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Direitos das Coisas.
Prof. Firmino Carlos
Face: Firmino Carlos
(21) 99255-4612
DA POSSE
POSSE – Fato ou Direito Real?
E vamos que vamos..........
A teoria brasileira apoia a tese de que posse pertence ao mundo dos
fatos. Não sendo, entretanto, um fato qualquer, muito ao contrário, é um fato
de relevante interesse social. Os efeitos da posse se convertem em ato com
proteção da lei. Na visão de Savigny, a posse em si mesma seria um fato, mas
os seus efeitos já se converteriam em direito, já que merecem a proteção da
lei. A posse, hoje, pode se estender tanto a bens corpóreos quanto a bens
incorpóreos.
Quanto aos direitos, entretanto, também há uma controvérsia,
entendendo a maioria que só os direitos reais são suscetíveis de posse.
Enquanto que na outra corrente, minoritária, entende-se que qualquer direito,
incluindo os pessoais, seria suscetível de posse. Hoje vamos começar a nossa
aula falando sobre duas teorias, que se criaram sobre os elementos da posse e
sua caracterização; muitas outras teorias existem de diferentes autores, mas
pode-se dizer que todas elas ou quase todas elas gravitam em torno dessas
duas com pequenas variações; essas duas grandes teorias se debruçam sobre a
posse e surgiram no século XIX.
A 1ª delas, a mais antiga, é a teoria subjetiva, criada por Savigny, que
para grande humilhação nossa, com 24 anos, já catedrático da Universidade de
Hidelberg, escreveu um livro famoso chamado “Tratado sobre a Posse”, no qual
lançou as bases da sua teoria, partindo dos textos do direito romano, já que ele
era professor de direito romano naquela universidade. Partindo dos textos
clássicos do direito romano, Savigny construiu seu pensamento sobre o direito
da posse, segundo a qual, para que alguém pudesse se considerar possuidor era
preciso que se reunissem dois elementos indispensáveis:
1º) O elemento objetivo – chamado corpus; corpus seria o poder físico
sobre a coisa, não necessariamente o contato físico, mas o poder físico sobre a
coisa, sem o qual não haveria posse, mas não bastaria esse poder físico, era
necessário outro elemento, subjetivo, chamado animus domini (intenção de
ter para si algo como próprio), como seu proprietário, como seu dono. Se só
existisse o corpus, se não estivesse presente a intenção, não teríamos posse e,
sim, detenção. Para Savigny, portanto, a detenção seria o poder físico de ter a
coisa, mas sem a intenção de tê-la como dono.
A teoria de Savigny, a rigor, deveria se chamar teoria mista ou
eclética, porque, para caracterizar a posse, deveriam se reunir os dois
elementos o objetivo, que é o corpus e o subjetivo que é o animus domini.
2º) O elemento subjetivo - que é o animus domini. Como Savigny dava maior
ênfase ao elemento subjetivo, a intenção de ser o dono da coisa, convencionou-
se chamar a teoria de Savigny apenas de teoria subjetiva, o que poderia levar o
estudante desavisado a supor que, para a posse, bastaria a intenção de ser o
dono.
Fácil será perceber que, pela teoria de Savigny, pessoas como o
locatário, o comodatário, o depositário, os otários....., como lhes falei, nenhuma
dessas pessoas poderia diretamente defender a posse, porque não eram
possuidores; são apenas meros detentores, sabem que têm que devolver a
coisa. Falta-lhes o animus, têm apenas o corpus. Ex.: Um barqueiro que remava
para uma ilha – ele tinha o poder físico sobre o barco, os remos, as águas do
mar; ele era possuidor do remo e do barco, mas não era da água do mar, porque
sabia que não poderia ser seu dono.
Assim, se, por exemplo, se eu fosse locatário de um imóvel e o vizinho
o invadisse, eu, como locatário, pela teoria de Savigny, não poderia diretamente
defender a posse, e teria que contar com a interferência do locador, porque
esse, sim, poderia defender a posse.
Esse é o grande defeito da teoria de Savigny, porque enfraquece
socialmente a defesa da posse, afastando da condição de possuidor muitas
pessoas que exercem o poder físico de defender a posse, como, por exemplo, o
locatário. O prestígio intelectual de Savigny, apesar de sua pouca idade, fez
com que a sua teoria fosse recebida na Europa como se fosse verdade
absoluta, mas durou pouco o seu reinado. Logo depois, um conterrâneo de
Savigny, outro jurista notável, Rudolf von Ihering, lançou outro livro de
fundamentos da posse em que contesta Savigny, praticamente a demolindo,
pedra por pedra.
Ihering começava o seu livro, elogiando Savigny, reconhecendo seu
prestígio e, muito irônico, dizia que o tratado sobre a posse, daí a duzentos
anos, continuaria sendo citado, para depois concluir, entretanto, que tal teoria
serviria apenas como referência histórica, sem nenhum sentido prático. Ihering
tinha essa característica, ele era panfletário, ao contrário de Savigny, que era
mais introvertido.
Então Ihering saiu-se com essa, criando a teoria objetiva, dizendo que,
para a posse não seria necessário o animus domini (a intenção de ser o senhor),
bastaria o corpus, o poder físico. Jhering dizia que para ter a posse era
necessário o animus tenendi (intenção de manter a coisa com ânimo, de ter
sobre a coisa poder físico). Tomemos como exemplo uma pessoa que dorme
profundamente, num estado de inconsciência, e alguém lhe coloca entre os
dedos uma rosa; a pessoa teria a posse da rosa? Ela já tem o poder físico? Não;
não tem o animus tenendi (intenção de manter a coisa com ânimo). Quando essa
pessoa acorda, pode ter dois comportamentos:
1 - acorda, vê a rosa; assustada, sem entender, atira a rosa longe; ela não ficou
possuidora, não teve o animus tenendi;
2 - acorda, vê a rosa, fica encantada, coloca a rosa num vaso na sua casa; não
quer obrigatoriamente ser a dona da rosa, mas quer mantê-la sob seu poder
físico (animus tenendi) – ficou possuidora.
Então não digam, como alguns imaginam que Ihering afastou
inteiramente o elemento animus, o elemento subjetivo; apenas afastou o
animus domini; perguntariam então vocês: Pela teoria de Jhering, o locatário, o
comodatário, o depositário, o credor pignoratício, o usufrutuário, enfim, todas
essas pessoas que tenham o poder físico sobre a coisa, embora não
pretendendo tê-la como dono, todas essas pessoas que, para Savigny são
detentoras da coisa, para Ihering são possuidores?
Esta é a grande vantagem da teoria de Ihering sobre a de Savigny,
porque ela amplia o conceito de posse e, consequentemente, fortalece a defesa
da posse. Se o imóvel do qual eu sou locatário é invadido pelo vizinho, eu posso
defender a minha posse como locatário, sem precisar diretamente da presença
do locador. Isso logicamente fortalece a defesa da posse.
Por isso é que a teoria de Ihering praticamente afastou a teoria de
Savigny. Hoje todos os sistemas jurídicos modernos adotam a teoria objetiva,
e a observação de Ihering foi profética, a teoria subjetiva até hoje é referida,
até hoje é lembrada, mas como referência histórica, não há sistema jurídico
que a adote.
Aí vocês perguntarão: Quer dizer que para Ihering não haveria
detenção, pois se todos aqueles que tenham poder físico sobre alguma coisa
consideram-se possuidores, não haveria a figura da detenção?
Não é verdade. Claro que Ihering continua distinguindo a posse da
detenção. Esse é um ponto importante da aula. Aliás, num dos últimos concursos
em que o Capanema figurou como examinador da banca, uma das perguntas que
ele formulou foi (era um concurso para Procurador do Município do Rio de
Janeiro, mais ou menos há um ano atrás)qual a diferença entre a detenção na
teoria de Savigny e a detenção na teoria de Ihering. O que é o detentor para a
teoria de Savigny e o que é o detentor para a teoria de Ihering?
Eu vou tentar lhes explicar. Como já lhes falei, para Savigny o detentor
seria aquele que tem o poder físico sobre uma coisa, mas sem a intenção de tê-
la como dono. Daí porque se diz que Savigny parte da detenção para chegar à
posse. E há uma frase que explica isso: para Savigny “A posse é uma detenção
enriquecida pelo animus domini.” Portanto o primeiro degrau da escada de
Savigny é a detenção. No momento em que eu pego esse Pilot, tendo sobre ele o
poder físico, eu já seria o detentor; este gesto já me transformaria, para
Savigny, em detentor do Pilot. Mas não em possuidor. Eu só seria possuidor, se
eu tivesse a intenção de ser o dono da caneta. Então reparem que Savigny
parte da detenção, que se instala no momento em que se tem a coisa sob o
nosso poder físico e chega à posse, se esta detenção for enriquecida pelo
animus domini.
Já Ihering faz um caminho rigorosamente oposto; Savigny parte da
detenção para chegar à posse, quando a detenção é enriquecida pelo animus
domini; Ihering parte da posse, desce para a detenção, quando essa posse é
degradada pela lei. Vou explicar melhor, para Ihering a detenção é uma posse
degradada pela lei.
Vou dar um exemplo concreto, para que vocês vejam que isso é
realidade. Eu tenho, uma casa fora do Rio, em Rio das Ostras; depois de dois
assaltos eu acabei contratando um caseiro, ele mora na minha casa; ele tem o
poder físico sobre a minha casa muito maior do que eu; enquanto eu vou lá
esporadicamente, ele mora lá, ele planta no quintal da minha casa, ele dorme lá,
ele tem todo o poder físico sobre a minha casa em Rio das Ostras; quem passa
pela rua pensa que ele é o dono, ele mora lá. Então esse caseiro seria possuidor,
porque ele tem o poder físico sobre a minha casa, mas ele não é. O caseiro não
possui a minha casa. Sabem por quê? Porque a lei retira dele essa condição de
possuidor. A lei diz que ele não é possuidor. Vocês vão entender nitidamente,
se lerem o artigo 1.198, o que é detenção para Ihering.
Ihering dizia que detenção é a posse degradada pela lei. O art. 1.198, e
primeiro no art. 1.196, ele diz que considera-se possuidor todo aquele que tem
de fato o exercício pleno ou não algum dos poderes inerentes à propriedade.
O meu caseiro não tem dois dos poderes inerentes à propriedade. Ele
usa a minha casa e ele frui a minha casa, porque ele planta lá e, até segundo eu
sei, ele vende lá alguns produtos. Então ele usa e frui a minha casa. Ele seria
um possuidor. Claro que, pelo art. 1.196, ele tem o exercício de fato de dois
poderes inerentes à propriedade. Mas o art. 1.198 diz: “considera-se detentor
aquele que, achando-se na situação de dependência para com outro, conserva a
posse em nome deste, e em cumprimento de ordem ou instrução sua”. O meu
caseiro só está lá para conservar a minha posse, para eu saber que chegando lá,
encontrarei a casa a minha disposição, e não já depenada por um ladrão. O
caseiro está cumprindo minhas instruções. Eu digo: não deixe ninguém entrar,
sem minha expressa autorização. Então, a lei diz ao meu caseiro: você não é
possuidor, portanto, dessa casa, você é detentor. Reparem que a lei degradou a
posse do meu caseiro, diminuindo-a e convertendo-a em detenção.
Um outro exemplo, está no art. 1208, não induzem posse os atos de
mera permissão ou tolerância. Exemplo: eu tenho um terreno e sou amigo íntimo
do meu vizinho e o meu vizinho diz: “Firmino, você já percebeu que, se eu
passar pelo seu terreno, chego mais facilmente à rua? Você me autoriza passar
pelo seu terreno, para ganhar tempo, chegando à rua?” Digo-lhe: “você pode
passar a hora que você quiser”. Pergunto eu a vocês: a partir desse momento, o
meu vizinho não estará tendo um poder físico sobre o meu terreno? Ele não
está usando o meu terreno com passagem para a rua? Isso é um dos poderes
inerentes à propriedade. Ele então seria possuidor do meu terreno. Mas não é.
O código diz que nessas circunstâncias ele é detentor, mas jamais possuidor,
porque a lei lhe nega a condição de possuidor.
E mais ainda, continua o art. 1208, para mim também não induz em
posse os atos violentos ou clandestinos, até que cesse a violência ou a
clandestinidade. Imaginem que alguém invada hoje a minha casa e se instale lá
dentro, contra a minha vontade, praticando um esbulho, um ato violento; mas
ele já está dentro do meu terreno, ele armou uma barraca no meu terreno e
passa a dormir nessa barraca. Ele seria possuidor. Ele está exercendo um dos
poderes inerentes ao domínio. Enquanto eu estiver resistindo a isso, enquanto
eu estiver tentando retirá-lo do meu terreno, ele não será possuidor, porque a
lei lhe retira essa condição.
Então Ihering dizia que não basta o poder físico sobre a coisa, é
preciso, também, que a lei reconheça, nesse poder físico, a posse, porque a lei
pode negar a existência da posse ou degradá-la, convertendo-a em detenção. A
empregada doméstica que dorme no quarto de empregada tem o poder físico
sobre parte do apartamento, mas jamais será possuidora do quarto de
empregada, porque, se o fosse, quando você despedisse a empregada, ela iria se
valer do interdito possessório, para não devolver o quarto de dormir. Então
vocês vejam que caseiro, vigia, empregada doméstica, todas essas pessoas que
exercem o poder físico sobre uma coisa, mas às quais a lei nega a condição de
possuidor, são detentores.
Então, por favor, não digam, como alguns responderam nessa prova, e,
por isso, foram reprovados, não digam que não existiria a figura de detenção na
teoria de Ihering, porque bastaria o poder físico para caracterizar a posse.
Para Savigny a posse é uma detenção enriquecida pelo animus domini;
então, quando você tem o poder físico sobre a coisa, e enriquece esse poder
físico com a intenção de tê-la como sua, você chega à posse, transforma-se em
possuidor.
Para Ihering, a detenção é uma posse degradada pela lei. Existirá
detenção, quando a lei disser que, embora você tenha o poder físico sobre a
coisa, não é possuidor. Ficou bem entendido? Não tem que decorar, tem que
entender.
Portanto, tanto na teoria de Savigny, quanto na de Ihering, existe
posse e detenção, como coisas diferentes, só que a visão é com outro ângulo. O
conceito é por outro ângulo. Por isso mesmo que Ihering criou uma frase que
também ficou famosa, que muitos operadores de Direito repetem, mas não
sabem bem explicá-la. Ihering foi quem disse que “a posse é a exteriorização, a
visualização do domínio”. Certamente, vocês já ouviram essa frase. Posse é a
exteriorização do domínio. Domínio é, hoje, sinônimo de propriedade. Domínio é
para coisas corpóreas; propriedade é para coisas corpóreas e incorpóreas. A
rigor, não é.
Há uma diferença entre domínio e propriedade. É que domínio é uma
palavra mais restrita do que propriedade. Propriedade é mais que domínio;
tem-se propriedade da energia, do direito, do gás, mas não se tem domínio da
energia, do direito, do gás. Para Ihering, posse é a exteriorização do domínio,
da propriedade. Se você quiser saber se eu tenho a posse da caneta, tem que
ver se eu estou me comportando com a caneta, como se fosse o proprietário.
Usar é comportamento que o proprietário da coisa tem. Você visualiza a
propriedade no meu comportamento – sou possuidor; a não ser que a lei
degrade a minha propriedade.
Se uso ou tiro utilidades econômicas, sou possuidor, porque o
proprietário também poderia fazê-lo. Muitas pessoas que não estudam mais
profundamente a teoria da posse pensam que para a teoria de Ihering não é
necessário o animus; não é verdade, ele afastou o animus domini, mas ele
reconhecia que para haver posse é necessário haver um mínimo de intenção
pela coisa, mas não como dono, por isso Ihering dizia que era necessário o
animus tenendi, que não se confunde com animus domini.
Qual seria a diferença? É que o animus domini é a intenção de ter a
coisa como sendo seu proprietário, senhor, o dono. E o animus tenendi é apenas
a intenção de manter a coisa com ânimo.Posse é diferente de propriedade. Eu
chego e falo sou proprietário da caneta; vocês têm pedir para eu provar; eu
teria que exibir um título aquisitivo da propriedade: nota fiscal, (doação,
formal de partilha em outros casos); enquanto não exibir um título, não é
considerado proprietário. Quando eu falo que sou o possuidor da caneta, não há
necessidade de provar com título; o título é o fato de estar com a caneta na
mão, usando-a; está exercendo de fato um dos poderes da propriedade: o uso.
Posse é fato. Como pode ser direito, se posso deixar de mostrar o título
aquisitivo?.
Ihering decompôs a posse em: DIRETA e INDIRETA.
POSSE DIRETA - É aquela que é transferida temporariamente de uma
pessoa a outra, em razão de contrato ou de direito real, ex.: locatário tem
posse direta, foi transferida temporariamente, que é o tempo de locação, em
razão do contrato de locação. Comodatário e usufrutuário também têm a posse
direta. Há posse direta que nasce de contrato (locatário);há posse que deriva
de direito real (usufruto, servidão).
POSSE INDIRETA - Aquele que transfere a posse temporariamente a
outrem, em razão de contrato ou direito real tem a posse indireta; o locador
continua a ser possuidor indireto.
Ao dividir a posse (direta e indireta), sua defesa se fortaleceu.
A vizinha invadiu o terreno que eu aluguei a Carla...
1ª solução:
Carla , sozinha, como possuidora direta do terreno, vai defender sua posse
através do interdito possessório. Não precisa nem me comunicar. Ela, como
possuidora direta, vai entrar com AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE e vai
se apresentar ao juiz como possuidora direto do terreno.
2ª solução: eu entro como locador, possuidor indireto; eu também sou
possuidor, também posso defender a posse; então, entro sozinho como locador,
com AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, e não dependo da locatária
concordar ou não.
3ª solução: eu (locador) e a locatária entramos como litisconsórcio ativo na
AÇÃO POSSESSÓRIA, porque ambos somos possuidores. Qual a diferença
para teoria subjetiva? Nessa mesma hipótese, só quem poderia defender a
posse seria o locador; o locatário não poderia; ele é detentor. Na teoria de
Jhering temos 3 soluções:
1- só o locatário defende a posse;
2- só o locador defende a posse;
3- ambos, locador e locatário, defendem a posse; então, reparem que, pela
Teoria de Ihering, a defesa da posse fica inteiramente fortalecida. O
leigo não consegue distinguir isso bem. Ele confunde Posse própria/
Posse direta/Posse indireta.
POSSE PRÓPRIA - É aquela que o proprietário da coisa exerce sobre ela
diretamente, ex.: eu sou proprietário dessa casa em Rio das Ostras; eu tenho
em relação a essa casa uma posse própria; eu a estou exercendo. A posse é um
consectário da propriedade. Quem é proprietário de uma coisa tem direito à
posse dessa coisa. É a posse própria. Até porque, mais uma vez Ihering, de
quem vocês já perceberam eu sou um seguidor, e que tem uma frase que eu
considero genial, que eu gostaria de tê-la escrito, que dizia: a propriedade sem
a posse é como a rosa sem aroma, ou como o tesouro trancado em um cofre
cuja chave se perdeu.
Quer dizer que ter propriedade sem posse nada adianta. Dizia também
Ihering que a posse é a otimização econômica da propriedade. Posse é aspecto
econômico da propriedade. A propriedade de uma coisa pode não lhe trazer
nenhum benefício econômico imediato. O benefício econômico vem da posse. É
por isso que quem é proprietário de uma coisa tem direito à posse. Porque a
posse é consectário natural da propriedade. Isso é a posse própria. Se eu sou
proprietário de um apartamento, e moro nele, eu tenho desse apartamento uma
posse própria. Eu não sou possuidor direto, eu sou possuidor próprio. Aí, eu
resolvo alugar o meu apartamento. Eu me mudo para uma casa maior e alugo o
meu apartamento. No momento em que alugo, deixo de ter posse própria, e
transformo minha posse própria em posse indireta, e o locatário passa a ser o
possuidor direto. Essa é que é a diferença.
Posse própria é a posse exercida sobre a coisa pelo proprietário. Posse
direta é aquela que se transfere a alguém temporariamente, e posse indireta é
a conservada pelo proprietário, enquanto locador.
Assim, a posse é dinâmica. Se sou proprietário do imóvel e moro nele,
tenho posse própria. Se o alugo, passo a ter posse indireta e a pessoa a quem
aluguei passa a ter posse direta. Agora !!! Todos podem defender a posse!
Porém, pela teoria de Savigny, não existe posse direta. Para Savigny, posse
direta é detenção. Savigny diria: como? Locatário? Possuidor direto? N Â O
OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!! Locatário é detentor.
Então, essa dicotomia de posse direta e indireta só se aplica na Teoria
de Ihering.
Assim, vimos o assunto POSSE pela teoria objetiva e pela teoria
subjetiva. A posse em nome próprio é a posse do proprietário. Também aí,
meus amigos, é preciso fazer uma distinção entre jus possessionis e jus
possidendi . Se vocês não entenderem essa distinção, vocês não entenderão
mais adiante o interdito possessório. Há uma diferença fundamental entre jus
possessionis e jus possidendi.
JUS POSSESSIONIS - tradução literal: DIREITO DA POSSE. São os
direitos que a posse confere ao possuidor.
Quem é possuidor de uma coisa tem certos direitos. A posse em si é
FATO, mas os efeitos são DIREITOS. Por isso chamados JUS
POSSESSIONIS, direitos decorrentes da posse. Savigny aí foi feliz. Se eu
sou possuidor da coisa eu tenho direito a defender a posse. Eu tenho direitos
aos frutos produzidos pela coisa. Eu tenho direito à indenização das
benfeitorias que eu fiz na coisa. Esses são jus possessionis. Eu vou-me
importar e exercer esses direitos, porque sou possuidor da coisa. Para evocar
o jus possessionis, eu tenho que provar que já sou o possuidor da coisa. Porque
esses diretos emanam da posse. Nascem da posse. Se eu não sou possuidor, não
tenho o jus possessionis.
Qual é a consequência prática disso? É que, para você ajuizar uma ação
possessória, a primeira coisa que você tem que provar, para mostrar que você é
parte legítima, é que você já foi possuidor da coisa e que perdeu a posse em
razão de esbulho, ou que você ainda é possuidor da coisa e ela está sendo
furtada. Enquanto você não fizer esta prova, o juiz nem sequer despacha a
inicial, porque o interdito possessório, ou seja, a ação possessória, é um direito
da posse. Então, você só pode ajuizar interdito possessório, se você provar que
já teve a posse, e a perdeu em razão de esbulho, ou que você ainda tem a posse,
mas ela está sendo ameaçada ou furtada. Porque no interdito possessório, o
que você invoca em seu favor é a jus possessionis e o primeiro dos direitos da
posse é defender a posse. Quando eu me torno possuidor de uma coisa, eu
adquiro imediatamente o direito de defender essa posse contra a ingerência de
terceiros.
JUS POSSIDENDI - É o direito à posse, ou seja, de uma posse que eu ainda
não tenho. Quem é que tem o jus possidendi? É aquele, por exemplo, que
adquire a coisa. Se eu comprei um apartamento, eu tenho jus possidendi. Eu
tenho direito à posse. A minha posse é inerente à propriedade, ao lado
econômico da coisa. De que me adiantaria comprar um apartamento, se eu
jamais teria a posse? Grande negócio, não é? Comprei o apartamento, e jamais
exercerei a posse! De que me adiantou? Então, quem compra uma propriedade
ou uma coisa tem imediatamente o jus possidendi. Eu tenho direito a ter a
posse dessa coisa.
Ex.: eu sou locatário de um imóvel que é invadido pelo vizinho. Então, eu vou
ajuizar uma ação possessória, invocando o jus possessionis, porque eu era o
locatário desse imóvel e perdi a posse direta, quando o vizinho invadiu e me
expulsou. Isso é o jus possessionis.
Outro exemplo: comprei um apartamento, e o vendedor não me entregou as
chaves do apartamento. “Olha, eu me arrependi, e não vou entregar o
apartamento.” Que ação vou mover contra ele? Não é ação possessória. Se
disserem que é interdito possessório, não digam que foram meus alunos, pois
caberia uma ação de perdas e danos morais! (Risadas.) Isso já aconteceu
comigo.
Se vocês ajuizarem ação possessória, para conseguir a posse de um
apartamento que vocês compraram, não digam que foram meus alunos. Vocês
vão ter que entrar com uma ação reivindicatória. E aí vocês vão invocar não o
jus possessionis, mas sim o jus possidendi. Como vocês compraram o
apartamento, vocês têm direito à posse, que ainda não obtiveram. Há muitos
operadores do Direito que não distinguem jus possessionis de jus possidendi.
Eles ajuízam interdito possessório para a posse da coisa que eles nunca
tiveram. O juiz não pode aproveitar o interdito possessório, convertendo-o em
imissão na posse. A importância é descobrir o jus possessionis, que são os
direitos de quem já é ou já foi possuidor, e o jus possidendi, que é o direito de
quem tem direito à posse, mas ainda não a teve.
O CC/02 começa lá pelo art. 1196 (direito das coisas – arts. 1196/1510)...
Como eu lhes falei, o CC/02 não define propriamente a posse. Ele prefere dizer
quem pode considerar-se possuidor.
Art. 1196 – Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. (Natureza jurídica
da posse: matéria fática com tratamento de direito.) Este artigo é a teoria
objetiva de Ihering.
No art. 1197, vocês vão ter logo a distinção entre posse direta e indireta.
Vejam a importância dessa distinção.
Art. 1197 – A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta,
de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender sua posse
contra o indireto.
Não adianta prosseguir, se você não tiver noção correta de posse direta
e posse indireta. Olhem que definição perfeita: considera-se direta a posse
direta de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude
de direito pessoal ou real. Não anula a indireta de quem aquela foi havida.
Redação copiada do código anterior. Por isso a linguagem é para não entender,
logo eu acho até que o NCC poderia ter simplificado mais a linguagem, mas eu
acho que com a explicação que eu lhes dei anteriormente dá para entender o
assunto.
Vejam só, começa assim: a posse direta não anula a indireta, que é a de
quem a transferiu de maneira inversa. Por isso que eu expliquei antes de ler o
artigo. E a parte final do artigo é surpreendente também. Eu acabei de dizer a
vocês o que é posse direta e posse indireta. Eu quero lhes dizer que no conflito
entre posse direta e indireta ganha a direta. Não dá para entender isso,
porque diz o código: “podendo o possuidor direto defender sua posse contra o
possuidor indireto”.
Vou dar um exemplo: Bruno alugou seu apartamento para Fellipe. Fellipe
é o locatário e Bruno é o locador. Fellipe é o possuidor direto e Bruno é o
possuidor indireto. Dois dias depois, 5 horas da manhã, toca a campainha na
casa de Fellipe. Ele abre a porta, é Bruno, é o locador. “Eu passei aqui para ver
se você está cuidando bem da minha casa. Conversam. Tudo bem. No dia
seguinte, a mesma coisa. E no dia seguinte, e no seguinte, também. Sabem o que
Fellipe locatário vai fazer? Vai entrar com ação de manutenção de posse contra
o locador. Mas como? Ele está movendo ação contra o proprietário? Não! Ele
não está propondo ação contra o proprietário. Ele está propondo ação contra o
possuidor indireto, que está turbando sua posse direta (do locatário).
Então, notem que o possuidor direto pode defender sua posse contra o
indireto, se o indireto começar a turbar.
Vejamos outro exemplo: o locador chega à casa: “Rua, todos para fora,
estou precisando da casa”. O locatário vai entrar com ação de reintegração de
posse contra o locador. Todos pensam que o proprietário ganha sempre do
possuidor. Com essa ideia, como posse é fato, direito ganha do fato. N Â O!
Geralmente quem perde é o locador, porque, se houve um conflito entre o
possuidor direto e o possuidor indireto, quanto à posse, quem ganha é o
possuidor direto, e é isso que a parte final do 1197 diz. Então, quanto à posse, o
possuidor direto pode defender a posse contra turbações e esbulho praticados
pelo possuidor indireto.
O art. 1198 define o que é detentor, diferentemente do antigo código,
que dizia: “Não é possuidor aquele que...” e deixava para os doutrinadores dizer
o que ele era, já que não era possuidor. Já o novo código civil, em seu art. 1198,
define detentor, e acaba com aquele problema.
Art. 1198 – Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de
dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas. Agora, sabemos quem é que
conserva a posse em nome de outro. A resposta está no código. Chama-se
detentor, considera-se detentor. Vejam como as coisas vão melhorando.
E mais, o parágrafo único cria a figura da detenção presumida, quer
dizer, quem começa a se comportar em relação à coisa como se comportaria
aquele que recebe ordens de outro, se presume ser detentor. Exemplo: alguém
se posta na porta e diz “Aqui não entra não, porque é propriedade privada”. Ele
está se comportando, como se comportaria se tivesse recebido ordens, então
se presume detentor. Aquele que começa a agir em relação à coisa, como agiria
aquele que detivesse a posse, é detentor. É a chama detenção presumida
(parágrafo único do art. 1198). Aliás, o detentor, quando exerce a posse em
nome de outro, recebe o nome sofisticado de fâmulo da posse. Fâmulo da posse
é o detentor. Outros falam em serviçal da posse. Estão ali para defender a
posse de outro.
Agora, no art. 1.199, chegamos a uma figura nova: COMPOSSE, ou seja,
na regra geral é que a posse seja exclusiva, porque isso atende à necessidade
humana. O ser humano não gosta de dividir nem a posse, nem a propriedade. É
impressionante. O ser humano quer a posse e a propriedade só para si. Ele
reage à divisão da posse e da propriedade. Não tenham dúvida. É instintivo.
Composse é a posse conjunta exercida por várias pessoas sobre a mesma
coisa. Condomínio é a propriedade conjunta exercida por várias pessoas sobre a
mesma coisa. Então, a composse está para a posse, assim como o condomínio
está para a propriedade. Ambos são antinaturais. Por isso mesmo, ambos,
tanto a composse quanto o condomínio, são fatores geradores de turbulência,
conflitos, violência, porque a composse e o condomínio contrariam a natureza
humana. Você tolera a composse, mas você quer a posse só para si. E é aí que
surge o conflito. A regra de ouro da composse está aí, no final do art. 1199:
qualquer um dos compossuidores poderá exercer sobre a coisa todos os atos
possessórios, desde que não excluam os atos dos outros compossuidores.
CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
A posse não é igual para todos. Há várias classificações para a posse,
provocando efeitos diferentes, importantíssimos: - posse própria; - posse
direta; - posse indireta, como já lhes falei.
POSSE PRÓPRIA - é a exercida pelo proprietário da coisa;
POSSE DIRETA - é a daquele que recebe de outro a posse de uma coisa,
temporariamente, em razão de direito pessoal ou real;
POSSE INDIRETA - é a conservada por aquele que transfere,
temporariamente, a posse direta a outro.
POSSE INJUSTA - é aquela que está contaminada por algum vício. Ela tem
defeitos na sua origem. Ela nasce maculada de defeitos. Quais são os vícios da
posse? - Vis, clan et precário. Desde o direito romano, identificam-se 3 vícios
da posse: VIOLÊNCIA, CLANDESTINIDADE e PRECARIEDADE. Basta que a
posse tenha um desses vícios para ser injusta. Basta um.
VIS, é violência, força. Basta que a posse tenha sido adquirida por um ato de
força, um esbulho, invasão. Você adquire um imóvel e precisa construir sua
casa, e invadem o terreno; aparecem a sua frente pessoas que expulsam de lá o
proprietário ou o possuidor atual e adquirem a posse, então você tem uma posse
injusta, porque ela já nasceu maculada pelo vício da violência. Essa violência
pode ser física, pode ser moral, uma ameaça. “Olha, se você não sair, eu vou
matar teu filho”. É uma violência moral, coação, dano moral. “Vou revelar o teu
segredo”, em suma, quando a posse se adquire com ameaça, usando a força
física, é uma posse violenta, portanto injusta.
CLANDESTINIDADE, é a posse que se adquire através de um disfarce, para
que o proprietário não perceba, por exemplo: eu preciso guardar um material
meu, não tenho onde, então eu vejo um terreno que tem uma grande pedra no
meio, e sei que o proprietário passa pela rua mas não entra no terreno. Então
eu guardo o meu material atrás da pedra, de maneira que o proprietário não
perceba que eu estou utilizando o terreno dele. Isso é uma posse clandestina,
sinônimo de disfarçada, escondida, exatamente para que o proprietário,
ignorando essa posse, não perceba a violação, não defenda a sua posse. Ou,
então, alguém usa o terreno do outro, à noite, na calada da noite, quando
percebe que o proprietário está dormindo; isso é clandestinidade, posse obtida
pelo disfarce.
PRECARIEDADE, se você perguntar a alguém “o que é uma posse precária? ”
Não responderiam certo. Posse precária é a obtida com abuso de confiança,
traindo a confiança do proprietário. Exemplo: eu empresto o meu apartamento
a um amigo, por um ano. É uma posse justa. Terminado o prazo de 1 ano, eu digo
para ele que, “agora, eu quero o apartamento; eu te ajudei por 1 ano, agora eu
quero o apartamento”. Ele diz: “Ah!, daqui eu não saio”. “Mas eu te ajudei,
deixei você morar de graça por 1 ano, agora eu quero o apartamento”. “Ah!,
daqui eu não vou sair mesmo”. A partir desse momento, a posse que ele pratica
está sendo injusta e precária, porque ele abusou da minha confiança. Ele traiu a
minha confiança. Eu confiava que, ao terminar o contrato, ele me devolvesse o
imóvel. Então vamos definir. Posse precária é a posse direta em que o possuidor
direto não devolve a posse. Então, a posse que era direta e justa, transforma-
se em posse precária e injusta. É o caso do locatário que se recusa a devolver
o imóvel, ao terminar o contrato. É o caso do comodatário. É o caso do
depositário que não devolve a coisa ao depositante. Associem, portanto, a
precariedade da posse ao abuso de confiança. A clandestinidade é o disfarce, é
o escondido.
Assim, a posse justa é a que não está contaminada por qualquer desses
vícios, ex.: o locatário alugou o apartamento por um ano; está pagando o
aluguel, está cumprindo todo o contrato; é claro que se trata de posse justa.
Ele não obteve pela violência; não é disfarçado, porque o locador lhe transmitiu
a posse; não está abusando da confiança do locador, portanto tem-se uma posse
instituída por um contrato, tem-se uma posse justa.
Porém não confundam posse justa com posse a justo título. A posse pode
ser a justo título e injusta. Vejamos o que é posse a justo título. É a posse
instituída por um título hábil para transferi-la, ex.: eu alugo o apartamento do
Rafael que se apresenta a mim como proprietário do apartamento. Então eu
assino com ele um contrato de locação, que é um contrato justo, e justo título
para transferir posse. Através do contrato de locação transfere-se a posse
para o locatário. Então, se eu tenho um contrato de locação, eu tenho uma
posse a justo título. Só que depois eu descubro que o locador não é
proprietário, e, além disso, é um esbulhador, que, depois do esbulho, alugou o
apartamento, dizendo que era o proprietário. Até prova em contrário, a posse
a justo título considera-se posse de boa-fé. Então, a posse a justo título pode,
perfeitamente, ser injusta.
Então, se eu tenho a posse em decorrência de um título considerado
hábil, para transferir a posse, eu tenho a posse a justo título; ex.: eu comprei
um imóvel, mas não foi uma compra justa. Quem vendeu o imóvel não era o
proprietário; ele transferiu a posse. Ora, a compra e venda é um título justo.
Só que depois se descobre que não era o proprietário, era o fraudador . Ele
falsificou o título de propriedade. Então eu tenho a posse a justo título que é
injusta. Então, não confundam posse a justo título com posse justa.
Posse sem justo título - Posse sem justo título é o oposto, pode ser
considerada hábil, é que não tem nenhum título de transferência considerado
hábil.
Há outra classificação, que talvez seja a mais importante no sentido prático:
Boa-fé e má-fé. Essa classificação está intimamente ligada à classificação
anterior, embora não seja muita coisa. Porque, para saber se a posse é justa ou
injusta, você parte de um conceito objetivo. É saber se um desses vícios está
presente. Se está presente a violência, a clandestinidade ou a precariedade,
então você vai saber se a posse é justa ou injusta. E o conceito, portanto, é
objetivo.
Agora, posse de boa-fé ou posse de má-fé, o conceito é puramente
subjetivo. Por isso é mais difícil saber se a posse é de boa-fé ou de má-fé.
Porque, para saber se há boa-fé ou má-fé, você tem que mergulhar no profundo
poço da alma humana, com conceitos subjetivos.
O que é uma posse de boa-fé? É a posse em que o possuidor ignora os
vícios da posse. Não é que não tenha vício, porque posse que não tem vício é
posse justa. E você pode ter posse injusta e de boa-fé, porque posse de boa-
fé pode ter vícios, mas o possuidor ignora; ex.: Daiana alugou aquele
apartamento certo de que Bia é a proprietária do apartamento , sem saber que
o apartamento foi tomado por esbulho. É evidente que a locatária é possuidor
de boa-fé. Ele ignora que Bia se apossou do apto. por esbulho. Então, Daiana é
uma locatária possuidora de boa-fé. Porque a boa-fé é a ignorância do vício.
Enquanto o possuidor ignora que a posse contém vícios, ela é uma possuidora
de boa-fé.
Agora, posse de má-fé é a que o possuidor sabe ou deveria saber dos
vícios que maculam a posse. Sabia ou devia saber, pelas circunstâncias, pela
experiência da vida. Vocês vão ver, nas próximas aulas, como o direito trata
diferentemente o possuidor de boa-fé e o possuidor de má-fé. O possuidor de
boa-fé goza da maior simpatia do legislador. Tem toda a proteção da lei. A lei
se coloca ao lado do possuidor de boa-fé, para protegê-lo. E a lei castiga
violentamente o possuidor de má-fé. Atira sobre ele as mais pesadas sanções,
como veremos nas próximas aulas.
Então, toda a teoria da posse segue essa direção. Proteger o possuidor
de boa-fé e castigar o possuidor de má-fé. Só que o grande problema dos
magistrados está aí, saber distinguir, porque é subjetivo.
É possível que a posse se inicie com boa-fé, e se converte em má-fé, ex.:
A alugou o apartamento, certo de que B é o proprietário possuidor de boa-fé.
Só que ele tomou conhecimento do vício, mas ele continua lá. Ao invés de
chegar a B e dizer "não posso ficar mais aqui, tome aqui as chaves, descobri
que você não poderia alugar o apartamento". Ele não fez isso. E continua lá -
feliz da vida. Passou a ser possuidor de má-fé. Ele agora sabe do vício da posse
original. Como se fosse pecado original. A posse já nasce com o pecado original.
E o pecado original da posse é a violência, a clandestinidade e a precariedade.
No momento em que eu tomo conhecimento desses vícios,eu deixo de ser um
possuidor de boa-fé e passo a ser um possuidor de má-fé. E as conseqüências
mudam totalmente. Até aquele momento eu sou protegido. Daí em diante, eu
sou castigado. Isso é para levar o possuidor de boa-fé, ao tomar conhecimento
do vício, a demitir-se voluntariamente da posse. É isso que se quer do possuidor
de boa-fé. Percebendo que a posse tem vícios, ele se demite da posse e a
devolve a quem tem direito.
Agora, a posse a justo título presume-se de boa-fé. Presume-se, até
prova em contrário. Porque reparem, se eu recebo a posse a justo título, a
presunção é de que a posse não tem vícios.
Na outra classificação, divide-se a posse em NOVA e VELHA. Na
prática, é muito importante.
POSSE NOVA - É a que trata de posse de menos de ano e dia. Não perguntem
esse 1 dia.
POSSE VELHA - trata de mais de ano e dia. Vai ser importante, quando
estudarmos constituto possessório. Lá , na posse nova, até ano e dia, cabe
liminar, e na posse velha, mais de ano e dia, não cabe liminar. Claro que a
proteção à posse velha é maior. Tanto assim, que na posse velha não cabe
liminar.
Outra classificação da posse: AD INTERDICTA e AD
USUCAPIONEM
Toda posse é ad interdicta. Permite ao possuidor manejar os interditos
possessórios para defender aquela posse. O fato de eu ser possuidor de uma
posse, mesmo que seja de boa-fé ou de má-fé, independente da natureza da
posse, me permite defender essa posse contra interesses de terceiros.
Portanto é da natureza da posse ser ad interdicta. É a que permite o uso dos
interditos. Detenção NÃO ! A detenção não permite ao detentor manejar os
interditos possessórios, para defender a detenção. Só quem pode manejar os
interditos possessórios é o possuidor direto ou possuidor indireto. A detenção
não legitima e não pode entrar em monitória com manutenção de posse. Nem de
reintegração de posse. Mas todo possuidor e co-possuidor tem o direito de
usar os interditos possessórios contra terceiros, se sua posse for esbulhada ou
turbada.
Mas nem toda posse é ad usucapionem . E o que é posse ad usucapionem?
É aquela que conduz à aquisição da propriedade. É a posse que autoriza o
possuidor a reclamar o domínio da propriedade. E aí, meus amigos, não é
qualquer posse. Para que a posse seja ad usucapionem é preciso que ela reúna
condições.
Em 1º lugar é preciso que ela seja CONTÍNUA. Contínua quer dizer que o
possuidor tem que ficar 24 h em poder da coisa. Tem poder físico,
Mesmo que eu me afaste da coisa, ex.: minha casa em Rio das Ostras, eu
mantenho o poder físico sobre ela, mesmo que eu me afaste dela, mesmo
eu estando aqui.
A 2ª condição é que a posse seja MANSA E PACÍFICA. Mansa e pacífica
é a posse que não é contestável, disputável, não há resistência, não há
uma ação disputando a posse.
Além de contínua, mansa e pacífica, ainda se exige um tempo QUE SE
ESTENDA POR UM CERTO TEMPO transcorrido, sem o qual não se pode
falar de posse ad usucapionem. O tempo é condição sine qua non para
que a posse leve à propriedade. Enquanto não completado o prazo
previsto em lei, não se produz esse efeito, que é a aquisição da
propriedade.
O último requisito, absolutamente fundamental é o ANIMUS DOMINI
para caracterizar a propriedade. Quer dizer, o possuidor não precisa
ter animus domini. Agora, para adquirir a propriedade, o animus domini é
indispensável. Então, no momento em que essas 4 condições se
conjuguem, essa posse passa a ser ad usucapionem.
Estão aí, portanto, as classificações da posse:
DIRETA E INDIRETA;
JUSTO TÍTULO;
NOVA E VELHA;
BOA-FÉ E MÁ-FÉ;
AD USUCAPIONEM
Desde o art. 1.202 CC/02, a posse de boa-fé só perde esse caráter no
momento em que as circunstâncias passam a presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente. No momento em que as circunstâncias passam
a presumir que a posse contém um vício, o possuidor deixa de ter boa-fé e
converte-se em má-fé.
No art. 1203 CC/02, também se estabelece uma regra muito importante do
ponto de vista prático. É a que diz que a posse mantém o mesmo caráter com
que foi adquirida, até prova em contrário, o que significa dizer que, se eu
adquiri uma posse de má-fé, ela permanecerá sendo posse de má-fé, até que se
prove o contrário.
A partir do Capítulo II, o código trata da aquisição da posse. Talvez aí
tenha ocorrido a maior mudança do Código. Porque o art. 493 CC/1916
enumerava vários modos de se adquirir a posse, e só seria adotado se
pudéssemos adotar a teoria de Savigny. O código que adota a teoria de Ihering
não poderia admitir aquele art. 493, porque lá estavam elencados os modos de
adquirir a posse, e, inclusive, de adquirir qualquer direito. Ele incluía no modo
de aquisição da posse o elemento vontade. Dizia-se que o código passado
admitia a teoria objetiva de Ihering, mas fazia concessões à teoria de Savigny.
Os arts. 493 e 520 eram tipicamente Savignyanos, porque, em ambos se
verifica vontade, animus na aquisição da posse. Esses dois artigos foram
incluídos por Beviláqua, sem perceber eram tipicamente de Savigny. Em um
código que se tinha decidido ser Ihering por opção. Esses dois artigos sempre
foram muito criticados pela doutrina, porque eram anacrônicos.
Agora, NÃO! Agora vocês podem dizer que o código brasileiro é
inteiramente fiel a Ihering. Ele aposentou definitivamente Savigny, em matéria
de posse. Sabem por quê? Porque agora o art. 1.204 CC/02 é reprodução do
código alemão:
Art. 1.204 - Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o
exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Se a posse é fato, se para a posse independe a vontade, o animus, então,
adquire-se a posse, a partir do momento em que se possa exercer em nome
próprio um dos poderes inerentes à propriedade. E como eu consegui isso não
interessa. Se a posse fosse um direito é que eu teria que saber de que modo,
sob que título, eu adquiri a posse. Como a posse é fato, independe do animus
domini. É evidente que eu adquiro a posse, se já estou exercendo um dos
poderes inerentes à propriedade, ou seja, eu não preciso dizer qual o modo pelo
qual eu adquiri a posse. Porque, se eu fosse levantar o modo como adquiri a
posse, para saber se tenho direito a ela, eu estaria transformando posse em
direito e estou inserindo elemento da vontade, que é inerente a qualquer
aquisição de direitos. O art. 1.204 CC/02 estabeleceu que a posse é um fato, e
a posse nada mais é senão a exteriorização da propriedade. Se eu estou
exercendo em nome próprio um dos poderes inerentes à propriedade, só há
uma conclusão lógica: eu adquiri a posse. E terá de ser em nome próprio, pois,
se assim não fosse, seria detenção, não seria posse.
Aí está uma questão que certamente cairá em concursos, cujas respostas
são: o artigo era incoerente no CC/16, porque introduzia a vontade, da teoria
subjetiva de Savigny, em um código que se propunha ser objetivista; o art.
1.204 CC/02 eliminou essa incoerência, ao estabelecer que é um fato, e não um
direito; que não depende da vontade do possuidor; que, se depender da
vontade, tem-se detentor e, não, possuidor; que, em relação à posse, o CC/02 é
totalmente objetivista/IHERING com a total eliminação da teoria
subjetiva/SAVIGNY; só há posse em nome próprio; e, sendo a posso um fato,
não interessa saber de que modo foi adquirida; basta saber que exerce em
nome próprio um dos poderes inerentes à propriedade.
O art. 1.205 CC/02 trata da TRANSMISSÃO DA POSSE, a título
universal ou título singular. O herdeiro recebe a posse a título universal, isto
quer dizer: a posse será rigorosamente igual à posse do autor da herança; se
era de má-fé, o herdeiro vai receber a posse de má-fé; se era injusta, ele vai
receber a posse injusta, ou seja, quando a posse se transmite causa mortis, a
título universal, o herdeiro prossegue de direito a posse do autor da herança,
exatamente como ela era antes.
O herdeiro não pode mudar a natureza da posse; ele não pode sanar o
vício da posse. Ele vai receber a posse, queira ou não, rigorosamente igual à
posse do autor da herança, com as mesmas características e natureza da posse
do autor da herança; ele não pode começar uma posse nova. Ele não pode sanar
o vício da posse. Ele vai receber a posse, queira ou não, rigorosamente com as
mesmas características da posse do autor da herança.
Já o adquirente a título singular tem uma característica: pode unir, pode
somar, por exemplo: quem adquire uma posse de 10 (dez) anos pode aproveitar
esses 10 anos. Eu aproveito esses 10 anos do antecessor da posse. Então, eu
estou unindo a minha posse à do antecessor, prosseguindo nela, aproveitando o
tempo já passado.
Mas, eu posso começar uma posse nova, começar do zero, ignorando,
desprezando o tempo passado, começando do zero. Vai depender da natureza
do antecessor, exemplo clássico: o código diz que a usucapião extraordinária
são 15 (quinze) anos e a ordinária são 10 (dez). Vamos imaginar que eu compre
uma posse de 12 (doze) anos, posse de má-fé; eu vou preferir a minha posse à
dele. Eu vou receber uma posse de má-fé, mas espero 3 (três) anos e vou
requerer a usucapião.
Outro exemplo: agora vamos imaginar que eu vou receber uma posse de má-fé,
mas ela só tem 3 (três) anos de posse. Agora não me interessa unir, pois, se
unir, vou ter que esperar 12 anos. Se eu começar do zero, então eu vou esperar
10 (dez) anos, para requerer usucapião. Então, recebendo posse de má-fé, eu
tenho que analisar se interessa unir ou não. Se eu unir, eu recebo a posse com
as mesmas características. Eu começo do zero.