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DIREITOS HUMANOS
Aula 1: Conceito, características e evolução dos direitos fundamentais
Com efeito, não há de se negar que o pensamento de Hobbes foi o grande precursor da idéia de que os direitos do homem são a base de legitimação do exercício do poder político e da formação do Estado. Eis aqui um dos pontos nucleares do pensamento de Hobbes: a origem do Estado e a legitimação do poder político têm por fundamento um contrato social, por meio do qual o homem cede seus direitos naturais ao Estado-Leviatã, o único capaz de gerar um contexto de paz e segurança. E com isso Hobbes consegue efetivamente consolidar o valor dos direitos do homem na ciência política, na teoria geral do Estado, na filosofia e no direito.
Capa da edição original de Leviatã, de Thomas Hobbes (clique para ampliar). Nesta obra, o autor
alega que o ser humano é egoísta por natureza, e tende à autodestruição. Para Hobbes, deveria
haver um soberano (Leviatã, título inspirado no nome de um monstro bíblico) para punir quem não
obedecesse ao contrato social que estabeleceria a paz.
Enfim, podemos dizer que a idéia de direitos do homem está muito ligada a esta corrente
juscontratualista que fundamenta e legitima o exercício do poder político no campo
filosófico a partir da existência de um direito natural, bem como no reconhecimento de um
conjunto de valores legítimos universalmente aceitos e que não decorrem da vontade de
Deus, mas, sim, da própria natureza humana. Essa concepção antecede, de certa maneira, o
próprio Estado e o próprio Direito Positivo, pois têm sua origem associada à idéia de uma
justiça inata e universal. São, portanto, direitos supranacionais e atemporais.
De olho na doutrina
É por isso que parte da doutrina é mais específica ainda e faz a separaçãoentre os conceitos de direitos do homem e direitos humanos. A primeira expressão ficaria ligada aos direitos naturais ainda não positivados em nenhum documento escrito, seja internacional, seja interno. Já o conceito de direitos humanos ficaria reservado para aqueles direitos naturais positivados na esfera do direito internacional. Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva que a expressão “direitos humanos” é a preferida nos documentos internacionais
No mesmo sentido, Ingo Wolfgang Sarlet defende a tese de que a expressão direitos do homem deve ser interpretada no sentido de direitos naturais ainda não positivados, enquanto direitos humanos são aqueles direitos naturais positivados na esfera do direito internacional.
Em suma, podemos associar o conceito de direitos humanos a uma concepção positiva na esfera
internacional, ou seja, devemos entender como direitos humanos aquelas posições jurídicas
subjetivas reconhecidas expressamente pelo direito internacional como sendo da natureza do ser
humano. Antes de continuar navegando pelas telas desta aula, você deverá ler o arquivo Questão
terminológica, disponível também na biblioteca da disciplina . Nele, você irá ler outras
considerações acerca dos conceitos direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais.
As principais características dos direitos fundamentais
Podemos agora então identificar as características dos direitos fundamentais. Desde logo impende
salientar que aqui também não há consenso com relação à nomenclatura, razão pela qual vamos
destacar apenas aquelas características julgadas mais importantes e que são lembradas pela melhor
doutrina. São elas:
H = Historicidade = são históricos, sempre tem uma crescente interpretação, o rol de diretos fundamentais sempre é crescente.
I = Inalienabilidade = os direitos fundamentais não são passíveis de serem comercializadosI = Imprescritibilidade = imprescritíveis, não estão sujeitos a prescriçãoI = Irrenunciabilidade = não se pode renunciar os direitos fundamentais todos ao mesmo tempo e por todo o tempo. Ex: direito a intimidade e imagem- BBB, são renunciáveis por um dado momento.
R = Relatividade = sempre são aplicados em conflito um com o outro. Todos são aplicados de forma concorrencial, verificados no caso concreto qual prevalecerá. Ex: até mesmo direito a vida não é absoluto em face de outro direito a vida, quando se permite o aborto para que a mãe sobreviva.U = Universalidade = se aplicam também aos estrangeiros não residentes no Brasil, são universais, se aplicam a todos.A = Aplicabilidade imediata. Eis aqui muito bem caracterizada a colisão de direitos fundamentais. O juiz não poderá decidir a causa em nome de um direito absoluto à privacidade ou de um direito absoluto à liberdade de imprensa. É nesse tipo de colisão de direitos fundamentais que surge a importância do princípio da proporcionalidade no sopesamento de valores em tensão. Enfim, o que importa compreender é o fato de que não há direitos fundamentais absolutos. Todos os direitos fundamentais são relativos, e, em caso de conflito, será necessário um juízo de valor para identificar qual direito fundamental deve prevalecer em um determinado caso concreto. Serão os elementos fáticos do caso concreto que indicarão a solução jurídica mais justa para o caso em tela.
Três principais fases de evolução dos direitos fundamentaisA trajetória histórica dos direitos humanos pode ser sistematizada segundo as formulações filosóficas que embasaram sua construção teórica. Inicialmente, vamos conhecer o pensamento dos filósofos gregos: Na Grécia antiga do século V a. C., podemos destacar dois pensadores.O sofista grego Protágoras já afirmava que “o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são". Note-se, pois, a centralidade da pessoa humana dentro do pensamento grego clássico.
Na obra de Sófocles, também há nítida manifestação dos direitos humanos, pois quando Antígona desobedece a um édito de seu tio Creonte no sentido de proibir o sepultamento de Polinice, trava-se um duelo de idéias ressaltando a dicotomia entre o indivíduo e o Estado.
Aula 1: Conceito, características e evolução dos direitos fundamentais
Já a Magna Carta, documento inglês de 1215, limitava o poder do Rei João Sem-Terra em relação aos
barões em nítida demonstração da presença dos direitos humanos, na medida em que estabelecia o
habeas corpus, o direito à propriedade e o devido processo legal.
Em 1628, a Petition of Rights consolidou definitivamente os direitos previstos na Magna Carta de 1215.
Ilustração do momento em que o Rei João Sem-Terra assina a carta (clique na imagem para ampliar).
Somente a partir do século XVII é que começa a florescer a idéia de afirmação dos direitos
naturais com base nas correntes contratualistas lideradas por Hobbes e seguida por Locke e
Rousseau. È neste período que ocorre a superação das doutrinas teocráticas do direito divino dos
reis. Tal fase perdura até o advento da Revolução Francesa e da Declaração de Virginia de 1776,
quando se dá efetivamente a positivação dos direitos do homem em documentos solenes e
dotados de hierarquia, transformando-se, como vimos, direitos do homem em direitos
fundamentais.
Na imagem, vemos o famoso quadro de Delacrorix intitulado A liberdade guiando o povo (clique para
ampliar).
Aula 1: Conceito, características e evolução dos direitos fundamentais
Visão esquemática da evolução dos direitos fundamentais
Partindo desta classificação tradicional de Klaus Stern, podemos fazer uma associação com os diferentes
modelos de Estado, desde a polis grega até o assim chamado Estado pós-moderno, dos dias de hoje. E
assim é que podemos reconfigurar a classificação de Klaus Stern, como a seguir:
Inicio do absolutismo ao estado de direito
Fase de afirmação dos direitos naturais: corresponde ao início do absolutismo e da elaboração da
doutrina contratualista (Hobbes, Locke e Rousseau), e acaba com a formação do Estado de Direito
(séculos XVI e XVII).
Grécia antiga ao sec. XVI
Fase de pré-história dos direitos humanos: compreende o período da polis na Grécia antiga e vai até o fim
do feudalismo e da concepção medieval de Estado (até século XVI).
Revolução francesa à constitucionalização
Fase de constitucionalização dos direitos fundamentais: nasce com a Revolução francesa de 1789 ou com
a Declaração de Virginia de 1776 e corresponde à atual fase de positivação dos direitos humanos, ou
seja, a fase onde os direitos naturais são transformados em direitos fundamentais mediante um processo
legislativo de ordem constitucional.
1) Leia o artigo sobre as fases da evolução dos direitos fundamentais, por Guilherme
Sandoval, Francisco Tavares e Augusto Zimmermann
2 - Leia o texto abaixo, de autoria de Cláudio Pereira de Souza Neto:
“O liberalismo político surge em um contexto em que se passa a propugnar pela limitação do estado
absolutista, caracterizado, fundamentalmente, pela centralização do poder político e pela monopolização
da produção normativa. (...) O princípio do “estado de direito” surge vinculado e esse conteúdo
substantivo, em cujo cerne está a “moderação” no exercício do poder do estado, a contenção do seu
arbítrio. Em sua origem, o estado de direito se apresentava como um “antileviatã”. (...) Os jusnaturalistas
compreendem que o papel do estado é garantir os direitos naturais dos indivíduos, não podendo,
portanto, violá-los. Esta construção está classicamente formulada na obra de J. Locke. Cf. NETO, Cláudio
Pereira de Souza. Teoria constitucional e democracia deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na
garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp.
22, 24 e 25.
A partir da leitura acima, discuta com seu professor e colegas no fórum da disciplina o seguinte
questionamento: A idéia de Estado antileviatã pode ser associada ao conceito de Estado de
Direito, cujo alicerce é a contenção do arbítrio estatal?
Registro de frequência
Olá, agora você irá responder às questões e exercícios referentes ao registro de frequência desta aula. Como você já sabe, a sua presença é computada a partir da finalização das atividades e exercícios que compõem este registro, e o procedimento é o mesmo a cada aula.
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1. Analise as afirmativas abaixo e marque a opção CORRETA:
I) Os direitos fundamentais não se perdem pelo decurso do prazo. Não cabe a prescrição de direitos
fundamentais e sua conseqüente perda de exigibilidade;
II) Sobre os direitos fundamentais podemos afirmar que são absolutos, não podendo ser relativizados em
nenhuma hipótese;
III) Os direitos fundamentais são direitos supranacionais e atemporais, na medida em que válidos para
todos os povos e em todos os tempos;
IV) Os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados
espaço-temporalmente.
Somente é CORRETO o que se afirma em:
a) I, II e III;
b) II e III;
c) I, III e IV.
d) I e IV
2. Leia o texto abaixo: (PROVA ENADE 2006)
Não há, em suma, um direito justo no céu dos conceitos platônico, e um direito imperfeito e injusto no
nosso pobre e imperfeito mundo sublunar. O problema do Direito Natural não é descobrir esse celestial
livro de mármore onde, gravadas a caracteres de puro ouro, as verdadeiras leis estariam escritas, e que,
ao longo dos séculos, sábios legisladores terrenos não conseguiram vislumbrar. (CUNHA, Paulo Ferreira
da. O ponto de Arquimedes: natureza humana, direito natural, direitos humanos. Coimbra: Almedina,
2001. p. 94) Considerando as reflexões contidas no texto, é possível afirmar sobre os direitos humanos na
atualidade:
a) a afirmação histórica dos direitos humanos, desde o jusnaturalismo, se iniciou apenas muito
recentemente, no final do século XX, por isso ainda são desconhecidos dos juristas;
b) o grande problema dos direitos humanos é o de que não estão positivados, por isso não são
efetivados;
c) o problema atual dos direitos humanos é o de que, apesar de positivados e constitucionalizados,
carecem de ser efetivados;
d) os direitos humanos são, em todas as suas manifestações, garantias negativas da cidadania, por
isso não carecem nenhum tipo de prestação econômica por parte do Estado.
3. Com relação à questão terminológica dos direitos humanos e fundamentais, analise as assertivas
abaixo e assinale a resposta CORRETA:
I. O conceito de direitos fundamentais se aplica mais especificamente a um catálogo de direitos
constitucionais de um determinado Estado nacional, que mediante processo legislativo próprio, optou por
garantir positivamente determinados direitos humanos. É a própria constitucionalização que os
transforma em direitos fundamentais.
II. A idéia de direitos do homem está muito ligada a corrente juscontratualista que fundamenta e legitima
o exercício do poder político no campo filosófico a partir da existência de um direito natural e no
reconhecimento de um conjunto de valores legítimos universalmente aceitos e que não decorrem da
vontade de Deus, mas, sim, da própria natureza humana.
a) as duas assertivas são falsas;
b) a assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa;
c) ambas assertivas são verdadeiras;
d) a assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira.
Aula 2: A concepção dos direitos fundamentais na Constituição de 1988
Direitos fundamentais na CRFB
José Afonso da Silva sistematiza a concepção dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 da
seguinte maneira:
DESCRIÇÃO ARTIGO
Direitos individuais Art. 5º
Direitos à nacionalidade Art. 12
Direitos políticos Arts. 14 a 17
Direitos sociais Arts. 6º e 193 e ss.
Direitos coletivos Art. 5º
Direitos solidários Arts. 3º e 225
De olho na doutrina
No entanto, o próprio José Afonso da Silva alerta que o catálogo de direitos fundamentais do cidadão brasileiro não se limita aos direitos acima descritos, ao revés, existem outros direitos espalhados ao longo da Constituição, como, por exemplo, os direitos fundados nas relações econômicas (arts. 170 a 192), o direito à saúde (artigo 196) e à educação (artigo 205), o princípio da anterioridade tributária (art.150, III, b), e muitos outros.
Denominador comum
Desta feita, é importante reconhecer que o catálogo de direitos fundamentais do cidadão
brasileiro se perfaz mediante direitos explícitos (Título II e outros direitos positivados
ao longo da Constituição) e direitos implícitos, aqueles decorrentes da autorização do §
2º do art. 5º de nossa Carta Maior, quais sejam, os decorrentes do regime, princípios
constitucionais e tratados internacionais.
Clique aqui para ver a nova sistematização a partir dessas considerações.
A nova interpretação constitucional vê na Constituição um sistema aberto, caracterizado pela coerência do conteúdo de suas normas que se harmonizam na sua unidade axiológica do bem comum. Seu fundamento está, portanto, na própria Constituição, porém, não sob o ponto de vista meramente formal, na medida em que o intérprete constitucional, fazendo uso da força normativa da Constituição, vai dar plena efetividade para os princípios constitucionais, ou seja, os princípios constitucionais são normas jurídicas e, portanto, capazes de gerarem por si sós direitos subjetivos diretamente sindicáveis perante o poder judiciário.
Em suma, não se pode negar que a Constituição de 1988 é um sistema aberto, no qual
princípios se entrelaçam com regras, tendo-se como resultado o equilíbrio entre a
distribuição de justiça e a certeza jurídica. Com efeito, são as regras jurídicas que
garantem a certeza e a segurança do direito, restando aos princípios a distribuição da
justiça social.
Antes de prosseguir nesta aula, leia o texto Comentários sobre o caráter aberto da CRFB/88 , também disponível na Biblioteca da Disciplina
.
1. Analise cada item abaixo e responda:
I. O catálogo de direitos fundamentais do cidadão brasileiro não está limitado aos
setenta e oito incisos do artigo 5º da nossa Carta Magna, mas, sim, ao seu título II – Dos
direitos e garantias fundamentais - muito mais amplo e abrangente do que o referido
artigo 5º;
II. O direito à saúde (artigo 196), o direito à educação (artigo 205) e o princípio da
anterioridade tributária (art.150, III, b) são exemplos de direitos fundamentais do cidadão
brasileiro;
III. Muito embora estejam no título II reservado aos direitos fundamentais, os direitos
sociais, econômicos e culturais não têm jusfundamentalidade, uma vez que não possuem
eficácia jurídica;
IV. Os direitos de defesa são aqueles ligados às prestações estatais positivas,
representados pelos direitos sociais e econômicos.
a) As afirmativas I, III e IV são falsas;
b) As afirmativas I, II e III estão corretas;
c) As afirmativas I, II e III são verdadeiras e a IV é falsa;
d) As afirmativas II e III são falsas;
2. Assinale a alternativa CORRETA:
a) Um sistema constitucional puro de princípios apresenta alto grau de segurança
jurídica;
b) Nossa Carta Magna de 1988 pode ser classificada como sendo uma constituição
compromiss�ria� porque consagra exclusivamente os valores da democracia liberal
em detrimento da social democracia;
c) Pacificou-se na melhor doutrina a existência de direitos fundamentais implícitos
que decorrem do regime, dos princípios adotados pela Constituição, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
d) Os direitos coletivos e difusos não fazem parte do rol jusfundamental do cidadão
brasileiro.
3. Assinale a alternativa CORRETA:
a) A Constituição prevía proteção jurídica apenas aos direitos fundamentais
explicitamente indicados no próprio texto constitucional;
b) A Constituição brasileira pode ser considerada um sistema aberto de regras e
princípios;
c) Os direitos sociais não fazem parte do rol jusfundamental do cidadão brasileiro;
d) Os direitos fundamentais são direitos sem efetividade, pois dependem de norma
infraconstitucional superveniente.
Aula 3: Os Direitos Fundamentais e suas três dimensões
As gerações do conceito
Cumpre alertar ao aluno desde logo que a terminologia “gerações de direitos fundamentais” é bastante
controversa na esfera doutrinária, uma vez que projeta implicitamente a idéia de que uma geração
supera a outra, o que evidentemente não é verdade. Uma geração não é substituída pela outra, mas, sim,
complementa a outra; eis a razão pela qual diversos autores preferem usar a expressão “dimensões dos
direitos fundamentais” no lugar de “gerações de direitos”.
Análise da primeira dimensão dos direitos fundamentais
A primeira dimensão de direitos surge como reação ao mecanismo de concentração do poder político do
Estado absolutista, cuja arquitetura jurídica prejudicava a burguesia ascendente. E assim é que a
positivação dos direitos de primeira dimensão em documentos solenes e superiores tem dupla conotação:
de um lado, a sacralização do pacta sunt servanda e, do outro, a criação de um modelo de garantismo
constitucional respaldador da estatalidade mínima.
Análise da segunda dimensão dos direitos fundamentais
Examinada a primeira dimensão de direitos, adentra-se agora à segunda dimensão e que é a
consolidação do welfare state e do dirigismo constitucional. Após a instalação da burguesia no poder,
instaura-se o modelo econômico capitalista, capitaneado pelos impactos da Revolução Industrial, que
não tardou a impor às massas de trabalhadores um quadro lamentável de verdadeira miséria humana.
Isto significa dizer que o rol jusfundamental pautado apenas nos direitos civis e políticos não
teve o condão de garantir a dignidade da pessoa humana, ainda que em sua expressão
mínima.
Com efeito, os importantes avanços da democracia liberal, e.g., a igualdade formal perante a lei, a
garantia dos direitos civis e políticos, a separação de poderes como meio de limitar o arbítrio estatal e
muitos outros, não foram capazes de criar condições mínimas indispensáveis ao efetivo gozo dos direitos
fundamentais. Tal incapacidade deu azo à fixação de uma nova categoria de direitos
fundamentais, agora ditos de segunda dimensão, cuja concretização efetiva deveria ser feita
pelo Estado mediante ações prestacionais positivas.
Explorando a segunda dimensão
Dessarte, a segunda dimensão de direitos traz à tona a necessidade de o Estado assegurar bens sociais
imprescindíveis para a materialização da dignidade humana, solapada que tinha sido pela doxa liberal
burguesa.
"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.
Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."
Agora, compondo o catálogo de direitos fundamentais, dentre outros, o direito ao trabalho, o direito à saúde, o direito à
educação, o direito ao saneamento básico e o direito à seguridade social. Paulo Bonavides assevera que os direitos
fundamentais de segunda dimensão nasceram, contrariamente aos clássicos direitos de liberdade e igualdade formal,
“abraçados ao princípio da igualdade em sentido material” (cf. BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São
Paulo: Ed. Malheiros, 1997. p. 517).
Direitos da segunda dimensãoA maior parte da doutrina aponta a Constituição mexicana de 1917 e em especial ade Weimar de 1919 na Alemanha como marcos de inovação na ordem constitucionalno que diz aos direitos de segunda dimensão. Realmente, não seria justo deixar dehomenagear tais Constituições, vez que pioneiras na positivação sistemática dedireitos sociais, econômicos, culturais e trabalhistas. Destarte, sob os influxos deWeimar, desponta o constitucional social bem mais intervencionista e almejando arealização da justiça social e a proteção dos hipossuficientes, enquanto classe menosfavorecida. Na lição de Ingo Sarlet tem-se que:os direitos da segunda dimensão podem ser considerados umadensificação do princípio da justiça social, além de corresponderem àreivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classeoperária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdadeque caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações coma classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menorgrau de poder econômico. (cf. BONAVIDES, P. Curso de DireitoConstitucional. 7ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997. p. 53).Com efeito, as liberdades formais do paradigma liberal burguês foram insuficientes
para salvaguardar a dignidade humana dos trabalhadores. Urgia, por conseguinte,ampliar o catálogo de direitos fundamentais a partir da inclusão de uma segundadimensão com potencial para realizar a justiça social mediante ações positivas doEstado.Em suma, a nova elaboração teórica do Estado Social se estriba na idéia de liberdadepor intermédio do Estado, e, não, mas, na liberdade perante o Estado do modeloliberal burguês. Sem negar as conquistas das liberdades individuais negativas daprimeira dimensão, o catálogo jusfundamental do cidadão é acrescido dos direitossociais, econômicos, culturais e trabalhistas, formando assim sua segunda dimensão.
1. Considere as seguintes assertivas:
I – A Constituição de 1988 não reconhece jusfundamentalidade aos direitos sociais;
II - A eficácia dos direitos fundamentais de segunda dimensão é meramente negativa;
III – A primeira dimensão dos direitos fundamentais se vincula ao paradigma do Estado liberal;
IV – Os direitos fundamentais de terceira dimensão são direitos transindividuais.
Somente é CORRETO o que se afirma em:
a) I e III;
b) II e III;
c) III e IV;
d) I, III e IV
2. Assinale a alternativa INCORRETA:
a) Garantias dos direitos fundamentais são instituições jurídicas criadas em favor do indivíduo para
que ele possa usufruir dos direitos fundamentais propriamente ditos;
b) Os direitos fundamentais de segunda dimensão nasceram abraçados ao princípio da igualdade em
sentido material;
c) A Constituição de 1988 estabelece predominantemente direitos e garantias fundamentais
atrelados ao conceito de Estado M�nimo;
d) Os direitos fundamentais de primeira geração estão associados à liberdade; os de segunda à
igualdade e os de terceira à fraternidade.
3. São direitos fundamentais de primeira dimensão, EXCETO:
a) Liberdade de expressão;
b) Igualdade material;
c) Direito de votar e ser votado;
d) Liberdade de locomoção.
Aula 4: A aplicabilidade das normas constitucionais: a classificação tradicional e a doutrina brasileira da efetividade
A eficácia tradicional das normas constitucionais: a classificação de José Afonso da Silva
Antes de estudar a clássica lição de José Afonso da Silva acerca da aplicabilidade das normas
constitucionais, vale recordar os conceitos de vigência e eficácia da norma jurídica. A vigência aponta
para a existência ou inserção da norma no mundo jurídico, enquanto a eficácia diz respeito à aptidão para
produzir efeitos na ordem jurídica. Assim sendo, é perfeitamente possível que uma norma esteja em
vigor, sem, porém, produzir efeitos, como, por exemplo, uma lei já aprovada, aguardando o período de
vacatio legis.
Por outro lado, vale, desde logo ressaltar que todas as normas constitucionais têm eficácia, ainda que mínima ou negativa, mas não deixam de produzir de per si efeitos na ordem jurídica. A figura na próxima tela sintetiza a tipologia das normas constitucionais.
Tipologia das normas constitucionais
Normas constitucionais de eficácia plena
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas de aplicabilidade imediata, direta, integral, desde
a entrada em vigor da Constituição, sem a necessidade de regulamentação por uma norma
infraconstitucional editada posteriormente pelo poder constituinte derivado. São também chamadas de
normas constitucionais preceptivas (cf. Marcelo Rebelo de Souza). Vejamos dois exemplos:
Art. 2º- são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário (na imagem você vê uma perspectiva da Praça dos Três Poderes, em Brasília).
Art. 14 § 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos (na imagem você vê soldados conscritos perfilados).
Normas constitucionais de eficácia contida
As normas constitucionais de eficácia contida também têm aplicabilidade imediata, desde a entrada em
vigor da Constituição. Entretanto, podem ter seu alcance restringido nos casos e na forma que a lei
infraconstitucional estabelecer. O legislador comum pode restringir, mas não pode ampliar o alcance da
norma constitucional. Neste sentido, o poder constituinte originário deixou margem de manobra para a
ação regulamentadora do legislador derivado. São também conhecidas como normas de eficácia redutível
ou restringível (cf. Michel Temer) e normas de eficácia relativa restringível (cf. Maria Helena Diniz).
Vejamos dois exemplos:
Art. 5º inciso XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer.
Art. 5º inciso XII- é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução penal.
A proposta tipológica de Luís Roberto Barroso
Vale, ainda, salientar a sistematização proposta pelo autor Luís Roberto Barroso, cuja classificação das
normas constitucionais enquadra-se na seguinte tipologia:
Para encerrar o estudo da aplicabilidade das normas constitucionais, impende alertar ao caro aluno que a
dicção constitucional do art. 5º §1º garante que os direitos e garantias fundamentais previstos pela Carta
Ápice brasileira são de aplicabilidade imediata, sem necessidade de qualquer regulamentação posterior.
Neste sentido, cabem, inter alia, Mandado de Segurança Coletivo, Habeas Data e Mandado de Injunção,
independentemente de qualquer regulamentação.
A doutrina brasileira da efetividade
É de sabença geral que, no Brasil, a doutrina da efetividade difundiu a tese de que os direitos
constitucionais, e em especial os direitos fundamentais, não podem ser restringidos a ponto de se
tornarem invólucros normativos vazios de efetividade. Assim sendo, verificou-se um grande movimento
de renovação jurídica da interpretação constitucional a partir das obras de José Afonso da Silva e Luís
Roberto Barroso, que na verdade deram continuidade aos trabalhos de Meireles Teixeira.
Clique aqui para ver o dizer de Luís Roberto Barroso sobre esse aspecto.
Já na doutrina estrangeira, destaca-se o princípio da força normativa da Constituição de Konrad Hesse,
fonte de inspiração dos autores brasileiros.
Para uma melhor compreensão da doutrina da efetividade, vale começar pela análise do caráter compromissório da Constituição brasileira, cujo símbolo maior é o extenso rol de normas programáticas contidas no seu corpo normativo. Com efeito, os direitos sociais são fruto de um poder constituinte originário essencialmente bipartido, cujo produto final foi a elaboração de uma Constituição compromissória que busca, a um só tempo, homenagear as vertentes do liberalismo burguês e da social democracia.
Daí a tendência de positivar o texto constitucional de modo amplo sem maiores detalhamentos acerca das condutas necessárias para a realização dos fins pretendidos, optando-se por fórmulas abertas que projetam “estados ideais”, cuja exegese é mais complexa, na medida em que o intérprete fica obrigado a definir a ação a tomar (Cf. Luís Roberto Barroso).
1. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais:
a) Têm aplicação imediata;
b) Dependem de edição de medida provisória;
c) Carecem de legislação ordinária integradora de eficácia;
d) Necessitam de regulamentação através de lei complementar;
2. O art. 7o, inciso XXVII, da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais "proteção em
face da automação, na forma da lei", pode ser considerado norma constitucional de eficácia:
a) contida, por ter aplicabilidade imediata, não necessitando de norma regulamentadora;
b) limitada, por não ter aplicabilidade imediata, necessitando de norma regulamentadora;
c) plena, por ter aplicabilidade imediata, não necessitando de norma regulamentadora;
d) plena, por ter aplicabilidade imediata, mas passível de restrição por norma regulamentadora;
3. As normas de eficácia plena e contida têm em comum:
a) a possibilidade de serem aplicadas, independente de leis regulamentadoras, tal qual o art. 37, VII, da
Constituição Federal, que assegura aos servidores públicos o seguinte: "o direito de greve será exercido nos
termos e nos limites definidos em lei específica".;
b) a impossibilidade de serem aplicadas, pois dependem de leis regulamentadoras, tal qual o art. 5.º, XXVI, da
Constituição Federal, que dispõe: "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a
lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento".;
c) a possibilidade de serem parcialmente aplicadas, na medida em que as leis regulamentadoras permitirem,
tal qual o art. 7.º, XI, da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o seguinte:
"participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na
gestão da empresa, conforme definido em lei".;
d) a possibilidade de serem aplicadas, independente de leis regulamentadoras, tal qual o art. 5.º, inciso XIII, da
Constituição Federal, que dispõe: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer".;
4. A regra inserida no art. 2º da Constituição da República Federativa do Brasil: “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, é uma norma de:
a) Eficácia plena, portanto de aplicabilidade direta, imediata e integral;
b) Eficácia contida, portanto de aplicabilidade direta e imediata, mas que pode ter reduzido o seu alcance pela
atividade do legislador infraconstitucional;
c) Eficácia limitada de princípio institutivo, portanto de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida,
dependendo de integração legislativa para dar corpo a instituições, entidades e órgãos;
d) Eficácia limitada de princípio programático, portanto de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida,
estabelecendo programa de natureza governamental a ser desenvolvido através de integração legislativa, visando
à realização dos fins sociais do Estado;
Aula 5
1. O emprego de argumento fundado na reserva do possível fática mira::
a) Enfraquecer a efetividade dos direitos sociais;
b) Fortalecer a efetividade dos direitos individuais;
c) Enfraquecer a efetividade dos direitos estatais;
d) Fortalecer a efetividade dos direitos fundamentais;
2. Na concretização dos direitos sociais, a criação do direito pelo juiz a partir da solução do caso concreto encontra
um grande óbice representado pela escassez de recursos orçamentários do Estado e que a melhor doutrina
denomina de:
a) Reserva do possível fática;
b) Reserva do possível jurídica;
c) Dificuldade contramajoritária;
d) Dificuldade legislativa;
3. Apresenta-se como obstáculo na plena concretização dos direitos fundamentais a questão da falta de
legitimidade democrática do poder judiciário para fixar políticas públicas no lugar do legislador e/ou administrador
eleitos pelo povo. Trata-se no caso da chamada:
a) Reserva do possível fática;
b) Reserva do possível jurídica;
c) Dificuldade contramajoritária;
d) Dificuldade legislativa;
4. São fatores que comprometem a efetividade dos direitos sociais, EXCETO::
a) a crescente inflação de direitos fundamentais;
b) o caráter negativo dos direitos sociais que demandam apenas posturas de não intervenção do Estado;
c) a baixa densidade normativa dos direitos sociais que dependem da ação interpretativa do operador do
direito;
d) o caráter programático dos direitos sociais que se submetem à regulamentação superveniente do legislador
ordinário;