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1. Apresentação do texto: O texto “O direito mulçumano” aborda a criação do direito nos países de religião islâmica, como ocorreu tal processo baseado no livro sagrado do Corão e como o direito se desenvolveu a partir desse ponto. O texto apresenta também algumas características desse direito, salientando seus pontos fortes e suas falhas. 2. Resumo da obra: O direito muçulmano não é, como os direitos até agora estudados, um ramo autônomo da ciência. Constitui apenas uma das faces da religião do islã. O char’ ou char’ia, isto é, “o caminho a seguir”, constitui o que se chama o direito muçulmano. Esta ciência indica ao muçulmano como deve, segundo a religião, comportar-se sem que se distinga m, em principio, as obrigações que ele tem para com os seus semelhantes (obrigações civis, esmola) e as que têm para com Deus (oração, jejum, etc.). A verdadeira sanção das obrigações que se impõem ao crente é o estado de pecado do que as contraria; o direito muçulmano quase sempre  preocupa-se pouco, por esta razão, com a sanção das regras que prescreve. A concepção que dirige o islã é a de uma sociedade teocrática, na qual o Estado não tem valor senão como servidor da religião revelada. Os juristas e os teólogos muçulmanos elaboraram, sobre o fundamento da revelação divina, um direito completo, pormenorizado. O direito muçulmano é, pela sua estrutura, pela cate goria e noções que compreende, int eira ment e origina l em relação aos sistemas de direito que estudamos até aqui. O Corão é, incontestavelmente, a primeira fonte do direito muçulmano. Entretanto, as disposições de natureza jurídica que contém são muitos insuficientes para regular as relações en tr e os mu çu lmanos, algu ma s inst it uições fu nd amen ta is do Is o se nd o se quer  mencionadas. A Suna relata a maneira de ser e de se comportar do Profeta, cuja memória deve servir para guiar os crentes. É constituída pelo conjunto das h’adith, isto é, das tradições rela ti va s aos atos e pr op ós it os de Maomé, co nt ados po r uma ca de ia ininte rru pt a de intermediários. A terceira fonte do direito muçulmano é o Idjmã, constituí do pelo acordo unânime dos doutores. Nem o Corão, nem a Suna, apesar da extensão que lhes foi dada, podiam dar resposta a tudo. Para que uma regra do direito seja admiti da pelo Idjmã não é necessário que a multidão de crentes lhe dê a sua decisão ou que corresponda ao sentimento geral de todos os membros da comunidade. O Idjmã nada tem a ver com o “costume” do nosso direito. A unanimidade exigida é a das pessoas competentes, daquelas cuja função própria é destacar e revelar o direito: os jurisconsultos do Islã.  No interior da comunidade muçulmana reconhece-se a existência de diferentes vias, co mu me nte ch amadas “r itos”, cada uma da s qu ai s cons ti tuin do uma cert a escola, interpretando à sua maneira o direito muçulmano. Os ritos do direito muçulmano diferem entre si em múltiplos aspectos detalhistas, mas os princípios continuam a ser comuns. A Lei divina está formulada. O dever que se impõe ao muçulmano é observar o taqlid: dev e “reco nhe ce r a autoridade” dos doutores das ger ões anteriores; a int erp ret açã o autônoma das fontes não lhe é permitida. Assim, há séculos que as mesmas obras servem para o ensino do direito muçulmano. Os autores mais recentes já nada acrescentam ao sistema. Toda obra da doutrina consiste em fazer a exegese das obras consideradas como clássicas, sendo-lhe permitido unicamente coligir, comparar, esclarecer e explicar a soluções propostas  pelos grandes jurisconsultos do passado, sem acrescentar à sua doutrina nenhum corretivo, nenhum desenvolvimento novo. O direito muçulmano, fixado è maneira de um dogma no

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1. Apresentação do texto:

O texto “O direito mulçumano” aborda a criação do direito nos países de religião

islâmica, como ocorreu tal processo baseado no livro sagrado do Corão e como o direito sedesenvolveu a partir desse ponto. O texto apresenta também algumas características dessedireito, salientando seus pontos fortes e suas falhas.

2. Resumo da obra:

O direito muçulmano não é, como os direitos até agora estudados, um ramo autônomoda ciência. Constitui apenas uma das faces da religião do islã. O char’ ou char’ia, isto é, “ocaminho a seguir”, constitui o que se chama o direito muçulmano. Esta ciência indica aomuçulmano como deve, segundo a religião, comportar-se sem que se distingam, em principio,as obrigações que ele tem para com os seus semelhantes (obrigações civis, esmola) e as que

têm para com Deus (oração, jejum, etc.). A verdadeira sanção das obrigações que se impõemao crente é o estado de pecado do que as contraria; o direito muçulmano quase sempre

 preocupa-se pouco, por esta razão, com a sanção das regras que prescreve. A concepção quedirige o islã é a de uma sociedade teocrática, na qual o Estado não tem valor senão comoservidor da religião revelada. Os juristas e os teólogos muçulmanos elaboraram, sobre ofundamento da revelação divina, um direito completo, pormenorizado. O direito muçulmanoé, pela sua estrutura, pela categoria e noções que compreende, inteiramente original emrelação aos sistemas de direito que estudamos até aqui.

O Corão é, incontestavelmente, a primeira fonte do direito muçulmano. Entretanto, asdisposições de natureza jurídica que contém são muitos insuficientes para regular as relaçõesentre os muçulmanos, algumas instituições fundamentais do Islã não sendo sequer mencionadas. A Suna relata a maneira de ser e de se comportar do Profeta, cuja memória deveservir para guiar os crentes. É constituída pelo conjunto das h’adith, isto é, das tradiçõesrelativas aos atos e propósitos de Maomé, contados por uma cadeia ininterrupta deintermediários.

A terceira fonte do direito muçulmano é o Idjmã, constituído pelo acordo unânime dosdoutores. Nem o Corão, nem a Suna, apesar da extensão que lhes foi dada, podiam dar resposta a tudo. Para que uma regra do direito seja admitida pelo Idjmã não é necessário que amultidão de crentes lhe dê a sua decisão ou que corresponda ao sentimento geral de todos osmembros da comunidade. O Idjmã nada tem a ver com o “costume” do nosso direito. Aunanimidade exigida é a das pessoas competentes, daquelas cuja função própria é destacar e

revelar o direito: os jurisconsultos do Islã. No interior da comunidade muçulmana reconhece-se a existência de diferentes vias,comumente chamadas “ritos”, cada uma das quais constituindo uma certa escola,interpretando à sua maneira o direito muçulmano. Os ritos do direito muçulmano diferementre si em múltiplos aspectos detalhistas, mas os princípios continuam a ser comuns.

A Lei divina está formulada. O dever que se impõe ao muçulmano é observar o taqlid:deve “reconhecer a autoridade” dos doutores das gerações anteriores; a interpretaçãoautônoma das fontes não lhe é permitida. Assim, há séculos que as mesmas obras servem parao ensino do direito muçulmano. Os autores mais recentes já nada acrescentam ao sistema.Toda obra da doutrina consiste em fazer a exegese das obras consideradas como clássicas,sendo-lhe permitido unicamente coligir, comparar, esclarecer e explicar a soluções propostas

 pelos grandes jurisconsultos do passado, sem acrescentar à sua doutrina nenhum corretivo,nenhum desenvolvimento novo. O direito muçulmano, fixado è maneira de um dogma no

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século X da nossa era, é imutável: o islã não reconhece a nenhuma autoridade o poder de omodificar.

O direito muçulmano, pretendendo ser um direito completo, um sistema que dêrespostas a todas as questões que possam levantar-se, necessitou, pela natureza das coisas,elaborar um processo para se regularem, no futuro, as hipóteses para as quais não se encontra

nos livros de figh uma resposta suficientemente precisa. Estabeleceu-se o acordo para admitir o caráter lícito do raciocínio por analogia: este, embora constituindo um simples processo deraciocínio, foi elevado à categoria de fonte de direito pela comunidade muçulmana. Com aajuda do raciocínio por analogia pode-se, na maior parte das vezes, partindo das regras dofigh, descobrir a solução que deve ser admitida numa espécie particular. Entretanto, não se

 pode desejar, por este meio, adaptar o direito muçulmano às necessidades de uma sociedademoderna.

Também os processos de raciocínio, que permitiam uma evolução do direito, sãoconsiderados com grande suspeição e geralmente condenados no islã. Como sistema fundadosobre o Corão, que é um livro revelado. O direito muçulmano deve ser visto inteiramenteindependente de todos os outros sistemas de direito que não possuam a mesma fonte. A

influência do direito muçulmano sobre o direito europeu parece, por outro lado, ter sidoquase nula.

A inadaptação do figh às condições e às idéia modernas criou um problema desde queos Estados de maioria muçulmana, abandonando seu imobilismo, procuraram nos séculosXIX e XX seguir o modelo dos Estados do Ocidente, seduzidos não somente pelo seu bem-estar material, mas também pelas idéias políticas e pelas concepções morais que observavamnestes Estados.

Tudo o que acaba de ser dito pode dar a impressão de que o direito muçulmano pertence a um passado extinto. Contudo, isso não acontece: o direito muçulmano continua aser um dos grandes sistemas do mundo moderno e a regular as relações de quinhentosmilhões de muçulmanos. É um direito imutável, mas deixa um tal campo de aplicação aocostume, à convenção de partes, à regulamentação administrativa que é possível, sem lhecausar prejuízo, chegar a soluções que permitam construir uma sociedade moderna.

O direito muçulmano classifica todas as ações do homem em cinco categorias:obrigatórias, recomendadas, indiferentes, censuráveis ou proibidas. O costume não podeordenar um comportamento que o direito proíbe ou proibir um comportamento que o direitodeclara obrigatório; mas pode legitimamente ordenar uma coisa que, segundo o direito, ésomente recomendada ou permitida, ou pode proibir uma coisa que, segundo o direito, écensurável ou simplesmente permitida. O direito muçulmano comporta muito poucasdisposições imperativas e deixa uma grande amplitude à iniciativa e à liberdade humanas.“Não é nenhum crime fazer uma convenção além do que a lei prescreve”, diz um h’adith. Por 

meio das convenções podem-se fazer alterações muito importantes às regras que propõe, masnão impõe, o direito muçulmano. A par do costume e da convenção, uma outra possibilidadede se libertar de soluções arcaicas é oferecida pelo recurso e estratagemas jurídicos e ficções.A char’ai impregnada de formalismo, exige que a letra da lei, mais do que o seu espírito, sejarespeitada. Muitas regras formais do direito muçulmano podem, por conseqüência, ser 

 privadas do efeito normal, desde que não sejam violadas diretamente.Um processo constantemente utilizado para adaptar o direito muçulmano às condições

da vida moderna foi a intervenção daquele que detém o poder da sociedade. O soberanodetermina a política do Estado e deve velar, em particular, por uma boa administração da

  justiça. O direito muçulmano reconhece a legitimidade das medidas regulamentares que podem ser tomadas neste aspecto pelas autoridades.

O principal perigo que ameaça o direito muçulmano, no momento atual, não parecetanto o risco de divisão do islã, com outrora, mas o de que o figh, mantido no imobilismo, se

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transforme numa relação dos deveres de caráter inteiramente ideal e de alcanceexclusivamente teológico, não interessando senão a alguns piedosos sábios, enquanto que avida real seria governada por leis cada vez mais afastadas das concepções propriamentemuçulmanas.

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURIDICAS

PROFESSOR: FRANCISCO QUINTANILHADISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO

RESENHA DO TEXTO

“O DIREITO MUÇULMANO”

RICARDO RAMOS RODRIGUES - Nº 38269CURSO DE DIREITO – TURMA B- NOTURNO

RIO GRANDE, OUTUBRO DE 2006

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