

Economia capitalista

Modelo de Integração

Competitiva Modelo de Substituição de

importações

Modelo Primário- Exportado

Ganhos de Produtividade

Regressão Econômica

Economia Pré-capitalista

Economia de subsistência

Mercado interno Setor externo

3

que as empresas multinacionais e os investimentos externos diretos tiveram um impacto

profundo em quase todos os aspectos da economia mundial. A desregulamentação

financeira e a criação de novos instrumentos financeiros, tais como os derivativos, além dos

avanços tecnológicos nas comunicações, contribuíram para a formação de um sistema

financeiro internacional muito mais integrado e, frequentemente, mais instável. Em muitos

aspectos, as transações financeiras internacionais, atualmente, vem superando as

transações de bens e serviços: 1,5 trilhões de dólares de compras e vendas de ativos

financeiros contra apenas 25 bilhões de comércio, por dia. Como muitos destes fluxos

financeiros são de curto prazo, altamente voláteis e especulativos, as finanças

internacionais tornaram-se a dimensão mais instável da economia capitalista globalizada1.

A consolidação da Terceira Revolução Industrial provocou profundas mudanças nas

características dos novos produtos, dos novos processos tecnológicos e das novas técnicas

de gestão, com implicações fundamentais para as estruturas de mercado, os modelos da

organização empresarial e suas tendências locacionais. Entre estas características têm sido

destacadas: a) uma tendência em direção à maior intensidade de informações, em vez da

intensidade em materiais e energia que predomina nos sistemas produtivos tradicionais; b)

uma tendência à maior flexibilidade nos processos de produção, onde eficiência e

produtividade não estão necessariamente vinculadas às economias de escala na produção

em massa; c) uma tendência a um novo conceito de eficiência organizacional, com maior

ênfase à configuração de sistemas do que à automação. A redução do tempo e do espaço,

resultante dos impactos multifacetados da Terceira Revolução Científica e Tecnológica,

ampliou os fluxos de comércio internacional que, conjugados com a maior abertura externa

das economias nacionais, impuseram a necessidade de reestruturação de suas empresas e

de suas organizações para enfrentar os desafios da integração competitiva.

Uma outra grande transformação de natureza institucional, que iria afetar de maneira

marcante os sistemas empresariais em muitos países, foi a redefinição do papel do Estado nas economias de mercado. O fracasso das experiências de sistemas de

comando e controle nas economias socialistas, os resultados ambíguos das estratégias

desenvolvimentistas dos países do Terceiro Mundo e o espetacular desempenho da

economia norte-americana na década de noventa induziram à forte convicção de que a

atuação das livres forças dos mercados poderia equacionar os problemas fundamentais de

uma sociedade moderna. Assim, uma das causas da crise latino-americana nos anos 80,

era atribuída ao excessivo crescimento do Estado que se manifestava pela dimensão

1 Gilpin. R. Global Political Economy – Understanding the International Economic Order. Princeton University Press, 2001. Gilpin, R. The Challenge of Global Capitalism. Princeton University Press, 2000.

4

hipertrofiada do setor produtivo estatal, pela excessiva regulamentação das atividades

econômicas e pelo protecionismo econômico. Recomendava-se, pois, dentro da proposta

doutrinária que se denominou de Consenso de Washington, reduzir o tamanho do Estado e

o grau de sua intervenção na economia: as empresas públicas deveriam ser privatizadas; as

atividades econômicas deveriam ser desregulamentadas; o direito de propriedade deveria

se tornar mais seguro; os investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; o comércio

deveria ser liberalizado e orientado para o exterior. Para restabelecer a "liberdade de

escolha" dos cidadãos, era preciso restringir a participação do Estado na economia à

produção de bens e serviços públicos tradicionais ou Smithianos, e restringir a influência,

sobre o funcionamento das economias de mercado, dos sistemas de planejamento em

adiantada fase de maturação em países e regiões do Continente. Argumentava-se, também,

pelo restabelecimento das forças autônomas de mercado como processo mais eficiente e

justo de distribuição de renda e de riqueza, já que as desvantagens dos pobres nos

mercados políticos, onde se disputam recursos de programas sociais, tendem a tornar-se

tão grandes quanto nos mercados econômicos. No caso latino-americano, esta onda do

neoliberalismo se exprimiu, desde a década passada e, com maior intensidade, num amplo

processo de privatização das empresas estatais, as quais desempenharam um importante

papel na evolução dos processos de substituição de importações, especialmente a partir dos

anos 40, mas que se encontravam restringidas no seu desempenho econômico e financeiro,

pela crise fiscal do seu controlador, pela politização do seu processo decisório e pelas

ambiguidades de sua missão institucional.

As novas idéias que procuram explicar porque alguns países e regiões crescem e se

desenvolvem mais rapidamente do que os demais, enfatizam o conhecimento como um fator de produção separado e a importância de investimentos na criação do conhecimento e nas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento. Pessoas qualificadas

são indispensáveis para descobrir novos conhecimentos, inventar novos produtos e novos

processos tecnológicos, operar e manter equipamentos mais complexos, usar

eficientemente novos produtos e novos processos, etc. O capital humano e as habilidades

de um país ou região determinam o seu crescimento econômico no longo prazo e suas

chances de transformar este crescimento em processos de desenvolvimento. Como as

empresas tendem a subinvestir em Pesquisa e Desenvolvimento, onde os resultados são

apenas parcialmente capturados e apropriados por elas, os governos nacionais e regionais

deveriam tomar medidas apropriadas para superar esta falha de mercado. Com o processo

de globalização econômica e financeira, tornou-se evidente que os diferenciais de

competitividade entre países e regiões dependiam, em grande parte, de quantos recursos

cada um estava propenso a alocar e da eficácia de sua utilização.

5

É evidente que a experiência acumulada de desenvolvimento no Mundo, ao longo dos últimos anos, permitiu que viessem a ocorrer uma avaliação crítica e uma própria reformulação conceitual dos paradigmas da nova ordem econômica internacional. Particularmente no caso brasileiro, estão em questão a proposta neoliberal para o papel da

intervenção do Estado na economia, a forma adotada nos anos 90 de inserção do País nos

blocos regionais de comércio e, principalmente, o abandono das experiências de

planejamento de médio e de longo prazo por meio de uma nova geração de políticas

públicas. De qualquer forma, as grandes transformações dos anos 90 afetaram

profundamente a direção do comércio exterior do Brasil e o modelo de crescimento com

base na integração competitiva. Observa-se, pelos Gráficos 1 e 2, respectivamente, como

tem se ampliado o grau de abertura da economia brasileira nos últimos anos,

particularmente após a desvalorização cambial de 1999 e da marcante presença da China

nos fluxos internacionais de comércio.

GRÁFICO 1

Brasil: Exportações Mensais 1977-01 a 2005-10

Milhões de dólares

6

GRÁFICO 2

Brasil: Importações Mensais 1980-01 a 2004-12

Milhões de dólares

3. No pressuposto de que o modelo de crescimento econômico do País venha a

ocorrer, no período do PNRH, com base no aprofundamento do processo de integração

competitiva do País, há alguns percalços que precisam ser destacados. Em primeiro

lugar, deve-se evitar que nossa pauta de exportações seja fundamentalmente especializada

em bens e serviços intensivos em recursos naturais e mão-de-obra não-qualificada ou semi-

qualificada (especialização reversa). Michael Porter2 tem destacado, em seus estudos

sobre a vantagem competitiva, que os países e regiões, que estruturam as suas economias

na produção de bens e serviços intensivos em fatores básicos (recursos naturais renováveis

e não-renováveis, posição geográfica, mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada,

clima, etc.), são incapazes de gerar os fundamentos de uma competitividade sustentável,

assim como prover de melhores condições de vida os habitantes. A economia destes países

e regiões se caracterizam por: apresentam um ciclo vicioso da destruição da riqueza (ver

Diagrama 2); sofrem, com frequência, um processo de deterioração nas suas relações de

2 Porter, M. E. “Clusters and the New Economics of Competition” in Harvard Bussiness Review, nov./dec. 1998. Haddad, P. R. “Etapas de Organização de um cluster produtivo: uma exposição diagramática” in Cluster – Revista Brasileira de Competitividade. Instituto Metas, ano 2, no. 4, abril/julho de 2002. Sobre a evolução do conceito de clusters, ver Bergman, E. M. and Feser, E. J. “Industrial and Regional Clusters: Concepts and Comparative Applications”. Regional Research Institute, WVU, 1999.

7

troca; se destacam pelos valores baixos de seus indicadores sociais; vêem se ampliar o

número de seus concorrentes em escala global, dadas as facilidades de entrada no

mercado daqueles bens e serviços; não têm condições de sustentar o seu processo de

crescimento no longo prazo. Infelizmente, esta é a situação da grande maioria das

economias urbanas e microrregionais do País, as quais necessitam, urgentemente, de

serem reestruturadas, antes que ocorra um novo choque de integração competitiva a partir

da formação da ALCA nos próximos anos, fragilizando-as ainda mais.

DIAGRAMA 2

O CICLO VICIOSO DA DESTRUIÇÃO DE RIQUEZA

Baixo nível de Desigualdade

Produtividade social

Falta de Estagnação Sustentabilidade Econômica

Fonte: Fairbanks, M. and Lindsay, S. Plowing the Sea – Nurturing the Hidden Sources of Growth in the Developing World, HBS Press 1997.

Os sistemas produtivos intensivos em fatores básicos ou não-especializados enfrentam, pois, os seguintes riscos e ameaças no médio e no longo prazo:

Habilidades Limitadas, Falta

de Inovação

Dependência de Produtos

Commodities

Baixos Níveis de

Remuneração

Qualidade de Vida Decrescente para a Maioria

da População

8

a) mesmo que, no curto prazo, ainda haja atividades dentro dos sistemas que estão

apresentando níveis razoáveis de rentabilidade financeira, a médio e a longo prazo esta

rentabilidade pode estar ameaçada pelas fáceis condições de entrada de novos concorrentes, expandindo a oferta e deprimindo as margens de lucro;

b) a replicabilidade de sistemas produtivos equivalentes em outras regiões do País ou

do exterior é tanto maior quanto mais os fundamentos do sistemas específicos estiverem

alicerçados sobre fatores básicos;

c) o processo de abertura da economia brasileira é irreversível a longo prazo e as suas

implicações (redução dos impostos de importação, desregulamentação do comércio

exterior, etc.) devem provocar um novo choque competitivo para as empresas que

compõem estes sistemas, tornando indispensável um processo de melhorias nas suas

condições de competitividade;

d) por meio de inovações tecnológicas, os países industrializados estão conseguindo

aumentar suas possibilidades de substituição dos produtos intensivos em fatores básicos

(fibras sintéticas versus fibras naturais; novos materiais versus materiais tradicionais;

etc.), encolhendo ainda mais os mercados destes produtos tradicionais;

e) por meio de novas técnicas de gestão e de novos processos produtivos, é

crescente a economia de insumos e fatores básicos (redução nos coeficientes técnicos

de produção) nos processos de transformação industrial mais avançada.

Particularmente, as economias das microrregiões e localidades do Brasil, que estão

fundamentadas em sua dotação de recursos naturais renováveis e não-renováveis, sofrerão

de forma mais acentuada estes riscos e ameaças. No médio prazo, a dotação de recursos

naturais corresponde simplesmente ao estoque destes recursos que são requeridos, em

algum grau significativo, pela economia nacional para atender às demandas interna e

externa. À medida que os requisitos da economia se modificam no longo prazo, a

composição e a dimensão do estoque se alteram e, nesse sentido, o significado do que seja

“a dotação de recursos” de uma região (microrregião ou localidade) muda com a dinâmica

do crescimento econômico, ou seja, com os determinantes da demanda final (preferências

dos consumidores, distribuição de renda, comércio exterior), com as condições tecnológicas

de produção (surgimento de novos produtos e novos processos), com a organização do

sistema produtivo e de seu arcabouço político-institucional (legislação ambiental, normas de

segurança, etc.).

9

Em geral, quando se pretende definir quais são as potencialidades de crescimento

econômico de uma região a partir da sua dotação de recursos naturais, é preciso estar

ciente de que o conceito de potencialidade de recursos é econômico e não físico. Ou seja, o

valor de um recurso natural não é intrínseco ao material, mas depende da estrutura da

demanda, dos custos relativos de produção, dos custos de transporte, das inovações

tecnológicas que sejam comercialmente adotadas, etc.

A questão dos custos relativos é crítica: uma oportunidade favorável em alguma localidade

ou região pode não ser explorada devidamente por causa da existência de uma melhor

oportunidade em outra localidade ou região. Portanto, a incorporação das noções de custo

de oportunidade e de concorrência são importantes para a melhor compreensão do conceito

de competitividade interregional3.

Da mesma forma que a abundância de recursos naturais pode não desencadear um

processo de crescimento de uma região ou localidade e ampliar sua capacidade de exportar

em escala global, a abundante oferta de mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada

pode também ser insuficiente para promover este processo. Muitas vezes, pensa-se que

salários nominais relativamente menores, em regiões ou localidades de um país, possam

ser necessários e suficientes para atrair investimentos intensivos de mão-de-obra,

estabelecendo-se uma confusão entre preço da mão-de-obra (pagamento realizado) e custo

da mão-de-obra (pagamento realizado dividido pela produção efetivada).

Os empresários preferem localizar seus empreendimentos em países e regiões onde a

rentabilidade dos investimentos seja maior. Quanto menor o salário-eficiência (índice de

crescimento dos salários nominais dividido pelo índice de crescimento da produtividade),

maior a capacidade competitiva da região e maior também o crescimento da produção

regional. Como o crescimento dos níveis de salários nominais (entre trabalhadores

desempenhando a mesma função) tenderia a ser praticamente igual em todas as regiões,

tendo em vista a grande mobilidade deste entre as regiões abertas de uma economia

nacional, os salários de eficiência tenderão a cair nas regiões (e nas indústrias particulares

das regiões), nas quais a produtividade cresce mais rapidamente do que a média nacional4.

Assim, a abundância de fatores básicos não é capaz por si só de alavancar um processo de desenvolvimento sustentável nos sistemas e arranjos produtivos locais.

3 Haddad, P. R. “A Concepção de Desenvolvimento Regional” in A Competitividade do Agronegócio e o Desenvolvimento Regional no Brasil – Estudos de Clusters, Haddad, P. R. (org.) CNPq/EMBRAPA, 1999. 4 Kaldor, N. “The Case for Regional Policies”, in Scotish Journal of Political Economy, nov., 1970. Azzoni, C. R. Indústria e Reversão da Polarização no Brasil. FIPE/USP, 1986.

10

Somente o progresso científico e tecnológico, por meio das inovações de novos produtos, de novos processos e de novas técnicas de gestão, poderá permitir que venha a ocorrer o crescimento econômico com equidade social e sustentabilidade ambiental, por meio do adensamento das cadeias de valor, pela capacidade de diferenciação de produtos de difícil replicabilidade, pela redução do salário-eficiência, pela melhoria da produtividade dos recursos naturais, etc.

4. Um segundo percalço em relação ao modelo de integração competitiva se refere à inserção do País nos blocos regionais de comércio. A primeira grande experiência de

participação de um bloco regional de comércio para o Brasil se deu a partir do MERCOSUL.

Desde a sua institucionalização em dezembro de 1994, na reunião de Ouro Preto, o

MERCOSUL sofreu três grandes crises, após quase cinco anos de sucesso econômico. A

primeira crise ocorreu com a desvalorização do real em janeiro de 1999. Até então, a

economia da Argentina conseguiu significativos superávits nas suas relações comerciais

com o Brasil, graças à persistente valorização do real no período de 1995 a 1998. Estes

superávits comerciais permitiram contrabalançar as crescentes dificuldades que a Argentina

apresentava no comércio com os EE.UU., a União Européia e o Sudeste Asiático, por causa

do baixo nível de competitividade de seus principais setores produtivos.

A desvalorização do real inverteu a direção dos fluxos de comércio entre o Brasil e a

Argentina, com o crescimento das exportações brasileiras para o país vizinho. A essa perda

de um ponderável superávit comercial por parte da Argentina, somaram-se outros

problemas: a queda na entrada de capitais de privatização; a deterioração nos termos de

intercâmbio; a desconfiança quanto à sustentabilidade do Plano de Conversibilidade

(paridade fixa entre o peso e dólar, com livre conversibilidade), num ambiente de

instabilidade política naquele país.

A segunda crise do MERCOSUL surgiu quando se caracterizou uma recessão econômica

mundial, a partir do segundo semestre de 2000. Os principais mercados externos dos países

do MERCOSUL se contraíram de forma sincronizada, afetando não só as suas exportações,

mas também a disponibilidade de financiamentos e de créditos. Como as economias dos

quatro países da união alfandegária do Cone Sul haviam aberto suas economias nos anos

90 e se integrado no processo de globalização econômica e financeira, os impactos que

sofreram, principalmente depois dos eventos de 11 de setembro, foram muito profundos em

termos de sua capacidade de gerar renda e emprego.

11

Finalmente, a terceira crise, que mal se inicia, está relacionada com a nova postura

protecionista da atual administração dos EE.UU., a qual, para cumprir compromissos de

campanha eleitoral, não demonstra nenhum escrúpulo doutrinário em defender da

concorrência internacional alguns dos seus setores produtivos obsoletos (como a agricultura

e a siderurgia) que não têm condições de competitividade sistêmica numa economia

globalizada.

Neste contexto, em que a economia argentina continua com os seus fundamentos

desestruturados, a economia mundial ainda não apresenta perspectivas de crescimento

sustentado e o protecionismo cresce nos EE.UU., é muito difícil vislumbrar perspectivas

favoráveis para a reintegração e a consolidação do MERCOSUL no curto prazo.

Na verdade, o protecionismo continua sendo praticado de forma indiscriminada (inclusive,

recentemente, dentro do próprio MERCOSUL) mesmo depois da criação da Organização

Mundial de Comércio (OMC) que pretende ter “a responsabilidade principal para facilitar a

cooperação econômica internacional na liberalização do comércio e equacionar os inúmeros

detalhes omitidos no Tratado do Uruguai”. Estudo recente do FMI5 mostra que o

protecionismo utiliza, basicamente, duas alternativas distintas, dependendo do nível de

renda do país: a) taxa média de tarifas imposta pelo país importador; b) taxa de cobertura

média das barreiras não-tarifárias. O estudo concluiu que:

• quanto mais rico o país, menor é a taxa média de tarifas à importação e maior a taxa de

cobertura média das barreiras não-tarifárias;

• na lista das barreiras sofridas pelos exportadores, os EE.UU. surgem como o país

industrializado menos afetado pela imposição de barreiras de outros países;

• o estudo argumenta que a implementação de barreiras não-tarifárias requer

normalmente alto custo administrativo e isso leva os países pobres a tender para as

tarifas não apenas como forma de proteção à indústria local, mas também como fonte de

receita para as finanças públicas.

No processo de planejamento estratégico das empresas exportadoras, uma das questões mais relevantes é a compreensão das diversas etapas de formação da ALCA, visando a definir uma posição negocial de seus legítimos interesses

5 Qing Wang “Import – Reducing Effect of Trade Barriers: a Cross-Country Investigation”, IMF, Working Paper, dec. 2001.

12

organizacionais. Quando da organização do MERCOSUL, esta definição era relativamente

menos importante por causa da condição de economia dominante que o Brasil ostentava

dentro da União Alfandegária. Na ALCA, a situação é totalmente diferente, a competição a

ser enfrentada será mais poderosa, e as empresas devem estar atentas aos seus ganhos e

perdas a partir das formação de uma nova área de livre comércio nas Américas. De início, é

importante caracterizar os diversos níveis de integração econômica entre países para situar

o escopo da ALCA (ver Quadro 1).

QUADRO 1 Níveis de Integração: Características Principais

Nível de Integração Características Principais

1. Área de Preferência Tarifária • Os países membros tributam a totalidade ou parte do comércio recíproco, com alíquotas ou impostos de importação inferiores aos que incidem sobre os bens e serviços provenientes de terceiros países.

2. Área ou zona de Livre Comércio • Os países membros eliminam todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio recíproco.

3. União Aduaneira • Além do livre comércio entre os países membros, inclui a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC) frente a terceiros países.

4. Mercado Comum • É uma União Aduaneira a que se agregam a livre mobilidade dos fatores produtivos entre os países membros e a adoção de uma política comercial comum; contempla a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os países membros; pode, ademais, requerer a harmonização das legislações nacionais.

5. União Econômica • Agrega às características do Mercado Comum, a adoção de uma moeda comum e políticas macroeconômicas, setoriais e sociais também comuns.

O Governo brasileiro, desde 1994, quando ocorreu a primeira reunião envolvendo 34 países

para a formação da ALCA, vem defendendo os seguintes princípios que atendem os

interesses do País e os do MERCOSUL:

• a eliminação das barreiras tarifárias e a transformação de todas as tarifas específicas em

tarifas ad valorem;

• o efetivo acesso a mercados por meio da redução progressiva e consistente das

barreiras não-tarifárias (cotas, medidas fitossanitárias, etc);

13

• o disciplinamento de medidas de defesa comercial (salvaguardas, anti-dumping, etc),

incidindo sobre as exportações do setor agrícola e de ramos tradicionalmente sujeitos ao

protecionismo seletivo (produtos siderúrgicos, calçados, etc);

• o entendimento preciso quanto à não-utilização de mecanismos que prevejam sanções

comerciais unilaterais;

• a eliminação de instrumentos distorcivos do comércio (por exemplo, as subvenções às

exportações) e disciplinamento dos subsídios internos que incidem sobre a formação de

preços nos mercados interno e externo;

• a sintonia das negociações da ALCA com as da OMC, de forma a ajustar os avanços

alcançados no âmbito hemisférico aos esforços que serão empreendidos nos

entendimentos multilaterais.

Entretanto, é preciso ressaltar que as decisões dos governos participantes da ALCA se

processam a partir de argumentos globais que levam em consideração não o enfoque de

produto a produto (a menos da composição da lista de exceções para tratamento tarifário

diferenciado), mas a avaliação dos custos e benefícios para o conjunto da sociedade. Em

estudo recente do BID6, observa-se que a década de 90 foi abundante em iniciativas de

integração na América Latina, com mais de 14 acordos de áreas livres de comércio e uniões

alfandegárias. Porque os países buscam se inserir nestes processos de integração

regional? O estudo do BID aponta, entre outros, os seguintes custos e benefícios da integração regional:

a. Benefícios

• países com uma história de relações conflitivas estão utilizando a integração econômica

numa perspectiva política, com o propósito comum de se aproximarem num clima de paz

e de prosperidade;

• a liberalização tarifária amplia os ganhos de comércio, estimula o processo de

modernização dos sistemas produtivos dos países membros (novos produtos, novos

processos e novas técnicas de gestão) e promove as especializações competitivas por

6 Robert Devlin e Ricardo French – Davis – Towards an Evaluation of Regional Integration in Latin America in the 1990’s, BID, 2004.

14

meio da expansão do mercado de empresas que podem usufruir de economias de

escala, de escopo e de aglomeração;

• a curva de aprendizagem com as experiências de exportações intra-bloco serve de

plataforma para novas exportações internacionais extra-bloco;

• a criação de um acesso seguro ao mercado do bloco regional de comércio e de

preferências recíprocas induz novos investimentos domésticos e permite melhores

condições para atrair capitais de risco multinacionais; etc.

b. Custos

• a integração é benéfica somente quando implica um movimento para maior liberdade de

comércio; ou seja, se os efeitos de criação de comércio (deslocamentos na direção de

fontes de custos menores) são superiores às de reorientação de comércio

(deslocamentos na direção de fontes de oferta mais onerosas);

• quando há assimetrias muito acentuadas nas tarifas médias entre os eventuais parceiros

da união alfandegária, as perdas de receitas tarifárias, no processo de liberalização

preferencial, podem ocorrer com sérios efeitos redistributivos entre os países;

• nos esquemas de integração regional, os benefícios são, frequentemente, distribuídos

de forma assimétrica e, na fase inicial, concentrados em alguns países membros,

ficando os demais na dependência de efeitos de transbordamento incertos e erráticos

(spillover effects), etc.

A avaliação final dos custos e benefícios de um processo de integração regional é muito difícil, uma vez que este processo é, ao mesmo tempo, dinâmico e interdependente, em suas várias etapas. Entretanto, no caso específico da ALCA, é evidente que se o Brasil se tornar um país membro, teremos ganhos e perdas; mas que só haverá perdas, se estivermos ausentes deste novo bloco regional de comércio. Entretanto, se prevalecerem as atuais tendências de protecionismo dos EE.UU. a setores produtivos não-competitivos de sua economia, certamente os benefícios líquidos para o Brasil serão negativos e desfavoráveis ao interesse nacional.

15

5. Finalmente, um terceiro percalço sobre as perspectivas de um modelo de integração

competitiva se relaciona à posição relativa das empresas brasileiras no cenário mundial. A questão da competitividade das empresas brasileiras, num ambiente de uma economia

mais aberta, mais desregulamentada, mais privatizada, mas ainda com custos

macroeconômicos muito elevados, faz com que as organizações produtivas tenham que dar

particular atenção aos fatores da gestão microeconômica, os quais poderão contribuir,

eventualmente, para atenuar o seu hiato competitivo em escala global.

As condições gerais de competitividade das organizações produtivas brasileiras serão

função de diversos fatores ligados aos custos operacionais das suas unidades produtivas,

aos custos de transferência de insumos e produtos a partir do País e em direção ao País, à

estrutura e à dinâmica dos mercados em que competem, etc. Assim, é sempre possível às

instituições brasileiras atuarem sobre o dinamismo de sua base produtiva através de ações

planejadas, visando a melhorar o seu sistema de transportes e de comunicação, a incentivar

a produtividade dos fatores nas unidades produtivas, a facilitar a introdução de inovações

tecnológicas nos arranjos produtivos locais (ver Box 1), a ampliar a disponibilidade de

fatores de produção na quantidade e na qualidade exigidas, etc.

Estas transformações produtivas visam à reestruturação dos sistemas produtivos do País e

à implantação de projetos de investimentos baseados em vantagens competitivas

dinâmicas, as quais se distinguem das vantagens competitivas espúrias (aquelas que

dependem essencialmente de incentivos fiscais e financeiros permanentes, da

sobreexploração da mão-de-obra, da informalidade econômica, etc.) que não se sustentam

a longo prazo, numa economia cada vez mais exposta a um processo de globalização.

Estas transformações devem estar articuladas com a equidade social e com a

sustentabilidade ambiental para evitar que o processo de crescimento econômico ocorra de

forma predatória sobre o ecossistema regional, comprometendo o desenvolvimento das

futuras gerações, e que exclua de seus resultados segmentos significativos da sociedade

regional, ampliando as desigualdades sociais e a degradação cultural.

A crescente integração competitiva da economia brasileira nos fluxos internacionais de

bens, serviços e capitais vem trazendo problemas para algumas atividades econômicas

localizadas em áreas específicas do País, atraídas por um amplo e diversificado sistema de

incentivos fiscais e financeiros por diferentes razões, entre as quais se destacam:

16

a) com a rápida redução das tarifas alfandegárias e das barreiras não-tarifárias, este

sistema está definitivamente comprometido como mecanismo eficaz de promoção do

desenvolvimento de áreas de livre comércio e de zonas francas;

b) a diminuição dos custos fiscais como fator adicional de atração locacional de

empreendimentos industriais para estas áreas e zonas deixa de ser relevante, quando as

mais diversas formas de incentivos fiscais, articuladas com processos de promoção

industrial, vão se generalizando entre diferentes Regiões, Estados e Municípios do País;

esta tendência à ubiquidade acaba simplesmente gerando prejuízos fiscais entre todas as

Unidades da Federação;

17

BOX 1 O QUE SÃO ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS?

Não é recente a preocupação dos formuladores e executores de políticas públicas de desenvolvimento regional e local em encontrar mecanismos e instrumentos eficazes para estimular o crescimento econômico dos municípios ou aglomerados de municípios. Entre as modernas alternativas propostas como base analítica para a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para dinamizar o crescimento da renda e do emprego em localidades e regiões, está a formação de Arranjos Produtivos Locais, particularmente onde haja arranjos produtivos potenciais com elevado grau de concentração de micro, pequenos e médios empreendimentos especializados. Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) consistem de indústrias e instituições que têm ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto verticalmente. Usualmente, a organização de um APL inclui: empresas de produção especializada; empresas fornecedoras; empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisas; instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise de APLs focaliza os insumos críticos, num sentido geral, que as empresas geradoras de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente competitivas. A essência da organização de APLs é a criação de capacidades especializadas dentro de municípios e regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. O conceito de APL vem sendo adotado crescentemente em projetos de promoção de renda e emprego, em programas de desenvolvimento local integrado sustentável (DLIs). Este conceito tal como vem sendo adotado pelo SEBRAE, ADENE/PNUD, FIEMG, entre outras instituições brasileiras, pretende se aproximar mais do conceito de distrito industrial italiano: “um grupo de empresas altamente concentradas geograficamente que, direta ou indiretamente, trabalham para o mesmo mercado final; que compartilham valores e conhecimentos de forma tão intensa que definem um ambiente cultural; e que são especificamente interligadas num conjunto complexo de concorrência e cooperação, sendo que a fonte principal de competitividade são os elementos de confiança, solidariedade e cooperação entre as empresas, resultante de estreitas interdependências de relações econômicas, sociais e comunitárias”. A construção de um APL dentro deste sentido se baseia, fundamentalmente, na capacidade de operacionalizar um modelo de desenvolvimento endógeno a nível local ou microrregional (aglomerados urbanos) de forma sustentável. Assim, o conceito de APL pressupõe “constelações de micro, pequenas e médias empresas autônomas de base local que conseguem desenvolver formas cooperativas de produção altamente flexíveis, inovadoras e competitivas, com capacidade de penetração nos grandes mercados internacionais”. A metodologia de promoção e consolidação de APLs pode se transformar em instrumento inovador do desenvolvimento sustentável a nível regional ou local, desde que se dê ao conceito de APL uma perspectiva mais abrangente do que um mero ciclo de expansão econômica não sustentável. Estão em andamento no Brasil, mais de 200 experiências de promoção e desenvolvimento de APLs. Em primeiro lugar, não faz sentido se falar de um APL sem contextualizá-lo espacialmente, em termos dos municípios ou das regiões em que se localizam, por causa do nível organizacional dos produtores, da qualidade da mão-de-obra, da logística de transporte, dos indicadores de desenvolvimento sustentável, dos insumos de conhecimentos científicos e tecnológicos, etc. Neste sentido, um APL não será competitivo, se a região ou a localidade onde opera não for igualmente competitiva em termos da qualidade de sua infra-estrutura econômica, social e político-institucional. Um APL, embora tenha um núcleo de atividades-chave orientadas para as exportações interregionais e internacionais, depende, para ser competitivo em escala global, de uma articulação com serviços de suporte empresarial (serviços de informática, de manutenção de equipamentos, de testes de qualidade, etc.) e de atividades para o suprimento à jusante e para o beneficiamento à montante da cadeia produtiva. Neste sentido, as empresas-núcleo de um APL não serão competitivas, se todo o conjunto do APL não for também competitivo. O sucesso de um APL depende de uma boa gestão das externalidades e das economias de aglomeração. Não há sustentabilidade de um APL, se a forma como se relaciona com a natureza (o contrato natural) levar a um uso da base local ou regional de recursos renováveis e não-renováveis que venha a comprometer os níveis de produtividade econômica e de bem-estar social das futuras gerações. Da mesma forma, não há sustentabilidade de um APL se a forma como se relaciona com a sociedade local e regional onde se insere (o contrato social) criar deseconomias sociais de aglomeração (poluição, congestionamento) que afetem adversamente as condições de vida dos habitantes em seu entorno de influência direta e indireta. Neste sentido, um APL poderá se tornar autofágico, se não souber lidar civilizadamente com as relações comunitárias e as relações ambientais em sua área de influência. A concepção de um APL é essencialmente holística, envolvendo um processo de desenvolvimento integrado de um conjunto de atividades produtivas interdependentes, tecnologicamente e espacialmente. Entretanto, a organização de um APL não deve se transformar num convite ou numa tentação de se formar uma autarquia regional ou local. Por ser composto por diferentes segmentos produtivos com escalas ótimas de produção muito diversificadas, um APL não pode abranger todo o conjunto de atividades num mesmo espaço relevante, particularmente quando se consideram as possibilidades de suprimento e de beneficiamento em escala internacional. Neste sentido, um APL tem que priorizar a sua competitividade dinâmica, mesmo que venha a contrariar interesses mais imediatos, legítimos ou velados, de municípios e regiões onde se localiza. A análise da competitividade dinâmica é, essencialmente, a busca de excelência que permita ampliar o efeito diferencial de uma organização, de um setor produtivo e de uma região ou município, independentemente de se estar operando com atividades de crescimento mais lento ou mais dinâmico em escala nacional ou internacional. É evidente que um sistema de incentivos fiscais e financeiros bem orientado poderá contribuir seletivamente para que se acelere, em situações específicas, o avanço da competitividade, particularmente quando se trata do progresso tecnológico. Mas, os fundamentos da competitividade moderna estão no desenvolvimento científico e tecnológico incorporado nas organizações públicas e privadas. Neste sentido, a sustentabilidade de um APL tem muito mais a ver com a qualidade do capital humano e intelectual que comanda cada uma das suas atividades, do que com eventos efêmeros de natureza macroeconômica (apreciação ou desvalorização cambial) ou de políticas regionais (sistemas de incentivos em regime de guerra fiscal), que podem gerar competitividades espúrias.

18

c) baseando-se em observações sobre as experiências recentes de desenvolvimento

regional na América Latina, existem grandes dúvidas sobre a capacidade das atividades

econômicas, que se dirigem a uma região para apenas se beneficiar de regimes especiais

de isenções tarifárias e desonerações tributárias, em criar "estados de desenvolvimento"

para a sua população residente.

Para expandir sua capacidade de exportação, num contexto de integração competitiva, as organizações empresariais brasileiras estão sendo afetadas por três processos econômicos de grande expressão, desde o início dos anos 90:

a) a abertura da economia brasileira vem ocorrendo de forma muito rápida, sem que as

políticas públicas tenham consolidado mecanismos de apoio científico-tecnológico, de

financiamentos adequados e de proteção anti-dumping, a fim de dar às empresas nacionais

condições de competição equivalentes às de seus novos concorrentes do exterior;

b) a redução do custo-Brasil se processa lentamente, em particular no que se refere às

reformas institucionais do sistema tributário, do sistema previdenciário e das infra-estruturas

especializadas, dificultando a competitividade global das empresas brasileiras;

c) os padrões culturais de gestão empresarial, adotados durante mais de cinco décadas de

intenso protecionismo de nossa economia, vêm se transformando, embora com grandes

resistências, especialmente por parte das pequenas e médias empresas não vinculadas às

cadeias produtivas em que ocorre a função coordenadora de uma empresa-âncora.

Todas estas dificuldades poderiam ser melhor superadas se o País estivesse vivenciando

um ciclo de expansão econômica após a conquista da estabilidade pós-Plano Real, o que

lhes daria maior flexibilidade adaptativa. Entretanto, para enfrentar a vulnerabilidade externa

em diferentes crises a partir de 1995, têm sido adotados, no Brasil, políticas monetárias

restritivas, as quais, por elevar recorrentemente as taxas de juros reais a patamares

inusitados, inibem o processo de crescimento sustentado, induzem movimentos de stop and

go nos ciclos de negócios e provocam um clima de incertezas crescentes entre os que

necessitam tomar decisões de médio e de longo prazos como as de escala e localização de

seus investimentos. Assim, a taxa média de crescimento anual do PIB, durante o Plano

Real, foi de 2,4%, pouco acima da taxa de crescimento da população brasileira, de 1,6% ao

ano.

19

As conclusões gerais de Michael Porter sobre a competitividade sistêmica de um país ou região são as de que: a) a competitividade não pode ser vista como um fenômeno macroeconômico, impulsionado por variáveis como taxas de câmbio, taxas de juros e déficits governamentais; b) a competitividade não é função de mão-de-obra barata ou de recursos naturais abundantes; c) as empresas de uma região ou de um país não terão êxito se não basearem suas estratégias no progresso e na inovação, numa disposição de competir, no conhecimento realista de seu ambiente nacional/regional/local e de como melhorá-lo; d) as empresas bem-sucedidas concentram-se, com frequência, em determinadas cidades, aglomerados urbanos ou estados dentro de um país; e) o processo de globalização das economias nacionais não exclui a importância das localidades que proporcionam um ambiente fértil para as empresas de indústrias específicas. Na verdade, se desejarmos expandir a capacidade de exportação da economia brasileira, é indispensável que observemos quais são os fundamentos da competitividade, visando a reestruturar os nossos sistemas produtivos, migrando-os de economias tradicionais para economias modernas (ver Quadro 2).

QUADRO 2 Características de Uma Economia Tradicional Contrapostas às de Uma Economia

Moderna – Fundamentos da Competitividade Fundamentos da Competitividade

Economia Tradicional Economia Moderna • excesso de confiança em fatores básicos; o sucesso baseado

em vantagens comparativas, tais como: recursos naturais abundantes, posição geográfica, mão-de-obra de baixo custo, etc., não é sustentável; essas vantagens são facilmente replicáveis e, por isso, insuficientes para criar um padrão de vida elevado para a maioria da população local;

• reduzida cooperação inter-firmas; ausência de relações estreitas de parceria nos processos de inovação e de aperfeiçoamento;

• limitado conhecimento sobre os clientes; ausência de pesquisas de mercado, sem identificar as demandas que podem atender;

• fracasso na integração à montante; distância em relação aos usuários finais;

• paternalismo governamental; transferência para o governo do poder de tomar decisões complexas sobre o futuro das empresas;

• limitado conhecimento sobre a posição relativa; incapacidade de determinar o nível de competitividade em relação aos concorrentes;

• atitude defensiva; quando uma indústria ou setor apresenta resultados negativos, os líderes dos setores públicos e privados tendem a culpar uns aos outros pelo fracasso.

• Ações estratégicas são indispensáveis para o sucesso das empresas;

• custos e diferenciação; custos baixos e produtos diferenciados permitem comandar um prêmio sobre os preços dos produtos;

• escolha de escopo: 1. Vertical em termos de sistemas de distribuição que criam valor econômico para os produtos; 2. Segmentos mais sofisticados de mercado; 3. espaços geográficos mais amplos;

• escolha de tecnologia e vantagem competitiva sustentável; a tecnologia somente é desejável para uma empresa se: 1. Cria uma vantagem competitiva sustentável; 2. Desloca custos a seu favor; 3. Traz vantagens de pioneirismo; 3. Melhora o conjunto da estrutura industrial.

• modelos mentais e aprendizado ao nível da firma; sistemas de crenças que contribuem para melhor criar e distribuir a riqueza.

Fonte: M. Fairbanks e S. Lindsay. Plowing The Sea - Nurturing the Hidden Sources of Growth in the Developing World. HBS Press, 1997 (há tradução em português). Monitor do Brasil – Aumentando a Competitividade do Nordeste Brasileiro. São Paulo, 2000.

20

II. UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO ECONÔMICA NO PERÍODO 2005-2020

6. A grande dificuldade que se apresenta para a formulação das mega-tendências da

economia brasileira, até o ano de 2020, é a de articular os objetivos das políticas de estabilização no curto prazo com as políticas de desenvolvimento no longo prazo. Esta questão inclui, de um lado, a consolidação do ajuste fiscal e financeiro, e, do outro

lado, a superação do atual quadro de desigualdades sociais e regionais, por meio de

políticas públicas que promovam o crescimento econômico, com equidade e

sustentabilidade ambiental. Somente assim teremos condições de vislumbrar as trajetórias

de desenvolvimento do País, no período 2005-2020.

O papel do tempo na análise dos problemas econômicos sempre foi uma questão

controversa. Em 1923, Keynes, o principal economista do século XX, procurava estabelecer

uma noção clara do que seria o curto prazo. Para ele, no curto prazo, há um passado que já

transcorreu e trouxe, para o presente, a acumulação de um estoque de capital físico

(fábricas, áreas agricultáveis, infra-estrutura econômica e social), um dado perfil de

distribuição de renda e de riqueza, uma força de trabalho com diferentes qualificações, os

fundamentos das instituições políticas e sociais.

Políticas econômicas de curto prazo, que lidam com problemas de inflação, de flutuações

nos níveis de emprego ou de geração de renda, têm de ser operadas dentro das restrições

impostas por um tempo histórico e irreversível. É indispensável tomar estas restrições e

condicionalidades como ponto de partida. Se, nos momentos tumultuados do presente,

quisermos resolver graves questões econômicas com orientações estratégicas, que

somente são eficazes no longo prazo, as políticas econômicas podem fracassar. Assim,

como dizia Keynes, no longo prazo poderemos estar todos mortos7.

Keynes, com esta afirmação, estava simplesmente lembrando que os economistas podem

tornar sua vida mais fácil se, em momentos de tempestades, se limitarem a apontar

caminhos de tranqüilidade que estão além dos mares revoltos, sem demonstrar, contudo,

como é possível atravessar o quadro das dificuldades presentes, preservando as conquistas

realizadas.

7 Beaud, M. and Dostaler, G. Economic Thought Since Keynes. Routledge, New York, 1997. Keynes, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Abril Cultural, São Paulo, 1983 (especialmente o Livro Sexto).

21

Por outro lado, uma sociedade, mesmo em regime de inflação renitente e de inconsistências

macroeconômicas, não pode considerar as políticas de médio e de longo prazo como

supérfluas e residuais; da mesma forma, uma sociedade em regime de rigoroso ajuste fiscal

e financeiro, não pode deixar que as soluções dos problemas de estrutura (os de médio e de

longo prazo) fiquem cronologicamente condicionadas pelas soluções dos problemas de

conjuntura (os de curto prazo).

No caso brasileiro, esta querela perdeu o seu significado ao longo das duas últimas

décadas, quando vivenciamos uma seqüência interminável de políticas de curto prazo,

buscando realizar mais de uma dezena de programas de estabilização monetária dentro das

mais diversas orientações conceituais e processuais, com o abandono de uma perspectiva

de longo prazo para o País. Ocorre, contudo, que esta seqüência de políticas de curto prazo

acaba por gerar efeitos não previstos ou indesejados sobre as questões de médio e de

longo prazo. Por exemplo: políticas monetárias recorrentemente restritivas, além de

impactar negativamente o ritmo e a estabilidade do crescimento econômico, afetam a

distribuição funcional da renda em benefício dos rentistas (ver Tabela 1); reformas

administrativas realizadas com o objetivo principal de cortes nos gastos públicos levam à

perda de eficiência e de eficácia na administração dos três níveis de governo; etc. De ajuste

em ajuste, o que se pensava ser tão somente políticas explícitas de curto prazo foi se

tornando políticas implícitas de médio e de longo prazo.

22

TABELA 1

Brasil: Taxa Over/Selic – 2003 a 2005-09

Taxa de juros - Over/Selic

Taxa anualizada

2003 2004 2005 T1 2005 T2 2005 T3 2005 M07 2005 M08 2005 M09

23,35 16,25 17,83 19,56 20,37 19,72 21,84 19,56

IPCA

Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA)

Taxa de inflação anualizada

2003 2004 2005 T1 2005 T2 2005 T32005

M07

2005

M08

2005

M09

9,30 7,60 7,36 5,48 3,12 3,04 2,06 4,28

Fonte: IPEADATA; a comparação das duas séries permite vislumbrar a grandiosidade das taxas de juros em termos reais; atualmente, esta taxa é superior a 14%, bem superior à dos países emergentes que está em torno de 2% e à dos países da OCDE que é inferior a 1% ao ano.

7. A economia brasileira, após uma sensível queda no PIB per capita em 2003, cresceu

significativamente em 2004 e volta a desacelerar em 2005. Os fatores que estimularam este

crescimento têm sido amplamente analisados: redução da taxa de inflação para um nível em

torno de 6%, a melhoria das condições de competitividade global de um grande número de

segmentos produtivos, a persistência de um ambiente de responsabilidade fiscal, a maior

confiança da comunidade financeira nos rumos da política econômica, e, principalmente, um

ciclo de crescimento da economia mundial que vem se prolongando favoravelmente ao

nosso País. A questão básica que se coloca é a de se saber qual o grau de sustentabilidade da volta do crescimento econômico do País no longo prazo.

Sabe-se que as economias capitalistas ocidentais têm duas características básicas. De um

lado, sofrem flutuações cíclicas persistentes, numa seqüência quase interminável de

elevações e quedas nas taxas de crescimento dos níveis de produção de curto prazo. E

estas flutuações ao longo do ciclo econômico são tão mais intensas quanto maior for o grau

23

de incertezas prevalecentes nas economias e quanto maior o grau de fragilidade de seus

fundamentos.

Por outro lado, estes ciclos ocorrem no contexto de uma tendência de crescimento

econômico no longo prazo, o qual é quase sempre lento mas recorrente. O crescimento

econômico é, de fato, a característica mais marcante do capitalismo observada em séries

históricas do PIB de diversos países.

Assim, este jogo de influências recíprocas, de ciclos econômicos instáveis por natureza e de

uma tendência marcante de crescimento nas economias capitalistas, dificulta ao observador

definir do que se trata quando uma economia, como a brasileira, retoma taxas positivas de

expansão em 2004 após um período recessivo e de ajustes fiscais e financeiros para

controlar a ameaça de um vigoroso repique inflacionário na virada de 2002 para 2003.

Apesar destas dificuldades, é possível fazer alguns registros sobre as taxas de crescimento

da produção que recomeçam a ocorrer atualmente no Brasil.

Em primeiro lugar, não se trata ainda de sinais positivos de que está se iniciando um ciclo

de expansão duradoura de nossa economia. Um ciclo de expansão se caracteriza, em

geral, por um período relativamente longo (em torno de uma década) de crescimento

ininterrupto, com elevadas taxas de expansão global e setorial da economia. É precedido de

um conjunto de reformas econômicas e institucionais que viabilizam, por meio de elevadas

taxas de investimento, a eliminação de pontos de estrangulamento que constituem óbices à

mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e socioambiental. No

Brasil, no período que se estende a partir da II Grande Guerra, tivemos apenas dois ciclos

de expansão: o ciclo de 1955 a 1961 dos anos JK e o longo ciclo do “milagre econômico” de

1967 a 1979. Os demais períodos de crescimento econômico se caracterizaram por sua

volatilidade, disritmia e instabilidade, no estilo típico do stop and go, como vem ocorrendo

nas duas últimas décadas, e, até mesmo, no período pós-Plano Real.

Na atual situação do País, há ainda muitas dificuldades a serem vencidas antes de se

configurar o terceiro ciclo de expansão do pós-Guerra: a péssima qualidade de nossa

infra-estrutura econômica, o subinvestimento em ciência e tecnologia, a existência de uma

agenda de reformas institucionais a ser implementada, etc. Podem se atribuir as principais

incertezas e restrições para iniciarmos um ciclo de crescimento sustentado à falta de

instrumentos político-institucionais para que o Brasil disponha, duradouramente, de maior

flexibilidade e eficácia na gestão dos gastos públicos; de um efetivo sistema tributário pró-

crescimento e pró-integração competitiva; de um equilíbrio atuarial consistente das contas

24

previdenciárias; de maior controle sobre os níveis de ineficiência e de corrupção

administrativa. Ademais, não há ciclo de expansão sem a persistência de um elevado grau

de confiabilidade e de credibilidade dos gestores das políticas governamentais junto à

opinião pública e sem um sólido clima de esperança no progresso econômico e social do

Brasil.

Na verdade, a sequência de ajustes de curto prazo está trazendo um aprendizado perverso tanto para o Governo quanto para os agentes privados que vêm desenvolvendo estratégias adaptativas, as quais excluem a visão de médio e de longo prazo sobre os interesses maiores da sociedade brasileira. De um lado, o Governo

sabe, cada vez mais, como lidar com uma política monetária e cambial eficazes para

controlar desequilíbrios internos e externos que geram inflação e desconfiança. Do outro

lado, os agentes privados se protegem de uma nova instabilidade investindo menos,

estocando menos e se endividando menos. Resultado: o crescimento sustentado não vem,

os serviços públicos se deterioram e se expande o cassino da especulação financeira no

País.

Assim, se desejarmos que as incipientes taxas de crescimento, que emergiram a partir do

último trimestre de 2003, se sustentem ao longo do tempo, é preciso que se promova uma

reversão de expectativas dos agentes econômicos por meio de um projeto de

desenvolvimento de longo prazo que seja lastreado em reformas institucionais,

tecnicamente consistentes e politicamente factíveis, assim como seja lastreado em

propostas que permitam articular, de forma criativa e consistente, os objetivos de

estabilidade monetária, crescimento sustentado, equidade social e qualidade ambiental.

No processo de elaboração das mega-tendências da economia brasileira para o período 2005-2020, trabalha-se com a possibilidade de vir a ocorrer, no País, um ciclo de crescimento econômico sustentado compatível com um ambiente macroeconômico de ajustes fiscais e financeiros, rigorosos e recorrentes; que se identifiquem alternativas ou novos paradigmas de desenvolvimento compatíveis com o processo de estabilização econômica em andamento, os quais não se configurem apenas como estudos de casos bem sucedidos mas não-replicáveis com a amplitude e abrangência indispensáveis.

8. Como vimos, entre os anos de 1950 e 1980, ocorreram dois ciclos de expansão na

economia brasileira. Estes ciclos garantiram elevadas taxas anuais de crescimento para o

PIB durante quase três décadas (1950-60: 7,4%, 1960-70: 6,2% e 1970-80: 8,6%) e,

25

particularmente, para a indústria (1950-60: 9,1%; 1960-70: 6,9%; 1970-80: 9,0%). Assim, o

PIB per capita do Brasil cresceu à taxa média anual de 4,6%, de 1950 a 1980, mesmo

considerando que foi um período de taxas de crescimento demográfico muito altas,

enquanto o dos Estados Unidos manteve taxa média de crescimento anual de 2,2%, neste

mesmo período.

Entretanto, houve uma desaceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira nas

duas últimas décadas do século XX, com a taxa média do PIB ficando em 1,6%, na década

de 1980-90, e, em 2,6%, na década de 1990-2000, o que significa inexpressivas taxas em

termos per capita de 1970 a 2000. Tão importante quanto esta desaceleração, foi o caráter

não-sustentado da modesta expansão desde o Plano Real, a qual se configurou como

ciclotímica. Esta configuração se mantém nos quatro primeiros anos do século XXI, com o

ritmo de crescimento oscilando entre taxas mais altas (4,0%, em 2000, e 5,2%, em 2004) e

taxas muito baixas (1,5%, em 2001, e 0,5%, em 2003).

Após quase duas décadas de experiências de superinflação, o Brasil conseguiu estabilizar

sua moeda com a implantação do Plano Real, a partir de 1994. Com a moeda estável,

associada a um conjunto de reformas econômicas e institucionais, ainda que incompletas

(ajuste fiscal, privatizações, desregulamentações, etc.), criaram-se condições mais

favoráveis para se desencadear, no País, um novo ciclo de expansão econômica, o qual

infelizmente ainda não ocorreu.

Esta expectativa se deve a que, em períodos de relativa normalidade macroeconômica, o

País tem demonstrado, historicamente, uma vocação para o progresso econômico e a

capacidade de crescer, em média, em torno de 7% ao ano: no período que se estende de

1948 a 1994, a economia brasileira cresceu 13,8 vezes e a população 3,1 vezes, o que dá

um crescimento per capita de 4,5 vezes. É evidente que, como mostra a Tabela 2: a) há

alguns períodos de queda e de recuperação no ritmo de crescimento; b) ao longo dos ciclos

de expansão, as taxas de crescimento se aceleram; c) ocorreram intensas variações nas

taxas de inflação durante os quarenta anos de observação.

26

TABELA 2 BRASIL: Crescimento e Inflação

1948 – 1989

PERÍODO ANOS PIB

INFLAÇÃO

1948-61

1962-64

1965-67

1968-74

1975-80

1948-80

14

3

3

7

6

33

Crescimento médio 7,65 a.a.

Queda abrupta

Recuperação modesta, média 4,4% a.a.

Fortemente crescente, média 10,7% a.a.

Crescente porém oscilante, média 7,05% a.a.

Média 7,5% a.a.

Crescente <10% a >30% a.a.

Fortemente crescente, atinge 90% a.a.

Decrescente, volta a 30% a.a.

Decrescente, até 15,5% a.a. em 1973

Crescente atinge 110% em 1980

Média 34% a.a.

Fonte: Antônio Dias Leite, Crescimento Econômico: Experiência Histórica do Brasil e Estratégia para o Século XXI. Ed. José Olympio, 1999.

Mesmo quando se comparam as taxas de crescimento da renda real per capita com

diferentes países mais desenvolvidos de 1913 a 1980, o Brasil se destaca,

independentemente do período considerado ter sido uma época em que nossa população

crescia muito rapidamente, a taxas superiores a 3% em muitos anos. Enfim, a nossa experiência histórica sinaliza para grandes possibilidades de se configurar, entre 2005 e 2020, o III ciclo de expansão econômica do pós - II Grande Guerra, mesmo quando se leva em conta que as duas últimas décadas são de relativa estagnação da economia brasileira.

9. Existem muitas razões para se esperar que se configure o terceiro ciclo de expansão

da economia brasileira, se conseguirmos consolidar as reformas econômicas e institucionais

em andamento:

O Brasil dispõe de uma base de recursos naturais, renováveis e não-renováveis, ampla e diversificada que lhe dá vantagens comparativas internacionais para um crescimento mais acelerado.

Os recursos naturais já tiveram, no passado, um papel mais relevante na formação dos

ciclos de crescimento entre diferentes países e regiões. Atualmente, este papel perdeu

posição relativa, entre outros motivos, porque: a) novos materiais têm substituído os

recursos naturais tradicionais, na composição dos modernos processos produtivos; b)

tecnologias mais avançadas têm causado maior economia de recursos naturais, através da

redução dos coeficientes técnicos de produção e das taxas de desperdício de materiais; c) a

miniaturização dos bens de consumo duráveis reduz a intensidade de recursos naturais por

27

unidade produzida; d) a biotecnologia e a engenharia genética redefinem a potencialidade

econômica dos recursos naturais.

Entretanto, o país ou região que dispõe de uma base de recursos naturais, ampla e

diversificada, passa a ter um componente diferenciado para alcançar vantagens

competitivas dinâmicas, as quais adicionam valor econômico aos materiais brutos de

primeiro processamento. Estes materiais, através de efeitos de dispersão para frente e para

trás, constituem o embrião para se gerarem poderosas cadeias produtivas, dinamizando o

crescimento econômico de um país e de suas regiões. Ademais, com a expressiva entrada

de países como a China e a Índia no comércio mundial, a demanda para produtos direta ou

indiretamente intensivos de recursos naturais tem se expandido vigorosamente ao longo dos

últimos dez anos.

Quando se contabilizam a biodiversidade da Amazônia, a fertilidade dos solos dos Cerrados

para a produção de grãos, o aproveitamento de várzeas irrigáveis, as reservas de minerais

estratégicos, etc., não se pode deixar de destacar o quanto a base de recursos naturais do

Brasil tem afetado as suas potencialidades de crescimento econômico e diferenciá-lo no

contexto internacional, desde que estes recursos sejam explorados segundo os princípios

de desenvolvimento sustentável.

Além dos impactos positivos sobre o crescimento agregado da economia brasileira que

poderão ocorrer no período de 2005-2025, a base de recursos naturais irá impactar também

o desempenho e as perspectivas de muitos setores: 1) agronegócio: que tem sido um dos

componentes mais importantes para elevar a participação das exportações totais no PIB de

8,9%, em 1999, para 16,1%, em 2004, e com perspectivas amplas de expansão acelerada;

2) celulose, com suas exportações crescendo de forma acumulada em mais de 70%, de

1998 a 2003, levando a uma expansão significativa de sua capacidade produtiva a longo

dos próximos anos; 3) indústrias metalúrgicas: com desempenho preponderante da

atividade siderúrgica desde 1998, a partir do aquecimento do mercado mundial provocado

pela demanda do mercado chinês, os planos do setor prevêem investimentos mínimos de

US$ 10 bilhões entre 2004 e 2008; 4) setor madeireiro: com espaço considerável a ser

ganho no mercado mundial, sendo que as suas exportações já representavam 5,9% do total

dos semimanufaturados exportados pelo Brasil em 2003; etc.Todos estes setores têm

contribuído para a formação de mega-superávits na balança comercial do País, como

ilustram os resultados da balança comercial do setor de mineração (ver Tabela 3) sendo que

a do agronegócio chega a ser cinco vezes maior.

28

Enfim, na medida em que se amplia o grau de abertura da economia brasileira, a dinâmica

da sua expansão dependerá crescentemente de suas exportações, entre as quais se

destacam os valores absolutos e percentuais das exportações de cadeias produtivas onde

recursos naturais renováveis e não-renováveis são um ponto crítico.

O nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas atingiu um patamar no Brasil que favorece a formação de um ciclo de expansão no País, a partir de forças endógenas.

Para ser um global trader, um país necessita dispor de fatores produtivos não tradicionais,

tais como: centros de pesquisa, ambiente cultural, recursos humanos bem formados e

informados, instituições governamentais flexíveis, etc., uma vez que os ciclos de expansão

contemporâneos são intensivos de informação e conhecimento, com os seus novos

produtos, novos processos de produção e novas técnicas de gestão. Estes fatores se

caracterizam por ser de natureza endógena, originados por decisões e elementos internos

ao sistema e não apenas o resultado de forças naturais ou de forças que são impingidas ao

país de “fora para dentro”.

29

TABELA 3

Balança Comercial

Minérios e seus Concentrados (US$ FOB) – 1996 a 2005

ANO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO SALDO COMERCIAL

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005 (*)

3.935.664.267

3.060.911.560

3.467.754.985

2.942.896.490

3.255.052.726

3.128.618.258

3.192.312.948

3.643.938.360

5.237.135.903

4.905.947.007

390.825.627

382.467.840

279.028.665

319.216.225

351.189.405

301.551.494

277.768.212

333.829.255

680.263.646

457.609.149

2.541.838.640

2.678.443.720

3.188.726.320

2.623.680.265

2.903.863.321

2.827.066.764

2.940.544.736

3.310.109.105

4.556.872.257

4.448.337.858

* No ano de 2005 os dados se referem ao período de janeiro a agosto; fonte: MDIC/ALICE.

Quando se observa o Brasil entre os países emergentes, é bastante evidente que já atingiu

um nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas

adequado para que, num cenário de integração competitiva, ocorram movimentos de forças endógenas capazes de definir um projeto nacional de desenvolvimento, a partir de

um ciclo de crescimento sustentado. É notável, por exemplo, como as empresas localizadas

no Brasil conseguiram se reestruturar rapidamente, quando se sentiram ameaçadas pela

concorrência em seus mercados com a chegada de produtos vindos dos mais diferentes

países, a partir da abertura econômica dos anos 90. Adotaram as novas técnicas de gestão;

substituíram processos tecnológicos; alteraram as características de qualidade de seus

produtos; e conquistaram competitividade global. Ainda há muito para se fazer, mas o que

foi feito até agora se destaca favoravelmente em qualquer comparação com experiências

internacionais em países em desenvolvimento.

O objetivo principal da teoria do crescimento endógeno é investigar e compreender a

ação recíproca entre conhecimento tecnológico e várias características estruturais da

economia e da sociedade, e quanto esta atuação recíproca resulta em crescimento

econômico. O crescimento endógeno é o crescimento econômico gerado por fatores dentro

30

do processo de produção (por exemplo: mudanças tecnológicas induzidas, rendimentos

crescentes, economias de escala, etc.) em oposição a fatores externos (exógenos) tais

como os acréscimos populacionais. Para Kaldor, desde que admitamos que rendimentos

crescentes ocorram, as forças que promovem as mudanças contínuas são endógenas. Em

termos da análise espacial, observa-se um renovado interesse pelas idéias de Alfred

Marshall, que destacou os ganhos de eficiência decorrentes da aglomeração (clustering) de

indústrias, a importância dos transbordamentos de conhecimento a partir da proximidade

locacional, os rendimentos crescentes que resultam do conhecimento compartilhado, etc. 8

A mudança do papel do Estado na economia tem aberto melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para a formação de um ciclo de crescimento no Brasil.

Em todos os países da América Latina, assiste-se, desde os anos 80, a uma profunda

mudança no papel do Estado na economia em sua tríplice função alocativa, distributiva e de

estabilização. Durante quase todo o período do pós-Guerra, os Estados nacionais

exerceram papel insubstituível na promoção do crescimento econômico, na formulação e na

implementação de políticas sociais compensatórias, assim como no esforço de contenção

dos processos inflacionários em cada país latino-americano. Com maior ou menor sucesso,

este processo de intervenção direta e indireta dos Governos na economia ocorreu no

Continente até praticamente o fim dos anos oitenta, passando pela crise do petróleo de

1974, pelas crises nos mercados financeiros internacionais no início dos anos 80, e pela

reestruturação das correntes de comércio a partir da formação dos blocos regionais de

mercados comuns, desde os anos 70.

Não resta a menor dúvida de que a Reforma do Estado tem se constituído em um vigoroso

evento portador de mudanças no Brasil. Em função dos processos de privatizações iniciados

na atual década, das concessões de serviços públicos autorizadas a partir dos últimos anos,

das desregulamentações adotadas particularmente nas relações de comércio internacional,

e da integração na união alfandegária do MERCOSUL, a economia brasileira passou a

dispor de melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para configurar um

ciclo de expansão, neste início do século XXI. A economia brasileira tornou-se, pois, mais

aberta, menos desregulamentada, mais privatizada e, portanto, mais propensa ao

crescimento sustentado. E agora parte para experiências de parcerias do tipo público-

8 Aghion, P. and Howitt, P. Endogenous Economic Growth, The MIT Press, 1998. Tabb, W. K. Reconstructing Political Economy, Routledge, 1999. Reis Velloso, J. P. (coord.) Brasil e a Economia do Conhecimento, Fórum Nacional, José Olympio Editora, 2002.

31

privado (PPP), visando a viabilizar indispensáveis investimentos de infra-estrutura

econômica e social.

No caso específico do processo de privatização, o impacto das vendas das empresas

estatais, em primeira instância, é de natureza macroeconômica, com os recursos obtidos

sendo dirigidos para a redução do desequilíbrio das contas públicas e para financiar o déficit

em conta corrente, quando houver significativa participação do capital estrangeiro nas

operações. O segundo e mais duradouro impacto é, fundamentalmente, de natureza

microeconômica e se realiza através da reestruturação organizacional das empresas

privatizadas e dos investimentos de modernização, visando à sua competitividade dinâmica.

Nos cinco últimos anos, tem-se ampliado uma visão crítica sobre os processos de

privatização realizados nos anos 90 quanto a diferentes aspectos: a indexação de preços e

tarifas para atrair investidores externos tem dificultado o controle das metas de inflação;

baixo nível de comprometimentos contratuais de alguns dos novos controladores tem

limitado o volume de investimentos; a atuação das novas agências reguladoras tem sido

capturada por interesses privados velados; etc.

É preciso enfatizar, contudo, que o Brasil ainda deverá contar com o papel do Estado, ao

longo dos próximos anos, não apenas para garantir a oferta dos serviços públicos

tradicionais, mas também para: a) coordenar o processo de desenvolvimento nacional,

através de mecanismos de intervenção indireta e de planejamento indicativo; b) promover

melhor distribuição da renda e da riqueza, por meio de políticas sociais compensatórias; c)

articular programas de geração de renda e de emprego; d) conceber e executar um conjunto

de políticas econômicas que mantenham a consistência macroeconômica; e) regulamentar

com maior rigor a operação de setores estratégicos (energia elétrica, telecomunicações,

petróleo) para o crescimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a equidade social; f)

atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento; g) apoiar, técnica e

financeiramente, segmentos seletivos da economia brasileira (micro, pequenas e médias

empresas, pequenos produtores rurais, exportações, etc.) visando a ampliar sua capacidade

competitiva ou estabilizar sua renda (ver Box 2).

Nos últimos vinte anos, ocorreram mudanças substanciais no padrão demográfico do Brasil que terão consequências gerais e profundas no seu processo de desenvolvimento econômico e social, e consequências específicas na dinâmica de mercados de diversos bens e serviços.

32

BOX 2

Perspectivas das Micro, Pequenas e Médias Empresas num Processo de Integração Competitiva

No início dos anos 90, com sua economia estagnada e em processo superinflacionário, o Brasil concebe e executa um conjunto de mudanças econômicas e institucionais já mencionadas neste texto, que incluem: uma abertura econômica muito intensa e muito rápida (queda nas tarifas alfandegárias, eliminação de cotas de importação e de exportações, desregulamentação do comércio exterior em geral, etc.); um amplo processo de privatização das empresas estatais de diferentes setores; um processo menos efetivo de concessões dos serviços de infra-estrutura econômica; e, um relativamente bem sucedido programa de estabilização econômica a partir da criação do Plano Real. De modo geral, podemos classificar os impactos destas mudanças sobre os sistemas produtivos urbanos e regionais do País, em três segmentos de acordo com as características dos arranjos produtivos locais ou regionais: • Para as grandes empresas que já estavam profundamente inseridas na economia global, os impactos foram de natureza marginal; através

de ajustes incrementais em suas cadeias produtivas (particularmente, junto a fornecedores à jusante), conseguiram se adaptar ao novo ambiente macroeconômico de integração competitiva; na verdade, estas empresas pertenciam a setores (celulose, mineração, agronegócios, alumínio, aço, etc.) que, na Segunda Divisão Internacional do Trabalho dos anos 70, se consolidaram em países emergentes que se qualificassem com grande disponibilidade de fatores básicos (recursos naturais renováveis e não renováveis, energia, mão-de-obra abundante, fatores climáticos, etc.) e que foram igualmente complacentes, à época, com elevados índices de poluição ambiental gerada por estas atividades; quando as empresas destes setores estavam sob o controle do Governo (situação muito comum no Brasil, até os anos 90), a sua privatização lhes deu mais flexibilidade organizacional e maior capacidade competitiva no período pós-abertura.

• As cadeias produtivas que tiveram, em sua composição, uma empresa-âncora (na indústria automobilística, na indústria alimentícia, etc.) capaz de estruturar os interesses empresariais à jusante e à montante, conseguiram tornar-se competitivas globalmente em um período de tempo não muito longo e ampliaram as suas possibilidades de exportação; a empresa-âncora, neste tipo de situação, atuava como uma agência coordenadora das indispensáveis transformações produtivas e organizacionais em termos de tecnologia, marketing, engenharia financeira, etc.

• Um número imenso de micro, pequenos e médios empreendimentos, dispersos ou agrupados em diversos municípios e regiões do País, que tiveram de enfrentar uma concorrência externa muito agressiva tendo, de um lado, todas as dificuldades típicas do Custo-Brasil (pesada carga tributária e previdenciária, custos financeiros e administrativos muito elevados, má qualidade da infra-estrutura econômica, etc.); e, do outro lado, competidores oriundos de economias estáveis com seus baixos custos financeiros, seus elevados padrões tecnológicos e suas modernas técnicas de gestão; em termos de agrupamentos produtivos, é possível identificar, no País, conjuntos de micro, pequenas e médias empresas, concentradas em municípios ou grupos de municípios de diversas microrregiões brasileiras, especializadas em geral na produção e bens de consumo não-durável e no suprimento de seus insumos principais;

O futuro destes agrupamentos produtivos especializados ou arranjos produtivos potenciais não é de fácil previsão. Um caminho possível é o da ocorrência de uma acomodação ou conformismo de muitos agrupamentos por falta de uma liderança local, espontânea e capaz de promover uma agenda de transformação das suas características de economia tradicional. É evidente que este caminho de manutenção do atual status quo, em termos do seu baixo nível de competitividade global, será ameaçado por um número crescente de novos competidores (dadas as facilidades nas condições de entrada) que resultará em pequena rentabilidade financeira para o capital investido, níveis de subsistência, graves conflitos distributivos ao nível dos agrupamentos, fuga crescente para a informalidade e índices de desenvolvimento humano desconcertantemente dramáticos nos municípios e aglomerados de municípios onde se localizam estes agrupamentos produtivos. Pode-se pensar, também, num caminho de darwinismo econômico: amplia-se o grau de abertura econômica a partir da organização da ALCA; há um novo choque competitivo com a liberação do comércio para gigantes da economia mundial (Estados Unidos, Canadá); até mesmo em mercados de produtos tradicionais (alimentos, tecidos, móveis, etc.), alguns dos novos parceiros de união alfandegária do Brasil são mais competitivos em termos de preço e qualidade; assim, o mercado acaba preservando apenas os agrupamentos produtivos nacionais que apresentarem maior grau de adaptabilidade ao novo ambiente econômico. Finalmente, o mais justo e racional para lidar com as questões econômicas e sociais dos agrupamentos de micro, pequenos e médios empreendimentos, especializados e localizados em municípios ou grupos de municípios geograficamente contíguos ou não, é o caminho de estabelecer e implementar um programa de promoção de desenvolvimento local ou microrregional em bases sustentáveis, utilizando-se uma metodologia de formação de parcerias público-privado, como a metodologia de APL. Destacam-se como vantagens competitivas de um APL (cf. Michael Porter): • Maior eficiência na contratação da mão-de-obra e relação com fornecedores: no que se refere à mão-de-obra, a existência de um pool de profissionais especializados e experientes reduz os custos de recrutamento; quanto aos fornecedores, é natural que o APL passe a receber atenção especial dos mesmos, formando uma base sólida e especializada; • Acesso a informações especializadas: os APLs acumulam uma grande quantidade de informações dos mais diversos tipos, com acesso preferencial garantido a seus membros; além disso, os relacionamentos pessoais e os laços com a comunidade promovem a confiança e facilitam os fluxos de informações; • Externalidades positivas: a organização em APLs gera uma série de externalidades positivas, relacionadas, por exemplo, ao marketing dos produtos e à redução do custo de procura dos clientes, que encontram uma diversidade de alternativas no âmbito do próprio APL; • Acesso a instituições e bens públicos: o APL favorece o acesso a bens públicos fornecidos pelo governo; além disso, nos APLs, muitos investimentos privados em infra-estrutura, centros de qualidade, laboratórios de teste, etc., são realizados coletivamente; • Melhor motivação e avaliação do desempenho: a concorrência local é considerada motivadora, e a organização em clusters permite um permanente processo de comparação de desempenho, uma vez que os concorrentes locais estão expostos às mesmas condições; • Inovação: além do acesso direto aos clientes mais sofisticados, o relacionamento permanente com outras entidades contribui para que as empresas saibam, com antecedência, como a tecnologia está evoluindo, qual a disponibilidade de componentes e máquinas, quais os novos conceitos de serviços e marketing, etc.

33

Entre 1940 e 1970, o padrão demográfico brasileiro se caracterizava por níveis de

fecundidade altos e bastante estáveis. A distribuição etária permaneceu aproximadamente

constante e jovem, apesar do rápido declínio da mortalidade e da aceleração do ritmo de

crescimento populacional. No final da década de 60, tem início um processo rápido e

generalizado de declínio da fecundidade. Limitado, inicialmente, aos grupos sociais urbanos

de renda mais elevada das regiões mais desenvolvidas, este processo se estendeu a todas

as classes sociais e às mais diversas regiões, levando à desaceleração do ritmo de

crescimento populacional. Além do mais, importantes mudanças de valores e de

comportamentos se refletiram na estrutura da família brasileira e na sua configuração, como,

por exemplo, o papel da mulher na sociedade e as repercussões sobre sua crescente

participação no mercado de trabalho.

O novo padrão demográfico se caracteriza, pois, por mudanças na estrutura etária, com

maior participação relativa dos idosos e menor participação relativa do contingente com

menos de 15 anos. Projeta-se que, em meados do século XXI, a população brasileira deverá

se estacionar em torno de 250 milhões de habitantes, em função do declínio ainda maior da

taxa de fecundidade.

Os Relatórios de Desenvolvimento Humano da ONU têm destacado que são inúmeras as

consequências deste novo padrão demográfico para o novo ciclo de crescimento econômico, para as políticas sociais do Brasil e, consequentemente, para as estratégias

empresariais de marketing.

Primeiro, a população em idade escolar a ser atendida nos diferentes níveis de ensino vem

crescendo em ritmo cada vez menor, e assim deverá continuar no século XXI. Recursos que

vinham sendo utilizados para a expansão da capacidade de atendimento do sistema

educacional brasileiro poderão ser realocados em programas de qualidade neste sistema.

Segundo, a expansão mais lenta da população jovem, além de diminuir a pressão sobre o

mercado de trabalho, oferece, também, condições mais favoráveis para uma melhor

preparação técnica das pessoas antes de seu ingresso no mercado de trabalho ou no

próprio local de trabalho, melhorando-se, assim, as características de qualidade da mão-de-

obra brasileira necessária para um ciclo de expansão intensivo em informação e

conhecimento.

34

Terceiro, como as pessoas idosas pertencerão a famílias cada vez menores (tendência a

famílias com apenas dois filhos), poderão ter menor amparo dos filhos e parentes. Portanto,

o sistema de saúde, público e privado, deverá se preparar para atender adequadamente a

essa parcela crescente da população, que apresenta um quadro de morbidade bem

específico e de tratamento mais caro.

Finalmente, a ONU aponta que o aumento da relação entre idosos e pessoas em idade ativa, nas próximas décadas, deverá acentuar significativamente o grave desequilíbrio no sistema previdenciário brasileiro.

A atual fase de transição demográfica brasileira apresenta um período crucial e de grandes

oportunidades sob os mais diferentes aspectos. O caso da Previdência Oficial (União,

Estados e Municípios) é ilustrativo. Tal como está operando, ela evidencia um desequilíbrio

atuarial crônico, desde as mudanças ocorridas na Constituição de 1988, contribuindo para a

formação do déficit do setor público consolidado no Brasil. Este déficit poderá se tornar

crônico e superar a 4% ou 5% do PIB nos próximos anos, se as reformas institucionais não

avançarem. Estas reformas, ao abrirem espaço para a ampliação da previdência

complementar através de fundos privados, poderão provocar a emergência de uma

importante fonte de poupança privada no País, tal como aconteceu no Chile por exemplo,

além de responder de forma mais eficaz às necessidades da população idosa nas próximas

décadas.

Assim, a redução na proporção de jovens na população total e as novas demandas geradas

pelo aumento absoluto e da proporção dos idosos, sob muitos aspectos, podem se

transformar numa oportunidade para formulação das estratégias de mercados do setor

privado (diferenciação e diversificação dos produtos de consumo, planos de saúde,

previdência complementar, medicina geriátrica, turismo da terceira idade, etc.) e num

desafio para a reestruturação dos gastos públicos, envolvendo o redimensionamento para

cima ou para baixo de programas de assistência à maternidade, de creches, de qualificação

da mão-de-obra, de saúde da terceira idade, de qualidade total no ensino fundamental, etc.

Da mesma forma, mudanças de valores e de comportamento na estrutura da família

brasileira (maior poder de decisão das mulheres na composição do orçamento doméstico,

fatores econômicos influenciando o número preferencial de filhos, etc.) certamente irão

transformar suas relações com os diferentes mercados.

Há um pressuposto de que, nos novos ciclos de expansão da economia brasileira, caberá à iniciativa privada o papel mais relevante no processo de conceber e de

35

implementar os projetos de investimento, tanto em setores diretamente produtivos quanto em setores de infra-estrutura econômica em regime de concessões ou de parcerias público-privado. Pressupõe-se, também, que será indispensável a formulação de estratégias para as empresas estatais que ainda remanescerem nos setores de energia e de infra-estrutura para lhes dar condições competitivas num ambiente de negócios, onde as organizações nacionais estão cada vez mais expostas a concorrentes de todos os países do Mundo, em mercados em que perderam sua reserva e proteção.

Fica claro, que, nesta nova ordem empresarial, caberá à iniciativa privada maior

responsabilidade social dentro do processo de desenvolvimento nacional e das regiões e

localidades em que se inserem. Não podem mais se limitar a cuidar de seus negócios

estritos, mas, também, precisam se responsabilizar pela sustentabilidade ambiental e pela

equidade social, enquanto vão construindo a riqueza nacional em suas organizações

produtivas. Estudos recentes do IPEA sobre os gastos sociais do Segundo Setor (as

organizações empresariais com fins lucrativos), mostram que algumas grandes empresas do

SUL e do SUDESTE têm despendido com educação, saúde, nutrição, etc. valores que se

aproximam aos de que alguns Estados do NORDESTE gastam com seus recursos próprios

(ou seja, exceto transferências constitucionais vinculadas e não-vinculadas, e as

transferências não-constitucionais do Governo Federal) nestes setores. E que, na busca de

maior eficiência produtiva e de melhor imagem institucional, são inúmeras as organizações

produtivas que têm dado maior atenção aos possíveis impactos ambientais de seus

investimentos e de sua produção.

Menciona-se, também, a importância crescente das organizações não-governamentais que compõem o denominado Terceiro Setor, responsáveis por um número crescente de

projetos de desenvolvimento sustentável no Brasil. Este Setor é definido pelas organizações

que não integram o aparelho governamental, estruturadas formalmente, sem finalidade

lucrativa, com intenso nível de participação voluntária, com auto-gerenciamento e elevado

grau de autonomia interno. Estas organizações têm demonstrado significativa flexibilidade

operacional para conceber e executar, com eficiência e eficácia, complexos programas e

projetos de desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, a persistência de alguns setores produtivos que o Governo considera como

estratégicos para serem preservados sob o comando e controle do Poder Público não

impede que se avance em diversas direções para aumentar a eficiência (“fazer certo as

coisas certas”) e a eficácia (“fazer as coisas certas”) das empresas estatais: a construção de

36

parcerias público-privado, a avaliação permanente e autônoma de sua alta direção, a

despolitização de seus objetivos, a transparência crescente em suas ações estratégicas e

operacionais, etc.

Concluindo: Considerando as persistentes restrições e condicionalidades presentes no atual contexto da economia e da sociedade brasileira, assim como as dificuldades político-institucionais para a sua superação, é aconselhável que, no cenário macroeconômico 2020 para o País, não se conte com a possibilidade de um novo ciclo de expansão semelhante aos ocorridos no período de 1950 a 1980, com suas taxas históricas de crescimento médio em torno de 7% ao ano. Mais prudente seria trabalhar com taxas médias em torno de 3,5 a 4,0% ao ano, como reconhecimento de que, no período de 2005 a 2020, os limites do possível (hiatos no desenvolvimento científico e tecnológico, obstáculos fiscais aos investimentos, falta de instituições sólidas, gestão responsável da dívida pública, etc.) serão mais restritivos do que durante os ciclos de expansão do pós-Guerra, principalmente quando se deseja preservar a conquista do fim do processo de inflação crônica no País e atuar dentro de rígidos parâmetros de responsabilidade fiscal.

III. UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO: PARTICIPAÇÃO, ENDOGENIA E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

9. Dependendo da configuração político-institucional de um novo ciclo de expansão, ele poderá acomodar de forma equilibrada os objetivos múltiplos de um processo de desenvolvimento sustentável para o País. Poderá superar uma visão

dominante do crescimento econômico com elevados custos sociais e ecológicos, para

perseguir uma trajetória de desenvolvimento onde se consigam ganhos expressivos para a

sociedade brasileira em termos da redução do número de pessoas em regime de pobreza

absoluta ou crítica, da atenuação das desigualdades sociais, de reversão da polarização

espacial, da melhoria dos indicadores de qualidade de vida, do uso racional dos recursos

ambientais numa perspectiva dos interesses entre gerações presentes e futuras, etc. Assim,

a sociedade brasileira terá que realizar uma escolha entre os futuros possíveis, a partir

destas mega-tendências e das mudanças e oportunidades no seu ambiente interno e

externo.

Entretanto, se forem mantidas conservadoramente as atuais características do padrão de crescimento econômico e de acumulação de capital no País, o cenário tendencial de evolução dos indicadores de desenvolvimento sustentável poderá vir a ser de sua

37

crescente deterioração, uma vez que: a) a crise fiscal e financeira dos três níveis de

governo é um fator impeditivo da maior eficácia dos órgãos públicos que formulam,

implementam e controlam as políticas de desenvolvimento sustentável; b) existem

componentes autônomos nos processos de decisões descentralizadas de produção e de

consumo nas diversas regiões do País, decorrentes de fatores econômicos e culturais, que

continuam resultando em deterioração do seu capital natural e em reforço dos mecanismos

sociais de reprodução da pobreza; c) é lento o avanço dos programas de educação

ambiental que poderiam contrarrestar esta deterioração; d) a ausência de um efetivo

sistema nacional de planejamento no País dificulta a inserção das questões de

desenvolvimento sustentável na agenda de prioridades do Governo Federal; e) ainda é

pouco expressivo o volume de recursos públicos e privados que vêm sendo alocados no

desenvolvimento científico e tecnológico para enfrentar as questões de desenvolvimento

sustentável no Brasil.

Assim, é fundamental que, na definição de diretrizes e metas do Plano Nacional de

Recursos Hídricos, se busque uma concepção adequada de desenvolvimento para o Brasil, a qual não pode se limitar à promoção de um ciclo de expansão econômica mas deve conter, como elemento essencial, um crescente processo de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Esta preocupação deriva do fato de que a análise das

experiências de expansão de diferentes economias no pós-Guerra não revela a existência

de nenhuma correlação geral e sistemática entre o processo de crescimento econômico e a

distribuição de renda e da riqueza geradas neste processo, assim como mostra que,

frequentemente, o crescimento acelerado de economias nacionais e regionais se deu

através do uso predatório da base de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis.

Constatou-se, em diversos países, que a compatibilidade entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social não se processa espontaneamente. Da

aplicação das estratégias que se firmaram no pressuposto de que os objetivos

redistributivos e de eqüidade ficassem subordinados à manutenção do crescimento

acelerado do PIB, concluiu-se que a redução das desigualdades não foi atingida através de

impactos indiretos gerados pela prioridade atribuída aos critérios de eficiência. Admitiu-se,

em princípio, que expandindo-se o produto e a base tributável da economia seria mais fácil

para o poder público manipular maiores recursos, capazes de favorecer soluções para os

problemas econômicos e sociais dos segmentos mais pobres da população; vale dizer,

acreditava-se que o desenvolvimento social seria um subproduto cronológico do

crescimento econômico.

38

Contudo, a experiência histórica vem demonstrando que a simples mobilização intensiva dos fatores de produção tende a reproduzir, agora sim, de forma espontânea, as condições sociais iniciais que lhe deram sustentação. Assim, o poder indutor do crescimento econômico propicia maior diferenciação dos sistemas sociais sem, contudo, gerar mais eqüidade, pois esta não é impulsionada por nenhum mecanismo auto-sustentado, porquanto os efeitos genuínos do crescimento econômico estão estruturalmente vinculados aos imperativos da acumulação e à lógica da diferenciação social.

A Agenda 21 Brasileira admite que uma concepção ampliada de desenvolvimento

sustentável, a qual inclui a equidade social, pode conter uma justificativa instrumental para a

redução da pobreza como uma forma para proteger o meio ambiente: como as famílias

pobres (vítimas e agentes de danos ambientais) quase sempre não dispõem de recursos

para evitar a degradação dos recursos ambientais como valor de uso, a redução da pobreza

se apresenta como um pré-requisito para a conservação ambiental. Entretanto, o

desenvolvimento humano em bases sustentáveis é um objetivo por si só, uma vez que

intensifica diretamente a capacidade das pessoas para desfrutar uma vida longa e saudável,

de tal forma que há ganhos imediatos no que é importante em última instância, enquanto se

salvaguardam oportunidades no futuro.

É fundamental esclarecer, também, o indispensável papel do Estado na construção do

processo de desenvolvimento sustentável no Brasil. A obrigação social de sustentabilidade,

como tem insistido Amartya Sen9, não pode ser deixada inteiramente por conta do mercado,

uma vez que o futuro não está adequadamente representado no mercado – pelo menos o

futuro mais distante. O Estado deve servir como gestor dos interesses das futuras gerações,

por meio de políticas públicas que utilizem mecanismos regulatórios ou de mercado,

adaptando a estrutura de incentivos a fim de proteger o meio ambiente global e a base de

recursos para as pessoas que ainda vão nascer.

O conceito de necessidades é muito importante, pois tem de levar em consideração as

carências dos mais pobres (ao mesmo tempo, vítimas e agentes dos danos ambientais),

assim como as limitações impostas pela situação atual da tecnologia e da organização

social para atender às necessidades presentes e futuras. A noção de desenvolvimento

sustentável não implica em deixar intacta a capacidade produtiva em todos os seus

detalhes, mas conservar as oportunidades para que as futuras gerações disponham de 9 Sen A. Development as Freedom. Anchor Books, 2000, New York. Anand, S. and Sen A. Sustainable Human Development: Concepts and Priorities. UNDP, 1996, New York. Ver também, MMA/CPDS Agenda 21 Brasileira. Brasília, 2002.

39

condições de vida dignas. Para isto, é indispensável sinalizar a importância de que se

formulem e se implementem políticas públicas adequadas de desenvolvimento sustentável,

sem que se deixe a impressão da existência de um conflito ou de uma querela entre estas

políticas e a lógica da economia de mercado. Da mesma forma, dada a acumulação

histórica dos elevados índices de pobreza e de desigualdades sociais no Brasil, temos que estar preparados para continuar a formular e a implementar um conjunto eficiente e eficaz de políticas sociais compensatórias para atender às necessidades dos mais pobres de nossa sociedade.

10. O conceito de desenvolvimento sustentável tem sua idéia-força centrada na

investigação científica das relações dos homens entre si e com a natureza. “dentro de

modelos mais dinâmicos, onde a natureza deixa de participar apenas de forma passiva, de

onde os homens retiram insumos necessários à produção das coisas úteis, para

salientarem a dependência deste homem à natureza, à qual ele está materialmente

condicionado”.. “Baseia-se no imperativo moral de respeitar as necessidades das gerações

futuras, o que implica a exigência de preservar o capital de estoque de recursos naturais,

fundamental na organização das atividades econômicas”... “Vem tendo diferentes

interpretações e abordagens, com ênfase ora na preservação dos seres vivos em geral, ora

na preservação do homem e do seu habitat, mas sempre voltadas para a utilização não

predatória dos recursos naturais e salvaguarda de oportunidades para as gerações

futuras10”.

O Brasil é um dos países mais ricos do Mundo em recursos naturais (R) renováveis (RR) e

não-renováveis (ER); alguns dos seus recursos são mistos (os solos, por exemplo),

podendo ter maior ou menor ritmo de crescimento. O processo de desenvolvimento

ambiental sustentável pode ser ilustrado por meio da Figura 1:

a) a primeira função dos recursos naturais (R) é prover insumos para o sistema produtivo

(P), que objetiva produzir bens de consumo e de capital (C) para criar bem-estar ou

utilidade (U) para a população;

b) o meio ambiente é, também, o receptor de última instância de resíduos (W) que vêm da

produção (WP), do consumo (WC) ou dos próprios sistemas naturais (WR); a diferença

básica entre os sistemas naturais e econômicos é que os sistemas naturais tendem a

reciclar os seus resíduos (r), ainda que parcialmente;

10 Projeto Áridas – Nordeste: uma estratégia de desenvolvimento sustentável, Brasília, 1995.

40

c) se desejarmos dar sustentabilidade aos recursos renováveis, é preciso cuidados para

utilizá-los a uma taxa (h) que não seja maior do que sua capacidade regenerativa (y);

d) a terceira função do meio ambiente é a de oferecer utilidade diretamente (de R para U),

na forma de prazer estético e conforto espiritual; se dispusermos resíduos (W) em

excesso à capacidade assimilativa (A), o meio ambiente é prejudicado nesta terceira

função.

FIGURA 1 A Economia Circular

(+)

(+)

Fluxos de Materiais / Energia

Fluxos de Utilidade

Fonte: Pearce, D. W. and Turner, R. K. Economics of Natural Resources and the Environment. Johns Hopkins, USA, 1991.

R P C U (+

(+

ER

h>y

(-)

RR

h>y

(-)

h<y

(+

W

r

W<A W>A

(-)

(-)

Amenidade Negativa

41

Pearce e Turner propõem a seguinte definição operacional para o desenvolvimento

sustentável do ponto de vista ambiental: “este envolve a maximização dos benefícios

líquidos do desenvolvimento econômico, sujeito à manutenção dos serviços e da qualidade

dos recursos naturais ao longo do tempo”. Esta manutenção implica, desde que seja

possível, a aceitação das seguintes regras gerais:

1. utilizar os recursos renováveis a taxas menores ou iguais à taxa natural que podem

regenerar (h < y);

2. otimizar a eficiência com que recursos não-renováveis são usados, sujeito ao grau de

substituição entre recursos e progresso tecnológico;

3. manter sempre os fluxos de resíduos no meio ambiente no nível igual ou abaixo de sua

capacidade assimilativa (W < A).

As decisões sobre as formas de se utilizarem, sustentavelmente, os recursos naturais de um

país ou de uma região não podem ser tomadas sem que haja uma valoração econômica

destes recursos, pois estes apresentam muitas opções alternativas para o desenvolvimento

regional. Eles podem ser preservados; ou seja, nenhum uso humano é permitido na sua

exploração. Eles podem ser conservados; ou seja, a ação antrópica pode ocorrer, desde

que sejam mantidos os serviços e a qualidade dos recursos naturais ao longo do tempo.

Assim, há um grande espectro de opções de conservação, principalmente quando levamos

em consideração os demais objetivos de desenvolvimento (geração de emprego, redução

da pobreza absoluta, etc.) e os respectivos tradeoffs, os quais se definem, economicamente,

a partir de seus custos e benefícios sociais relativos. No fundo, o desafio é mostrar que os valores econômicos resultantes do uso sustentável dos recursos ambientais são superiores aos valores gerados pelas atuais formas de intervenção na economia.

O uso econômico dos recursos ambientais pode colocar uma grave questão para as presentes e as futuras gerações, se não for conduzido segundo critérios de sustentabilidade. A compatibilidade entre crescimento econômico e sustentabilidade

ambiental não ocorre como conseqüência natural do jogo espontâneo de mercado. Na

verdade, a livre mobilização dos fatores de produção pelos mecanismos de mercado, em

geral, tem estimulado o uso predatório dos recursos ambientais em diversos contextos

históricos. O próprio sistema de incentivos fiscais, adotado para a promoção do crescimento

das áreas menos desenvolvidas do Brasil, não vinha incluindo, até recentemente, entre os

seus critérios de avaliação dos projetos de investimentos, a dimensão ambiental como

42

variável relevante para a aprovação dos financiamentos. Assim, muitos projetos

incentivados da Amazônia e do Centro-Oeste contribuíram para a devastação da flora e da

fauna em extensas áreas de florestas tropicais e de cerrado (falhas de governo e não

apenas falhas de mercado).

A Constituição Brasileira de 1988, ao buscar uma nova ordem institucional, a partir da

década de noventa, destacou a questão da preservação ambiental como objetivo prioritário

de desenvolvimento. Em 1995, foi editada uma lei extremamente rigorosa, um mecanismo

institucional que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente. Esta lei contra os crimes ambientais, juntamente com

algumas decisões normativas do CONAMA, têm levado para o nível da decisão

microeconômica (empresários e consumidores brasileiros) a questão dos custos ecológicos.

Estes dispositivos legais, ancorados em intensa mobilização dos movimentos

conservacionistas, nos dão certa garantia de que, ao longo do tempo, tenda a prevalecer, no

Brasil, uma concepção alternativa de desenvolvimento na qual a questão ambiental não seja

tratada à margem das principais decisões sobre a acumulação de capital e seus efeitos

distributivos.

Como não tem sido de sucesso a história dos processos de implementação de leis e normas

que tentam disciplinar os interesses individuais em função dos interesses coletivos, é

fundamental trabalhar a consciência social de empresários e consumidores num

comprometimento permanente com a dimensão do desenvolvimento sustentável em suas

decisões cotidianas e estratégicas. Neste caso, as políticas ambientais deverão destacar a

vinculação dos interesses individuais com o valor econômico total da natureza11 de onde

poderão extrair benefícios líquidos para a atual e as futuras gerações, desde que adotem

processos tecnológicos e padrões de consumo ecologicamente corretos, segundo as

diretrizes estratégicas e a plataforma de ação propostas pela Agenda 21 Brasileira.

11. Muitos analistas dos problemas de regiões que acumularam um grande atraso

econômico, ou que perderam seu dinamismo, estão convencidos que o desenvolvimento

não se limita apenas à expansão da capacidade produtiva (mais investimentos em projetos

de infra-estrutura econômica ou em projetos diretamente produtivos). Segundo Celso

11 Em geral, considera-se como valor econômico total da natureza a soma do valor de uso direto (valor atribuído aos recursos naturais pelos indivíduos e pelas organizações que usufruem dos insumos e dos produtos do meio ambiente) mais o valor de uso indireto (ciclo de nutrientes, microclima, etc.) mais o valor de opção (conservação dos recursos ambientais para um uso futuro) mais o valor de existência (relacionado com as avaliações monetárias dos ativos ambientais); ver Haddad, P. R. e Rezende, F. Instrumentos Econômicos para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, MMA/SCA, Brasília, 2002.

43

Furtado “o verdadeiro desenvolvimento é, principalmente, um processo de ativação e

canalização de forças sociais, de melhoria da capacidade associativa, de exercício da

iniciativa e da criatividade. Portanto, trata-se de um processo social e cultural, e apenas

secundariamente econômico. O desenvolvimento ocorre quando, na sociedade, se

manifesta uma energia capaz de canalizar, de forma convergente, forças que estavam

latentes ou dispersas. Uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão

das preocupações e das aspirações dos grupos sociais que tomam consciência de seus

problemas e se empenham em resolvê-los12”.

Sergio Boisier tem insistido que o desenvolvimento de uma região ou localidade, no longo

prazo, depende profundamente da sua capacidade de organização social e política para

modelar o seu próprio futuro (processo de desenvolvimento endógeno), o que se

relaciona, em última instância, com a disponibilidade de diferentes formas de capitais

intangíveis na região ou localidade (ver Quadro 3).

Percebe-se, com maior clareza, o conceito de desenvolvimento endógeno em situações de assimetria no retrocesso econômico. Por exemplo: se uma economia desenvolvida se

atrofia ou involui por causa de um evento exógeno (por exemplo, países da Europa após a II

Grande Guerra) e assume os indicadores de renda per capita, de comércio e de

produtividade típicos de uma economia subdesenvolvida, quando recebe novos estímulos e

incentivos (por exemplo, financiamentos e apoio técnico do Plano Marshall) a sua reação é

rápida e acelerada, por causa de sua capacidade endógena de mobilizar capitais tangíveis e

intangíveis para promover a retomada do desenvolvimento econômico e social. O mesmo

não ocorre em regiões subdesenvolvidas (do Norte e do Nordeste do Brasil, por exemplo)

onde a escassez de capital social faz com que programas de financiamento e assistência

técnica possam levar a situações de reprodução das desigualdades e das assimetrias

sociais.

12 Furtado, C. A Nova Dependência. Paz e Terra, 1982. Ver também suas reflexões sobre o tema do desenvolvimento no livro da coleção “Os Economistas”, publicado pela Abril Cultural: Teoria e Política de Desenvolvimento Econômico. Sobre o pensamento dos principais autores que analisaram a questão do capital social no processo de desenvolvimento, ver Augusto Franco – Capital Social, Instituto de Política, Millennium, Brasília, 2004.

44

QUADRO 3 Formas de Capitais Intangíveis Determinantes do Processo de Desenvolvimento

Regional Algumas Formas de Capitais Intangíveis

Especificação

1. Capital Institucional As instituições ou organizações públicas e privadas existentes na região: o

seu número, o clima de relações interinstitucionais (cooperação, conflito,

neutralidade), o seu grau de modernidade.

2. Capital Humano O estoque de conhecimentos e habilidades que possuem os indivíduos que

residem na região e sua capacidade para exercitá-los.

3. Capital Cívico A tradução de práticas de políticas democráticas, de confiança nas

instituições, de preocupação pessoal com os assuntos públicos, de

associatividade entre as esferas públicas e privadas, etc.

4. Capital Social O que permite aos membros de uma comunidade confiar um no outro e

cooperar na formação de novos grupos ou em realizar ações em comum.

5. Capital Sinergético Consiste na capacidade real ou latente de toda a comunidade para articular

de forma democrática as diversas formas de capital intangível disponíveis

nessa comunidade.

Fonte: S. Boisier Conversaciones Sociales Y Desarrollo Regional. Editorial de la Universidad de Talca, 2000. Boisier menciona, ainda, como capitais intangíveis: o capital cultural, o capital cognitivo e o capital simbólico.

Assim, um processo de desenvolvimento endógeno é concebido e implementado a partir da capacidade que dispõe determinada comunidade para a mobilização social e política de recursos humanos, materiais e institucionais, em uma determinada localidade ou região. Um processo de desenvolvimento endógeno percorre, normalmente,

algumas etapas (ver Figura 2):

• Não é um processo que brota no terreno do conformismo, da apatia, da inércia ou da

passividade dos habitantes de uma região onde uma dinâmica de organização social e

política ainda não se faz presente. Não há desenvolvimento onde não há inconformismo

com relação ao mau desempenho dos indicadores econômicos, sociais e de

sustentabilidade ambiental. Assim, numa primeira etapa, é importante organizar a

estruturação deste inconformismo.

• A etapa seguinte tem sido procurar diagnosticar, técnica e politicamente, as razões e as

causas do mau desempenho destes indicadores. Não se trata apenas de preparar

documentos elaborados por especialistas mas, principalmente, de conscientizar as

lideranças políticas e comunitárias sobre o que deve ser feito para transformar as

45

condições atuais, visando a obter melhores índices de desenvolvimento humano, de

competitividade econômica, etc.

• A terceira etapa envolve a transformação de uma agenda de mudanças em um plano de

trabalho de mudanças (Plano de Ação). Um plano de trabalho que seja não somente

tecnicamente consistente, mas essencialmente gerado a partir de uma intensa

mobilização dos segmentos da sociedade civil, em regime de pacto e parceria com as

autoridades e instituições locais e supra-locais.

FIGURA 2

Etapas de um Processo de Desenvolvimento Endógeno

Potencialidades não mobilizadas

Problemas socioeconômicos

Situação de Inconformismo

Diagnose Participativa

Construção de uma Agenda de Mudanças

Processo de Implementação

Elaboração de um Plano de Ação

Informações Técnicas

Instrumentos disponíveis

Consistência técnica

Fórum de debates

Consultas formais e informais às

lideranças

Processo de negociação

Mecanismos de controle e avaliação

Sistema de indicadores de processos e de

resultados

46

Usualmente, quando se entrevistam os principais líderes comunitários regionais ou locais,

não é difícil diagnosticar que o seu inconformismo se encontra, muitas vezes, difuso ou

latente, sem uma expressão formalizada ou explícita, quanto aos problemas econômicos,

sociais e ambientais a serem resolvidos, ou quanto às potencialidades de crescimento

econômico a serem mobilizadas. Para que possa haver um processo de mobilização social

e política para o desenvolvimento de uma região subdesenvolvida, é importante, de início,

conscientizar e sensibilizar as lideranças locais, explicitando e estruturando as

características deste inconformismo.

A estruturação do inconformismo, em geral, envolve reflexões quanto ao baixo desempenho

dos indicadores econômicos (taxa de crescimento do produto territorial, índice de valor

agregado total, diversificação da base produtiva, adensamento da cadeia de valor

econômico, etc.), dos indicadores sociais (taxa de analfabetismo, esperança de vida ao

nascer, taxa combinada de matrículas e de frequência nos três níveis de ensino,

concentração da renda e da riqueza, etc.) e dos indicadores de sustentabilidade ambiental

(qualidade das micro-bacias hidrográficas, tratamento do lixo urbano, uso de defensivos

agrícolas, etc.), como quanto ao reduzido nível de aproveitamento das oportunidades de

investimentos disponíveis.

Entretanto, frustrações e anamneses podem ir se acumulando ao longo do tempo, durante

anos e anos, sem que nada ocorra pela ausência de uma agenda ou um projeto estruturado de reformas e de mudanças. Um projeto que seja, não somente tecnicamente

consistente, mas essencialmente gerado a partir de uma intensa mobilização dos

segmentos organizados da sociedade civil, em regime de pacto com as autoridades políticas

locais ou regionais. Esta é a etapa mais difícil de se constituir, pois envolve um contexto

específico de desenvolvimento político-institucional, o qual não se constata com maior

freqüência entre as regiões e os municípios brasileiros, particularmente nas regiões menos

desenvolvidas do País. Entretanto, em algumas microrregiões e municipalidades, a iniciativa

de organizar esta etapa de ativação social e de romper com as inércias prevalecentes vem

nascendo de lideranças empresariais, de lideranças políticas e tecnoburocráticas ou,

também, de lideranças comunitárias locais.

Pode-se observar que, em geral, os projetos bem sucedidos de reformas e de mudanças nas cidades e nas regiões mais prósperas ocorreram em contextos que envolveram uma situação de expressiva endogenia no seu processo de desenvolvimento econômico e social. Ou seja, a forte presença de atores sociais (líderes

políticos, empresariais, comunitários) na concepção e na condução das experiências de

47

promoção do desenvolvimento, e não apenas o movimento de instituições e de agências

externas ao município ou à região que atuam de forma excludente quanto à relativa

autonomia decisória local. Neste sentido, a etapa de desenho e de execução de uma agenda de mudanças econômicas e sociais em uma área fica na dependência da qualidade de suas lideranças políticas e comunitárias: o seu nível de consciência social,

de conhecimento sistêmico, de capacidade de gestão administrativa, de negociação em

situações de conflitos e de tensões; a sua capacidade de atrair recursos de instituições e

agências localizadas em seu entorno externo de decisão; etc.

Registra-se, também, em todos os casos de sucesso, alguma experiência de maior ou

menor profundidade de reforma do setor público, envolvendo o ajuste fiscal e financeiro,

uma reforma administrativa e, principalmente, uma especificação mais precisa dos limites e

das articulações entre o espaço do setor público e o espaço do setor privado (Segundo

Setor e Terceiro Setor). Quanto mais se definirem possibilidades de formas concretas de cooperação e de parceria entre estes dois setores, mais serão as chances de se

superarem problemas econômicos e sociais e de se mobilizarem potencialidades de

crescimento da economia local e regional. A identificação destas potencialidades e a sua

ativação num contexto de competitividade dinâmica são a base indispensável para que uma

economia urbana ou regional encontre uma trajetória de crescimento sustentado.

Neste sentido, não se pode esperar que a promoção do desenvolvimento econômico e

social das regiões e dos municípios do País venha a ser realizada tão somente pelas

instituições e agências do Governo Federal ou do Governo Estadual, as quais, na verdade,

devem ser consideradas como parceiras potenciais na elaboração e na implementação de

políticas, de programas e de projetos de mudanças concebidos e implementados a partir da

atuação das sociedades locais.

12. Para que as experiências de desenvolvimento endógeno adquiram transparência e legitimidade, é fundamental que estas aconteçam dentro do estilo de planejamento participativo. O planejamento governamental deve ser um processo aberto de negociação permanente entre o Estado e as instituições da sociedade civil. Negociar significa, entre outras coisas, assumir o conflito e reconhecer nos conflitos de

interesse a própria seiva da experiência e dos compromissos democráticos. As lutas, os

conflitos, os dissídios, as dissidências são as formas pelas quais a liberdade se converte em

liberdades públicas, em liberdades concretas. Assim, o compromisso democrático impõe a

todas as etapas do processo de planejamento o fortalecimento de estruturas participativas e

a negação dos procedimentos autoritários que inibem a criatividade e o espírito crítico.

48

A experiência de vários países nos mostra13 que, quanto mais o processo de planejamento e

de formulação de políticas públicas facilitar a participação dos cidadãos, mais a comunidade

considerará a função de planejamento como uma forma democrática. Se planejar

significasse simplesmente a produção de um documento em linguagem técnica e

especializada, teríamos, inevitavelmente, um divórcio no relacionamento genuíno entre

cidadãos e planejadores. Não podemos assumir, contudo, uma atitude ingênua em face do

planejamento participativo. Existem inúmeras dificuldades para estabelecer esse tipo de

participação: como o conceito pode ser operacionalizado; que recursos são necessários;

como definir a legitimidade das representações, bem como o seu nível de responsabilidade;

etc. Tudo isto sem falar que a participação é, de fato, um meio de reduzir diferenças de

poder, envolvendo, pois, delicadas questões no bojo do sistema político.

O plano se constitui, quase sempre, de diagnósticos, projeções, avaliação de políticas,

propostas de alternativas de desenvolvimento, programas e projetos. Para cada um desses

elementos é maior ou menor a contribuição que pode ser conseguida fora das agências

especializadas em planejamento. Quanto mais genérico o escopo do plano e mais amplo o

seu horizonte de tempo, menos adequado e útil será o planejamento participativo. Quanto

mais o planejamento se aproximar das necessidades básicas e diretas da população e de

seus problemas concretos, mais os cidadãos e seus interlocutores políticos poderão opinar

sobre a prioridade entre projetos alternativos; da mesma forma, sentir-se-ão mais motivados

para mobilizar os seus próprios recursos na execução desses projetos. Neste sentido, há

projetos em que a participação comunitária ocorre desde a fase de sua concepção até a sua

própria execução. Em programas integrados de desenvolvimento urbano ou rural, há, muitas

vezes, fundos e financiamentos a serem alocados a partir de projetos concebidos pela

própria comunidade-alvo que se envolve em sua preparação e no controle de sua

implementação.

Embora a prática do planejamento participativo seja ainda embrionária no Brasil, já existem

algumas instituições públicas, a nível federal, estadual e local, que estão modificando o seu

estilo de atuação, visando a mobilizar os recursos latentes das comunidades e regiões para

a concepção e execução de projetos de desenvolvimento. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos está sendo concebido e elaborado, fundamentalmente, como uma prática de planejamento participativo.

13 Fagence, M. Citizen Participation in Planning. Oxford, Pergamon Press, 1978. A participação a que nos referimos é a das ações de grupos sociais, associações comunitárias, empresariais e profissionais, a qual se processa de forma direta e informal, complementando a participação formal e indireta através dos seus representantes no Poder Legislativo. Ver Haddad, P. R. Participação, Justiça Social e Planejamento. Zahar Ed., 1980.

49

Usualmente, o processo de implantação de programas e projetos de desenvolvimento tem

adotado, no Brasil, mecanismos convencionais de implementação e de gestão, onde a

preocupação maior é a de monitorar e controlar a aplicação dos recursos alocados em cada

um dos seus componentes, através de critérios de eficiência e de eficácia, típicos das

burocracias tradicionais (sistemas de acompanhamento físico e financeiro; avaliações por

instituições de pesquisas não vinculadas aos programas; auditorias externas; etc.). Neste

contexto, tem sido limitada a participação, no seu controle, dos grupos sociais que, direta ou

indiretamente, se relacionam com os componentes de cada programa ou projeto em termos

de seus custos ou de seus benefícios.

Entretanto, ao longo das duas últimas décadas, é crescente o estímulo público à

participação popular no controle das políticas sociais descentralizadas ao nível local, por

meio das mais diferentes formas de conselhos municipais, cuja eficácia ainda está sendo

objeto de uma avaliação mais rigorosa.

O processo de planejamento participativo apresenta uma série de aspectos

surpreendentemente positivos em termos de eficácia operacional e de pedagogia social, os

quais podem ser sumarizados da seguinte forma14:

• haverá estímulos para que as comunidades locais possam tomar consciência de seus

problemas reais e desenvolver sua criatividade na busca de soluções, gerando uma

verdadeira construção de capacidades em torno da organização social e política de

cada programa ou projeto;

• este tipo de pedagogia de participação tem, em seu bojo, forte conteúdo motivacional;

terá, pois, muitas condições de incentivar as comunidades a se mobilizarem para a

implantação das metas e dos objetivos previstos para os programas e projetos que elas

mesmas ajudaram a decidir, e a enfrentar os sacrifícios decorrentes;

14 Adaptado de Cornely, S. A. Subsídios ao Planejamento Participativo (Item II). MEC, Brasília, 1980. Ver também: Hirschman, A. O. Getting Ahead Collectively: Grassroots Experiences in Latin America. Pergamon Press, 1984. No relatório de avaliação das experiências de desenvolvimento regional no Nordeste, Judith Tendler concluiu que os casos de bom desempenho tinham a ver com um conjunto de fatores entre os quais se destacava a participação, a nível local, de atores e organizações profundamente interessados em seus resultados (ver New Lessons from Old Projects: The Workings of Rural Development in Northeast Brazil. World Bank, 1993). Ver, também, duas publicações do Banco Mundial que ilustram experiências internacionais de planejamento participativo em diferentes tipos de programas e projetos: Salmen, L. F. Listen To The People: Participant – Observer Evaluation of Development Projects. Oxford University Press, 1987. Cernea, M. M. Putting People First: Sociological Variables in Rural Development. Oxford University Press, 1991. Um trabalho recente sobre as experiências internacionais e nacionais de planejamento participativo se encontra no Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, MINIPLAN, Brasília, 2003 (relatório especial).

50

• durante as diversas fases de diagnose dos problemas e das potencialidades de cada

região ou setor, as mesmas serão participadas por segmentos da comunidade, técnicos e

líderes empresariais, aportando dados mais realistas e elementos qualitativos; evitar-se-

á, então, que os conhecimentos se baseiem exclusivamente em dados quantitativos, que

retratam apenas parte de sua realidade e escamoteiam, muitas vezes, informações qualitativas importantes para os processos de mudanças;

• o produto do processo de planejamento participativo será uma agenda de mudanças,

com metas e objetivos mais contextualizados e mais adaptados à realidade concreta que

se quer mudar e ao modelo que se deseja atingir, e, também, mais consentâneo com os

meios de que as organizações e as comunidades locais podem dispor;

• este mesmo processo pedagógico ajuda a agregar novas vontades e interesses ao programa e, por isso mesmo, fortalece as forças favoráveis às mudanças, da mesma

forma e pelas mesmas razões, ajuda a minar as forças de resistência que sempre se

opõem a qualquer processo de transformações estruturais;

• os conflitos existentes para a organização e a consolidação de cada programa ou projeto,

não significarão obstáculos intransponíveis; ao contrário, através da ação dialógica, da discussão e do debate, da negociação e da barganha, dos pactos e coalizões, se

poderá garantir a canalização positiva dos conflitos de interesses;

Como as diferentes comunidades que irão se envolver no processo de concepção e de

implementação de cada programa ou projeto têm características econômicas, sociais e

culturais bastante heterogêneas, é importante observar como se comportam no processo de

participação. Em primeiro lugar, temos de destacar que nem sempre esta participação

ocorre de forma espontânea. Muitas vezes, o envolvimento comunitário terá de ser mais

induzido, naquelas situações onde a comunidade não dispõe de recursos de mobilização

(especialmente sobre seus direitos como cidadão) e de familiaridade com modelos de ação

coletiva organizada. Por outro lado, esta indução, que geralmente se faz necessária para

organizar o processo de participação, não pode afetar a autonomia institucional dos grupos

comunitários, aumentando a presença das burocracias governamentais na concepção e na

implantação dos programas e projetos.

Não resta dúvida de que programas públicos, que estimulam a execução de projetos

estreitamente vinculados à função de bem-estar social das diferentes comunidades, poderão

constituir um dos caminhos que as burocracias dos três níveis de governo venham a

51

encontrar para sua articulação com os segmentos da sociedade civil no processo de

planejamento. Esses programas têm um elevado conteúdo redistributivo e passam a ter

especial oportunidade no atual contexto sócioeconômico do País, quando se procura

atenuar o elevado grau de desigualdades sociais que estão atingindo uma situação

politicamente intolerável. Entretanto, programas de organização de arranjos produtivos locais, de desenvolvimento social, de combate à fome, etc. têm que levar em consideração que somente serão bem sucedidos, se se configurarem como programas de mobilização social e política das comunidades locais, onde se busca uma relação de parcerias Estado-Sociedade, porém com ampla autonomia institucional dos grupos comunitários e empresariais.

Esta mobilização social e política das comunidades é um caminho para se organizarem para

um processo de negociação junto às instituições nacionais e internacionais, visando a atrair

os seus instrumentos e mecanismos operacionais, além de seus capitais intangíveis

(humano, institucional, social, etc.), uma vez que estas comunidades não dispõem dos

recursos em quantidade e qualidade indispensáveis para a promoção de seu

desenvolvimento.

Embora o processo participativo se baseie em alguns princípios e doutrinas fundamentais, a sua prática é multifacetada e os modelos operacionais adotados variam de acordo com as circunstâncias históricas de cada país, região ou localidade. Além do mais, a democracia participativa, mesmo sendo um grande avanço na legitimação do processo de tomada de decisão do setor público, não pode nem deve ser considerada substituta da democracia representativa que precisa ser fortalecida e instrumentalizada. Em última instância, é na própria democracia representativa que os segmentos não organizados da sociedade civil encontram espaço de interlocução e de expressão15.

IV. OS REBATIMENTOS ESPACIAIS DAS MEGA-TENDÊNCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PNRH

13. É curioso observar que a escassez crescente de alguns recursos naturais (água,

madeira, biodiversidade) ainda não têm se manifestado de maneira expressiva por seus

preços de mercado nas áreas mais desenvolvidas do País, o que tem reduzido os impactos

e estímulos indispensáveis para a sua conservação, recuperação ou preservação por parte

dos agentes econômicos (produtores e consumidores) situados nestas áreas. Uma 15 MMA/CDS – Agenda 21 Brasileira, Brasília, 2002.

52

explicação plausível para esta situação está relacionada às possibilidades de que as regiões

Sul e Sudeste possam se abastecer, a baixo custo, de recursos ambientais de outras

regiões do País, regularizando a sua oferta por meio de importações inter-regionais, toda

vez que ocorrer expansão da demanda local.

Como tende a crescer significativamente este processo de postergar políticas ambientais

que possam impor o uso racional dos recursos naturais nas áreas mais desenvolvidas - as

que mais avançaram na destruição de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis

(Mata Atlântica, Bacias Hidrográficas, etc.) -, e, tendo em vista a possibilidade de

importações inter-regionais de produtos com alta intensidade destes recursos, já estão

identificados sentimentos regionalistas nas áreas exportadoras (particularmente no Norte

e no Centro-Oeste), sendo este um dos desafios para a construção de uma economia de

solidariedade regional.

As estratégias de desenvolvimento sustentável devem estar atentas a possíveis movimentos

regionalistas por força de tensões sociais e políticas provocadas, fundamentalmente, pela

difusão desigual da dinâmica do crescimento econômico no espaço nacional. Esses

movimentos regionalistas podem se manifestar em diferentes situações, quando ocorre:

uma perversa transferência inter-regional de excedentes produtivos; uma persistente

deterioração nos termos de intercâmbio inter-regional; relações de dependência entre

regiões.

Neste último caso, as instituições públicas e as privadas das áreas mais desenvolvidas de

um país pretendem, pela manipulação de sua força de decisão pelo poder político central,

definir a forma, a intensidade e a cronologia do uso dos recursos naturais e dos recursos

energéticos das áreas menos desenvolvidas, particularmente daquelas localizadas na

fronteira externa da economia nacional, desconhecendo os interesses dos grupos sociais

locais quanto ao seu próprio desenvolvimento.

Um País com dimensões geográficas e heterogeneidade sociocultural tem, como um dos

principais objetivos de desenvolvimento, a preservação da sua unidade nacional. Assim,

devem se formular e implementar estratégias político-institucionais para o controle dos

conflitos regionais, pela promoção do desenvolvimento sustentável das áreas periféricas do

País e, particularmente, da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes por meio de

ações programadas, deixando de considerar estas regiões tão-somente como “grandes

almoxarifados de recursos naturais e recursos energéticos” à disposição dos eixos mais

desenvolvidos.

53

Nesse sentido, torna-se indispensável, também, promover a reestruturação produtiva das

localidades e microrregiões dos eixos mais desenvolvidos do País, onde o processo de

crescimento econômico vem promovendo uma ampla devastação da sua base de recursos

naturais, assim como da base de recursos naturais das demais áreas onde se abastecem

direta ou indiretamente destes recursos.

14. Para os objetivos específicos da formação de diretrizes e metas do PNRH, é

indispensável que se estabeleça uma análise das implicações espaciais das mega-tendências da economia brasileira no período 2005-2020, com destaque para a

demanda de recursos naturais. Sabe-se que esta demanda dependerá, entre outros fatores,

do padrão locacional das atividades que poderá ser dominado por forças dispersivas

(distribuição espacial de insumos transferíveis, competição por insumos locais escassos,

etc.) ou por forças de coesão aglomerativas (distribuição espacial de mercados, economias

de urbanização, economias internas de escala, etc.).

É preciso identificar as forças que deverão atuar na distribuição espacial das atividades econômicas no novo ciclo de expansão do País, assim como seus impactos sobre os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, ao longo do período 2005-2025.

A distribuição espacial das atividades econômicas, nos dois ciclos de expansão da

economia brasileira no pós-Guerra, permite definir uma periodização que mostra três

diferentes momentos. O período de concentração econômica espacial, que ocorre de 1950 a

1975. O período de desconcentração econômica espacial, que vai da segunda metade dos

anos 70 até a primeira metade dos anos 80 (1976-1986). E, finalmente, o período que vai de

1986 até o início do século XXI, de relativo equilíbrio na participação das economias

regionais no Produto Interno Bruto, indicando o esgotamento ou a desaceleração do

processo de desconcentração. Portanto, o Brasil está, atualmente, num ponto da Curva de

Williamson em que o processo de desconcentração espacial do crescimento econômico

nacional, iniciado nos anos 70, tende a se estabilizar (ver Figura 3).

54

FIGURA 3

Curva de Williamsom

C

A

Y/P (renda per capita)

VW (índice de Williamson)

I II III

0

Ausência de centrosou pólos de

desenvolvimento

Polarização decorrente dadisponibilidade de infra-estrutura econômica, daseconomias de escala, deaglomeração e deurbanização, etc.

Reversão da polarização decorrente dedeseconomias de aglomeração, melhoria

da infra-estrutura do País, incentivosfiscais e promoção industrial, etc.

Novos ciclos de expansão

B

I. Baixo nível de crescimento econômico A - nem concentração nem despolarizaçãoII. Elevado nível de crescimento econômico B - reconcentração espacialIII. Reversão da polarização C - acentuada despolarização

1,0

A Curva de Williamson identifica o grau de disparidades regionais de desenvolvimento pelo índice de Vw, um coeficiente estatístico de variação que mede as diferenças do PIB per capita de cada Estado em relação ao PIB per capita do País, ponderadas pelas respectivas participações relativas no total da população brasileira. O seu valor varia de 0,0 (perfeita igualdade regional) a 1,0 (perfeita desigualdade interregional). A dimensão histórica de cada fase da curva varia de país para país e de região para região. No caso brasileiro, a reflexão mais importante em torno da configuração desta curva (que se assemelha à curva de Kuznets para medir a evolução das desigualdades sociais na distribuição de renda) está na análise prospectiva sobre a sua tendência nos novos ciclos de expansão16.

Os fatores determinantes da reversão da polarização no Brasil foram:

• aumento progressivo dos custos de concentração, associados às deseconomias de

aglomeração, especialmente na Área Metropolitana de São Paulo; houve elevação dos

preços relativos das terras, dos aluguéis e dos salários; crescimento dos custos de

congestionamento e de infra-estrutura, além da crescente pressão sindical e da

legislação ambiental mais rigorosa;

• avanço da infra-estrutura econômica e social em direção a outros Estados e Regiões,

principalmente por causa dos maciços investimentos em infra-estrutura de transporte

interregional;

• políticas públicas e incentivos fiscais regionais; nesse caso, destaca-se a grande

importância do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para a desconcentração

16 Adaptado a partir do artigo de J. Williamsom, Economic Development and Cultural Change, Vol. 13, - , 3-84.

55

das atividades produtivas, na medida em que as demais regiões, com exceção do

SUDESTE, passaram a ser o principal destino da maior parte dos novos investimentos,

inclusive dos investimentos diretos realizados pelas empresas estatais federais;

• ampliação das fronteiras agrícola e mineral, beneficiada pelas condições de

acessibilidade às áreas de grandes potencialidades de recursos naturais das

Macrorregiões CENTRO-OESTE e NORTE17;

• unificação do mercado, que veio ampliar o movimento da concorrência interempresarial

para a ocupação do mercado nacional; entre outros.

Os novos ciclos de expansão da economia brasileira levarão o País, ao longo do século XXI, para um definitivo processo de reversão da polarização (segmento C da Curva de Williamson) ou tendem a reforçar a reconcentração dos frutos do crescimento (segmento B)?

É de se esperar que os novos ciclos de expansão da economia brasileira, durante o século

XXI, sejam intensivos em ciência e tecnologia na geração de diferentes produtos, processos

e técnicas de gestão que irão compor a formação do Produto Nacional de uma economia

cada vez mais exposta à competição externa. Estudos comparativos internacionais sobre os

novos padrões de localização dos projetos de investimentos, semelhantes aos que irão dar

sustentação a estes ciclos de expansão, identificam que as vantagens relativas das regiões

para atraí-los dependerão, relativamente, cada vez menos da disponibilidade de recursos

naturais ou de mão-de-obra não qualificada em abundância (fatores locacionais tradicionais)

e cada vez mais da existência, na região, de trabalhadores qualificados em permanente

processo de renovação de conhecimentos, centros de pesquisa, recursos humanos

especializados, ambiente cultural, etc. (fatores locacionais especializados ou não-

tradicionais). Dada a atual geografia de distribuição espacial destes fatores não-tradicionais

entre as regiões brasileiras, há fortes sinalizações de que, no novo ciclo de expansão,

17 Há muitas ações que uma região pode implementar para tornar-se mais competitiva na atração de atividades econômicas. Mas existem diversas características da natureza e da sua posição dentro da nação que são inalteráveis, de tal forma que uma avaliação realista das vantagens e desvantagens relativas de uma região, em termos de potencial de crescimento, pode-se iniciar com a indicação do seu grau de “acesso” a insumos e mercados. Quando se utiliza o termo “acesso” no sentido de representar a soma das vantagens e desvantagens relativas para a produção de determinada mercadoria em algum local, tem-se em mente não apenas os obstáculos (custos) impostos à região pela distância, para reunir insumos e distribuir a produção; a questão dos custos relativos é crítica; uma oportunidade favorável em algum local pode não ser explorada devido à existência de uma melhor oportunidade em outro local. Portanto, a incorporação das noções de custos de oportunidade e de concorrência são importantes para a melhor compreensão do conceito de “acesso” (ver Dodds, V. and Perloff, H. How a Region Grows, CED).

56

poderá ocorrer uma reconcentração espacial dos seus benefícios no Sul e no Sudeste do

País.

Como os fatores locacionais especializados são do tipo man-made, podendo ser

reproduzidos em quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de

planejamento do desenvolvimento, amplia-se o grau de liberdade que dispomos para

realizar políticas interregionais de natureza compensatória, aumentando o poder de atração

de novos investimentos nas áreas menos desenvolvidas do País, ao longo dos novos ciclos

de expansão econômica. Uma possibilidade concreta, para evitar um eventual processo de

reconcentração espacial dos frutos dos novos ciclos de expansão da economia brasileira no

século XXI, será a implementação dos programas e projetos estruturantes dos Eixos

Nacionais de Integração e Desenvolvimento no NORTE, NORDESTE e CENTRO-OESTE,

articulados com os arranjos produtivos locais nas suas áreas de influência. Para cada um

destes Eixos está definido um portfólio de investimentos de infra-estrutura econômica e

social, onde indubitavelmente se destacam aqueles vinculados com a sua logística de

transporte. É importante para atrair as empresas para as áreas menos desenvolvidas do

País que nelas se encontrem: uma massa crítica de fornecedores locais de componentes e

de serviços terciários e quaternários que contribuam significativamente para a melhoria dos

produtos e da eficiência dos processos de produção. É fundamental que as empresas

localizadas nestas áreas possam receber fluxos atualizados de informações especializadas

sobre tecnologia e características dos clientes, bem como se inter-relacionarem com outros

participantes do desenvolvimento local.

15. A preocupação com a posição relativa das áreas menos desenvolvidas ou

economicamente deprimidas, no cenário macrorregional do País, se deve aos padrões locacionais concentradores nos novos ciclos de expansão da economia brasileira18:

• dada a recalcitrante crise de endividamento externo do Brasil, a promoção de

exportações de manufaturados torna-se um instrumento de política econômica de alta

prioridade; para garantir a competitividade dessas exportações, será necessário reforçar

seus processos produtivos em termos de atividades intensivas de ciência e tecnologia

(microeletrônica, computação eletrônica, etc.), as quais serão atraídas por economias de

regionalização junto aos seus clientes potenciais nas áreas mais industrializadas do

18 Diniz, C. C. Competitividade Industrial e Desenvolvimento Regional no Brasil. MCT/FINEP/PADCT, Campinas 1993. Haddad, P. R. “Os Novos Pólos Regionais de Desenvolvimento no Brasil” in Estabilidade e Crescimento: Os Desafios do Real. Fórum Nacional, José Olympio Editora, 1994. Os artigos de Azzoni, C. R.; Baer, W., Haddad, E. e Hewings, G.; e Diniz, C. C. no livro organizado por Anita Kon: Unidade e Fragmentação – A Questão Regional no Brasil, Ed. Perspectiva, 2002.

57

País, onde é gerada a parcela maior das exportações de industrializados; o papel das

áreas menos desenvolvidas tende a se restringir às exportações de produtos com menor

densidade econômica ou menor valor agregado, uma vez que as economias destas

áreas se baseiam em vantagens comparativas e não em vantagens competitivas;

• tendo em vista a grave crise fiscal e financeira do poder público brasileiro, dificilmente

poderá ocorrer um indispensável e significativo apoio de políticas governamentais às

áreas periféricas, em termos de investimentos de infra-estrutura econômica e social e de

incentivos adicionais, visando a inverter tendências espacialmente concentracionistas

dos padrões locacionais, como ocorreu nos anos 70 e início dos anos 80, com maior

crescimento das áreas menos desenvolvidas do País;

• muitas das novas atividades de alta tecnologia (química fina e novos materiais, por

exemplo), por terem características de produção conjunta (com a indústria farmacêutica

e a metalurgia), são atraídas para onde o grosso do parque industrial já se concentra

espacialmente;

• embora tenham características históricas e estruturais diferentes, as regiões de países

emergentes como o Brasil não podem deixar de observar que ali a geografia das

indústrias e setores de alta tecnologia tem demonstrado uma concentração persistente

em algumas poucas áreas, com pequena intensidade de dispersão;

• até mesmo em atividades de alta tecnologia, nas quais predominam empresas de

pequeno e médio portes, estas procuram localizar-se no campo aglomerativo das áreas

mais desenvolvidas, uma vez que os diferenciais de custos de produção que aí podem

ser obtidos são cruciais para a sua sobrevivência organizacional;

• entretanto, como os fatores locacionais especializados podem ser reproduzidos em

quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de planejamento,

amplia-se o grau que dispomos para realizar políticas interregionais de natureza

compensatória, aumentando o poder de atração de novos investimentos nas áreas mais

pobres do País, ao longo dos novos ciclos de expansão econômica.

Não se pode, contudo, subestimar as possibilidades de que áreas importantes do Centro-

Oeste, do Norte e o próprio Nordeste (Oeste da Bahia, Sul do Maranhão, Sudoeste do Piauí,

Sul do Pará, etc.) possam crescer economicamente em ritmo acelerado para atender à

demanda mundial em expansão de produtos intensivos de recursos naturais (grãos, metais,

58

etc.) com menor ou maior grau de beneficiamento. Desde que o Brasil abriu de forma

expressiva a sua economia, há uma grande chance (dependendo dos fundamentos

econômicos domésticos) de que possa se beneficiar dos ciclos longos de expansão da

economia mundial, como ocorre atualmente, alavancados pelas economias dos EE.UU. e da

China. É evidente que a mobilização destas potencialidades de crescimento regional

dependerá, decisivamente, da eliminação de pontos de estrangulamento na sua infra-

estrutura de transporte e de pesquisas tecnológicas.

Finalmente, é preciso destacar como os cada vez mais elevados preços de energia poderão afetar os padrões de localização das atividades econômicas. Em geral, pode-

se afirmar que as conseqüências espaciais dos preços mais elevados da energia

dependerão da natureza de respostas na produção e no tipo de mudanças na estrutura de

custos de transporte que vierem a ocorrer. A orientação da indústria em direção a insumos

específicos ou ao mercado, por exemplo, poderá ser influenciada por estes determinantes

locacionais. Certamente, um dos canais, através dos quais os preços de energia poderão

afetar as decisões locacionais, será através da estrutura intermodal dos custos de

transferência de insumos e de produtos.

Em resumo: como decorrência de políticas públicas de desenvolvimento regional (investimentos de infra-estrutura econômica e social, incentivos fiscais, financiamentos facilitados, investimentos das empresas estatais, etc.), houve um processo de recuperação das economias periféricas a partir de 1975, quando passaram a crescer em ritmo mais acelerado do que o conjunto do País. Entretanto, apesar dos avanços registrados, é inequívoca a persistência ainda de desequilíbrios regionais de desenvolvimento econômico e social no Brasil. Particularmente, a estagnação do PIB per capita a preços constantes do NORDESTE nos últimos anos pode ser constatada: no período de 1970 a 1992 a sua taxa anual de crescimento foi 3,25%, enquanto no período de 1986 a 1998 foi de apenas 0,33%.

16. Para focalizar, adequadamente, os rebatimentos espaciais de desenvolvimento de um novo ciclo de expansão econômica, é preciso mapear as áreas (municípios e regiões) do País com maior potencial de desenvolvimento. Trata-se de uma questão

analítica de grande complexidade conceitual e operacional. É possível, contudo, dispor de

uma visão macroscópica do potencial de desenvolvimento dos municípios brasileiros (e de

sua agregação espacial) a partir de um Relatório Especial elaborado para delimitar as áreas

59

deprimidas do Brasil19. O Relatório se divide em dois momentos: no primeiro, procura-se

identificar os municípios que podem ser considerados como economicamente deprimidos;

no segundo, busca-se selecionar, entre estes municípios, aqueles que têm maior

capacidade endógena de superação de seu estado de depressão.

Usualmente, áreas economicamente deprimidas se caracterizam por apresentarem:

• Infra-estrutura básica em precárias condições de uso;

• Baixas taxas de crescimento econômico;

• Insuficiência de absorção de mão-de-obra (elevadas taxas de desemprego aberto, de

subemprego ou de desemprego disfarçado);

• Elevados índices de pobreza e de carências de serviços sociais;

• Fortes desequilíbrios socioeconômicos e intra-regionais (entre zonas urbanas e zonas

rurais), etc20.

Por outro lado, o processo de desenvolvimento de uma região ou de um município, que lhe

permite superar os seus problemas sociais e mobilizar suas potencialidades econômicas,

depende de sua capacidade endógena de organização social e política para modelar o

seu próprio futuro, que se associa ao aumento da autonomia regional ou local para a

tomada de decisões, ao aumento da capacidade para reter e reinvestir o excedente

econômico gerado pelo seu processo de crescimento, a um crescente processo de inclusão

social, a um processo permanente de conservação e preservação do ecossistema regional

ou local.

Toda tentativa de mensurar o grau de endogenia de determinado município, visando a avaliar sua capacidade de mobilização social e política para conceber e implementar uma agenda de mudanças, esbarra em três grandes obstáculos: 1) dada a importância dos capitais intangíveis no processo de desenvolvimento endógeno, ainda é muito difícil obter indicadores quantitativos que possam caracterizá-los a nível local; 2) mesmo para aqueles indicadores passíveis de quantificação, há problemas de

19 “Relatório Especial sobre as Áreas Deprimidas”, Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, MINIPLAN, Brasília, 2003). 20 Kon, A. (org.) Unidade e Fragmentação, Ed. Perspectiva, 2002. Schwartzman, S. Pobreza, Exclusão Social e Modernidade: Uma Introdução ao Mundo Contemporâneo, Augurium Editora, 2004.

60

disponibilidade de informações atualizadas para todos os municípios brasileiros; 3) não há experiência internacional consolidada que possa nortear a mensuração de indicadores do grau de endogenia local. Mesmo considerando estas restrições conceituais e práticas, apresentaremos a seguir uma experiência de classificar os municípios brasileiros segundo o seu grau de depressão econômica e de endogenia.

O primeiro passo consistiu na seleção das variáveis mais significativas para ilustrar as

dimensões escolhidas e na elaboração de indicadores-síntese. Os indicadores procuram

destacar a posição relativa de cada um dos 5507 municípios em relação à média brasileira,

em todas as dimensões. A relação e a análise das possíveis combinações entre indicadores

permitiram identificar algumas tipologias de municípios e, sucessivamente, a construção de

arquétipos, além da elaboração de um indicador-síntese do grau de depressão que permita

uma hierarquização dos municípios. Os resultados devem ser considerados tão somente como uma aproximação de um problema extremamente complexo e serem utilizados em políticas públicas apenas como uma referência preliminar para se mensurar o grau de depressão e a capacidade endógena dos municípios. Muitos dos indicadores

ficaram disponíveis a nível dos municípios brasileiros a partir do Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD/IPEA/FJP) e do Atlas de Exclusão Social no Brasil (Fundação SEADE), assim como a partir do Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (MINIPLAN), e das estatísticas municipais da FIBGE.

Um exame cuidadoso do conjunto de indicadores, elaborados para caracterizar os

municípios brasileiros, permite identificar sua heterogeneidade quanto às dimensões

econômicas, sociais e político-institucionais, assim como processar a busca de arquétipos

que possam nos dar uma visão de conjunto do que poderíamos denominar de “municípios

economicamente deprimidos”. É evidente que esta taxonomia irá se referir apenas à

realidade estatística observada nos anos 90; mas como estes indicadores são de natureza

estrutural, é bem provável que esta realidade detectada no estudo seja razoavelmente

representativa ainda neste início do século XXI.

Em primeiro lugar, os 5507 municípios brasileiros (situação de 2000) foram classificados em

quatro Quadrantes (ver Figura 4), onde, no eixo das abcissas, está uma medida do ritmo de

crescimento econômico do município, dado pelo nível relativo da expansão da sua renda per

capita de 1991 a 2000, e, no eixo das ordenadas, o seu grau de desenvolvimento, medido

simplificadamente pelo nível relativo da sua renda per capita em 2000. A origem dos eixos

(o ponto 100) equivale às médias nacionais das variáveis em questão: 30,2% para o ritmo

61

de crescimento e R$ 297,85 para a renda per capita. Pela análise do cruzamento destas

duas variáveis, verifica-se que:

• Municípios desenvolvidos em expansão (quadrante 1): são aqueles que se

encontram com o nível de desenvolvimento e o ritmo de crescimento local

simultaneamente acima da média nacional, por exemplo: municípios das regiões mais

desenvolvidas onde tem ocorrido (sempre na década de 90) um relativo progresso

científico e tecnológico em diferentes setores da sua base produtiva.

• Municípios desenvolvidos em declínio (quadrante 2): são aqueles que se encontram

com o nível de desenvolvimento acima da média nacional, porém seu ritmo de

crescimento está em declínio, abaixo portanto da média do País; por exemplo:

municípios das regiões mais desenvolvidas em processo de decadência econômica, tais

como algumas áreas de plantio tradicional do café ou áreas que não reestruturaram suas

indústrias no período pós-abertura na economia brasileira.

• Municípios em desenvolvimento (quadrante 3): são aqueles com ritmo de

crescimento em expansão, porém com nível de desenvolvimento abaixo da média

nacional; por exemplo: novas áreas da fronteira agrícola de grãos no Mato Grosso.

• Municípios economicamente deprimidos (quadrante 4): são aqueles com nível de

desenvolvimento e ritmo de crescimento ambos abaixo da média nacional, por exemplo:

áreas onde o subdesenvolvimento é crônico e não apresentam reações positivas de

crescimento ao longo dos diferentes ciclos curtos e longos de expansão da economia

brasileira.

Uma concentração maior dos municípios no Quadrante 3 poderia expressar um fato muito

relevante para o País, ou seja, os municípios com renda per capita abaixo da média

nacional conseguiram um ritmo de crescimento superior à média nacional ao longo dos anos

90. Entretanto, nestes anos, houve uma forte expansão das transferências de renda da

Previdência Social como decorrência das decisões redistributivas tomadas na Constituição

de 1988. Assim, o crescimento da renda per capita pode ter ocorrido, muitas vezes, como

decorrência de políticas sociais compensatórias e não de expansão econômica sustentada.

62

FIGURA 4 Municípios Classificados Segundo o Nível de Desenvolvimento e o Ritmo de

Crescimento

Nível deDesenvolvimento

(Y1/p)i / (Y/p)

Ritmo deCrescimento(ri/r)

1

3

2Regiões Desenvolvidasem expansão

Regiões Desenvolvidasem declínio

Regiões emDesenvolvimento

4Áreas

Deprimidas

100-25

+25

-25

-50 +25

-50

Baixo Potencial deDesenvolvimento

Ex.: regiões dosemi-árido

Cristalino

Médio Potencial deDesenvolvimento

Ex.: recursos naturaisabundantes

Vale do Ribeira

Alto Potencial deDesenvolvimento

Ex.: cluster potencial

Vale do Mucuri

Nível deDesenvolvimento

(Y1/p)i / (Y/p)

Ritmo deCrescimento(ri/r)

1

3

2Regiões Desenvolvidasem expansão

Regiões Desenvolvidasem declínio

Regiões emDesenvolvimento

4Áreas

Deprimidas

4Áreas

Deprimidas

100-25

+25

-25

-50 +25

-50

Baixo Potencial deDesenvolvimento

Ex.: regiões dosemi-árido

Cristalino

Baixo Potencial deDesenvolvimento

Ex.: regiões dosemi-árido

Cristalino

Médio Potencial deDesenvolvimento

Ex.: recursos naturaisabundantes

Vale do Ribeira

Médio Potencial deDesenvolvimento

Ex.: recursos naturaisabundantes

Vale do Ribeira

Médio Potencial deDesenvolvimento

Ex.: recursos naturaisabundantes

Vale do Ribeira

Alto Potencial deDesenvolvimento

Ex.: cluster potencial

Vale do Mucuri

Alto Potencial deDesenvolvimento

Ex.: cluster potencial

Vale do Mucuri

Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.

É possível vislumbrar mais de perto o Quadrante 4, onde podem-se constatar as curvas que

medem as distâncias geométricas dos valores municipais em relação à média nacional (25%

menores e 50% menores), e se há muitos valores extremamente afastados dos valores

médios nacionais. É possível também calcular, se a renda per capita brasileira ficar

estacionada, quantos anos seriam necessários para cada município do Quadrante 4 atingir

esta média, se ele continuasse a crescer no mesmo ritmo observado nos anos 90 (exceto

quando este valor fosse negativo): há muitos casos em que não se conseguirá atingir a

média brasileira nem mesmo durante um século.

Os municípios do Quadrante 4 foram classificados segundo o Índice de Potencial de

Desenvolvimento (IPDM), calculado originalmente para o Projeto de Atualização dos Eixos

Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Este índice foi construído para avaliar o

potencial de desenvolvimento dos municípios brasileiros como um dos componentes que

63

permitem delimitar as áreas economicamente deprimidas do País. A metodologia utilizada

foi formada por três passos: aplicação da análise fatorial, construção de um fator ponderado

e aplicação de análise espacial. Em torno do potencial normalizado, construiu-se um índice

onde os municípios são hierarquizados desde os que estão abaixo da média = 100 ( um

número expressivo no NE) e os que estão acima da média (o número mais expressivo no

SUL e SUDESTE). Para detectar o potencial de desenvolvimento dos municípios foram

utilizados dados de 21 variáveis, observadas para cada um dos 5507 municípios brasileiros.

As variáveis foram agrupadas em conjuntos menores como, por exemplo, variáveis

inerentes aos setores industrial, comercial e a condicionantes urbanos; variáveis

relacionadas às condições de vida; variáveis relacionadas com o setor agrícola, com o

intuito de melhor caracterizar os fatores.

Para se avaliar o grau de capacidade endógena dos municípios foram utilizadas três

variáveis:

1. IDHM – Longevidade - Um dos componentes do IDHM com peso de 1/3 em sua

formação. A longevidade da população de um município é medida pela esperança de vida

ao nascer, ou seja, o número de anos que as crianças recém-nascidas viveriam desde que

submetidas aos riscos da mortalidade prevalecentes na população na época de seu

nascimento; reflete as condições gerais de saneamento, saúde pública, nutrição, etc. de

determinado grupo social.

2. IDHM – Educação - Um dos componentes do IDHM com peso de 1/3 em sua

formação. Mede o grau de educação (informação e conhecimento) da população do

município através da média de duas variáveis: a taxa de alfabetização de adultos e a taxa

combinada de matrículas nos três níveis de ensino. Segundo estudo da FJP: “A migração

temporária, motivada pela busca de serviços educacionais eventualmente concentrados em

alguns poucos municípios (principalmente no caso da educação superior), faz com que a

matrícula em um dado município possa ser muito pouco indicativa das possibilidades da

população local em obter atendimento educacional e, portanto, do grau presente e futuro da

escolaridade da população. Assim, no IDHM é utilizada a freqüência à escola em vez da

matrícula”.

3. IQIM – Índice de Qualidade Institucional dos Municípios - No Projeto de

Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, foi concebido e

calculado o Índice de Qualidade Institucional dos Municípios Brasileiros (IQIM), a partir de

três conjuntos de sub-indicadores, com peso igual, identificados como: grau de participação

64

(existência de conselhos, conselhos instalados, conselhos paritários, conselhos

deliberativos, conselhos que administram Fundos), capacidade financeira (existência de

consórcios, receita corrente x dívida, poupança real per capita) e capacidade gerencial

(IPTU ano da planta, IPTU adimplência, instrumentos de gestão, instrumentos de

planejamento). Os 5507 municípios foram classificados em oito classes de acordo com o

valor do IQIM; este valor varia de 1,00 a 6,00, e quanto maior o IQIM melhor a situação da

qualidade político-institucional do município. Ou seja, quanto maior o grau de participação

comunitária na gestão do município, quanto maior a capacidade financeira do município e

quanto maior a capacidade gerencial do município, maior será o valor do IQIM.

A Tabela 4 relaciona as 8 combinações possíveis entre os indicadores econômicos,

conforme a posição do município entre acima (A) ou abaixo (B) da média brasileira. Na

última coluna, o número de municípios que se enquadram em cada uma dessas

combinações.

TABELA 4 POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES ECONÔMICOS

Tipo Nível de Desenvolvimento

Ritmo de Desenvolvimento

Potencial de Desenvolvimento

Número de Municípios

BBB Baixo Baixo Baixo 944 BBA Baixo Baixo Alto 690 ABB Alto Baixo Baixo 1 BAB Baixo Alto Baixo 1.681 BAA Baixo Alto Alto 1.652 ABA Alto Baixo Alto 156 AAB Alto Alto Baixo - AAA Alto Alto Alto 383 Total 5.507 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.

Analisando cada uma dessas combinações, foi possível caracterizar os conjuntos de

municípios tipificados:

BBB – municípios claramente deprimidos do ponto de vista econômico;

BBA e BAA – municípios com potencial próprio para alcançar níveis de

desenvolvimento mais elevados, sendo que o que os diferencia é o fato de terem ou

não crescido acima da média na última década; distribuem-se por todo o Território

Nacional, incluem áreas de expansão econômica, quatro Capitais e 231 municípios

de Regiões Metropolitanas;

65

ABB e AAB – situações anômalas (renda alta com potencial baixo), onde não

encontram-se municípios; a única incidência refere-se a um pequeno município ao

Norte do Mato Grosso (Feliz Natal, 6.769 habitantes em 2000) que apresenta

potencial equivalente a 97% da média brasileira;

BAB – municípios que, apesar de terem crescido acima da média brasileira na última

década, ainda não alcançaram um patamar favorável e, apresentando baixo

potencial, não há indicação de que eles sejam capazes de alcançar essa condição21;

ABA – municípios economicamente consolidados, mas que apresentaram um ritmo

de crescimento abaixo da média na última década, seja por enfrentarem alguma

situação conjuntural, seja por já terem atingido patamares muito elevados de renda;

a maior incidência é de municípios do sul/sudeste, além de sete Capitais;

AAA – municípios claramente não deprimidos do ponto de vista econômico.

Assim, a partir dessa análise, concluiu-se por considerar municípios economicamente

deprimidos o conjunto composto por 2.625 municípios, que foram classificados como BBB

ou BAB e serão melhor caracterizados nas dimensões social e político-institucional, as quais

permitirão a construção de arquétipos.

A mesma lógica foi utilizada para a construção da Tabela 5, que relaciona as 8 combinações

possíveis entre os indicadores sócio-institucionais, conforme a posição do município entre

acima (A) ou abaixo (B) da média brasileira. Na última coluna, está o número de municípios

que se enquadram em cada uma dessas combinações mas, agora, apenas dentre os

municípios já considerados deprimidos (tipos BBB e BAB, na tipologia econômica).

21 Para corroborar essa afirmação, é importante ressaltar que o crescimento da renda per capita brasileira no período 1991-2000 foi da ordem de 30% (menos de 3% a.a.), considerado bastante baixo. Também é importante lembrar que, no mesmo período, foi incorporada expressiva parcela da população à aposentadoria rural que, em muitos casos, passou a constituir uma parte substancial da renda de alguns municípios, sem que isso seja resultado de crescimento econômico, mas puramente de transferência de renda. De 1991 a 2000, enquanto o PIB per capita do Brasil cresceu a uma taxa anual de 1,39% e a renda per capita brasileira cresceu a 2,88% ao ano, o crescimento das transferências per capita foi de 6,9% ao ano.

66

TABELA 5 POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES SÓCIO-INSTITUCIONAIS

Tipo Longevidade Educação Qualidade Institucional

Número de Municípios

BBB Baixo Baixo Baixo 1.785 BBA Baixo Baixo Alto 542 ABB Alto Baixo Baixo 147 BAB Baixo Alto Baixo 17 BAA Baixo Alto Alto 18 ABA Alto Baixo Alto 110 AAB Alto Alto Baixo 3 AAA Alto Alto Alto 3 Total 2.625 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.

Conforme poderia se esperar, a maior concentração de municípios (68%) encontra-se na

combinação onde os três indicadores agora analisados ocupam posição inferior à média

brasileira (BBB), enquanto que a situação oposta, de três indicadores positivos (AAA), pode

ser considerada uma anomalia, categoria em que se enquadram apenas três municípios.

Estes indicadores sócio-institucionais permitirão, agregados aos indicadores econômicos e organizados de acordo com o número de indicadores positivos ou negativos, construir uma proposta de arquétipos de municípios deprimidos, conforme o seu potencial de endogenia.

Para efeito da formulação dos arquétipos para os municípios classificados como

economicamente deprimidos (ver Tabela 6), não se efetuou distinção entre os tipos BBB ou

BAB, o que pode representar uma grave distorção para casos específicos.

67

TABELA 6 ORGANIZAÇÃO DAS COMBINAÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DOS ARQUÉTIPOS

Tipo Número de Municípios

(Tipo)

Número de Municípios (Arquétipo)

Arquétipos

BBBBBB 690 BABBBB 1.095

1.785 Municípios economicamente deprimidos

com baixo potencial endógeno

BBBBBA 159 BBBBAB 9 BBBABB 53 BABBBA 383 BABBAB 8 BABABB 94

706 Municípios economicamente deprimidos com médio potencial endógeno

BBBAAB 2 BBBABA 25 BBBBAA 6 BABAAB 1 BABABA 85 BABBAA 12 BBBAAA - BABAAA 3

134 Municípios economicamente deprimidos com alto potencial endógeno

Total 2.625 2.625 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.

Assim, são considerados municípios economicamente deprimidos com baixo potencial

endógeno aqueles que também não apresentam nenhum indicador sócio-institucional acima

da média brasileira, com médio potencial endógeno os que apresentam ao menos um

indicador (longevidade, educação ou qualidade institucional) que lhes permita uma

vantagem comparativa na construção do desenvolvimento, e com alto potencial endógeno

os que apresentam dois ou três desses indicadores em condições favoráveis. A principal limitação desta classificação dos municípios brasileiros está, efetivamente em mensurar o grau de endogenia levando em consideração apenas indicadores de longevidade e de aspectos da educação e da qualidade institucional dos municípios.

O passo subseqüente constituiu-se na elaboração de um Indicador-síntese para avaliação

do grau de depressão dos municípios, no sentido mais abrangente dado a esta expressão.

Cabe ressaltar que a elaboração do Indicador-síntese do grau de depressão deve ser

encarado como uma informação complementar à apresentação de arquétipos de municípios

deprimidos. De maneira geral, o Indicador-síntese do grau de depressão oferece a

possibilidade de hierarquizar os municípios, enquanto os arquétipos permitem a elaboração

68

de políticas de desenvolvimento regionais focadas no tipo de problema relacionado. Para

tanto, inicialmente construiu-se um indicador para a dimensão econômica e outro para a

dimensão sócio-institucional. O indicador foi concebido como a distância geométrica entre a

posição do município (nível e potencial de desenvolvimento) e o vértice, que representa a

média do Brasil22. O indicador sócio-institucional foi calculado a partir de pesos de 1 a 10

para cada um dos três indicadores que o compõem; procedeu-se em seguida ao cálculo da

média simples entre as três notas obtidas para, então, voltar a adotar a base 100, desta vez

elegendo-se o município que obteve a melhor nota média como base. A construção do

Indicador-síntese se deu pela reutilização da fórmula que determina a distância geométrica

entre a posição do município (par de indicadores econômico e sócio-institucional) e o

vértice, que representa a média do Brasil, no primeiro caso, e o município melhor

classificado, no segundo.

A Tabela 7 sintetiza os resultados, em termos de número de municípios em cada arquétipo,

segundo três faixas do Indicador-síntese; na seqüência, os mapas onde podem ser

visualizados a espacialização dos arquétipos de municípios deprimidos e a do grau de

depressão em cada um dos arquétipos. O banco de dados com todos os indicadores, assim

como os aspectos técnicos envolvidos nos cálculos dos indicadores, estão disponíveis na

publicação “Relatório Especial – As Áreas Deprimidas nos Eixos de Integração e Desenvolvimento” (MINIPLAN, Brasília, 2003).

TABELA 7 INDICADOR SÍNTESE – POR ARQUÉTIPO E FAIXAS DE VALORES

Indicador Síntese Municípios

economicamente deprimidos com baixo

potencial endógeno

Municípios economicamente

deprimidos com médio potencial endógeno

Municípios economicamente

deprimidos com alto potencial endógeno

Menor que 30 1555 363 19 De 30 a 70 229 339 112 De 70 a 100 1 4 3 Mínimo (32,71) (14,11) 4,78 Máximo 72,17 83,28 81,51 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.

22 Optou-se por desconsiderar, na construção desse indicador, o Ritmo de Desenvolvimento, uma vez que ele também foi superdimensionado na determinação dos municípios economicamente deprimidos, por causa do vertiginoso crescimento das transferências governamentais na expansão da renda per capita de 1991 a 2000.

69

Concluindo: A observação dos resultados finais nos permite destacar: 1) a questão regional brasileira, entendida como desequilíbrios e assimetrias espaciais e sociais, se concentra no Nordeste e em algumas áreas dos Estados do Pará e de Minas Gerais; 2) os indicadores desfavoráveis para muitas áreas da Amazônia se devem à forma de cálculo do Índice de Potencial de Desenvolvimento (potencial manifesto e não potencial latente); 3) é preciso destacar os problemas regionais de interesse nacional dos problemas regionais de interesse estadual (Vale do Ribeira para SP, Zona da Mata para MG, Metade Sul para RS, etc.) na formulação das políticas nacionais de desenvolvimento regional; 4) as políticas sociais compensatórias, ainda que indispensáveis e mesmo quando focadas nos municípios deprimidos, não têm capacidade de reverter minimamente as distâncias abissais que os separam dos municípios desenvolvidos em expansão do SUL e do SUDESTE; 5) do ponto de vista da demanda de infra-estrutura econômica, deve-se dar maior atenção às áreas economicamente não deprimidas e aos municípios economicamente deprimidos com alto potencial endógeno, onde o novo ciclo de expansão tem mais chances de se realizar.

70MAPA 1

71MAPA 2

72

V. RUMO A UM CAPITALISMO NATURAL?

17. Apesar dos grandes avanços que as políticas brasileiras de preservação e de

conservação dos recursos naturais têm atingido, ainda é inquietante a intensidade que vêm

sendo utilizados, de forma predatória e não sustentável, os diferentes ecossistemas do País.

Na próxima seção, serão mencionadas algumas das dificuldades para implementar

programas, projetos e ações regulatórias de desenvolvimento sustentável em um País que

passa por um longo e quase interminável processo de ajuste fiscal e financeiro, o qual

parece comprometer os instrumentos e os mecanismos deste processo de implementação.

Da mesma forma, em escala mundial, há uma inquietação quanto à capacidade de

resistência da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos

níveis de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes, que vêm sendo

incorporados aos diversos mercados de bens e serviços por força dos incessantes ganhos

de produtividade decorrentes da terceira revolução científica e tecnológica, da irreversível

entrada da China na lógica da economia capitalista, da melhoria da distribuição de renda em

muitos países emergentes, etc. Somam-se a tudo isto, os impactos destrutivos que as

mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais, os quais têm

colocado em dúvida a possibilidade de que haja tempo suficiente para que o processo de

implementação das experiências bem sucedidas de políticas, programas e projetos de

desenvolvimento sustentável possa contrarrestar os colapsos ou desastres ecológicos que

vêm crescendo em número e em intensidade.

Em função destas inquietações, tem surgido um grande número de propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional baseada numa concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre estas propostas, destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial na qual se processam mudanças radicais na produtividade dos recursos materiais e de energia, e na qual a emergência do capitalismo natural se torna inevitável23.

As ondas de inovação são uma questão fundamental para a prosperidade econômica. Para

que uma onda de inovação venha a ocorrer, é preciso que haja um conjunto significativo de

novas e emergentes tecnologias, e um reconhecimento genuíno de produtores e

23 Hawken, P., Lovins, A. and Lovins, L. H. Natural Capitalism – Creating the Next Industrial Revolution. Little, Brown and Company, Boston, 2000. Hargreaves, K. C. and Smith, M. H. The Natural Advantage of Nations. Earthscan, London, 2005. Diamond, J. Collapse – How Societies Choose to Fail or Succeed. Viking, 2005.

73

consumidores de que este conjunto leva a uma expansão do mercado. Neste sentido, é

preciso distinguir as inovações (um novo produto, um novo processo tecnológico, uma nova

forma de organização, um novo mercado) em incrementais e radicais ou reestruturantes24:

a) inovações incrementais — consistem nas melhorias sucessivas e graduais a que são

submetidos os produtos e processos; sustentam o incremento geral da produtividade dos

sistemas produtivos instalados e determinam a modificação gradual dos coeficientes

técnicos da matriz de insumo-produto, mas não transformam a sua estrutura;

b) inovações radicais ou reestruturantes — consistem na introdução de um produto ou de

um processo verdadeiramente novo; tendem a transformar as estruturas dos sistemas

produtivos instalados, através de alterações nos coeficientes técnicos e na própria matriz de

insumo-produto, pela agregação de novas linhas e colunas.

As inovações radicais ou reestruturantes definem, em geral, ondas de inovação (ver Gráfico

3). Os pensadores do capitalismo natural defendem a tese de que já possuímos inovações

tecnológicas e informação e conhecimento para lidar adequadamente com os problemas

ambientais, de maneira custo-efetivo e, em algumas áreas, de maneira muito lucrativa; e

que os ganhos de produtividade dos recursos (materiais e de energia) e as possibilidades de

diferenciação dos produtos para as empresas por meio de desenvolvimento sustentável

serão os fatores determinantes do novo ciclo de invovação.

24 Haddad, P. R. “Padrões Locacionais das Atividades de Alta Tecnologia: A Questão dos Desequilíbrios Regionais de Desenvolvimento Reexaminada” in Revista Econômica do Nordeste, vol. 21, No. 2. Pérez, C. “Las Nuevas Tecnologias: Una Visión de Conjunto” In Ominami, C. La Tercera Revolución Industrial, Grupo Editorial Latino – Americano, 1986.

74

GRÁFICO 3

Ondas de Inovação

Fonte: Hargreaves, K. C. and Smith, M.H.

18. O sistema de preços relativos de mercado tem, em geral, a capacidade de emitir

sinais para produtores e consumidores sobre a escassez relativa dos bens e serviços para o

consumo da sociedade no presente e, também, no futuro, assim como os custos de

oportunidade na produção de bens e serviços, ou seja, o valor real dos recursos utilizados

na alternativa mais desejada. Por meio de mecanismos de intervenção indireta (política

fiscal, regulamentações, etc.), o Poder Público poderá alterar os custos e os preços relativos

que se formam nos mercados e, assim, estimular ou desestimular a produção e o consumo

dos bens e serviços, de acordo com sua contribuição positiva ou negativa para o processo

de desenvolvimento sustentável. Uma das formas mais promissoras para esta intervenção do Poder Público está na incorporação da dimensão ambiental na avaliação de financiamentos oficiais e na concessão de incentivos fiscais no Brasil (Protocolo Verde).

75

A partir da estabilidade econômica brasileira, já se observa que o nível dos investimentos

caminha para um patamar superior a 20% do PIB, e que a poupança externa volta a ser

uma expressiva fonte de financiamento destes investimentos. A expectativa predominante é

a de que, após as reformas econômicas e institucionais, e sua consolidação no século XXI,

o Brasil possa retomar sua trajetória histórica de crescimento, o que poderá exigir uma taxa

de investimento próxima de 25% do PIB, dependendo dos ganhos de produtividade na

capacidade produtiva instalada. Considerando-se que grande parcela dos financiamentos

para estes investimentos virá dos organismos federais de crédito, signatários do Protocolo Verde, e dos organismos multilaterais de fomento (BIRD, BID, KFW, etc.), sempre atentos à

questão ambiental em suas linhas de empréstimos, deve-se aproveitar esta oportunidade

ímpar para influenciar, decisivamente, a incorporação da dimensão ambiental no processo de acumulação de capital do País.

Especificamente para o processo de desenvolvimento sustentável do PNRH, é

indispensável que o BNDES, o BNB, o BASA e o Banco do Brasil e a CEF incorporem a

dimensão ambiental nos seus financiamentos, empréstimos ou concessão de incentivos

fiscais para evitar, de um lado, que venham a ocorrer grandes danos ambientais provocados

por projetos de investimentos subsidiados com dinheiro público; e, do outro lado, que

deixem de incentivar os projetos mais apropriados do ponto de vista dos ecossistemas

regionais e locais. Há uma larga experiência internacional em se incorporar a dimensão

ambiental nos projetos de investimento com financiamento público ou privado, embora este

processo esteja envolto em dificuldades técnicas e controvérsias conceituais.

Num sistema de avaliação integrada (econômica, social e ambiental) de projetos de

investimento, modifica-se o perfil privado do fluxo de caixa do projeto para se analisarem os

seus efeitos sobre o conjunto da economia. Entre os ajustes a serem feitos, destaca-se a

incorporação das externalidades positivas e negativas. Nestes casos, recomenda-se que

somente se incluam, no fluxo de caixa do projeto, os valores de externalidades localizadas e

específicas, passíveis de quantificação em termos diretos (custos de oportunidade,

acréscimos de benefícios) sem ir atrás de valores obtidos em mercados hipotéticos ou

mercados de recorrência, passíveis de controvérsias conceituais, operacionais e jurídicas.

No caso em que as externalidades (principalmente, as ambientais) não tenham mercados

próprios, uma descrição qualitativa de suas características em relatório específico será

suficiente para orientar os analistas quanto ao mérito econômico e social de um projeto de

investimento. Esta postura técnica se justifica uma vez que, os custos e benefícios de

natureza ecológica, resultantes dos processos de produção e de consumo público ou

76

privado, usualmente não têm preços de mercado para que a eles se possam atribuir valores

monetários. Além do mais, é muito mais difícil delimitar os benefícios (o valor de existência e

o valor de opção) que surgem, para o meio-ambiente, de decisões econômicas por causa de

seu impacto difuso e de seus efeitos distributivos entre grupos sociais e entre gerações.

Lado a lado com a inclusão dos benefícios ou dos custos ecológicos no fluxo de caixa de um

projeto de investimento, deve-se, também, avaliá-lo quanto ao seu enquadramento na

legislação ambiental vigente; delimitar o seu nível de risco ambiental; e determinar as ações

consequentes (EIA, RIMA, SGA, etc.). Esta abordagem de regulamentação vem

funcionando adequadamente em alguns Estados e Municípios da Federação, onde os

órgãos oficiais de controle ambiental têm sido consultados previamente, por obrigação legal,

antes da aprovação de um financiamento favorecido ou subsídio a ser concedido a um

projeto de investimento por alguma agência.

A própria existência desta estrutura regulatória é muitas vezes suficiente, por si só, para que

o investidor faça ajustes prévios nas características do projeto (tecnologia, microlocalização,

etc.), antes de submetê-lo a um processo de financiamento ou de concessão de incentivo

fiscal.

Nos grandes projetos de investimento, como é o caso da maioria dos Eixos Nacionais de

Integração e Desenvolvimento do Avança Brasil, sugere-se que haja um processo de

articulação dos cronogramas físicos e financeiros dos seus diferentes componentes, para

evitar uma falta de sincronia entre as ações dos investimentos de infra-estrutura física e as

ações de proteção ambiental e social. As liberações financeiras para os investimentos de

infra-estrutura poderiam ficar condicionadas à implementação das ações de proteção

ambiental e social.

Estas mudanças incrementais no processo de concessão de incentivos fiscais e de financiamentos subsidiados poderão contribuir para alinhar a acumulação de capital no País nas práticas de desenvolvimento sustentável. Mas a proposta do capitalismo natural não é de natureza incremental mas de natureza reestruturante.

19. O capitalismo natural reconhece a interdependência crítica entre a produção com o

uso de capital feito pelo homem e a manutenção e a oferta de capital natural; admite que a

economia necessita de quatro tipos de capital para funcionar adequadamente;

• capital humano: na forma de trabalho e inteligência, cultura e organização;

77

• capital financeiro: consistindo de dinheiro, investimentos e instrumentos monetários;

• capital manufaturado: incluindo infra-estrutura, máquinas, ferramentas e fábricas;

• capital natural: constituído por recursos, sistemas vivos e serviços de ecossistemas.

O Quadro 4 mostra alguns dos princípios do capitalismo convencional e do capitalismo

natural. Um elemento central do capitalismo natural é a idéia de que a economia moderna

está passando de uma ênfase na produtividade humana para um aumento radical na

produtividade dos recursos naturais (uma tonelada de minério, um metro cúbico de água,

um hectare de terra fértil, etc.). Já há estudos mostrando ser possível quadruplicar a

produtividade dos recursos na medida em que compreendamos melhor o extraordinário

desperdício de materiais e de energia no atual sistema industrial. Segundo o capitalismo

natural, para corrigir as deficiências na operação das empresas, não basta atribuir valor ao

capital natural, pois: a) muitos dos serviços que recebemos dos sistemas vivos não têm

substitutos conhecidos a qualquer preço; b) a avaliação do capital natural é um exercício

difícil e quase sempre impreciso25; c) da mesma forma que a tecnologia não pode substituir

os sistemas que dão suporte à vida no Planeta, as máquinas também não têm condições de

prover um substituto para a inteligência humana, o conhecimento, a sabedoria, as

habilidades organizacionais e a cultura.

O capitalismo natural propõe, também, um novo modelo industrial, no qual nem todos os produtos sejam apenas manufaturados e vendidos, mas que surja uma economia de serviços em que os consumidores adquirem serviços de bens duráveis por meio de aluguel e arrendamento, de tal forma que a indústria se responsabiliza pelo ciclo completo de materiais; deve lidar com os resíduos e os problemas resultantes de danos ambientais, toxicidade, segurança, etc.; de recuperar os produtos e tratá-los como ativos; etc., o que termina por aumentar a produtividade dos materiais e da energia. Os provedores de serviços (de máquinas de lavar, de automóveis, de geladeiras, de televisores, de computadores, etc.) teriam um incentivo para manter seus ativos produtivos pelo maior tempo possível, em lugar de sucateá-los

25 O valor econômico total dos recursos ambientais (uma floresta tropical, uma bacia hidrográfica, etc.) será igual à soma do valor de uso direto (valor atribuído aos recursos pelos indivíduos e pelas organizações que usufruem dos insumos e dos produtos do meio ambiente), mais o valor de uso indireto (corresponde ao conceito de funções ecológicas, as quais podem ser melhor compreendidas pelo valor do dano causado ou pelo custo de reposição), mais o valor de opção (relacionado com o montante que os indivíduos e as organizações estariam dispostos a pagar para conservar os recursos ambientais para um uso futuro) mais o valor de existência (um componente importante em situações de incerteza quanto à extensão dos danos ou de ativos únicos).

78

prematuramente a fim de vender substitutos de reposição e disporiam de economias de escala para a reciclagem de materiais residuais.

QUADRO 4 Principais Características do Capitalismo Convencional e do Capitalismo Natural

CAPITALISMO CONVENCIONAL CAPITALISMO NATURAL

• o progresso econômico pode ocorrer melhor em

sistemas de produção e de distribuição de livre

mercado, onde lucros reinvestidos tornam o

trabalho e o capital crescentemente produtivos;

• a vantagem competitiva pode ser ganha quando

maiores e mais plantas industriais produzem um

número maior de produtos para venda em

mercados em expansão;

• o crescimento do PIB maximiza o bem-estar

humano;

• qualquer ocorrência de escassez de recursos

trará o desenvolvimento de substitutos;

• preocupações com o meio ambiente são

importantes, mas devem ser contrapostas às

necessidades de crescimento econômico, se um

alto padrão de vida deve ser mantido;

• a livre empresa e as forças de mercado alocarão

pessoas e recursos em seus maiores e melhores

usos.

• o meio ambiente não é um fator de produção

menos importante, mas é um envoltório contendo,

provisionando e sustentando toda a economia;

• o fator limitante do desenvolvimento econômico

futuro é a disponibilidade e a funcionalidade do

capital natural, em particular, os serviços de

suporte à vida que não têm substitutos e

presentemente não têm valor de mercado;

• sistemas empresariais mal concebidos ou mal

estruturados, crescimento demográfico e padrões

de consumo perdulários são as causas primárias

da perda do capital natural, e as três devem ser

abordadas em conjunto para se atingir o

desenvolvimento sustentável;

• o progresso econômico futuro pode se realizar

melhor em sistemas de produção e de distribuição

democráticos e baseados em mercados nos quais

todas as formas de capital são plenamente

avaliadas;

• um ponto crítico para beneficiar mais o emprego

de gente, dinheiro e o meio ambiente são

aumentos radicais na produtividade de recursos;

• o bem-estar humano é melhor servido pela

qualidade e pelos fluxos de serviços desejados e

entregues, do que pelo simples acréscimo dos

fluxos monetários;

• a sustentabilidade econômica e ambiental

depende da reestruturação das desigualdades

globais de renda e de bem-estar material;

• o melhor ambiente no longo prazo para os

negócios é dado pelos verdadeiros sistemas

democráticos de governança baseados nas

necessidades da população e não apenas das

empresas.

Fonte: Hawken, P., Lovins A., and Lovins, L. H.

79

Hargreves e Smith propõem que os paradigmas de melhorias simultâneas no meio ambiente

e na competitividade podem emergir, desde que se observem os seguintes fatos:

• há inúmeros recursos potenciais não mobilizados para a melhoria da produtividade

ao longo de toda a economia;

• tem havido, nas últimas três décadas, significativa mudança na compreensão do que

cria competitividade duradoura em uma empresa;

• há, atualmente, uma massa crítica de tecnologias disponíveis em eco-inovações que

tornam viáveis as abordagens integradas de desenvolvimento sustentável econômica

e financeiramente;

• como inúmeros custos das externalidades ambientais são repassados aos governos,

no longo prazo, estratégias de desenvolvimento sustentável podem prover benefícios

múltiplos para os contribuintes;

• tem ocorrido um entendimento crescente dos benefícios múltiplos de valorizar o

capital social e natural, por razões morais e econômicas, e incluí-los nas medidas do

bem-estar nacional;

• há uma evidência inquestionável de que uma transição para uma economia

sustentável, focada na melhoria da produtividade dos recursos, levará a um

crescimento econômico maior do que os negócios tradicionais, reduzindo as

pressões no meio ambiente e criando empregos.

20. O ponto central e distinto do capitalismo natural é a hipótese que está se criando uma nova revolução industrial a partir dos aumentos radicais da produtividade dos recursos (matérias, energia) que trarão três grandes benefícios: a

diminuição da exaustão dos recursos em uma ponta da cadeia de valor, a diminuição dos

níveis de poluição na outra ponta, e a formação de uma base para ampliar o emprego de

qualidade em escala mundial. Propõe que haja reinvestimentos na sustentação, na

restauração e na expansão dos estoques de capital natural, a fim de que a biosfera possa

produzir serviços de ecossistemas e recursos naturais mais abundantes; e tem a expectativa

de que, dentro de uma geração, as nações possam ter um acréscimo de dez vezes na

eficiência com que usam energia, recursos naturais e outros materiais. Especificamente, em

relação à melhoria da produtividade dos recursos hídricos, as propostas do capitalismo são

80

economicamente realistas e reestruturantes dos atuais padrões de uso e de conservação

destes recursos26, muitas destas propostas estão incorporadas nas políticas, programas e

projetos do PNRH.

Concluindo: quando o Brasil encerrar esta longa seqüência de políticas de curto prazo, que já dura mais de duas décadas, e vier a buscar uma melhor articulação entre as políticas econômicas (de curto prazo) e as políticas de desenvolvimento sustentável (de longo prazo), certamente terá que construir um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Neste momento, é preciso selecionar algumas questões de desenvolvimento que, pela sua abrangência temática e pela sua interdependência estrutural, poderão se constituir no núcleo de organização técnica e político-administrativa do Projeto. O que a nova revolução industrial do Capitalismo Natural propõe é coordenar adequadamente o processo de desenvolvimento sustentável com soluções inovadoras para a promoção da competitividade sistêmica, o que significa que, para haver prosperidade no futuro, a sociedade tem de usar seus recursos naturais, energia e outros materiais de forma imensamente mais produtiva. Operacionalmente, o que se propõe é considerar, na construção do Projeto Nacional de Desenvolvimento, o meio ambiente não apenas como um fator de produção a mais e residual, mas como o elemento pivotal que contém, provisiona e sustenta toda a economia; ou seja, deve-se abandonar as idéias antigas de se identificar os elementos setoriais dinâmicos que possam vir a promover um novo ciclo de expansão, para se construir um novo paradigma de desenvolvimento que seja simultaneamente, economicamente eficiente, socialmente justo e ambientalmente sustentável.

VI. DIRETRIZES E METAS DO PNRH: RESTRIÇÕES, CONDICIONALIDADES E PROPOSIÇÕES

21. No processo de elaboração de um plano, onde se destacam objetivos múltiplos e

conflitos de interesses sociais e regionais, como no caso do Plano Nacional de Recursos

Hídricos, há necessidade de se explicitar uma estratégia de implementação, considerando

cuidadosamente: como fazer acontecer o que foi proposto, que instrumentos econômicos e

mecanismos instituicionais utilizar, como viabilizar o seu financiamento, etc. Nesta seção,

26 Ver o cap 11 do livro Natural Capitalism (“Aqueous Solutions”), o cap. 20 do livro The Natural Advantage os Nations (“Water: Nature’s Gold”) e o cap. 16 do livro Collapse (“The World as a Polder: What does it all mean to us today”).

81

busca-se superar algumas destas dificuldades e apontar caminhos realistas para o processo

de implementação do PNRH.

Em primeiro lugar, é preciso destacar o quadro das diferentes restrições a que o PNRH estará submetido, quando terminar a sua elaboração e se iniciar o seu processo de implementação. Na verdade, os problemas mais complexos de planejamento

de médio e de longo prazo começam a emergir quando o Plano tem a responsabilidade de

demonstrar, para a opinião pública, a sua eficiência (“fazer certo as coisas certas”) e a sua

eficácia (“fazer as coisas certas”).

A primeira e maior restrição ou condicionalidade ao processo de implementação do Plano é

a de que ele está nascendo num ambiente de um profundo ajuste fiscal e financeiro em andamento no País. Segundo este ajuste, há necessidade de se formar um mega-superávit

primário anual (superior a 4% do PIB) para o pagamento, ainda que parcial, dos juros da

dívida pública e manter a relação desta dívida com o PIB em nível tal que preserve a

confiança dos credores nacionais e internacionais quanto à solvabilidade financeira de

nossa economia. Este superávit é formado, principalmente, pela subtração de recursos

fiscais que deveriam financiar o custeio e os investimentos (ou seja, do OCC – orçamento

de custeio e de capital) da administração direta e indireta do setor público consolidado. Ora,

é muito difícil, neste contexto de ajuste, viabilizar novos grandes investimentos de infra-

estrutura tal como previstos no Plano, e toda tentativa de insistir nesta linha de trabalho

estará fadada ao fracasso, pelo menos no curto prazo. Além do mais, se prevalecer o atual

modelo de política econômica, esta dificuldade deverá avançar ao longo dos próximos dez

anos.

Uma segunda restrição se refere à questão do desmonte do sistema nacional de planejamento no Brasil. Um plano de desenvolvimento de médio e de longo prazo, como o

PNRH, tem maiores chances de se realizar num ambiente político-administrativo em que as

práticas do planejamento estejam revigoradas e dinamizadas dentro do núcleo central do

processo decisório dos três níveis de governo. Neste ambiente, é maior a probabilidade de

sucesso da coordenação das ações intragovernamentais e intergovernamentais, da

articulação efetiva entre o Plano e os diferentes orçamentos (orçamento anual, PPA,

orçamento dos benefícios fiscais, PPP, etc.), assim como do direcionamento dos

instrumentos de política econômica para os objetivos do Plano. Ora, ao longo das duas

últimas décadas, o País vem assistindo ao desmonte dos incipientes sistemas de

planejamento de médio e de longo prazo, arquitetados nos três níveis de governo ao longo

dos anos 60 e 70, como decorrência da predominância das questões de conjuntura (controle

82

da inflação, redução dos déficits fiscais, manutenção do equilíbrio das contas externas, etc.)

sobre as questões de estrutura (combate à pobreza, atenuação dos desequilíbrios regionais,

conservação e preservação do meio ambiente, etc.) da economia brasileira.

Uma terceira restrição, também muito importante, está na limitada capacidade operacional da máquina administrativa dos três níveis de governo, que vem se

fragilizando ao longo dos sucessivos ajustes macroeconômicos, desde os anos 80. De

ajuste em ajuste, pôde se observar que os intermitentes cortes dos gastos públicos, visando

a reduzir a absorção interna da economia, levaram a uma redução na oferta dos serviços

públicos e semi-públicos, a uma perda na sua qualidade e a uma imprevisibilidade em suas

ações programáticas. Assim, o PNRH emerge num contexto histórico de grande

desmobilização motivacional da administração pública, onde tende a se comprometer a

eficiência e a eficácia na execução dos seus programas, projetos e ações regulatórias.

Além destas e de outras restrições e condicionalidades que limitam as chances de sucesso

na implementação do PNRH, deve-se estar atento à questão político-administrativo do

melhor arranjo institucional que poderá dar vida aos objetivos gerais e específicos

consensualizados para a gestão sustentável dos recursos hídricos do País. A experiência

histórica de implementação de planos integrados de desenvolvimento sustentável mostra

que há uma multiplicidade de problemas político-institucionais a serem enfrentados que

podem levá-los ao fracasso, se estes problemas não forem trabalhados com muito cuidado

e dedicação. Há uma tendência de se valorizarem as etapas de diagnose e de programação

de um processo de planejamento, e, ao mesmo tempo, de se subestimarem as etapas de

implementação, de controle e de avaliação.

Usualmente, o processo de implementação de um plano integrado de desenvolvimento

sustentável envolve problemas de coordenação entre diferentes setores da administração

direta (Ministérios, Secretarias, etc.) e da administração indireta (BNDES, FINEP, IBAMA,

etc.) dos três níveis de governo; entre diferentes equipes técnicas interdisciplinares com

suas idiossincrasias próprias (ambientalistas, especialistas em obras de infra-estrutura, etc.);

entre as agências públicas e as organizações não-governamentais; e, principalmente, entre

os próprios setores organizados da sociedade civil.

As instituições, que participam do plano, tendem a desenvolver o seu espaço próprio de

decisão, fechando-se em torno de missões e temas programáticos específicos e, ao mesmo

tempo, protegendo-se quanto às tentativas de interferências das atividades de coordenação

externa. Por exemplo: um programa abrangente de formação de recursos humanos para a

83

gestão de recursos hídricos não pode prescindir da cooperação das instituições, públicas e

privadas, vinculadas às políticas educacionais e de formação de recursos humanos na

região em que se localiza. Assim, quando lhes é solicitada a cooperação para executar

determinadas atividades do programa, é necessário considerar a questão recorrente da

heterogeneidade das diferentes organizações envolvidas, quanto ao seu grau de maturidade

institucional (há aquelas que ainda não firmaram sua identidade), à sua capacidade de

decisão e de implementação (há as que costumam paralisar diante de escolhas a fazer), à

sua cultura profissional (muitas cultivam “o desenvolvimentismo” como base de suas ações),

etc. Estes fatores podem explicar, ainda que parcialmente, os diversos exemplos de

conflitos institucionais em torno das políticas de desenvolvimento, resultando em impasses

decisórios (paralisantes ante escolhas críticas), em predominância de elementos irracionais

(confundindo objetivos com instrumentos) e desperdício de recursos (por meio da

sobreposição de funções e das disputas por liderança).

Assim, um plano integrado de desenvolvimento sustentável, como o PNRH, deve conceber

a coordenação das entidades públicas e privadas, atuantes na sua área de influência, em

função de problemas rigorosamente focalizados no nível de programas e projetos. As suas

ações devem ser de natureza pragmática em busca de resultados operacionais, envolvendo

a mediação de conflitos e disputas, a eliminação de setorialismos injustificáveis, a promoção

de consensos, a busca do dinamismo real em lugar das divisões formais, etc., para fazer

acontecer os objetivos e metas do plano.

Enfatizamos que muitos dos problemas reais com a gestão de recursos hídricos não estão tanto em sua concepção e planejamento, mas na sua implementação. As

chances de sucesso na implementação de um plano, programa ou projeto são muito

reduzidas, usualmente, se o seu nível de especificidade é baixo; ou seja: 1) se é reduzida a

extensão em que é possível especificar, para uma determinada atividade, os objetivos a

serem atingidos, os métodos para atingir estes objetivos e as formas de controlar os seus

bons resultados, assim como premiar os atores responsáveis por estes resultados; 2) se são

limitados os seus efeitos em termos de intensidade, dos prazos para se tornarem aparentes,

do número de pessoas e atividades afetadas, e das possibilidades práticas de traçar os

próprios efeitos. Em geral, quanto maior o grau de especificidade de um plano, programa ou

projeto, mais intensos, imediatos, identificáveis e focalizados serão os seus efeitos; a

ausência de especificidade torna a sua gestão mais complexa e difícil, pois permite às

84

estruturas organizacionais que o implementam maior latitude e graus de liberdade na

interpretação ad hoc das suas normas e regulamentações27.

É possível identificar um conjunto de motivos para que os diferentes atores e instituições

envolvidos na implementação de um plano integrado de desenvolvimento sustentável

possam concordar com os seus objetivos e, ainda assim, opor (ou simplesmente deixar de

facilitar) meios para executá-lo: a) incompatibilidade direta com outros compromissos: os

atores podem concordar com os méritos do plano, mas considerar que este é incompatível

com outras de suas metas organizacionais; b) nenhuma incompatibilidade direta, mas uma

preferência para outros programas ou projetos; c) compromissos simultâneos com outros

programas e projetos que demandam, crescentemente, o uso alternativo de seu tempo e

atenção; d) dependência de atores para os quais o plano não tem um sentido de urgência,

ou de atores com forte adesão aos seus objetivos mas sem poder de decisão; etc.

Ou seja, nenhum ator institucional, público ou privado, tende a exprimir desacordo quanto

aos objetivos de desenvolvimento sustentável do PNRH. Estes objetivos são considerados

meritórios do ponto de vista da opinião pública, sendo “politicamente correto” um cidadão e

uma organização responsáveis manifestar propensão a apoiá-lo. Contudo, isto não significa

que esteja pronto para tomar decisões, motivado para promover desobstruções ou eliminar

pontos de estrangulamento, a fim de chegar a acordos necessários para acelerar a

execução do Plano.

22. O processo de desenvolvimento nacional impõe restrições que provêm das

prioridades máximas estabelecidas pelo Poder Central como, por exemplo, o controle de

gastos públicos e da aplicação de recursos para financiamentos diversos, diante da política

de estabilização em curso. Porém, há restrições às decisões de planejamento ao nível

subnacional, que resultam da concentração de decisões e instrumentos de política

econômica nas mãos do Poder Central, que retira, dos Estados e Municípios, a autonomia

de decisão para solucionar muitos problemas de típico interesse subnacional. É sempre bom

lembrar que se, de um lado, há muitos problemas regionais e locais de interesse nacional,

há tantos outros problemas regionais e locais de interesse subnacional.

Dentro destas reflexões, ainda há mais dois pontos essenciais: 1) nem sempre há

consistência inquestionável entre objetivos diversos, pois a regra é que, dificilmente, todos

os objetivos sócio-econômicos são atingidos ao mesmo tempo e, com frequência, chegando 27 Israel, A. Institutional Development: Incentives to Performance. Johns Hopkins, World Bank, 1989, USA. North, D. C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge University Press, 1990.

85

a ser incompatíveis uns com os outros; as políticas econômicas e as políticas de

desenvolvimento consistem em tensões e compromissos entre os diversos grupos sociais e

agentes econômicos afetados quando os objetivos são conflitantes; 2) além do mais, os

instrumentos e as medidas das políticas do Poder Central não são diferenciados e

adaptados à peculiaridades regionais e locais, de tal modo que, em geral, podem não ser

consistentes com a realidade regional ou local.

No nível mais próximo da decisão imediata, e a partir da análise dos condicionamentos

impostos pelas suas restrições de nível superior - que resultam, muitas vezes, em severas

limitações às possibilidades de se implementar uma dada alternativa de solução dos

problemas regionais e locais - é feita a avaliação da real disponibilidade de recursos

financeiros, administrativos e humanos, bem como os aspectos institucionais, legais e

políticos que estão envolvidos na implementação dos programas, dos projetos, das medidas

e das recomendações que visam a concretizar uma alternativa de desenvolvimento

sustentável para uma dada área-programa ou um dado segmento produtivo. Em resumo, é

indispensável que se avaliem os graus de liberdade com os quais podem contar os

planejadores e órgãos executivos para atingir os objetivos do processo de planejamento, e

que se adote uma atitude menos ingênua e mais atenta sobre “os limites do possível”

quanto ao papel e às perspectivas do processo de planejamento, quando pensado em

função de sua possível aplicação em regiões ou setores produtivos.

Concluindo: Para que as estratégias de desenvolvimento sustentável do PNRH sejam efetivamente implementadas, é fundamental que haja uma explícita incorporação, no seu processo decisório, das principais condicionalidades econômico-financeiras e político-institucionais do País, no curto, no médio e no longo prazo. Neste sentido, para identificar as linhas gerais de intervenção governamental direta e indireta, visando a viabilizar as ações do Plano, é preciso estabelecer diferentes taxonomias das suas políticas, programas e projetos, pois:

• há casos em que a questão básica não é, fundamentalmente, de disponibilidade de novos recursos fiscais e financeiros, mas de se reprogramar o uso dos recursos já disponíveis ou de determinação política para tornar efetivas as regulamentações já existentes;

• mesmo para alguns programas e projetos previstos no PNRH que envolvem volumosos recursos fiscais e financeiros ainda não disponíveis, é possível modulá-los intertemporalmente, visando a esperar melhores momentos de

86

prosperidade econômica no País, quando se configurar o novo ciclo de expansão sustentada;

• é possível ampliar as fontes de financiamento próprias do PNRH utilizando com maior eficiência e eficácia os instrumentos econômicos previstos legalmente para a gestão dos recursos hídricos, assim como ampliar a diversidade e o escopo destes instrumentos;

• há um grande número de projetos de grande relevância para a implementação do PNRH, os quais podem ser seletivamente promovidos junto ao Segundo Setor (por causa de sua rentabilidade privada), ou junto ao Terceiro Setor (por causa de seus impactos sociais e ambientais);

• o próprio Governo Federal, reconhecendo as pesadas restrições e condicionalidades dos programas de ajuste fiscal e financeiro, tem procurado gerar alternativas para o financiamento de programas e projetos de desenvolvimento, como as incipientes e promissoras experiências de PPP.

23. A Política Nacional de Recursos Hídricos divide os instrumentos de gestão de recursos hídricos em três categorias: técnico, econômico e estratégico. Os principais instrumentos técnicos são: a) Planos de Recursos Hídricos: são planos-diretores que

visam a fundamentar e a orientar a implementação da Política Nacional de Recursos

Hídricos e o gerenciamento desses recursos; b) Enquadramento dos Corpos D’água: é o

estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado ou mantido em um

segmento de corpo d’água ao longo do tempo; c) Outorga: é o ato administrativo que

autoriza, ao outorgado, o uso de recursos hídricos nos termos e condições expressos no ato

de outorga; d) Sistema de Informações: trata-se de um sistema de coleta, tratamento,

armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores

intervenientes em sua gestão.

A cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos econômicos de gestão de recursos hídricos a ser empregado para induzir o usuário de água a uma utilização racional desses recursos, visando a criar condições de equilíbrio entre as disponibilidades e as demandas, a harmonia entre usuários competidores, a melhorar a qualidade dos efluentes lançados, além de ensejar a formação de fundos financeiros para as obras, programas e intervenções do setor. A ANA tem a atribuição de

87

implementar a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica.

Finalmente, o principal instrumento estratégico é a fiscalização, definida como a atividade

de controle e monitoramento dos usos dos recursos hídricos com caráter repressivo

(baseado na aplicação de regulamentações) e preventivo (baseado nos Planos de Bacias,

nas decisões dos Comitês de Bacia e na Outorga).

Apesar da consistência dos instrumentos de gestão de recursos hídricos previstos no ordenamento normativo da ANA, é possível mostrar que há alternativas de intervenção que são amplas e multifacetadas e que, seguindo a tendência evolutiva das políticas ambientais mais progressistas, outros mecanismos e instrumentos de mercado podem ser um braço complementar às atividades regulatórias do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Inicialmente, iremos identificar algumas limitações

político-administrativas que têm levado ao fracasso muitos programas de regulamentação

em diferentes setores (saúde, segurança, saneamento, etc.) no Brasil.

Uma explicação político-administrativa para o relativo fracasso das ações regulatórias (quando estas não são aplicadas ou são burladas), se relaciona com a má qualidade da atual estrutura do processo regulatório no Brasil. Quando se observa como se forma

um moderno processo regulatório em países desenvolvidos que detêm uma experiência

superior a um século (EE.UU., Inglaterra, França, etc.) no manejo de processos

semelhantes, é possível identificar as seguintes lacunas no caso brasileiro28:

• Embora na própria formulação, e, principalmente, na implementação de um programa

regulatório, haja necessidade de um volume significativo de recursos escassos que têm

usos alternativos (financeiros, institucionais, etc.), não há tradição, no nosso País, de

submeter previamente às autoridades econômicas do Orçamento e do Tesouro, as

implicações de custos de custeio e de investimento previstos para as ações regulatórias

mais significativas.

• Num estágio administrativo mais avançado em termos da qualidade de um processo

regulatório, tende-se a solicitar à agência responsável pelas novas regulamentações

(CONAMA, IBAMA, etc.) que prepare um documento de Análise de Impacto Regulatório

28 Viscusi, N. K., Vernon, J. M. and Harrington J. E. Economics of Regulation and Antitrust (2nd. Edition) MIT Press, 1998. Haddad, P. R., e Rezende, F. Instrumentos Econômicos Para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, MMA, Brasília, 2002.

88

(RIA – Regulatory Impact Analysis), através do qual as autoridades econômicas

requerem que: a) a agência regulatória calcule os custos e benefícios das ações

propostas e determine se os benefícios líquidos são positivos; b) a agência considere

alternativas de políticas mais desejáveis (menores custos administrativos, maior eficácia,

efeitos distributivos, etc.) para se atingirem os mesmos objetivos da regulamentação (por

exemplo: a alternativa do uso de algum mecanismo descentralizado de mercado); c) a

agência mostre que não há sobreposições regulatórias com outras agências, que as

ações previstas são consistentes com as prioridades das políticas públicas e que as

questões controversas em torno das regulamentações propostas estão devidamente

avaliadas do ponto de vista formal e de conteúdo.

• Para tentar evitar que o processo regulatório se transforme num intercurso ilícito entre

autoridades econômicas e agências regulatórias num mesmo nível de Poder (em geral, o

Executivo), ou que a agência regulatória seja capturada e controlada pelas organizações

interessadas em suas decisões, há uma etapa de audiências públicas em torno de uma

versão reformulada do RIA, as quais contribuem para o aperfeiçoamento dos novos

instrumentos legais, antes de seu exame final ao nível do Poder Legislativo pertinente.

Em geral, pode-se observar que: 1) quanto mais rigorosos forem os critérios de uma agência

pública quanto aos padrões estabelecidos para a qualidade de um recurso ambiental (os

recursos hídricos das bacias hidrográficas, por exemplo), maiores serão as chances de ter

de defender estes critérios em morosos processos administrativos ou em recursos

interpostos em tribunais não-especializados e de ficar-se impotente diante da continuidade

dos processos de poluição; 2) custos administrativos elevados, assimetrias no acesso a

informações relevantes, conflitos legais, lentidões em processos administrativos e judiciais,

diversidades de situações tecnológicas e econômicas entre firmas de um mesmo setor

(agropecuário, por exemplo), entre outros motivos, fazem com que um programa bem

sucedido de regulamentação direta seja uma forma de intervenção governamental, com

custos políticos e econômicos muito elevados; 3) ao mesmo tempo, a gestão cotidiana das

normas e regulamentos em vigor não consegue conquistar confiabilidade por parte da

opinião pública quanto à sua eficiência e à sua eficácia, dadas as dificuldades observadas

na capacidade operacional dos órgãos gestores (falta de pessoal especializado, níveis de

salários insatisfatórios, baixo nível de motivação para o trabalho, etc.).

Entretanto, tendo em vista as frequentes dificuldades para se utilizar a lógica do mercado, com suas decisões descentralizadas e os seus mecanismos indiretos de incentivos, em contextos com problemas ambientais nos circuitos econômicos de

89

produção, distribuição e consumo de bens e serviços, os governos de diversos países continuam a preferir a predominância dos mecanismos regulatórios como forma prioritária de intervenção em suas políticas nacionais de meio ambiente, tais como na política nacional de recursos hídricos. Isto não impede, contudo, que venham a experimentar processos mais próximos da economia de mercado para viabilizar soluções para os problemas ambientais com menores custos de oportunidade para a sociedade. Propõe-se, pois, a ampliação do uso de instrumentos econômicos para viabilizar as diretrizes e metas do PNRH.

24. Os instrumentos econômicos mais relevantes para a formulação e a execução

das políticas de desenvolvimento sustentável, particularmente em recursos hídricos das

bacias hidrográficas, podem ser definidos e classificados de diferentes formas. O Diagrama

3 mostra, no lado esquerdo, os principais instrumentos(mais de 130) que vêm sendo

utilizados, ao longo das últimas décadas, pelos países da OCDE. Estes instrumentos

pretendem estimular comportamentos de produção, de consumo e de investimento, no

sentido da sustentabilidade ambiental, por meio de:

• alteração direta dos níveis de preços e de custos: quando impostos e taxas são

aplicados diretamente a produtos e aos processos que geram estes produtos, assim

como quando sistemas de depósitos restituíveis são operacionalizados;

• alteração indireta de preços e custos através de medidas fiscais ou financeiras: quando

ocorrem subsídios diretos, financiamentos facilitados ou incentivos fiscais (de imposto de

renda, de depreciação acelerada, etc.); bônus de desempenho ou aplicação de multas

também podem ser incluídos neste item;

• criação de mercados ou apoio a mercados: na criação de mercados, temos instrumentos

formulados a partir de legislação modificada ou de regulação (emissões de títulos

negociáveis, esquemas de seguro para atender ao passivo ambiental, etc.); no apoio a

mercados, temos situações em que as autoridades públicas se responsabilizam pela

estabilização de preços ou pela organização de determinados mercados (materiais

secundários de reciclagem, estruturação de ecomercados, por exemplo).

No lado direito do Diagrama 3, há um conjunto de critérios visando à seleção dos

instrumentos mais apropriados para tornar factíveis os objetivos das políticas de

desenvolvimento sustentável. Estes critérios são, em geral, auto-explicativos. Assim, os

instrumentos não podem gerar mecanismos fortemente regressivos (equidade); devem dar

90

continuidade aos estímulos para as melhorias ambientais (incentivo dinâmico); devem ter a

confiança dos atores sociais relevantes, mesmo num contexto de inevitáveis incertezas

(fidedignidade), etc. Enfim, a escolha dos instrumentos mais adequados para viabilizar os

objetivos das políticas de desenvolvimento dos recursos hídricos depende de características

de cada contexto socioeconômico.

91

DIAGRAMA 3

Instrumentos Econômicos Mais Utilizados nos Países Com Políticas Ambientais Consolidadas

I. Instrumentos II. Critérios Para Seleção de Instrumentos

I.1. Taxa de Efluente Ar II.1. Eficiência Econômica

Água II.2. Reduzido Volume de Informações Requeridas

Lixo II.3. Baixo Custo Administrativo

Ruído II.4. Equidade

I.2. Taxa do Usuário II.5. Fidedignidade

I.3. Taxa de Produto II.6. Adaptabilidade

I.4. Taxa Administrativa Licença II.7. Incentivo Dinâmico

Controle II.8. Aceitação Política

I.5. Imposto Diferenciado

I.6. Subsídios Doações

Empréstimos subsidiados

Isenções tributárias

I.7. Depósitos Restituíveis

I.8. Apoio e Criação de Mercado Emissão de certificados Negociáveis

Intervenção de mercado Fonte: D. Pearce – “An Economic Approach to Saving the Tropical Forests” in D. Helm (ed.) Economic Policy Towards the Environment, Blackwell, 1991.

92

Entre os instrumentos de intervenção indireta, destacam-se os impostos e as taxas,

como aqueles que têm maior possibilidade de se viabilizarem na gestão dos recursos

ambientais no Brasil, por estarem mais sintonizados com as estruturas regulatórias e de

fiscalização existentes.

Basicamente, um imposto verde pode representar a imposição de um imposto sobre a

poluição ou degradação de uma bacia hidrográfica; seria pago pelas empresas que, nas

fases de implantação, de operação e de manutenção de seus empreendimentos,

provocassem danos ambientais, descarregando e emitindo resíduos nas bacias; as suas

alíquotas diferenciadas seriam calibradas de acordo com o dano que a poluição do

empreendimento provoca na disponibilidade e na qualidade dos recursos hídricos. O

imposto verde tem como fundamento, a proposta de que os poluidores deveriam pagar

um imposto baseado numa estimativa do dano causado pela sua emissão de poluentes.

Assim, o imposto verde deveria, por critérios de eficiência, refletir os custos da poluição

na margem. Entretanto, tem sido muito difícil, em termos operacionais, tributar a poluição

de maneira eficiente, por causa da incerteza em torno dos custos dos danos ambientais

efetivos associados com qualquer poluente específico (a emissão de mercúrio numa bacia

hidrográfica, por exemplo).

Parece, pois, ser irrealista o cálculo preciso da carga tributária adequada no imposto verde; em geral, parte-se para uma solução operacional de compromisso diante de informações imperfeitas. Muitos países, que vêm adotando alguma forma do

imposto verde, sabem destas limitações, mas, ainda assim, consideram o uso de

impostos e taxas uma intervenção mais apropriada do que o uso intensivo de

regulamentações, como na tradição da Inglaterra e à semelhança com o Brasil, que

estabelece padrões quantitativos de emissões de poluentes, acompanhados por multas

para os que desrespeitarem estes padrões. As vantagens dos impostos verdes na

alocação eficiente de recursos estão mencionadas no Box 329.

29 Bell, G. and Nellor, D.C.L. “User Charges and Environmental Charges” in Tax Policy Handbook, edited by Shome, P.; IMF Fiscal Affairs Department, 1995, Washington.

93

BOX 3

Eficiência Alocativa dos Impostos Verdes

• os impostos ou taxas são administrados pelas estruturas burocráticas

existentes dos três níveis de governo e com menor risco relativo de evasão, o

que é mais eficiente do que o risco de que os padrões fixos de emissão, por

exemplo, sejam desrespeitados por falta de uma fiscalização permanente e

onerosa in loco;

• desde que um padrão de poluição tenha sido definido, uma empresa não tem

incentivo para reduzir as emissões abaixo deste padrão; diferentemente dos

impostos e taxas, os quais quanto mais elevados mais estimulam a empresa a

reduzir as emissões;

• impostos e taxas incentivam as empresas a aplicar fundos próprios ou de

empréstimos em Pesquisa e Desenvolvimento nas tecnologias de redução da

poluição ou em processos de produção menos poluentes;

• impostos e taxas sobre determinados poluentes podem reduzir a emissão de

poluentes associados.

94

É óbvio que a opção por impostos e taxas em lugar de regulamentações traz problemas

específicos que não podem ser desprezados. A sua introdução, certamente, provocará

aumentos nos preços e diminuição do consumo dos produtos tributados e resultará numa

perda de bem-estar social para os consumidores dos produtos taxados. Se o sistema

tributário for marcadamente regressivo, os impostos e taxas anti-poluição irão incidir sobre

os segmentos mais pobres da população. A perda de bem-estar com a queda do

consumo dos produtos tributados, contudo, tem de ser comparada com os ganhos de

bem-estar para os indivíduos afetados pela poluição, no presente e no futuro, com a

redução ou a eliminação dos danos ambientais.

O sistema de taxas é, também, uma forma de ampliar, na concepção das políticas

ambientais, o espaço do uso dos instrumentos econômicos em caráter complementar ou

substituto ao espaço dos regulamentos, das normas e dos decretos. Taxas, que muitas

vezes não conseguem se diferenciar dos impostos verdes sobre produtos, em muitos

países como no Brasil, têm sido utilizadas para controlar a poluição hídrica, visando a

obter receitas com o propósito de formação de fundos especificamente destinados a

melhorar a qualidade da água, assim como para atingir padrões desejáveis de efluentes

diferenciados; e, também, para induzir a adoção de equipamentos de controle da poluição

do ar e para desestímulo à aquisição de bens duráveis de consumo (automóveis,

basicamente) não equipados com mecanismos anti-poluição (conversor catalítico, por

exemplo).

Pode-se distinguir dois tipos de taxas ambientais30: a) uma taxa de eficiência, destinada a

produzir um resultado eficiente ao forçar o poluidor a compensar completamente todo o

dano causado; b) uma taxa custo-efetiva, destinada a atingir um padrão ambiental

predefinido com o menor custo de controle possível. Qualquer uma destas taxas tem,

geralmente, as suas receitas vinculadas a algum objetivo de desenvolvimento ambiental

(revitalização das bacias hidrográficas, por exemplo) como forma de se reduzir a

necessidade de impostos verdes que podem produzir mais distorções na alocação dos

recursos escassos da sociedade. Algumas das vantagens do uso de taxas ambientais

estão apresentadas no Box 4. Entre as principais taxas, destacam-se:

• taxas de emissão de efluentes (princípio poluidor-pagador): são taxas aplicadas à

descarga de poluentes no ar, na água ou no solo, e à geração de barulho; são

30 Tietenberg, T. H. “Economic Instruments for Environmental Regulation”, in Helm, P. (ed.) Economic Policy Towards the Environment; Blackwell, 1991, London.

95

relacionadas com a quantidade e a qualidade do poluente e com os custos da

correção dos danos infligidos ao meio ambiente;

• taxas dos usuários (princípio usuário-pagador): têm a função principal de levantar

receitas fiscais e são relacionadas com custos de tratamento, custos de coleta e de

disposição, custos administrativos ou de recuperação, dependendo da situação em

que são aplicados; ou ainda, como no caso brasileiro, no direito de uso de um

determinado recurso, como o sistema em implantação pela Agência Nacional de

Águas na cobrança pelo uso dos recursos hídricos, não apenas relacionados com os

custos de danos ao meio ambiente, mas também a todos os custos de oportunidade

envolvidos (escassez);

• taxas de produtos: incidem sobre produtos prejudiciais ao meio ambiente quando

usados em processos de produção, ou quando consumidos ou jogados fora; o nível da

taxa está relacionado com os custos dos danos ambientais ligados ao produto-alvo.

96

Fonte: Bell, G. and Nellor, D.C.L. “User Charges and Environmental Charges” in Tax Policy Handbook, edited by Shome, P.; IMF, Fiscal Affairs Department, 1995.

BOX 4

Principais Características Econômicas das Taxas Ambientais

Na concepção dos modernos sistemas tributários, além das questões relacionadas com os processos de globalização e de redistribuição da renda e da riqueza, os impostos e taxas têm sido considerados, também, como instrumentos adequados para lidar com a existência de um crescente número de mercados imperfeitos e de seus impactos intertemporais na alocação de recursos, na estabilização monetária e na equidade. Neste sentido, dá-se importância cada vez maior para os impostos e taxas ambientais (externalidades negativas), como, por exemplo, as taxas de usuários. Estas taxas apresentam as seguintes características econômicas:

1) na sua aplicação, elas emulam o princípio do benefício das finanças públicas, segundo o qual o pagamento de um imposto deve corresponder aos benefícios recebidos dos bens e serviços tributados;

2) elas incorporam o mecanismo de racionamento ou escassez do sistema de preço, segundo o qual o bem ou serviço somente é provido aos consumidores que lhe atribuem um valor pelo menos igual ao seu custo total (custo de mercado corrigido pelos custos ambientais);

3) elas provêm a geração de informações do sistema de preços, uma vez que a receita obtida a partir de sua aplicação pode ser facilmente comparada com os custos de oferta dos bens e serviços e podem ajudar o processo decisório na alocação futura de recursos escassos; para que não percam sua eficácia, em ambientes inflacionários têm de ser reestimados com maior frequência, uma vez que esta eficácia está diretamente associada a uma adequada precificação de bens e serviços.

97

É evidente que há outros instrumentos econômicos, que, quando aplicados

adequadamente em termos de benefícios e custos sociais, são capazes de alterar

indiretamente os preços e os custos relativos dos bens e serviços produzidos. Entre

estes, destacam-se os sistemas de depósitos restituíveis e de bônus de desempenho ou

de garantia.

O sistema de depósitos restituíveis envolve depósitos pagos por produtos

potencialmente poluidores; se os produtos são retornados a algum ponto de coleta

legalmente autorizado depois de usado, evitando assim a poluição, o depósito é

restituído. O sistema de bônus de desempenho e bônus de garantia são sistemas

similares que requerem o pagamento de um bônus de desempenho ou depósito de

segurança (por uma empresa mineradora, por uma empresa madeireira, etc.); se as

atividades conduzidas por estas empresas não atenderem a uma prática ambiental

aceitável (preservação de mananciais, preservação de espécies, etc.), então os custos de

recuperação ou de limpeza ambiental serão pagos com fundos dos depósitos ou dos

bônus. Outro emprego para estes sistemas é a caução para recuperação de passivos

ambientais; esta alternativa, já aplicada em vários países da OCDE, garante a

recomposição ou a reabilitação de áreas comprometidas por atividades degradadoras,

como é o caso da mineração.

A própria experiência dos países da OCDE mostra que há uma divergência entre a teoria e a prática no uso dos instrumentos de estímulos econômicos. Admite-se que, em geral, as agências de proteção ambiental destes países tendem a fixar as taxas em nível muito baixo, de forma tal que não se consegue atingir os objetivos de qualidade ambiental programados. Assim, acabam por se tornar mais úteis como

fonte de receita fiscal do que como instrumento dos objetivos de política ambiental. Como

resultado, as agências têm buscado combinar estes instrumentos de incentivos

econômicos com processos e estruturas administrativas de regulamentações diretas.

Os países da OCDE, efetivamente, são os que detêm a mais ampla experiência de uso de

incentivos econômicos como instrumentos de concretização de metas ambientais31. A

mais inovadora destas experiências é com títulos negociáveis para controle da poluição

ambiental e a conservação de recursos naturais. Esta experiência se situa dentro do

conjunto de instrumentos não-convencionais que pretendem criar novos mercados ou 31 Bartelmus, P. Environment, Growth and Development. Routledge, 1994, London. Goldin, I and Winters, A. L. (ed.) The Economics of Sustainable Development. Cambridge, OCDE, 1995.

98

apoiar mercados já em operação, visando a obter mecanismos descentralizados de

controle da poluição ambiental e dos danos ambientais. Estes mercados podem ser

financeiros, de títulos negociáveis por exemplo, ou não-financeiros, de ecoprodutos por

exemplo. Os certificados negociáveis são quotas ambientais, permissões ou licenças

aplicados sobre limites estabelecidos para os níveis de poluição. A alocação inicial dos

certificados está relacionada com alguma meta de padrão ambiental, mas,

posteriormente, estes certificados podem ser negociados, desde que sujeitos a um

conjunto de regras pré-determinadas (ver Quadro 5).

Em resumo: não há uma regra simples que permita decidir, em situações específicas de intervenção governamental, entre o uso de instrumentos e mecanismos de mercado e o uso de regulamentações. Há vantagens e desvantagens em cada instrumento de intervenção, em termos de eficiência, de eficácia, de equidade e do grau de flexibilidade que dão aos agentes poluidores/consumidores de recursos hídricos. Sempre que possível, a melhor alternativa será alguma solução de compromisso que busque a sinergia entre as vantagens cumulativas dos dois tipos de instrumentos. A experiência na condução das políticas ambientais, em diversos países e regiões, mostra que, em quase todas as situações, é possível encontrar um mix que balanceie mecanismos institucionais de mercado e de ações regulatórias, dando-lhes um caráter de complementaridade e não de exclusão operacional, tal como previsto na legislação original da ANA. Assim, para viabilizar as diretrizes e metas do Plano Nacional de Recursos Hídricos, recomenda-se que, além do atual sistema de taxas e multas, assim como da cobrança pelo uso da água nas bacias hidrográficas, seja ampliado o uso de instrumentos econômicos articulados com programas de regulamentação como forma de modernizar a política ambiental brasileira; e que estes programas de regulamentação venham a ser aperfeiçoados superando três de seus principais problemas atuais: a ausência de articulação dos processos regulatórios com a provisão de recursos fiscais e financeiros, a ausência de um processo de avaliação dos impactos regulatórios e a ausência de um sistema de consultas públicas prévias às regulamentações.

99

QUADRO 5

Classificação dos Instrumentos de Política Ambiental Baseada na Descentralização e na Flexibilidade da Decisão Individual – Exemplos Gerais

Fonte: Huber, R. M., Ruitenbeek, J., Seroa da Motta, R. “Market Based Instruments for Environmental Policymaking in Latin America and The Caribbean – Lessons from Eleven Countries”. W. B., Discussion Paper No. 381, 1998.

Legislação Rígida sobre Passivos: O poluidor ou usuário do recurso deve, por lei, pagar todos os danos aos prejudicados; as partes prejudicadas fazem acordos por meio de litígios e côrtes de justiça.

Classificação de Desempenho: O Governo apóia programas de certificação ou de classificação que requeiram a divulgação de informações ambientais de produtos de uso final, que permitam identificar os “ambientalmente amigáveis”.

Permissões Negociáveis: O Governo estabelece um sistema de permissões negociáveis para poluição ou uso de recurso, leiloa ou distribui as permissões e monitora o cumprimento; poluidores ou usuários de recurso negociam as permissões por meio de preços de mercado não-regulados.

Taxas de Efluentes ou de Usuários: O Governo aplica taxas aos poluidores individuais ou aos usuários de recursos, baseado no uso do recurso e na natureza do meio recipiente; as taxas são suficientemente elevadas para reduzir impactos desfavoráveis.

Padrões: O Governo restringe a natureza e o montante de poluição ou o uso do recurso; o cumprimento das normas é monitorado, e sanções são impostas (multas, prisões, desativações, etc.) pelo não cumprimento.

Legislação dos Passivos

Intervenção na Demanda Final

Criação de Mercado Taxas, Impostos e Multas

Regulamentações e Sanções

Flexibilidade Mínima Flexibilidade Moderada Flexibilidade Máxima Envolvimento Máximo do Governo Iniciativa Privada Crescente Orientado Por Controle Orientado Pelo Mercado Orientado Pelo Litígio

DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH

PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final

ANEXO 1 - SÍNTESE

PRODOC 704 BRA 2041 ANA/UNESCO

Nome do Consultor:

PAULO ROBERTO HADDAD

05 de dezembro de 2005

II

1. Para se definirem diretrizes e metas para o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), é fundamental que se caracterize, inicialmente, qual modelo de crescimento econômico terá maiores chances de prevalecer no Brasil, ao longo da vigência do Plano de 2005 a 2020. Este modelo poderá ser determinante para se delimitarem as pressões que poderão advir sobre a base de recursos naturais das regiões brasileiras, a inserção de nossa economia na nova divisão internacional do trabalho, os grupos sociais e os setores produtivos que terão maiores ganhos e perdas, e, particularmente, a escassez relativa e os usos alternativos dos recursos hídricos do País.

Adota-se a hipótese de que, no período do PNRH, deverá prevalecer o aprofundamento do modelo de integração competitiva da economia brasileira que vem se estruturando desde os anos 90, e que, também, tem sido repensado e reformulado à medida que os seus impactos sobre o processo de desenvolvimento sustentável do País vão se configurando com maior nitidez e dramaticidade.

No pressuposto de que o modelo de crescimento econômico do País venha a ocorrer, no período do PNRH, com base no aprofundamento do processo de integração competitiva do País, há alguns percalços que precisam ser destacados. Em primeiro lugar, deve-se evitar que nossa pauta de exportações seja fundamentalmente especializada em bens e serviços intensivos em recursos naturais e mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada (especialização reversa), a não ser que a produção destas exportações se apóie em maior eficiência operacional e em adequado posicionamento estratégico.

Um segundo percalço em relação ao modelo de integração competitiva se refere à inserção do País nos blocos regionais de comércio. A avaliação final dos custos e benefícios de um processo de integração regional é muito difícil, uma vez que este processo é, ao mesmo tempo, dinâmico e interdependente, em suas várias etapas. Entretanto, no caso específico da ALCA, é evidente que se o Brasil se tornar um país membro, teremos ganhos e perdas; mas que só haverá perdas, se estivermos ausentes deste novo bloco regional de comércio. Entretanto, se prevalecerem as atuais tendências de protecionismo dos EE.UU. a setores produtivos não-competitivos de sua economia, certamente os benefícios líquidos para o Brasil serão negativos e desfavoráveis ao interesse nacional.

III

Finalmente, um terceiro percalço sobre as perspectivas de um modelo de integração competitiva se relaciona à posição relativa das empresas brasileiras no cenário mundial. A questão da competitividade das empresas brasileiras, num ambiente de uma economia mais aberta, mais desregulamentada, mais privatizada, mas ainda com custos macroeconômicos muito elevados, faz com que as organizações produtivas tenham que dar particular atenção aos fatores da gestão microeconômica, os quais poderão contribuir, eventualmente, para atenuar o seu hiato competitivo em escala global.

Neste sentido, cabe mencionar as conclusões gerais de Michael Porter sobre a competitividade sistêmica de um país ou região: a) a competitividade não pode ser vista como um fenômeno macroeconômico, impulsionado por variáveis como taxas de câmbio, taxas de juros e déficits governamentais; b) a competitividade não é função de mão-de-obra barata ou de recursos naturais abundantes; c) as empresas de uma região ou de um país não terão êxito se não basearem suas estratégias no progresso e na inovação, numa disposição de competir, no conhecimento realista de seu ambiente nacional/regional/local e de como melhorá-lo; d) as empresas bem-sucedidas concentram-se, com frequência, em determinadas cidades, aglomerados urbanos ou estados dentro de um país; e) o processo de globalização das economias nacionais não exclui a importância das localidades que proporcionam um ambiente fértil para as empresas de indústrias específicas. Na verdade, se desejarmos expandir a capacidade de exportação da economia brasileira, é indispensável que observemos quais são os fundamentos da competitividade, visando a reestruturar os nossos sistemas produtivos, migrando-os de economias tradicionais para economias modernas.

2. A grande dificuldade que se apresenta para a formulação das mega-tendências da economia brasileira, até o ano de 2020, é a de articular os objetivos das políticas de estabilização no curto prazo com as políticas de desenvolvimento no longo prazo. Esta questão inclui, de um lado, a consolidação de um ajuste fiscal e financeiro, e, do outro lado, a superação do atual quadro de desigualdades sociais e regionais, por meio de políticas públicas que promovam o crescimento econômico, com equidade e sustentabilidade ambiental. Somente assim teremos condições de vislumbrar as trajetórias de desenvolvimento do País, no período 2005-2020 do PNRH. Neste período, há grandes chances de que possa vir a ocorrer um ciclo de expansão da economia brasileira.

IV

Um ciclo de expansão se caracteriza, em geral, por um período relativamente longo (em torno de uma década) de crescimento ininterrupto, com elevadas taxas de expansão global e setorial da economia. É precedido de um conjunto de reformas econômicas e institucionais que viabilizam, por meio de elevadas taxas de investimento, a eliminação de pontos de estrangulamento que constituem óbices à mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e socioambiental. No Brasil, no período que se estende a partir da II Grande Guerra, tivemos apenas dois ciclos de expansão: o ciclo de 1955 a 1961 dos anos JK e o longo ciclo do “milagre econômico” de 1967 a 1979. Os demais períodos de crescimento econômico se caracterizaram por sua volatilidade, disritmia e instabilidade, no estilo típico do stop and go, como vem ocorrendo nas duas últimas décadas, e, até mesmo, no período pós-Plano Real.

Existem muitas razões para esperar que se configure o terceiro ciclo de expansão da economia brasileira, se conseguirmos consolidar as reformas econômicas e institucionais em andamento:

O Brasil dispõe de uma base de recursos naturais, renováveis e não-renováveis, ampla e diversificada que lhe dá vantagens comparativas internacionais para um crescimento mais acelerado e condições para construir vantagens competitivas a partir desta base.

O nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas atingiu um patamar no Brasil que favorece a formação de um ciclo de expansão no País, a partir de forças endógenas.

A mudança do papel do Estado na economia tem aberto melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para a formação de um ciclo de crescimento no Brasil.

Nos últimos vinte anos, ocorreram mudanças substanciais no padrão demográfico do Brasil que terão consequências gerais e profundas no seu processo de desenvolvimento econômico e social, e consequências específicas na dinâmica de mercados de diversos bens e serviços.

Há um pressuposto de que, nos novos ciclos de expansão da economia brasileira, caberá à iniciativa privada o papel mais relevante no processo de conceber e de

V

implementar os projetos de investimento, tanto em setores diretamente produtivos quanto em setores de infra-estrutura econômica em regime de concessões ou de parcerias público-privado. Pressupõe-se, também, que será indispensável a formulação de estratégias para as empresas estatais que ainda remanescerem nos setores de energia e de infra-estrutura para lhes dar condições competitivas num ambiente de negócios, onde as organizações nacionais estão cada vez mais expostas a concorrentes de todos os países do Mundo, em mercados em que perderam sua reserva e proteção.

3. Dependendo da configuração político-institucional de um novo ciclo de expansão, ele poderá acomodar de forma equilibrada os objetivos múltiplos de um processo de desenvolvimento sustentável para o País. Poderá superar uma visão dominante do crescimento econômico com elevados custos sociais e ecológicos, para perseguir uma trajetória de desenvolvimento onde se consigam ganhos expressivos para a sociedade brasileira em termos da redução do número de pessoas em regime de pobreza absoluta ou crítica, da atenuação das desigualdades sociais, de reversão da polarização espacial, da melhoria dos indicadores de qualidade de vida, do uso racional dos recursos ambientais numa perspectiva dos interesses entre gerações presentes e futuras, etc. Assim, a sociedade brasileira terá que realizar uma escolha entre os futuros possíveis, a partir destas mega-tendências e das mudanças e oportunidades no seu ambiente interno e externo.

Entretanto, se forem mantidas conservadoramente as atuais características do padrão de crescimento econômico e de acumulação de capital no País, o cenário tendencial de evolução dos indicadores de desenvolvimento sustentável poderá vir a ser de sua crescente deterioração, uma vez que: a) a crise fiscal e financeira dos três níveis de governo é um fator impeditivo da maior eficácia dos órgãos públicos que formulam, implementam e controlam as políticas de desenvolvimento sustentável; b) existem componentes autônomos nos processos de decisões descentralizadas de produção e de consumo nas diversas regiões do País, decorrentes de fatores econômicos e culturais, que continuam resultando em deterioração do seu capital natural e em reforço dos mecanismos sociais de reprodução da pobreza; c) é lento o avanço dos programas de educação ambiental que poderiam contrarrestar esta deterioração; d) a ausência de um efetivo sistema nacional de planejamento no País dificulta a inserção das questões de desenvolvimento sustentável na agenda de prioridades do Governo Federal; e) ainda é pouco expressivo o volume de recursos públicos e privados que

VI

vêm sendo alocados no desenvolvimento científico e tecnológico para enfrentar as questões de desenvolvimento sustentável no Brasil.

Assim, é fundamental que, na definição de diretrizes e metas do Plano Nacional de Recursos Hídricos, se busque uma concepção adequada de desenvolvimento para o Brasil, a qual não pode se limitar à promoção de um ciclo de expansão econômica mas deve conter, como elemento essencial, um crescente processo de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Esta preocupação deriva do fato de que a análise das experiências de expansão de diferentes economias no pós-Guerra não revela a existência de nenhuma correlação geral e sistemática entre o processo de crescimento econômico e a distribuição de renda e da riqueza geradas neste processo, assim como mostra que, frequentemente, o crescimento acelerado de economias nacionais e regionais se deu através do uso predatório da base de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis que permitem sua operacionalização de forma prática.

4. Muitos analistas dos problemas de regiões que acumularam um grande atraso econômico, ou que perderam seu dinamismo, estão convencidos que o desenvolvimento não se limita apenas à expansão da capacidade produtiva (mais investimentos em projetos de infra-estrutura econômica ou em projetos diretamente produtivos). Segundo Celso Furtado “o verdadeiro desenvolvimento é, principalmente, um processo de ativação e canalização de forças sociais, de melhoria da capacidade associativa, de exercício da iniciativa e da criatividade. Portanto, trata-se de um processo social e cultural, e apenas secundariamente econômico. O desenvolvimento ocorre quando, na sociedade, se manifesta uma energia capaz de canalizar, de forma convergente, forças que estavam latentes ou dispersas. Uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão das preocupações e das aspirações dos grupos sociais que tomam consciência de seus problemas e se empenham em resolvê-los”.

Sergio Boisier tem insistido que o desenvolvimento de uma região ou localidade, no longo prazo, depende profundamente da sua capacidade de organização social e política para modelar o seu próprio futuro (processo de desenvolvimento endógeno), o que se relaciona, em última instância, com a disponibilidade de diferentes formas de capitais intangíveis na região ou localidade.

VII

Assim, um processo de desenvolvimento endógeno é concebido e implementado a partir da capacidade que dispõe determinada comunidade para a mobilização social e política de recursos humanos, materiais e institucionais, em uma determinada localidade ou região. Um processo de desenvolvimento endógeno percorre, normalmente, algumas etapas que permitem sua operacionalização de forma prática.

5. Para que as experiências de desenvolvimento endógeno adquiram transparência e legitimidade, é fundamental que estas aconteçam dentro do estilo de planejamento participativo. O planejamento governamental deve ser um processo aberto de negociação permanente entre o Estado e as instituições da sociedade civil. Negociar significa, entre outras coisas, assumir o conflito e reconhecer nos conflitos de interesse a própria seiva da experiência e dos compromissos democráticos. As lutas, os conflitos, os dissídios, as dissidências são as formas pelas quais a liberdade se converte em liberdades públicas, em liberdades concretas. Assim, o compromisso democrático impõe, a todas as etapas do processo de planejamento, o fortalecimento de estruturas participativas e a negação dos procedimentos autoritários que inibem a criatividade e o espírito crítico.

Embora a prática do planejamento participativo seja ainda embrionária no Brasil, já existem algumas instituições públicas, a nível federal, estadual e local, que estão modificando o seu estilo de atuação, visando a mobilizar os recursos latentes das comunidades e regiões para a concepção e a execução de projetos de desenvolvimento sustentável. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos está sendo concebido e elaborado, fundamentalmente, como uma prática de planejamento participativo.

O processo de planejamento participativo apresenta uma série de aspectos surpreendentemente positivos em termos de eficácia operacional e de pedagogia social, os quais podem ser sumarizados da seguinte forma:

• haverá estímulos para que as comunidades locais possam tomar consciência de seus problemas reais e desenvolver sua criatividade na busca de soluções, gerando uma verdadeira construção de capacidades em torno da organização social e política de cada programa ou projeto;

• este tipo de pedagogia de participação tem, em seu bojo, forte conteúdo motivacional; terá, pois, muitas condições de incentivar as comunidades a se

VIII

mobilizarem para a implantação das metas e dos objetivos previstos para os programas e projetos que elas mesmas ajudaram a decidir, e a enfrentar os sacrifícios decorrentes;

• durante as diversas fases de diagnose dos problemas e das potencialidades de cada região ou setor, as mesmas serão participadas por segmentos da comunidade, técnicos e líderes empresariais, aportando dados mais realistas e elementos qualitativos; evitar-se-á, então, que os conhecimentos se baseiem exclusivamente em dados quantitativos, que retratam apenas parte de sua realidade e escamoteiam, muitas vezes, informações qualitativas importantes para os processos de mudanças;

• o produto do processo de planejamento participativo será uma agenda de mudanças, com metas e objetivos mais contextualizados e mais adaptados à realidade concreta que se quer mudar e ao modelo que se deseja atingir, e, também, mais consentâneo com os meios de que as organizações e as comunidades locais podem dispor;

• este mesmo processo pedagógico ajuda a agregar novas vontades e interesses ao programa e, por isso mesmo, fortalece as forças favoráveis às mudanças, da mesma forma e pelas mesmas razões, ajuda a minar as forças de resistência que sempre se opõem a qualquer processo de transformações estruturais;

• os conflitos existentes para a organização e a consolidação de cada programa ou projeto, não significarão obstáculos intransponíveis; ao contrário, através da ação dialógica, da discussão e do debate, da negociação e da barganha, dos pactos e coalizões, se poderá garantir a canalização positiva dos conflitos de interesses.

Como destaca a Agenda 21 Brasileira, embora o processo participativo se baseie em alguns princípios e doutrinas fundamentais, a sua prática é multifacetada e os modelos operacionais adotados variam de acordo com as circunstâncias históricas de cada país, região ou localidade. Além do mais, a democracia participativa, mesmo sendo um grande avanço na legitimação do processo de tomada de decisão do setor público, não pode nem deve ser considerada substituta da democracia representativa que precisa ser fortalecida e instrumentalizada. Em última instância, é na própria democracia representativa que os segmentos não organizados da sociedade civil encontram espaço de interlocução e de expressão.

IX

6. Um País com dimensões geográficas e heterogeneidade sociocultural tem, como um dos principais objetivos de desenvolvimento, a preservação da sua unidade nacional. Assim, devem-se formular e implementar estratégias político-institucionais para o controle dos conflitos regionais, pela promoção do desenvolvimento sustentável das áreas periféricas do País e, particularmente, de melhoria da qualidade de vida de seus habitantes por meio de ações programadas, deixando de considerar estas regiões tão-somente como “grandes almoxarifados de recursos naturais e recursos energéticos” à disposição dos eixos mais desenvolvidos.

A distribuição espacial das atividades econômicas, nos dois ciclos de expansão da economia brasileira no pós-Guerra, permite definir uma periodização que mostra três diferentes momentos. O período de concentração econômica espacial, que ocorre de 1950 a 1975. O período de desconcentração econômica espacial, que vai da segunda metade dos anos 70 até a primeira metade dos anos 80 (1976-1986). E, finalmente, o período que vai de 1986 até o início do século XXI, de relativo equilíbrio na participação das economias regionais no Produto Interno Bruto, indicando o esgotamento ou a desaceleração do processo de desconcentração. Portanto, o Brasil está, atualmente, num ponto em que o processo de desconcentração espacial do crescimento econômico nacional, iniciado nos anos 70, tende a se estabilizar.

É de se esperar que os novos ciclos de expansão da economia brasileira, durante o século XXI, sejam intensivos em informação e conhecimento, em ciência e tecnologia na geração de diferentes produtos, processos e técnicas de gestão que irão compor a formação do Produto Nacional de uma economia cada vez mais exposta à competição externa. Estudos comparativos internacionais sobre os novos padrões de localização dos projetos de investimentos, semelhantes aos que irão dar sustentação a estes ciclos de expansão, identificam que as vantagens relativas das regiões para atraí-los dependerão, relativamente, cada vez menos da disponibilidade de recursos naturais ou de mão-de-obra não qualificada em abundância (fatores locacionais tradicionais) e cada vez mais da existência, na região, de trabalhadores qualificados em permanente processo de renovação de conhecimentos, centros de pesquisa, recursos humanos especializados, ambiente cultural, etc. (fatores locacionais especializados ou não-tradicionais). Dada a atual geografia de distribuição espacial destes fatores não-tradicionais entre as regiões brasileiras, há fortes sinalizações de que, no novo ciclo de expansão, poderá ocorrer uma reconcentração espacial dos seus benefícios no Sul e no Sudeste do País.

X

Como os fatores locacionais especializados são do tipo man-made, podendo ser reproduzidos em quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de planejamento do desenvolvimento, amplia-se o grau de liberdade que dispomos para realizar políticas interregionais de natureza compensatória, aumentando o poder de atração de novos investimentos nas áreas menos desenvolvidas do País, ao longo dos novos ciclos de expansão econômica.

7. Apesar dos grandes avanços que as políticas brasileiras de preservação e de conservação dos recursos naturais têm atingido, ainda é inquietante a intensidade que vêm sendo utilizados, de forma predatória e não sustentável, os diferentes ecossistemas do País. Da mesma forma, em escala mundial, há uma inquietação quanto à capacidade de resistência da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos níveis de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes, que vêm sendo incorporados aos diversos mercados de bens e serviços por força dos incessantes ganhos de produtividade decorrentes da terceira revolução científica e tecnológica, da irreversível entrada da China na lógica da economia capitalista, da melhoria da distribuição de renda em muitos países emergentes, etc. Somam-se a tudo isto, os impactos destrutivos que as mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais, os quais têm colocado em dúvida a possibilidade de que haja tempo suficiente para que o processo de implementação das experiências bem sucedidas de políticas, programas e projetos de desenvolvimento sustentável possa contrarrestar os colapsos ou desastres ecológicos que vêm crescendo em número e em intensidade.

Em função destas inquietações, tem surgido um grande número de propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional baseada numa concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre estas propostas, destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial na qual se processam mudanças radicais na produtividade dos recursos materiais e de energia, e, na qual, a emergência do capitalismo natural se torna inevitável.

O ponto central e distinto do capitalismo natural é a hipótese que está se criando uma nova revolução industrial a partir dos aumentos radicais da produtividade dos recursos (matérias, energia) que trarão três grandes benefícios: a diminuição da exaustão dos recursos em uma ponta da cadeia de valor, a diminuição dos níveis de poluição na outra ponta, e a formação de uma base para ampliar o emprego de qualidade em escala mundial. Propõe que haja reinvestimentos na sustentação, na

XI

restauração e na expansão dos estoques de capital natural, a fim de que a biosfera possa produzir serviços de ecossistemas e recursos naturais mais abundantes; e tem a expectativa de que, dentro de uma geração, as nações possam ter um acréscimo de dez vezes na eficiência com que usam energia, recursos naturais e outros materiais. Especificamente, em relação à melhoria da produtividade dos recursos hídricos, as propostas do capitalismo são economicamente realistas e reestruturantes dos atuais padrões de uso e de conservação destes recursos, muitas destas propostas estão incorporadas nas políticas, programas e projetos do PNRH.

9. No processo de elaboração de um plano, onde se destacam objetivos múltiplos e conflitos de interesses sociais e regionais, como no caso do Plano Nacional de Recursos Hídricos, há necessidade de se explicitar uma estratégia de implementação, considerando cuidadosamente: como fazer acontecer o que foi proposto, que instrumentos econômicos e mecanismos institucionais utilizar, como viabilizar o seu financiamento, etc.

Em primeiro lugar, é preciso destacar o quadro das diferentes restrições a que o PNRH estará submetido, quando terminar a sua elaboração e se iniciar o seu processo de implementação. Na verdade, os problemas mais complexos de planejamento de médio e de longo prazo começam a emergir quando o Plano tem a responsabilidade de demonstrar, para a opinião pública, a sua eficiência (“fazer certo as coisas certas”) e a sua eficácia (“fazer as coisas certas”).

A primeira e maior restrição ou condicionalidade ao processo de implementação do Plano é a de que ele está nascendo num ambiente de um profundo ajuste fiscal e financeiro em andamento no País. Ora, é muito difícil, neste contexto de ajuste, viabilizar novos grandes investimentos de infra-estrutura tal como previstos no Plano, e toda tentativa de insistir nesta linha de trabalho estará fadada ao fracasso, pelo menos no curto prazo. Além do mais, se prevalecer o atual modelo de política econômica, esta dificuldade deverá avançar ao longo dos próximos dez anos.

Uma segunda restrição se refere à questão do desmonte do sistema nacional de planejamento no Brasil. Um plano de desenvolvimento de médio e de longo prazo, como o PNRH, tem maiores chances de se realizar num ambiente político-administrativo em que as práticas do planejamento estejam revigoradas e dinamizadas dentro do núcleo central do processo decisório dos três níveis de governo.

XII

Uma terceira restrição, também muito importante, está na limitada capacidade operacional da máquina administrativa dos três níveis de governo, que vem se fragilizando ao longo dos sucessivos ajustes macroeconômicos, desde os anos 80. De ajuste em ajuste, pôde se observar que os intermitentes cortes dos gastos públicos, visando a reduzir a absorção interna da economia, levaram a uma redução na oferta dos serviços públicos e semi-públicos, a uma perda na sua qualidade e a uma imprevisibilidade em suas ações programáticas. Assim, o PNRH emerge num contexto histórico de grande desmobilização motivacional da administração pública, onde tende a se comprometer a eficiência e a eficácia na execução dos seus programas, projetos e ações regulatórias.

10. Assim, para que as estratégias de desenvolvimento sustentável do PNRH sejam efetivamente implementadas, é fundamental que haja uma explícita incorporação, no seu processo decisório, das principais condicionalidades econômico-financeiras e político-institucionais do País, no curto, no médio e no longo prazo. Neste sentido, para identificar as linhas gerais de intervenção governamental direta e indireta, visando a viabilizar as ações do Plano, é preciso estabelecer diferentes taxonomias das suas políticas, programas e projetos, pois:

• há casos em que a questão básica não é, fundamentalmente, de disponibilidade de novos recursos fiscais e financeiros, mas de se reprogramar o uso dos recursos já disponíveis ou de determinação política para tornar efetivas as regulamentações já existentes;

• mesmo para alguns programas e projetos previstos no PNRH que envolvem volumosos recursos fiscais e financeiros ainda não disponíveis, é possível modulá-los intertemporalmente, visando a esperar melhores momentos de prosperidade econômica no País, quando se configurar o novo ciclo de expansão sustentada;

• é possível ampliar as fontes de financiamento próprias do PNRH, utilizando com maior eficiência e eficácia os instrumentos econômicos previstos legalmente para a gestão dos recursos hídricos, assim como ampliar a diversidade e o escopo destes instrumentos;

• há um grande número de projetos de grande relevância para a implementação do PNRH, os quais podem ser seletivamente promovidos junto ao Segundo

XIII

Setor (por causa de sua rentabilidade privada), ou junto ao Terceiro Setor (por causa de seus impactos sociais e ambientais);

• o próprio Governo Federal, reconhecendo as pesadas restrições e condicionalidades dos programas de ajuste fiscal e financeiro, tem procurado gerar alternativas para o financiamento de programas e projetos de desenvolvimento, como as incipientes e promissoras experiências de PPP (Parcerias Público-Privado).

DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH

PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final

ANEXO 2 – COMENTÁRIOS E RECOMENDAÇÕES

PRODOC 704 BRA 2041 ANA/UNESCO

Nome do Consultor:

PAULO ROBERTO HADDAD

05 de dezembro de 2005

II

ESTRATÉGIA DE IMPLEMENTAÇÃO

1. Os Programas e Sub-Programas que compõem o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) apresentam algumas características comuns: a) o envolvimento de

diferentes setores da administração direta e da administração indireta dos três níveis de

governo; b) a participação direta e informal das comunidades interessadas, uma vez que o

PNRH, em sua concepção e em sua execução, optou pelo estilo de planejamento

participativo; c) a multiplicidade de disciplinas e experiências profissionais envolvidas, com

suas idiossincrasias próprias, etc.

Por outro lado, a gestão integrada da qualidade dos recursos hídricos adquire especial

importância por vários fatores (cf. Mônica Porto e Francisco Lobato):

• A necessidade da integração de escalas, desde a visão macroscópica que enxerga a

totalidade das bacias hidrográficas e suas vocações, até a visão da micro-escala que

procura agir sobre o poluidor e controlar seus impactos;

• A necessidade de integração de mecanismos de gestão, que, usualmente, se

encontram em instituições distintas, como a área ambiental e de recursos hídricos e as

do desenvolvimento urbano e regional.

2. Usualmente, o processo de implementação de um plano de desenvolvimento

integrado e sustentável, como o PNRH, envolve delicados problemas de coordenação, pois as instituições públicas e privadas que participam do Plano, tendem a desenvolver o

seu espaço próprio de decisão, fechando-se em torno de missões e temas programáticos

específicos e, ao mesmo tempo, protegendo-se quanto às tentativas de interferências das

atividades de coordenação externa. Por exemplo: um programa abrangente de formação de

recursos humanos para a gestão de recursos hídricos (por exemplo: o SUB-PROGRAMA

IV.1. Capacitação e Educação Ambiental com Foco em Recursos Hídricos, do PNRH) não

pode prescindir da cooperação das instituições, públicas e privadas, vinculadas às políticas

educacionais e de formação de recursos humanos na região em que se localiza. Assim,

quando lhes é solicitada a cooperação para executar determinadas atividades do programa,

é necessário considerar a questão recorrente da heterogeneidade das diferentes

organizações envolvidas, quanto ao seu grau de maturidade institucional (há aquelas que

ainda não firmaram sua identidade), à sua capacidade de decisão e de implementação (há

as que costumam paralisar diante de escolhas a fazer), à sua cultura profissional (muitas

III

cultivam “o desenvolvimentismo” como base de suas ações), etc. Estes fatores podem

explicar, ainda que parcialmente, os diversos exemplos de conflitos institucionais em torno

das políticas de desenvolvimento sustentável, resultando em impasses decisórios

(paralisantes ante escolhas críticas), em predominância de elementos irracionais

(confundindo objetivos com instrumentos) e desperdício de recursos (por meio da

sobreposição de funções e das disputas por liderança).

Assim, um plano de desenvolvimento integrado e sustentável, como o PNRH, deve

conceber a coordenação das entidades públicas e privadas, atuantes na sua área de

influência, em função de problemas rigorosamente focalizados no nível de programas e

projetos. As suas ações devem ser de natureza pragmática em busca de resultados

operacionais, envolvendo a mediação de conflitos e disputas, a eliminação de setorialismos

injustificáveis, a promoção de consensos, a busca do dinamismo real em lugar das divisões

formais, etc., para fazer acontecer os objetivos e metas do Plano.

3. Enfatizamos que muitos dos problemas reais com a gestão de recursos hídricos não estão tanto em sua concepção e planejamento, mas na sua implementação. As chances de sucesso na implementação de um plano, programa ou

projeto são muito reduzidas usualmente, se o seu nível de especificidade é baixo; ou seja: a)

se é reduzida a extensão em que é possível especificar, para uma determinada atividade, os

objetivos a serem atingidos, os métodos para atingir estes objetivos e as formas de controlar

os seus bons resultados, assim como premiar os atores responsáveis por estes resultados;

b) se são limitados os seus efeitos em termos de intensidade, dos prazos para se tornarem

aparentes, do número de pessoas e atividades afetadas, e das possibilidades práticas de

traçar os próprios efeitos. Em geral, quanto maior o grau de especificidade de um plano,

programa ou projeto, mais intensos, imediatos, identificáveis e focalizados serão os seus

efeitos; a ausência de especificidade torna a sua gestão mais complexa e difícil, pois

permite às estruturas organizacionais que o implementam maior latitude e graus de

liberdade na interpretação ad hoc das suas normas e regulamentações (cf. A. Israel

Institutional Development: Incentives to Performance; World Bank, 1989)..

4. É possível identificar um conjunto de motivos para que os diferentes atores e

instituições envolvidos na implementação de um plano de desenvolvimento integrado e

sustentável possam concordar com os seus objetivos e, ainda assim, opor (ou simplesmente

deixar de facilitar) meios para executá-lo: a) incompatibilidade direta com outros

compromissos: os atores podem concordar com os méritos do plano, mas considerar que

este é incompatível com outras de suas metas organizacionais; b) nenhuma

IV

incompatibilidade direta, mas uma preferência para outros programas ou projetos; c)

compromissos simultâneos com outros programas e projetos que demandam,

crescentemente, o uso alternativo de seu tempo e atenção; d) dependência de atores para

os quais o plano não tem um sentido de urgência, ou de atores com forte adesão aos seus

objetivos mas sem poder de decisão; etc.

Ou seja, nenhum ator institucional, público ou privado, tende a exprimir desacordo quanto

aos objetivos de desenvolvimento sustentável do PNRH. Estes objetivos são considerados

meritórios do ponto de vista da opinião pública, sendo “politicamente correto” um cidadão e

uma organização responsáveis manifestar propensão a apoiá-lo. Contudo, isto não significa

que esteja pronto para tomar decisões, motivado para promover desobstruções ou eliminar

pontos de estrangulamento, a fim de chegar a acordos necessários para acelerar a

execução do Plano.

5. O SUB-PROGRAMA III.7 do PNRH (Aplicação de Instrumentos Econômicos à

Gestão de Recursos Hídricos) é fundamental para que o “Desenvolvimento e

Implementação dos Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos” não se limite aos

mecanismos regulatórios de comando e controle. Em geral, pode-se observar que: a) quanto

mais rigorosos forem os critérios de uma agência pública quanto aos padrões estabelecidos

para a qualidade de um recurso ambiental (os recursos hídricos das bacias hidrográficas,

por exemplo), maiores serão as chances de ter de defender estes critérios em morosos

processos administrativos ou em recursos interpostos em tribunais não-especializados e de

tornar-se impotente diante da continuidade dos processos de poluição; b) custos

administrativos elevados, assimetrias no acesso a informações relevantes, conflitos legais,

lentidões em processos administrativos e judiciais, diversidades de situações tecnológicas e

econômicas entre firmas de um mesmo setor (agropecuário, por exemplo), entre outros

motivos, fazem com que um programa bem sucedido de regulamentação direta seja uma

forma de intervenção governamental, com custos políticos e econômicos muito elevados; c)

ao mesmo tempo, a gestão cotidiana das normas e regulamentos em vigor não consegue

conquistar confiabilidade por parte da opinião pública quanto à sua eficiência e à sua

eficácia, dadas as dificuldades observadas na capacidade operacional dos órgãos gestores

(falta de pessoal especializado, níveis de salários insatisfatórios, baixo nível de motivação

para o trabalho, etc.).

V

6. Feitas estas reflexões, é possível fazer as seguintes recomendações:

a) o PNRH, após a sua elaboração e aprovação legislativa, precisa preparar um documento

denominado Estratégia de Implementação, que definirá como fazer acontecer o que foi

proposto, os instrumentos econômicos e os mecanismos institucionais a serem adotados,

como viabilizar o financiamento dos Programas e Sub-Programas, os cronogramas físicos e

financeiros de sua execução, etc.;

b) o PNRH precisa ser negociado detalhadamente com as autoridades econômicas das

Secretarias do Orçamento e do Tesouro Nacional para definir o seu financiamento a partir

da LDO, do OGU, de PPAs, etc., inclusive as implicações de custos de custeio e de

investimento previstos para as ações regulatórias mais significativas (por exemplo: SUB-

PROGRAMA III.6 – Planos de Recursos Hídricos e Enquadramento de Corpos Hídricos em

Classes de Uso);

c) é fundamental organizar um sistema de gerenciamento orientado para resultados

(SIGEOR) o qual inclui um conjunto de indicadores intermediários e finalísticos, visando ao

controle e à avaliação do PNRH;

d) o PNRH precisa dispor de um projeto de comunicação social relativo às suas Macro-

Diretrizes e aos seus Programas e Sub-Programas, visando a atingir aos principais

formadores de opinião (stakeholders) do País e de suas regiões;

f) o PNRH deve utilizar o sistema de rolling plan, através do qual, no fim da sua execução

em cada ano, ele é refeito a partir das experiências ocorridas, das novas realidades

econômicas e político-institucionais do agravamento dos indicadores de sustentabilidade

ambiental das bacias hidrográficas do País, etc.