_direito_constitucional_militar
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DIREITO CONSTITUCIONAL
MILITAR
PÁGINAS DE CRÉDITO
Sumário
Apresentação__________________________________________________________7
UNIDADE 1: Direito Constitucional Militar ________________________________ 9
1. Introdução _______________________________________________________ 10
2. Breve Histórico ___________________________________________________ 10
3. As Forças Armadas na Constituição de 1988 __________________________ 13
4. Natureza Jurídica das Forças Armadas _______________________________ 17
4.1 Princípio da Hierarquia e da disciplina____________________________ 18
4.2 Princípio da desconcentração das forças___________________________ 19
4.3 Princípio da permanência e da regularidade das forças ______________ 20
4.4 Princípio da Subordinação das forças _____________________________ 20
4.5 Princípio da destinação estrita ___________________________________ 21
4.6 Princípio da obrigatoriedade do serviço militar_____________________ 21
4.7 Princípio da derrogação parcial das liberdades políticas e dos direitos ____ fundamentais _________________________________________________ 22
Exercícios __________________________________________________________ 23
5. Missão Constitucional _____________________________________________ 23
5.1 Defesa Externa ________________________________________________ 24
5.2 Garantia da Lei e da Ordem_____________________________________ 30
5.2.1 Amparo Constitucional _____________________________________ 30
5.2.2 Amparo Infraconstitucional _________________________________ 31
5.2.3 Conceito de discricionariedade _______________________________ 35
5.2.4 O poder de polícia da tropa empregada _______________________ 35
5.2.5 Característica do poder de polícia ____________________________ 36
5.2.6 Poder de polícia judiciário ___________________________________ 37
5.3 Missão de Paz ________________________________________________ 39
5.3.1 A Onu e as Operações da Manutenção da Paz __________________ 40
5.3.2 A Estrutura da Onu para as Operações de Paz__________________ 43
5.3.3 As Operações de Paz no Sistema Interamericano ________________ 44
5.3.4 A participação Brasileira nas Operações de Paz _________________ 45
5.3.5 Generalidades _____________________________________________ 47
5.3.5.1 Conceitos __________________________________________ 47
5.4 Atribuições Subsidiárias ________________________________________ 49
Exercícios __________________________________________________________ 49
6. Serviço Militar____________________________________________________ 50
6.1 Natureza e Obrigatoriedade_____________________________________ 51
6.2 Serviço Militar Alternativo______________________________________ 54
7. Os Militares e o Sistema eleitoral ____________________________________ 58
Exercícios __________________________________________________________ 63
8. Os Servidores Militares em face da Constituição _______________________ 63
Exercícios __________________________________________________________ 65
9. Sistema Previdenciário dos Militares _________________________________ 65
9.1 Conceitos ____________________________________________________ 65
9.1.1 Declaração de Benefi ciários __________________________________ 65
9.1.2 Pensão Militar _____________________________________________ 65
9.1.3 Título de Pensão Militar ____________________________________ 65
9.1.4 Proventos na Inatividade ____________________________________ 65
9.2 Acidente de serviço ____________________________________________ 67
9.3 Pensão de Ex-combatente (reformado e especial) ___________________ 68
9.4 Fundo de saúde do Exército, da Marinha e da Aeronáutica __________ 68
9.5 Reforma _____________________________________________________ 69
9.6 Jurisprudência afeta ao tema ____________________________________ 69
9.6.1 Sobre o direito prescrito das diferenças dos 28,86%, no período compreendido entre os anos de 1993 até 2000 _________________ 69
9.6.2 Direito da companheira à pensão militar ______________________ 71
9.6.3 Direito do Ex-Combatente ao atendimento gratuito pelo sistema de __ saúde da Força Armada a que estava vinculado à época da Segunda Grande Guerra ____________________________________________ 74
9.6.4 Direito a reforma e melhoria de reforma por agravamento mórbido do militar considerado inválido _________________________________ 80
9.6.5 Direito ao Auxílio Invalidez _________________________________ 81
9.6.6 Da boa-fé e das hipóteses de exceção previstas na súmula 106 do TCU, sendo indevida a repetição dos valores pagos por erro da administração __________________________________________________________ 84
9.6.7 Responsabilidade Civil Objetiva______________________________ 84
Exercícios __________________________________________________________ 86
UNIDADE 2: Direito Disciplinar Militar________________________________ 87
1. Hierarquia e Disciplina ____________________________________________ 88
1.1 Introdução ___________________________________________________ 88
1.2 Hierarquia____________________________________________________ 88
1.3 Disciplina ____________________________________________________ 89
Exercícios __________________________________________________________ 98
2. Ilícitos Disciplinares _______________________________________________ 98
Exercícios _________________________________________________________ 102
3. Sanções Disciplinares _____________________________________________ 102
3.1 Natureza jurídica da Sanção Disciplinar__________________________ 102
3.2 Sanções Disciplinares _________________________________________ 106
Exercícios _________________________________________________________ 112
4. Conselhos de justifi cação e de disciplina _____________________________ 112
Exercícios _________________________________________________________ 118
5. Direito de defesa nos processos Disciplinares _________________________ 118
5.1 A Ampla defesa ______________________________________________ 118
5.2 A Ampla defesa no Direito Administrativo _______________________ 124
5.3 Ampla defesa no Direito Disciplinar Militar ______________________ 129
Exercícios _________________________________________________________ 139
6. Controle Judicial_________________________________________________ 139
6.1 A atuação do advogado _______________________________________ 139
6.2 o Habear Corpus e as transgressões disciplinares __________________ 150
6.3 Novas Competências do Superior Tribunal Militar ________________ 167
Exercícios _________________________________________________________ 168
7. Regulamentos Disciplinares________________________________________ 168
Exercícios _________________________________________________________ 175
Referências Bibliográfi cas ______________________________________________ 177
Apresentação
Inicialmente, temos o prazer de dirigir-nos a esse grupo seleto que realiza a
pós-graduação lato sensu em Direito Militar e também nos sentimos lisonjeados
por termos sido convidados para participar deste distinto e experiente corpo
docente.
O nosso conteúdo abordará a Natureza Jurídica das Forças Armadas e
sua Missão Constitucional; o Serviço Militar; os militares e o sistema eleitoral;
os servidores militares em face da Constituição; e o sistema previdenciário dos
militares.
Os autores
Direito Constitucional Militar
UNIDADE 1
Autor: Angelo Bello Brutus
| Direito Constitucional Militar
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1 (Martins, 2002).2 idem3 idem
1. INTRODUÇÃO
Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de 2002,
sobre Direito Constitucional Militar, assim leciona:
“O Direito Constitucional é ramo do direito público e con-
siste no estudo dos princípios e normas estruturadoras do
Estado e garantidoras dos direitos e liberdades individuais”.
No mesmo sentido, afi rma que “a matéria militar desde sempre esteve
inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em
nosso país” 1.
A Constituição da República em vigor no nosso País, editada em 1988,
analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns, inclusive,
exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de
segurança pública, o sistema administrativo e outros. Portanto, acertadamente, a
solução foi tratar, também, de um “Direito Constitucional Militar”, posto que no
bojo da Carta Magna em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo
objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional,
indicando as linhas principais do sistema militar 2.
2. BREVE HISTÓRICO
Segundo Martins (2002),
“A alusão aos militares na Constituição de 1824 está disposta
no Título 5o, Capítulo VIII, mais exatamente nos arts. 145
usque 150, sob denominação ‘Da Força Armada’”.
Consignou-se, então, que todos os brasileiros eram obrigados a pegar em
armas para sustentar a independência e integridade do Império e defendê-lo
dos seus inimigos externos ou internos 3.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
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A Constituição da época prescreveu a permanência da Força Militar de
Mar e Terra até então vigorante como um sistema organizacional militar colonial
enquanto não fosse designada nova Força Militar pela Assembléia Geral 4.
Impôs-se à Força Militar a obediência de não se reunir enquanto não
fosse ordenado pela Autoridade legítima e determinou-se a competência
privativa do Poder Executivo de empregar em sua conveniência a Força
Armada de Mar e Terra à segurança e defesa do império 5.
Já na Constituição do Império afi rmou-se que a possibilidade da
privação da Patente somente se admitiria após sentença proferida em Juízo
competente 6.
Por fi m, a Constituição de 1824 determinou a regulamentação do
Exército do Brasil por uma ordenança especial, organizando as promoções,
soldos e disciplina, assim como da Força Naval 7.
Já a Constituição de 24 de Fevereiro de 1891 concentrou as disposições
relativas aos militares no Título V - Disposições Gerais 8.
O art. 14 da primeira Constituição da República cuidava que “As
forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à
defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior”, aduzindo
ainda que “A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites
da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições
constitucionais”.
A Constituição da República de 1891 inovou ao estabelecer que os ofi ciais
do Exército e da Armada só perderiam suas patentes por condenação, em mais
de dois anos de prisão passada em julgado nos Tribunais competentes 9.
Merece destaque, na Constituição de 1891, a previsão de que os militares
de terra e mar teriam foro especial nos delitos militares, sendo certo que este
foro compor-se-ia de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam
vitalícios, e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento
dos crimes 10.
4 idem5 idem6 idem7 idem8 idem9 idem10 idem
| Direito Constitucional Militar
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No título V, das Disposições Gerais, a Constituição de 1891 concentrou
regras constitucionais incidentes sobre matéria militar nos seguintes termos:
Art.85 - Os ofi ciais do quadro e das classes anexas da Armada
terão as mesmas patentes e vantagens que os do exército nos
cargos de categoria correspondente.
Art.86 - Todo brasileiro é obrigado ao serviço militar, em defesa
da Pátria e da Constituição, na forma das leis federais.
Art.87 - O Exército federal compor-se-á de contingentes que os
Estados e o Distrito Federal são obrigados a fornecer, constituídos
de conformidade com a lei anual de fi xação de forças.
§ 1º - Uma lei federal determinará a organização geral do Exército,
de acordo com o nº XVIII do art. 34.
§ 2º - A União se encarregará da instrução militar dos corpos e
armas e instrução militar superior.
§ 3º - Fica abolido o recrutamento militar forçado.
§ 4º - O Exército e a Armada compor-se-ão pelo voluntariado, sem
prêmio e na falta deste, pelo sorteio, previamente organizado.
Concorrem para o pessoal da Armada a Escola Naval, as de
Aprendizes de Marinheiros e a Marinha Mercante mediante sorteio.
Art.88 - Os Estados Unidos do Brasil, em caso algum, se em-
penharão em guerra de conquista, direta ou indiretamente, por si
ou em aliança com outra nação.
Na Constituição de 1934, a matéria militar fi cou concentrada no Título
VI (Da Segurança Nacional).
Merece destaque no texto maior de 1934 a inserção das polícias
militares como reservas do Exército, e reservou-se às mesmas vantagens a este
atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União 11.
11 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
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A Constituição de 1937 (Polaca), como consabido, prestigiou dispo-
sitivos autoritários concentrando os poderes nas mãos do Presidente, cujo
governo se fazia por meio dos decretos-leis 12.
Inovando, a Carta de 1937 reservou um tópico (art. 160) para os
“Militares de terra e mar”, determinando ao legislador infraconstitucional a
edição de um “Estatuto dos Militares” 13. No entanto, as principais disposições
relativas à matéria militar foram disciplinadas nos tópicos da segurança
nacional (art. 161 e seguintes) e da defesa do Estado (art. 166 e seguintes).
A Constituição de 1946 inova em matéria constitucional militar ao
reservar, pela primeira vez na história constitucional pátria, um Título de seu
texto, o VII, para as Forças Armadas14.
Nesta Constituição – também pela primeira vez – fez-se alusão à
Aeronáutica a integrar as Forças Armadas.
Pode-se afi rmar que a Constituição de 1946 superou, em muito, mor-
mente no aspecto de sistematização da matéria militar, as Constituições e
Cartas que a antecederam 15.
A Constituição de 1967, adotando a técnica da Constituição que a
antecedeu, também reservou um Título de seu texto para as Forças Armadas
(Título VI – art. 92 e seguintes).
De substancialmente novo, em matéria militar, a Constituição de 1967
pouco ou nada acrescentou, pois repetiu, em sua maioria, as disposições
constitucionais militares que se consolidaram antes de sua outorga 16.
3. AS FORÇAS ARMADAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de 2002,
sobre Direito Constitucional Militar, assim expõe:
A Constituição de 1988 teve o legislador constituinte originário
– do que não escapa o derivado – versando sobre matéria militar
no texto da Constituição da República em verdadeira profusão.
12 idem13 idem14 idem15 idem16 idem
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A primeira referência à matéria militar, encontrada no texto da
Constituição em vigor, ocorre no campo dos direitos e garantias fundamentais,
mais exatamente no inciso VII do art. 5º, que assegura a prestação de assistência
religiosa em entidades militares de internação coletiva 17.
O mesmo art. 5º, no inciso XLIV, afi rma constituir crime inafi ançável e
imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático 18.
O inciso LXI do art. 5º, quando se cuida das formalidades necessárias à
prisão, disciplina matéria militar ao legitimar exclusão odiosa à liberdade de
locomoção, nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar
defi nidos em lei 19.
O inciso VI do parágrafo terceiro do art. 12 da Constituição estabelece
que são privativos de brasileiros natos, dentre outros, os cargos de ofi cial das
Forças Armadas 20.
No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14 da
Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar
obrigatório 21.
O art. 20 da Constituição da República inclui, entre os bens da União,
as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, às fortifi cações e
construções militares 22.
Ao disciplinar a competência da União, o inciso XIV do art. 21 da
Constituição, por sua vez, estabelece, dentre outras disposições, organizar e
manter a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal 23.
Ao defi nir a competência legislativa privativa da União, o art. 22 da
Constituição estabelece que compete privativamente à União legislar sobre:
requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra
(inciso III) e normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros
17 idem18 idem19 idem20 idem21 idem22 idem23 idem
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militares (inciso XXI) e defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima,
defesa civil e mobilização nacional (inciso XXVIII) 24.
Ao reger o Distrito Federal, o parágrafo quarto do art. 32 da Constituição
remete ao legislador infraconstitucional a edição de lei que disponha, dentre
outros, sobre a utilização pelo governo do Distrito Federal da Polícia Militar
e do Corpo de Bombeiro Militar 25.
No campo da organização do Estado, mais exatamente da Administração
Pública, a Constituição reservou capítulo para os militares dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios (art. 42) 26.
O inciso III do art. 48 da Constituição da República estabelece que cabe
ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor
sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre fi xação
e modifi cação do efetivo das Forças Armadas 27.
O parágrafo sétimo do art. 53 da Constituição, por sua vez, prevê regra
para incorporação de Deputadores e Senadores nas Forças Armadas 28.
O inciso I do parágrafo 1o do art. 61 da Constituição estabelece ser da
iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fi xem ou modifi quem
os efetivos das Forças Armadas. Do mesmo modo, a alínea “f” do parágrafo
1o do art. 61 da Constituição Federal estabelece, ao disciplinar o processo
legislativo, que são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis
que disponham sobre militares das Forças Armadas, seu regime jurídico,
provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e
transferência para a reserva 29.
Ao cuidar das atribuições do Presidente da República, o inciso XIII do
art. 84 estabelece que compete privativamente àquela autoridade exercer o
comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica, promover seus ofi ciais-generais e nomeá-los
para os cargos que lhes são privativos 30.
24 idem25 idem26 idem27 idem28 idem29 idem30 idem
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O art. 92 da Constituição da República cuida que são, dentre outros,
órgãos do Poder Judiciários os Tribunais e Juízes Militares 31.
Embora não seja matéria propriamente militar, mas sim de organização
judiciária e de repartição da “jurisdição”, quando cuida da organização dos
Poderes, mais exatamente do Poder Judiciário, a Constituição dispõe acerca
da competência para julgar matéria militar, estabelecendo uma disciplina
harmônica na matéria, merecendo relevo os comandos dos arts. 122 a 124 que
cuidam dos Tribunais e Juízes Militares 32.
Os parágrafos terceiro e quarto do art. 125 da Constituição traçam os
parâmetros para a instituição da Justiça Militar nos Estados e sua competência 33.
No art. 128 da Constituição da República vê-se, dentre os ramos do
Ministério Público, o Militar 34.
Adotando critério orgânico ou subjetivista, o legislador constituinte, no
art. 142 cuidou no âmbito da defesa do Estado e das organizações democráticas
das “Forças Armadas” 35.
Embora o legislador constituinte originário tenha sido feliz no atinente
ao locus onde topografi camente cuidou de disciplinar de forma concentrada
a matéria militar (da defesa do Estado e das organizações democráticas), foi
infeliz na denominação do capítulo que estaria melhor posto como “dos
princípios militares” 36.
Note-se que o art. 142 contém regras que defi nem o caráter mesmo da
matéria militar em nosso país, regras e princípios estes que não se cingem
apenas às Forças Armadas enquanto órgãos, mas à noção mesma do que seja
“militar” e “militarismos” no Estado de direito posto 37.
Note-se que no capítulo das “Forças Armadas” o legislador traçou os
princípios constitucionais militares, o perfi l orgânico das Forças Armadas e o
quadro básico de direitos, deveres e sujeições dos militares 38.
31 idem32 idem33 idem34 idem35 idem36 idem37 idem38 idem
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O art. 143 da Constituição, por seu turno, disciplinou o serviço militar
obrigatório 39.
Por fi m, o art. 144 da Constituição, ocupado com a segurança pública,
relacionou entre os órgãos incumbidos da preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio as polícias militares e corpos de
bombeiros militares, defi nindo-lhes a competência (parágrafo quinto) e suas
vinculações às Forças Armadas (parágrafo sexto) 40.
4. NATUREZA JURÍDICA DAS FORÇAS ARMADAS
Compete à natureza jurídica das Forças Armadas, e está calcada em suas
características institucionais, contidas no art. 142 da Constituição Federal, verbis:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República (...)
(grifo nosso).
• Instituições Nacionais
Não apenas pelo âmbito nacional de sua atuação mas, sobretudo, por
serem integradas por cidadãos brasileiros de todas as regiões do território
pátrio, e por estarem comprometidas com os valores da cultura brasileira
e com os superiores interesses e aspirações da comunidade nacional.
• Instituições Permanentes
Por força de preceito constitucional que consagra a presença das Forças
Armadas ao longo de todo o processo histórico da nação no passado,
reafi rmam essa atitude no presente e a projetam como expectativa no
futuro, defi nindo uma trajetória de dedicação, desprendimento e, não
raro, de sacrifício, sempre voltada para a conquista e a manutenção dos
Objetivos Nacionais Permanentes.
39 idem40 idem
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• Instituições Regulares
Por possuírem atribuições, organização, subordinação e efetivos defi ni-
dos na Constituição ou em leis específi cas; por utilizarem uniformes e
equipamentos próprios e padronizados e terem caráter ostensivo.
• Instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina
Por se constituírem em verdadeiros pilares da própria coesão das Forças
Armadas, alicerçados que são no cultivo da lealdade, da confi ança e do
respeito mútuos entre chefes e subordinados e na compreensão recíproca
de seus direitos e deveres.
Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de
2002, sobre Direito Constitucional Militar, assim dispõe sobre os princípios
constitucionais de índole militar que elucidam essas características da natureza
jurídica das Forças Armadas a saber:
4.1 Princípio da hierarquia e da disciplina
A hierarquia e a disciplina não são princípios exclusivos das forças
militares, mas, por certo, é nesta seara que tais princípios são potencializados
numa acepção muito peculiar.
Tais princípios constitucionais militares são referidos nos arts. 42 e 142
da Constituição Federal, demonstrando que os valores da hierarquia e da
disciplina são a base institucional das forças militares 41.
A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes,
dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou
graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade
no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no
espírito de acatamento à seqüência de autoridade 42.
Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis,
regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e
41 idem42 idem
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coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito
cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse
organismo 43.
A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as
circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e dos
reformados 44.
4.2 Princípio da desconcentração das Forças
O caput do art. 142 da Constituição da República estabelece que
as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica 45.
Verifi ca-se que o legislador constituinte, empregando o critério de
desconcentração por matéria e, também, atento à tradição militar do país,
tendo em consideração a defesa marinha, terrestre e aérea, desconcentrou as
Forças Armadas em três órgãos despersonalizados, centros de competência
administrativa cuja missão é a defesa da Pátria, a garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem 46.
Assim, é acertada a afi rmação de que o princípio de organização admi-
nistrativa militar de ordem constitucional impõe a desconcentração das forças,
solução adequada do ponto de vista de defesa e de proteção do Estado democrático
de direito, em face da hipertrofi a dos meios militares à disposição de uma única
Força, solução não desejada devido à necessidade de freios e contrapesos no
âmbito da defesa militar, mormente em tempo de paz 47.
43 idem44 idem45 idem46 idem47 idem
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4.3 Princípio da permanência e da regularidade das Forças
Mais do que centros de competência despersonalizados, as Forças
Armadas são “instituições nacionais”, como expressa o caput do art. 142 da
Constituição Federal 48.
Enquanto “instituições nacionais”, as Forças Armadas se destacam do
universo dos entes e órgãos públicos “transitórios”, ou com possibilidade de
desaparecimento em virtude do modo pelo qual se extingüem os entes e os
órgãos públicos da Administração direta ou indireta 49.
Ao afi rmar que as Forças Armadas são “instituições nacionais perma-
nentes e regulares”, o legislador constituinte jungiu a sorte das Forças à
própria sorte do Estado brasileiro; enquanto este subsistir, existirão as Forças
Armadas, sem solução de continuidade em suas missões institucionais 50.
Embora não esteja expresso no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição
da República, entendemos ser insusceptível de apreciação proposta de
emenda constitucional tendente a abolir as Forças Armadas, posto que o seu
desaparecimento pode comprometer a um só tempo os institutos, instituições
e valores ali prestigiados (a forma federativa de Estado; o voto direto,
secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias
individuais) 51.
4.4 Princípio da subordinação das Forças
Segundo o comando contido no caput do art. 142 da Constituição
da República, as Forças Armadas submetem-se à autoridade suprema do
Presidente da República 52.
Como já dissertado, ao cuidar das atribuições do Presidente da República,
o inciso XIII do art. 84 estabelece competir privativamente àquela autoridade
exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus ofi ciais-generais e
nomeá-los para os cargos que lhes são privativos 53.
48 idem49 idem50 idem51 idem52 idem53 idem
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4.5 Princípio da destinação estrita
As Forças Armadas têm destinação traçada pelo legislador constituinte
originário. Nos termos do art. 142 da Constituição Federal, “destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da lei e da ordem” 54.
Como instituições nacionais permanentes e regulares que são as Forças
Armadas – não obstante estejam submetidas ao princípio da subordinação já
mencionado – não se pode impor destinação diversa daquela explicitada pela
Lei Maior 55.
O princípio em comento funciona como garantia de que as Forças
Armadas não serão empregadas para fi ns cincunstanciais, político-partidários
ou pelas paixões de uma dado momento histórico-político 56.
4.6 Princípio da obrigatoriedade do serviço militar
O serviço militar é obrigatório nos termos do disposto no art. 143 da
Constiuição da República 57.
Verifi ca-se, pelo parágrafo primeiro do dispositivo mencionado, que o
legislador constituinte optou por um modelo de “obrigatoriedade temperada”,
posto que se prestigiou serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após
alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o
decorrente de crença religiosa e de convicção fi losófi ca ou política, para se
eximirem de atividades de caráter essencialmente militar 58.
Do mesmo modo, moderou-se a obrigatoriedade para as mulheres e os
eclesiásticos, que fi cam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz,
sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir 59.
54 idem55 idem56 idem57 idem58 idem59 idem
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4.7 Princípio da derrogação parcial das liberdades políticas e dos direitos
fundamentais
Mercê da índole das atribuições conferidas às Forças Militares no
país, alguns direitos políticos e fundamentais foram negados aos servidores
públicos militares 60.
Em verdade, os servidores públicos militares experimentam, em
determinadas liberdades e direitos, verdadeira capitis diminutio, ora
justifi cáveis pela natureza de sua destinação constitucional, ora absolutamente
injustifi cáveis 61.
Nestes termos, o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República
permite a prisão dos militares fora do contexto do fl agrante delito, ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, gerando
para os militares de carreira, mormente em período de paz, contexto de
insegurança jurídica absolutamente injustifi cável 62.
No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14, da
Constituição, cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar
obrigatório 63.
O parágrafo segundo do art. 142 da Constituição da República veda
a concessão de habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares.
Trata-se de mais uma capitis diminutio, discutível, posto que a hierarquia e
disciplina militares se coadunam com o Estado Democrático de Direito 64.
Nada obsta que a hierarquia e a disciplina militares sejam preservadas
dentro de um quadro de garantias. Controvertida é a vedação do habeas
corpus em sede de punições disciplinares militares, em situações que violam
as garantias fundamentais do cidadão militar 65.
O inciso IV do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição da
República veda aos militares a sindicalização e a greve. Tais coarctações de
liberdades justifi cam-se pela necessidade de manter-se as Forças Armadas
60 idem61 idem62 idem63 idem64 idem65 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 23
imunes à captação de vontade classista, setorizada, politizada, deletéria da
defesa dos valores maiores entregues à proteção dos militares 66.
Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, o inciso V do
parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição estabelece que o militar,
enquanto em serviço ativo, não pode estar fi liado a partidos políticos
– justifi cável a vedação 67.
EXERCÍCIOS
1. Pode-se afi rmar que há um Direito Constitucional Militar? Fundamente sua
resposta.
2. Caracterize a natureza jurídica das Forças Armadas segundo a CF/88.
Fundamente sua resposta.
3. Quais são os princípios constitucionais militares, segundo Eliezer Pereira
Martins?
5. MISSÃO CONSTITUCIONAL
É defi nida na destinação constitucional das Forças Armadas – art. 142
da Constituição: “(...) e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
a) Defender a Pátria
Signifi ca a preservação da independência, da soberania, da unidade,
das instituições e da integridade do patrimônio nacional, o qual abrange o
território, os recursos humanos, os recursos materiais e os valores históricos
culturais.
66 idem67 idem
| Direito Constitucional Militar
24 |
b) Garantir os Poderes Constitucionais
Traduz-se por assegurar, no quadro de um estado de direito, a existência,
e, principalmente, o livre exercício dos Poderes da República – Executivo,
Legislativo e Judiciário – de forma independente e harmônica.
c) Garantir a lei
Signifi ca assegurar, por iniciativa de qualquer dos Poderes Constitu-
cionais, e quando insufi ciente ou esgotada a capacidade das demais Expressões
do Poder nacional, o cumprimento da lei, os direitos e deveres estabelecidos
no ordenamento jurídico vigente, os quais, por sua vez, defi nem um estado de
equilíbrio social – a ordem nacional – que constitui a fi nalidade precípua da lei.
d) Garantir a ordem
Signifi ca assegurar, por iniciativa de qualquer dos Poderes Constitu-
cionais, e no contexto das demais Expressões do Poder Nacional, o equilíbrio
e a harmonia sociais, que confi guram a ordem interna – mais abrangente
que a ordem pública – arbitrada por lei; ou assumir o encargo principal
da manutenção da ordem interna, quando insufi cientes os meios daquelas
Expressões, tudo com base na legislação vigente.
5.1 Defesa Externa
O Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005 aprovou a Política de
Defesa Nacional, tendo como introdução, verbis:
A Política de Defesa Nacional voltada, preponderantemente, para
ameaças externas, é o documento condicionante de mais alto
nível do planejamento de defesa e tem por fi nalidade estabelecer
objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação
nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas
as esferas do Poder Nacional. O Ministério da Defesa coordena
as ações necessárias à Defesa Nacional.
Esta publicação é composta por uma parte política, que contempla
os conceitos, os ambientes internacional e nacional e os objetivos
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 25
da defesa. Outra parte, de estratégia, engloba as orientações e
diretrizes.
A Política de Defesa Nacional, tema de interesse de todos os
segmentos da sociedade brasileira, tem como premissas os funda-
mentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal
e encontra-se em consonância com as orientações governamentais
e a política externa do País, a qual se fundamenta na busca da
solução pacífi ca das controvérsias e no fortalecimento da paz e da
segurança internacionais.
Após um longo período sem que o Brasil participe de confl itos
que afetem diretamente o território nacional, a percepção das
ameaças está desvanecida para muitos brasileiros. Porém, é
imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não
tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos
interesses. Um dos propósitos da Política de Defesa Nacional é
conscientizar todos os segmentos da sociedade brasileira de que a
defesa da Nação é um dever de todos os brasileiros.
Prosseguindo em seu texto, ao abordar o item 1. o Estado, a Segurança
e a Defesa, assim dispõe:
OMISSIS
1.4 Para efeito da Política de Defesa Nacional, são adotados os seguintes
conceitos:
I - Segurança é a condição que permite ao País a preservação
da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus
interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer
natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e
deveres constitucionais;
II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do
Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do
| Direito Constitucional Militar
26 |
território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.
No item 4, discorre sobre o nosso País, verbis:
4. O BRASIL
4.1. O perfi l brasileiro – ao mesmo tempo continental e marítimo,
equatorial, tropical e subtropical, de longa fronteira terrestre com
a quase totalidade dos países sul-americanos e de extenso litoral e
águas jurisdicionais – confere ao País profundidade geoestratégica
e torna complexa a tarefa do planejamento geral de defesa. Dessa
maneira, a diversifi cada fi siografi a nacional conforma cenários
diferenciados que, em termos de defesa, demandam, ao mesmo
tempo, política geral e abordagem específi ca para cada caso.
4.2. A vertente continental brasileira contempla complexa
variedade fi siográfi ca, que pode ser sintetizada em cinco macro-
regiões.
4.3. O planejamento da defesa inclui todas as regiões e, em
particular, as áreas vitais onde se encontra maior concentração
de poder político e econômico. Complementarmente, prioriza
a Amazônia e o Atlântico Sul pela riqueza de recursos e
vulnerabilidade de acesso pelas fronteiras terrestre e marítima.
4.4. A Amazônia brasileira, com seu grande potencial de riquezas
minerais e de biodiversidade, é foco da atenção internacional. A
garantia da presença do Estado e a vivifi cação da faixa de fronteira
são difi cultadas pela baixa densidade demográfi ca e pelas longas
distâncias, associadas à precariedade do sistema de transportes
terrestres, o que condiciona o uso das hidrovias e do transporte
aéreo como principais alternativas de acesso. Estas características
facilitam a prática de ilícitos transnacionais e crimes conexos, além
de possibilitar a presença de grupos com objetivos contrários aos
interesses nacionais. A vivifi cação, política indigenista adequada,
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 27
a exploração sustentável dos recursos naturais e a proteção ao
meio ambiente são aspectos essenciais para o desenvolvimento e a
integração da região.
O adensamento da presença do Estado, e em particular das Forças
Armadas, ao longo das nossas fronteiras, é condição necessária
para conquista dos objetivos de estabilização e desenvolvimento
integrado da Amazônia.
4.5. O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil,
desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira
é respaldada pelo seu extenso litoral e pela importância estratégica
que representa o Atlântico Sul.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar permitiu ao
Brasil estender os limites da sua Plataforma Continental e exercer
o direito de jurisdição sobre os recursos econômicos em uma área
de cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, região de vital
importância para o País, uma verdadeira “Amazônia Azul”.
Nessa imensa área estão as maiores reservas de petróleo e gás,
fontes de energia imprescindíveis para o desenvolvimento do País,
além da existência de potencial pesqueiro.
A globalização aumentou a interdependência econômica dos países
e, conseqüentemente, o fl uxo de cargas. No Brasil, o transporte
marítimo é responsável por movimentar a quase totalidade do
comércio exterior.
4.6. Às vertentes continental e marítima sobrepõe-se a dimensão
aeroespacial, de suma importância para a Defesa Nacional. O
controle do espaço aéreo e a sua boa articulação com os países
vizinhos, assim como o desenvolvimento de nossa capacitação
aeroespacial, constituem objetivos setoriais prioritários.
| Direito Constitucional Militar
28 |
4.7. O Brasil propugna uma ordem internacional baseada na
democracia, no multilateralismo, na cooperação, na proscrição
das armas químicas, biológicas e nucleares e na busca da
paz entre as nações. Nessa direção, defende a reformulação
e a democratização das instâncias decisórias dos organismos
internacionais, como forma de reforçar a solução pacífi ca de
controvérsias e sua confi ança nos princípios e normas do Direito
Internacional. No entanto, não é prudente conceber um país sem
capacidade de defesa compatível com sua estatura e aspirações
políticas.
4.8. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus
princípios, nas relações internacionais, o repúdio ao terrorismo.
O Brasil considera que o terrorismo internacional constitui risco
à paz e à segurança mundiais. Condena enfaticamente suas ações
e apóia as resoluções emanadas pela ONU, reconhecendo a
necessidade de que as nações trabalhem em conjunto no sentido
de prevenir e combater as ameaças terroristas.
4.9. O Brasil atribui prioridade aos países da América do Sul
e da África, em especial aos da África Austral e aos de língua
portuguesa, buscando aprofundar seus laços com esses países.
4.10. A intensifi cação da cooperação com a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), integrada por oito países
distribuídos por quatro continentes e unidos pelos denominadores
comuns da história, da cultura e da língua, constitui outro fator
relevante das nossas relações exteriores.
4.11. O Brasil tem laços de cooperação com países e blocos
tradicionalmente aliados que possibilitam a troca de conhecimento
em diversos campos. Concomitantemente, busca novas parcerias
estratégicas com nações desenvolvidas ou emergentes para ampliar
esses intercâmbios.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 29
4.12. O Brasil atua na comunidade internacional respeitando os
princípios constitucionais de autodeterminação, não-intervenção
e igualdade entre os Estados. Nessas condições, sob a égide de
organismos multilaterais, participa de operações de paz, visando
a contribuir para a paz e a segurança internacionais.
4.13. A persistência de entraves à paz mundial requer a atualização
permanente e o reaparelhamento progressivo das nossas Forças
Armadas, com ênfase no desenvolvimento da indústria de defesa,
visando à redução da dependência tecnológica e à superação das
restrições unilaterais de acesso a tecnologias sensíveis.
4.14. Em consonância com a busca da paz e da segurança
internacionais, o País é signatário do Tratado de Não-Proliferação
de Armas Nucleares e destaca a necessidade do cumprimento do
Artigo VI, que prevê a negociação para a eliminação total das
armas nucleares por parte das potências nucleares, ressalvando
o uso da tecnologia nuclear como bem econômico para fi ns
pacífi cos.
4.15. O contínuo desenvolvimento brasileiro traz implicações
crescentes para o campo energético com refl exos em sua segurança.
Cabe ao País assegurar matriz energética diversifi cada que explore
as potencialidades de todos os recursos naturais disponíveis.
Por fi m, destacam-se os objetivos da defesa do nosso País, verbis:
5. OBJETIVOS DA DEFESA NACIONAL
As relações internacionais são pautadas por complexo jogo de
atores, interesses e normas que estimulam ou limitam o poder e
o prestígio das Nações. Nesse contexto de múltiplas infl uências
e de interdependência, os países buscam realizar seus interesses
nacionais, podendo gerar associações ou confl itos de variadas
intensidades.
| Direito Constitucional Militar
30 |
Dessa forma, torna-se essencial estruturar a Defesa Nacional
de modo compatível com a estatura político-estratégica para
preservar a soberania e os interesses nacionais em compatibilidade
com os interesses da nossa região. Assim, da avaliação dos
ambientes descritos, emergem objetivos da Defesa Nacional:
I - a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da
integridade territorial;
II - a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos
recursos brasileiros no exterior;
III - a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais;
IV - a promoção da estabilidade regional;
V - a contribuição para a manutenção da paz e da segurança
internacionais; e
VI - a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior
inserção em processos decisórios internacionais.
5.2. Garantia da Lei e da Ordem
5.2.1 Amparo Constitucional
Assim está, repise-se, disposto na Constituição Federal, verbis:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob
a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se
à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 31
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem
adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas.
(grifo nosso)
O texto constitucional enumera as hipóteses de emprego das Forças
Armadas como instrumento de defesa do Estado, seja contra agressão
externa (soberania externa) seja nas hipóteses de emprego no âmbito interno
(soberania interna). As Forças Armadas destinam-se, em primeiro lugar, a
garantir a segurança externa do Estado (defesa da Pátria – soberania externa).
Seguem-lhe, no âmbito interno: a garantia dos poderes constitucionais
–garantias do livre e pleno exercício dos três poderes – que, pela Constituição
são independentes e harmônicos entre si e, ainda, da lei e da ordem (soberania
interna) 68.
No âmbito interno, o emprego das Forças Armadas tem por farol o
texto da Constituição, qual seja a garantia dos poderes constitucionais e,
secundariamente, da lei e da ordem pública, comprometidas por alguma
anormalidade, instalada e não debelada pelo instrumento de Segurança
Pública, sendo que o papel principal cabe a este instrumento por meio de seus
mecanismos, conforme determina o texto constitucional no seu art. 144 69.
Debelada a anormalidade, cabe aos órgãos de Segurança Pública a ma-
nutenção da lei e da ordem pública, retornando a Força à caserna 70.
5.2.2 Amparo Infraconstitucional
A Lei Complementar que regula o § 1º do art. 142 da Constituição
Federal, disciplina:
LEI COMPLEMENTAR (LC) N.º 97, de 9 de junho de 1999
DO PREPARO DOS ÓRGÃOS OPERATIVOS E DE APOIO
68 (Arruda, 2007)69 idem70 idem
| Direito Constitucional Militar
32 |
Art. 13. Para o cumprimento da destinação constitucional das
Forças Armadas, cabe aos Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica o preparo de seus órgãos operativos e de apoio,
obedecidas as políticas estabelecidas pelo Ministro da Defesa.
(...)
Art. 14. O preparo das Forças Armadas é orientado pelos seguintes
parâmetros básicos:
I - permanente efi ciência operacional singular e nas diferentes
modalidades de emprego interdependentes;
II - procura da autonomia nacional crescente, mediante contínua
nacionalização de seus meios, nela incluídas pesquisa e desen-
volvimento e o fortalecimento da indústria nacional;
III - correta utilização do potencial nacional, mediante mobilização
criteriosamente planejada.
Com o advento da LC 97/99, os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica têm como atribuição o preparo de seus órgãos operativos e
de apoio para o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas,
dentre elas a garantia da lei e da ordem, quando solicitado pelo Presidente da
República 71.
Em face do que determina o art. 13 da LC 97/99, deve haver uma
constante preocupação do Comandante de cada Força Armada e dos órgãos
operativos e de apoio no tocante à instrução e à preparação da tropa a ser
empregada na missão constitucional de “garantia da lei e da ordem”. Por
conseguinte, deve haver um adestramento específi co para esta atividade.
Devem ser buscadas, se necessário, novas doutrinas e equipamentos para
utilização da tropa nesta missão 72.
71 (Arruda, 2007)72 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 33
Prossegue o texto da LC 97/99:
DO EMPREGO
Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria
e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e
na participação em operações de paz, é de responsabilidade do
Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado
da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte
forma de subordinação:
I - diretamente ao Comandante Supremo, no caso de Comandos
Combinados, compostos por meios adjudicados pelas Forças
Armadas e, quando necessário, por outros órgãos;
II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fi m
de adestramento, em operações combinadas, ou quando da
participação brasileira em operações de paz;
III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada
a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de
emprego isolado de meios de uma única Força.
§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego
das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento
a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais,
por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do
Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem,
por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá
de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente
da República, após esgotados os instrumentos destinados à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.
(...)
| Direito Constitucional Militar
34 |
A Lei Complementar explicita de forma taxativa ao Presidente da
República a competência para decidir do emprego das Forças Armadas, por
iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por qualquer
dos poderes constitucionais. A atuação das Forças Armadas (FFAA) ocorrerá
de acordo com as diretrizes do Presidente da República, após esgotados os
instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição
Federal 73.
Cabe observar que, diferentemente da lei pretérita (LC 69/91), a LC
97/99 exige que o Presidente da República baixe diretrizes para atuação das
Forças Armadas na garantia da lei e da ordem por meio de ato. Esse ato deve
ser formal – Decreto, ou, em caso de delegação, aviso, determinando a missão
a ser cumprida. Devido às peculiaridades de cada caso, a ordem, com certeza,
será concisa e genérica. Portanto, caberá o seu detalhamento pelos órgãos
operativos 74.
O legislador ordinário, ao disciplinar, na Lei Complementar, que o
emprego das Forças Armadas ocorrerá após esgotados os instrumentos
destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal, utiliza
recurso que a doutrina chama de “conceito vago”, com o objetivo de dar
maior discricionariedade ao Presidente da República para decidir o momento
correto de empregar as Forças Armadas, pois seria muito difícil dispor todas
as hipóteses concretas de atuação no próprio texto da Lei Complementar,
evitando-se, assim, que a própria lei se torne obstáculo à decisão do emprego
das Forças Armadas 75.
O esgotamento previsto na Lei Complementar deve ser interpretado como
potencial e não físico. Cabe ao Presidente da República aferir o momento em
que ocorre este esgotamento potencial. Assim, cabe ao Presidente da República
decidir o momento oportuno e conveniente do emprego das Forças Armadas
como instrumento de defesa do Estado, desde que observada a lei.
73 idem74 idem75 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 35
5.2.3. Conceito de discricionariedade
Assim discorre Di Pietro sobre discricionariedade:
A atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso
concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de
oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais
soluções, todas válidas para o direito (Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, in Direito Administrativo, 5ª ed. p. 176, Atlas).
Por força da natureza das funções desempenhadas na Administração
Pública, alguns Poderes Administrativos conferidos ao Administrador contêm
um acentuado grau de Poder Discricionário, dentro do qual ela pode adotar
uma decisão ante uma situação inopinada.
Essa discricionariedade é acentuada no desempenho das funções de
natureza militar, onde o Poder de Polícia é exercido em proveito da manutenção
da lei e da ordem pública.
Assim, o respectivo Comandante Militar pode conduzir, quanto à forma
e ao momento, a melhor maneira de empregar sua tropa dentro de uma
situação de crise, vinculado, porém, à ordem recebida por meio do ato do
Presidente da República 76.
5.2.4. O poder de polícia da tropa empregada
O Estado, ao empregar os instrumentos de defesa, age com coerção, a
fi m de inibir ou coibir ações individuais em proveito do bem comum, e o faz
tendo por base o seu Poder de Polícia.
O conceito de Poder de Polícia é doutrinário. Somente no Código
Tributário Nacional encontramos uma defi nição legal deste poder, qual seja:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em
razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao
76 idem
| Direito Constitucional Militar
36 |
exercício das atividades econômicas dependentes de concessão
ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Doutrinariamente, poder de polícia é “A atividade do Estado consistente
em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse
público” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo, editora
Atlas, 5ª edição).
As Forças Armadas, de acordo com sua missão constitucional, constituem
instrumento de defesa do Estado com amplitude nacional e plena competência
para o exercício do Poder de Polícia de manutenção da lei e da ordem em todo
o território nacional, porquanto as Polícias Militares têm seu Poder de Polícia
limitado ao Território do Estado da Federação que integram 77.
À semelhança das Polícias Militares, o Poder de Polícia das Forças
Armadas é exercido segundo a missão constitucional para garantia da lei e da
ordem 78.
5.2.5. Características do poder de polícia
As principais características do Poder de Polícia são: a discricionariedade,
a auto-executoriedade e a coercibilidade, para defesa do bem comum da
coletividade.
A discricionariedade do Poder de Polícia decorre da impossibilidade
de se prever em lei todas as hipóteses de atuação de polícia, deixando à
Administração a escolha do meio mais adequado e o momento correto para
agir diante do caso concreto.
Quanto à auto-executoriedade é o poder que a Administração tem de
pôr em execução suas decisões, sem recorrer ao Poder Judiciário.
Hely Lopes Meirelles conceitua a coercibilidade como “a imposição
coativa das medidas adotadas pela Administração” (...).
Prossegue o preclaro jurista:
O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifi ca o emprego
da força física quando houver oposição do infrator, mas não
77 idem78 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 37
legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência,
que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de
autoridade nulifi cadores do ato praticado e ensejadores das ações
civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados.
(Direito Administrativo Brasileiro, 16ª ed., p. 117).
5.2.6 Poder de polícia judiciária
O Poder de Polícia das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não
deve ser confundido com o Poder de Polícia Judiciária, pois este é destinado
apenas às autoridades que a lei explicita. No caso das autoridades militares,
o Poder de Polícia Judiciária vem disposto no Decreto-Lei n.º 1.002, de 21 de
outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar (CPPM):
Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do
artigo 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas
jurisdições:
a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e
órgãos que constituem os seus Ministérios, bem como a militares
que, neste caráter, desempenham missão ofi cial, permanente ou
transitória, em país estrangeiro;
b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a
entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;
c) pelos chefes do Estado-Maior e pelo Secretário-Geral da Marinha,
nos órgãos, forças e unidades que lhe são subordinados;
d) pelos comandantes do Exército e pelo comandante-chefe da
Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito
da respectiva ação de comando;
e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona
Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;
| Direito Constitucional Militar
38 |
f) pelo Secretário do ministro do Exército e pelo chefe de Gabinete
do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são
subordinados;
g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos
ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica;
h) pelos comandantes de forças, unidades e navios.
Há de se observar, contudo, que o poder de polícia judiciária pode ser
delegado, obedecidas as normas de “jurisdição, hierarquia e comando”, a
ofi ciais da ativa, “para fi ns especifi cados e por tempo limitado” 79.
Portanto, não são todos os ofi ciais que possuem poder de polícia
judiciária militar, e aqueles que o possuem por delegação têm o seu exercício
estritamente limitado. Assim, por exemplo, um ofi cial não detentor de poder
de polícia originário que é desacatado pode prender o agente em fl agrante
delito, mas não pode lavrar o Auto de Prisão em Flagrante.
A competência da polícia judiciária militar está disciplinada no art. 8º do
CPPM, nos moldes a seguir:
Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial,
estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da justiça militar e aos membros
do Ministério Público as informações necessárias à instrução e
julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que
por eles lhe forem requisitadas;
c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela justiça militar;
d) representar as autoridades judiciárias militares acerca da prisão
preventiva e da insanidade mental do indiciado;
79 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 39
e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos
presos sob a sua guarda e responsabilidade, bem como as demais
prescrições deste Código, nesse sentido;
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que
julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu
cargo;
g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as
pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de
inquérito policial militar;
h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido
de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar
à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o
pedido.
Quanto ao Inquérito Policial Militar (IPM), diz o CPPM que:
Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato,
que, nos termos legais, confi gure crime militar, e de sua autoria.
Tem o caráter de instrução provisória, cuja fi nalidade precípua
é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação
penal.
(grifo nosso)
5.3 Missões de Paz
O século XX assistiu a uma signifi cativa evolução na maneira como
as nações tratam seus confl itos e como as sociedades, de um modo geral, os
encaram. Após dois confl itos mundiais de dimensões assombrosas, as grandes
potências, reconhecendo o enorme risco que a solução dos confl itos pelo
tradicional recurso à guerra poderia acarretar, decidiram pela montagem de
um sistema internacional voltado à preservação da paz e à solução pacífi ca
dos confl itos. Desse sistema resultam as operações de paz, que, conduzidas por
| Direito Constitucional Militar
40 |
organismos internacionais, vêm se esforçando para reduzir as crises, por meio
da cooperação internacional em todos os rincões do globo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) é o principal agente do
esforço internacional de preservação da paz. Sua atuação nesse campo tem
sido caracterizada por fl uxos e refl uxos, marcados pelo maior ou menor desejo
das nações de se envolverem em confl itos que, na maioria das vezes, não
guardam relação direta com seus interesses.
Apesar dessa trajetória incerta, as operações de paz têm proliferado no
mundo. Diversos países, freqüente ou eventualmente, têm posto suas forças
militares à disposição dos organismos internacionais para a condução desse
tipo de operação. É, portanto, uma matéria atual, que merece ser estudada e
acompanhada em suas evoluções.
Para o Brasil, o assunto reveste-se de importância, na medida em que
o anseio do país de buscar exercer uma maior infl uência política nas relações
internacionais passa pela disposição de aceitar uma parcela dos riscos e custos
dos esforços internacionais para a obtenção e preservação da paz.
Participar de operações de paz é uma missão das Forças Armadas e é no
cumprimento dessa missão que, no campo externo, particularmente o Exército
tem sido empregado desde o fi m da II Guerra Mundial. As várias participações
brasileiras em operações de paz e a grande probabilidade de empregos futuros
são motivos cabais para que as operações de paz continuem a merecer dos
Comandantes Militares a atenção que, desde o início dos anos 90, lhes tem
sido atribuída.
5.3.1 A ONU e as Operações de Manutenção da Paz
Generalidades
As operações de paz começaram a ser desenvolvidas pela ONU a partir
do Grupo de Observadores Militares designados para supervisionar a trégua
durante a Guerra Árabe-israelense de 1948. No período de 1948 a 1987, a
ONU coordenou treze operações de paz, entre missões de observação, com
pessoal desarmado, e forças de paz, com tropas armadas. O primeiro emprego
de força de paz ocorreu em 1957, com a 1ª Força de Emergência das Nações
Unidas (UNEF I), incumbida de supervisionar o cessar-fogo após a crise do
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 41
Suez e a retirada das tropas franco-britânicas e israelenses do território egípcio,
assim como de estabelecer uma zona desmilitarizada entre as forças egípcias e
israelenses. A UNEF I esteve em atividade até junho de 1967.
A experiência acumulada pela ONU permitiu-lhe que, em meados de
1970, já dispusesse de uma doutrina consolidada sobre as operações de paz,
que destacava:
(...) a importância da manutenção do comando e controle das
operações na Organização; a necessidade de celebração de
acordos ou de memorandos de entendimento entre a ONU e
os Estados anfi triões, bem como entre a ONU e os países que
contribuem com recursos humanos e materiais, de modo a regular
o relacionamento entre os interlocutores envolvidos; o requisito
indispensável do consentimento a ser outorgado por governos
legítimos para a presença da operação no terreno; o caráter
voluntário da participação dos Estados membros nessas operações;
a conveniência de se observar o conceito da universalidade na
composição das operações, para reforçar o caráter multilateral
da missão; a obediência ao princípio da imparcialidade no
cumprimento do mandato, de modo a evitar o envolvimento da
missão no confl ito; o uso da força em última instância e apenas em
caso de legítima defesa; e a posse restrita de armamento, para as
operações não serem vistas como ameaças potenciais por alguma
das partes em confl ito.
O período de 1966 a 1987 marca um recuo na realização de operações
de paz pela ONU, motivado pelo acirramento da rivalidade entre as
superpotências e por questões fi nanceiras. Somente duas operações de paz
foram aprovadas e realizadas neste período: a Segunda Força de Emergência
das Nações Unidas, em 1973, para monitorar o cessar-fogo entre árabes e
israelenses, e a Força Interina das Nações Unidas no Líbano, em 1978, para
supervisionar a retirada de tropas israelenses do sul daquele país.
O refl uxo da ONU fez com que os confl itos havidos no período
fossem tratados por operações unilaterais ou em coalizão, sem vínculos
| Direito Constitucional Militar
42 |
com a Organização. Embora operações de paz fora do âmbito da ONU
não sejam contrárias ao espírito da Carta da Organização, em virtude do
caráter consensual dessas operações, a prática demonstrou que, apesar de
alguns sucessos, preponderou a impressão dos fracassos ocorridos. Fracassos
motivados: perda real ou presumida da condição de imparcialidade da força,
como ocorrido com a Segunda Força Multinacional do Líbano, em 1982,
quando tropas dos EUA e França foram vítimas de ataques terroristas; abusos
de poder, como a intervenção síria, em 1976, para solucionar a guerra civil no
Líbano sem a solicitação do governo legítimo deste país, embora solicitada por
facções envolvidas na luta. Tais fatos indicaram e reforçaram a conveniência
de as operações de paz serem realizadas ou monitoradas pela ONU, em razão
da sua universalidade, legitimidade e experiência.
O fi nal dos anos 80 e a primeira metade da década seguinte representaram
o período de maior atividade da ONU no campo da manutenção da paz. Desde
1988, foram criadas 39 operações da paz que, comparadas às 13 do período
anterior, bem demonstram o grande aumento do empenho de se manter a
paz numa época marcada pela eclosão de vários confl itos que permaneceram
latentes durante a Guerra Fria.
Houve, igualmente, uma mudança na natureza dos confl itos. A quase
totalidade das intervenções patrocinadas pela ONU nesse período foi
motivada por crises de natureza interna, o que obrigou a Organização a
adotar critérios mais amplos para defi nir o que constitui ameaça à paz e à
segurança internacionais. O aumento das operações de paz e a ampliação dos
critérios de ameaça à paz foram condicionados pela distensão política entre as
superpotências, ocorrida a partir da ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder e
da posterior falência da União Soviética, que proporcionaram maior liberdade
de ação ao Conselho de Segurança; pela proliferação de confl itos étnicos e
religiosos, anteriormente abafados pela confrontação maior da Guerra Fria;
e, fi nalmente, pela crescente universalização dos valores da democracia, dos
direitos humanos e da autodeterminação, que justifi cam a caracterização dos
confl itos internos como ameaça à paz e à segurança internacionais.
Essas operações de paz foram defi nidas como multidisciplinares ou de
segunda geração, devido às suas diferenças em relação às operações clássicas
precedentes.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 43
O alto custo das operações de paz afetou fortemente o orçamento da
ONU, já abalado por problemas de inadimplência da parte de vários Estados.
Por outro lado, os resultados altamente questionáveis das operações na
Somália, Ruanda e antiga Iugoslávia, repercutiram negativamente na opinião
pública e nos meios políticos e governamentais dos EUA, França e Reino
Unido. Esses fatos levaram o Conselho de Segurança a reavaliar os critérios
para a criação de novas operações de paz, provocando um novo retraimento
da presença da ONU nos confl itos.
Uma nova fase será provavelmente marcada por uma maior seletividade
da ONU na escolha dos confl itos em que atuará – o que já desperta a crítica
de certos setores pelo descaso com os “confl itos esquecidos” –, bem como
pela prática de recorrer a organismos regionais ou a coalizões especifi camente
formadas para o cumprimento dos mandatos do Conselho de Segurança.
5.3.2. A Estrutura da ONU para as Operação de Paz
1) Conselho de Segurança: tem a responsabilidade primária pela
manutenção da paz e da segurança internacionais. Incumbe-lhe expedir a
Resolução e a autorização do Mandato, para o estabelecimento de uma
operação de manutenção da paz.
2) Secretário-Geral: como maior autoridade da ONU, pode encaminhar
ao CSNU qualquer matéria que, na sua avaliação, possa se constituir numa
ameaça à paz. Indica o Representante Especial para a Missão e solicita, aos
Estados-Membros, a contribuição com tropas, pessoal civil, suprimentos e
equipamentos, transporte e apoio logístico.
3) Assembléia-Geral: delibera sobre o fi nanciamento da operação e,
excepcionalmente, pode determinar uma operação de paz, caso o CSNU se
veja impedido de fazê-lo.
4) Secretariado: a execução de uma operação de paz envolve o esforço
conjunto de vários departamentos do Secretariado, com destaque para os
Departamentos de Operações de Manutenção da Paz, Assuntos Políticos,
Assuntos Humanitários, Administração e Gerenciamento, Informação Pública
e o Escritório de Assuntos Legais.
| Direito Constitucional Militar
44 |
5) Países contribuintes com tropas e anfi triões: uma força de paz
é convidada pelo governo anfi trião e deve, portanto, respeitar suas leis e
costumes. A permanência desta força é consensualmente acordada entre a
ONU e o anfi trião. Os integrantes da força possuem status, privilégios e
imunidades proporcionados pela Carta (art. 105) e pela Convenção sobre
Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.
5.3.3. As Operações de Paz no Sistema Interamericano
A Organização dos Estados Americanos (OEA) data de 1948 e é
composta por 35 países das Américas e Caribe, além de 44 Estados e da
União Européia (UE), que têm o status de Observadores Permanentes. Os
propósitos essenciais sustentados pela OEA, entre outros, se relacionam com:
afi ançar a paz e a segurança no continente, prevenir as possíveis causas de
difi culdades e assegurar a solução pacífi ca das controvérsias que surjam entre
os Estados membros. Dentre as prioridades estabelecidas pela OEA, pode-se
mencionar como um aspecto muito importante a “Construção da Paz”. Para
o cumprimento desta prioridade, várias missões têm sido estabelecidas na
Nicarágua, Suriname e Guatemala, missões de monitoramento dos direitos
humanos no Haiti em colaboração com a ONU, atividades de remoção de
minas na América Central por intermédio da Junta Interamericana de Defesa,
desmobilização de Forças rebeldes e programas de reinserção social dos ex-
combatentes, entre outros aspectos.
A OEA tem o respaldo da ONU para atuar no campo das operações
de paz. A carta da ONU, no seu capítulo VIII, prevê o recurso a entidades ou
acordos regionais como um dos meios de solução pacífi ca de controvérsias.
Menciona que as partes em confl ito que não consigam chegar a uma solução
no âmbito regional deverão submeter o litígio ao CSNU, como organismo
máximo e de última instância para questões relativas à paz e segurança
internacionais. Deste modo, os organismos regionais têm ampla autonomia
para promover a solução pacífi ca de controvérsias, mas é limitada sua
liberdade de ação quanto à execução de medidas coercitivas sem o prévio
consentimento do CSNU.
Entre os organismos regionais, a OEA não é uma organização
apropriada para executar mandatos do CSNU que impliquem o emprego
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 45
da força, uma vez que sua Carta Fundamental, após sucessivas revisões, não
pode ser vista como contemplando o uso de meios coercitivos para manter a
paz e a segurança internacional (exceto no caso de legítima defesa, individual
ou coletiva). Conseqüentemente, o propósito da OEA de garantir a paz e
a segurança internacional deve ser alcançado por procedimentos pacífi cos,
usando o recurso da pressão política.
Apesar de a OEA não poder agir como braço armado da ONU no
continente americano, ela pode estruturar operações de manutenção da paz
ou apoiar protocolos regionais, desde que: tenha como base a imparcialidade
e o consentimento, não lesione o princípio da não-intervenção e suas
operações possam ser enquadradas no contexto da promoção da solução
pacífi ca das controvérsias. Neste aspecto, pode-se enquadrar o apoio da OEA
ao Protocolo do Rio de Janeiro, assinado em 1942, que, recentemente (1995-
1999), amparou e apoiou o desenvolvimento da Missão de Observadores
Militares Equador-Peru (MOPEP), para promover, no campo militar, as
condições favoráveis à retomada das negociações pela paz.
Ademais, a OEA ampliou a capacidade do Secretário-Geral e do
Conselho Permanente de intervirem em confl itos na busca de soluções
pacífi cas, por meio de uma série de emendas à sua Carta Constitutiva. Para
isso, foi criado um Comitê Especial para a Segurança Hemisférica (Junta
Interamericana de Defesa – JID), que tem por missão colaborar com a OEA
em assuntos militares. A sua área de atuação é a diplomacia preventiva, bem
como as atividades de promoção e consolidação da paz.
O Sistema Interamericano está estruturado pela participação interativa
de organismos, autoridades, tratados, convênios, acordos e outros documentos
que se orientam pelo Direito Internacional e permitem relacionar os Estados
Membros e Observadores Permanentes da OEA, com os propósitos essenciais
que estabelece a Carta da OEA e mandatos específi cos dos Chefes de Estados
Americanos.
5.3.4. A Participação Brasileira nas Operações de Paz
O Brasil é um tradicional participante em operações de paz sob a égide
de organismos internacionais. Já em 1933-34, um ofi cial da Marinha compôs
a Comissão da Liga das Nações, que administrou a região litigiosa de Letícia,
| Direito Constitucional Militar
46 |
durante o processo acordado de retorno da região à soberania colombiana. Nesta
ocasião, o Itamaraty já caracterizava, em suas instruções ao ofi cial brasileiro, o
padrão de conduta que iria nortear toda a posterior atuação do Brasil:
Vossa Senhoria deverá ter sempre presente a necessidade absoluta
em que se encontra o nosso país de não se desviar um só momento
da atitude de perfeita imparcialidade no litígio (...).
Entre 1947 e 1951, dois ofi ciais, um da Marinha e outro do Exército,
participaram da Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs
(UNSCOB), que operou na Grécia, então em guerra civil, para monitorar a
fronteira daquele país com a Albânia, Bulgária e Iugoslávia e para cooperar na
administração da problemática dos refugiados. Essa foi a primeira operação
na qual quadros das Forças Armadas e do Itamaraty interagiram no terreno.
O ano de 1957 marca o início da participação de tropa brasileira em
forças de paz. Um batalhão, o Batalhão Suez, compôs a Primeira Força de
Emergência das Nações Unidas (UNEF I), que garantiu a zona desmilitarizada
entre Egito e Israel, até junho de 1967. Além de contribuir com o Batalhão
Suez, o Brasil assumiu o comando operacional da UNEF I, por duas vezes.
Ao todo, o Brasil participou, sob a égide da ONU, de 23 operações de
manutenção da paz e de duas missões civis desde 1957. Dentre estas operações
destacam-se a UNAVEM III (1995-97), em Angola, e a ONUMOZ (1993-
1994) em Moçambique, que contaram com a participação de tropa.
A partir dos anos 90, a participação brasileira em operações de paz, no
espírito das operações multidisciplinares, deixou de ser exclusivamente militar,
passando o País a colocar à disposição da ONU civis e policiais militares.
No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil
participou, em 1965-66, da Força Interamericana de Paz (FIP), por intermédio
do Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana (FAIBRÁS).
A FIP tinha a missão de restaurar a normalidade na República Dominicana, que se
encontrava em clima de guerra civil em virtude de agitações políticas resultantes
de um golpe de estado. A uma comissão, composta pelos Embaixadores do
Brasil, Estados Unidos e El Salvador, coube a orientação política da FIP e a
elaboração de um acordo entre as partes – o que foi conseguido. A FIP, cujo
comando-geral coube a um general brasileiro, desempenhou com pleno êxito
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 47
sua missão, coordenando e supervisionando a transição para um Governo
provisório e a posterior realização de novas eleições.
Digna de destaque, em razão de situar-se no continente sul-americano,
foi a realização recente da Missão de Observadores Militares Equador-Peru
(MOMEP), que supervisionou o cessar-fogo e a implementação do acordo
de paz entre os referidos países, em torno de litígios de fronteira. Além do
Brasil, ao qual coube a coordenação geral da MOMEP, a Missão contou com
a participação da Argentina, Chile e Estados Unidos, demais países garantes
do Protocolo do Rio de Janeiro, que regulara a questão nos anos 40.
5.3.5. Generalidades
5.3.5.1 Conceitos
A fi m de estabelecer uma base sólida que permita uma adequada análise,
levando em conta as diferentes interpretações e atualizações dos conceitos,
é necessário esclarecer os termos essenciais a serem utilizados. Segundo o
manual C 95 - 1 (Operações de Manutenção da Paz), as Operações de Paz
classifi cam-se como a seguir:
Apoio à Diplomacia
Inclui atividades de Estabelecimento da Paz (Peacemaking), Consolidação
da Paz (Peace Building) e Diplomacia Preventiva.
Estabelecimento da Paz
É o processo destinado à obtenção de acordos que extingam a
confrontação e possibilitem a solução das motivações que originaram o
confl ito. Normalmente, é desencadeado por intermédio da diplomacia,
mediação, negociação e outras formas de acordo político. São operações
desenvolvidas sob o conceito do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas.
Consolidação da Paz
Consiste em ações posteriores a um confl ito, resultado da confrontação
entre Estados, ou no âmbito de um Estado, destinadas a consolidar a paz e
evitar o ressurgimento das controvérsias. Normalmente, envolvem projetos que
| Direito Constitucional Militar
48 |
contribuem não apenas para o desenvolvimento socioeconômico, mas também
para incrementar a confi ança e a interação entre antigas facções inimigas.
Diplomacia Preventiva
É o conjunto de medidas destinadas a evitar o surgimento ou acirramento
de controvérsias entre duas ou mais partes.
Em linhas gerais, o conceito de Apoio à Diplomacia expressa uma idéia
de prevenção das situações confl itantes, à exceção da Consolidação da Paz.
Manutenção da Paz (Peacekeeping)
Constitui-se no emprego de pessoal militar, policial e civil, para auxiliar
na implementação de acordos de cessação de hostilidades celebrados entre as
partes em litígio. Os seus princípios básicos são: o consentimento das partes,
a imparcialidade, o uso mínimo da força limitado à autodefesa e o caráter
voluntário da participação dos Estados-Membros.
Embora não estejam expressamente mencionadas na Carta da ONU,
essas operações, respaldadas pelo Capítulo VI, se fi rmaram como um
instrumento de gerenciamento, por terceiros, de confl itos entre Estados ou no
território de um determinado Estado, por meio da intervenção internacional
não-violenta, voluntária, pautada pela imparcialidade e consentida pelo(s)
Estado(s) Anfi trião(ões).
Dentre outras atividades específi cas, estas operações envolvem: monito-
ramento de cessar-fogo, separação de forças, estabelecimento de zonas de
segurança, auxílio na desmobilização e reintegração dos antigos combatentes à
vida civil, provisão de assistência humanitária, garantia do respeito aos direitos
humanos e implementação de programas de remoção de minas e de outros
artefatos de guerra.
Imposição da Paz (Peace Enforcement)
São medidas desencadeadas por intermédio do emprego de forças
militares que se destinam a restaurar a paz ou estabelecer condições específi cas
em uma área de confl ito ou tensão, onde as partes envolvidas (ou uma delas)
não consintam com a intervenção e estejam engajadas em confrontação bélica.
Nesse caso, o emprego da força é respaldado pelo Capítulo VII da Carta da
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 49
ONU, e far-se-á contra as facções que insistam na violação da paz.
Obviamente, as medidas de imposição da paz poderão implicar o
desencadeamento de operações de combate para a consecução dos seus
objetivos.
Dentre outras atividades, estas medidas incluem: restauração e
manutenção da ordem e estabilidade, proteção de operações humanitárias,
garantia e restrição dos movimentos, imposição de sanções, estabelecimento
de zonas de proteção e imposição da separação dos beligerantes.
Do expressado, deduz-se que, no que diz respeito às Operações de Paz
no âmbito da ONU, a participação de Forças Militares propriamente ditas se
dará nas operações de Estabelecimento da Paz (Peacemaking), Manutenção
da Paz (Peacekeeping) e Imposição da Paz (Peace Enforcement). No caso do
Estabelecimento e Manutenção da Paz deverá haver o consentimento prévio
das partes envolvidas; já na Imposição da Paz este fator não irá constituir uma
condicionante.
5.4 Atribuições Subsidiárias
As atribuições subsidiárias devem ser aproveitadas para adestrar a
tropa e projetar a imagem das Forças Armadas. O emprego nessas ações deve
ser compreendido dentro de sua exata dimensão, não devendo comprometer
a operacionalidade das Forças Armadas. Porém, há que se considerar que
têm valor estratégico como veículo de projeção do EB no seio da sociedade,
neutralizando segmentos interessados na diminuição do peso das FAs nas
esferas decisórias do País.
EXERCÍCIOS
6. Analise a missão das Forças Armadas de acordo com os preceitos constitucionais.
Fundamente sua resposta.
7. Segundo a Política de Defesa Nacional, como são conceituados os termos
Segurança Nacional e Defesa Nacional?
| Direito Constitucional Militar
50 |
8. Quais são os objetivos da Defesa Nacional?
9. Quando deve se dar o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da
ordem? Fundamente sua resposta.
10. Quais são as características do poder de polícia?
11. Todos os ofi ciais possuem poder de polícia judiciária militar? Fundamente
sua resposta.
12. Há amparo na Carta da ONU para intervenção em confl itos com missões de
paz?
13. Qual é a estrutura da ONU para as Operações de Paz?
14. Como são as Operações de Paz no Sistema Interamericano?
15. Quais são as atividades específi cas e características da Operação de
Manutenção da Paz (Peacekeeping) da ONU? E da Operação de Imposição da
Paz (Peace Enforcement)?
16. Quais são os objetivos das atribuições subsidiárias das Forças Armadas?
6. SERVIÇO MILITAR
Laércio Giovani Macambira Marques e outros, em sua monografi a
sobre A Aplicação da Lei Federal Nº 10.029, de 20 de Outubro de 2000, na
Polícia Militar do Ceará e sua Relação Custo Versus Benefício, publicada na
internet em junho de 2001, afi rma que:
Desde a sua criação, o homem envolveu-se em confl itos e lutas com
seus iguais. A primeira notícia que se tem conhecimento desse tipo
de fato é citada na Bíblia Sagrada, no livro Gênesis, o primeiro do
Antigo Testamento, quando Caim matou seu irmão Abel.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 51
A esmagadora maioria dos países do mundo possui algum tipo de força
armada para garantir sua segurança e sua soberania. Cada país, em função
de seus problemas particulares e de suas possibilidades, adota o tipo de
recrutamento (voluntário, compulsório ou misto) que melhor atenda às suas
necessidades, a duração do Serviço Militar mais conveniente e um gasto anual
com suas Forças Armadas conforme suporta sua economia, ou conforme exige
a situação vigente 80.
6.1 Natureza e Obrigatoriedade
No Brasil, o grande defensor e pregador do Serviço Militar obrigatório e
da sua universalidade foi um cidadão civil, o poeta Olavo Bilac, hoje Patrono
do Serviço Militar. A partir de então, as seguidas constituições nacionais têm
mantido o Serviço Militar como obrigatório 81.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988, em seu Título V, Capítulo II, reza, in verbis:
Art. 143. O Serviço Militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º - Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço
alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem
imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente
de crença religiosa e de convicção fi losófi ca ou política, para se
eximirem de atividade de caráter essencialmente militar.
§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos fi cam isentos do Serviço
Militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros
encargos que a lei lhes atribuir.
Da análise do presente dispositivo constitucional emerge o caráter de
obrigatoriedade do Serviço Militar ou de outros encargos, ambos necessários
à Segurança Nacional, nos termos da lei e sob as penas desta. Com a expressão
“ou a outros encargos” logo após “Serviço Militar”, deduz-se que o Serviço
80 (Macambira Marques, 2001)81 idem
| Direito Constitucional Militar
52 |
Militar é, também, um encargo, ou seja, uma incumbência, ocupação, condição
onerosa ou restritiva de vantagem 82.
O Serviço Militar no Brasil, atualmente, está regido pela Lei nº 4.375,
de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar – LSM), que determina, em
seu último artigo, somente entrar em vigor após a sua regulamentação, o que
foi feito em 20 de janeiro de 1966, com a publicação do Decreto nº 57.654
(Regulamento da Lei do Serviço Militar), merecendo destacar na citada LSM
os seguintes dispositivos 83:
Art. 1º. O Serviço Militar consiste no exercício de atividades
específi cas desempenhadas nas Forças Armadas – Exército,
Marinha e Aeronáutica – e compreenderá, na mobilização, todos
os encargos relacionados com a defesa nacional.
Art. 2º. Todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar, na
forma da presente Lei e sua regulamentação.
(...)
§ 2º As mulheres fi cam isentas do Serviço Militar em tempo de
paz e, de acordo com suas aptidões, sujeitas aos encargos do
interesse da mobilização.
Art. 3º. O Serviço Militar inicial será prestado por classes
constituídas de brasileiros nascidos entre 1º de janeiro e 31 de
dezembro, no ano em que completarem 19 (dezenove) anos de
idade.
(...)
Art. 5º. A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz,
começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar
18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano
em que completar 45 (quarenta e cinco anos).
82 idem83 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 53
§ 1º Em tempo de guerra, esse período poderá ser ampliado, de
acordo com os interesses da defesa nacional.
§ 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como
voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade.
Art. 6º.. O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração
normal de 12 (doze) meses.
§ 1º Os Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses
a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos
incorporados às respectivas Forças Armadas.
(...)
Art. 33º. Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço
a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser
concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como
engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força
Armada interessada.
Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou
reengajamento serão fi xados em Regulamentos, Normas ou
Instruções Especiais, baixados pelos Ministérios do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica.
(grifo nosso)
Pela lei, o recrutamento para o Serviço Militar nos municípios é iniciado
pelas Juntas de Serviço Militar, a cargo das prefeituras municipais. O artigo
primeiro da LSM especifi ca que o Serviço Militar será exercido no Exército,
na Marinha e na Aeronáutica. Nesse dispositivo não se incluem, textualmente,
as polícias militares, consideradas “forças auxiliares, reserva do Exército”, na
conformidade do art. 144, § 6º, da Constituição Federal 84.
84 idem
| Direito Constitucional Militar
54 |
Entende-se, então, pela análise desses artigos, que o Serviço Militar inicial
é aquele que o jovem presta normalmente durante um ano numa Organização
Militar Federal. No entanto, a obrigação do brasileiro para com o Serviço
Militar, ou seja, sua disponibilidade, perdura durante vinte e sete anos a partir
do ano em que ele completa a idade de dezoito anos 85.
6.2 Serviço Militar Alternativo
Quanto à prestação de serviço alternativo ao Serviço Militar Obrigatório,
nos órgãos públicos, essa possibilidade legal já existe desde a edição da Lei
Federal n.º 8.239, de 04 de outubro de 1991, que regulamenta o art. 143, §§
1º e 2º, da Constituição Federal, in verbis 86:
8.239/91:
Art. 1º O Serviço Militar consiste no exercício de atividades
específi cas, desempenhadas nas Forças Armadas - Marinha,
Exército e Aeronáutica.
Art. 2º O Serviço Militar inicial tem por fi nalidade a formação
de reservas destinadas a atender às necessidades de pessoal das
Forças Armadas no que se refere aos encargos relacionados com a
defesa nacional, em caso de mobilização.
Art. 3º O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os
brasileiros, nos termos da lei.
§ 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma
da lei e em coordenação com os Ministérios Militares, atribuir
Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados,
alegarem imperativo de consciência decorrente de crença
religiosa ou de convicção fi losófi ca ou política, para se eximirem
de atividades de caráter essencialmente militar.
85 idem86 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 55
§ 2º Entende-se por Serviço Militar Alternativo o exercício de
atividades de caráter administrativo, assistencial, fi lantrópico
ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter
essencialmente militar.
§ 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações
militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das
Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios
Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares,
desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as
aptidões do convocado.
Art. 4º Ao fi nal do período de atividade previsto no § 2º do art. 3º
desta lei, será conferido Certifi cado de Prestação Alternativa ao
Serviço Militar Obrigatório, com os mesmos efeitos jurídicos do
Certifi cado de Reservista.
§ 1º A recusa ou cumprimento incompleto do Serviço Alternativo,
sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal
do convocado, implicará o não-fornecimento do certifi cado
correspondente, pelo prazo de dois anos após o vencimento do
período estabelecido.
§ 2º Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, o certifi cado só
será emitido após a decretação, pela autoridade competente, da
suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a
qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento
das obrigações devidas.
Art. 5º As mulheres e os eclesiásticos fi cam isentos do Serviço
Militar Obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, de acordo
com suas aptidões, a encargos do interesse da mobilização.
Art. 6º O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas baixará,
no prazo de cento e oitenta dias após a sanção desta lei, normas
complementares a sua execução, da qual será coordenador.
| Direito Constitucional Militar
56 |
Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário
(grifo nosso)
Merece destaque o Projeto de Lei nº 556/99, que tramita no Senado
Federal, de autoria do Senador Pedro Simon, alterando o art. 3º da Lei nº
8.239/91, anteriormente transcrita, tendo por objetivo incluir a possibilidade
de os não-engajados prestarem serviço no âmbito dos Poderes Legislativo e
Judiciário, além do Executivo, nos três níveis de Governo, com destaque para
o municipal, o que vem facilitar a permanência do cidadão em seu próprio
município, in verbis:
Art. 1º O art. 3º da Lei nº 8.239, de 4 de outubro de 1991, passa
a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 3º............................................................................................
§1º. Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma
da lei e em conjunto com os Ministérios Militares, exercer o
planejamento, a coordenação e o controle do recrutamento e
da seleção de pessoal para a prestação do Serviço Alternativo,
previsto no art. 143 da Constituição Federal.
§2º. Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades
de caráter administrativo, assistencial, comunitário, fi lantrópico
ou mesmo produtivo, em substituição às de caráter essencialmente
militar.
§ 3º. O Serviço Alternativo será prestado em organizações
militares da ativa e demais órgãos subordinados aos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas da União, Estados
e, preferencialmente, nos Municípios, mediante convênios
celebrados entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja
interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do
convocado.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 57
Art. 2º O Poder Executivo providenciará, no prazo de cento e
oitenta dias, as alterações, no Regulamento da Lei de Prestação
do Serviço Alternativo, decorrentes desta Lei.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(grifo nosso)
Com base nos textos constitucional e legal aqui transcritos, verifi camos
que a regulamentação do serviço alternativo ao Serviço Militar representa um
grande avanço brasileiro, seguindo a linha das nações mais importantes do
Mundo que ainda praticam o Serviço Militar Obrigatório 87.
Outro aspecto importante é o de incutir nos jovens o espírito de
civismo, de amor à pátria e de responsabilidade cidadã, no momento em
que, nesse período, estarão dedicando parte de suas potencialidades em
prol do desenvolvimento da nação brasileira, de forma alternativa ao
aspecto propriamente militar ou bélico, fi cando isentos, em tempo de paz, os
eclesiásticos e as mulheres 88.
EXERCÍCIOS
17. Caracterize o Serviço Militar, de acordo com os preceitos constitucionais.
18. Defi na o Serviço Militar Inicial e informe por quanto tempo ainda haverá sua
disponibilidade.
19. É importante o Serviço Militar Alternativo? Fundamente sua resposta.
87 idem88 idem
| Direito Constitucional Militar
58 |
7. OS MILITARES E O SISTEMA ELEITORAL
Rogério Carlos Born, em seu texto sobre Direito Eleitoral Militar,
publicado na internet, em dezembro de 2005, leciona:
A Constituição da República, no artigo 142, caput, reza que
o emprego das Forças Armadas se destina, além da defesa da
Pátria, ‘à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem’, o que se insere a garantia da
realização de eleições livres.
Assim, quando os pleitos estiverem ameaçados, competirá ao Presidente
da República, por iniciativa própria ou em atendimento ao pedido dos
Presidentes do Supremo Tribunal Federal, Senado Federal ou Câmara dos
Deputados, decidir quanto ao cabimento da atuação das Forças Armadas 89.
Cabe ressaltar que o Tribunal Superior Eleitoral não poderá requerer
diretamente a atuação das Forças Armadas, devendo dirigir a solicitação ao
Supremo Tribunal Federal, e que são requisitos para o atendimento pelo Poder
Executivo a indisponibilidade, a inexistência e a insufi ciência dos instrumentos
de segurança pública 90.
Enfi m, como a presença de tropas armadas nos dias das eleições se
constitui em constrangimento aos eleitores, a lei estabeleceu o caráter residual
da ação militar 91.
No cumprimento dos deveres constitucionais, o processo eleitoral
exige que os membros das Forças Armadas, submetidos aos rígidos preceitos
de obediência, hierarquia e disciplina, fi quem em relativa prontidão com o
escopo de exercer as atribuições relativas à defesa nacional e à garantia dos
poderes constitucionais, da lei e da ordem (artigo 142, caput¸ CF), inclusive
para atender a requisição do Tribunal Superior Eleitoral, por intermédio do
Supremo Tribunal Federal 92.
89 (Born, 2005)90 idem91 idem92 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 59
Em decorrência, os militares deverão, no dia das eleições, permanecer
aquartelados e, de antemão, são dispensados do serviço na Justiça Eleitoral,
conforme prescreve o artigo 75 do Estatuto dos Militares 93.
Por isso, estabelece o artigo 14, § 2º da Constituição que “não podem
alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos” 94.
Tal mandamento remanesce das Constituições republicanas anteriores,
apesar de, na Carta Polaca de 1937 (art. 117), a proibição ter sido extensiva
a todos os militares e, na Constituição de 1967 (art. 142), alcançava às praças
graduadas 95.
É curioso ressaltar que, na avançada democracia da Costa Rica, ao
inverso, a Constituição de 1997 autoriza que a Corte Eleitoral suspenda o
serviço de alistamento militar no período das eleições a fi m de os cidadãos,
inclusive os militares, poderem votar livremente 96.
Na Constituição Federal, a primeira indefi nição reside no conceito
de conscritos e o período em que são considerados “inalistáveis”, uma vez
que a legislação infraconstitucional regulamenta esta questão inspirada na
Constituição de 1946 97.
Os conscritos, segundo ao Regulamento da Lei do Serviço Militar, são
defi nidos como “os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção,
tendo em vista a prestação do Serviço Militar inicial” 98.
Também são equiparados aos conscritos os que se encontram cumprindo
prestação alternativa; os médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários, que
terão a incorporação adiada para depois da colação de grau; os residentes no
exterior e os considerados temporariamente inaptos ao serviço militar 99.
Não estão abrangidos entre os conscritos os engajados e os reengajados,
uma vez que permanecem voluntariamente no serviço militar e segundo as
conveniências das Forças Armadas 100.
93 idem94 idem95 idem96 idem97 idem98 idem99 idem100 idem
| Direito Constitucional Militar
60 |
O processo de prestação do serviço militar compreende as seguintes fases:
alistamento, seleção, convocação, incorporação, exercício, licenciamento e
inclusão na reserva 101.
Na ótica da Constituição de 1967, a capacidade eleitoral ativa, atingida
apenas aos 18 anos de idade, coincidia com a aptidão para o serviço militar
inicial, o que, conseqüentemente, defi nia como “conscritos” os indivíduos da
classe 102.
Assim, para efeitos eleitorais, os conscritos eram impedidos de se alistar
a partir do dia 1º de janeiro do ano em que completavam aquela idade até o dia
do licenciamento, da isenção, da dispensa de incorporação, da matrícula dos
aspirantes-a-ofi ciais, guardas-marinha, subtenentes, ou subofi ciais, sargentos
ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de ofi ciais ou
da promoção dos ofi ciais, subofi ciais e sargentos 103.
Todavia, com a redução da capacidade eleitoral ativa aos 16 anos, a
Carta Magna acabou por vedar o alistamento eleitoral somente durante o
período de serviço militar obrigatório (art. 14, § 2º, CF), o que compreende
apenas o período entre a incorporação e o licenciamento 104.
Realmente, tanto a Lei Máxima (art. 14, §§ 1º e 2º) quanto o Código
Eleitoral (art. 6º) divorciaram os conceitos de alistamento e do voto, afastando
os conscritos apenas do alistamento 105.
Ademais, a Constituição, no art. 15, quando defi niu as hipóteses
taxativas de suspensão ou perda dos direitos políticos, não fez qualquer menção
aos conscritos e, sendo norma de efi cácia plena, não admite a interpretação
restritiva pela utilização do poder normativo da Justiça Eleitoral. 106.
Ademais, o voto é um direito adquirido de primeira geração e agasalhado
por cláusula pétrea, não podendo ser subtraído por critérios hermenêuticos 107.
101 idem102 idem103 idem104 idem105 idem106 idem107 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 61
Delimitando o exercício deste direito, o Código Eleitoral estabelece:
Artigo 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os
brasileiros de um e outro sexo, salvo:
(...)
II – quanto ao voto.
(...)
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os
impossibilite de votar.
(grifo nosso)
Com amparo legal, os recrutas impedidos de votar por exigência do serviço
nos quartéis deverão justifi car a sua ausência no prazo de 60 dias após a realização
das eleições e não proibidos de votar (art. 7º e 16, Lei nº 6.091/74) 108.
Em conclusão, numa exegese sistemática e em desencontro com o
entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, os conscritos são “inalistáveis”
(art. 14 § 6º, CF), mas os já alistados na data da incorporação possuem voto
facultativo (art. 6º, II, c, CE) 109.
Nas campanhas políticas, os militares não poderão usar farda da
corporação (artigos 28, XVIII, a¸ 77, § 1º, a, Lei nº 6.880/80) e, desde que
agregados, não cometem transgressão disciplinar quando, no meio civil e em
atividade político-partidária, externam pensamento ou conceito ideológico,
fi losófi co ou relativo à matéria de interesse público ou manifestam-se sobre
assuntos ou críticas, exceto se tratar de natureza militar sigilosa (art. 1º, Lei nº
7.524/1986) 110.
Os militares da reserva ou reformados antes da candidatura seguem as
mesmas normas direcionadas aos civis, remanescendo, porém, as vedações
quanto ao uso de uniformes militares nas atividades político-partidárias (art.
77, § 1º, a, Lei nº 6.880/80) 111.
108 idem109 idem110 idem111 idem
| Direito Constitucional Militar
62 |
Por imperativo constitucional, o militar, enquanto no serviço ativo, não
poderá estar fi liado a partidos políticos (art. 142, V, CF) 112.
Noutro prisma, a Constituição, a fi m de garantir o exercício da
elegibilidade da classe castrense, garante ao militar o afastamento do serviço
ativo pela agregação, demissão ou licenciamento 113.
No entanto, surgem duas antinomias: a exigência da fi liação partidária
anterior às convenções (art. 9º, Lei nº 9.504/97) e de 1 (um) ano das eleições
(arts. 18 e 20, Lei nº 9.096/95) 114.
O Supremo Tribunal Federal, pacifi cando a questão, proferiu o seguinte
aresto:
Se o militar da ativa é alistável, é ele elegível (CF, art. 14, par.
8.). Porque não pode ele fi liar-se a partido político (CF, art. 42,
par. 6.), a fi liação partidária não lhe é exigível como condição de
elegibilidade, certo que somente a partir do registro da candidatura
é que será agregado.
(STF, Agravo de Instrumento nº 135.452/DF, Relator: Ministro
CARLOS VELLOSO, Julgamento 20/09/1990, Tribunal Pleno,
Publicação: 14/06/91).
Por conseguinte, o Tribunal Superior Eleitoral incorporou esta híbrida
regra por meio do artigo 14, § 3º da Resolução nº 20.993 115.
Quanto à desincompatibilização, os Comandantes da Marinha, Exército
e Aeronáutica, do Distrito Naval, Região Militar e Zona Aérea, para concorrer,
deverão se afastar de seus cargos 6 (seis) meses antes das eleições (art. 1º, II, 4,
6 e 7; III, b, 2, Lei Complementar nº 64/90) 116.
As autoridades militares, com exercício no Município, deverão se
desincompatibilizar 4 (quatro) meses antes do pleito quando concorrerem a
Prefeito ou Vice-Prefeito (art. 1º, IV, c, Lei Complementar nº 64/90) 117.
112 idem113 idem114 idem115 idem116 idem117 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 63
Os militares que exercerem o Comando deverão se desincompatibilizar
em 6 meses (Consulta TSE nº 534)118.
Os demais militares deverão se afastar, no mínimo, 3 (três) meses
antes do pleito (art. 1º, II, l, Lei Complementar nº 64/90, Resolução- TSE nº
18.019)119.
Em síntese, a partir da escolha em convenção partidária, o militar-candi-
dato passará para a inatividade através da agregação, demissão ou licenciamento,
providenciando, em seguida, a fi liação partidária independentemente do
tempo de fi liação e, por fi m, tempestivamente desincompatibilizado, efetuará o
registro da candidatura 120.
EXERCÍCIOS
20. Pode o Tribunal Superior Eleitoral requerer a atuação das Forças Armadas
diretamente ao Poder Executivo? Fundamente sua resposta.
21. Como são defi nidos os conscritos? São alistáveis?
22. O militar poderá usar a farda da corporação nas campanhas e atividades
político-partidárias?
23. Interprete a inter-relação entre os militares e o sistema eleitoral quanto à
desincompatibilização.
8. OS SERVIDORES MILITARES EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
Mercê da índole das atribuições conferidas às Forças Militares no país,
alguns direitos políticos e fundamentais foram negados aos servidores públicos
militares 121.
118 idem119 idem120 idem121 idem
| Direito Constitucional Militar
64 |
Em verdade, os servidores públicos militares experimentam, em
determinadas liberdades e direitos, repise-se, verdadeira capitis diminutio, ora
justifi cáveis pela natureza de sua destinação constitucional ora absolutamente
injustifi cáveis 122.
Nestes termos, o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República
permite a prisão dos militares fora do contexto do fl agrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, gerando
para os militares de carreira, mormente em período de paz, contexto de
insegurança jurídica absolutamente injustifi cável 123.
No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14 da
Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar
obrigatório 124.
O parágrafo segundo do art. 142 da Constituição da República veda
a concessão de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
Trata-se de mais uma capitis diminutio discutível, posto que a hierarquia e a
disciplina militares não se confundem com autoritarismo 125.
Nada obsta que a hierarquia e a disciplina militares sejam preservadas
dentro de um quadro de garantias. Discutível é a vedação do habeas-corpus em
sede de punições disciplinares militares 126.
O inciso IV do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição da
República veda aos militares a sindicalização e a greve. Tais coarctações de
liberdades justifi cam-se pela necessidade de se manter as Forças Armadas
imunes à captação de vontade classista, setorizada, politizada, deletéria da
defesa dos valores maiores entregues à proteção dos militares 127.
Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, o inciso V do
parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição estabelece que o militar,
enquanto em serviço ativo, não pode estar fi liado a partidos políticos
– justifi cável a vedação 128.
122 (Martins, 2002)123 idem124 idem125 idem126 idem127 idem128 idem
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 65
EXERCÍCIOS
24. Interprete os preceitos constitucionais que tratam dos direitos e deveres dos
servidores militares, posicionando se é justifi cável ou não.
25. Analise o art. 5º, inciso XIII, com o art. 142 §2º da CF/88, tendo como
situação um militar inativo exercendo outra profi ssão.
9. SISTEMA PREVIDENCIÁRIO DOS MILITARES
O presente tema tem por fi nalidade divulgar a legislação de amparo da
pensão militar tanto para os militares contribuintes como para os benefi ciários
de seu sistema previdenciário.
9.1 Conceitos
9.1.1 Declaração de Benefi ciários
É o documento elaborado pelo militar onde faz registrar os seus
benefi ciários e outros dependentes que vivam sob suas expensas.
9.1.2 Pensão Militar
É o benefício fi nanceiro pago mensalmente aos benefi cários do militar
falecido que contribuía para este fi m.
9.1.3 Título de Pensão Militar
É o documento emitido pela Administração Militar, fundamentado
nas vantagens e benefícios adquiridos pelo militar contribuinte, estabelecendo
o valor e assegurando o direito à percepção da Pensão Militar devida ao
benefi ciário.
9.1.4 Proventos na Inatividade
Os proventos do militar na inatividade são calculados com base no soldo
integral do posto ou graduação que possua quando da transferência para a
| Direito Constitucional Militar
66 |
reserva remunerada, se contar com mais de trinta anos de serviço. O militar
que, em 29 de dezembro de 2000, tinha completado os requisitos para se
transferir para a inatividade remunerada tem assegurado o direito de quando
efetivá-la perceber proventos equivalentes ao posto superior.
Os proventos na inatividade são, portanto, constituídos das seguintes
parcelas: soldo, adicional militar, adicional de habilitação, adicional de tempo
de serviço, adicional de permanência e adicional de compensação orgânica
(quotas homologadas). As duas últimas valem para quem adquiriu este
direito até dezembro de 2000, com a vigência da Medida Provisória N° 2215,
que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças
Armadas.
Além dos direitos antes citados, o militar na inatividade faz jus a:
adicional-natalino, auxílio-invalidez, assistência pré-escolar, salário-família,
auxílio-natalidade e auxílio-funeral, quando for o caso.
Os valores destes direitos são os correspondentes ao posto/graduação do
militar no momento de sua transferência para a reserva remunerada.
O militar também faz jus a receber 04 (quatro) remunerações como Ajuda
de Custo, por ocasião da passagem para a reserva remunerada. Este valor é
calculado com base no maior soldo do círculo hierárquico: o de General-de-
Exército para os ofi ciais generais, o de Coronel para os ofi ciais superiores, o de
Capitão para os ofi ciais intermediários, o de Primeiro-Tenente para os ofi ciais
subalternos e o de Subtenente para as praças.
Também faz jus a uma remuneração, referente ao período integral de
férias não gozadas relativas ao ano anterior e, na proporção de um doze avos
por mês de efetivo serviço (sendo a fração igual ou superior a quinze dias
considerada como mês integral), referente ao ano vigente, por ocasião da
passagem para a reserva remunerada.
O adicional de férias, valor correspondente a um terço da remuneração
de férias, será pago relativamente ao período integral de férias não gozadas
no ano anterior e, ao incompleto, na proporção de um doze avos por mês de
efetivo serviço, ou fração superior a quinze dias no ano vigente, por ocasião da
passagem para a reserva remunerada.
A reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas,
ocorrida em dezembro de 2000, extinguiu benefícios previstos pela legislação
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 67
anterior. Como regra de transição, foi assegurado aos militares que já
contribuíam para a pensão militar, naquele momento, o direito à manutenção
de alguns benefícios, mediante contribuição mensal de 1,5%.
Os militares que não se interessaram em manter estes benefícios
assinaram um Termo de Renúncia.
Aos que optaram pela contribuição mensal, estão assegurados os
seguintes benefícios, prescritos na Lei n° 3.765/60:
1) da relação dos benefi ciários constante do art. 7°:
a) o benefício da pensão:
(1) a fi lha em qualquer condição;
(2) as irmãs germanas e consangüíneas, solteiras, viúvas ou
desquitadas;
(3) os netos, órfãos de pai e mãe, nas condições estipuladas para
os fi lhos.
2) do art. 29, o acúmulo de duas pensões militares.
9.2 Acidente de serviço
A defi nição de acidente de serviço encontra-se no Decreto nº 57.272, de
16 de novembro de 1965, em seu art. 1º, verbis:
a) no exercício dos deveres previstos no Art. 25 do Decreto-Lei nº
9.698, de 2 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares);
b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente
normal, ou, quando determinado por autoridade competente, em
sua prorrogação ou antecipação;
c) no cumprimento de ordem emanada de autoridade militar
competente;
d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em
regulamentos ou autorizados por autoridade militar competente;
| Direito Constitucional Militar
68 |
e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação
efetuada no interesse do serviço ou a pedido;
f) no deslocamento entre a sua residência e a organização em que
serve ou o local de trabalho, ou naquele em que sua missão deva
ter início ou prosseguimento, e vice-versa. (Alterado pelo Decreto
nº 64.517, de 15/05/69).
§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo aos militares da Reserva,
quando convocados para o serviço ativo.
§ 2º - Não se aplica o disposto neste artigo quando o acidente
for resultado de crime, transgressão disciplinar, imprudência ou
desídia do militar acidentado ou de subordinado seu, com sua
aquiescência. Os casos previstos neste parágrafo serão comprovados
em Inquérito Policial Militar, instaurado nos termos do art. 9º fi m
mandada instaurar, com observância das formalidades daquele
(alterado pelo Decreto nº 90.900, de 05/02/85).
9.3 Pensão de Ex-combatente (reformado e especial)
Ao ex-combatente da 2ª Guerra Mundial que, em 29 de dezembro de
2000, encontrava-se reformado pelo Decreto-Lei nº 8795/46 ou pela Lei nº
2579/55 e a seus dependentes, fi ca assegurado o cálculo de seus proventos
referentes ao soldo do posto de segundo-tenente ou, se mais benéfi co, ao do
posto a que ele faz jus na inatividade; caso contrário estará regido pela Lei nº
8059/90.
9.4 Fundo de Saúde do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Há a contribuição mensal obrigatória para a assistência médico-
hospitalar, sendo constituída de percentuais que incidem sobre as parcelas
que compõem a pensão ou os proventos na inatividade, respectivamente para
os(as) pensionistas e para os militares da ativa ou na inatividade, de acordo
com o contido nos art.10, 15 e 25 da Medida Provisória nº 2.131, de 28 de
dezembro de 2000.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 69
9.5 Reforma
O militar poderá ser reformado no caso de ser julgado por junta de
saúde com incapacidade defi nitiva ou por idade. Na hipótese da incapacidade
física defi nitiva e sendo julgado inválido, poderá obter a melhoria de reforma
(grau hierárquico superior), auxílio invalidez e isenção do imposto de renda.
9.6 Jurisprudência afeta ao tema
9.6.1 Sobre o direito prescrito das diferenças dos 28,86%, no período compre-
endido entre os anos de 1993 até 2000
A violação ao princípio da isonomia foi reconhecida pela jurisprudência
dos Tribunais, através de julgados que repararam tal ofensa, estendendo o
reajuste de 28,86% aos militares das patentes inferiores a dos Ofi ciais Generais
e determinando o pagamento das diferenças entre os reajustes efetivamente
percebidos e o percentual acima aqui referido. O Juizado Especial Federal
determinou, em Enunciado próprio (nº16), verbis:
O reajuste concedido pelas Leis nº 8.622/93 e nº 8.627/93
(28,86%) constituiu revisão geral dos vencimentos, sendo devido
também aos militares que não o receberam em sua integralidade,
compensado o índice então concedido, sendo limite temporal
desse reajuste o advento da MP 2.131 de 28/12/2000.
Também seguiram neste sentido:
EMENTA
ADMINISTRATIVO – SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS
E MILITARES – REAJUSTE DE VENCIMENTOS DO
MÊS DE JANEIRO DE 1993 (28,86%) – LEI N. 8.627/
93 – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 339 DO STF
– COMPENSAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS.
1 – Corrente majoritária da jurisprudência pretoriana fi rmou o
entendimento de que o reajuste de vencimentos, a partir de janeiro
| Direito Constitucional Militar
70 |
de 1993, no percentual de 28,86% sobre os vencimentos do mesmo
mês de janeiro de 1993, deferido aos servidores militares pela Lei
n. 8.627/93, é extensivo aos servidores civis, em obediência ao art.
37, X, da Constituição Federal. Precedentes dos TRF’s das 1ª e 4ª
Regiões e desta Corte.
2 – Seguindo a linha de entendimento prevalecente em nossos
Tribunais Superiores, de que o reajuste pelo índice de 28,86%, em
janeiro de 1993, tem natureza de revisão geral da remuneração,
este deve ser estendido não só aos civis, mas também aos militares
que não o receberam em sua totalidade.
3 – Inaplicabilidade da Súmula 339 do STF ao caso vertente, uma
vez que a própria Corte Suprema, por decisão administrativa de
29.4.93, determinou a observância desse acréscimo percentual à
remuneração dos seus servidores.
4 – Na apuração do percentual devido a cada servidor devem
ser considerados os reajustes concedidos – no caso concreto
– conforme estabelecido na Lei n. 8.627/93, de modo a aferir-se a
diferença devida até o limite de 28,86%, em janeiro de 1993.
5 – Honorários advocatícios compensados nos termos do art. 21
do CPC, pois, uma vez que deverão ser compensados os valores
correspondentes ao reajustamento que, porventura, já tenham sido
obtidos com base na Lei n. 8627/93, observa-se que os autores são
em parte sucumbentes.
6 – Apelo e remessa necessária parcialmente providos (TRF
2ª Região, Apelação Cível n.260348 - Proc. de origem n.
98.00.01009-2, Relator Desembargador Federal Rogério V. de
Carvalho, Apelante: União Federal, e Apelados Alcides Martins e
outro, julg. 28.03.2001).
“Ementa PREVIDENCIÁRIO - CONSTITUCIONAL -
REVISÃO DE PENSÃO ESTATUTÁRIA - REAJUSTE DE
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 71
28,86% - HONORÁRIOS - Tendo sido pago o reajuste de 28,86%
aos militares, genericamente, e, além disso, aos membros e servidores
do Judiciário, seria inconstitucional não fazê-lo aos demais
servidores, pois atentaria contra a regra insculpida no art. 37, X, da
CF, e contra o seu art. 50, que consagra o princípio do tratamento
igualitário. - Somente as categorias funcionais excluídas da revisão
geral procedida pela Lei nº 8627/93 terão direito ao reajuste
integral de 28,86%. As demais categorias têm direito apenas à
complementação dos reajustes porventura recebidos, até o limite
de 28,86%, consoante entendimento do STF - verba honorária,
pela União Federal, mantida no percentual de 5% sobre o valor da
condenação. - Remessa necessária improvida.
(grifo nosso)
9.6.2 Direito da companheira à pensão militar
Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AG
- AGRAVO DE INSTRUMENTO – 90589 Processo:
200202010056122 UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA
Data da decisão: 29/05/2002 Documento: TRF200082635 DJU
DATA:25/07/2002 PÁGINA: 45
JUIZ ROGÉRIO CARVALHO
Acordam os membros da Quarta Turma do Tribunal Regional
Federal da Segunda Região, a unanimidade, nos termos do voto
do Relator, em negar provimento ao recurso.
ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO. EX-COMPANHEIRA.
COMPROVAÇÃO POR JUSTIFICAÇÃO JUDICAL.
A MP nº 2.215-10, de 31.08.2001, trouxe importante modifi cação
à Lei 3.765, de 04 de maio de 1960, determinando que passasse a
vigorar o art. 7º deste último diploma legal, incluindo o companheiro
ou companheira, em primeira ordem de primeira de prioridade,
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72 |
com direito ao deferimento de pensão militar, através de processo
de justifi cação, na consonância da orientação que a jurisprudência
já vinha agasalhando, in verbis: “É possível o reconhecimento da
união estável e o deferimento do pedido de pagamento de parte da
pensão militar sendo casado o companheiro, mas separado de fato
há muitos anos (STJ, 3ª T., REsp 280464/MG, Rel. Min. CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 13.08.2001, pg. 152) -
agravo improvido.
Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AC -
APELAÇÃO CÍVEL – 261142 Processo: 200102010106650 UF:
RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 04/06/
2001 Documento: TRF200078412 DJU DATA:21/08/2001
JUÍZA SIMONE SCHREIBER
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso da
União Federal e não conheceu da remessa necessária, nos termos
do voto da Relatora.
ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR. COMPANHEIRA.
DECLARAÇÃO DE DEPENDENTE. SÚMULA N° 253, DO
EXTINTO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS.
- A designação de dependente feita pelo militar dispensa a dilação
probatória quanto à convivência, ademais, a lei que regulamenta a
união estável não exige mais um tempo mínimo para essa união.
- A jurisprudência pacífi ca do extinto Tribunal Federal de
Recursos reconhece o direito da companheira a concorrer com
outros dependentes à pensão militar, sem observância da ordem
de preferências (Súmula 253).
- Recurso da União Federal improvido e remessa não conhecida.
Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 73
SEGURANÇA – 32064 Processo: 200002010145900 UF: RJ
Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 22/08/
2000 Documento: TRF200074830 DJU DATA: 27/03/2001
JUIZ RALDÊNIO COSTA
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso,
nos termos do voto do(a) Relator(a).
CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PENSÃO
MILITAR – UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRA - LEI Nº
5.774/71, ART. 78 - LEI Nº 6880/80 - PORTARIA Nº1444/SC-
5/90 E PORTARIA Nº 1.583/SC-5/93 - ART. 226, § 3º DA CF/88
- LEI Nº 9.278/96 - SENTENÇA REFORMADA – ASSISTE
DIREITO, EM PARTE, A CONCUBINA, EMBORA NÃO
HOUVESSE IMPEDIMENTO LEGAL PARA O CASAMENTO
- SÚMULA 269 DO STF.
I - O direito está provado uma vez que se constatou a convivência
more uxorio e a dependência econômica, assim se reconhece à
companheira a prerrogativa ao recebimento da pensão deixada
pelo ex-militar.
II - O fato dos companheiros não terem contraído núpcias não
impede a percepção da renda oriunda do óbito do militar, pois a
vedação contida na Lei 5.774/71 em seu art. 78, e mantida pela
Lei 6.880/80 fere a previsão constitucional contida no art. 226, no
parágrafo 3º. Seria absurdo negar à companheira viúva, a renda a
que faz jus. O direito deve fazer justiça e não se ater a regras que
ferem normas da Carta maior.
III - Portaria nº 1.444/SC-5 de 30/05/90, baixada pelo Sr. Gal.
Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, em seu art. 1º,
assegura o benefício da pensão militar à companheira que à
data do óbito do instituidor, esteja vivendo sob sua dependência
| Direito Constitucional Militar
74 |
econômica no mínimo há 05 (cinco) anos esta Portaria foi ratifi cado
pela de nº 1.583/SC-5, de 15/6/93.
IV - Ressalte-se, ainda que o advento da lei nº 9278, de 10/
05/96, que regula o § 3º, do art. 226, da atual Carta Política,
a questão relativa à convivência marital (relação estável), fi cou
defi nitivamente resolvida.
V - Nesta linha, comprovou-se a existência do direito líquido e
certo, lesado, consoante o art. 5º, LXIX da Constituição Federal
de 1988.
VI - Apelação provida parcialmente, para que a companheira
receba a pensão a partir do ajuizamento da ação, pois de acordo
com a Súmula 269 do Supremo Tribunal, o mandado de segurança
não é substitutivo da ação de cobrança. Desta forma, ressalve-se a
apelante o direito a recorrer às vias ordinárias para o recebimento
dos atrasados.
9.6.3 Direito do Ex-Combatente ao atendimento gratuito pelo sistema de saúde
da Força Armada a que estava vinculado à época da Segunda Grande Guerra
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EX-
COMBATENTE – ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR
GRATUITA – ART, 53, IV, DO ADCT – LIMINAR. 1 – O ex-
combatente e seus dependentes têm direito à assistência médica
gratuita, através do serviço de saúde do Ministério da Marinha.
Garantia do art 53, IV, do ADCT. 2 – Presentes o fumus boni juris
e o periculum in mora, cabível a concessão de liminar em mandado
de segurança para garantir a inclusão de ex-combatente e de seus
dependentes na relação de benefi ciários da referida assistência
médica e hospitalar. 3 – Precedentes dessa Corte. 4 – Agravo
improvido. (TRIBUNAL SEGUNDA REGIÃO; classe AG –
AGRAVO DE INSTRUMENTO – 35051; Processo: 9902027261;
UF: ES; Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA; Data de decisão:
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 75
08/05/2001; Documento: TRF200077377; Fonte; DJU DATA: 28/
06/2001; Relator (a); JUIZ RICARDO PERLINGEIRO, decisão
por unanimidade.
Ainda no mesmo sentido outros julgados:
Mandado de Segurança. Constitucional. Militar. Ex-combatente.
Direito à assistência médica e hospitalar. Artigo 53, IV do ADCT.
Alegação de falta de recurso no SAMED. Precedente desta Corte de
Justiça. 1. A nova Constituição Federal de 1988 dilatou os benefícios
outorgados aos ex-combatentes, desde que restasse comprovado que
os mesmos participaram de operações bélicas durante a Segunda
Guerra Mundial nos termos da Lei nº 5315/67, suprimindo a
condição “carência de recursos”. 2. Destarte, à lume da Carta
Magna vigente, não se pode negar àquele que em época do confl ito
mundial foi convocado para o cumprimento de operações militares,
um direito que lhe é assegurado, tendo em vista o disposto no artigo
53, IV do ADCT. 3. A Constituição não condiciona, também, o
gozo do direito pleiteado à existência de recursos fi nanceiros nem
de estrutura médico hospitalar compatível. 4. Precedente desta
Corte de Justiça (REO nº08451/PE). 5. Apelação e remessa ofi cial
improvidos (TRF, 5ª Região, 3ª Turma, AMS 0542782-1994/CE,
julgado 07/11/1996, unânime, Relator juiz Geraldo Apoliano,
publicado no DJ 06/03/1998, pg 575).
Administrativo. Agravo de Instrumento. Ex-combatente. Direito
aos benefícios previstos no art. 53, IV, do ADCT. Possibilidade.
Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Agravo
Regimental. Manutenção da decisão agravada. 1. O CPC, em seu
art. 558, prevê a possibilidade de o Relator, conforme pedido da
parte, suspender o cumprimento de decisão, até pronunciamento
da Turma, sendo relevante a fundamentação e das quais possa
resultar lesão grave ou de difícil reparação. 2. In Casu, retifi cando-
se que o agravado, ex-combatente, encontra-se, prima facie,
abrigado no disposto no art. 53, IV, do ADCT, não há como
| Direito Constitucional Militar
76 |
negar-se-lhe, como também aos seus dependentes, os benefícios ali
previstos. 3. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.
4. Agravo Regimental improvido (TRF, 5ª Região, 2ª Turma, AGA
0518632-1998/PE, julgado 17/11/1998, unânime, Relator Juiz
Petrúcio Ferreira, publicado DJ 19/02/1999, pg 76).
Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AGV
- AGRAVO – 82649 Processo: 200102010306572 UF: RJ
Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 14/08/2002
Documento: TRF200086448
DJU DATA: 25/10/2002 PÁGINA: 367
JUIZ POUL ERIK DYRLUND
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do
voto do Relator.
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA.
LIMINAR. EX-COMBATENTE. ASSISTÊNCIA MÉDICA.
ARTIGO 53, DO ADCT. ALEGAÇÃO DE OFENSA ÀS LEIS
NºS 8437/92, 6880/80, 8237/91, 92.512/86 E PRINCÍPIO DA
ISONOMIA.
1. Estão presentes os requisitos necessários à concessão da medida
liminar. O fato do pedido ser de assistência médica, ainda mais, in
casu, para pessoas de idade tão avançada, revela por si só o risco
de dano irreparável para os agravados.
2. A norma em tela impõe interpretação de forma a diferenciá-
la dos demais artigos que tratam do direito à saúde como, por
exemplo, o artigo 196, CF. É que este cuida do Sistema Único de
Saúde (SUS) e o outro resgata uma dívida de ordem social para
com os ex-combatentes, distinguindo-os de maneira a se conferir
tratamento desigual aos que não se encontram na mesma situação
em homenagem ao princípio constitucional da igualdade. Dessa
forma, dar tratamento igual aos ex-combatentes seria fazer do
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 77
artigo 53 do ADCT uma norma inócua.
3. Do texto constitucional defl ui o entendimento de que o legislador
não condicionou sua efi cácia à edição de norma posterior que
lhe complementasse. Ao contrário, entende-se que o legislador
constituinte almejou conferir-lhe aplicabilidade imediata e efi cácia
plena para disciplinar as situações fáticas que se apresentam.
4. Também não encontra amparo legal a alegação de que seria
necessária a contribuição para o SAMMED/FUSEX. A uma
porque, a própria norma constitucional não faz esta previsão.
Não há condições impostas nesse sentido. A duas porque, sendo
o Ministério do Exército o órgão da Administração responsável
pela prestação da referida assistência médica, faltando recursos
fi nanceiros lhe é possível solicitar dotação orçamentária
suplementar para tais fi ns.
5. Por todo o exposto no voto, não se vislumbra a alegada ofensa
às normas mencionadas. Precedentes desta Egrégia Turma.
6. Agravo de instrumento improvido.
Também no mesmo sentido:
CONSTITUCIONAL – DEPENDENTE DE EX-COMBA-
TENTE – ASSISTÊNCIA MÉDICA – ART 53 IV, DO ADCT
– AUTO-APLICABILIDADE.
I – A Constituição Federal não faz menção à necessidade de
regulamentação para a aplicação do art 53, IV, do ADCT, sendo,
pois, norma de efi cácia plena e auto-aplicável.
II – A assistência médica de que trata o referido dispositivo
constitucional não se confunde com aquela prevista no art 196 da
Constituição, de caráter genérico, posto que trata-se de benefício
concedido em caráter especial apenas aos EX-COMBATENTES e
seus dependentes.
| Direito Constitucional Militar
78 |
III – Remessa e recurso improvidos” (TRF 2ª Região, MAS 27219,
Relator Juiz Reis Friede, DJ: 27/06/2003).
E ainda:
CONSTITUCIONAL. EX-COMBATENTE.
RESSARCIMENTO DE DESPESAS MÉDICAS.
APLICABILIDADE DO ART. 53, IV, ADCT/88.
Desnecessidade do prévio requerimento administrativo, estando
sufi cientemente confi gurada a resistência à pretensão do autor,
pela contestação do pedido.
O art. 53, IV, do ADCT, assegura aos ex-combatentes brasileiros
da Segunda Guerra Mundial “assistência médica, hospitalar
educacional gratuita, extensiva aos dependentes”.
A norma contém todos os elementos e requisitos para sua
incidência direta, desnecessária disposição regulamentar para
conferir-lhe efi cácia.
(AC 187244, 3ª Turma do TRF-4ª Região, Rel Juíza Vivian Josete
Pantaleão Caminha, julg. 31.08.2000, DJ de 27.09.2000, pg. 209).
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR: EX-
COMBATENTE. ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR:
ORGANIZAÇÕES MILITARES DE SAÚDE. C.F., 1988, ADCT,
art. 53, IV. I. - O ex-combatente e seus dependentes têm direito
de serem atendidos pelas Organizações Militares de Saúde. CF/88,
ADCT, art. 53, IV. II. - Negativa de trânsito ao RE da União. III.
- Agravo não provido.
(STF - 2ª Turma, RE 414256 AgR / PE, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO , unânime, DJU de 20.05.2005)
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 79
RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Auto-aplicabili-
dade do art. 53, IV da Constituição. Concessão de assistência
médico-hospitalar gratuita prevista no Dispositivo Transitório,
a dependentes de ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial. Agravo
regimental não provido. O art. 53, IV, do ADCT, é norma de
efi cácia plena e aplicabilidade imediata
(STF - 1ª Turma, RE 417871 AgR / RJ, Rel. Min. CEZAR
PELUSO, unânime, DJU de 11.03.2005)
APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA EM MANDADO
DE SEGURANÇA - ARTIGO 12, PARÁGRAFO ÚNICO
DA LEI Nº 1533/51 - MILITAR - VIÚVA DE EX-
COMBATENTE - ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR
JUNTO ÀS ORGANIZAÇÕES MILITARES DE SAÚDE DAS
FORÇAS ARMADAS - ART. 53 DO ADCT - SENTENÇA
IRRETOCÁVEL
I - Deve ser mantida a r. sentença que determinou à Autoridade
impetrada fosse assegurada à Impetrante, viúva de ex-combatente,
a prestação de serviços de assistência médico-hospitalar pelo
Sistema de Saúde dos Militares do Exército (SAMMED e FUSEX),
independentemente de qualquer restrição ou contra-prestação.
II - A proteção da assistência médica ao ex-combatente e seus
dependentes está garantida no art. 53 do ADCT.
III - A norma constitucional não faz previsão à necessidade de
contribuição para o SAMMED/ FUSEX.
IV - Negado provimento à apelação e à remessa necessária,
mantendo-se integralmente a sentença de 1º grau.
(TRF 2ª Região, 5ª Turma, AMS 2003.51.01.021333-7 RJ, Rel.
Des. Fed. RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA, unânime, DJU de
01.06.2004).
| Direito Constitucional Militar
80 |
9.6.4 Direito a reforma e melhoria de reforma por agravamento mórbido do
militar considerado inválido
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR.
REFORMA. ART 108, INC – 5, E ART 110, PAR-1, DA LEI
6880/80. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. JUROS.
1. Mantida a sentença que concedeu a reforma ao militar no posto
de 3º Sargento, por ser portador de paralisia irreversível, doença
que dá direito ao benefício no posto hierarquicamente imediato,
nos termos do INC-5, ART 108 E PAR-1 DO ART 110 DA LEI
– 6880/80.
2. Descabe apelo da União Federal quanto aos juros, pois foram
fi xados exatamente na forma como requerido nas razões de
recurso.
3. Apelação e remessa improvidas.
(TRF – 4ª Região. Apelação Cível/RS. Terceira Turma. Fonte
Diário de Justiça de 13.08.1997 (pag. 62901, Relatora Marga Inge
Barth Tessler).
Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 169804
Processo: 199800238557 UF: DF Órgão Julgador: QUINTA
TURMA
Data da decisão: 27/10/1998 Documento: STJ000236952 DJ
DATA:23/11/1998 PÁGINA:195 EDSON VIDIGAL Por
unanimidade, não conhecer do recurso Data Publicação 23/11/1998.
Ementa: ADMINISTRATIVO. MILITAR DA RESERVA
REMUNERADA. REFORMA. INCAPACIDADE TOTAL E
DEFINITIVA. SOLDO DA GRADUAÇÃO IMEDIATAMENTE
SUPERIOR. LEI 6.880/80, ART. 110, §§ 1º E 2º, “C”.
1. O militar da reserva remunerada julgado defi nitivamente incapaz
por estar acometido de cardiopatia grave, deve ser reformado com
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 81
o soldo correspondente à graduação hierárquica imediata a que
possuía na ativa.
2. Recurso não conhecido.
9.6.5 Direito ao Auxílio Invalidez
Acórdão do TRF/2, proferido na Apelação Cível nº 1993.51.01.010316-
0, que deu provimento à igual apelação, verbis:
OMISSIS
7- In casu, peço vênia para adotar como razões de decidir o r.
Parecer da Ilustre Procuradora da República, Dr.ª VALÉRIA
GAUDÊNCIO FERNANDES COHEN, às fl s. 136/140, que
opinou pelo provimento do apelo do Autor e pelo não provimento
da apelação da Ré, aduzindo:
(...)
Todavia, equivocou-se a r. sentença impugnada, pelo que merece
reforma, no que tange ao auxílio-invalidez, uma vez que a Medida Provisória
nº 2.215-10, de 31 de Agosto de 2001, que dispõe sobre a reestruturação da
remuneração dos militares das Forças Armadas e altera as Leis 3.765/60 e
6880/80 (Estatuto dos Militares), defi ne claramente o que vem a ser o auxílio-
invalidez no inciso XV, do art. 3º, in verbis:
Art. 3º Para os efeitos desta Medida Provisória, entende-se como:
(...)
XV- auxílio-invalidez – direito pecuniário devido ao militar na
inatividade, reformado como inválido, por incapacidade para o
serviço ativo, conforme regulamentação;
(...)
Sendo assim, verifi ca-se pela defi nição supracitada que para a concessão
do auxílio-invalidez basta a incapacidade para o serviço ativo militar, não
| Direito Constitucional Militar
82 |
havendo qualquer exigência no sentido de que a incapacidade se verifi que para
qualquer outra atividade laborativa. Isto porque, o auxílio-invalidez nada mais
é do que um plus, visando dar um mínimo de conforto ao militar acidentado
em serviço que necessita de tratamento ambulatorial constante, com eventuais
internações e atendimento de enfermagem, como é o caso do autor.
(...)
8- A Jurisprudência pacífi ca desta Egrégia Corte, tem sido
favorável à concessão do auxílio-invalidez quando comprovada a
necessidade de assistência médica, não exigindo, como condição
para o percebimento do referido auxílio, a necessidade de
internação permanente ou cuidados permanentes de enfermagem,
como se depreende dos v. Arestos, in verbis:
Omissis
Restando, portanto, o referido feito assim ementado:
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MILITAR. REFORMA. AUXÍLIO-
INVALIDEZ. CABIMENTO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº
2.215-10. GRATIFICAÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO.
DECRETO-LEI Nº 728/69.
1. A Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de Agosto de 2001,
que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares
das Forças Armadas e altera as Leis 3.765/60 e 6880/80 (Estatuto
dos Militares), concedeu aos militares na inatividade, reformados
como inválidos, por incapacidade para o serviço ativo das Forças
Armadas, o direito ao auxílio-invalidez, não havendo qualquer
exigência no sentido de que a incapacidade se verifi que para
qualquer outra atividade laborativa.
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 83
2. Ademais, a Jurisprudência pacífi ca desta Egrégia Corte
tem sido favorável à concessão do auxílio-invalidez quando
comprovada a necessidade de assistência médica, não exigindo
que haja internação permanente ou cuidados permanentes de
enfermagem.
3. No caso vertente, constata-se, pelos documentos adunados e
pelo laudo pericial, que o Autor preencheu os requisitos impostos
pelo referido dispositivo legal, bem como necessita, para minorar
a evolução das seqüelas, de tratamento ambulatorial constante e,
em caso de internações, de enfermagem eventual.
4. No que concerne à gratifi cação por tempo de serviço, conforme
consta no artigo 127, combinado com o artigo 138, do Decreto-
Lei nº 728/69, o adicional é considerado indenização incorporável,
sendo devido aos militares da inatividade remunerada, não
havendo nenhuma restrição à sua concessão.
5. Pelo exposto, nega-se provimento à remessa necessária e à
apelação da UNIÃO.
6. Apelação do Autor a que se dá provimento, reformando-se, em
parte, a r. Sentença a quo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal
da 2ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À
REMESSA NECESSÁRIA E À APELAÇÃO DA UNIÃO e DAR
PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, reformando-se,
em parte, a r. Sentença a quo, nos termos do Relatório e Voto
constantes dos autos e que fi cam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Rio de Janeiro, 28 de junho de 2006 (data do julgamento).
| Direito Constitucional Militar
84 |
RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA RELATOR.
9.6.6 Da boa-fé e das hipóteses de exceção previstas na súmula 106 do TCU,
sendo indevida a repetição dos valores pagos por erro da administração
SÚMULA Nº 106
O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma,
aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade
da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do
conhecimento da decisão pelo órgão competente.
SÚMULA Nº 235
Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão obrigados,
por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados, as
importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mesmo que
reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na
Súmula nº 106 da Jurisprudência deste Tribunal .
(grifo nosso)
Sendo inclusive aplicação da recente súmula nº 249 do TCU, publicada
no DOU, de 11.05.2007, verbis:
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente
percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e
pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de
lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade
legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista
da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter
alimentar das parcelas salariais.
9.6.7 Responsabilidade Civil Objetiva
Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AC -
Unidade 1- Direito Constitucional Militar
| 85
APELAÇÃO CÍVEL - 273610 Processo: 200102010401179
UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão:
20/02/2002 Documento: TRF200081245 DJU DATA:04/04/2002
Relator JUIZ FERNANDO MARQUES
Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à
remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
PODER-DEVER E AUTO-TUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA
CAUTELAR. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL.
CANCELAMENTO. SUSPEITA DE IRREGULARIDADE
NA SUA CONCESSÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. “FUMUS BONI IURIS”. PRESENÇA.
PRETENSÃO DE NATUREZA ALIMENTAR. “PERICULUM
IN MORA”.
A suspeita de fraude ou irregularidade na concessão de benefício
não enseja, de plano, sua suspensão ou cancelamento, sendo
indispensável a apuração dos fatos em processo administrativo
onde sejam assegurados, ao titular do benefício, o contraditório e
a ampla defesa.
Recurso e remessa improvidos.
INFORMATIVO 263 (RE-215981) do STF com o Título: Dano
Moral e Morte de Filho Artigo: Considerando que a dor sofrida
com a perda de ente familiar é indenizável a título de danos
morais, a Turma reformou acórdão do TRF da 2ª Região que, em
embargos infringentes, afastara a parte da indenização referente
aos danos morais por entender que essa espécie de dano se
restringiria às hipóteses de ofensa a reputação, dignidade e imagem
da pessoa. Tratava-se, na espécie, de pedido de indenização por
| Direito Constitucional Militar
86 |
danos materiais e morais ajuizado, em face da União, por mãe de
soldado morto por outro dentro das dependências de quartel do
Exército, a título de ressarcimento pelo prejuízo material e pela
dor e tristeza sofridas em decorrência do fato. Precedentes citados:
RE 179.147-SP (DJU de 12.12.1997) e RE 192.593-SP (DJU de
13.8.99). RE 222.795-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 8.4.2002.
(RE-222795).
EXERCÍCIOS
26. Qual é o conceito de declaração de benefi ciário?
27. Qual é o conceito de pensão militar?
28. Qual é o conceito de Título de Pensão Militar?
29. Quais são as parcelas constitutivas dos proventos do militar na inatividade?
30. Qual a defi nição de acidente de serviço?
31. Quais são os proventos do ex-combatente da 2ª Guerra Mundial?
32. Quais são as situações de reforma do militar? Há possibilidade de melhoria
de reforma com proventos de posto hierárquico superior?
Direito Disciplinar Militar
UNIDADE 2
Autor: João Rodrigues Arruda
| Direito Constitucional Militar
88 |
1. HIERARQUIA E DISCIPLINA
1.1 Introdução
A abordagem de qualquer tema que lida de perto com a vida na caserna
envolve, em princípio, um certo grau de difi culdade, em razão das próprias e
compreensíveis reservas com que são tratados os assuntos vividos além dos
“Portões das Armas”.
Tais difi culdades são encontradas não apenas quando se trata das
questões especializadas, ligadas à atividade-fi m das Forças Armadas. Mesmo
a rotina administrativa, as funções de apoio, enfi m a Administração Militar
em si, não fogem àquela marca de discrição que guardam os militares
individualmente ou em grupo.
De maior complexidade ainda é o enfoque das questões ligadas às duas
vigas mestras das Instituições Militares: a Hierarquia e a Disciplina.
Esses dois elementos de sustentação da estrutura militar, quando atingidos,
por menor que seja o ferimento causado, provocam o desencadeamento de
todo um mecanismo de autodefesa, que se consubstancia no Poder Punitivo,
quer seja penal quer disciplinar.
O reconhecimento da necessidade dessa pronta-resposta na repressão
aos atos ofensivos ao binômio hierarquia-disciplina é unânime, a tal ponto que
as relações internas nas corporações militares não têm merecido maior atenção
dos administrativistas. Enquanto as luzes são abundantes sobre as questões de
direito disciplinar na esfera do funcionalismo civil, o servidor fardado continua
esquecido dos estudiosos, como se não pertencesse ao mesmo ordenamento
jurídico, em sentido amplo.
Alguns, menos atentos, pretendem mesmo que as peculiaridades da
vida castrense se constitua em incompatibilidade com o mundo jurídico dos
paisanos.
1.2 Hierarquia
Como foi dito, hierarquia e disciplina se constituem nos dois pilares em
que se apoiam as instituições militares. Não há que falar em Força Armada sem
esses dois elementos basilares.
A palavra hierarquia nos vem do grego ierarkia, de ieros – sagrado e
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 89
1 De Plácido e Silva. In: Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1975.2 Idem.3 Idem, ibdem.4 Estatuto dos Militares.5 De Plácido e Silva, op. cit.
arkhia – governo, designando, sob o aspecto religioso, a autoridade suprema
do grande sacerdote. Em sentido amplo, podemos afi rmar que hierarquia
representa o poder maior ou a autoridade proeminente1.
No sentido militar, “é ordem disciplinar que se estabelece no exército,
decorrente da subordinação e obediência em que se encontram aqueles que
ocupam postos ou posições inferiores em relação aos de categoria mais
elevada”2, constituindo-se em “princípio fundamental à vida da instituição” 3.
Nos termos do §1º, do art. 14, da Lei nº 6880, de 9 de dezembro de
1980 4, “a hierarquia militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes,
dentro da estrutura das Forças Armadas”.
Tal dispositivo se inspira no texto constitucional referente às Forças
Armadas, constante do art. 142 da Constituição da República, onde se lê:
As Forças Armadas, constituidas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
1.3 Disciplina
Institucionalmente vinculada à hierarquia, como condição necessária ao
perfeito funcionamento da organização militar, temos a disciplina.
De origem puramente latina, a palavra disciplina designa “a regra ou
conjunto de regras, impostas nas diversas instituições ou corporações como
norma de conduta das pessoas que a ela pertencem”5, mantendo-as submissas
a essas regras.
Tal entendimento, no entanto, pode ser considerado, e o é, por alguns
autores, muito restrito, sem defi nir realmente a disciplina.
D. José Almirante, em seu Dicionário Militar, após dedicar treze páginas
apenas ao verbete disciplina, pergunta: Será que la disciplina no es defi nible?
| Direito Constitucional Militar
90 |
E ele mesmo conclui que não deve se aventurar a uma defi nição para
“este poder invisible, este virus impalpable, que así crea y vigoriza ejercitos
como los enferma y mata con su ausencia”6.
E a quem interessa mais a manutenção da disciplina?
À Instituição Militar e ao Estado, evidentemente, é de todo imprescindível,
pois “o moral elevado e a disciplina andam de mãos dadas” 7 e um exército
onde o moral titubeia está fadado à derrota.
En todos los tiempos, en todos los pueblos, desde Roma y
Bizancio, en el momento en que la disciplina se relajó, el ejercito
y la nacion que lo nutre están heridos de muerte: al paso que por
más desdichas, por más derrotas, por más desastres que ambos
sufran, no hay que desesperar de la salvacion y de la victoria si la
disciplina queda in pié 8.
O próprio D. José Almirante nos apresenta outro enfoque ao admitir que
“la conservacion de la disciplina interesa quizá más al soldado, individualmente
considerado, por su comodidad particular, que al Estado mismo por mucho
que gane com ella 9.
A exata observância da disciplina, segundo o autor espanhol, dá
ao soldado a certeza de que todos cumprindo seus deveres, a justiça e a
imparcialidade se farão sentir com todo seu vigor. “Del mismo modo que
a nadie se le excusam sus deberes, no se priva tampouco a ninguno de sus
derechos” 10.
Não são, portanto, incompatíveis os dois binômios hierarquia e
disciplina e Justiça e Direito, conforme, inclusive, se depreende das palavras
do então Comandante do I Exército, General Heitor Luiz Gomes de Almeida,
mais tarde Ministro do Superior Tribunal Militar, ao abrir o VII Ciclo de
Estudos sobre Direito Penal Militar:
6 ALMIRANTE, D. José. In: “Diccionário Militar”, Madrid, 1869. 7 SOARES, Vicente Henrique Varela e ADELINO, Eduardo Augusto das Neves. In: “Dicionário de Terminologia Militar”, Ed. dos Autores, 1962.8 ALMIRANTE, D. José, op. cit.9 Idem.10 Idem, ibdem.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 91
O Exército é uma organização permanente baseada na hierarquia
e na disciplina, porém, mesmo assim, a Justiça e o Direito devem
imperar em nossa organização, porque em caso contrário seria o
império do arbítrio que fatalmente nos levaria à dissolução.
Muito já se escreveu sobre a disciplina desde Homero, que no seu
consagrado poema retratando a imagem da alma grega se referia ao silêncio e
à imobilidade em forma como sinal de obediência e respeito11.
Autores há, todavia, que não atentam para a disparidade entre os tempos
das legiões romanas, admiradas por sua imortal disciplina e os exércitos da
era moderna.
No decorrer dos séculos a antiga disciplina foi perdendo seu signifi cado
de ciência e arte da guerra para se restringir, em inúmeros casos, à idéia
de repressão arbitrária, às vezes brutal, até mesmo por pequenas faltas,
conformando-se fi nalmente à acepção puramente penal12.
“A fi nalidade da disciplina, que na grande civilização grega era a ordem
da sociedade da razão, passou a ser, na civilização moderna, a força capaz de
esmagar o homem para enquadrá-lo na massa” 13.
Pelos diferentes modos como foi e vem sendo conceituada ao longo dos
tempos:
esta palabra, capital en la milicia, siempre ha requerido larga
y deleida defi nicion; porque si bien se mira, envuelve ideas
muy complejas, al parecer contradictorias ó incompatibles, y
sin embargo simultáneas y correlativas de deberes y derechos,
de estimulo y desaliento, de impetu y represion, de elecion y
humildad, de orgullo y modestia, de premio y castigo14.
Assim, consideradas a distância histórica e as peculiaridades de cada
época, uma defi nição atual de disciplina não pode fi car presa aos conceitos
que informavam as legiões gregas e romanas.
11 Cf. ALMIRANTE. D. José, op. cit.12 MYER, Allan A.. In: “A Disciplina no Exército da URSS”, Military Review, Nov 75. 13 MELLO, General Francisco Batista de, in “O Medo, a Disciplina e a Liberdade”, A Defesa Nacional, nº 699, Jan/Fev 82, p. 178. 14 ALMIRANTE, D. José, op. cit.
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92 |
Essa cautela também deve estar presente mesmo em se tratando de
exércitos contemporâneos, desde que distantes em termos de concepção
ideológica, ou ainda em diferentes momentos históricos.
Exemplo melhor dessa assertiva temos nas profundas transformações
introduzidas no exército soviético, em curtíssimo espaço de tempo.
Logo após a conquista do poder, em 1917, os soviéticos, procurando
estruturar o exército socialista a partir das bases e pelo princípio da “disciplina
e respeito mútuo entre os camaradas” 15, aboliram os postos militares e os
títulos. Menos de um ano depois “o idealismo visionário cedeu lugar ao
realismo”16 e foi restabelecida a disciplina nos moldes tradicionais, já agora
com maior rigor, a ponto de Leon Trotsky afi rmar que era “preciso implantar
a disciplina no Exército Vermelho a qualquer preço” 17.
E o preço, evidentemente, foi bem alto, pois até um sistema de reféns
passou a ser adotado.
De acordo com as explicações do próprio Trotsky, se um ofi cial
traísse o Exército Vermelho, sua família sofreria as consequências.
Para dar substância à ameaça, foi expedida uma ordem mandando
prender imediatamente as famílias dos desertores e traidores 18.
Era o fi m do autogoverno entre as tropas, implantado durante o
Governo Provisório de Kerensky e que viria a ser substituído pela disciplina
baseada na consciência de classe, cujos conceitos foram incorporados nos
códigos disciplinares soviéticos de 1919 e 1925 19.
Em sua parte introdutória, o Código Disciplinar das Forças Armadas da
União Soviética, vigente antes do esfacelamento do bloco comunista, dizia:
A disciplina militar é baseada numa alta consciência política e na
educação comunista, na profunda compreensão que o soldado tem do seu
dever patriótico, nos objetivos do nosso povo, e na altruística devoção à Pátria
Socialista, ao Partido Comunista e ao Governo Soviético20.
15 MYER, Allan A., op. cit.16 Idem. 17 TROTSKY, Leon. In: “Kak Vosruzhalas”, apud Allan A. Myer, op. cit.18 MYER, Allan A., op. cit.19 Cf. BERMAN, Harold J. e KERNER, Miroslav. In: “A Disciplina Militar Soviética”, Military Review, Jun 52. 20 MYER, Allan A., op. cit.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 93
A chamada Revolução dos Cravos, em Portugal, na década de 70,
também provocou mudanças estruturais no sistema disciplinar das Forças
Armadas portuguesas, cabendo destaque para o conceito de disciplina.
A disciplina militar, nos termos do art. 1º do Regulamento Disciplinar
de 2 de maio de 1913, era “o laço moral que liga entre si os diversos graus da
hierarquia militar; nasce da dedicação pelo dever e consiste na estrita e pontual
observância das leis e regulamentos militares”.
Em 10 de abril de 1977, já sob a inspiração do movimento militar,
o Conselho da Revolução, sob a presidência de Antonio Ramalho Eanes,
instituía, com o Decreto Lei nº 142, o novo Regulamento Disciplinar Militar,
“para ter execução em todas as forças armadas”, com o conceito de disciplina
não mais vinculado expressamente ao aspecto moral, mas ainda com relevância
para a obediência.
A disciplina militar em Portugal, segundo o novo texto, em seu art. 1º:
“(...) consiste na exacta observância das leis e regulamentos
militares e das determinações que de umas e outros derivam;
resulta, essencialmente, de um estado de espírito, baseado
no civismo e patriotismo, que conduz voluntariamente ao
cumprimento individual ou em grupo da missão que cabe às força
armadas.
De sua parte, o diploma disciplinar das Forças Armadas francesas nos
oferece um ângulo diverso quando dispõe que a disciplina militar é “fondée
sur le principe d’obéissance aux ordres. Cette discipline repose sur l’adhésion
consciente du citoyen servant sons les drapeaux et le respect de sa dignité et de
ses droits”21.
L’adhésion consciente de que trata o regulamento disciplinar francês
encontra paralelo na idéia de autodisciplina defendida pelo Major Heinz Karst
para o exército alemão do pós-guerra, quando afi rma que “a disciplina militar
nas forças armadas alemãs precisa basear-se no consentimento interior do
soldado”22.
21 Règlement de Discipline Générale dans les Armées, Décret nº 75.675, du 28 julliet 1975, article primier. 22 “A Disciplina é Imperiosa” in Das Parlament, Set/56.
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23 Idem. 24 Military Review, Mar/57, p. 107. 25 Op. cit. p. 7.
O Major Karst foi levado a defender essa idéia por entender que “a
condescendência voluntária, a autodisciplina e a obediência na consciência da
responsabilidade não podem ser impostas a um homem nem ser conseguidas
pela punição23.
Posição semelhante defende o Tenente-Coronel G.O.N. Thompson, em
artigo publicado no “The Engineers Journal” (Grã-Bretanha), em setembro de
1947, ao tratar do que chamou uma “Teoria de um Código Disciplinar Ideal”.
Diz ele:
A punição é o último recurso em qualquer código disciplinar
e só deve ser usada quando todos os outros processos tenham
falhado....estareis no limite de vossa autoridade, se necessitardes
da punição para obter resultados 24.
Também merece registro especial o estudo feito por Chrysolito de
Gusmão sobre disciplina militar. Em sua consagrada obra Direito Penal Militar,
Chrysolito de Gusmão traça lúcido paralelismo entre o desenvolvimento da
tática e da disciplina militares e da sociedade, desde os antigos egípcios e
romanos até as sociedades modernas, demonstrando que a disciplina militar é
a conseqüência direta e imediata da disciplina social.
Diz o autor, referindo-se à Roma antiga:
Na paz como na guerra, na cidade como nos campos de batalha,
a mesma engrenagem da hierarquia se fazia sentir, a máquina
social não se desfazia para dar lugar a outro mecanismo – o
organismo militar; assim a disciplina militar não era, então, se
não uma continuação, uma intacta transplantação da engrenagem
funcional da coletividade em paz, na mais absoluta correlação de
órgãos e funções 25.
A importância da disciplina para os romanos pode ser avaliada no
seguinte episódio, narrado pelo mencionado autor.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 95
Papirius, em batalha com os Samnites, havia saído do campo
de guerra, partindo para Roma a ver se obtinha mais favoráveis
augúrios, pois que, pela consulta aos deuses, feita em campo, os
augúrios não eram favoráveis à sua vitória.
Havia ele proibido a Fabius Rullianus que, em hipótese alguma,
travasse batalha com os Samnites.
Fabius, porém, encontrando-se, em dada ocasião, nas mais
favoráveis circunstâncias para dizimar os Samnites, trava combate
com estes e os vence por completo.
Papirius, ao saber deste feito de Fabius, volta imediatamente ao
campo de guerra e apostrofa cruelmente a empresa gloriosa e
vencedora de Fabius; levando este ao tribunal, e dirigindo-se a ele
disse-lhe:
- Eu quero saber de ti, Fabius, já que a ditadura é o poder supremo
ao qual obedecem quer os cônsules revestidos da autoridade real
e os pretores criados sob os mesmos auspícios que os cônsules,
eu quero saber de ti se tu acreditas justo ou não que um mestre
de cavalaria se submeta às suas ordens. Eu te pergunto ainda
se convencido que eu era da incerteza dos auspícios, eu devia
entregar ao acaso a saúde do Estado, a despeito de nossas santas
cerimônias ou renovar os auspícios a fi m de nada fazer sem saber,
claramente, que os deuses eram por nós. Eu te pergunto, enfi m,
se quando um escrúpulo de religião impedia o ditador de agir, o
mestre de cavalaria podia a isso se furtar. Responde, mas responde
a isto, e nem uma palavra fora disto.
Fabius procura, então se defender, justifi cando-se com a grande
vitória que havia alcançado para as armas romanas, mas o ditador
lhe não permite, ordenando imediatamente que se lhe cominasse a
pena de fustigação.
Alguns protestos são levemente murmurados.
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96 |
Papirius resolve adiar para o dia seguinte a execução da pena, por
já ser quase noite quando o julgamento havia terminado.
Durante a noite, porém, Fabius evade-se e vai à cidade romana
e, com os direitos que lhe davam o cargo que desempenhava em
Roma, convoca o Senado.
Quando velho Fabius, pai de Fabius, o acusado glorioso, protesta
e invectiva perante o Senado o excessivo rigor de Papirius, este,
que para Roma segue no encalço de Fabius, penetra no Senado,
mandando prender Fabius, apesar dos esforços feitos pelos
Senadores para o acalmar.
Fabius, o velho, dirige-se então ao Comitium, que estava reunido
fora, e a este impreca para seu fi lho o perdão, lembrando que
era por ele que os templos estavam àquela hora abertos aos
mais entusiásticos e santos festejos, lembrando a grande vitória
alcançada por Fabius, fi lho.
Já então todos tendiam claramente a perdoar Fabius, sem que, no
entanto, o ditador romano, imbuído da velha, inquebrantável e
rígida disciplina militar romana, cedesse uma linha; a majestade
da tradicional disciplina, a obsessão mística mais natural, naquela
época, pela religião, o princípio de autoridade, etc., tudo arrastava
o infl exível militar romano a não ceder, dizendo então: “Tudo se
liga: a disciplina da família, da cidade e do campo; quereis, vós,
tribunos, ser responsáveis ante a posteridade pelas desgraças que
decorrerão do atentado praticado aos preceitos de nossos avós?
Então, entregai vossas cabeças ao opróbrio para resgatar a falta
de Fabius”.
Por toda a assembléia um calafrio horrível passava; o frio e gélido
golpe da lógica e sistemática oratória de Papirius avassalava todas
as almas, que nela liam as páginas de ouro da história romana e
viam perpassar diante de si a alma dos grandes feitos nacionais – a
férrea disciplina romana.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 97
Ante tal dilema pedem e imploram a Papirius perdão, e de joelhos
caem os próprios Fabius, velho e fi lho.
Papirius, então, em frase da legendária eloqüência romana,
sentencia: Está bem, a disciplina militar e a majestade do comando,
que pareciam hoje perto de perecer, têm triunfado. Fabius não é
absolvido de sua falta; ele deve seu perdão ao povo romano, ao
poder tribunício, que tem pedido graça e não justiça! 26.
Chrysólito de Gusmão identifi ca, fi nalmente, as duas fases da disciplina
– a mecânica e a orgânica – justifi cadas pela evolução da tática que já no início
do século XX emprega nos combates frações de tropa muitas vezes isoladas
em território inimigo.
A esses elementos individualizados, aos quais uma soma imensa de
superiores qualidades de equilíbrio moral e intelectual é exigida,
certo que outra e muito diferente tem que ser a disciplina a lhes
incutir 27.
Considerando apenas o enfoque consagrado no Estatuto dos Militares
brasileiros28, em seu art. 14, §2º, temos que “disciplina é a rigorosa observância
e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que
fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular
e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de
todos e de cada um dos componentes desse organismo”.
O dispositivo estatutário, como se vê, abrange todos os componentes
do organismo militar, do soldado ao general, valendo dizer que não só a
autoridade, mas também a responsabilidade cresce com o grau hierárquico.
A doutrina militar brasileira não se manteve alheia à chamada disciplina
consciente, ao considerar como uma das manifestações essenciais da disciplina “a
colaboração espontânea para disciplina coletiva e a efi ciência da instituição” 29.
26 Op. cit. p. 9/11.27 Idem p. 28.28 Lei nº 6880, de 9 de dezembro de 1980.29 Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942, art. 3º; Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977, art. 6º e Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984, art. 6º.
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Anteriormente, o Decreto nº 1899, de 19 de agosto de 1936, em seu art.
2º, parágrafo único, dava maior destaque à autodisciplina como manifestação
da perfeita disciplina, ao afi rmar:
É preciso, entretanto, ter sempre presente que a disciplina não
consiste, apenas, em seus sinais exteriores, que somente têm valor
como expressão dos sentimentos de quem os pratica. Ela só é real e
proveitosa quando inspirada pelo sentimento do dever, produzida
por cooperação espontânea e não pelo receio dos castigos.
Após a Constituição de 1988, o Exército foi a única Força a adotar um
novo regulamento disciplinar (Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002),
que não trouxe modifi cação signifi cativa em relação ao Estatuto dos Militares
em relação ao conceito de Disciplina.
O Regulamento Disciplinar para a Marinha, aprovado pelo Decreto
nº 88.545, de 26 de julho de 1983, em seu art. 2°, mantém, a respeito da
Disciplina, a mesma redação do Estatuto dos Militares, enquanto o Decreto nº
76.322, de 22 de setembro de 1975, que aprova o Regulamento Disciplinar da
Aeronáutica (RDAER), não se deteve na conceituação de Disciplina.
EXERCÍCIOS
32. Discorra sobre a importância da disciplina para as Forças Armadas.
33. Quais as diferenças entre a disciplina praticada nos exércitos antigos e nos de
hoje? Comente sua resposta.
2. ILÍCITOS DISCIPLINARES
A disciplina, como visto, se traduz na obediência por parte dos
subordinados às ordens dos superiores hierárquicos, comportando-se dentro
da esfera do dever de obedecer e do direito de mandar 30.
30 MIRANDA, Pontes de. In: “Comentários à Constituição Federal de 1967, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Ed. 1974, Tomo V.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 99
31 Dec. nº 1899, de 19 Ago 37.32 GUIMARÃES, Moreira. In: “Direito Militar”, Rio, 1924.33 JUNIOR, José Cretella. In: “Tratado de Direito Administrativo”, Vol. VI, Forense.34 Art. 47 do Estatuto dos Militares.35 Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983.36 CAETANO, Marcello. In: “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, 1ª Ed. 1977, Forense, Rio.
Essa relação de subordinação não atinge a dignidade daquele que está
colocado em degrau inferior da escala hierárquica, conforme consagra a frase
que diariamente é vista por todos os cadetes – futuros ofi ciais – no pátio de
formatura da Academia Militar das Agulhas Negras: Ide comandar, aprendei
a obedecer. Em 1937, o então vigente Regulamento Disciplinar do Exército31
já ostentava, em seu art. 1º, o mesmo princípio: “Aspecto que são do mesmo
dever militar, tão nobre é obedecer quanto comandar”.
Por outro lado, quando se afi rma ser a disciplina “a perfeita compreensão
e a exata execução do dever” 32, não podemos fugir à indagação do que vem a
ser o pólo oposto a esse comportamento.
A indisciplina, ou seja, a negação da disciplina, consiste no
descumprimento dos deveres. É, no dizer do mestre Cretella, “a violação, pelo
funcionário, de qualquer dever próprio de sua condição, embora não esteja
especialmente prevista ou defi nida”33.
Confi gurada a hipótese, estaremos então diante do ilícito disciplinar,
também chamado infração disciplinar, falta disciplinar ou, ainda, transgressão
disciplinar ou contravenção disciplinar 34.
O Regulamento Disciplinar para a Marinha, acompanhando a tradição
da Armada, adota o termo “contravenção disciplinar”35. Contudo, a palavra
contravenção nos transporta mais rapidamente para a área penal, pelo uso
bastante disseminado em função da Lei das Contravenções Penais. Assim,
melhor o uso da expressão transgressão disciplinar, inclusive por estar
tradicionalmente consagrada nos regulamentos disciplinares do Exército e da
Aeronáutica.
Segundo entendimento fi xado por administrativistas renomados, “a
infração disciplinar é atípica, por via de regra, bastando que o fato caiba na
defi nição genérica da violação dos deveres funcionais”36.
| Direito Constitucional Militar
100 |
A infração penal, por outro lado, é típica, e essa tipicidade consiste em
que o comportamento esteja perfeitamente adequado ao tipo penal previamente
defi nido em lei.
Assim, a transgressão disciplinar, graças à sua natureza atípica, compor-
tando grande margem de discricionariedade, ou seja, a faculdade que tem
o administrador de decidir quanto ao mérito do ato, se apresenta de difícil
conceituação do ponto de vista formal.
Sua maior ou menor difi culdade de identifi cação direta varia em função
do dispositivo legal que seja aplicado.
Desde 1942 e até o ano de 1977, os regulamentos disciplinares do
Exército conceituavam as transgressões como sendo “toda violação do dever
militar, na sua manifestação elementar e simples”37.
O caráter genérico era confi rmado no parágrafo único do art. 12 e
no artigo seguinte. Segundo aqueles dispositivos, seriam consideradas como
transgressões “todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar,
especifi cadas no presente capítulo (art. 12)”38, enquanto no art. 13, ao longo
de 128 itens, estavam as diferentes hipóteses de conduta transgressional.
No entanto, a transgressão disciplinar, como foi dito, em geral é atípica.
Logo, não apenas o comportamento especifi camente defi nido é passível de
punição.
Assim, na letra “b” do parágrafo único do art. 12, o decreto cuidou de
cobrir as possíveis lacunas, acrescentando que também seriam transgressões:
todas as ações ou omissões não especifi cadas neste Regulamento,
nem qualifi cadas como crime nas leis penais militares, praticadas
contra a Bandeira, o Hino, o escudo e as armas nacionais,
símbolos patrióticos e instituições nacionais; contra a honra e o
pundonor individual militar; contra os preceitos de subordinação,
regras e ordens de serviço estabelecidas nas leis ou regulamentos,
ou prescritas por autoridade competente.
37 Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942, art. 12. 38 Idem.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 101
Tal dispositivo fi cou conhecido na tropa como “os casos omissos do
treze”, numa referência aos 128 itens do artigo 13 e ao fato de que não carecia
de maior esforço “enquadrar” o subordinado por qualquer ato, dado o
aspecto essencialmente subjetivo da norma e o poder discricionário ao alcance
da autoridade.
Com o Decreto nº 79.985, de 17 de julho de 1977, o novo Regulamento
Disciplinar do Exército manteve praticamente os mesmos termos dos artigos que
tratavam das transgressões disciplinares, ampliando o conceito em seu art. 12.
A partir de então, transgressão disciplinar não era apenas a violação do
dever militar39, mas também “qualquer violação dos preceitos da ética, dos
deveres e das obrigações militares”40.
Convém destacar que sempre foi mantida a distinção entre as
transgressões disciplinares e os crimes militares, pois ainda que ambos se
constituam em violação do dever militar, os segundos consistem “na ofensa a
esses mesmos preceitos, deveres e obrigações, mas na sua expressão complexa
e acentuadamente anormal”41.
Bem tênue, como se observa, é a linha que separa as transgressões
disciplinares dos crimes militares, justifi cando a afi rmação de que “os
regulamentos disciplinares são a antecâmara da repressão penal”42.
Sensível a esse problema da atipicidade, o Ministro do Exército, cinco
meses após a entrada em vigor do Regulamento Disciplinar baixado com o
Decreto nº 79.985/77, emitiu instruções complementares esclarecendo que:
As transgressões relacionadas com o Anexo I do RDE destinam-
se, por serem genéricas, a permitir o enquadramento sistemático
das ações ou omissões contrárias à disciplina. A sua simples
reprodução não caracteriza a forma como se deu a violação dos
preceitos militares e deve, por isso, ser evitada 43.
39 Idem, ibdem.40 Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977, art. 12, caput.41 Idem, in fi ne. 42 COSTA, Álvaro Mayrink da. In: “Crime Militar”, Ed. Rio, 1978, p. 24.43 Letra “b”, da Port. Min. nº 2428, de 20 de dezembro de 1977.
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102 |
A partir de 1984, com o Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro, as Forças
Terrestres adotaram novo Regulamento Disciplinar, mantendo-se os conceitos
de disciplina e transgressão disciplinar anteriores e absorvendo a letra “b” da
Port. Min. nº 2428/77, no parágrafo único do art. 13.
No Anexo I ao referido Regulamento, as 121 espécies transgressionais,
aliadas a quaisquer ações ou omissões não especifi cadas naquele Anexo
nem qualifi cadas como crime nas leis penais brasileiras, desde que afetem a
honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe e outras prescrições
estabelecidas no Estatuto dos Militares, leis e regulamentos, bem como
aquelas praticadas contra normas e ordens de serviço emanadas de autoridade
competente, conforme dispõe o item 2, do art. 13.
O Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que instituiu novo RDE,
em seu art. 14 conceitua transgressão disciplinar como sendo:
toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos
no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e
às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e
simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar
e o decoro da classe.
EXERCÍCIOS
34. Qual a diferença entre contravenção disciplinar e transgressão disciplinar?
35. Em relação à tipicidade, qual a diferença entre crime e transgressão disciplinar?
Fundamente sua resposta.
3. SANÇÕES DISCIPLINARES
3.1 Natureza Jurídica da Sanção Disciplinar
Questão que sem dúvida permite grandes controvérsias é a que diz
respeito à natureza jurídica da punição disciplinar aplicada pela prática de
transgressões.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
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O tema não chega a ser afetado pela corrente que se adote para
considerar a natureza das Forças Armadas. Quer se aceitem as Forças
Armadas como instituição de hierarquia superior a de um serviço público,
garantia das garantias do Estado, quer seja um órgão do Estado e não um
poder em sentido jurídico próprio, a punição disciplinar será de natureza penal
ou administrativa.
Descabe aqui discutir sobre o caráter autônomo ou não da Justiça
Militar que, pelas peculiaridades com que está sempre envolvida, deve,
segundo autores, ser considerada como um ordenamento jurídico particular
dentro do ordenamento jurídico geral do Estado.
Reconhecida que seja, no plano da realidade dos povos, a existência
dos Exércitos, ou seja, “aquela parcela de la colectividad nacional que cada
Estado prepara y equipa para atender a sua propria seguridad o para el logro
de sus aspiraciones y la imposición de sua voluntad em pugna con la voluntad
de otros Estados”44, temos evidenciada a existência de dois tipos de sociedade:
uma civil, fundada na liberdade e outra militar, fundada na obediência. Esta
última, em razão mesmo de sua fi nalidade, necessita de uma organização
hierarquizada com sistema disciplinar especial.
Mas, ainda assim, resta a questão se tal sistema disciplinar seria de
natureza penal ou administrativa.
Os autores nacionais, ao se referirem ao assunto no plano geral do
direito disciplinar, divergem.
De um lado, temos Nelson Hungria, para quem “não há razão
alguma para rejeitar-se o sistema de subordinação da ação disciplinar à ação
penal”45.
Themistocles Cavalcanti, de sua parte, sustenta que:
a boa doutrina está a nosso ver, com os modernos autores de
direito administrativo, que dissociam o problema do direito penal
no conteúdo e na aplicação dos preceitos de direito disciplinar46.
44 VAZQUEZ, Octavio Vejar. In: “Autonomia del Derecho Militar”, México, Ed. Stylo, 1948, p. 17.45 In: Revista de Direito Administrativo, RJ, 29 de janeiro de 1945.46 In: “Direito e Processo Disciplinar” 2ª Ed. Fundação Getúlio Vargas, Rio, 1966, p. 9.
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E arremata: “O importante é defi nir a posição de cada um: quem impõe
a pena criminal é o Estado, através do seu poder jurisdicional; quem aplica a
pena administrativa é a administração” 47.
Jean-Claude Roqueplo, em sua obra Le Statut des Militaires, esclarece
a posição adotada na França e que permite identifi car a maior proximidade
da esfera disciplinar com a penal militar: “Na solução francesa, o direito
penal militar se constitue e se justifi ca como prolongamento da ação do
comandante”48.
Nesse ponto, estamos com o insigne Hungria, porquanto, no que diz
respeito às punições disciplinares militares, não há como dissociá-las do
âmbito do Direito Penal Militar.
Ainda aqui é de extremo relevo atentar para as peculiaridades do Direito
Militar, quando então se apresentam nítidos os pontos de aproximação entre
as esferas disciplinar e penal que, sob o aspecto material, se diferenciam apenas
pelo grau de antijuridicidade.
Já nos Regulamentos Disciplinares, temos que ambos, o crime militar e
a transgressão disciplinar, se constituem em violação do dever militar, sendo o
primeiro na sua expressão complexa e acentuadamente anormal e o último em
sua manifestação elementar e simples49.
Inúmeros são os pontos de contato, podendo ser destacados:
- a classifi cação do comportamento militar das praças está vinculada
à condenação no juízo criminal, quer para rebaixamento quer para
melhoria de classifi cação, sendo mesmo comparada a condenação
por crime à prisão disciplinar em separado, para fi ns de ingresso no
comportamento “Mau”;
- a condenação por contravenção penal é equiparada a uma prisão
disciplinar;
- a Lei nº 5836/72, que regula os Conselhos de Justifi cação, bem como
o Decreto nº 71.500/72, que dispõe sobre os Conselhos de Disciplina,
determinam expressamente que o Código de Processo Penal Militar
47 Idem p. 89.48 Paris, La Documentation Française, 1979, p. 89.49 Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984, art. 12.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
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deve ser aplicado subsidiariamente nos processos daqueles Conselhos,
silenciando sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Entretanto, não apenas as normas da administração militar se aproximam
da legislação penal militar. A recíproca está presente, pois o Código Penal Militar
prevê a possibilidade de a sentença considerar como simples infrações disciplinares
determinados delitos capitulados no CPM. Assim, por exemplo, é o caso do furto
atenuado (art. 240, §1º) e do dano, também atenuado (art. 260).
Do mesmo modo, tanto o sursis como o livramento condicional devem
ser revogados caso o militar benefi ciado com aquelas medidas venha a sofrer
punição disciplinar de natureza grave (arts. 614, III e 632, “c”, do CPPM),
caracterizando mais uma vez a íntima ligação entre a área disciplinar e a penal
militar.
Durante o I Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, realizado
no Rio de Janeiro, em 1958, o auditor Lauro Schuch, tratando da distinção
entre crime militar e transgressão disciplinar, sustentou que, sob o aspecto
material, crime e transgressão disciplinar se distinguem apenas pelo grau
de antijuridicidade da lesão praticada, enquanto o relator da tese, Ministro
Mário Tibúrcio Gomes Carneiro, reconhecia:
a índole penal das infrações disciplinares, equiparáveis às
contravenções penais do Direito comum”, identifi cando, inclusive,
a equivalência entre a expulsão das Forças Armadas e a pena
acessória de perda da função pública. Aliás, como já mencionado,
na Marinha de Guerra tradicionalmente as infrações disciplinares
são denominadas contravenções disciplinares50.
O atual Código Penal Militar, Dec. Lei nº 1001/69, em seu Capítulo V,
do Título V, pode levar à mesma conclusão.
No art. 98, que enumera as penas acessórias, ainda aplicáveis no
Direito Militar, temos, nos incisos I a IV, as que especifi camente recaem
sobre os militares: I – a perda do posto e da patente; II – a indignidade para
o ofi cialato; III – a incompatibilidade com o ofi cialato; IV – a exclusão das
Forças Armadas.
50 Anais do I Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, vol. II.
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Sem dúvida, tais penas acessórias em tudo se assemelham às medidas
administrativas de mesmos nomes, aplicáveis aos militares em razão do
julgamento por meio dos Conselhos de Justifi cação e de Disciplina.
A identidade ainda mais se manifesta quando se sabe que pelo princípio
constitucional da garantia das patentes (CR art. 142, I), mesmo incidindo nos
casos expressos no Código Penal Militar, ou considerado não justifi cado no
Conselho de Justifi cação, “o Ofi cial das Forças Armadas só perderá o posto
e a patente se for julgado indigno do ofi cialato ou com ele incompatível,
por decisão de tribunal militar de caráter permanente”, no caso o Superior
Tribunal Militar, em decisão atípica daquele órgão do Poder Judiciário, em
instância única51.
O mexicano Octavio Vejar Vazques também se pronuncia pela identidade
maior do Direito Disciplinar com o Direito Penal Militar afi rmando:
Generalmente, el criterio diferenciador de la falta y del delito
militares es cuantitativo y no cualitativo o sea que se defi ne por el
grado de tutela que la sanción representa, de manera que cuando
aquél es intenso surge el delito e cuando es restringido y superfi cial
aparece la falta...es decir, en la intensidad privativa o lesionadora
de biens e derechos del infrator52.
3.2 - Sanções Disciplinares
Identifi cada a prática do ilícito disciplinar, fi ca o servidor sujeito à
correspondente sanção, variável conforme o documento legal a que esteja
subordinado.
A partir daí, deverá ser desencadeado o processo administrativo punitivo
“que é promovido pela Administração para a imposição de penalidades por
infração da lei, regulamento ou contrato (...)” e “nesta modalidade se incluem
todos os procedimentos que visem à imposição de uma sanção ao administrado,
ao servidor ou a quem eventualmente esteja vinculado à Administração por
uma relação especial de hierarquia, como são os militares”53.
51 Lei nº 5836/72, que dispõe sobre os Conselhos de Justifi cação. 52 Oo. cit. p. 28. 53 MEIRELLES, Hely Lopes. In: “Direito Administrativo Brasileiro”, 5ª Ed., Rev. dos Tribunais, SP, p.647/648.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
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É de ressaltar que, no tocante às punições a que estão sujeitos os militares,
a discricionariedade é tanto menor quanto mais grave for considerada a falta
cometida e a pena a ser aplicada.
Assim, por exemplo, o Decreto nº 1899/37 trazia ao lado de cada uma
das 145 hipóteses transgressionais consideradas, a título de orientação para a
classifi cação da gravidade da falta, as letras L, M e G, conforme fosse Leve,
Média ou Grave a intensidade da transgressão imputada ao militar.
Ainda que com o objetivo de “orientar o comandante na aplicação da
pena”54, o sistema limitava a ação da autoridade se conjugado com o disposto
no Capítulo VII do mesmo Regulamento, que ao tratar das regras de aplicação
das penas disciplinares determinava que fossem rigorosamente observados
os limites fi xados para apenação, relacionados com a gravidade e natureza
da falta55.
Nos regulamentos atualmente em vigor nas Forças Armadas, a sanção
mais rigorosa a que estão sujeitos os infratores é o afastamento defi nitivo ex
offi cio. O Exército e a Aeronáutica adotaram o licenciamento e a exclusão a
bem da disciplina, enquanto a Marinha optou pela exclusão do serviço, que
pode ser a bem da disciplina, por conveniência do serviço ou por incapaci-
dade moral.
A diferença entre o licenciamento e a exclusão reside apenas em que o
primeiro é aplicado às praças sem estabilidade assegurada (menos de 10 anos de
serviço) e aos ofi ciais da reserva não-remunerada, quando convocados, enquanto
a exclusão disciplinar é aplicada aos estáveis e aos aspirantes-a-ofi cial.
O licenciamento e a exclusão a bem da disciplina, conforme preceitua
a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4375, de 17 de agosto de 1964), consiste no
afastamento ex offi cio da praça:
a) por condenação irrecorrível resultante da prática de crime comum ou
militar, de caráter doloso;
b) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta
grave que, na forma da Lei ou de Regulamentos Militares, caracterize seu
autor como indigno de pertencer às Forças Armadas;
54 Decreto nº 1899/37, arts. 14 e 15. 55 Idem, art. 50.
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c) pelo ingresso no mau comportamento contumaz, de forma a tornar-se
inconveniente à disciplina e à permanência nas fi leiras56.
Das três condições referidas, as letras “a” e “c” partem de pressupostos
perfeitamente identifi cáveis – condenação irrecorrível e mau comportamento
contumaz –, vinculando a ação da autoridade na aplicação do ato punitivo
extremado.
Quanto à letra “b”, em razão do caráter subjetivo das hipóteses
apresentadas, tornou-se necessária a subordinação à “forma da Lei ou Regula-
mentos Militares”.
Assim, na falta de dispositivos legais (Lei) ou regulamentares (Decreto)
que especifi quem os atos considerados como atentatórios à moral pública,
pundonor militar ou falta grave que importe em considerar seu autor indigno
de pertencer às Forças Armadas, não há que se falar em licenciamento ou
exclusão a bem da disciplina.
Em verdade, a legislação que trata da fi gura da indignidade, traçando-
lhe os contornos, é o Decreto-Lei nº 3038, de 10 de fevereiro de 1941, baixado
pelo então presidente Getúlio Vargas.
Segundo o mencionado diploma, à declaração de indignidade fi ca sujeito
o ofi cial, condenado a qualquer pena, pela prática dos crimes de vilipêndio à
Nação, à Bandeira, às Armas do Brasil e ao Hino; traição e cobardia, roubo,
peculato, furto, estelionato ou falsidade documental.
À declaração de incompatibilidade, segundo ainda aquele Decreto-
Lei, fi ca sujeito o ofi cial que se corromper moralmente, pela prática de atos
contrários à natureza; que for condenado a qualquer pena por crime previsto
no Decreto-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938 (crime contra a personalidade
internacional, a estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social);
que se fi liar à organização de existência proibida; que corromper subordinado
pela prática de ato contrário ao pudor individual.
Ainda que o Decreto-Lei nº 3038/41 faça referência expressa apenas aos
ofi ciais, não há razão para que seus conceitos não sejam aplicados às praças.
Em primeiro lugar, não existe outra norma que sirva para caracterizar a
indignidade ou incompatibilidade das praças com as Forças Armadas, em que
56 Art. 31, §3º, da Lei do Serviço Militar.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
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pese a Lei do Serviço Militar exigir que a indignidade seja caracterizada em
razão de Lei ou Regulamento (art. 31, §3º). Finalmente, porque não faz sentido
pretender que a dignidade do ofi cial seja diferente e aferida por parâmetros
mais benevolentes, principalmente se considerarmos que a responsabilidade
cresce com o grau hierárquico.
Até a entrada em vigor do decreto nº 4.346/2002, tais observações
tinham total pertinência. O Regulamento Disciplinar do Exército então
em vigor, ao tratar do licenciamento a bem da disciplina das praças sem
estabilidade assegurada, tratava de maneira substancialmente diversa as
prescrições da Lei do Serviço Militar que tratam do mesmo tema, ampliando
as hipóteses de aplicação do licenciamento a bem da disciplina.
O §1º do art. 30 do referido Regulamento previa que o licenciamento
a bem da disciplina seria aplicado à praça sem estabilidade assegurada,
quando a transgressão afetasse a honra pessoal, o pundonor militar ou o
decoro da classe; estando a praça no comportamento Mau, se verifi casse
a impossibilidade de melhoria de comportamento; houvesse condenação
por crime militar, excluídos os culposos; houvesse prática de crime comum,
apurado em inquérito, excluídos os crimes culposos em ambos os casos.
Como se observa, as transgressões que afetavam a honra etc., não
estavam mais vinculadas à Lei ou Regulamento, como prevê a Lei do Serviço
Militar, quando aí sim poderia o autor ser considerado indigno de pertencer
às Forças Armadas.
Da forma como estava redigido o texto no Regulamento Disciplinar,
o ato deixava de ser vinculado à Lei ou Regulamento, fi cando à decisão
discricionária da autoridade o conceito de indignidade.
Na outra hipótese, foi omitida a contumácia, de modo que ao ingressar
no Mau comportamento, e não restando espaço de tempo de serviço para que
se promovesse a melhoria da classifi cação do comportamento, a praça era
licenciada a bem da disciplina mesmo que não cometesse outra infração.
As duas últimas condições são desdobramentos da letra “a”, do §3º, do
art. 31 da Lei do Serviço Militar. Entretanto, aí também o texto regulamentar
se compadecia de outra redação, compatível com a Lei do Serviço Militar,
norma de hierarquia superior.
Assim é que, enquanto a Lei fala de condenação irrecorrível em
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110 |
crime comum ou militar, o Regulamento Disciplinar se contentava com a
condenação, para os crimes militares, excluídos os culposos; quanto ao crime
comum, satisfazia-se com a prática apurada em inquérito, aí também excluídos
os culposos.
Deste modo, a ser aplicado o Regulamento Disciplinar, como roti-
neiramente era feito, bastava a condenação por crime militar na primeira
instância, ainda que interposto recurso apenas pela defesa, para que o militar
fosse licenciado a bem da disciplina.
Quanto ao crime comum, o problema era mais grave, uma vez que tão
somente com a apuração concluída na fase inquisitorial já podia a praça ser
licenciada a bem da disciplina.
É sabido que o inquérito é instrução provisória que não obriga o
Ministério Público ao oferecimento da denúncia nem o Juiz ao recebimento
da mesma e muito menos a condenação. Nem mesmo a prisão em fl agrante
corresponde necessariamente à autoria e à materialidade, sendo comum a
anulação do fl agrante e o reconhecimento da inocência daquele que, à primeira
vista, parecia ser culpado.
A jurisprudência está inclusive recheada de exemplos de concessão de
habeas-corpus para trancamento da ação penal por falta de justa causa.
Inadmissível, portanto, o licenciamento a bem da disciplina apenas
pela “prática de crime apurado em inquérito”, mesmo porque a Lei do
Serviço Militar admite essa forma de afastamento defi nitivo após condenação
irrecorrível, isto é, a decisão da qual não cabe mais recurso, trânsita em
julgado.
O licenciamento a bem da disciplina conforme vinha sendo aplicado no
âmbito do Exército e nas circunstâncias já apontadas era ilegal por contrariar
os explícitos termos da Lei do Serviço Militar, sendo, portanto, nulo de pleno
direito e atacável judicialmente.
A mesma ilegalidade podia ser observada com o licenciamento a bem da
disciplina de ofi ciais da reserva não-remunerada quando convocados.
O desconhecimento dos militares atingidos por tais atos ilegais não
convalida os mesmos, sendo, portanto, extremamente louvável a nova
redação do Regulamento Disciplinar, evitando-se, assim, a interferência do
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 111
Poder Judiciário nessas questões, o que provoca, indiscutivelmente, grandes
desgastes para a Instituição Militar.
Eis como o novo RDE trata o licenciamento a bem da disciplina:
Art. 32. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem
no afastamento, ex offi cio, do militar das fi leiras do Exército,
conforme prescrito no Estatuto dos Militares.
§ 1º O licenciamento a bem da disciplina será aplicado pelo
Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de
OM à praça sem estabilidade assegurada, após concluída a devida
sindicância, quando:
I - a transgressão afete a honra pessoal, o pundonor militar
ou o decoro da classe e, como repressão imediata, se torne
absolutamente necessário à disciplina;
II - estando a praça no comportamento “mau”, se verifi que
a impossibilidade de melhoria de comportamento, como está
prescrito neste Regulamento; e
III - houver condenação transitada em julgado por crime doloso,
comum ou militar.
O problema permanece no item II, pela omissão da exigência da
contumácia, contida na Lei do Serviço Militar.
Além dessa mudança de grande profundidade, as demais sanções
disciplinares também sofreram modifi cações.
O RDE atualmente em vigor prevê as seguintes sanções disciplinares no
art. 24:
I - a advertência;
II - o impedimento disciplinar;
III - a repreensão;
IV - a detenção disciplinar;
V - a prisão disciplinar; e
VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.
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112 |
Merece registro e refl exão a forma diferenciada como a três Forças
adotam as sanções privativas da liberdade aplicáveis aos seus respectivos
militares.
Enquanto no Exército e na Aeronáutica as punições disciplinares de
detenção e prisão não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento
disciplinar (apenas no RDE) dez dias (parágrafo único do art. 24), na Marinha
a forma de cerceamento da liberdade fi ca limitada a 10 (dez) dias, seja para
prisão simples ou rigorosa, e o impedimento pode chegar a 30 (trinta) dias57.
EXERCÍCIOS
36. Segundo a doutrina, qual o critério de diferenciação entre crime militar e
transgressão disciplinar?
37. Qual a natureza jurídica da sanção disciplinar? Fundamente sua resposta.
38. Compare e analise os critérios para o licenciamento a bem da disciplina
previstos na Lei do Serviço Militar e no Regulamento Disciplinar do Exército.
4. CONSELHOS DE JUSTIFICAÇÃO E DE DISCIPLINA
Os militares estão sujeitos ao afastamento defi nitivo ex offi cio, por
incapacidade moral, por três caminhos: o licenciamento a bem da disciplina,
para as praças com menos de 10 (dez) anos de serviço e ofi ciais formados pelos
Centros e Núcleos de Preparação de Ofi ciais da Reserva, quando convocados;
a exclusão a bem da disciplina, para as praças com estabilidade assegurada por
contarem mais de 10 (dez) anos de serviço e os aspirantes a ofi cial; a demissão
para os ofi ciais de carreira.
Além das hipóteses em que é aplicada como pena acessória58, a exclusão
a bem da disciplina é imposta quando os que a ela estão sujeitos incidirem nos
casos que motivarem o julgamento pelo Conselho de Disciplina59.
57 Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1975. Regulamento Disciplinar para a Marinha, Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983.58 Art. 102 do CPM, Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969.59 Art. 125, inciso III, da Lei nº 6880/80, Estatuto dos Militares.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 113
Quanto à demissão de ofi ciais, é subordinada a procedimentos
semelhantes, ainda que regulados por normas próprias60, diferindo nos
detalhes relativos à composição do colegiado, já então denominado
Conselho de Justifi cação, e à competência para declaração de indignidade ou
incompatibilidade, que é deferida ao Superior Tribunal Militar, por força do
princípio constitucional da garantia das patentes militares.
A patente militar é o título que corresponde ao posto. Quem tem posto
tem patente. Ambos estão intimamente ligados, não havendo ofi cial sem posto
e patente.
A partir de 1969, com a Emenda Constitucional nº 1, tivemos fortalecido
o princípio da garantia das patentes, historicamente já reconhecido em outras
Cartas brasileiras.
A Constituição de 1967, na esteira das anteriores, previa a perda do posto
e da patente, sendo bastante o trânsito em julgado de sentença condenatória
cuja pena restritiva de liberdade fosse superior a 02 (dois) anos.
Pelo texto constitucional adotado com a EC nº 1/69, não bastava a
condenação, qualquer que fosse a pena. “O ofi cial só perderá o posto e a
patente se for declarado indigno para o ofi cialato ou com ele incompatível, por
decisão de tribunal militar de caráter permanente”, ou seja, o Superior Tribunal
Militar. É o que dizia o §2º do art. 93 da Constituição/69. A Constituição de
1988 manteve o mesmo princípio no art. 142, §7º.
Os Conselhos de Justifi cação – e guardadas as peculiaridades os
Conselhos de Disciplina – têm-se mostrado, ao longo dos tempos, como o
meio de maior efi cácia para afastar das Forças Armadas aqueles que por sua
conduta com ela se mostram indígnos ou incompatíveis.
Esses Tribunais de Honra, como também são chamados, nasceram no
Direito Militar brasileiro com o Decreto nº 4651, de 17 de janeiro de 1923,
quando na presidência de Artur Bernardes, aperfeiçoando sua estrutura e
funcionamento até os dias de hoje.
Atualmente os Conselhos de Justifi cação são regidos pela Lei nº 5836/
72, e a eles são submetidos, a pedido ou ex offi cio, os ofi ciais de carreira da
ativa, da reserva ou reformados, quando incidirem em qualquer das hipóteses
elencadas no art. 2º da mencionada lei, ou seja:
60 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.
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I - acusado ofi cialmente ou por qualquer meio lícito de comu-
nicação social de ter:
a) procedido incorretamente no desempenho do cargo;
b) tido conduta irregular; ou
c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou
o decoro da classe;
II - considerado não habilitado para o acesso, em caráter
provisório, no momento em que venha a ser objeto de apreciação
para ingresso em Quadro de Acesso ou Lista de Escolha;
III - afastado do cargo, na forma do Estatuto dos Militares, por se
tornar incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no
exercício de funções militares a ele inerentes, salvo se o afastamento
é decorrência de fatos que motivem sua submissão a processo;
IV - condenado por crime de natureza dolosa, não previsto
na legislação especial concernentes à segurança do Estado, em
Tribunal civil ou militar, a pena restritiva de liberdade individual
até 02 (dois) anos, tão logo trânsite em julgado a sentença, ou
V - pertencente a partido político ou associação suspensos ou
dissolvidos por força de disposição legal ou decisão judicial, ou
que exerçam atividades prejudiciais ou perigosas à segurança
nacional.
As situações de maior incidência são as constantes das letras “b” e “c”,
do inciso I, e a do inciso IV.
Tratando-se de um instituto tipicamente militar e de natureza
essencialmente moral, os Conselhos de Justifi cação e de Disciplina visam
impedir que a impunidade correntemente verifi cada em outros ramos de
atividade para quem atinge apenas princípios da moral ocorra entre os
componentes do organismo militar.
No entanto, ainda que se reconheçam seus signifi cativos serviços em
proveito da moralidade administrativa militar, o caráter marcadamente
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 115
subjetivo dos atos sujeitos a recriminação pelos Conselhos tem possibilitado a
ocorrência de inúmeras injustiças e arbitrariedades.
Por outro lado, grandes são as difi culdades enfrentadas pelos ofi ciais
que deles fazem parte como julgadores, assim como para os acusados. Tais
difi culdades são menores para os membros dos Conselhos de Disciplina, pois
para esses colegiados existem Instruções Normativas baixadas pelos escalões
superiores, com modelos e formulários a serem utilizados.
Não é o que ocorre com os Conselhos de Justifi cação, e as diferenças
em relação aos Conselhos de Disciplina impedem a adoção pura e simples das
Instruções específi cas.
Em tempo de paz, o Conselho de Justifi cação é composto de 3 (três)
ofi ciais de posto superior ao do acusado, em respeito ao princípio hierárquico,
nomeados pelo Ministro da Força Armada a que pertença o justifi cante, e
sob a presidência do de maior posto, no mínimo um ofi cial-superior da ativa.
Completam o colegiado, ainda na ordem hierárquica, um ofi cial interrogante
e relator e, por último, um ofi cial escrivão.
Os procedimentos a serem observados se assemelham aos adotados para
o processo ordinário previsto no Código de Processo Penal Militar, servindo
aquele diploma processual como elemento subsidiário, conforme expresso no
art. 17 da Lei nº 5836/72.
A adoção de normas processuais, expressa ou subsidiariamente, traduz
indiscutível tendência de garantia da normalidade no funcionamento dos
Conselhos. Entretanto, sendo os ofi ciais em regra pouco versados na técnica
jurídica, a cautela do legislador não atinge plenamente seus objetivos, sendo
comuns as dúvidas quanto à aplicabilidade de diversos institutos processuais.
Algumas fases do Conselho de Justifi cação, pela maior possibilidade de
causarem nulidades no processo, merecem destaque.
Peça da maior importância é o libelo acusatório. Guardadas as
proporções, o libelo acusatório no Conselho de Justifi cação – e do mesmo
modo no Conselho de Disciplina – corresponde à denúncia no processo
criminal militar, devendo conter “com minúcias o relato dos fatos e a descrição
dos atos que lhe são imputados”61.
61 Art. 9º, in fi ne da Lei nº 5836/72.
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116 |
Considerando-se que, nos termos da mencionada Lei, em seu art. 17,
“aplicam-se a esta lei, subsidiariamente, as normas do Código de Processo
Penal Militar”, temos que o libelo acusatório, pela sua similitude com a
denúncia criminal, está subordinado aos requisitos do art. 77 do CPPM,
respeitadas, obviamente, as peculiaridades do Conselho de Justifi cação.
Dentre os requisitos que deve conter a denúncia e, por via de
consequência, o libelo acusatório, destaca-se no art. 77 do CPPM a letra “e”,
que exige “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”,
sob pena de ser considerada inepta.
A exigência se compreende uma vez que somente tendo o acusado
conhecimento dos fatos imputados, bem como de todas as circunstâncias a
respeito dos mesmos, poderá ele exercitar sua defesa de forma ampla, através
do contraditório, conforme a própria Lei nº 5836/72 lhe assegura em seus
artigos 1º, in fi ne, 9º e seu §2º e art. 17.
Tais disposições estão em harmonia com o texto constitucional, que,
no art. 5º, inciso LV, consagra os princípios da ampla defesa e do devido
processo legal, garantias processuais constitucionais indispensáveis no Estado
Democrático de Direito.
Isso não implica que o libelo acusatório deva ser prolixo, desneces-
sariamente extenso e detalhado. Fundamental é que seja claro, preciso e, se
possível, também conciso.
Outro ponto que freqüentemente causa dúvidas nos ofi ciais nomeados
para comporem os Conselhos diz respeito aos prazos a serem observados para
conclusão.
O art. 11 da Lei nº 5836/72 fi xa em 30 (trinta) dias o prazo para a
conclusão dos trabalhos a serem desenvolvidos pelo Conselho de Justifi cação,
sendo que tal prazo começa a fl uir da data da assinatura da Portaria
Ministerial de nomeação do Conselho e até o seu término deverá ser remetido
o Relatório. Excepcionalmente, diz o parágrafo único, a autoridade nomeante
pode conceder prorrogação por mais 20 (vinte) dias.
À primeira vista, o prazo de 30 dias parece insufi ciente. Considerando
que o justifi cante pode, em sua defesa, requerer a produção de todas as provas
permitidas no Código de Processo Penal Militar, isto é, perícias, exames,
juntada de documentos em poder da autoridade militar com sede em outra
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 117
guarnição, audiência de testemunhas, acareação etc.62, realmente pode parecer
muito exíguo o prazo concedido.
Entretanto, algumas difi culdades podem ser contornadas com o auxílio
do próprio CPPM, suspendendo-se a contagem do prazo para a realização de
diligências, conforme permissivo do §1º do art. 390 do CPPM.
Segundo o mencionado parágrafo, “não será computada naqueles
prazos a demora determinada por doença do acusado ou defensor, por
questão prejudicial ou por outro motivo de força maior justifi cado pelo
auditor, inclusive a inquirição de testemunhas por precatória ou a realização
de exames periciais ou outras diligências necessárias à instrução criminal,
dentro dos respectivos prazos”.
Descontados os dias necessários à realização de diversas diligências e os
demais períodos abrangidos pelo parágrafo citado, os 30 dias somados aos 20
da possível prorrogação são sufi cientes na maioria dos casos, atendendo, ao
mesmo tempo, ao caráter de urgência de que se revestem os Conselhos.
Outra questão relevante é a que diz respeito à defesa do acusado.
A Lei nº 5836/72, em seu art. 9º, assegura ampla defesa, em harmonia
com o texto constitucional, enquanto faculta ao justifi cante requerer a
produção de provas nos termos do CPPM, sempre dentro do espírito
garantidor do exercício da defesa.
Uma interpretação menos atenta, muito frequente, aliás, pode levar
a concluir que o justifi cante se manifesta apenas uma vez, quando do
oferecimento das suas razões de defesa, no prazo de cinco dias após a
apresentação do libelo acusatório.
Sabendo-se que o CPPM deve ser observado subsidiariamente às normas
da Lei nº 5836/72, conforme determina seu art. 17, é forçoso concluir que em
outras oportunidades pode o acusado se pronunciar.
Assim deve ser, por exemplo, quando o Conselho inquirir o acusador
(art. 10, parte fi nal); após o depoimento das testemunhas (arts. 352, §§3º e
4º, do CPPM); após a acareação (art. 366, §2º, do CPPM); para falar sobre
as diligências determinadas pelo Conselho (art. 8º, da Lei nº 5836/72, c/c art.
296, do CPPM) etc.
62 Ver Título XV, do Livro I do CPPM.
| Direito Constitucional Militar
118 |
Não há dúvida de que após a remessa dos autos do Conselho ao
Superior Tribunal Militar, caso o entendimento do Ministro da Força lhe seja
desfavorável, o acusado terá prazo para falar sobre a decisão ministerial (art.
15). Entretanto, essa oportunidade não supre as situações anteriores, sendo
certo, do mesmo modo, que as manifestações do acusado na fase inicial
podem perfeitamente conduzir a uma opinião favorável tanto do Conselho
quanto do Ministro nomeante, evitando, assim, que o processo se prolongue
por tempo desnecessário.
Indiscutivelmente, qualquer obstáculo ao exercício da ampla defesa
implica nulidade insanável, desde que traga prejuízo ao acusado, o que
demonstra a necessidade de que sejam respeitados os preceitos contidos no
Código de Processo Penal Militar.
EXERCÍCIOS
Compare o libelo acusatório dos Conselhos de Justifi cação e de Disciplina com a
denúncia no processo penal militar.
39. Quanto à fi nalidade, quais as diferenças entre os Conselhos de Justifi cação e
os Conselhos de Disciplinas?
40. Qual o diploma legal a ser observado subsidiariamente nos Conselhos de
Justifi cação e de Disciplina? Exemplifi que.
5. DIREITO DE DEFESA NOS PROCESSOS DISCIPLINARES
5.1 A Ampla Defesa
O inciso LV do art. 5º da Constituição da República proclama que:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes.
Em confronto com o ordenamento constitucional anterior, a Emenda
Constitucional nº 1/69, e especifi camente em relação à ampla defesa, temos
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 119
que enquanto no texto de 1969, no art. 153, § 15, a referência se limitava
“aos acusados”, o que levava muitos a interpretarem que somente se aplicava
aos acusados em processo criminal, a garantia, a partir de 1988, foi ampliada
explicitamente aos acusados em geral e também aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, espancando de vez qualquer interpretação
limitadora.
O direito de defesa como instituto constitucional teve seu surgimento no
direito brasileiro ainda no Império, com a Constituição Política do Império do
Brasil, de 25 de março de 1824.
Naquele diploma, mantida a mesma redação do projeto elaborado pelo
Conselho de Estado, encontramos, no Título VII, “Das disposições gerais e
garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”, o art. 179, 8º,
onde se lê:
Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos
declarados na lei; e nestes, dentro de 24 horas, contadas da entrada
na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas
aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos, dentro
de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do
território, o juiz, por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu
o motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas,
havendo-as.
Temos aí a primeira menção à nota de culpa, isto é
a declaração escrita entregue ao acusado, quando de sua prisão ou
recolhimento à cadeia pública, para que, por ela, se cientifi que da
acusação que lhe é feita, do nome de quem o acusa, das pessoas
que testemunham o fato que lhe é imputado e da autoridade por
ordem de quem foi preso63.
Como se vê, o texto não exigia apenas o fornecimento ao acusado da nota
de culpa, mas, também, explicitava o que devia a mesma conter, qual seja, “o
motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as”.
63 PLÁCIDO E SILVA. In: Vocabulário Jurídico, Vol III, Ed. Forense, Rio de Janeiro.
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Não estavam compreendidas naquela disposição “as ordenações
militares, estabelecidas como necessárias à disciplina e o recrutamento do
exército”, conforme expresso no item 10, in fi ne, daquele primeiro diploma
constitucional brasileiro.
Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de
fevereiro de 1891, o instituto da ampla defesa é encontrado no § 16 do art.
72, Seção II, Declaração de Direitos, Título IV - Dos cidadãos brasileiros, nos
seguintes termos:
Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos
os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue
em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com
os nomes do acusador e das testemunhas.
Nessa primeira constituição republicana não se repete a exceção sobre
as transgressões disciplinares. Tal dispositivo voltaria a integrar a Lei Maior
de 16 de julho de 1934, já então específi co e incorporado ao item relativo ao
habeas corpus, no § 23, do art. 113.
O direito à defesa, que mais nos interessa no momento, era encontrado
no item 24, do art. 113, Capítulo II, Dos Direitos e das Garantias Individuais,
Título III, Da Declaração de Direitos, in verbis: “A lei assegurará aos acusados
ampla defesa, com meios e recursos essenciais a esta.”
Mais reduzido esse texto, sem, no entanto, causar qualquer restrição ao
exercício da ampla defesa, sendo que a objetividade deu maior vigor ao dispositivo
constitucional, refl etindo bem as características liberais da Carta de 34.
Tivemos, então, pela primeira vez, a inclusão da expressão “ampla
defesa”, dando assim a idéia de grandes dimensões, ou, ainda, sem restrições,
ilimitada.
Logo a seguir, aos 10 de novembro de 1937, a nova Constituição, na
parte destinada aos Direitos e Garantias Individuais, na 2ª parte do inciso ll
do art. 122, dizia:
Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão
pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela
regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e
depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa.
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A Constituição de 18 de setembro de 1946, na esteira das anteriores,
manteve o direito de defesa, no Título IV - Da Declação de Direitos, Capítulo
II - Dos Direitos e Garantias Individuais, art. 141, § 25:
É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e
recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada
pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das
testemunhas, será entregue ao preso dentro de vinte e quatro
horas. A instrução criminal será contraditória.
Finalmente, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de
1969, já anteriormente comentada e que não modifi cou substancialmente a
Constituição de 24 de janeiro de 1967 no que diz respeito ao direito de defesa.
Assim, no § 15 do art. 153, encontramos: “A lei assegurará ao acusado ampla
defesa, com os recursos a ela inerentes”.
Conforme se observa, ao longo de mais de 150 anos, o direito de defesa
modifi cou-se em sua literalidade sem sofrer mudanças na substância até a
Constituição de 1988, quando o instituto foi grandemente ampliado, passando
a abrigar, literalmente, conforme mencionado, não apenas os acusados
criminalmente, mas os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os
acusados em geral.
Não temos, no entanto, ao longo de toda nossa história jurídica, um
conceito a priori de “defesa” pelo qual se tenha de moldar a defesa organizada
pelas leis processuais. No dizer de Pontes de Miranda, “tal conceito não existe;
mas existe algo de mínimo, aquém do qual não mais existe defesa”64.
Pontes de Miranda65 reduz seu conceito de defesa ao “exercício da
pretensão à tutela jurídica, por parte do acusado”.
A seu turno, Marcelo Caetano, referindo-se às garantias constitucionais,
considera a ampla defesa dos acusados, com os recursos a ela inerentes, como
mecanismo dos mais importantes, “ligado à segurança individual, contra as
tendências opressivas dos agentes do Poder”66.
64 In: Comentários à Constituição de 1967, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Ed., 1974, Tomo V, p. 234. 65 Idem.66 In: Direito Constitucional, Forense, 1977, Vol II, p. 133.
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122 |
Como corolário do princípio da ampla defesa, temos o do contraditório,
que, conforme vimos, por força do inciso LV do art. 5º da CR, agora se estende
aos processos administrativos.
Humberto Theodoro Junior, a respeito do devido processo legal, assim
se manifesta:
O due process of law, forjado pela cultura anglo-saxônica é, sem
dúvida, uma das grandes ou maiores conquistas da humanidade
em sua permanente luta contra o autoritarismo e a prepotência dos
que assumem o governo político dos povos e contra as estruturas
frias e insensíveis do Estado pré-democrático67.
José Frederico Marques não foge a essa linha:
O direito de defesa é uma decorrência do princípio constitucional
do devido processo legal. É ele imanente a todo o sistema proces-
sual em que se adote o procedimento contraditório68.
Assim é o direito subjetivo de defesa, do qual decorre, necessariamente,
o direito constitucional de “defender-se” ou a “ter tido defesa”69.
Tão intimamente ligadas estão as duas expressões – acusação e defesa
– que a simples menção de uma nos leva, de imediato, à outra. Dita reação
se processa nos dois sentidos: a existência de uma acusação implica, em
contrapartida, direito à defesa. Ao mesmo tempo, só tem sentido a produção
de defesa para fazer face a uma acusação.
Portanto, ainda que não exista um conceito prévio de defesa, como
afi rmado anteriormente, inegável que, em se tratando de direito público
subjetivo dos acusados, a negação ou obstaculização do exercício desse direito
constitui afronta ao texto constitucional e, seja no plano legislativo seja no
executivo, acarreta a inconstitucionalidade do ato.
O preceito constitucional dirige-se também, e principalmente, ao
legislador ordinário: a lei que suprime ou restringe, em qualquer
67 In: O Processo Civil e a Garantia Constitucional do Devido Processo Legal, Livro de Estudos Jurídicos, vol. 3, 1991, p. 171. 68 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1961, p. 376.69 Pontes de Miranda, op. cit.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 123
hipótese, o direito de defesa, é infensa a ordem pública e contrária
à Constituição70.
Neste sentido, temos a manifestação do Ministro Xavier de
Albuquerque, ao relatar o Mandado de Segurança nº 19.968/STF:
O exercício da ampla defesa acenada na Constituição está
submisso, como é óbvio, à disciplina da lei, e só não lhe deve
observância quando tal disciplina o limita de tal jeito que termina
por negá-lo71.
Aqui a referência à “lei” deve ser entendida num sentido mais abrangente,
compreendendo qualquer norma jurídica, não havendo razão para excepcionar
os dispositivos regulamentares emanados da Administração.
Os atos administrativos de caráter normativo, veiculados por decreto
expedido pelo poder executivo no exercício da função regulamentar, não
podem, portanto, ultrapassar os limites de sua própria fi nalidade, ou seja, fi xar
critérios e normas para o “fi el cumprimento” das leis, sob pena de afronta ao
princípio da legalidade.
Como muito bem destaca Geraldo Ataliba, “onde se estabelecem, alteram
ou extinguem direitos, não há regulamentos, há abuso do poder de regulamentar,
invasão de competência legislativa” 72.
As garantias dos direitos fundamentais do homem se constituem em
anseio universal, objetivo perseguido por toda a humanidade. O direito de
defesa, como tal, não pode ser desmerecido. Assim, na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, proclamada em Paris a 10 de dezembro de 1948, temos:
Artigo XI - 1. Todo homem acusado de ato delituoso tem o direito
de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe
tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
70 Maluf, Sahid. In: Direito Constitucional, 9ª ed., 1977, p. 406.71 Revista de Direito Administrativo, Vol. 118/99.72 “Liberdade e Poder Regulamentar”. In: Revista de Informação Legislativa, nº 66, p. 60.
| Direito Constitucional Militar
124 |
Pacífi co, portanto, o entendimento no sentido de que o direito de defesa,
hoje consagrado no inciso LV do art. 5º da Constituição da República, é
garantia que não admite limitações no seu exercício, cabendo ao acusado o
direito de produzir sua defesa em toda plenitude, sem que lhe sejam impostas
restrições, quer por parte do intérprete quer da norma regulamentadora.
Na tranqüilidade da perfeita harmonia entre a norma invocada e
o texto constitucional, não se justifi cam preocupações maiores no que diz
respeito ao direito de defesa. Estando na mesma sintonia a lei ordinária e o
preceito constitucional ou, então, identifi cada a harmonia entre o intérprete e
a garantia instituída, nada há para se temer.
Nas palavras de Pontes de Miranda:
(...) é escusado invocar-se o § 15 - referindo-se à EC/69 - quando
a lei contém regras jurídicas que ministram meios sufi cientes e
recursos à defesa. Mas é de alta monta quando aos acusados
parece que a letra da lei ou a sua interpretação não atendem ao
que o § 15 declara ser direito constitucional73.
5.2 - A Ampla Defesa No Direito Administrativo
Uma vez verifi cada a imperatividade do dispositivo que trata do direito
subjetivo à defesa no diploma político, resta identifi car sua aplicação no
Direito Administrativo.
Mesmo quando ainda na vigência da EC/69, Sérgio de Andréa Ferreira
afi rmava que a ampla defesa no processo administrativo disciplinar tem sua
presença assegurada pela própria Carta Magna, pelo princípio da isonomia,
inscrito, àquele tempo, no §1º do art. 15374.
No mesmo passo, Agustin A. Gordillo, referindo-se à garantia também
prevista na Constituição Argentina:
El princípio constitucional de la defensa em juicio, en el debido
processo, es por supuesto aplicable en el procedimiento adminis-
trativo, y con criterio amplio, no restrictivo75.
73 Op. cit.74 Cf. Revista de Direito Público, nº 19/60.75 In: Revista de Direito Público, nº 10/16.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 125
Tal posicionamento decorre do lugar ocupado pelo direito administrativo
frente ao direito constitucional. Ainda que pertencentes a um ramo autônomo,
as normas de natureza administrativas, como, aliás, quaisquer outras, não
podem fi car indiferentes aos institutos constitucionais em vigor, notadamente
o direito à defesa.
Esse, sem embargo das demais garantias elencadas no capítulo consagrado
aos direitos e garantias fundamentais, se destaca pela sua própria fi nalidade,
constituindo-se em elemento indispensável a toda sociedade democrática.
Ou ainda, com muito maior profundidade, trata-se de um princípio geral de
direito, de uma regra de direito natural, imanente a todo indivíduo.
Por outro lado, a aplicação do princípio da ampla defesa no campo
disciplinar não implica colocar num mesmo plano as duas instâncias, isto
é, a penal e a administrativa. Efetivamente, ambas se situam em posições
diferentes, divergindo os autores nacionais quanto ao maior ou menor grau de
aproximação entre elas.
Para Nelson Hungria, “não há razão alguma para rejeitar-se o sistema
de subordinação da ação disciplinar à ação penal”76.
Themistocles Cavalcanti discorda, sustentando que:
(...) a boa doutrina está, a nosso ver, com os modernos autores de
direito administrativo, que dissociam o problema do direito penal
no conteúdo e na aplicação dos preceitos de direito disciplinar.
E arremata: “O importante é defi nir a posição de cada um: quem impõe
a pena criminal é o Estado, através do seu poder jurisdicional, quem aplica a
pena administrativa é a administração”77.
Nossa preocupação maior, entretanto, está ligada aos procedimentos
administrativos disciplinares, isto é, quando a administração responsabiliza o
servidor por violação das normas legais ou regulamentares, por ato omissivo
ou comissivo, responsabilização que se materializa através do acionamento do
“poder disciplinar”, isto é, a “faculdade de punir internamente as infrações
funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e
serviços da Administração”78.
76 Revista de Direito Administrativo, Vol 1, p. 25.77 Op. cit., p. 97 e 89.78 Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 5ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 96.
| Direito Constitucional Militar
126 |
É preciso não perder de vista que o ato administrativo de caráter
disciplinar, ainda quando discricionário, deve fi car restrito aos limites legais,
porquanto “a atividade administrativa supõe a preexistência de uma norma
jurídica, o que importa em afi rmar que a administração pública se faz debaixo
do ordenamento jurídico (legislação)”79.
Discricionário, em regra, é o ato punitivo, mas nem por isso, ou melhor,
exatamente por isso, não é arbitrário, pois ambos, discrição e arbítrio, não se
confundem. Aquele se conforma com os limites legais, contendo sua atuação
nas margens impostas. Este afronta os mesmos limites, com “ação contrária
ou excedente da lei”80. Um é legal e válido, o outro “sempre e sempre ilegítimo
e inválido”81.
Assim, não podem restar dúvidas de que a mácula do arbítrio no ato
administrativo desfi gura-o completamente, podendo se constituir, também,
em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa, já hoje eleito
como pressuposto de validade de todo ato administrativo, conforme há muito
proclamou o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, apoiando-se em Maurice
Hauriou82.
Doutrina e jurisprudência caminham juntas, hoje, no sentido da
ilegalidade do ato administrativo disciplinar imposto com inobservância do
princípio constitucional da ampla defesa. Dúvida, se houvesse, seria apenas
quanto à amplitude da defesa facultada ao acusado.
Não havendo parâmetros fi xados para caracterizar os contornos do direito
de defesa, o seu exercício fi ca diretamente ligado à menor ou maior severidade
da pena a ser aplicada ou, ainda, à necessidade de ação repressiva imediata, sem
que, neste último caso, a urgência implique a negação daquele direito.
Deste modo, em se tratando de falta leve, à qual corresponde, em
princípio, pena também mais branda, desnecessários se tornam procedimentos
complexos e demorados, sendo aceitos os meios sumários de apuração.
Não seria de boa técnica exigir, em qualquer processo administrativo
disciplinar, toda a complexidade dos procedimentos penais, inclusive pela
reconhecida existência de critérios próprios a cada uma das instâncias.
79 Simas, Henrique de Carvalho, Manual Elementar de Direito Administrativo, 2ª ed., p. 42.80 Meirelles, Hely Lopes, op. cit. p. 137.81 Idem.82 Cf. op. cit. p. 69.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 127
Respeitado que seja o contraditório, ainda que moderado, e já
poderemos ter satisfeita a exigência constitucional83.
Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles:
por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do
rito adequado, como a cientifi cação do processo ao interessado,
a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu
direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos
cabíveis84.
O mesmo autor defende a desnecessidade de procedimentos rígidos ao
se tratar de infração de menor gravidade, quando podem ser utilizados os
meios sumários de apuração, tais sejam o “termo de declaração do infrator”,
a sindicância e a “verdade sabida”85.
Em qualquer caso, porém, é essencial que o acusado tenha oportunidade
de apresentar suas razões, se não para ilidir totalmente a culpa, pelo menos
para atenuar o rigor da penalidade a ser aplicada. Quanto mais completo for o
conhecimento, por parte do administrador, das condições objetivas e subjetivas
em que foi praticada a falta, melhor estará protegido o interesse público.
Discricionário que é o ato disciplinar, na grande maioria dos casos,
os juízos de conveniência e oportunidade devem atender aos interesses da
Administração, e não se pode pensar em dizer que é conveniente ou oportuno
para a boa administração que um servidor seja punido injustamente, inclusive
porque “o direito de se defender de qualquer imputação de falta funcional
constitui uma norma que envolve o prestígio da própria administração”86,
quando nada para evitar que decisão judicial venha invalidar o ato, com
evidente descrédito para o agente administrativo responsável e inegáveis
prejuízos para a administração.
Quanto ao termo de declaração do infrator, pouco há para se discutir
quando assinado espontaneamente, de preferência com duas testemunhas e
desde que confesse a autoria87.
83 Cf. Rubem Rodrigues Nogueira. In: Aplicação do Princípio da Ampla Defesa no Procedimento Administrativo Disciplinar, Revista de Informação Legislativa, nº 53/1977, p. 237.84 Op. cit. p. 642.85 Cavalcanti, Themistoccles Brandão. In: Tratado de Direito Administrativo, Vol III, p. 458.87 Cf. Hely Lopes Meirelles, op. cit. p. 652.
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128 |
A sindicância, a seu turno, quando precede a investigação mais
acurada, ou seja, o inquérito ou processo administrativo, pode ter caráter
sigiloso, dispensando o conhecimento do pretenso infrator, uma vez que
quando da fase seguinte – o processo – o mesmo poderá exercitar sua defesa.
Quando, porém, da própria sindicância a autoridade decide pela imposição
da pena, é necessário que ainda nessa fase se lhe tenha sido possibilitada a defesa,
qualquer que seja a gravidade da falta e a sanção a ser imposta.
É o que defende Agustin Gordillo:
En otras palabras, por más culpable que sea una persona, por
mejor que esté acreditada su falta, ello no puede fundar que no
sea escuchada para que exprese lo que quiera decir en su descarga,
o la prueba que quiera ofrecer; aún estando probado el hecho, la
prueba por el ofrecida puede servir para mitigar su culpa, dar un
diverso encuadre normativo a la cuestión, graduar la pena, pedir
luego gracia o indulto, etc88.
A aceitação desse critério impede também a ocorrência de procedimentos
sigilosos com evidentes propósitos de cercear a defesa do acusado, e, como
diz Agustin Gordillo, “el secreto del procedimiento sólo se justifi ca en casos
excepcionales” 89.
Evidente que certos casos, pela sua natureza, recomendam maior sigilo, sob
pena de prejuízo para a administração. Menor será, então, o número de pessoas
a quem o assunto deve ser divulgado. Ao acusado, no entanto, em nenhuma
circunstância se justifi ca negar conhecimento dos fatos que lhe são imputados, sob
pena de se ver irremediavelmente comprometido seu direito de defesa.
Aliás, o sigilo da acusação atingindo a pessoa do acusado conduz, de
imediato, à dúvida quanto à honestidade de propósitos do acusador.
Infelizmente, apesar de decorridos mais de dois séculos, ainda se fazem
verdadeiras as palavras do Marques de Beccaria, no clássico “Dei Delitti e
delle Pene”: “As acusações secretas são um abuso manifesto, mas consagrado e
tornado necessário em vários governos, pela fraqueza de sua constituição”90.
88 Op. cit. p. 23.89 idem p. 22.90 Bonesana, Cesare. In: Dos Delitos e das Penas, trad. por Paulo M. Oliveira, ed. Atenas/SP, p. 57.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 129
Quanto à “verdade sabida”, trata-se de princípio já consagrado no
direito disciplinar, consistindo na aplicação da pena sem maiores formalidades
na apuração, desde que a infração tenha sido praticada “na presença da
autoridade detentora do poder disciplinar”91.
O que se pretende, com a aplicação da verdade sabida, é a simplifi cação
do processo apuratório, no interesse da Administração, mas sem prejuízo para
o infrator. O procedimento é simplifi cado, mas não é eliminado.
Ainda que havendo fl agrância na presença da autoridade que aplicará a
pena, é necessária, pelo menos, a ouvida do acusado.
Assim têm decidido nossos tribunais, conforme recurso em mandado de
segurança, provido que reconheceu:
Por mais sumário, porém, que seja esse meio, entendo que se
imporá, pelo menos, a necessidade de ouvir o funcionário, antes
da imposição da pena, mormente se a suspensão é imposta por ter
o funcionário agido de má-fé 92.
Comentando a decisão citada, o professor Caio Tácito concorda com a
apuração da falta por meios sumários, ressaltando, entretanto, a necessidade da
audiência do infrator, admitida a oralidade, conforme as circunstâncias do fato93.
Na mesma linha decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ao considerar insubsistente a pena de suspensão aplicada a um servidor pelo
princípio da verdade sabida, por entender que “a aplicação de qualquer pena,
sem que se enseje ao acusado direito de defesa, sem que o mesmo seja pelo
menos ouvido, fere princípio de Direito Natural de que ninguém pode ser
condenado sem ser ouvido. Inauditus nemo damnari potest. Princípio, aliás,
cristalizado no artigo 150, §15, da Constituição Federal”94.
5.3 - Ampla defesa no Direito Disciplinar Militar
O estudo da ampla defesa no âmbito militar aconselha que antes se dê
um mergulho no passado, para uma rápida análise de parte do §4º do Art. 10
do Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977 (RDE).
91 Costa, José Armando da. In: Teoria e Prática do Direito Disciplinar, Forense, 1ª ed. 1981, p. 320.92 RMS nº 1664. In: Revista de Direito Administrativo, Vol. 37, p. 349.93 Idem, p. 351.94 Agravo de Petição nº 185.330. In: RJTJSP, Vol. 14, p. 220.
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130 |
Vejamos, inicialmente, o que dizia o referido parágrafo:
§ 4° - A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve
dar a solução no prazo máximo de oito dias úteis podendo, se
necessário, ouvir as pessoas envolvidas, obedecidas as demais
prescrições regulamentares. Na impossibilidade de solucioná-la
nesse prazo, o motivo deverá ser publicado em boletim e, neste
caso, o prazo não poderá exceder de 30 dias úteis.
Quando o legislador disse: “ouvir as pessoas envolvidas” poderia estar
se referindo apenas a terceiros que tivessem qualquer ligação com o fato
objeto de apuração.
O Regulamento, no entanto, não falava da audiência do acusado em
qualquer outro artigo, e o conhecimento dos dispositivos regulamentares
que precederam ao referido Art. 10, conforme veremos adiante, nos levam à
conclusão de que o acusado, nesse caso, é uma das “pessoas envolvidas”.
Por outro lado, ao condicionar a audiência do acusado – que, conforme
concluímos, está incluído no texto – à necessidade, podemos ser levados a crer
que se trata das faltas em que, por ocorrência de qualquer das hipóteses de
justifi cativa95, nenhuma punição era aplicada ao transgressor96.
Ora, se não lhe pesava ameaça de apenação, não havia necessidade
de defesa, que por si só já teria ocorrido com o conhecimento da cláusula
excludente pela autoridade, independentemente de qualquer manifestação do
subordinado.
Tal, entretanto, não é a inteligência da norma, conforme será demons-
trado a seguir.
No art. 74 do RDE vigente, até a decretação do seguinte97, temos o texto
em que se baseou o legislador para elaborar a norma em estudo. É também
naquele artigo que vamos encontrar a indicação sobre as origens do dispositivo
regulamentar, in verbis: “A parte deve ser a expressão da verdade, podendo a
autoridade a quem for dirigida, sempre que necessário, ouvir o acusado”.
95 Art. 16.96 Idem, parágrafo único.97 Dec. nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 131
Como se vê, a audiência do acusado estava condicionada à necessidade,
assim decidida pela autoridade e, é fundamental o registro, se constituía em
faculdade concedida à autoridade e não em direito do acusado.
Quanto ao fato de ser a parte em seus termos tida como “expressão da
verdade”, deve-se ao princípio de presunção de verdade da palavra empenhada
pelo ofi cial, princípio esse que tem remotas origens na tradição castrense.
Na história do direito disciplinar do Exército Brasileiro, vamos
encontrá-lo no “Regulamento para Instrucção e Serviços Geraes”, elaborado
com inspiração no Código Disciplinar organizado por Clóvis Bevilacqua para
a Armada Nacional.
Dizia o Decreto no 9998, de 8 de janeiro de 1913, em seu art. 647:
A parte dada por offi cial contra qualquer subordinado, relativa
à infração da disciplina, será recebida pelo superior como
expressão da verdade, podendo, porém, a autoridade ouvir o
acusado quando entender necessário para formar perfeito juízo da
gravidade da falta.
Podemos afi rmar estar aí a gênese do §4º do art. 10, na parte relativa
ao direito de defesa, pois quer no regulamento anterior, primeiro do período
republicano98, quer no RDE do tempo imperial99 não há qualquer menção a
esse respeito.
O regulamento seguinte não trouxe modifi cações no artigo sob exame,
acrescentando, no entanto, a justifi cativa para a presunção de verdade da
participação de transgressão disciplinar por ofi cial, ou seja, “(...) em conseqüência
mesmo da própria situação dos ofi ciais, dos seus compromissos de honra para
com o Exército e a Nação, de suas pesadas responsabilidades” 100.
A presença de Pandiá Calógeras à frente da Pasta da Guerra não implicou
qualquer mudança, em que pese ter sido o primeiro e único civil, até agora, a
exercer aquele cargo. O regulamento adotado durante a sua gestão manteve,
inclusive, o mesmo número do artigo101.
98 Decreto nº 7459, de 15 de julho de 1909.99 Decreto nº 5884, de 8 de março de 1875.100 Decreto nº 12008, de 29 de março de 1916, arrt. 445.101 Decreto nº 14.085, de 3 de março de 1920.
| Direito Constitucional Militar
132 |
O próximo RDE, quando na presidência de Washington Luiz, foi o
que apresentou alguma inovação quanto à defesa do acusado. Em seu art.
387, manteve a credibilidade da parte apresentada por ofi cial, sob os mesmos
argumentos, mas deu um passo à frente na proteção ao acusado ao dispor no
mesmo artigo:
Quando se tratar de infração da disciplina, porém, a autoridade
a quem for dirigida a parte poderá ouvir o acusado, para formar
perfeito juízo da gravidade da falta ou quando este pedir para ser
ouvido102.
Longe de se tratar de garantia do exercício do direito de defesa, pois
ainda se constituía em faculdade concedida à autoridade, mesmo assim
é de se ressaltar a preocupação do legislador em possibilitar ao acusado,
explicitamente, pedir para ser ouvido, ainda que tal solicitação pudesse ser
negada.
Essa saudável preocupação, infelizmente, foi esquecida na reforma
regulamentar que se seguiu.
Com o Estado Novo103 foi simplesmente omitida a referência ao pedido
do acusado para ser ouvido, o que representou um retrocesso de quase uma
década.
Menos de um ano depois, novo regulamento era baixado104 repetindo os
termos do diploma que viria revogar.
Somente em 1942, com o Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942,
a redação foi modifi cada, voltando a omitir os motivos para a adoção do
princípio da presunção de verdade ainda expresso no texto.
A partir de 1977, não mais encontramos referência direta, o que não
implica concluir pelo menor crédito às declarações dos ofi ciais nos dias de hoje.
Tal princípio, conforme dito anteriormente, se constitui em tradição no
Exército, como, aliás, em outros países.
Em Portugal, por exemplo, o Regulamento de Disciplina Militar, em
seu art. 91, sob o título “Força probatória da palavra de ofi cial”, diz, em
102 Decreto nº 19.040, de 19 de dezembro de1929.103 Decreto nº 1899, de 19 de agosto de 1937, art. 76.104 Decreto nº 2429, de 4 de março de 1938, art. 76.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 133
seu item 1: “A parte dada por ofi cial contra um seu inferior e respeitante a
actos por ele presenciados presume-se verdadeira e não carece de indicação de
testemunhas”105.
Essa presunção juris tantum pode ser ilidida por prova em contrário,
segundo expresso no item 2, do mesmo artigo.
O chamamento do acusado, para se defender das imputações que lhe são
feitas, poderia representar dúvida quanto à veracidade da parte oferecida pelo
ofi cial? Evidentemente não. Várias são as situações que poderiam ser colocadas
a título de exemplo para demonstrar que, para um perfeito conhecimento das
circunstâncias em que se deu a transgressão, é imprescindível que o acusado
seja ouvido sem que isso implique descrédito para o ofi cial.
Basta observar o regulamento na parte que trata do julgamento para ver
que uma decisão justa deve ser precedida da manifestação do infrator.
Como bem considerar, para o julgamento, sem o concurso do acusado,
as causas que determinaram a prática da transgressão106 ou a natureza dos
fatos ou atos que a envolveram107?
A mesma difi culdade será encontrada para estabelecer as causas de
justifi cação como obediência à ordem superior e motivo de força maior108,
ou ainda as circunstâncias atenuantes e agravantes109, que podem não ser
do conhecimento nem da autoridade que aplicará a punição nem do ofi cial
participante.
Se não por todas essas razões, que por si só bastariam para caracterizar
a necessidade de audiência do acusado no interesse da própria Instituição,
que se lhe reconheça o direito de defesa, por ser garantia constitucional, como
exaustivamente demonstrado.
Cabe lembrar que, quando se trata do julgamento de praças com
estabilidade para fi ns de exclusão a bem da disciplina ou reforma disciplinar, a
legislação específi ca que trata dos Conselhos de Disciplina110 garante a ampla
105 Decreto-Lei nº 142, de 9 de abril 1977. 106 Art. 14, nº 2.107 Idem nº 3.108 Idem art. 16, nºs 3 e 5.109 Idem arts. 17 e 18.110 Decreto nº 71.500, art. 9º.
| Direito Constitucional Militar
134 |
defesa dos acusados. Da mesma forma quanto aos Conselhos de Justifi cação,
que são os órgãos colegiados competentes para julgar, em primeira instância,
da indignidade ou incompatibilidade para o ofi cialato111.
Logo, o conteúdo do §4º do art. 10 do RDE não era aplicável a essas
hipóteses, atingindo, entretanto, todos os demais casos, ou seja: advertência,
repreensão, detenção e prisão até 30 dias, para todos os militares do Exército,
do soldado ao general, e licenciamento a bem da disciplina, para os soldados,
cabos e sargentos, desde que contassem menos de 10 anos de serviço.
Cabe, fi nalmente, acrescentar que o §4º do art. 10, com a redação
até aqui comentada, quando nada representava uma violação ao princípio
isonômico consagrado na Constituição Federal.
Comparando-se o dispositivo regulamentar vigente no Exército com seus
correspondentes na Marinha e Aeronáutica, temos claramente estabelecido um
tratamento diferenciado para as mesmas circunstâncias fáticas.
A afi rmação de que todos são iguais perante a lei visa também, impedir:
“(...) que se crie tratamento legislativo diverso para idênticas ou assemelhadas
situações de fato. Impede, em suma, que o legislador trate desigualmente os
iguais”112.
Concluída essa rápida visita ao passado, é possível dizer que o problema
está completamente ultrapassado nos dias de hoje.
O RDE instituído pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002,
consagrou defi nitivamente o direito de defesa para aqueles que a ele estão
sujeitos no art. 35 parágrafo primeiro:
§ 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao
transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa,
inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para
aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.
Os atos disciplinares emanados de autoridade militar estão sujeitos ao
judicial control no que diz respeito à legalidade, como de resto qualquer ato
administrativo, conforme veremos mais adiante.
111 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.112 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira, op. cit., p. 36.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 135
Ainda que sujeito a um regime disciplinar diverso do funcionário civil, o
militar não deixa de pertencer ao gênero “servidor público”, subordinado ao
Poder Executivo, abrangido, portanto, pelas regras do direito administrativo
como um todo113.
Não é outra a idéia que nos deixa a estrutura constitucional, bem como
o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 67, que dispõe sobre a organização
da Administração Federal, estabelecendo diretrizes para a chamada Reforma
Administrativa114.
Aqui, mais uma vez, nos socorremos das palavras do mestre Themistocles
Brandão Cavalcanti:
Embora não se possam os militares enquadrar dentro do conceito
de funcionário público, é indiscutível a sua integração em seu
ramo especial dos funcionários do Estado, em seu sentido mais
amplo, pelo menos no que diz com seu regime jurídico, direitos,
deveres, vantagens115.
As características peculiares da atividade militar foram perfeitamente
identifi cadas pelo tratadista italiano V. E. Orlando, que dedicou todo um
volume de sua obra116 ao direito administrativo militar, este com a colaboração
de C. Corradini.
Ao tratar da autonomia sistemática do campo reservado ao direito
administrativo militar117, diz o jurista italiano:
Nella sfera quindi del diritto amministrativo il campo riservato
al diritto militare è completamente autonomo, come autonoma e
distinta da tutte le altre attivitá statuali è l’attività militare.
Una tale autonomia sistematica non signifi ca peraltroche questa
campo della nostra scienza sia governato da principi diversi e
contrari a quelli che regolano rimamente vita guiridica delli Statu,
ma solo che è necessario per la conoscenza precisa di questa parte
113 Cf. José Armando da Costa, op. cit., p. 14.114 Ver Decreto-Lei nº 200, arts. 1º, 2º, 4º I e 45 a 67.115 Tratado de Direito Administrativo, Vol. IV, p. 488.116 Primo Trattato Completo di Diritto Amministrativo Italiano.
| Direito Constitucional Militar
136 |
della scienza, per spiegarne certe peculiaritá e certe necessità
giuridiche, che essa abbia nel concetto dell’attività dello Stato il
suo posto, che sia messo in giusta luce il suo carattere peculiare con le
sue ineluttabili necessità118.
Como se vê, o melhor entendimento é no sentido do reconhecimento das
peculiaridades da administração militar, seu modus vivendi próprio, mas, nem
por isso, obviamente, ao arrepio dos princípios gerais de direito, em afronta ao
ordenamento jurídico.
“A nenhuma comunidade se exige tanto de seus componentes como a
militar; pois o sacrifício da própria vida é, mais do que um simples risco do
serviço, um dever do soldado, em certos casos”119.
Enfoque semelhante encontramos na legislação específi ca francesa:
L’état militaire exige en toute circonstance discipline, loyalisme et
esprit de sacrifi ce. Les devoirs qu’il comporte et les sujections qu’il
implique méritent le respect des citoyens et la considération de la
nation120.
Evidentemente, para condições tão especiais de trabalho, especial
também há de ser o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses
da instituição militar com os direitos dos que a ela se dedicam.
Desta forma, a rigidez do regime disciplinar, consubstanciada nas
necessárias manifestações de obediência e respeito e na severidade das sanções
a que estão sujeitos os militares, não pode ser confundida com supressão dos
seus direitos.
Jean-Claude Roqueplo, comentando os avanços do Estatuto dos Militares
da França, diz: “Ce fait confi rme que le statut général des militaires n’est pas
conçu dans un esprit de restriction des droits mais dans un esprit d’adaptation
au particularisme de la fonction” 121.
117 Libro I, Capo I, §1º, p. 3 a 14.118 Op. cit., Vol. X, p. 8.119 Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 142/77, de 9 de abril de 1977, da República Portuguesa.120 Article premier du statut général. 121 “Le Statut des Militaires”, Notes & Etudes Documentaires. In: La Documentation Française, Paris, 1979, p. 197.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 137
Os militares no Brasil têm seu Estatuto acompanhando a mesma escola,
com aquele diploma regulando não apenas os deveres e obrigações, mas
também os direitos e prerrogativas122.
No Exército, o Regulamento Disciplinar, além de especifi car as
transgressões e as normas para aplicação das penas, dedica toda uma parte
aos recursos ao alcance dos que se julgam prejudicados, uma outra ao
cancelamento das punições, como incentivo para melhoria de classifi cação do
comportamento, e ainda uma terceira às recompensas a que fazem jus a título
de reconhecimento pelos bons serviços prestados.
Não obstante, de pouco ou nenhum valor serão todas essas prescrições
se, paralelamente, não for respeitado aquele que consubstancia os demais
direitos, quando acionado o poder punitivo.
O direito de defesa, em sua forma ampla, como quer o texto constitucional,
princípio de Direito Natural que é, erigido em essência do Estado de Direito123,
não pode estar ausente entre as garantias ao alcance dos militares.
Poder-se-ia mesmo afi rmar que o direito de defesa precedeu às demais
garantias individuais, presente que foi à “apuração” da primeira das
transgressões da história da humanidade quando o Senhor, renunciando à
Sua onisciência, chamou Adão para fazer sua defesa antes de expulsá-lo do
Paraíso. “Perguntou Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da
árvore de que te ordenei que não comesses?” (Gênesis 3, 11)124.
Reportando-nos mais uma vez à França, encontramos o direito de
defesa na sua forma mais simples, ou seja, a audiência do acusado, expresso
no Reglement de Discipline Générale dans les Armées 125, em seu artigo 33,
entre outras garantias:
Le droit de s’expliquer: avant que la punition ne lui soit infl igée, le
militaire a le droit de s’expliquer sur les faits qui lui sont reprochés,
oralement devant le chef de corps ou son délégué, oralement ou
par écrit lorsque l’autorité qui infl ige la punition est placée au
dessus du chef de corps.
122 Lei nº 6880, de 9 de dezembro de 1980, art. 1º.123 Cf. Agustin Gordillo, op. cit., p. 17.124 Wade, H. W. R., Apud Agustin Gordillo, op. cit., p. 17.125 Décret nº 75.675, du 28 Juillet 1975.
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138 |
Em Portugal, o Regulamento de Disciplina Militar126, largamente
infl uenciado pela nova ordem constitucional portuguesa que se seguiu à
Revolução dos Cravos, também contemplou aquele princípio, conforme
expresso no item 1 do artigo 90, onde se lê: “O argüido é sempre ouvido
sobre os factos que constituem a sua argüição, qualquer que seja a forma do
processo”.
Nota-se, inclusive, quanto ao processo, a preocupação do legislador
português em suprir a lacuna do regulamento anterior (1913) que omitia
qualquer referência ao processo disciplinar. O novo Regulamento de Disciplina
Militar consagra formalmente o princípio do contraditório e a nota de culpa
de modo a possibilitar “ampla e completa defesa do argüido”127.
Assim, o processo disciplinar em Portugal é obrigatório128, sumário e
sem formalidades “inúteis, impertinentes ou dilatórias”129, escrito130, podendo
ser adotada a oralidade com todas as diligências instrutórias feitas diretamente
pelos chefes quando “em campanha, em situações extraordinárias ou estando
as forças fora dos quartéis ou bases”131, “ou quando as infracções forem de
pouca gravidade e não derem lugar à aplicação, no processo, de pena igual ou
superior à prisão disciplinar”132.
Entretanto, ainda que o processo tenha forma simplifi cada em razão das
circunstâncias ou da punição a ser infl igida, o acusado será sempre ouvido 133.
Em junho de 1951, o descumprimento do princípio da ampla defesa
levou o Supremo Tribunal Federal a conceder mandado de segurança para
anular a pena de prisão imposta ao Almirante Penna Botto. Do memorável
julgamento, podemos destacar o voto do Ministro Nelson Hungria, pela
veemência com que aborda a questão:
O princípio de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido,
inscrito através dos séculos na consciência jurídica universal,
126 Decreto-Lei nº 142, de 9 de abril de 1977.
127 Exposição de Motivos do Regulamento Disciplinar Militar de Portugal.128 RDM, art. 77.129 Idem, art. 80.130 Idem, art. 83, 1.131 Idem, nº 2.132 Idem. nº 3.133 Art. 90, item 1.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 139
não é apenas um princípio consagrado no próprio Regulamento
da Marinha, citado pelo Sr. Ministro Relator, senão também
uma garantia implícita na Constituição, de uma Constituição
democrática, como é a nossa, marcadamente individualista e liberal,
chegando mesmo a cheirar à pólvora da Revolução Francesa.
É uma pena disciplinar grave, que importou não numa mera
advertência, mas em privação de liberdade, sem que precedesse a
audiência do acusado, o que vale dizer: aplicada arbitrariamente,
ilegalmente. Por isso mesmo não pode constar do curriculum
militar do impetrante134.
EXERCÍCIOS
41. Quais os limites da ampla defesa garantida no inciso LV do art. 5º da
Constituição da República, no caso das transgressões disciplinares?
42. Em que consiste o “princípio da verdade sabida”?
43. A audiência do acusado para apresentar suas razões implica descrédito para o
signatário da parte que noticiou a transgressão? Justifi que sua resposta.
6 - CONTROLE JUDICIAL
6.1 - A atuação do advogado
Diz a Constituição da República de 1988 que o advogado é indispensável
à administração da justiça (art. 133). Daí que, ao se falar em controle judicial
dos atos administrativos, a fi gura do advogado se sobressai.
Dúvida não há que as sanções a que estão sujeitos os militares submetidos
aos Conselhos de Justifi cação ou de Disciplina são da maior gravidade. A
demissão, para os ofi ciais, e a exclusão a bem da disciplina, para as praças,
implicam que os mesmos sejam afastados defi nitivamente da carreira das
134 RMS nº 1374. In: Archivo Judiciário, Dez/51, p. 340.
| Direito Constitucional Militar
140 |
armas, sem qualquer direito pecuniário, não podendo ser esquecido que sobre
eles desaba, a partir de então, o estigma da deshonra, qualquer que seja o
tempo de serviço que já tenham prestado.
Para uma pena de tal ordem, obviamente, são recomendados cuidados
especiais, para evitar que se cometam injustiças, e o art. 1º do Decreto
nº 71.500, de 5 de dezembro de 1972, que dispõe sobre os Conselhos de
Disciplina, demonstra essa preocupação:
Art. 1º. O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da
incapacidade do Guarda-Marinha, do Aspirante-a-Ofi cial e das
demais praças das Forças Armadas com estabilidade assegurada,
para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo,
condições para se defenderem.
O art. 1º da Lei nº 5836/72, que trata dos Conselhos de Justifi cação,
guarda termos semelhantes e, em ambas as normas – Decreto-Lei nº 71.500 e
Lei nº 5836 – nos artigos 9º respectivos, temos expressamente consignado que
ao acusado é assegurada ampla defesa, complementando os termos contidos
no artigo primeiro anteriormente transcrito.
Justamente nesse ponto sobressai grande diferença entre os processos
dos Conselhos de Disciplina e dos Conselhos de Justifi cação.
A Lei nº 5836 silencia sobre a atuação de advogado na defesa do ofi cial
justifi cante e, em regra, quando ainda nessa fase, os próprios ofi ciais acusados
não procuram um advogado para atuar em defesa de seus interesses, preferindo
eles mesmos, com as defi ciências naturais e compreensíveis, elaborarem a
defesa escrita. O desequilíbrio entre a acusação e a defesa é fl agrante, situação
que somente é corrigida, ou pelo menos amenizada, quando o processo chega
ao Superior Tribunal Militar e novamente o ofi cial é intimado para oferecer
defesa escrita.
A questão é antiga e, apesar de já haver Parecer aprovado pelo então
Ministro do Exército a respeito, a grande maioria dos ofi ciais desconhece
seu direito de ter a defesa patrocinada por advogado desde a instauração do
Conselho.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 141
Respondendo consulta formulada por um comandante militar, o então
Consultor Jurídico do Ministério do Exército, Dr. Antonio José de Lima
Guimarães assim se manifestou:
Bem de ver, entretanto, que a ampla defesa assegurada na
Constituição e no art. 9º da Lei nº 5836/72, acima enfocado, só
se pode compreender como a oportunidade concedida ao ofi cial
de acompanhar todos os atos do Conselho, pessoalmente ou por
procurador, regularmente constituído para o caso.
A Lei, como visto, faculta ao ofi cial defender-se em tempo hábil,
das acusações que lhe forem atribuídas, mas não o obriga a fazê-lo,
mesmo porque a revelia é um ato de vontade que depende de uma
deliberação íntima do interessado. O importante, porém, é que o
justifi cante seja intimado para comparecer perante o Conselho de
Justifi cação, a fi m de que possa exercer o direito de defesa que lhe
é assegurado pela Lei Magna.
Cumpre, ainda, - prossegue o ilustre Consultor - esclarecer que,
dada a natureza do processo e dos fatos a serem apurados, a
defesa, quando não efetuada pelo próprio interessado, deverá
recair, necessariamente, na pessoa de um advogado, já que é o
elemento habilitado para tal.
E conclui:
Contudo, inexiste óbice de natureza legal que impeça a
designação de um outro ofi cial para defender o justifi cante junto
ao Conselho, tanto mais que se trata de um processo especial
de índole administrativa, à cuja mecânica processual se aplicam
subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal Militar,
nas lacunas do diploma legal que o disciplina135.
Problema mais grave vivenciam as praças submetidas a Conselho de
Disciplina. O Decreto-Lei nº 71.500, no §4º do art. 9º, dispõe:
135 Parecer nº 112/CJMEx, de 26 de outubro de 1978.
| Direito Constitucional Militar
142 |
§4º. O processo é acompanhado por um ofi cial:
a) indicado pelo acusado, quando este o desejar para orientação
de sua defesa; ou
b) designado pela autoridade que nomeou o Conselho de Disciplina,
nos casos de revelia.
Tal dispositivo, que certamente visa maior proteção do acusado,
permitindo, se assim o desejar, ter um ofi cial de sua livre escolha para ajudá-
lo na árdua tarefa, pode ser interpretado como impeditivo da atuação de
advogado.
No Mandado de Segurança nº 9880-9, ajuizado no ano de 1987 – antes,
portanto, da atual Constituição da República de 1988, na 2ª Vara Federal,
Seção Rio de Janeiro – por um 1º Sargento acusado perante um Conselho de
Disciplina, a autoridade impetrada sustentou exatamente a impossibilidade de
atuação de advogado nos Conselhos de Disciplina e a desnecessidade diante da
possibilidade de ser orientado por um ofi cial de sua escolha.
Apesar de deferida a liminar, o Presidente do Conselho de Disciplina
suspendeu o processo até que recebesse orientação do escalão superior sobre o
acatamento ou não da determinação do Juízo.
Tão fortemente arraigadas estão certas posturas no meio militar que
os refl exos se fazem sentir em alguns setores da sociedade civil, inclusive no
mundo jurídico, a ponto de doutos se aliarem a algumas posições nitidamente
arbitrárias quando se trata de assunto interna corporis, mais acentuadamente
nas questões disciplinares.
No mandado de segurança referido, o ilustre Procurador da República,
que se pronunciou a respeito, certamente se fi lia à corrente de Seabra Fagundes,
conforme se depreende dos termos da sua manifestação:
Improcede a pretensão do Impetrante. De pronto por importar,
se atendida, na quebra do princípio da igualdade já que só ele
seria assistido por advogado com evidente inferiorização para o
acusador e o próprio Conselho, pois, militares de carreira, não
possuem especialização profi ssional em advocacia.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 143
Não bastasse, porque a intervenção de advogado em quartéis,
navios ou aviões de guerra, na fase disciplinar não se coaduna
com os princípios que regem as organizações militares, que não é
privilégio do Brasil, antes ocorre em todos os países.
As Forças Armadas em todo mundo civilizado, criadas preci-
puamente, com o mesmo propósito de exercer as artes da guerra,
caracterizam-se por serem organismos regidos por princípios
próprios e que são iguais em todas elas. Quer pertencentes aos
países mais desenvolvidos quer as dos menos afortunados; sejam
oriundas de sistemas políticos totalitários, ou de formação política
mais liberal; uma só idéia a todas preside, um só e mesmo princípio
as informa: o rígido respeito a hierarquia e a disciplina.
A disciplina e a hierarquia - prossegue ele -, para a organização
militar é a seiva que as institucionaliza, dá-lhe coesão e mantém-
na viva. Permitida que fosse a sua violação a instituição perderia
unidade, se degradaria, decaindo do status de organização para o
de mero ajuntamento armado.
Realmente, a organização castrense é regida por princípios de
todo próprios. O respeito exigido aos superiores hierárquicos,
mormente nos quartéis, ou nas restritas dependências dos navios
e aviões de guerra – ‘a continência’, a ‘posição de sentido’, ‘a
ordem unida’, a noção do ‘pundonor militar’, a liderança exigida
de seus chefes - tudo isto são requisitos tipicamente militares e
que lhe dão características especiais sem qualquer paralelismo ou
correspondência nas organizações civis públicas ou privadas.
Nem mesmo nas carreiras das demais instituições permanentes
do Estado - Diplomática, Magistratura, Ministério Público - em
nenhuma delas a hierarquia e a disciplina assumem o signifi cado
exigido entre os militares.
Assim é porque tais peculiaridades fazem parte da vida militar
porque por serem indispensáveis à arte de fazer a guerra, que
| Direito Constitucional Militar
144 |
se resume em constantes ordens de uns dadas a outros, que não
admite, como é óbvio, discussões, divergências ou tergiversações,
mas sim, o cumprimento sem discussões ao que foi anteriormente
deliberado.
É evidente que em tal contexto os problemas disciplinares entre
os militares ganham realce de todo próprio que se distingue
radicalmente daqueles ocorridos na vida civil. Lá são apreciados a
partir do mesmo enfoque que é dado interna corporis por aqueles
que se habituaram a viver o problema dia a dia a partir - repita-se
- da noção arraigada que têm de disciplina. Vale dizer hão de ser
solucionados pelo pessoal ‘do ramo’, pelos iniciados nos mistérios
da Ordem (...).
Por isso o Decreto 71.500, de 05/12/972, dispôs que os casos
de disciplina seriam apreciados por 3 ofi ciais, que integram o
Conselho de Disciplina, sendo o acusado defendido por ofi cial
também militar (art. 9º, §3º).
Ou seja, em tal fase, tudo se há de resolver no âmbito estritamente
militar.
Ora, ante tal contexto a introdução do advogado no quartel militar
ou em navio de guerra para defender o acusado, sobre jogar por terra
contradição mais do que sedimentada e se mostrar extravagante
(já que o advogado não participa e não está impregnado daquele
verdadeiro animus, de outro como já se disse quebraria o princípio
da igualdade que deve presidir a todas as relações e, o que é mais,
com fl agrante inferioridade para o acusador e para os próprios
ofi ciais deliberadores integrantes do Conselho que serão mestres
nas artes da guerra mas, não sendo juízes togados nem advogados,
não são mestres nas artes e artimanhas da advocacia... Tudo, com
grave prejuízo para a disciplina e a hierarquia que é exatamente o
que se procura preservar.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 145
Quanto à garantia constitucional do direito a ampla defesa há de
ser entendida modus in rebus. Quando a Constituição assim dispõe
visou assegurar ao acusado todos os meios de defesa facultando-
lhe a produção das provas que entender cabíveis. Mas isto não quer
dizer que necessariamente devessem ser produzidas por advogado.
Embora normalmente assim ocorra, não se pode negar, por outro
lado, que tal preceito deve ser adequado à realidade cotejado com
os demais princípios existentes já sedimentados dentre os quais
ora tratado.
A verdade é que, com exceção da presença do advogado, o
processamento nos casos disciplinares é feito de forma escorreita e
a mais livre possível dispondo o Decreto 71.500 que além de lhe ser
fornecido ‘o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias
o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados’
(art. 9º) ‘ao acusado é assegurado ampla defesa’ (idem) no uso da
qual ‘pode o acusado requerer a produção’... de todas as provas
permitidas no Código de Processo Penal Militar (art. 2º) podendo
até ser expedidas Cartas Precatórias (§3º), sendo que ‘o processo é
acompanhado por um ofi cial (§4º), indicado pelo acusado’.
Portanto, na fase meramente disciplinar encarregada de verifi car se
houve ou não indisciplina, descabe a intervenção de outras pessoas.
Quanto a possíveis injustiças porventura cometidas próprias da
falibilidade humana poderão ser oportunamente corrigidas pela
autoridade militar superior sendo certo ainda que nos casos de
exclusão a bem da disciplina cabe ao Ministro Militar respectivo
‘julgar os recursos que forem interpostos nos processos oriundos
dos Conselhos de Disciplina’ (art. 15).
E, após tudo isto - concluiu o fi scal da lei -, o apelo ao Judiciário
quando será instaurado o necessário contencioso com as partes
envolvidas, aí sim, assistidas por advogado.
| Direito Constitucional Militar
146 |
Tal interpretação de há muito foi banida pela consciência jurídica dos
povos civilizados. No direito brasileiro, há mais de um século não se admite
a independência do Direito Militar nesse nível, de modo a transformar os
quartéis em fortalezas inexpugnáveis ao Direito e à Justiça, como nos tempos
dos “Artigos de Guerra”, de Frederico Guilherme, conde de Schaumburg-
Lippe, adotados em Portugal a partir de 1763 e também no Brasil Colônia.
Clássicos brasileiros como “Direito Penal Militar” e “Direito, Justiça e
Processo Militar”, ambos de Esmeraldino Bandeira, ou ainda “Direito Penal
Brasileiro”, de Crhysólito de Gusmão, entre outros, escritos no princípio deste
século, já sepultaram tais entendimentos.
Compreende-se tal posição quando partindo da autoridade militar.
Inaceitável, no entanto, se defendida pelo Ministério Público, inclusive porque,
em sede de mandado de segurança, a Procuradoria da República atua não
como representante da parte, mas como fi scal da lei. Inaceitável, repita-se, que
o representante do Ministério Público se manifeste em tais casos no sentido de
que se desmereça a doutrina, a jurisprudência e a própria lei, a um só tempo,
em nome de uma pretensa “tradição mais do que sedimentada”.
E não se diga que se trata de tentativa liberalizante “extravagante”,
pois ainda que se reconheçam as peculiaridades das atividades castrenses,
não é menos certo que o exercício do Poder Disciplinar está subordinado aos
parâmetros legalmente fi xados, e, como não poderia deixar de ser, tem seus
pressupostos jurídicos no Direito Administrativo e, com muito mais razão, no
Direito Constitucional.
Não se perca de vista, por outro lado, que a disciplina, tão decantada
pelo ilustre representante do Ministério Público naquela oportunidade, “é a
rigorosa observância e o acatamento das leis”136, e de outra forma não poderia
ser, uma vez que as Forças Armadas, nos termos constitucionais, destinam-se a
defender e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
Raciocínio diverso nos levaria a dizer que as Forças Armadas se subme-
tem à lei, mas para a consecução de seus objetivos é permitido aos superiores
hierárquicos afrontarem a própria lei que se propõem garantir. Seria o
paradoxo de eleger a ilegalidade para garantir a legalidade, em lamentável
reedição de Maquiavel.
136 Estatuto dos Militares, Lei nº 6880/80, art. 14, §2º.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 147
Infeliz, de igual modo, a alegação de que estaria vulnerado o “princípio
da igualdade” entre as partes porque os ofi ciais integrantes do Conselho de
Disciplina não possuem especialização profi ssional em advocacia.
Esqueceu-se o representante do Ministério Público que esses mesmos
ofi ciais, ex vi legis, podem fazer parte dos Conselhos Especiais e Permanentes
da Justiça Militar, sendo competentes para condenar civis e militares a penas
de até 30 (trinta) anos de reclusão em tempo de paz.
Se há desigualdade entre as partes nos Conselhos, a parte em inferioridade
certamente é o acusado, e não a Administração. Daí a necessidade de ampliação
do conceito de acesso à Justiça.
É forçoso concluir, portanto, que a natureza administrativa do Conselho
de Disciplina instituído pelo Decreto nº 71.500/72, para aplicação nas Forças
Armadas, não obsta que o advogado exerça seu munus, e nem aquele diploma
em qualquer de seus artigos permite tal interpretação restritiva.
O fato de haver o legislador permitido que o acusado indique um ofi cial
para orientar sua defesa “quando este o desejar”, não implica necessariamente que
a defesa não possa ser produzida por advogado de livre escolha do acusado.
A escolha do defensor é ato de livre vontade do acusado, infl uindo nesse
julgamento soberano vários fatores, quer de caráter objetivo como subjetivo.
Ao acusado cabe, preferencialmente, eleger aquele que entende capaz para
defender seus direitos das possíveis lesões de natureza jurídica, assim como o
faz quando escolhe o médico a quem confi a sua saúde física.
Atente-se, no entanto, que a fi gura do ofi cial como julgador dos atos
praticados pelas praças que lhe são subordinadas e ao mesmo tempo como
protetor dos direitos dos mesmos subordinados, quando indicado para
auxiliar a defesa das praças acusadas, pode ter raízes históricas e não apenas
nos conceitos de hierarquia e disciplina, comuns a todos os exércitos.
Remontando-se à Guerra do Paraguai, vemos que até aquele momento
os confl itos envolviam sempre a Guarda Nacional, com nítida infl uência da
dimensão escravagista da época, com a evidente diferenciação de dois grupos:
cidadãos livres e escravos 137.
137 Cf. SALLES, Ricardo. In: “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército”, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1990.
| Direito Constitucional Militar
148 |
Até então, servir nas fi leiras do exército era algo que vinha
acompanhado do estigma de degradação social; os recrutados
eram obtidos junto aos elementos desqualifi cados (como tais
defi nidos pela ordem e pelo pensamento dominantes vigentes) da
população: desocupados, vagabundos e malandros138.
A realidade da guerra colocou lado a lado ofi ciais e soldados, e as
contradições afl oraram com maior nitidez, não passando sem registro pelos
chefes militares.
Em correspondência dirigida ao Ministro dos Negócios da Guerra, em
1868, Caxias alertava:
Vossa Excia. sabe melhor do que ninguém que, por um concurso
de circunstâncias deploráveis, o nosso Exército contava sempre em
suas fi leiras grandes maiorias de homens que a sociedade repudiava
por suas péssimas qualidades....chegando a tal ponto o seu estado
atual, que já se encontra suma difi culdade de se acharem praças,
que possam ser Cabos e Sargentos139.
Em verdade as dicotomias senhor-escravo, tutor-tutelado são histori-
camente confundidas com superior-subordinado, situação que pode ser
comparada à vivenciada pelos ofi ciais nos Conselhos de Disciplina.
A Ordem do Dia nº 949, de 20 de julho de 1898, demonstra a
responsabilidade que recaia sobre os ofi ciais em relação à proteção devida às
praças a eles subordinadas, mesmo nas questões de natureza civil:
Cabendo às praças de pret a proteção e amparo da administração
do exército, até que se emancipem quando são escusas do serviço;
sendo desagradável ver comparecer perante a barra do Tribunal,
com seus uniformes militares, um defensor da Pátria e ouvi-lo
declarar aos seus juizes que não tem quem o ampare e defenda
na contingência precária em que se acha, sendo preciso recorrer
138 Idem, p. 62.139 “Cartas, Reservados e Confi denciais Referentes à Campanha do Paraguai (1867-69) livro 4, Arquivo Nacional, códice 924, apud Ricardo Salles, op. cit. p. 139/140.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 149
à caridade de alguém a convite do presidente do Juri, que quase
sempre o faz de modo solene a que o obriga a alta função que
exerce; não sendo lícito que se deixe o acusado entregue aos azares
da sorte, devendo-se acompanhá-lo sempre, até que, convencido
do crime que lhe é imputado, seja desligado do seu batalhão ou
regimento e entregue à justiça que o tem de punir, recomenda-se
instantemente a observância do que dispõe o §3º do art. 23 do
regulamento aprovado pelo Decreto nº 338, de 23 de maio de
1891, que considera a companhia como uma família, cujo chefe
é o capitão, a quem cabe exigir o dever, a obediência e atenção e
também amparar e proteger a cada um dos seus comandados, de
modo a que se faça sempre justiça.
Por isso deverá, nestes casos, promover a defesa de seus
comandados, impedindo assim que os processos a que responderem
não corram à revelia, desde o seu início, procurando quem a isso se
preste gratuitamente, o que não será diicil encontrar, já no próprio
exército, já na benemérita assistência judiciária do Instituto da
Ordem dos Advogados140.
Nos dias atuais a presença do advogado nos Conselhos, tanto de
Justifi cação como de Disciplina, é comum, sendo excepcionais as resistências
por parte dos comandantes, e também rotineira a presença de advogados
dando assistência jurídica no caso de simples punições disciplinares.
A atuação de advogados no interior dos quartéis para exercício da
defesa de militares em transgressões disciplinares não é vista com bons olhos
por alguns.
O problema tende a se agravar com a recente decisão do Superior
Tribunal de Justiça ao editar a Súmula nº 343, com um Enunciado curto, mas
devastador141: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do
processo administrativo disciplinar.”
140 CASTELLO BRANCO, Cândido Borges. In: Consultor Militar, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 4ª edição, 1911, p. 144.141 Julgamento em 12 de setembro 2007. DJ 21.09.2007.
| Direito Constitucional Militar
150 |
Ainda que a decisão tenha em mira o regime jurídico dos servidores
civis, não faltarão argumentos para que o mesmo entendimento seja adotado
para os militares.
6.2 - O Habeas corpus e as transgressões disciplinares
“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder”.
Esse o teor do inciso LXVIII do art. 5º da Constituição da República, no
Título II, que trata Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
No art. 142 da mesma Carta, temos o §2º, onde consta que “Não caberá
habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.
A restrição contida no §2º do art. 142 da Constituição não é recente.
A Constituição de 1934, em seu art. 113, item 23, inaugurou a matéria,
seguindo-se-lhe as demais até a atual, de 5 de outubro de 1988. Vale registrar
que, desde o anteprojeto de Constituição encaminhado ao plenário da
Assembléia Nacional Constituinte de 1988, a restrição ao cabimento do
habeas corpus, nas transgressões disciplinares, foi extirpada do §48 do art. 5º,
restaurando assim, aparentemente, a dignidade do instituto. Aparentemente
porque a vedação espúria foi remetida para a parte que trata especifi camente
das Forças Armadas.
Menos mal, sem dúvida, ainda que permaneça a questão de fundo, pois
agora temos o confronto entre o instituto consagrado no Título “Dos Direitos
e Garantias Individuais” e uma restrição injustifi cada no Título “Da Defesa
do Estado e das Instituições Democráticas”, o que demonstra a inequívoca
tendência em atribuir maior relevância à defesa do Estado.
O Código de Justiça Militar baixado com o Decreto-Lei nº 925, de 2 de
dezembro de 1938, acompanhando o legislador constitucional, exibia, no §6º do
art. 272, que tratava do cabimento do habeas corpus, a mesma restrição quanto
às transgressões disciplinares. O diploma processual anterior, Regulamento
Processual Criminal Militar, de 1895, não tratava da matéria apesar de há dois
anos o assunto já estar pacifi cado pelo argumento das armas.
No início do século passado, o Aviso de 19 de fevereiro de 1834,
proclamava: “A ordem e habeas corpus não pode ser passada em favor dos
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 151
militares presos militarmente, não só por ser oposto às leis que os regem, como
por ser contrária à subordinação e disciplina do exército”142.
No mesmo tom, um outro Aviso, de 30 de agosto de 1865: “Aos milita-
res presos militarmente é contrária às suas respectivas leis e à disciplina do
exército a concessão de soltura por habeas corpus” 143.
O confronto decisivo entre a toga e a espada ocorreu em 1894, quando
o Governo não deu execução às decisões do Supremo Tribunal Federal que
concederam habeas corpus a um ofi cial reformado da armada e outro do
exército, presos por crime militar, sob o argumento de que tais decisões eram
“contrárias a todas as leis e immemoriaes estylos militares”.
No ano seguinte, ao decidir sobre o pedido de habeas corpus impetrado
em favor de um tenente reformado da armada, o Supremo Tribunal Federal fez
a toga ceder às armas e negou o habeas corpus.
O Capitão Cândido Borges Castello Branco registra o episódio nesses
termos:
O Supremo Tribunal Federal, em Accórdão de 14 de agosto de
1985, negando habeas corpus a um tenente reformado da armada
por ser elle militar e estar sujeito ao respectivo fôro, declarou que
em 22 de setembro de 1984 tendo o mesmo Tribunal concedido
ordem de soltura por habeas corpus a dois offi ciais reformados,
recusou o Presidente da República mandar cumprir a decisão,
por consideral-a contraria a todas as leis e immemoriaes estylos
militares, como disse o ministro da Guerra em Aviso de 25 do
mesmo mez. Por mais sólidos que sejam os fundamentos dessa
asserção, o acto do Poder Executivo violou abertamente a
Constituição, atentando contra uma decisão soberana do Poder
Judiciário Federal, embora em desaccôrdo com a jurisprudência
uniforme constante e quasi secular, de que fez menção o Accordão
de 2 de setembro de 1893144.
142 BRANCO, Cândido Borges Castello In: “Consultor Militar”, Imprensa Nacional, Rio, 4ª ed. 1911, p. 245.143 Idem.144 Idem p. 247.
| Direito Constitucional Militar
152 |
É no mínimo intrigante o fato de que a desobediência às decisões da mais
Alta Corte de Justiça tenha força sufi ciente para ser posteriormente agasalhada
no texto constitucional. De todo modo, a realidade, triste realidade, por sinal,
é que a restrição permanece.
Sabendo-se que o habeas corpus se destina à proteção do status libertatis
do indivíduo, a expressão excepcionada quando fala das transgressões
disciplinares está se referindo às penas com prisão ou detenção, por serem
as únicas que representam privação de liberdade, enquanto as penas de
advertência, repreensão e licenciamento, a bem da disciplina, não têm esse
caráter restritivo da liberdade.
O problema seria de fácil equacionamento se aceitos sem maiores
indagações os termos da norma constitucional.
Mais razão ainda se considerarmos as condições peculiares do direito
castrense, onde “é a disciplina e não a liberdade a nota predominante e neces-
sária”145, e que pune com rigor o militar que em determinadas circunstâncias
se esquiva de enfrentar o risco da própria vida, que é o bem tutelado de forma
especial no direito penal comum146.
Respeitados estudiosos defendem o descabimento do habeas corpus nas
transgressões disciplinares, à frente Seabra Fagundes, que em posição extremada
nega a possibilidade de exame, pelo Judiciário, de todos os atos punitivos de
cerceamento da liberdade, quando emanados de autoridades militares.
O ilustre jurista, reconhecidamente um dos mais destacados defensores
do judicial control, abandona essa posição quando se trata das transgressões
disciplinares, chegando mesmo a afi rmar que:
ainda que o ato administrativo, em tal caso, se apresente com
ilegalidade evidente, mesmo que esta se manifeste nos seus
aspectos vinculados, como o concernente à competência, não cai
sob a apreciação judiciária. A restrição - prossegue ele - se inspira
no propósito de fortalecer a disciplina nas corporações militares,
subtraindo-se os atos dos superiores hierárquicos, considerados
145 COSTA, Álvaro Mayrink da. In: Crime Militar, ed. Rio, p. 25. 146 Idem p. 23.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 153
essenciais à sua organização e efi ciência, à impugnação e discussão
dos subordinados147.
As palavras citadas, como se vê, merecem análise mais acurada, em que
pese o indiscutível saber jurídico do autor, “sem recurso a cuja autoridade
ninguém pode, neste País, ensaiar sequer a abordagem”148 do problema do
controle jurisdicional dos atos da Administração Pública.
Pela evidência, não se pode fugir à idéia de que o exercício do Poder
Hierárquico é essencial à organização e efi ciência não apenas das unidades
militares, mas de todo órgão do serviço público.
Dessa forma, o fortalecimento da disciplina deve ser ponto de constante
preocupação em todas as áreas da Administração Pública.
Em verdade, a destinação constitucional das Forças Armadas implica a
exigência de disciplina mais rígida e, conseqüentemente, um sistema disciplinar
de características próprias.
Entretanto, não pode ser esquecido que o conceito de disciplina lato
senso é o mesmo, quer sob o aspecto civil ou militar, ou seja: “o conjunto de
regras, impostas, nas diversas instituições ou corporações, como norma de
conduta das pessoas que a elas pertencem”149.
Por outro lado, o próprio Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880, de 9 de
dezembro de 1980 – curvou-se a esse raciocínio ao dispor em seu art. 14, §2º,
que a “disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis”.
E de outra forma não poderia ser, uma vez que as Forças Armadas
“destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei da ordem”150.
Entendimento diverso nos levaria a dizer que as Forças Armadas “são
organizadas com base na hierarquia e na disciplina”, mas para a consecução
de seus objetivos é permitido aos superiores hierárquicos afrontarem a própria
lei que se propõem garantir.
147 FAGUNDES, M. Seabra. In: “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, Forense, 4ª Ed. p. 168. 148 DIAS, Francisco Mauro. In: “O Exame dos Atos Administrativos pelas Instâncias Administrativas e Judiciais”, Revista do Instituto dos Advogados do Brasil, 19/72.149 De Plácido e Silva, op. cit.150 CR art. 142.
| Direito Constitucional Militar
154 |
Seria o paradoxo de eleger a ilegalidade para garantir a legalidade, ou,
ainda, adotar o princípio de que “os fi ns justifi cam os meios”.
No campo oposto, e não menos respeitável, é a corrente liderada por
Pontes de Miranda, que defende a aceitação do writ em certas condições.
O renomado jurista, em seus Comentários à Constituição Federal de
1967, deduz que a ocorrência da transgressão disciplinar só é possível com a
existência de determinados pressupostos, dentre eles o poder disciplinar, que
não é atribuído indistintamente em razão da obediência hierárquica.
Pode, assim, haver precedência hierárquica sem haver poder disciplinar,
como, por exemplo, nas relações entre cabos e soldados, em que temos
presente a superioridade hierárquica mas não temos o poder punitivo. Da
mesma forma, um Almirante ou um Brigadeiro não gozam de poder punitivo
diante de um soldado do Exército, embora seja indiscutível a prevalência
hierárquica.
A competência para aplicação de penas disciplinares, no âmbito do
Exército, está regulada no Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984,
que em seu art. 9º estabelece que “a competência para aplicar punições
disciplinares é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico”, especifi cando,
ao longo do dispositivo, os diversos níveis de competência.
Assim, é de fácil entendimento que se um Comandante de Unidade
prender disciplinarmente um militar diretamente subordinado ao Comandante
de outra Organização Militar, estaremos diante de uma invasão de competência,
e tratando-se a competência de elemento vinculado do ato administrativo, não
pode ser modifi cada em afronta à norma e pelo puro alvitre do administrador,
seja ele civil ou militar.
Corolário desse entendimento é o constante do §2º do art. 10 daquele
Decreto, o Regulamento Disciplinar do Exército, em que está prevista a
necessidade de pronta ação disciplinar sobre o transgressor, determinando que
a autoridade militar de mais elevada hierarquia presente no momento da falta
efetue a prisão em nome da autoridade competente.
Outra hipótese levantada por Pontes de Miranda é quando a lei fi xa um
prazo máximo para a prisão. No Regulamento Disciplinar do Exército, além
da competência genérica deferida a cada autoridade, temos o limite das penas
privativas de liberdade que podem ser aplicadas.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 155
No Anexo III do RDE, temos que os soldados, cabos e sargentos podem
ser apenados com até 30 dias de prisão, sendo competente para aplicar tal
punição o Comandante da Unidade onde servem.
Essa mesma autoridade e ainda quanto aos seus subordinados, em se
tratando de ofi ciais, somente poderá prender no máximo por 15 dias.
Logo, se o Comandante prender o ofi cial por mais de 15 dias estará
praticando excesso de poder.
Em ambos os casos, ou seja, invasão de competência e desvio de poder,
teremos tipifi cado, em tese, o abuso de autoridade, sujeitando o infrator às
sanções civis, administrativas e penais.
E nem poderia ser diferente, não sendo aceitável que o ato praticado
com abuso de poder seja mantido sob a proteção da lei apenas porque se trata
de disciplina militar.
Não se perca de vista que tanto o crime militar como a transgressão
disciplinar se constituem em violação do dever militar. Assim, a mesma
autoridade militar, praticando o mesmo abuso de autoridade – prisão ilegal
– seria responsabilizada apenas no caso de crime militar e fi caria imune na
transgressão, se assim fosse considerado.
No primeiro caso caberia habeas corpus por se tratar de crime, enquanto
no segundo, se adotada a corrente defendida por Seabra Fagundes, não seria
possível a concessão do writ.
Em 1918, o Supremo Tribunal Federal julgando habeas corpus impetrado
em favor de dois ofi ciais da marinha mercante concedeu a ordem por entender
que a autoridade descumpriu formalidade essencial, manifestando-se nos
seguintes termos:
Os pacientes, por faltas graves de indisciplina e por tentativa de
sublevação para deporem o respectivo comandante, foram por
este presos, de acordo com o art. 428, §2º, do Regulamento das
Capitanias dos Portos, e, trazidos para esta Capital sem processo
algum, não foram ainda entregues às autoridades competentes,
mas acham-se detidos, à ordem do mesmo comandante, no quartel
do quarto batalhão de Polícia, pelo que impetram esta ordem.
| Direito Constitucional Militar
156 |
ACORDAM, em Supremo Tribunal Federal, deferir-lhes o pedido
e mandar que sejam postos em liberdade, por ser ilegal a prisão
em que se acham; porquanto, si o comandante podia prendel-os,
como o fez, devia também promover os necessários processos,
os quais era obrigado a entregar, com os presos, às autoridades
competentes, no primeiro porto da República onde entrasse
(Dec. nº 505, de 4 Mar 15, art. 428, §2º, in fi ne). E, como o não
fez, ilegal desde então se tornou a prisão, pelo que concedem a
ordem impetrada151.
Em perfeita sintonia com o pensamento de Pontes de Miranda está o não
menos ilustre Nelson Hungria, quando afi rma que “evidentemente, quando se
fala em ato disciplinar, na Constituição, quer-se referir àquele que se apresenta
escorreito na sua forma”152.
Estando, pois, a privação da liberdade inquinada do vício da ilegalidade,
praticado que tenha sido o ato punitivo com nulidade insanável pela presença
do abuso de poder, é cabível o habeas corpus.
A mesma lição pode ser haurida no julgado do Excelso Pretório,
que afi rma: “O julgamento da legalidade dos atos administrativos está
incluído na competência jurisdicional que protege qualquer lesão do direito
individual”153.
Da mesma forma nos ensina Othon Sidou, esclarecendo sobre a
relatividade da aplicação da regra de não-cabimento de habeas corpus nas
transgressões disciplinares e também da impossibilidade de apreciação do
conteúdo específi co da infração disciplinar, bem como da justiça ou injustiça
da punição.
O cabimento do habeas corpus é defendido por Othon Sidou quando:
a prisão foi determinada por autoridade incompetente; a lei não a autoriza,
em tese; as formalidades legais não foram observadas e o prazo legal foi
excedido154.
151 HC nº 4600, 17 Ago 1918. In: Rev. STF, nº 21/245.152 HUNGRIA, Nelson. In: “Archivo Judiciário”, Dez 61/340.153 STF, RE nº 72.390. In: RDA 110/243.154 Cf. SIDOU, J. M. Othon. In: “As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos”, 1ª ed. Forense, 1977, p. 190.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 157
Valorizando ainda mais essa corrente, temos Themistocles Cavalcanti,
que analisa comparativamente os dois institutos – habeas corpus e mandado
de segurança – e conclui:
É evidente, porém, que isso só acontece, isto é, que às transgressões
disciplinares não se estendem as garantias do habeas corpus nem
do mandado de segurança quando o constrangimento ilegal ou
o abuso de poder decorrentes do ato disciplinar emanarem de
autoridade competente, forem legítimos, porque si revestirem
o caráter de violação manifesta de um direito ou de infração de
literal dispositivo de lei, não há como excluir tais atos ilegais ou
abusivos do amparo de um ou outro daqueles remédios especiais
que abrangem, de modo geral, todos os direitos individuais
violados ou simplesmente ameaçados de violência 155.
Os argumentos mais ponderáveis, senão os únicos, da corrente que se
recusa a aceitar o cabimento do habeas corpus nas transgressões disciplinares,
pela interpretação literal do texto constitucional, se fi xam nas peculiaridades
da estrutura e das funções militares e no hipotético comprometimento da
efi ciência das atividades na caserna pela ingerência do judiciário na discussão
dos atos punitivos.
Essa a opinião de Seabra Fagundes: “É bem de ver que o objetivo do
constituinte foi a preservação do regime disciplinar das Forças Armadas
contra a interferência de decisões judiciais”156.
Tal interferência, no entanto, longe de perniciosa, seria bastante salutar
e o problema pode ser contornado se considerarmos o assunto da competência
da Justiça Militar.
Ora, se um militar teve sua liberdade cerceada ilegalmente por outro
militar, poderemos estar diante da fi gura tipifi cada no art. 222 do Código
Penal Militar, sob o nomen juris de constrangimento ilegal:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou
depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de
155 In: “Do Mandado de Segurança”. 156 Op. cit,. p. 293.
| Direito Constitucional Militar
158 |
resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer ou a tolerar
que se faça, o que ela não manda.
Ou então, do mesmo CPM, o ilícito de que trata o art. 174 – Rigor
excessivo: “Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo com rigor
não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito.”
Em se não aceitando o cabimento do habeas corpus nos dois exemplos
citados, teríamos a Justiça Militar competente para processar e julgar a
autoridade que praticou o ilícito, mas incompetente para determinar a
libertação do ofendido, o que se constituiria numa aberração.
E mais, o militar preso disciplinarmente por ato manifestamente
ilegal poderia obter, por meio de mandado de segurança, a anulação do ato
administrativo para efeito de cancelamento da punição em seus assentamentos
funcionais, mas permaneceria preso de vez que o mandado de segurança não
se constitui em proteção adequada à liberdade de ir e vir.
O próprio Código de Processo Penal Militar trata do habeas corpus com
as mesmas aparentes restrições às transgressões, mas a exegese da letra “a” do
parágrafo único do art. 466 permite optar pelo cabimento do habeas corpus,
como se vê:
Parágrafo único - Excetuam-se, todavia, os casos em que a ameaça
ou a coação resultar: a) de punição aplicada de acordo com os
Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas.
Contrario sensu podemos concluir que as punições aplicadas em
desacordo com os dispositivos regulamentares não fogem ao alcance do writ,
que deve ser concedido pelo tribunal competente, ou seja, o Superior Tribunal
Militar.
Não se compreende de que forma a atuação da mais Alta Corte de
Justiça Castrense pode ser considerada inconveniente aos princípios da
hierarquia e da disciplina na caserna quando aquele mesmo tribunal, na
qualidade de “tribunal militar de caráter permanente”157, pode julgar o ofi cial,
qualquer que seja a patente, em caráter administrativo e declará-lo indigno
157 Cf. §7º. do art. 42 da Constituição da República.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 159
para o ofi cialato, ou com ele incompatível, o que importa na perda do posto e
da patente e conseqüente demissão158.
Uma vez mais a legislação portuguesa serve de exemplo. Recente reforma
no sistema disciplinar das Forças Armadas de Portugal, regulando o recurso
contencioso, introduziu:
uma modifi cação importante e totalmente nova: em matéria
disciplinar, o controle jurisdicional dos atos punitivos é confi ado
ao Supremo Tribunal Militar. Por um lado, trata-se de um órgão
constitucionalmente revestido de poder soberano, objetivo,
imparcial e independente....e por outro lado evita-se que se quebre
a seqüência normal da justiça militar159.
A França antecipou-se de muito ao problema, e seu Código de 1814 já
consagrava o recurso contra punições disciplinares aos tribunais militares:
L’article 15 ouvre, en dehors du recours hiérarchique, à tout
militaire qui se croit puni injustement ou trop sévérement, la voie
de la plainte au conseil de guerra ou à la Cour militaire suivant le
grade du superieur qui a infl igé la punition160.
Tratado o assunto sob o ângulo da lesão de direito individual, a
interpretação restritiva apresenta outros absurdos. As lesões que não implicam
privação da liberdade – advertência, repreensão e licenciamento a bem da
disciplina – podem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, enquanto a prisão
e a detenção, que, se ilegais, corresponderiam, em tese, a ilícitos penais, não
estariam sujeitas à apreciação judicial.
Ou, mais estranho ainda, a prisão ou detenção aplicadas com vício de
ilegalidade podem ser apreciadas – e anuladas – pelo Judiciário por meio de
mandado de segurança, mas apenas para efeito do cancelamento do registro
na fé de ofício do militar, permanecendo o ato imune ao judicial control sob
o aspecto criminal.
158 Idem.159 Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 142/77, de 9 de abril de 1977.160 GOEDSEELS, X. In: “Manuel de Procédure Pénale Militaire”, La Panne, 1916, p. 162.
| Direito Constitucional Militar
160 |
O caso mais conhecido ocorreu com o Almirante Carlos Penna Botto,
em 1951, que requereu mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal,
contra pena disciplinar imposta pelo Ministro da Marinha, e mantida, em
recurso, pelo então Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra.
O próprio Procurador-Geral da República suscitou, então,
(...) a preliminar de inidoneidade da medida requerida, entendendo
S. Excia. que se tratava de uma prisão e, através desse tema,
somente seria possível à parte interessada agitar seu caso por
via de habeas corpus, visando a tornar sem efeito ou impedir o
cumprimento da pena considerada ilegal161.
No mesmo sentido a posição do Ministro Afrânio Antonio da Costa, que
em seu voto alia-se à tese do eminente Procurador-Geral quanto ao cabimento
do habeas corpus.
A segurança foi concedida, por unanimidade, sem tratar do cumprimento
da pena, o que já havia ocorrido, reconhecendo que:
(...) o direito do impetrante a evitar que da sua fé de ofício conste
uma pena disciplinar oriunda de ato manifestamente ilegal pode e
deve ser amparado por mandado de segurança162.
Desnecessário dizer que o cerceamento da liberdade daquele ofi cial, por
ato manifestamente ilegal, como entendeu o Supremo Tribunal Federal, passou
em brancas nuvens, pois ninguém teria a ousadia de tentar responsabilizar o
Ministro da Marinha e o Presidente da República pela prisão ilegal.
O exemplo citado, mais ilustrativo pela alta patente e funções, tanto
do impetrante quanto do impetrado, poderia ser acolhido como ofensivo aos
princípios de disciplina.
Efetivamente tal ofensa não ocorreu e nem de leve foram atingidos
os princípios de autoridade, considerados indispensáveis ao perfeito
funcionamento das instituições militares.
Bem oportunas as palavras do mestre Marcelo Caetano, na sua obra
“Do Poder Disciplinar”:
161 Mandado de Segurança nº 1374/STF. In: “Archivo Judiciário”, Dez/51, p. 338. 162 Idem, p. 344, voto do Ministro Edgard Costa.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 161
Multiplicam-se as garantias do processo disciplinar para prevenção
do desvio de poder. Mas veremos de resto, que nem por isso os
superiores foram privados de providenciar rápida e efi cazmente
quando urja proceder sem demora163.
Pelo acompanhamento da jurisprudência relativa às transgressões
disciplinares percebe-se que, especifi camente quanto ao habeas corpus, o
desenvolvimento vem sendo bastante lento.
Em verdade, doutrinariamente não há mais resistências de relevo à
aceitação do habeas corpus, ainda que se trate de punição disciplinar. Mesmo
Ministros do Superior Tribunal Militar aqui e ali se manifestam favoráveis à
concessão da medida, restrita a apreciação ao exame da legalidade do ato sob
suas diversas formas.
Já em 1927, em Acórdão de 4 de maio, temos o indeferimento de um
pedido “porque a prisão do paciente foi ordenada no uso de uma atribuição
conferida em lei e dentro dos limites nesta estabelecidos”, o que leva a crer
que, se ilegalidade houvesse, a ordem deveria ser concedida.
Durante o 1º Congresso de Direito Penal Militar, em 1958, essa questão
foi tema de tese apresentada pelo Ministro Mario Tibúrcio Gomes Carneiro,
que afi rmou:
A proibição constitucional do habeas corpus e do mandado de
segurança, em matéria disciplinar, não impede que o tribunal,
competente para a hipótese, tome, preliminarmente, conhecimento
do pedido, com a invocação pura e simples do preceito proibitivo.
O Tribunal tem o poder e o dever de, em cada caso, examinar
se o fato punido constitui infração disciplinar defi nida na
norma disciplinar, a fi m de decidir, pois, sem esse exame, fi caria
praticamente impune todo abuso de poder ou de autoridade do
superior e sacrifi cado o direito individual que a Constituição
garante mesmo durante a incorporação na Força Armada.
É aconselhável - prossegue - que, nos Regimentos Internos dos
Tribunais Superiores, se adote medida sobre o assunto, obrigando
163 Op. cit., p. 47.
| Direito Constitucional Militar
162 |
os juízes relatores ao exame prévio do fato, a fi m de averiguar se
o punido está sujeito ao regime disciplinar, se a autoridade que
puniu tinha competência, se a pena aplicada está prevista em lei e
se a sua execução obedece às regras na lei estabelecidas164.
No mesmo Congresso, o então Capitão Euclydes de Carvalho Brito,
sob o título “A Punição Disciplinar dos Regulamentos Disciplinares na
Esfera Judiciária”, e com apoio na Constituição à época vigente, sustentou o
cabimento do habeas corpus para os casos de punição disciplinar limitativa da
liberdade individual e o mandado de segurança para cancelamento de punição
disciplinar que não implique a coação à liberdade corpórea do peticionário.
Em 1986 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão unânime,
favoreceu a diversos ofi ciais da Polícia Militar, concedendo habeas corpus
contra ato disciplinar do Comandante-Geral daquela Corporação, cuja
ementa se reproduz:
Prisão de ofi ciais da Polícia Militar do Estado, cujo motivo ofi cial,
referido em boletim acostado aos autos, teria sido participar de
reunião realizada em entidade de classe, onde teriam sido discutidos
acaloradamente problemas de interesse dos associados. Punição
imposta ao arrepio do direito de livre reunião assegurado no §27
do art. 153 da Constituição Federal. A inadmissibilidade do habeas
corpus nas transgressões disciplinares, prevista no §20 do mesmo
artigo e no art. 467, in fi ne, do CPPM, não exclui a apreciação,
pelo Judiciário, de lesão de direito individual resultante de punição
por transgressão disciplinar dada como de tal natureza, sob pena
de, sob a capa de punições assim rotuladas, abrir-se a porta aos
maiores abusos de poder ou arbitrariedades. Ordem concedida
relativamente ao ofi cial que está iniciando a punição imposta e a
outros que se encontram em condições idênticas.
(Ac. Un. 4ª CCr de 22/4/86, HC nº 301/86, Relator Desembargador
Mariante da Fonseca.)
164 Anais, 2º volume, p. 131/132.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 163
O episódio adquire maior relevância quando se sabe que o problema
envolvia 35 ofi ciais e a punição foi aplicada pelo Comandante-Geral da Polícia
Militar e também Secretário de Estado. Entretanto, repita-se, a jurisprudência
é escassa.
Se a matéria é controvertida quanto ao cabimento do habeas corpus nos
atos punitivos emanados de autoridade militar, o mesmo não ocorre quanto à
aceitação do mandado de segurança, com a ressalva de corrente nitidamente
minoritária e superada165, pois hoje a jurisprudência, reconhecendo o
cabimento do mandado de segurança nas punições disciplinares, é abundante,
mansa e pacífi ca, demonstrando que o instituto do mandado de segurança tem
obtido progressos mais nítidos do que seu parceiro constitucional.
Nem sempre, entretanto, foi assim. As mesmas limitações às transgressões
disciplinares que nasceram com a Constituição de 1934 atingiam o recém-
criado mandado de segurança. É o que nos dá notícia Homero Prates, em seus
comentários ao Código de Justiça Militar de 1938:
Não diz o texto que não cabe o mandado de segurança nas
transgressões disciplinares, como expressamente estatuiram, em
relação ao habeas corpus, ambas as Constituições - a de 34 e a
atual (art. 122-16). Assim, entretanto deve ser entendido. A mesma
razão que levou o legislador constituinte a excluir da garantia do
habeas corpus as punições disciplinares subsiste para que se lhes
não aplique o novo remédio instituído pela Constituição de 34 166.
A construção pretoriana, no entanto, insurgiu-se contra a interpretação
limitativa, e hoje não mais se discute sobre o cabimento do mandado de
segurança contra ato punitivo administrativo marcado pela ilegalidade,
mesmo quando emanado de autoridade militar.
Constata-se, assim, que o mandado de segurança, apesar de mais recente
do que o habeas corpus, teve progresso mais rápido e mais fácil acolhida na
jurisprudência, em que pese não ser o instituto apropriado para proteção da
liberdade de ir e vir.
165 Ver MS/STF nº 1374, voto do Ministro Luiz Galloti. In: “Archivo Judiciário”, Dez/51, p. 342.166 PRATES, Homero. In: “Comentários ao Código de Justiça Militar”, Rio, Freitas Bastos, 1939, p. 304.
| Direito Constitucional Militar
164 |
E por que a diferença no trato pelo Judiciário dos dois institutos?
Um detalhe se nos afi gura marcante, qual seja a competência para
conhecimento da matéria.
Tratando-se de habeas corpus, a competência é deferida ao Superior
Tribunal Militar, em cuja composição predominam os militares, enquanto
o mandado de segurança é apreciado pela Justiça Federal, sempre por
magistrados civis.
Outro elemento que pode estar inibindo o desenvolvimento jurispru-
dencial é a própria restrição contida no texto constitucional. À frente de
uma vedação expressa na Lei Maior, poucos se aventuram no estudo mais
cuidadoso do assunto.
O argumento de que o legislador constitucional inspirou-se na necessi-
dade de preservar a autoridade dos Chefes militares, impedindo que os
subordinados contestassem as decisões dos superiores pela via judicial, não
tem consistência, principalmente se considerarmos que o ato pode ser atacado
pela via do mandado de segurança, recaindo fi nalmente sob a apreciação do
Poder Judiciário.
Nesse caso, para não enfrentar um problema foi criado um outro, menos
desejável, pois o mandado de segurança é apreciado pelo Judiciário por meio
de magistrados civis com pouco ou nenhum conhecimento das atividades nos
quartéis, o que não ocorre com os juizes-auditores.
Aceito que fosse o habeas corpus nas transgressões disciplinares,
teríamos mantido o princípio da autoridade sem desrespeito aos direitos dos
subordinados, uma vez que o julgamento estaria afeto aos juizes-auditores e ao
Superior Tribunal Militar, órgão colegiado com predominância de membros
militares. O exemplo de Portugal, já tratado linhas anteriores, demonstra a
viabilidade dessa tese.
Não há razão, por isso mesmo, para a restrição imposta no §2º do art.
142 da Constituição Federal.
Se o ato punitivo está revestido de todas as formalidades, apresentando-
se incensurável quanto à legalidade, o Judiciário não se deterá na apreciação
do mérito, vedado que lhe é a análise da conveniência e da oportunidade dos
atos praticados por outro Poder.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 165
Sendo o ato punitivo marcado pela ilegalidade, em qualquer de suas
formas, deve, necessariamente, merecer a censura judicial nos termos da
própria Constituição Federal, por força do inciso XXXV do art. 5º, que
consagra o princípio da jurisdição una.
Não se pode perder de vista o aspecto da ilegalidade do ato praticado
com abuso de autoridade. Preferível mesmo dizer que a própria existência do
ato estaria irremediavelmente comprometida, e não se justifi cam as excessivas
cautelas, mesmo em se tratando de ato punitivo no âmbito das corporações
militares.
A legalidade interessa tanto aos civis quanto aos militares, desde que
ambos se encontrem sob o Estado de Direito.
E convém aqui reparar que não existe qualquer incompatibilidade
radical entre poder discricionário, seja legislativo ou adminis-
trativo, e controle jurisdicional, porquanto toda espécie de
exercício do poder constituído há de observar as condições ditadas
pelo poder constituinte, notadamente os direitos e garantias dos
jurisdicionados em face do Estado, que como tais retratam
limitações intransponíveis à atuação das autoridades167.
De qualquer modo, o mandado de segurança se apresenta como
alternativa, em razão do próprio texto constitucional contido no inciso LXIX,
do art. 5º:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito
líquido e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas
data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder
for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público;.
(grifo nosso)
Por outro lado, a Lei nº 1.533/51, que trata do mandado de segurança, em
seu art. 1º repete o dispositivo constitucional – ainda não atualizado em relação
à Carta/88 – detalhando o campo em que situa a medida nos seguintes termos:
167 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. In: “O Princípio da Isonomia e a Igualdade da Mulher no Direito Constitucional”, Forense, 1983, p. 82.
| Direito Constitucional Militar
166 |
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido
e certo, não amparado por habeas corpus sempre que ilegalmente
ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver receio
de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça.
(grifo nosso)
Como se vê, o legislador constituinte e o ordinário se completaram,
deixando explícito que “seja qual for a autoridade e seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça”, havendo lesão, ou ameaça de lesão
de direito individual líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder, caberá
mandado de segurança.
As autoridades militares não constituem exceção, ainda que invocado
o item III do art. 5º da Lei nº 1.533/51, que diz: “Art. 5º - Não se dará
mandado de segurança quando se tratar: III - De ato disciplinar, salvo quando
praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade
essencial.”
A exclusão citada efetivamente não encontra resguardo no texto
constitucional e “quer-nos parecer um enxerto espúrio, porque incompatível
com a largueza que a Constituição dá ao instituto”168.
Desnecessário também se afi gura o referido dispositivo quando se sabe
que o controle jurisdicional dos atos administrativos se limita ao exame
da legalidade e jamais do mérito, aí considerado o juízo de conveniência e
oportunidade do ato.
Assim, em que pese a ressalva contida na Lei nº 1.533/51, e que,
ainda assim, se mostra como “mera cautela”169, a garantia constitucional
do mandado de segurança é remédio adequado para atacar o ato disciplinar
eivado de nulidade, inclusive porque nenhuma lesão ou ameaça de lesão de
direito individual pode fi car imune ao exame pelo Poder Judiciário.
Inócuas, portanto, sob o ponto de vista jurídico, as ressalvas às
transgressões disciplinares, pois existindo ou não, as conclusões são as
mesmas, restando o mal estar quando identifi camos que no caso do habeas
168 SIDOU, J. M. Othon, op. cit., p. 278. 169 Cf. Seabra Fagundes, op. cit., p. 322.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 167
corpus a verdadeira heresia jurídica em que se traduz a restrição constitucional
nasceu da desobediência a uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
6.3 – Novas competências do Superior Tribunal Militar
Tramita no Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional
(PEC nº 358/05) que trata da Reforma do Judiciário. Entre outras inovações,
transfere para a Justiça Militar o controle jurisdicional das transgressões
disciplinares militares, a exemplo das Justiças Militares estaduais, que com a
reforma anterior do Judiciário ganhou essa nova competência.
A proposta, indiscutivelmente, agrada às autoridades militares, que com
isso deixariam de prestar contas à Justiça Federal sobre questões ligadas à
disciplina na caserna.
O Superior Tribunal Militar não perdeu tempo e começou a trabalhar no
sentido de ampliar mais ainda a competência daquele tribunal. Achou pouco
apenas o controle jurisdicional das punições disciplinares e quer julgar também
causas relacionadas com movimentação de militares, admissão aos diversos
cursos militares, ingresso e permanência nas Forças Armadas e promoções,
tanto de ofi ciais como de praças. Enfi m, quer julgar todas as causas relacionadas
com as matérias previstas no art. 142, §3º, da Constituição Federal, exceto as
relativas à remuneração.
A proposta merece análise mais acurada.
Considerando que a grande maioria dos ministros do Superior Tribunal
Militar é de militares, atualmente na proporção de dez ofi ciais-generais para
cinco civis, o objetivo, ao que parece, é criar uma espécie de contencioso
administrativo.
Tal proposta seria aceitável na época em que o órgão de cúpula castrense
não fazia parte do Poder Judiciário, antes da Constituição de 1934, período
em que, inclusive, controlava atos administrativos das Forças Armadas, como
as pensões militares.
Nos dias atuais, representa um retrocesso secular. Não que o tribunal
não possa julgar essas questões, mas em razão da composição colegiada, com
maioria predominante de leigos em matéria jurídica, todos do último posto de
cada Força, o que sinaliza para um prolongamento da ação de comando e não
julgamentos de natureza jurídica.
| Direito Constitucional Militar
168 |
EXERCÍCIOS
44. O que você acha da atuação de advogado na defesa de militares acusados de
transgressões disciplinares? Fundamente sua resposta.
45. Analise o habeas corpus como mecanismo de controle judicial das punições
disciplinares, diante dos termos do §2º do art. 142 da Constituição da República.
Fundamente sua resposta.
46. Quais os aspectos positivos e os negativos da ampliação da competência
jurisdicional do Superior Tribunal Militar?
7 - REGULAMENTOS DISCIPLINARES
Uma das difi culdades enfrentadas pelos altos escalões militares está no
fato de os subordinados acionarem o Poder Judiciário para discutir as decisões
internas que entendem ilegais, apesar de ser esse o mecanismo adequado
e constitucionalmente oferecido ao cidadão para decidir os confl itos de
interesse.
A primeira medida adotada pelo Exército para reduzir os revezes que se
multiplicavam nas varas federais foram as Instruções Gerais para Elaboração
de Sindicâncias, em 2000. O contraditório e a ampla defesa foram instituídos
expressamente170.
Princípio de Direito Natural e essência do Estado de Direito, o direito de
defesa não poderia continuar ausente entre as garantias ao alcance dos militares.
Dois anos depois veio um novo regulamento disciplinar, em uma
iniciativa no mínimo temerária, pois ainda que recomende, o respeito aos
direitos dos militares passou a ter a constitucionalidade discutida171.
Apesar das boas intenções, já nasceu ilegal. Menos mal se continuasse
a sistemática anterior, que trouxe saudáveis e profundas inovações ao
regulamentar os procedimentos a serem seguidos para aplicação de punições
com a exigência de respeito aos princípios constitucionais.
170 Portaria nº 202, de 26 Abr 2000, Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no âmbito do Exército Brasileiro (IG 10-11). 171 Decreto nº 4346, de 26 de agosto de 2002.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 169
O novo RDE seguiu a mesma linha dos antecessores e foi adotado por
meio de decreto do Poder Executivo. Isso num momento em que cada vez mais
os militares punidos disciplinarmente procuravam o Judiciário, estimulados
pelos novos ventos que sopraram a partir da Constituição de 1988.
Ainda que tenha sido instituído exatamente para garantir a legalidade
na aplicação de sanções disciplinares, em verdade, assim como os anteriores –
inclusive o da Marinha e o da Aeronáutica – padece do vício de competência.
Problema semelhante ocorre com o decreto que trata do Conselho de
Disciplina, colegiado administrativo que julga as praças com estabilidade
assegurada para efeito de exclusão a bem da disciplina 172.
Para os ofi ciais o assunto é regulado por lei173.
Ao ser assinado o Decreto nº 71.500, em 1972, a Constituição então
vigente já atribuía competência ao Congresso Nacional para legislar sobre o
regime jurídico dos servidores públicos, aí incluídos os militares.
A matéria tratada no decreto que instituiu o Conselho de Disciplina,
tanto quanto o que trouxe o RDE, em 2002, faz parte do regime disciplinar
dos militares. E esse é parte integrante do regime jurídico da categoria.
Argumentam alguns, talvez para fugir ao debate, que os regulamentos
disciplinares instituídos na vigência das constituições anteriores, também
via decreto, foram recepcionados pela nova Carta. Trata-se de equívoco
patrocinado até por festejados autores de livros de direito militar, confundindo
decreto com decreto-lei.
Sempre foi competência do Congresso Nacional legislar sobre o regime
jurídico dos servidores públicos, aí incluídos os militares, e o que era ilegal
antes continuou ilegal após 1988. Historicamente, no entanto, esse problema
foi esquecido por juristas e legisladores.
Vejamos o que diz a Constituição da República a respeito:
Art. 61. A iniciativa das leis (...)
§1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I – (...)
II - disponham sobre:
172 Decreto nº 71.500, de 5 de dezembro de 1972. 173 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.
| Direito Constitucional Militar
170 |
(...)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento
de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e
transferência para a reserva.
Sustentam outros, também sem razão, que o Estatuto dos Militares
delegou ao Executivo a atribuição de instituir por decreto os regulamentos
disciplinares, apesar de não haver qualquer referência, implícita ou explícita, a
uma delegação legislativa 174.
Eis o que diz a Lei nº 6.880/80 – Estatuto dos Militares, em seu art. 47:
Art. 47 - Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas
especifi carão e classifi carão as contravenções ou transgressões
disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e
aplicação das penas disciplinares, à classifi cação do comportamento
militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.
O art. 47 é claro ao dizer que os regulamentos disciplinares especifi carão,
mas não elege o decreto do Executivo como instrumento para isso. E nem
poderia fazê-lo.
Se o entendimento é que o decreto era o instrumento legal adequado,
não cabia ao legislativo “delegar” ao Executivo a atribuição para expedir
decretos, pois essa atribuição já é própria do Poder Executivo.
A delegação legislativa só faz sentido se o mecanismo considerado hábil
para tratar do tema for a lei, e nesse caso a forma de delegar é outra, conforme
prevê a Constituição.
O instituto da delegação legislativa é tratado de modo bem claro na
Constituição. O presidente da República solicita a delegação ao Congresso
Nacional, que, por meio de resolução, especifi ca o conteúdo e os termos em
que deve ser exercida175.
O regime disciplinar dos militares faz parte do regime jurídico da
categoria e somente por meio de lei tem validade. Cabe ao Congresso Nacional
174 Lei nº 6.880/80, art. 47. 175 CF, art. 68, § 2.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 171
dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre
organização administrativa, aí incluído o regime jurídico dos militares176.
Quando a Constituição diz que compete privativamente ao presidente
da República dispor sobre a organização e o funcionamento da administração
federal, mediante decreto177, indica o caminho a seguir ao atribuir privativamente
ao chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis a serem votadas pelo Congresso
Nacional, leis que serão regulamentadas, mediante decreto, pelo Executivo. Um
salutar exemplo do sistema de freios e contrapesos178.
Assim, apenas o Presidente da República tem competência para apresen-
tar projeto de lei dispondo sobre o regime disciplinar dos militares.
Argumentam, ainda, que poderíamos estar diante da discutida fi gura
do regulamento autônomo, aceito quando a ausência de lei a respeito de
determinado assunto impede o bom funcionamento da Administração.
A omissão do Poder Legislativo em legislar a respeito de tema de interesse
direto da Administração justifi caria a utilização do regulamento autônomo
por parte do Poder Executivo.
Impossível, no entanto, imputar ao Poder Legislativo omissão sobre o
regime disciplinar dos militares, uma vez que a iniciativa de lei a esse respeito
é reservada privativamente ao Presidente da República.
Diante da inércia do Poder Executivo, fi ca o Congresso Nacional
impedido de votar regulamento disciplinar para as Forças Armadas e não pode
o Executivo utilizar uma “delegação” que não recebeu. A questão se resume no
princípio da legalidade inscrito na Constituição e segundo o qual “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”179.
Temos no caso um exemplo didático do chamado “abuso do Poder
de Regulamentar”, por parte do Executivo. Geraldo Ataliba, consagrado
constitucionalista, assim se refere sobre o abuso do poder de regulamentar:
Não tolera a nossa Constituição que o Executivo exerça nenhum
tipo de competência normativa inaugural (...). Essa seara foi
categoricamente reservada aos órgãos da representação popular.
176 Idem, art. 61, §1º, II, f. 177 Art. 84, VI, “a”.178 CF, art. 84, VI e art. 61, §1º, II, f.179 CF, art. 5º, inciso II.
| Direito Constitucional Militar
172 |
(...) Se a tal conclusão não foi levado o intérprete, (...) certamente
esbarrará no princípio da legalidade (...): ninguém, nenhuma
pessoa, nenhum sujeito de direito será constrangido por norma
que não emane do legislador180.
O mestre Pontes de Miranda trata do mesmo tema:
(...) regulamentar além do que se pode segundo o conceito
da Constituição, é infringir a Constituição: quando o Poder
Executivo, regulamentando, vai além da lei, ou diminui o campo
de incidência da lei, não comete, apenas, ilegalidade, usurpa
função de outro poder, o Poder Legislativo181.
A competência do Poder Executivo está restrita à regulamentação. O
conceito de “regulamento” é inequívoco:
Por ele instituem-se regras de execução, não de legislação.” Não
se confunde com “regular” - do latim regulare, de regula (regra)
- que, em sentido jurídico, exprime a idéia de legislar ou de
estabelecer nova ordem jurídica “mediante instituição de regras
ou princípios disciplinadores dos fatos ou das coisas182.
O decreto descreve comportamentos que considera ilícitos e cria
sanções a serem aplicadas, inclusive privativas da liberdade. Logo, não
regulamentou, e sim regulou. Criou regra jurídica, invadiu a competência
do Legislativo, exorbitou da competência à qual estava restrito, fulminou o
princípio da harmonia entre os Três Poderes consagrado na Carta Magna.
Diante de abuso do poder de regulamentar praticado pelo Poder
Executivo, o Congresso pode resolver o problema socorrendo-se da
Constituição. Ela é bem clara: “É da competência exclusiva do Congresso
Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do
poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”183.
180 Tese aprovada por unanimidade na VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista de Informação Legislativa, nº 66, a. 17, 1980, p. 45 e seguintes. 181 Op. cit., p. 316, 319 e 615.182 De Plácido Silva, in Vocabulário Jurídico, Rio, Forense, 1975.183 CF, art. 49, inciso V.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
| 173
Essa distorção, no entanto, não é recente. Mario Tibúrcio Gomes Carneiro,
magistrado togado do Superior Tribunal Militar, em 1960, prefaciando a 2ª
edição do livro “Sabres e Togas”, de Hélio Lobo, fez o registro:
Enquanto o direito disciplinar ordinário da função pública civil ou
da atividade das empresas é estabelecido em lei formal, elaborada
no seio do Congresso Nacional, o direito disciplinar militar,
complemento do direito penal militar, é composto em segredo nos
gabinetes dos Ministros militares que, na República, se investiram
no poder de legislar sobre o assunto, e, sem qualquer objeção do
Judiciário e do legislativo, conservam essa ‘prerrogativa real’.
Todavia, não é apenas quanto à competência que o novo regulamento é
vulnerável, assim como os antecessores.
Entre as inúmeras questões controvertidas enfrentadas pelo constituinte
de 1988, o título que trata dos direitos e garantias fundamentais teve posição
destacada. Com relação ao tema aqui tratado, o inciso LXI trouxe profundas
modifi cações em relação ao sistema constitucional anterior. O mencionado
inciso passou a dispor sobre a prisão independentemente do fl agrante delito,
da seguinte forma:
LXI - ninguém será preso senão em fl agrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
defi nidos em lei.
Decidiu o constituinte que, no âmbito do direito disciplinar militar, deveriam
permanecer as penas disciplinares restritivas da liberdade e excepcionou aquelas
situações que deveriam fi car sem a proteção da primeira parte do texto.
“Salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
defi nidos em lei”, diz a parte fi nal do inciso mencionado184.
É preciso atentar para o fato de que transgressão militar e crime
propriamente militar aparecem no singular, devendo ambos – a transgressão
militar e o crime propriamente militar – ser defi nidos (no plural) em lei.
184 Ver “Os Crimes Propriamente Militares e o Princípio da Reserva Legal”, tese apresentada por João Arruda e aprovada por unanimidade no 11º Congresso Nacional do Ministério Público, de 23 a 26 de setembro de 1996, em Goiânia – GO.
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174 |
Sabendo-se que “as normas defi nidoras dos direitos e garantias funda-
mentais têm aplicação imediata”, a ressalva quanto às transgressões militares
e os crimes propriamente militares, por ser limitadora daquele mesmo direito
fundamental, tem sua efi cácia condicionada à defi nição legislativa185.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, não sendo
o caso de fl agrante, a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente é dispensável somente quando se tratar de transgressão militar, ou
crime propriamente militar, defi nidos em lei.
O ponto nuclear a ser enfrentado é que o legislador ordinário ainda não
defi niu, como determina a Constituição Federal, quais são as transgressões
militares.
Somente se, ou quando, o Congresso Nacional se manifestar explici-
tamente, defi nindo as transgressões militares, em projeto de lei de iniciativa do
presidente da República, poderemos dizer que esse ou aquele comportamento
se constitui em ilícito disciplinar passível de punição.
Outra não pode ser a conclusão se atentarmos para o princípio da
reserva legal, para o qual se pode acrescentar nova leitura: “Não há crime
(nem transgressão militar) sem lei anterior que o defi na”.
O entendimento jurisprudencial sobre a constitucionalidade do
regulamento disciplinar está longe de ser tranqüilo, como aliás ocorre quando
se discutem as razões da espada e da balança.
Em 2004, a discussão sobre a validade jurídica do RDE chegou ao
Supremo Tribunal Federal, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIN) proposta pelo Procurador-Geral da República, Cláudio Lemos
Fontelles. O Supremo preferiu não enfrentar o problema. Por maioria, “não
conheceu da ação”, o que implica dizer que não discutiu o mérito 186.
Em verdade, aquela ADIN deixa à mostra uma série de equívocos, a
partir da própria peça inicial, que foi repelida justamente por não permitir,
segundo os ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua maioria, que o
tema fosse julgado com precisão, tal era a forma genérica como a questão foi
apresentada.
185 CF, § 1º, do art. 5º.
186 ADIN nº 3340, de 8 de novembro de 2004, relator ministro Marco Aurélio, foi julgada pelo plenário um ano depois.
Unidade 2- Direito Disciplinar Militar
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Infelizes, do mesmo modo, as manifestações, confundindo decreto com
decreto-lei e sustentando que o regulamento anterior, também baixado por
decreto, foi recebido como lei.
Não é demais repetir. Na vigência da Constituição de 1967, com a
EC nº1/69, a fi gura que tinha o mesmo valor de lei era o decreto-lei e não
o decreto. E isso não foi invenção do regime militar. Veja-se, por exemplo,
o Código Penal comum, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940,
ou ainda o Código de Processo Penal comum, Decreto-Lei nº 3.689, de 3
de outubro de 1941, ambos anteriores a 1964 e, inclusive, em vigor após a
Constituição de 1988.
Resumindo, é possível afi rmar que regulamentos disciplinares das Forças
Armadas são inconstitucionais quando instituídos por decreto.
E, se adotados após 1988, carregam outro vício, por força do que consta
no art. 5º inciso LXI da Constituição da República.
EXERCÍCIO
47. Discorra sobre a validade jurídica dos regulamentos disciplinares adotados
por decreto do Poder Executivo.
Referências Bibliográfi cas
|| Direito Constitucional Militar
178 |
ARRUDA, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas. Editora Mauad, Rio de Janeiro, 2007.
BORN, Rogério Carlos. Direito Eleitoral Militar, publicado na internet em dezembro de 2005.
DUARTE, Antônio Pereira. Direito Administrativo Militar. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33ª ed, Saraiva, São Paulo, 2007.
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991.
MACAMBIRA Marques, LAÉRCIO Giovani e Outros. Monografi a sobre A
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VERSUS BENEFÍCIO. publicada na internet em junho de 2001.
MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar, texto publicado na internet em junho de 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed., Malheiros, São Paulo, 2007.
Curriculum VitaeANGELO BELLO BUTRUS
CURSOS DE GRADUAÇÃO
Administrador de Empresa pelos Institutos Paraibanos de Educação;
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB);
CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU
Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Administração Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO);
Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Supervisão Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO);
Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Psicopedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Atualização Pedagógica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Argentina).
ATIVIDADES E EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS
Advogado militante tendo o site www.butrus.adv.br;
Professor Universitário.
Curriculum Vitae JOÃO RODRIGUES ARRUDA Procurador da Justiça Militar
FORMAÇÃO ACADÊMICA
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá – RJ/1976;
Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho/1984;
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra/2002.
DIVERSOS TRABALHOS PUBLICADOS EM REVISTAS E ARTIGOS EM JORNAIS
OUTRAS ATIVIDADES
Magistério Superior - Professor de Direito Penal Militar das Faculdades Integradas Bennett, de 1982 a 1992;
Fundador e Coordenador Acadêmico do Centro de Estudos de Direito Militar – CESDIM;
Autor do livro “O Uso Político das Forças Armadas e outras questões militares”, Editora Mauad, 2007.
HOMENAGENS RECEBIDAS
Diploma de “Amigo da Marinha”;
Diploma de Membro Honorário da Força Aérea Brasileira;
Medalha Mérito Tamandaré;
Medalha do Pacifi cador;
Ordem do Mérito Militar;
Ordem do Mérito Ministério Público Militar.