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Renata Fiore Brazil Teoria da Constituição e direitos fundamentais 7.7. Do princípio da igualdade O artigo 5º, caput, inciso I, da Constituição Federal, dispõe sobre o princípio da igualdade, consagrando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Devemos, conforme acentua Pedro Lenza, buscar não somente a igualdade formal, mas também a material, posto que a lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Conforme acentua o citado mestre é a busca por uma igualdade substancial e nesta linha de raciocínio rememora a Oração aos Moços de Rui Barbosa que foi inspirada na lição de Aristóteles: “devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades” A desigualdade já é estabelecida pelo próprio constituinte, assevera Pedro Lenza: “... é o próprio constituinte quem estabelece as desigualdades, por exemplo, em relação à igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, nos termos da Constituição, destacando-se as seguintes diferenciações: a) art. 5º, L (condições às presidiárias para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação); b) art. 7º, XVIII e XIX (licença-maternidade e licença paternidade)...” 1 1 Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado, p. 974.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

7.7. Do princípio da igualdade

O artigo 5º, caput, inciso I, da Constituição Federal, dispõe sobre o

princípio da igualdade, consagrando que todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza. Devemos, conforme acentua Pedro Lenza,

buscar não somente a igualdade formal, mas também a material, posto que a

lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida

de suas desigualdades.

Conforme acentua o citado mestre é a busca por uma igualdade

substancial e nesta linha de raciocínio rememora a Oração aos Moços de Rui

Barbosa que foi inspirada na lição de Aristóteles: “devendo-se tratar igualmente

os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”

A desigualdade já é estabelecida pelo próprio constituinte, assevera

Pedro Lenza: “... é o próprio constituinte quem estabelece as desigualdades,

por exemplo, em relação à igualdade entre homens e mulheres em direitos e

obrigações, nos termos da Constituição, destacando-se as seguintes

diferenciações: a) art. 5º, L (condições às presidiárias para que possam

permanecer com seus filhos durante o período de amamentação); b) art. 7º,

XVIII e XIX (licença-maternidade e licença paternidade)...” 1

A dúvida que se encontra na doutrina é até que ponto que a

desigualdade não gera a inconstitucionalidade e para esta resposta, o

renomado jurista supra, cita Celso Antonio Bandeira de Mello, que por sua vez

afirma serem três as questões a observar: “a) a primeira diz com o elemento

tomado como fator desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica

abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e disparidade

estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à

consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema

constitucional e destarte juridicizados”

1 Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado, p. 974.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

É certo a proteção a alguns grupos - que mereça tratamento diverso -

há de observar que advém de um critério histórico decorrente de fatores que

necessitaram de medidas compensatórias. Ora, afastar o sentimento de

discriminações de pessoas que por muitos anos foram alvitadas pela massa

social é prudente, a exemplo dos negros, mulheres, etc.

Devemos avaliar com um critério justo critério e interpretação conforme

a Constituição caso a caso, como por exemplo, sistemas de cotas, já analisado

inclusive no STF.

Uma questão muito relevante apontada pelo professor Pedro Lenza e

que foi objeto de análise pelo STF: a regra do artigo 100, I do CPC, que

estabelece foro privilegiado para a mulher; decidiu o Supremo que não afronta

o princípio da igualdade, nem mesmo a isonomia entre os cônjuges.

No julgamento do RE 227.114, o Ministro Joaquim Barbosa assim,

relatou: “não se cuida de privilégio estabelecido em favor das mulheres, mas de

forma que visaria a dar tratamento menos gravoso à parte que, em regra, se

encontrava e, ainda hoje se encontraria, em situação menos favorável do ponto

de vista econômico e financeiro...” 2

7.8 Princípio da legalidade – artigo 5º, II

O princípio da legalidade surge com o Estado de Direito, assim

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”.

A idéia que se tem é que podemos fazer tudo o que não é proibido,

encontra-se reservas com relação às exceções como as medidas provisórias,

estado de defesa, de sítio, que estudaremos mais adiante.

7.9. Princípio da proibição da tortura – art. 5º, III

2

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

Já estudamos que a tortura é um método contra a própria vida, sendo

assim o legislador instituiu no artigo 5º, inciso II: ninguém será submetido à

tortura nem a tratamento desumano ou degradante, sendo que a lei considera

crime inafiançável a prática desta (art. 5º, XLIII).

7.10. Liberdade de manifestação de pensamento – artigo 5º, IV e V

A Constituinte assegurou a liberdade de manifestação de pensamento,

vedando, contudo, o anonimato. Isto vale dizer que, durante a manifestação se

causar danos a outrem pode ser objeto de pedido de reparação.

Inúmeros são os casos de liberdade de manifestação de pensamento,

dentre eles o que nos chama atenção é o entendimento do Ministro Luiz Fux

para a questão da “marcha da maconha” 3 no julgamento da ADPF 187.

“Concluiu-se que a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas ou

de proposta abolicionista a outro tipo penal, não significaria ilícito penal, mas,

ao contrário, representaria o exercício legítimo do direito à livre manifestação

do pensamento propiciada pelo exercício do direito de reunião”

No entanto, o citado ministro estabeleceu reunião pacífica, noticiada às

autoridades, vedado incitar, incentivar ou estimular o consumo, não poderá

haver consumo de entorpecentes e ficou proibida a participação de crianças e

adolescentes.

Há de se ressaltar o critério justo e interpretado conforme a

Constituição no caso em apreço: defende-se o direito de manifestação de

pensamento, de reunião e preservam-se outros direitos. Uma situação é lutar

por pensamentos outra é impô-los à força e mediante atos ilícitos; o direito

constitucional deverá ser exercido de forma segura.

7.11. Liberdade de consciência, crença e culto (art. 5º, VI a VIII)

3 Ibid, p. 981.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

A Constituição Federal assegura a liberdade de consciência, de crença

e garante os cultos religiosos, protegendo os locais destes. Não se pode privar

ninguém de seus direitos por motivo de crença religiosa, convicção filosófica ou

política, exceto nos termos do artigo 143, § 1º e 2º.

Como já estudamos anteriormente, o preâmbulo da Constituição

Federal, quando enfatiza “Deus”, não tem força normativa, nem vincula os

demais entes federativos, ou seja, não tem produz obrigatoriedade nos

diplomas Estaduais ou leis orgânicas municipais.

Considerando o Estado Democrático de Direito que o constituinte

primou assegurar, faz parte deste, o princípio da tolerância e diversidade, a

liberdade de escolher qualquer religião ou até mesmo seitas religiosas, mudar

ao longo da vida de crença ou até mesmo não acreditar em Deus ou em

qualquer divindade.

Pedro Lenza releva um exemplo em sua obra que enaltece esta

explicação, vejamos:

“Nesse contexto, outro dia, um aluno em uma palestra indagou:

‘professor, então será que não seria possível eu fumar muita maconha, mas

muita maconha mesmo, professor e, quando estiver já bem fora de mim, eu

cheirasse muita cocaína e, assim, em estado de êxtase, encontraria Deus, o

meu Deus, professor?

Foi quando respondemos trazendo um caso concreto que havia sido

noticiado: uma pessoa, em verdadeiro ritual, orientado por uma vidente e

alegando crença religiosa, havia sacrificado crianças recém-nascidas para

oferecer o sangue à ‘divindade’. Então perguntei ao aluno: será que, assim

como cheirar cocaína ou fumar maconha, poderia aquela pessoa ter praticado

o homicídio?”4

4 Op. cit, p. 983.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

Há que se estabelecer um critério seguro; a liberdade em si não é

absoluta, um direito fundamental termina onde começa outro e eventual colisão

de princípios, há que se prevalecer aquilo que não se pode harmonizar, ou

seja, não se justifica a liberdade de crença em situações ilícitas, como no caso

em tela.

E com relação ao ensino religioso no Brasil, o aluno pode ser obrigado

a freqüentar e até mesmo ser reprovado?

Pedro Lenza entende que “determinada escola não poderá reprovar

aluno pelo fato de não frequentar a aula de ensino religioso... o ensino religioso

será de matrícula facultativa e, em nosso entender muito embora o texto fale

apenas em ‘escola pública’, o entendimento, em razão da natureza do ensino,

deve ser também entre os particulares” 5. O autor se refere ao artigo 210, §1º

da Constituição Federal.

Observamos ainda com relação à liberdade de crença religiosa, que os

feriados religiosos ainda fazem parte do calendário nacional. Atualmente têm

se vedado novas instituições de feriados religiosos, porém permanecem

aqueles que já de costume até mesmo por um fator histórico-cultural.

Com relação ao tema invocado, temos muitos fatores que geram

polêmica, abordemos alguns deles seguindo a doutrina de Pedro Lenza:

- Casamento perante autoridades religiosas: nos termos do artigo 226,

§ 2º, o casamento religioso tem efeito civil. Posto isso, “podemos afirmar que o

casamento em centro espírita ou mesmo em templo, catedral, sinagoga,

terreiro, casa religiosa, enfim, o casamento celebrado por líder de qualquer

religião ou crença tem o mesmo efeito civil...” 6

- Transfusão de sangue nas testemunhas de Jeová: este tema é muito

polêmico, encontrando diversos entendimentos. No entanto, no caso de

5 Op. cit, p. 984.6 Ibid, p. 984.

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urgência ou perigo iminente ou se o paciente for menor de idade, entendemos

seguindo a doutrina de Pedro Lenza que “não pode o direito à vida ser

suplantado diante da liberdade de crença, até porque a Constituição não

ampara ou incentiva atos contrários à vida”, nos ensina Pedro Lenza que ainda

remete à decisão de um Agravo de Instrumento no TRF1, onde o

Desembargador Fagundes de Deus registra que “no confronto entre os

princípios constitucionais do direito à vida e do direito à crença religiosa importa

considerar que atitudes de repúdio ao direito à própria vida vão de encontro à

ordem constitucional... entende o magistrado que deve prevalecer o direito à

vida...” 7

- Curandeirismo: a prática é definida como crime pelo Código Penal,

no entanto, Pedro Lenza adverte que esta prática ainda não foi decidida no

STF, conquanto, se a promessa decorrer de crença religiosa e dentro de um

contexto individual de razoabilidade pode não caracterizar crime. Trata-se de

análise do caso concreto, onde o aplicador do Direito deverá analisar o tipo

penal e as circunstâncias do fato.

- Crucifixos em repartições públicas: esta prática também vem sendo

abolida, porém há quem permaneça com a utilização por força de ser símbolo

cultural e não religioso.

- Imunidade religiosa: o artigo 150 VI da Constituição Federal confere

imunidade religiosa, vedando assim que a União, Estados, Distrito Federal e

Municípios cobrem impostos sobre tempos de qualquer culto, matéria que será

estudada com mais profundidade no Direito Tributário.

7.12. Liberdade de atividade intelectual, artística, científica,

comunicação e indenização por danos – artigo 5º, inciso IX

e X

Como já vimos, o direito da liberdade é assegurado amplamente na

Constituição Federal, desde que não colida com outro direito, tal como já

abordamos. Desta forma assegura ainda o constituinte de 1988 ser livre a

7 Ibid, p. 985.

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expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,

independente de censura ou licença – é vedada a censura política, ideológica e

artística – art. 220, § 2º.

No entanto cabe ao Poder Público informar sobre a natureza destes,

como faixa etária, locais e horários, adequando-os. Assim no caso de violações

da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, a Lei Maior

assegura à reparação, ou seja, uma indenização pelo dano moral ou material,

nos ditames do artigo 5º, inciso X.

7.13. Intimidade e vida privada e a questão do sigilo bancário –

artigo 5º, X

O artigo 5º dispõe que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a

honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano

material ou moral decorrente de sua violação”

Considerando o determinado constitucionalmente, a quebra do sigilo

bancário não seria uma afronta à intimidade a vida privada? Há possibilidade

de que o sigilo bancário seja quebrado de forma lícita?

A doutrina e jurisprudência são majoritárias no sentido de que para a

quebra do sigilo bancário, de forma que não desautorize a determinação

constitucional da garantia da inviolabilidade da intimidade e vida privada,

imprescindível a autorização judicial; há que se ter suspeita com relação a fato

que resulte interesse público que se justifique.

Pedro Lenza cita um julgado que o Ministro Celso de Mello conclui que

“... a decretação da quebra de sigilo bancário, ressalvada a competência

extraordinária das CPI´s (CF, art. 58, § 3º), pressupõe, sempre, a existência de

ordem judicial, sem o que não se importará à instituição financeira o dever de

fornecer, seja à administração tributária, seja ao Ministério Público, seja ainda,

à Polícia Judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas” 8

8 Op. cit, p. 989.

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7.14. Domicílio – asilo inviolável – artigo 5º, XI

O referido dispositivo proclama: “a casa é asilo inviolável do indivíduo,

ninguém podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso

de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por

determinação judicial.”

Desta regra, podemos dizer que o domicílio é inviolável, exceto:

- caso a autoridade tenha mandado judicial e somente durante o dia

(das 06 às 18h00 – entende grande parte da doutrina);

- para prestar socorro ou em caso de desastre;

- em caso de flagrante a Constituição não restringe, podendo, portanto,

ser a qualquer hora.

Com relação à palavra “casa”, abrange não somente o domicílio, como

também escritórios, oficinas, garagens, consultórios, dentre outros.

7.15. Sigilo de correspondência e comunicações – artigo 5º, XII

O artigo 5º, inciso XII assegura que “é inviolável o sigilo da

correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas

hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou

de instrução processual penal”

O sigilo de correspondência e telegráficas não é considerado absoluto,

encontra-se ressalva nos casos de decretação de estado de defesa e de sítio,

bem como suposta interceptação policial quando necessária e autorizada,

dentre outros casos.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

O sigilo das comunicações telefônicas também poderá ser quebrado

mediante requisição e a fim de estabelecer investigações ou instruções na

esfera penal.

Devemos também enfatizar hoje, o sigilo das comunicações

eletrônicas, com a evolução da tecnologia, o uso de computadores, internet,

que também tem resguardo, porém pode ser quebrado através de autorização

judicial.

7.16. Liberdade de profissão – art. 5º, XIII

É assegurado nos termos da Constituição Federal o exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais

que a lei estabelecer. Como já vimos é uma norma de eficácia contida,

podendo uma lei infraconstitucional limitar seu alcance, condicionado a

requisitos para o pleno exercício. O exemplo que repisamos é o caso da

exigência de aprovação no Exame da OAB para se tornar um advogado.

7.17. Liberdade de informação – art. 5º, XIV e XXXIII

O acesso a informação é assegurado a todos, porém a constituição

autoriza o sigilo da fonte. Isto significa que, quando haja a necessidade de se

preservar o sigilo profissional, como, por exemplo, as confissões feitas a um

advogado, a um psicólogo, etc.

É a possibilidade de se informar e ser informado. Podemos citar

também nesta linha de raciocínio até mesmo por ser extensão do direito de

informação, o estabelecido no inciso XXXIII do artigo 5º: “todos tem direito de

receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de

interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de

responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à

segurança da sociedade e do Estado”

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

7.18. Liberdade de locomoção – artigo 5º, XV e LXI

Sabemos que a locomoção dentro do território nacional é livre, em

tempo de paz, sendo garantia de qualquer pessoa nele entrar, permanecer, sair

com seus bens. Com exceção aos casos de transgressão militar ou crime

militar, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente – artigo 5º, inciso LXI.

Há exceção para o direito de locomoção no caso de decretação de

estado de defesa, matéria que abordaremos adiante.

7.19. Direito de reunião – artigo 5º, XVI

O direito de reunião é garantido, porém a Constituição Federal

apresenta alguns pressupostos de sua validade, ou seja, que a reunião seja

pacífica, sem armas e em locais abertos ao público; não há necessidade de

autorização do Poder Público, no entanto, desde que não tenha já outra

reunião no mesmo local e que avise à autoridade competente para que

providências sejam tomadas com relação ao trânsito e organização.

7.20. Direito de associação – artigo 5º, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI

A Lei Maior do nosso Estado também garante o direito à associação,

porém esta liberdade é restrita para fins lícitos. Outrossim, a liberdade é plena

ninguém pode ser constrangido, obrigado a se associar e quando o faz também

é livre para de desassociar. A lei determina que a criação de associação e

cooperativas independe de autorização, tem autonomia com relação aos seus

estatutos.

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7.21. Direito de propriedade – artigo 5º, XXII, XXIII, XXIV, XXV e

XXVI e direito de herança e sucessão – artigo 5º, XXX e XXXI

O direito de propriedade deve atender a sua função social – artigos

182, § 2º e 186 da Constituição Federal. Tal direito não é absoluto, podendo

sofrer restrições com o a utilização da desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, com uma indenização em dinheiro – artigo 5º, XXIV. Este

ponto será analisado com mais profundidade nas matérias específicas.

A garantia da herança tal como a da propriedade é um direito

constitucionalmente previsto. Assim, o inciso XXX do artigo 5º, garante o direito

de herança quando ocorrer uma transformação necessária do patrimônio do de

cujus aos seus herdeiros, ou seja, a transmissão de eventuais bens deixados

pelo falecido.

Pedro Lenza adverte que “a Constituição traz regra específica no

artigo 5º, XXXI, sobre a sucessão de bens de estrangeiros situados no País,

que será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos

brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de

cujus”.9

7.22. Direito de propriedade intelectual – art. 5º, XXVII, XXVIII e

XXIX

“- Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou

reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei

fixar;

- são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações

individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,

inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do

9 Op. cit, p. 997.

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aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos

criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e

associativas;

- a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio

temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à

propriedade das marcas, aos nomes das empresas e outros signos distintivos,

tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico

do País “10

7.23. Direito do consumidor – artigo 5º, XXXIII

A Constituição Federal assegurou que o Estado promoverá, na forma

da Lei a defesa do consumidor; fruto da necessidade social, o legislador

constituinte se convenceu da proteção específica dos hipossuficientes e que

deveria ter no ordenamento jurídico uma lei específica que regulamentasse

esta relação.

No artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –

ADCT determinou que o Congresso elaborasse em cento e vinte dias após a

promulgação da Constituição o Código de Defesa do Consumidor.

Inobstante a mora legislativa, somente após 02 (dois) anos a Lei 8.078

de 1990 foi promulgada. Diante disso, a lei de aplicação imediata em relações

de consumo é o Código de Defesa do Consumidor sendo que regras do Código

Civil e legislações especiais são complementares e se aplicam no interesse do

consumidor.

7.24. Direito de petição e obtenção de certidões – artigo 5º, XXXIV

A Constituição Federal assegura o direito de informação, conforme já

estudamos, em extensão a este princípio, temos garantido o direito de petição

10 Lenza, Pedro. Op.cit, p. 998.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

e obtenção de certidões. O direito de petição é um exercício da própria

democracia.

José Afonso da Silva ensina, sobre o direito de petição, que este

“pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma

questão ou situação”.

É a garantia de uma defesa e interesse em geral, podendo ser

exercido por qualquer pessoa, independente do pagamento de taxas. A Lei

Maior também garante a emissão de certidões, no mesmo sentido.

7.25. Princípio do livre acesso à Justiça - artigo 5º, XXXV

Também reconhecido como direito de ação, direito de se socorrer ao

Judiciário, considerando que a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário,

lesão ou ameaça de lesão, preconizado no inciso supra do artigo 5º da Lei

Maior. Pedro Lenza critica a forma indireta preferindo a expressão “aceso a

ordem jurídica justa” a “acesso à Justiça” ou “ao Judiciário”.

Entende o citado jurista que em virtude deste princípio “não mais se

admite no sistema constitucional pátrio a chamada jurisdição condicionada ou

instância administrativa de curso forçado... não é necessário, portanto, o prévio

esgotamento das vias administrativas” 11

7.26. Limites à retroatividade da lei – artigo 5º, XXXVI

A Constituição garante o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada, para segurança jurídica e estabilidade das relações.

Com relação ao direito adquirido devemos observar que não se pode

confundir com uma mera expectativa de direito, “ciclos de formação”, como

11 Op. cit, p. 1003.

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veremos o entendimento no julgamento do TST: “ciclos de formação a que

esteja eventualmente sujeito o processo de aquisição de determinado direito.

Isso significa que a superveniência de ato legislativo, em tempo oportuno – vale

dizer, enquanto ainda não concluído o ciclo de formação e constituição do

direito vindicado – constitui fator capaz de impedir que se complete,

legitimamente, o próprio processo de aquisição do direito (RTJ 134/112 - RTJ

153/82 - RTJ 155/621 - RTJ 162/442, v.g), inviabilizando, desse modo, ante a

existência de mera ‘spes juris’, a possibilidade de útil invocação da cláusula

pertinente ao direito adquirido” (RE 322.348-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello)

Há possibilidade que a lei inove e preserve mera expectativa de direito;

vale lembrar que no direito penal, a Constituição Federal garante o princípio da

retroatividade da lei mais benéfica, artigo 5º, inciso XL da CF.

O ato jurídico perfeito foi objeto de Súmula Vinculante em relação a um

caso específico12, senão vejamos: “ofende a garantia constitucional do ato

jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso

concreto, desconsidera a validez e eficácia de acordo constante de termo de

adesão instituído pela Lei Complementar n. 100/2001 (30.05.2007)”.

Com este entendimento, o STF definiu que não se poderia “...

presumir, para todos os casos, aplicando-se regra em abstrato, que tenha

havido vício de consentimento em algum dos elementos formadores da

vontade do trabalhador comum ao assinar o acordo com a CEF em relação aos

expurgos inflacionários do FGTS” 13

O STF também já se pronunciou no sentido de afastar a coisa julgada,

em situação excepcional e para garantir um direito fundamental (princípio da

identidade genética); após 10 anos realizou outro exame de DNA,

12 Referente ao credito em contas vinculadas ao FGTS, onde várias decisões judiciais fixaram um percentual para o mês de janeiro/89, pela via judicial trabalhadores tentavam conseguir a diferença entre o percentual do acordo (administrativo) e o que vem sendo fixado por quem fez a opção pela via judicial, sem análise do caso concreto, não se pode simplesmente desconsiderar o acordo, sob pena de violar, entre outros, o princípio do ato jurídico perfeito, cf. Lenza, Pedro, op. cit, p. 1006 nota de rodapé.13 Lenza, Pedro, op. cit, p. 1006.

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considerando que na época da primeira decisão a recorrente não poderia arcar

com o exame de DNA (RE 362.889).

7.27. Princípio do Juiz natural – artigo 5º, XXXVII e LIII

Não há juízo ou tribunal de exceção no nosso ordenamento jurídico,

portanto, ninguém pode ser processado e sentenciado por autoridade senão a

competente.

É vedado a proibição de tribunais ad hoc, de exceção, posto que todos

nós temos direito de um julgamento por juiz constituído na forma da lei,

imparcial, togado. Não se confunde com proibição de Justiça especializada,

nem tribunais de ética da OAB, por exemplo.

7.28. Devido processo legal – art. 5º, LV e 3º, I

O professor Pedro Lenza, seguindo o estudo de Olavo Ferreira, nos

explica que o princípio do devido processo legal se consubstancia em formal e

material e são extraídos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

São três importantes requisitos que devemos destacar: necessidade

(exigibilidade) de medidas que possa restringir direitos, adequação

(pertinência ou idoneidade), com relação ao meio escolhido para atingir o

objetivo; proporcionalidade – medida necessária e adequada – máxima

efetividade e mínima restrição.14

7.29. Provas lícitas – art. 5º, LVI

Não são admissíveis no processo provas ilícitas – teoria do fruto da

arvora envenenada; a regra deve ser esta, excepcionalmente podem ser

14 Op. cit, p. 1027.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

admitidas, lembra Alexandre de Moraes, desde que respeitada a liberdade e

dignidade na colheita destas.

7.30. Publicidade dos atos processuais e dever de motivação das

decisões – art. 5º LX

A Constituição Federal garante que todos os atos processuais devam

ser públicos, salvo quando se tratar de segredo de justiça.

Com relação ao dever de motivar as decisões, o magistrado ao se

convencer de determinado assunto, deverá, com fulcro no artigo 93, IX da CF,

fundamentar suas decisões sob pena de nulidade.

7.30. Assistência jurídica integral e gratuita – art. 5º, LXXIV

O inciso do artigo 5º da Lei Maior revela que o Estado tem o dever de

prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos. A Defensoria Pública é quem exerce este papel nos

Estados, conforme veremos adiante.

7.31. Erro judiciário – art. LXXV

O Estado tem o dever de indenizar o condenado por erro judiciário,

bem como quem ficar preso além do tempo fixado.

7.32. Gratuidade das certidões de nascimento e de óbito – art. 5º,

LXXVI

São gratuitos para os reconhecidamente pobres o registro civil e de

nascimento, além da certidão de óbito. No entanto a Lei 9534/97, que alterou o

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artigo 30 da Lei 6015/73 – Registros Públicos, acrescentando o inciso VI ao

artigo 1º da Lei 9265/96 e alterando o artigo 45 da Lei 8.935/94, considerou

necessário para o exercício da cidadania os assentos gratuitos do registro civil

do nascimento e do óbito, bem como a primeira certidão respectiva.

A Lei não fez distinção e não há menção que se restringe aos pobres e

sim aos brasileiros e estrangeiros. Pedro Lenza adverte que esta Lei foi objeto

de ADI 1.800 e ADC 5, julgando constitucional a referida lei, que isenta a todos

independente da situação econômica.15

7.33. Gratuidade de ações de habeas corpus e habeas data – art.

5º, LXXVIII

A Constituição determina que as ações de habeas corpus e habeas

data, por serem necessárias ao exercício da cidadania são gratuitas. Seguimos

o entendimento de Pedro Lenza no sentido de que o constituinte deveria ter

estendido este benefício à outras ações constitucionais.

7.34. Celeridade processual – artigo 5º, LXXVIII

O constituinte ao determinar que os atos devam ser céleres, garantiu a

todos os cidadãos uma efetiva prestação jurisdicional dentro de um prazo

razoável e efetivo.

7.35. Princípios e garantias constitucionais que serão abordados

em matérias específicas.

Neste capítulo procuramos abordar alguns princípios e garantias

fundamentais; no entanto alguns deles serão estudados com mais rigor em

matérias de Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito

15 Op. cit, p. 1031 e 1032.

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Renata Fiore BrazilTeoria da Constituição e direitos fundamentais

Administrativo, Direito Internacional, Direito Tributário. Cabe-nos mencionar,

nesta oportunidade, que a Constituição Federal as define de forma primária.

Percebemos que alguns princípios e garantias constitucionais norteiam

toda e qualquer matéria, ou seja, são aplicáveis independentes da matéria.

Os abaixo relacionados serão abordados nas matérias pertinentes:

- Princípio do promotor natural – artigo 5º, LIII;

- Tribunal Penal Internacional – artigo 5º, §4º;

- Competência Tribunal do Júri – art. 5º, XXXVIII;

- Segurança jurídica em matéria criminal – art. 5º, XXXIX a LXVIII;

- Legalidade e anterioridade da lei penal incriminadora, irretroatividade

da lei penal – art. 5º, XXXIX e XL;

- Práticas discriminatórias, crimes inafiançáveis e insuscetíveis de

graça ou anistia e crimes inafiançáveis e imprescritíveis – art. 5º, XLI e XLIV;

- Regras constitucionais sobre as penas – art. 5º, XLV a XLVIII;

- Direitos assegurados aos presos – art. 5º, XLIX, L, LXII, LXIII, LXIV;

- Regras sobre extradição – art. 5º, LI e LII;

- Presunção de inocência – art. 5º, LVII;

- Regras sobre a prisão – art. 5º, LXI, LXV, LXVI, LXVIII;

- Identificação criminal – art. 5º, LVIII;

- Ação Penal subsidiária da pública – art. 5º, LIX;

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