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Direitos das PHIV e Médico com Dupla Responsabilidade (MDR) Maria do Céu Rueff Universidade Lusíada e Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Comunicação Ass.Rep. Lisboa 4 de Fev 2009

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Direitos das PHIV e Médico com Dupla Responsabilidade

(MDR)

Maria do Céu RueffUniversidade Lusíada e Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Comunicação Ass.Rep. Lisboa4 de Fev 2009

HIV/SIDA - Síndroma transmissível diferente de outras doenças

• devido ao modo de transmissão do vírus

• dadas as circunstâncias e tempo de manifestação da própria situação de seropositividade que se tornou essencialmente crónica

HIV/SIDA - Diferença quanto ao modo de transmissão É possível ao portador do vírus ter uma

atitude responsável, tomando medidas que impeçam a transmissão,

ao contrário de outras doenças– transmissíveis por via aérea – de modo independente da atitude

comportamental do seu portador (ou, pelo menos, de maneira muito menos controlável por este, ex. infecções nosocomiais)

HIV/SIDA - Diferença quanto às circunstâncias e tempo de manifestação da doença:

• Pode haver transmissão do vírus sem que o indivíduo infectado registe qualquer sintoma ou sem que tenha havido diagnóstico mediante testes (detecção de anticorpos no sangue)

• HIV/SIDA tornou-se situação essencialmente crónica– a esperança de vida dos seropositivos sob

acompanhamento médico tem vindo a aumentar significativamente

HIV/SIDA, Cronicidade, Anti-retrovirais

• As modernas terapias anti-retrovirais associadas a informação e serviços de saúde adequados determinaram o fim da equação “infecção = morte”;

• Na expressão de J.R. Ayres (2002) já não é a perspectiva da morte que dá sentido às existências dos infectados mas a perspectiva da vida;

• Isto originou o “paradoxo epidemiológico” : à medida que se dá a integração dos grupos excluídos e aumenta a qualidade de vida dos infectados mais frequente se torna a interacção entre todos, pelo que as oportunidades de transmissão poderão aumentar proporcionalmente (Ayres, 2002)

Quanto ao modo de transmissão do HIV Medida preventiva por excelência: responsabilização

de todos e também dos portadores de HIV Pressupõe (por parte do sistema de saúde):• Reconhecer a plena autonomia do doente como

cidadão titular de direitos e deveres• Informação• Acolhimento e Integração• Cativar da confiança • Respeito pelos Direitos Humanos• Salvaguarda dos valores da dignidade, integridade e

igualdade dentro do sistema de saúde

Prevenção tendo em conta modo de transmissão e circunstâncias/tempo de manifestação de HIV:

• Ética da responsabilidade (de todos)• Ética da responsabilidade do doente• É preciso atrair ao sistema de saúde os portadores

de HIV• É preciso garantir-lhes o pleno exercício da

cidadania em igualdade de circunstâncias (princípio da igualdade e da não-discriminação, no caso concreto em função da posse de um vírus ou em função da doença)

Não-Discriminação em função da doença:

• Não há grupos de risco

• Há comportamentos de risco

• Há ainda situações de risco ou exposição (recém nascidos, hemofílicos, vítimas de crimes sexuais)

Logo: Abordagem em termos de direitos humanos é

incompatível com o isolamento como política de saúde pública

Dos comportamentos de risco à vulnerabilidade

• Mudança do paradigma dominante da investigação comportamental para o paradigma da investigação das desigualdades determinantes da progressão do HIV, as quais resultam das estruturas institucionais, históricas e ideológicas.

• Cfr. Mulher, Sida e o Acesso à Saúde na África Subsahariana, (2007) ed. Medicus Mundi Catalunya

Dos comportamentos de risco à vulnerabilidade

• Vulnerabilidade das mulheres e das adolescentes ao HIV directamente relacionada com:

• relações de género,• dependência económica• factores culturais/sociais (acesso desigual à

educação/ formação e papeis pré determinados na sociedade).

“Feminilização” da SIDA:

• Sexo é relação de poder tal como a classe ou etnia • sociedades organizam-se de acordo c/ hierarquias e

sexo feminino é um dos eixos desigualdade nessas hierarquias, tornando as mulheres mais vulneráveis

• muitas têm dificuldade em propor práticas sexuais mais seguras, temendo que os seus parceiros questionem o motivo dessa negociação e partam para a violência

• a mulher casada é vulnerável, pois nem sempre consegue usar práticas de sexo seguro com o seu parceiro sexual (único)(Richard Parker Presdt da Assoc Brasileira de Aids, entrev. Jornal O Estado de São Paulo 5/12/2004)

Dos comportamentos de risco à vulnerabilidade

• Entre os aspectos de vulnerabilidade em geral destacam-se:

• Pobreza e exclusão de base racial;• Sistema de trabalho migratório;• Rigidez de papeis e condutas nas relações de

género;• Intolerância à diversidade, especialmente de opção

sexual;• Diálogo limitado com as novas gerações e a

incompreensão das gerações mais velhas (MedicusMundiCatalunya, 2007 /Ayres, 2002)

Evolução da epidemia e Factores que dificultam a prevenção do HIV/ Sida• A propagação HIV tem-se desenrolado também fora dos

grupos em que deflagrou inicialmente;• surge associada a todo um conjunto de factores

cruzados, que tocam as estruturas múltiplas em que assentam as nossas sociedades e não por pertença a certo grupo.

• Dificultam a prevenção os próprios vínculos jurídicos em que assentam tradicionalmente as nossas estruturas sociais e

• os valores do mundo vivido (Habermas) nas sociedades contemporâneas (multiculturais)

Factores que dificultam a prevenção de HIV/ Sida:

• preceitos – de cariz normativo ou não - que limitam a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, tornando estas economicamente dependentes daqueles e portanto muitas vezes não livres ou, pelo menos, não inteiramente livres de se lhes opor (“negociar” ?) em caso de escolha de prática sexual não segura

• outros preceitos, que podendo acautelar embora certos direitos como acontece no campo laboral em certos países da Europa, não chegam para acautelar todos os sectores da vida, de onde também podem brotar comportamentos de risco (Exemplo: enquanto um homem que pratica sexo com homens, seguro de si, profissional, pode ser capaz de tomar medidas para se proteger, já o mesmo pode não se passar com uma mulher cuja única fonte de rendimento é ser trabalhadora do sexo - Anne Scully, 1996)

Repressão não é o caminho

Não são adequadas medidas legais que determinem:• testes obrigatórios para trabalhar, casar e viajar e possível

proibição em caso de se ser HIV positivo• notificação obrigatória das famílias e dos empregadores quanto a

portadores de HIV• isolamento dos portadores de HIV/Sida.Porquanto tais medidas:

– põem em causa os direitos da privacidade, autonomia pessoal, não-discriminação

– têm um efeito contraproducente: levam as pessoas a evitar os testes, afastam eventuais portadores do vírus do sistema de saúde.

– Põem seriamente em questão a eficácia do combate à epidemia.

Propomos uma política de saúde pública com respeito dos direitos humanos

• respeito dos direitos à liberdade, privacidade, autonomia pessoal, igualdade, não-discriminação, liberdade de movimentos e associação, a procriar e a constituir família, ao trabalho, etc.

• garantia de confidencialidade da informação• carácter voluntário dos testes e da notificação ao

parceiro– Pan American Health Organization (2003), “HIV/Sida, discriminação e estigma no

Sector de Saúde”

Paradoxo da SIDA “o respeito pelos direitos humanos

das pessoas infectadas ou em alto risco de infecção é necessário para reduzir a vulnerabilidade à infecção das pessoas não infectadas”

(Michael Kirby)

Médico com Dupla Responsabilidade (MDR)

Nesta encruzilhada surge o MDR caracterizado por:

• ter, concomitantemente, uma relação com o doente e outra com uma pessoa/instituição a quem ele próprio presta os seus serviços clínicos.

• ter um pé no sistema médico e outro nos vários sistemas que possa integrar em função das suas actividades profissionais, desde o sistema do Direito do Trabalho, ao sistema judicial, prisional, passando pelo das companhias de seguros e outros.

• caber-lhe fazer a ponte entre as pessoas vivendo com HIV e determinadas instituições ou sistemas com que estas se relacionam.

MDR segundo CDOM (CódDeontOrdMédicos)

• MDR só pode consultar o processo clínico do examinado com conhecimento prévio deste e seu médico assistente.

• Quando revela os resultados do exame pericial para que foi convocado, tal revelação tem de ser levada a cabo sempre com consentimento do doente.

• A comunicação dos resultados é feita exclusivamente à entidade mandante (entidade empregadora, Companhia de Seguros, Junta, Tribunal ou outro).

MDR segundo CDOM (CódDeontOrdMédicos)

• A comunicação dos resultados da missão pericial exclui qualquer comunicação a terceiros, entendendo-se como tais todas as pessoas ou entidades exteriores ao triângulo MDR, doente e entidade requerente (por ex. Imprensa, quando a entidade requerente é o Tribunal, ou Companhia Seguradora se a entidade requerente é a entidade empregadora e vice versa).

MDR segundo CDOM (CódDeontOrdMédicos)

• Quando chamado pela máquina judicial a dar apoio técnico ao Juiz (tendo por missão revelar conhecimentos médicos a este), MDR tem a sua função de tal modo delimitada e circunscrita que se encontra efectivamente sujeito a sigilo.

• A fronteira do que pode ou não dizer traça-se, no interior– ou do próprio segredo médico, – ou do segredo médico intrincado com o segredo de

justiça.• Resulta a salvaguarda da integridade da relação

médico-doente no seu cariz deontológico de sigilo

Acórdão do Tribunal Constitucionalnº 368/2002, de 25 de Set. (dados relativos à saúde dos

trabalhadores numa empresa)• Analisou questão da criação de banco de dados sobre o

estado de saúde dos trabalhadores, bem como a falta de garantias sobre a recolha, o tratamento e acesso aos dados em causa. Baseou a sua argumentação em três aspectos diferenciados:

- fichas onde se encontram os dados; - segredo médico e respectivo tratamento pelo CDOM;- protecção conferida pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro

(LPDP), relativa à protecção dos dados pessoais e à circulação desses dados.

Acórdão do Tribunal Constitucional(dados relativos à saúde dos trabalhadores )

Dec-Lei 109/2000, 30 de JunhoFichas onde se encontram os dados - distinção entre• Ficha clínica - onde são anotadas ‘as observações clínicas

relativas aos exames médicos’ (artigo 20.º, n.º 1), e que se ‘encontra sujeita ao regime do segredo profissional, só podendo ser facultada às autoridades de saúde e aos médicos da Inspecção Geral do Trabalho’ (artigo 20.º, n.º 2)

• Ficha de aptidão - igualmente preenchida pelo médico do trabalho, que deve ‘remeter uma cópia ao responsável dos recursos humanos da empresa’ (n.º1), mas a qual ‘não pode conter elementos que envolvam segredo profissional’ (n.º3)

Acórdão do Tribunal Constitucional(dados relativos à saúde dos trabalhadores )

Conclusão• O médico do trabalho não pode transmitir ao

empregador, sob pena de violação do segredo profissional (art.º 195.º do C. Penal), qualquer indicação que traduza um diagnóstico sobre o estado de saúde

• Consequentemente, não é possível a criação de um banco de dados sobre o estado de saúde dos trabalhadores no âmbito da própria empresa empregadora

Código do Trabalho e Regulamentação• Código do Trabalho (CT - Lei n.º 99/2003, de 27

Agosto) e Regulamentação do CT (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho) toda esta doutrina foi confirmada, encontrando-se entre os artigos 244.º a 250.º deste último diploma.

• Responsabilidade vigilância da saúde cabe ao médico de trabalho, existindo exames de admissão, periódicos e ocasionais e instituindo-se cooperação c/ médico assistente (arts 244.º e 245.º).

Código do Trabalho e Regulamentação

• As observações clínicas relativas aos exames de saúde são anotadas na ficha clínica, que se encontra sujeita ao segredo profissional, só podendo ser facultada às autoridades de saúde e aos médicos da Inspecção-Geral do Trabalho (art. 247.º).

• Os resultados dos exames de admissão, periódicos ou ocasionais são anotados pelo médico do trabalho numa ficha de aptidão, da qual é remetida uma cópia ao responsável dos recursos humanos da empresa (vigorando a Portaria nº 299/2007, 16 de Março, que refere: apto/ apto condicionalmente / Inapto temporariamente / Inapto definitivamente).

Natureza das fichas e acesso às mesmas

• Assegura-se desse modo a não discriminação do trabalhador no âmbito empresarial, bem como a não exclusão de acesso ao emprego de certas pessoas (entre as quais precisamente as que possuem seropositividade assintomática ou VIH)

Presunção de discriminação• Como é difícil ao trabalhador argumentar no campo

do direito processual ou probatório, no caso de haver recusa de posto de trabalho, ou despedimento, por motivo de doença, maxime por se estar infectado por VIH, propomos:

• a consagração de uma presunção de discriminação, nos termos propostos pelo Procurador A. Benardo Colaço (2003): recai sobre a entidade empregadora a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da relação contratual, de modo a desfazer essa presunção (com suporte nos artigos 342º e 344º, ambos do C. Civil).