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17 O direito e o dever de compreender Manuela Fonseca Grangeiro 2

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O direito e o dever de compreenderManuela Fonseca Grangeiro

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O direito e o dever de compreender: escutar/ser escutado, falar, dialogarManuela Fonseca Grangeiro

Não tenho caminho novo.O que tenho de novoÉ o jeito de caminhar.

Aprendi(o caminho me ensinou)

A caminhar cantando Como convém a mimE aos que vão comigo.

Pois já não vou mais sozinho.Thiago de Mello

Depois da conversa acerca da felicidade, da dignidade humana e da ética, é sobre o diálogo que vamos falar neste fascículo. Assim, esse texto tem como objetivo refletir sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e as possibilidades de compre-ensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo, tendo este como caminho para melhoria da convivência e método possível na mediação de conflitos.

Paulo Freire1, um conhecido educador brasileiro, escreveu um texto denomina-do “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo2” e baseado nele, vamos construir uma teia de relações e reflexões sobre as inúmeras possibilidades do diálogo como recurso de comunicação para a busca da felicidade com dignidade e ética. Enfim, o diálogo como recurso para a geração de uma cultura da paz.

Vamos começar retomando questões já levantadas no primeiro fascículo:

É possível ser feliz no mundo em que vivemos? Qual o mundo que queremos viver? O que podemos fazer para vivermos melhor?

São indagações que pulsam e que nos mobilizam em busca de possíveis respostas. Você tem alguma resposta para elas? Essas perguntas remetem a reflexões de duas natu-rezas distintas: no âmbito individual, quando você procura responder olhando para você mesmo, se apoiando no seu autoconhecimento. Neste aspecto, o tipo de diálogo que se estabelece é interno, dirigido para sua consciência, seus valores, seu jeito de ver o mundo.

Uma segunda natureza de resposta para essas indagações é a que diz respeito à comunidade, a coletividade de indivíduos que vive em sociedade e que precisa estabe-lecer relações de convivência saudável e baseadas no respeito, na dignidade humana, na ética. Esse diálogo é recheado de muitas vozes, de valores distintos, de pontos de vistas variados, embora também busque a construção de uma sociedade cujos valores éticos conduzam ao bem viver, à justiça social e à felicidade.

Como seres humanos, temos o privilégio da fala3 e é nela que o diálogo se efetiva, se amplia e adquire função social.

1. Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 1921, no Recife, Pernambuco, um dos estados mais pobres do país.Faleceu em São Paulo em 1997. Foi educador e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Peda-gogia mundial, tendo influen-ciado o movi-mento chamado Pedagogia Crítica. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a es-colarização como para a formação da consciência política. Autor de vários livros, é mundialmente conhecido. Em 13 de abril de 2012, foi sancionada a Lei Nº. 12.612 que declara o educador Paulo Freire “Patrono da Educação Brasileira”. Foi o brasileiro mais homenageado da história: ganhou 41 títulos de Dou-tor Honoris Causa de universidades como Harvard, Cambridge e Oxford (wikipédia.org)

2. Texto extraído do livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987)

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O diálogo como mediador do encontro entre homens e mulheresA palavra diálogo é proveniente de duas palavras gregas [διά = através e λογόι = palavra, conhecimento]. Ou seja, desde sua origem a palavra diálogo está intimamente relacionada ao conhecimento, ao compartilhamento de sentidos e significados. O valor do diálogo está associado à capacidade das pessoas reconhecerem que são possuidoras de conhecimento e que esses saberes podem ser compartilhados por meio de interações entre iguais. É na aceitação da igualdade de condições que as pessoas podem estabelecer diálogos.

Paulo Freire deixou um grande legado para a humanidade em sua trajetória como educador: provocar a reflexão, tendo como ponto de partida a leitura de mundo, da compreensão e percepção que as pessoas têm, considerando o contexto e a história de cada um. E nós teremos como ponto de chegada o diálogo na convivência humana.

Ao longo do fascículo, vamos explorar com mais detalhes, cada uma das afirma-ções de Paulo Freire presentes no texto a seguir:

O encontro dos homens e mulheres através do DiálogoPaulo Freire

1. Não é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na palavra, no traba-lho, na ação-reflexão. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial.

2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens e mulheres.

3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda.

4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens e mulheres, não me é possível o Diálogo.

5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens e mulheres o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.

6. O Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa comum de saber agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade.

7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?

8. Como posso dialogar, se me admito como um homem ou mulher diferente, virtuo-so por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eus?

9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de homens e mu-lheres puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?

10. Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reco-nheço, e até me sinto ofendido com ela?

11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?

3. Embora a fala seja um requisito importante para o diálogo, existem inúmeras formas de comunicação, especialmente entre outras espécies vivas, que ocorrem sem o recurso da fala. Neste fascículo, vamos nos restringir as possibilidades de diálogo entre seres humanos.

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12. A autossuficiência é incompatível com o Diálogo. Os homens e mulheres que não têm humildade, ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Há ho-mens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais.

13. Não há também Diálogo, se não há uma intensa fé nos homens e mulheres. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens e mulheres.

O caminho percorrido pela grande maioria das sociedades humanas, entre elas, a nossa sociedade brasileira, tem valorizado e incentivado o individualismo e a competi-ção exacerbada, priorizando mais o ter do que o ser.

Alguns estudiosos apontam para uma profunda crise no modelo de sociedade que estamos vivendo, que tem no consumo dos bens materiais, na exploração dos re-cursos naturais e no abandono da religiosidade, seus pilares de sustentação.

A necessidade de consumir cada vez mais, na grande maioria das vezes, leva as pessoas a descartarem objetos em perfeitas condições de funcionamento; é o caso de trocar o aparelho celular que ainda funciona pelo último lançamento, que além de mais caro, tem apenas uma função adicional, que certamente você

vai fazer pouquíssimo uso, de sentir a necessidade urgente de adquirir o último modelo de calça jeans e tênis, mesmo já tendo meia dúzia de calças no guarda-roupa.

A exploração desmedida dos recursos naturais tem significado agressões a Terra, que segundo especialistas, está levando o planeta a exaustão, a um caminho sem volta. Um exemplo que ilustra bem essa situação é o aquecimento global, associado a significativas mudanças climáticas e à geração de poluentes que afetam o solo, a água e o ar. Pre-cisamos cada vez mais de energia para trazer conforto, por meio do ar-condicionado na casa e no carro, dos aparelhos eletroeletrônicos que se multiplicam, e isso é apenas o começo. Tente, num exercício de ima-ginação, fazer uma relação de atividades que você faz no dia a dia que usa alguma forma de energia. E aí? De onde vem toda essa energia?

O abandono da religiosidade está diretamente relacionado com a perda da fé no transcendente, ou seja, ser capaz de acreditar que existe algo além da simples e transitória existência terrena. Isso tem levado a

um enfraquecimento dos vínculos afetivos, dos valores de solidariedade, dignidade, respeito, tolerância, e muitos outros. A banalidade da vida e sua falta de sentido pode ser observada nas páginas de jornais, nas redes sociais, nos programas de televisão. De tanto ver humilhação, des-respeito, intolerância, desamor, a gente acaba se acostumando e achando tudo normal. Perde-mos a capacidade de indignar-se diante da tragédia humana.

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Mudar de atitude é determinante para as mudanças sociais e planetárias que quere-mos e achamos que devem acontecer. E nada melhor do que começar a mudar de atitude com as pessoas com quem convivemos. Começando pela nossa casa, pela escola e pelo local de trabalho. Somos responsáveis e precisamos assumir o compromisso com os valores humanos mais nobres e solidários, resgatar a confiança, a harmonia e a paz.

1. Não é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na pala-vra, no trabalho, na ação-reflexão. Por isso o Diálogo é uma expe-riência existencial. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial

O silêncio tem seus encantos e é necessário em alguns momentos, pois fortalece a co-municação não-verbal presente e necessária nas relações. Mas é no Diálogo, por meio de palavras, que ocorrem as manifestações e com elas as possibilidades de acordos e mudanças.

Para transformar a realidade, é necessário expressar a análise e com-preensão crítica do homem sobre si mesmo e sobre o seu contexto, deixan-do a sua marca, o seu pensar, o seu criar, o seu agir, enfim, os seus valores.

Precisamos assumir o papel de eternos aprendizes que vamos mu-dando, fazendo e refazendo os percursos, as atitudes, a vida. Refletir, decidir e atuar implica no compromisso pessoal, porque só a reflexão não firma o compromisso. O compromisso só se efetiva por meio da ação.

2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens e mulheres

Como podemos dialogar se não existir uma disponibilidade amorosa para com o outro e para com todos? É preciso ter um olhar sensível para um mundo vivo, um olhar sensível para se compreender a vida e o seu pa-drão de organização. Encontramo-nos num emaranhado de fatos, acon-tecimentos e contradições sociais e precisamos nos posicionar diante da possibilidade de transformação.

É necessário dialogar com as diferenças, tratar a todos de igual para igual, sentar junto, refletir, provocar reflexões, dialogar com a família e com a comunidade. De-senvolver uma postura ética diante da vida, onde cada ação pode potencializar ações diferentes, conscientes, transformadoras. E o que é ética? Vamos retomar o que apren-demos no fascículo 1 e dizer em poucas palavras o que a ética significa.

O conhecimento da sua realidade dá ao homem a possibilidade de levantar hi-póteses sobre seus problemas e buscar soluções para transformá-las. E isso pode ser de modo coletivo e integrado.

É na relação com a realidade que dinamizamos a vida. Fazer, refazer, construir, crescer, fazer cultura, formando e sendo formado por essa interação, por esse vínculo com o real, sem perder a essência da vida.

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Paulo Freire (1978) chama atenção para as implicações das crenças e valores, de-terminando a ação do homem, ressaltando a necessidade e importância da percepção crítica da realidade, com vistas a uma ação transformadora.

É que o processo de orientação dos seres humanos no mundo envolve não apenas a associação de imagens sensoriais, como entre os animais, mas, sobretudo, pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho-ação transforma-dora sobre o mundo, de que resulta o conhecimento do mundo transformado.

Os seres humanos tornaram-se, ao longo do tempo, limitados diante do mun-do e do sistema, que foram impondo comportamentos e pensamentos “formatados”, como se fosse possível engessar o pensamento e o jeito de ser das pessoas. E isso se configura desde a infância, pois o adulto tem uma tendência de impor verdades abso-lutas e inquestionáveis geradas por esse contexto que vai tolhendo a espontaneidade da criança e estimulando o seu “enquadramento” nesses “moldes” sociais. Isso pode provocar movimentos diversos: aceitação, revolta, ou ainda apatia total.

É preciso aprender a ser gente de verdade, aprender a correr, brincar, se divertir, cair, conversar, gritar, viver desafios. Encontrar o encanto do conhecimento necessário para o aprendizado de modo envolvente e fazendo sentido no seu desenvolvimento.

3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda

Gostar de si, apreciar cada pedaço do seu Ser na sua perfeita totalidade, corporal, espiri-tual e mental é um grande desafio. Todos os medos se vão quando as essências amorosas das pessoas se encontram. Na realidade, estamos sempre em movimento, por mais es-tagnada que possa parecer a nossa vida.

O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade, talvez de algo reprimido, da não aceitação, ou da busca pela aceitação. Essa consciência é o convite à mudança de percepção do mundo. É a interiorização do sentido de cuidar. Vivenciar essa palavra no seu maior significado, se permitir, é o movimento do dar e receber constante, e que deve ser pleno de sentido e de significado. Não pode ser mecânico ou só mentalmente organizado; tem de ser de coração para coração, a partir das dimensões humanas relacionadas ao sentir.

Se pudéssemos nos perceber diante de uma rede de afetos, certamente conseguiría-mos desbloquear os padrões rígidos adquiridos ao longo da vida. É preciso se ter um olhar sensível para um mundo vivo, para compreender a vida e o padrão de organização dos sis-temas vivos. Mais do que ciência, precisamos da poética do encontro humano.

Viver é aprender a cuidar do outro com o mesmo carinho e a mesma devo-ção com que cuidamos de nós mesmos. Viver é compartilhar experiências, assim como compartilhamos as nossas experiências com a mãe terra e com um universo compassivo e generoso, cheio de vida e energia. (Maria Cândida Moraes, 2003)

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de

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ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. (Leonardo Boff, 1999)

A afetividade se relaciona ao instinto de solidariedade entre os de mesma espé-cie, à capacidade de identificar-se com o outro, aos impulsos gregários.

4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os ho-mens e mulheres, não me é possível o Diálogo

Não tem como falar do amor aos homens e mulheres sem lembrar das crianças e adolescentes e suas distintas fases de desenvolvimento físico, motor e intelectual. Muitas vezes são incompreendidos pelo “adulto”, que cobra atitudes que não estão de acordo com sua idade real, o que provoca um desnivelamento e uma baixa autoestima.

Conhecer e respeitar os processos de maturação do ser humano e entender os está-gios de desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicossocial das crianças e jovens são condições para a formação de novas gerações abertas e defensoras de uma cultura de paz.

A compreensão das coisas, das relações, da vida, só é possível por meio da transdisci-plinaridade4, que “é um enfoque pluralista do conhecimento que tem como objetivo, atra-vés da articulação entre as inúmeras faces de compreensão do mundo, alcançar a unificação do saber. Assim, unem-se às mais variadas disciplinas para que se torne possível um exer-cício mais amplo da cognição humana”. As ciências disciplinares tais como as conhecemos na atualidade já não conseguem responder de forma satisfatória aos complexos problemas da natureza e da sociedade, daí a necessidade de se recorrer a uma abordagem mais sistêmi-ca e transversal na busca de soluções que deem conta dessa complexidade.

Não há como falar do homem em sua evolução sem falar da Terra e não há como falar da Terra sem falar da espécie humana. Essa compreensão de mundo é completa-mente interligada e una, não há divisão entre o todo e a parte. Os homens precisam des-pertar para essa consciência do todo e da parte que integram uma grande rede de cone-xão planetária. Descobrir alguns caminhos como possibilidade de interação, despertando que é possível viver com amorosidade nos encontros com o coletivo.

5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pro-núncia do mundo, com que os homens e mulheres o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante

Aos poucos vamos compreendendo que o Diálogo não é simplesmente o encontro de duas pes-soas que conversam. Na verdade, segundo Paulo Freire (1980), o Diálogo é um encontro em que acontece a reflexão e posterior ação. Por isso não está reduzido à troca de ideias e muito menos es-tabelecido numa dimensão verticalizada onde um é maior que o outro, um sabe mais que o outro.

O diálogo só é possível se consigo ver o outro de igual para igual, aberto para compreender o outro, disposto para ceder e acolher ao mesmo tempo. Por isso não pode ser fruto de uma atitude arrogante, pois ninguém sabe tudo. Temos saberes dife-rentes, que podem interagir e constituir novos horizontes, com humildade e amorosi-dade, reconhecendo o outro em sua inteireza e complexidade. É nessa convivência que o diálogo acontece, respeitando o outro como sujeito.

4. A transdis-ciplinaridade possibilita um olhar múltiplo e permite que se abranja a comple-xidade crescente do mundo pós-moderno, o que justifica a defini-ção da transdis-ciplinaridade como um fluir de ideias e, mais particularmente, um movimento de reflexão sobre estes conceitos. Esta abordagem científica vem mo-dificando a forma como o homem se volta para si mesmo e procura entender seu papel no mundo e também a própria compreensão da interação do universo com o ser humano (Ana Lúcia Santana - http://www.infoescola.com/ educacao/trans-disciplinaridade/)

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A amorosidade, o diálogo, o respeito e o comprometimento facilitam o estabeleci-mento de uma relação harmoniosa, que leva ao envolvimento comprometido com o bem dos sujeitos, que podem expressar sua opinião, usar sua criatividade para pensar soluções, reconhecerem-se livres e autônomos. E com humildade se perceber eterno aprendiz.

Para Paulo Freire (1996), a prática do Diálogo requer a humildade de não se ver como detentor de todo o saber e que, mesmo num ambiente escolar e de aprendiza-gem formal ou informal, o educando sabe alguma coisa. Tem uma história que merece respeito e que, por isso mesmo, é detentor de saber. Para Freire, o Diálogo não é apenas um método, mas uma estratégia para respeitar o saber do outro.

Gandhi e Martin Luther King: líderes do diálogoNo século XX, dois grandes líderes mundiais se destacam pela capacidade de defender suas causas por meio da não-violência. Mohandas Karamchand Gandhi (1869 – 1948), mais conhecido popularmente por Mahatma Gandhi, foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não violenta de protesto) como um meio de revolução. O princípio do Satyagraha frequente-mente traduzido como “o caminho da verdade” ou “a busca da verdade”, também inspirou gerações de atividades democráticas e antirracistas, incluindo Martin Luther King e Nelson Mandela. Frequentemente, Gandhi afirmava a simplicidade de seus valores, derivados da crença tradicional hindu: verdade (satya) e não-violência (ahimsa). Para Gandhi, a lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca vere-mos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.Martin Luther King, Jr. (1929 – 1968) foi um pastor protestante e ativista po-lítico americano. Tornou-se um dos mais importantes líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e no mundo, com uma campanha de não-violência e de amor ao próximo. King tornou-se um ativista dos direitos civis. No início de sua carreira, liderou em 1955, o boicote aos ônibus de Montgomery e ajudou a fundar a Conferência da Liderança Cristã do Sul, em 1957, servindo como seu primeiro presidente. Seus esforços levaram à Marcha sobre Washington de 1963, onde ele fez seu discurso “I have a dream”. Em 14 de outubro de 1964, King recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo combate à desigualdade racial através da não-violência. Nos anos que antecederam a sua morte, ele expandiu seu foco para incluir a pobreza e a Guerra do Vietnã, alienando muitos de seus aliados liberais com um discurso de 1967 intitulado “Além do Vietnã”. King foi assassinado em 4 de abril de 1968.

Reconhecer o saber do outro é um convite permanente. Abrir-se para considerar que todos têm algum saber e que pode-se aprender conteúdos que até então desconhe-cíamos, como conta a História.

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Palavras geradoras de vida: amor, humildade, compreensãoO empenho é coletivo na construção de uma sociedade sustentável, nas relações que se estabelecem na busca pela construção de uma cultura de paz. Paulo Freire nos fala da liberdade, pois, segundo ele, na opressão não se constitui a evolução social. Em liber-dade, em comunhão, todos somos responsáveis coletivamente pela sustentabilidade da vida e da convivência humana.

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão. (Paulo Freire, 1987)

O estímulo é para problematização, que se dá a partir de perguntas e reflexões sobre suas respostas. No momento em que participo da reflexão, é dada a possibilidade de comprometer-me com as soluções.

6. Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa comum de saber agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade

Dessa forma, o rompimento será inevitável se não houver a humildade presente no diálo-go. Vejamos a diferença entre diálogo e debate, apresentada por Humberto Mariotti5.

Diálogo Discussão/debate• Visa abrir questões• Visa mostrar• Visa estabelecer relações• Visa compartilhar ideia• Visa questionar e aprender• Visa compreender• Vê a interação partes/todo• Faz emergir ideias• Busca a pluralidade de ideias

• Visa fechar questões• Visa convencer• Visa demarcar posições• Visa defender ideias• Visa persuadir e ensinar• Visa explicar• Visa as partes em separado• Descarta as ideias “vencidas”• Busca acordos

Mariotti ressalta que não se trata de um ser melhor do que o outro, mas são formas diferentes e em alguns momentos necessárias, de expressar o que se pensa. Há momentos em que precisamos fragmentar o pensamento para ser melhor compreendido e recomposto no instante posterior. Há outros momentos em que é necessário ter uma visão ampla da situação.

Diálogo e debate são estruturas diferenciadas. No diálogo é possível haver maior cuidado, respeito e amorosidade. Já no debate, há um entremeio de perguntas e res-postas que é preciso ter cuidado para não alterar os ânimos emocionais. Como diz o autor, “se no debate um fala e o outro responde, no diálogo um fala, o outro fala, todos falam juntos”. O princípio é o da cooperação e não do confronto.

5. Humberto Mariotti é médico, escritor e profes-sor da Business School São Paulo. Coordena o Grupo de Estudos Contemporâneos (Complexidade, Pensamento Sis-têmico e Cultura) da Associação Palas Athena — Centro de Estudos Filosóficos (www.humbertomariotti.com.br).

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O diálogo faz uma intermediação nas relações de modo que o conhe-cimento das pessoas seja respeitado e construído, reconhecendo o ser como sujeito deste conhecimento.

7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? O diálogo se opõe ao autoritarismo, à rigidez de pensamentos enquadrados, pré-formatados. Freire afirma que ninguém sabe tudo e ninguém não sabe nada. Temos saberes diferentes e valiosos para a interação no mundo, nos educamos em comunidade, considerando todo co-nhecimento comunitário, toda a sapiência popular, que tanto pode contribuir com a ciência e com os doutores. O camponês é doutor no que faz, na arte de plantar, de cuidar dos animais. E deste conhecimento muitos doutores da universidade são ignorantes. Então, sou doutora

em algumas coisas e ignorante em outras, e a humildade de reconhecer-me ignorante me faz aprendiz de outros saberes.

O importante é perceber que somos conhecedores de saberes dife-rentes, a busca constante deve ter o compromisso com os problemas co-munitários, para buscar soluções que proporcionem vida às comunida-des, que deve ser o ponto de partida e de chegada de todo conhecimento.

8. Como posso dialogar, se me admito como um homem ou mulher diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eu? O mundo vai tornando possível a mediação entre homens e mulheres, é o que deve mediar as aprendizagens da vida. Como realmente podemos imaginar o diálogo quando só vemos virtudes em nós e não reconhecemos que o outro é igualmente virtuoso?

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os ho-mens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Paulo Freire)

Diálogo7

O menino rico falou: — Meu pai tem muito dinheiro e pode dar-me o que eu quiser. Quem traz melhores roupas que as minhas? Quem tem brinquedos mais belos que os meus?

E ele estava todo vestido de seda e apontava, orgulhoso, os brinquedos es-parsos...

Então, o menino pobre levantou o rostinho triste e falou: — Meu pai tem muito pouco dinheiro e nada me pode dar do que se compra... Mas, quando vem do tra-balho, beija-me e abraça-me tanto que eu fico toado enfeitado de festas... E, como não tenho brinquedos, divirto-me com o sol, com as crianças iguais a mim e com os animais que encontro pelo caminho...

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À noite amontôo carneirinhos de nuvens e brinco de esconde-esconde com a lua... Nesse instante... era o instante em que os pássaros do crepúsculo vinham chegando...

Quando nos percebemos superiores, alimentamos a crença de que somos autossuficientes e essa postura é incompatível com o diálogo. Não podemos perder a humildade, caso contrário não será possível o diálogo. É necessário descobrirmos que somos tão seres humanos quanto qualquer outro, e dessa forma, vamos ajudar a despertar no outro sua capacidade criativa e de expressão, sem vergonha do que sabe ou do que tem, mas consciente de que o que tem é valioso, por mais que sejam valores diferentes.

Aos poucos no convívio em grupo a confiança vai se desenvol-vendo, o que possibilita ver as pessoas como sujeitos dialógicos cada vez mais integrados na construção de um mundo melhor.

Barbier (1998) fala sobre a escuta sensível diante da realidade e das pessoas. Dessa forma, a escuta sensível começa por não interpre-tar, por suspender qualquer juízo. Ela procura “[...] deixar surpre-ender pelo desconhecido [...] a escuta sensível contribui para que o sujeito se livre de seu entulho interior” (p. 188).

Nessa perspectiva, a escuta sensível proporciona a possibilidade de perceber a reali-dade como ela se apresenta sem a elaboração de um conceito pré-estabelecido, o que pode-ria dificultar a abertura do diálogo em grupo e a manifestação das pessoas. A transformação depende de ações coletivas, transformadoras e organizadoras pelos que dela fazem parte. O fazer coletivo pressupõe reflexão para a ação e implica pensar e agir coletivamente.

9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de ho-mens e mulheres puros, donos da verdade e do saber, para quem to-dos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?

Para refletirmos sobre a igualdade, aproveitando para desprezar a constituição de “gue-tos”8 , recorremos a definição de Moraes (2004) sobre o pensamento ecossistêmico que nos coloca de igual para igual:

O pensamento ecossistêmico nos ajudará a tomar consciência de que nossas relações fundamentais com a vida, com a natureza, com o outro e com o cosmo dependem também de nossa maneira de conhecer, de pensar, de aprender, enfim, de nossa maneira de ser, de viver/conviver.[...] Assim, estaremos conspirando em favor de um mundo melhor, mais humano, solidário e fraterno.

Se cada ação provoca uma reação, no geral, acontece uma rede de ações e reações. Essa rede de relações e ações nos torna responsáveis não só por nossa vida individual, mas essencialmente pela vida coletiva. É importante desenvolver a concepção de que somos todos sujeitos da interação entre o ser humano enquanto espécie e o planeta, ou seja, fazemos parte do mesmo ecossistema.

7. Texto de Cecília Meireles: http://galeriadotextoin-fantil.blogspot.com.br/2012/05/dialogo-texto-infantil-de-cecilia.html

8. Gueto (do italiano ghetto) é um bairro ou região de uma cidade onde vi-vem os membros de uma etnia ou qualquer outro grupo minoritário, frequentemente devido a injun-ções, pressões ou circunstâncias econômicas ou sociais. Por exten-são, designa todo estilo de vida ou tipo de existência resultante de tratamento discri-minatório. (www.wikipedia.org).

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É difícil perceber um horizonte de transformação se não houver mudanças na conduta humana, se não invertermos a noção de que somos seres individuais e sociais ao mesmo tempo. É nossa tarefa encontrar alternativas que nos proporcionem uma maneira de viver harmoniosa sem ter que despertar a agressividade excessiva ou a indi-vidualidade ou, ainda, a desesperança generalizada existente na atualidade.

Tudo está relacionado com tudo, interligado através de uma gran-de teia, onde tudo está conectado. Logo, viver nada mais é que conviver (Maria Cândida Moraes, 2003)

A essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado (Leonardo Boff, 1999)

É sob esse prisma que devemos ver e perceber o ser humano. O cuidado deve per-mear a sua relação consigo mesmo, com o outro e com os demais sistemas vivos e não-vivos. Urge uma necessidade de equilíbrio entre a existên-cia humana no âmbito individual e a consciência coletiva. Mas não paramos por aqui. Vem novamente Paulo Freire e nos faz pensar de modo ainda mais complexo.

10. Como posso dialogar, se me fecho à con-tribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela? Segundo Moraes (2003), é preciso experimentar o flu-

xo da vida para que possamos sentir a felicidade plena de sen-tido, a realização consciente dos desejos e das potencialidades em relação aos desafios que se apresentam diante de cada um. Temos escolha. Posso escolher o caminho do diálogo, do re-conhecimento do outro, da humildade, ou simplesmente me fechar nas minhas crenças e confrontar todos que surgirem na minha frente, não mais como iguais, mas como obstáculo.

É utópico9 ao mesmo tempo em que é real. Essa postura facilita o salto no eixo espiral de transformação. Estamos sempre em movimento, por mais igual que possa parecer a nossa vida

Não posso desistir diante da vida, pois o Universo existe, porque existe a vida, e a vida está num movimento contínuo de organização, construção e reconstrução. Esse princípio coloca a vida com a capacidade de auto-organização, como disse Maturana (2000).

Mas o que vivemos hoje é a repressão do potencial criativo que provoca uma dissociação principalmente afetiva, de onde surgem os sentimentos negativos como rancor, ressentimento, ódio que reforçam os aspectos negativos da persona-lidade. Essa dissociação, talvez seja o grande mal da humanidade.

9. Utopia é o conceito de algo ideal, perfeito, fantástico, imacu-lado, ideia que se torna imaginária, segundo os padrões da atual sociedade. Pode-se referir aos ideais do presente como também do futuro, é uma palavra oriunda do grego que significa “lugar que não existe”.[...] O utopismo é uma forma irreal e absurdamente otimista de ver as coisas como gostaríamos que fossem (http://www.brasilescola.com/filosofia/utopia).

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11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?

Não podemos temer a aproximação do outro. Temos internamente e adormecida a ca-pacidade de ser curador de si mesmo, e a capacidade de se conectar com a evolução da vida. Daí a necessidade de despertar o afeto, entendendo o afeto como a possibilidade de cuidar e ser cuidado, de perceber que eu pertenço ao mundo.

É a necessidade emergente de restaurar o vínculo original com a totalidade, rever-tendo a crença, hoje tão difundida, de que devemos estimular o individualismo. Tudo que se faz tem que estar carregado de significado. Carregado de cuidado nos três níveis de vinculação: consigo, com outro e com a totalidade.

Nos dias de hoje, mal temos a expressão de afeto mais singela que é o abraço. É uma expressão de afetividade simples, porém, pouco praticada. No máximo, vemos com frequên-cia a cordialidade de um aperto de mão distante e sem significado. Mas quando vejo o outro como um “eu” completo e absolutamente inteiro, vejo que, como eu, ele talvez também queira receber um abraço. E por que não? Pare o que estiver fazendo agora e dê um abraço na pessoa mais próxima de você.

Este gesto é simples e deve ser praticado com respeito e cui-dado com o outro. O ato de abraçar transcende o momento de encontro, revela algum tipo de emoção, pois neste ato, os dois por um momento, viram um, representando a sustentação de um e de outro. O sentido do abraço é muito mais humanitário do que qual-quer outra interpretação que se possa dar. Compreende a comu-nhão entre duas pessoas, a fraternidade. O outro é visto como um “semelhante”. Isso envolve o cuidado e a capacidade de vivermos com amorosidade.

Freire nos traz mais essa reflexão:A autossuficiência é incompatível com o Diálogo. Os homens e mulheres que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Há homens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais.

Aquele que se permite viver o retorno à essência da vida, entra em contato com o potencial adormecido de afeto, confiança, harmonia, e se aproxima da vivência plena do amor, no sentido da expressão de amorosidade em tudo que faz.

Mas o que acontece é o processo inverso. Assumimos os condicionamentos mo-rais impostos por essa convivência social que influencia na manifestação dos sentimen-tos e das emoções. Daí a existência de tantos bloqueios para expressar os sentimentos. Por isso entramos em incontáveis tramas mentais, que estimula a separação do eu e do

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outro. Esse processo se dá com a manifestação do ego, que fortalece essa fragmentação e a vaidade individual. Esse caminho não permite a expansão da consciência e o resgate da unidade. Entendemos expansão da consciência como essa capacidade de se perceber diferente, se permitir viver o diferente, fugir dos padrões criados pela mente.

O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade. O cuidado na relação com o outro é o convite que Paulo Freire nos faz. O pensamento e a ação devem caminhar juntos.

Cuidar da vida implica mudança de atitudes, valores e ação do ser humano como sujeito da história, atuando com consciência, para mudar o curso da civilização.

12. Não há também Diálogo se não há uma intensa fé nos homens e mulheres. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos dos ho-mens e mulheres

A fé no ser humano é o que me mobiliza a continuar na caminhada da vida. Como diz Gonzaguinha na música Semente do Amanhã: “Fé na vida, fé no homem, fé no que virá”. Com essa música, não posso deixar de mencionar a Educação Biocêntrica, como sendo um grande chamado à vivência da afetividade, pois se trata de uma tendência que visa a integração do indivíduo orientada por sua autocons-ciência e suas relações altruísticas10, criando condições para o despertar de suas potencialidades estimuladas por sua vinculação com a vida nos três níveis – consigo, com o outro e com o todo (LOPES, 2001). Fundamenta-se no Princípio Biocêntrico,11 que tem como referencial a vida na sua grandiosidade e plenitude.12

O ponto de partida é toda manifestação de vida no processo de evolução do Universo. Fundamentar-se na vida no centro de tudo, é poder se encantar e celebrar a vida em sua plenitude.

Quando estamos em círculo, não existe ninguém melhor do que ninguém; existem pessoas dialogando de igual para igual. A Educação Biocêntrica tem a pedagogia dialógica de Paulo Freire como um dos pilares teóricos, além da Biodança de Rolando Toro e do pen-samento complexo de Edgar Morin. Fortaleceu-se nas últimas décadas, tendo inúmeros exemplos de ações nas escolas, instituições sociais e organizações. Essa abordagem trabalha colocando a vida no centro, reconhecendo o que Paulo Freire deixou como ensinamento: o diálogo como mediador das relações e o reconhecimento do outro como ser pleno de saberes.

E a necessidade emergencial aflora. A sociedade clama pela mudança paradigmática signi-ficativa, que vem acontecendo nos últimos anos que é a da importância vital dos relacionamen-tos. Está emergindo a necessidade de um novo modelo mental que seja capaz de ligar e integrar

10. Palavra perce-bida muitas vezes como sinônimo de solidariedade, a palavra altru-ísmo foi criada em 1830 pelo filósofo francês Augusto Comte para caracterizar o conjunto das disposições humanas (indivi-duais e coletivas) que inclinam os seres humanos a dedicarem-se aos outros. Assim, al-truísmo é quando uma pessoa ab-nega de si mesma em prol de outras pessoas (http://www.dicionario-informal.com.br/altruísmo)

11. Principio Biocêntrico se inspira na intuição do universo orga-nizado em função da vida e consiste em uma proposta de reformulação de nossos valores culturais que tomam como refe-rencial o respeito a vida. Propõe-se em potencializar a vida e a expressão de seus pode-res evolutivos. Foi criado pelo chileno Rolando Toro (http://www.biodanza.org).

12. http://lucia-nakotaka.com.br/2010/10/dialogo-da-obe-sidade

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posições e relações de modo sustentável, e que constitua a base de dinâmicas, que promovam a vida com novas aprendizagens e significados (Grangeiro, 2009). Que o tema “diálogo” deixe de ser falado e seja vivenciado em cada canto do planeta para facilitar a convivência humana e reestabeleça cada vez mais o direito de cada um de ser compreendido e escutado.

O que aquieta o meu coração é a certeza que esses breves escritos foram a expressão da minha crença na vida, no amor incondicional pelo ser humano, na tentativa de contribuir com o crescimento das pessoas. A ousadia que tive em aproximar-me de um diálogo com Paulo Freire foi coberta de boa intenção e simplesmente conversar com ele e com alguns autores que, sem dúvida, têm uma jornada mais longa de estudos muito mais profundos do que o que trouxe aqui. Mas escrevi utilizando a racionalização, porém, guiada essencialmente pelo coração, porque “esse caminho é uma escolha que tem coração” (Castañeda).

Tenho a certeza de que estamos nos conectando cada vez mais com a possibilidade de fazer do diálogo um instrumento da geração da paz. Por isso, sinto-me à vontade de anunciar o próximo fascículo, que tem como tema exatamente a paz. Será que o diálogo auxilia na geração da paz? Enquanto aguardamos, vamos ouvir um pouco mais as pessoas que convivem conosco?

Síntese do fascículoA imersão no contexto socioeconômico onde os aspectos sociais, econômicos, cul-turais e humanos, somados ao descrédito da sociedade e do sistema capitalista são notórios. Esse sistema incentiva o individualismo e a competição exacerbada pro-voca a destruição dos vínculos afetivos e da estrutura de formação das pessoas.

O objetivo é refletir sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e as possibilidades de compreensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo, tendo este como caminho para melhoria na convivência e método possível na me-diação de conflitos. A indicação da principal referência que mediou todo o texto foi a produção de Paulo Freire, “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo”, que passou pela fragmentação do texto de Paulo Freire e o diálogo com outros auto-res que facilitaram a compreensão e escrita deste.

O destaque é o exercício da humildade, o resgate dos vínculos primordiais da exis-tência humana e a capacidade de colocar a vida no centro de tudo. O diálogo é um forte mediador na geração da paz e na compreensão do outro, com o exercício da escuta sensí-vel do ser, com amorosidade, cumplicidade, sinceridade e simplicidade.

Atividades1. Como você entende a solidariedade? Em que situações você já foi solidário?2. Apresente pelo menos três pacifistas que se destacaram pela humildade, contando

um pouco da sua história.3. O que você entende por liberdade? 4. Quais as diferenças entre diálogo e debate? Você prefere o primeiro ou o segundo?

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Referências bibliográficasBARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA, Joaquim G. (org). Multirreferencialidade na ciência e na educação. Revisão e tradução: Sidney Barbosa. São Carlos: EdU-FSCar, 1998. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano: compaixão pela terra. 6ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999.CAVALCANTE, Ruth. Educação Biocêntrica: Um portal de acesso à Inteligência Afetiva. In: O Pensamento Biocêntrico (revista) Nº 06 Pelotas: Jul/Dez 2006 (ISSN 1807-8028).______. LOPES, Marcos A.C. e outros. Educação Biocêntrica: um movimento de construção dialó-gica. Fortaleza-CE: Edições CDH, 2001.FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ______. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ______. Conscientização: teoria e prática de libertação – uma introdução ao Pensamento de Paulo Freire. 3ª. ed. São Paulo: Moraes, 1980. ______. Ação Cultural para a Liberdade. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978GHEDIN, Evandro. Ensino da Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Cortez, 2008.GRANGEIRO. Lúcia H.F. Paulo Freire iluminando os caminhos da Educação Ambiental: diá-logos contemporâneos e decálogo inspirador e ressignificador de novas concepções e práticas. (Tese de Doutorado). Espanha: Universitat de Les Illes Balears. 2009.LIMA. M. S. L. A Hora da Prática: Reflexões sobre prática de ensino e ação docente. 1. ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2001.MARIOTTI, Humberto. O Automatismo Concordo-discordo e as Armadilhas do Reducionismo. Instituto de Estudos de Complexidade e Pensamento Sistêmico (www.pluriversu.org), 2000. MATURANA, Humberto e Varela F. Árvore do conhecimento. São Paulo: 2000.MORAES, Maria Cândida. Pensamento Ecossistêmico. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004.______. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.

AutoraManuela Fonseca Grangeiro: Mestre em Educação com Especialização em Educação Biocên-trica e Formação Pedagógica pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) possui Bacharelado em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente é analista de Desenvolvimento Humano no Instituto Nordeste Cidadania e professora da Universidade Aberta do Brasil/UECE e de cursos de especialização e de graduação na área da Educação.

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