diretriz disfunÇÃo do trato urinÁrio inferior

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1 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia Elaboração Final: 26 de junho de 2006 Participantes: Braz MP, Lima SVC, Barroso Jr UO Disfunção do Trato Urinário Inferior

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA – 2006

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Page 1: DIRETRIZ DISFUNÇÃO DO TRATO URINÁRIO INFERIOR

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Projeto DiretrizesAssociação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federalde Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar

condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidasneste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta

a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia

Elaboração Final: 26 de junho de 2006

Participantes: Braz MP, Lima SVC, Barroso Jr UO

Disfunção do Trato Urinário Inferior

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Projeto DiretrizesAssociação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:Revisão da literatura.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.C: Relatos de casos (estudos não controlados).D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos

fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:Fornecer as principais recomendações relacionadas à disfunção do trato urinárioinferior.

CONFLITO DE INTERESSE:Nenhum conflito de interesse declarado.

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INTRODUÇÃO

A disfunção do trato inferior é definida como a presença desintomas de urgência miccional e/ou urge-incontinência, naausência de infecção urinária, alterações neurológicas e anorma-lidades anatômicas envolvendo a bexiga e uretra. Sintomas dedisfunção do trato inferior estão presentes em até 20% das crian-ças, ocorrendo mais em meninas (8:1). A importância da disfunçãodo trato inferior reside no fato de que esta é a relevante causa deinfecção urinária em crianças após os quatro anos de idade, estáassociada a refluxo vésico-ureteral1(C), é causa de baixa auto-esti-ma, isolamento social e alterações comportamentais, além de serfator de risco para novas cicatrizes renais em crianças acometidaspor infecção urinária2(C).

CLASSIFICAÇÃO

Quando há alteração apenas da fase de armazenamento vesical,denomina-se urge-síndrome. Quando há perdas urinárias diurnasacompanhadas de sintomas de urgência, denomina-se urge-incon-tinência. Nessas crianças, a micção é coordenada e o resíduopós-miccional é nulo. Denomina-se disfunção miccional quandohá incoordenação entre a contração do detrusor e o relaxamentoda musculatura do assoalho pélvico, durante a micção. Quandoassocia-se elevado resíduo pós-miccional e uma freqüência de trêsou menos micções por dia, o quadro é chamado de síndrome dabexiga preguiçosa (“lazy bladder syndrome”).

SINTOMAS

Os sintomas principais são urgência miccional e urge-incon-tinência. Enurese noturna pode estar presente. A freqüênciaurinária pode estar normal, mas comumente a criança apresentapolaciúria. Mais raramente, o número de micções diárias estádiminuído. O jato urinário pode estar normal ou ser interrom-pido nos casos de incoordenação vésico-perineal. Em alguns casos,a criança apresenta dificuldade para iniciar a micção. Constipa-ção está freqüentemente associada. O termo síndrome da disfunçãode eliminação tem sido empregado quando há associação entredisfunção miccional e evacuatória1(C).

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EXAMES SUBSIDIÁRIOS

Todos os pacientes devem ser submetidos aum exame neurológico sucinto, assim comodeve-se avaliar a região lombo-sacral. Sinais deespinha bífida oculta podem estar presentes,como tufo de pêlos, lipomas, manchas e altera-ções da prega glútea. Qualquer anormalidadeneurológica encontrada já classifica o quadrocomo bexiga neurogênica.

O exame urodinâmico completo (cistometriae estudo fluxo/pressão) não é necessário namaioria dos casos. Isso porque há uma boa cor-relação entre os achados clínicos e aqueles en-contrados por esse exame. Além disso, o resul-tado do estudo urodinâmico não altera o tipode tratamento a ser executado3(B)4(C).

Todas as crianças devem ser avaliadas inicial-mente por urocultura. As crianças com sintomasde disfunção do trato inferior são pesquisadas commétodos não-invasivos que incluem o diáriomiccional, a urofluxometria com eletromiografiade superfície e a ultra-sonografia. Apesar do diag-nóstico da disfunção do trato inferior ser clínico,esses exames permitirão classificá-la e aplicar otratamento de acordo com o tipo de disfunção.

A urofluxometria avalia o padrão do fluxourinário. A análise da curva nos fornece subsí-dios para determinação de uma incoordenaçãovésico-esfincteriana. A análise da eletromiografiapermite evidenciar a atividade da musculaturado assoalho pélvico durante a micção.

Com a ultra-sonografia avaliam-se, princi-palmente, a dilatação renal, a espessura da pa-rede vesical e a presença de resíduo pós-miccional. Resíduo acima de 10% da capacida-de esperada para a idade evidencia um esvazia-

mento vesical insatisfatório [capacidade vesicalem ml= (2+idade)x30]. A radiografia simplesde abdome pode ajudar na avaliação do acúmulode fezes no intestino, além de identificar anor-malidades ósseas espinhais grosseiras.

A cistouretrografia miccional é um examerelevante nos casos de infecção urinária, pois orefluxo vésico-ureteral está associado à disfunçãodo trato inferior em cerca de 30% dos casos1(C).Um achado característico de disfunção do tratoinferior encontrado na cistouretrografia miccionalé a uretra em pião, caracterizada por um alarga-mento da uretra próximo ao colo e um afilamentodesta à jusante, na região do esfíncter externo.

A cintilografia renal com DMSA tambémpode ser solicitada nos casos em que há antece-dentes de infecção urinária febril e/ou anormali-dades parenquimatosas do rim à ultra-sonografia.A indicação de ressonância nuclear magnéticaestá restrita aos casos em que há sinais de altera-ções neurológicas ao exame físico ou sinais deespinha bífida ao exame da região lombo-sacral5(C). Há controvérsias quanto à necessida-de desse exame naqueles casos refratários ao tra-tamento ou quando há um achado incidental deespinha bífida na radiografia simples.

O estudo urodinâmico completo geralmen-te é recomendado para os pacientes que apre-sentam hidronefrose importante, cuja causasuspeita é a baixa complacência vesical, ou na-queles casos refratários ao tratamentoclínico3(B). O achado urodinâmico caracterís-tico é a hiperatividade vesical6(C).

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS

O tratamento da disfunção do trato infe-rior baseia-se, inicialmente, em medidas

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comportamentais. As crianças são orientadasa: urinar a cada três horas e antes de dormir;evitar retenção urinária, esvaziando a bexigasempre que houver desejo miccional; evitarlíquidos que possam irritar a bexiga, como cafée refrigerantes; e incentivar a hidratação orale alimentação rica em fibras para evitar cons-tipação.

Urge-Síndrome e Urge-IncontinênciaO tratamento da disfunção da fase de

armazenamento vesical se baseia na elimi-nação das contrações involuntárias dodetrusor e no aumento da capacidade vesical.A oxibutinina, usada de 0,2 a 0,4 mg/kg/dia, fracionadas em duas a três doses, tem semostrado de boa eficácia na redução dos sin-tomas, porém a taxa de desaparecimento des-tes é baixa7(B). A tolterodina, em uma (sede longa duração) ou duas tomadas (se decurta duração) diárias, tem eficácia similarà oxibutinina de curta duração, porém acar-reta menos efeitos colaterais7(B). Entretan-to, a tolterodina ainda não é apresentada emsuspensão e seu uso não está disponibilizadopara crianças. A taxa de efeitos colaterais dasmedicações anticolinérgicas não é pequena.Sintomas adversos, como boca seca, consti-pação, rubor facial, febre e confusão men-tal, ocorrem com relativa freqüência, apesarde pequena intensidade. Cerca de 10% dascrianças que usam anticolinérgicos não ade-rem ao tratamento por causa dos efeitoscolaterais8(D).

A eletroestimulação de superfície pode serusada tanto na região para-sacral, como na re-gião do nervo tibial. Os resultados iniciais comeste tratamento são bons e parecem promisso-res, mas estudos com grupos controles preci-sam ser realizados9,10(B) 11(C)12(D).

Disfunção Miccional e Síndrome daBexiga Preguiçosa

O princípio básico do tratamento das crian-ças que não relaxam completamente a muscu-latura do assoalho pélvico durante a micção é areeducação miccional. A criança deve ser orien-tada, durante a micção, a relaxar a musculaturado assoalho pélvico e não contrair a musculatu-ra abdominal. Manobras que facilitam essaconduta incluem-se: abrir as pernas, repousaros pés sobre um suporte caso estes não alcan-cem o chão; inclinar o dorso levemente parafrente; e orientar a criança a não levantar rapi-damente do vaso após a micção, para reduzir achance de resíduo urinário pós-miccional.

Entretanto, em muitos casos, a criança nãoreconhece a musculatura do assoalho pélvico, oque dificulta o aprendizado para relaxá-lo namicção. Mais recentemente, o biofeedback emregime ambulatorial tem tentado melhorar aresposta do paciente ao treinamento miccional.A resposta terapêutica varia de 60% a 90%,entretanto, a maior parte das séries associamanticolinérgicos e carecem de grupocontrole10(B)13(C). O biofeedback auxilia tantono tratamento da urgência miccional como daincoordenação vésico-perineal, além de tratarconcomitantemente a constipação. Criançascom elevado resíduo pós-miccional podem sebeneficiar com o uso de α-bloqueadores. Algunscasos de síndrome da bexiga preguiçosa, em quehá descompensação vesical, podem ser tratadoscom cateterismo intermitente14(C).

CIRURGIA PARA REFLUXO VÉSICO-URETERAL

Qualquer criança que seja submetida a trata-mento endoscópico ou cirurgia aberta do refluxovésico-ureteral tem de tratar a disfunção do tratoinferior antes do procedimento. A disfunção do

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trato inferior representa um importante fator derisco para falha no tratamento endoscópico dorefluxo e tem sido apontada por alguns comocausa de falha do tratamento cirúrgico15(C).

No caso da injeção endoscópica, a disfunçãodo trato inferior é uma importante causa de

falha terapêutica. Entretanto, nos pacientessubmetidos a reimplante ureteral, tem sidodemonstrado que quando emprega-se umatécnica cirúrgica adequada, com um compri-mento satisfatório do túnel uretero-vesical, ataxa de cura é a mesma que na população semdisfunção do trato inferior.

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