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DIREITO CONSTITUCIONAL MILITAR

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DIREITO CONSTITUCIONAL

MILITAR

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PÁGINAS DE CRÉDITO

Page 3: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Sumário

Apresentação__________________________________________________________7

UNIDADE 1: Direito Constitucional Militar ________________________________ 9

1. Introdução _______________________________________________________ 10

2. Breve Histórico ___________________________________________________ 10

3. As Forças Armadas na Constituição de 1988 __________________________ 13

4. Natureza Jurídica das Forças Armadas _______________________________ 17

4.1 Princípio da Hierarquia e da disciplina____________________________ 18

4.2 Princípio da desconcentração das forças___________________________ 19

4.3 Princípio da permanência e da regularidade das forças ______________ 20

4.4 Princípio da Subordinação das forças _____________________________ 20

4.5 Princípio da destinação estrita ___________________________________ 21

4.6 Princípio da obrigatoriedade do serviço militar_____________________ 21

4.7 Princípio da derrogação parcial das liberdades políticas e dos direitos ____ fundamentais _________________________________________________ 22

Exercícios __________________________________________________________ 23

5. Missão Constitucional _____________________________________________ 23

5.1 Defesa Externa ________________________________________________ 24

5.2 Garantia da Lei e da Ordem_____________________________________ 30

5.2.1 Amparo Constitucional _____________________________________ 30

5.2.2 Amparo Infraconstitucional _________________________________ 31

5.2.3 Conceito de discricionariedade _______________________________ 35

5.2.4 O poder de polícia da tropa empregada _______________________ 35

5.2.5 Característica do poder de polícia ____________________________ 36

5.2.6 Poder de polícia judiciário ___________________________________ 37

5.3 Missão de Paz ________________________________________________ 39

5.3.1 A Onu e as Operações da Manutenção da Paz __________________ 40

5.3.2 A Estrutura da Onu para as Operações de Paz__________________ 43

5.3.3 As Operações de Paz no Sistema Interamericano ________________ 44

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5.3.4 A participação Brasileira nas Operações de Paz _________________ 45

5.3.5 Generalidades _____________________________________________ 47

5.3.5.1 Conceitos __________________________________________ 47

5.4 Atribuições Subsidiárias ________________________________________ 49

Exercícios __________________________________________________________ 49

6. Serviço Militar____________________________________________________ 50

6.1 Natureza e Obrigatoriedade_____________________________________ 51

6.2 Serviço Militar Alternativo______________________________________ 54

7. Os Militares e o Sistema eleitoral ____________________________________ 58

Exercícios __________________________________________________________ 63

8. Os Servidores Militares em face da Constituição _______________________ 63

Exercícios __________________________________________________________ 65

9. Sistema Previdenciário dos Militares _________________________________ 65

9.1 Conceitos ____________________________________________________ 65

9.1.1 Declaração de Benefi ciários __________________________________ 65

9.1.2 Pensão Militar _____________________________________________ 65

9.1.3 Título de Pensão Militar ____________________________________ 65

9.1.4 Proventos na Inatividade ____________________________________ 65

9.2 Acidente de serviço ____________________________________________ 67

9.3 Pensão de Ex-combatente (reformado e especial) ___________________ 68

9.4 Fundo de saúde do Exército, da Marinha e da Aeronáutica __________ 68

9.5 Reforma _____________________________________________________ 69

9.6 Jurisprudência afeta ao tema ____________________________________ 69

9.6.1 Sobre o direito prescrito das diferenças dos 28,86%, no período compreendido entre os anos de 1993 até 2000 _________________ 69

9.6.2 Direito da companheira à pensão militar ______________________ 71

9.6.3 Direito do Ex-Combatente ao atendimento gratuito pelo sistema de __ saúde da Força Armada a que estava vinculado à época da Segunda Grande Guerra ____________________________________________ 74

9.6.4 Direito a reforma e melhoria de reforma por agravamento mórbido do militar considerado inválido _________________________________ 80

9.6.5 Direito ao Auxílio Invalidez _________________________________ 81

9.6.6 Da boa-fé e das hipóteses de exceção previstas na súmula 106 do TCU, sendo indevida a repetição dos valores pagos por erro da administração __________________________________________________________ 84

9.6.7 Responsabilidade Civil Objetiva______________________________ 84

Exercícios __________________________________________________________ 86

UNIDADE 2: Direito Disciplinar Militar________________________________ 87

1. Hierarquia e Disciplina ____________________________________________ 88

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1.1 Introdução ___________________________________________________ 88

1.2 Hierarquia____________________________________________________ 88

1.3 Disciplina ____________________________________________________ 89

Exercícios __________________________________________________________ 98

2. Ilícitos Disciplinares _______________________________________________ 98

Exercícios _________________________________________________________ 102

3. Sanções Disciplinares _____________________________________________ 102

3.1 Natureza jurídica da Sanção Disciplinar__________________________ 102

3.2 Sanções Disciplinares _________________________________________ 106

Exercícios _________________________________________________________ 112

4. Conselhos de justifi cação e de disciplina _____________________________ 112

Exercícios _________________________________________________________ 118

5. Direito de defesa nos processos Disciplinares _________________________ 118

5.1 A Ampla defesa ______________________________________________ 118

5.2 A Ampla defesa no Direito Administrativo _______________________ 124

5.3 Ampla defesa no Direito Disciplinar Militar ______________________ 129

Exercícios _________________________________________________________ 139

6. Controle Judicial_________________________________________________ 139

6.1 A atuação do advogado _______________________________________ 139

6.2 o Habear Corpus e as transgressões disciplinares __________________ 150

6.3 Novas Competências do Superior Tribunal Militar ________________ 167

Exercícios _________________________________________________________ 168

7. Regulamentos Disciplinares________________________________________ 168

Exercícios _________________________________________________________ 175

Referências Bibliográfi cas ______________________________________________ 177

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Apresentação

Inicialmente, temos o prazer de dirigir-nos a esse grupo seleto que realiza a

pós-graduação lato sensu em Direito Militar e também nos sentimos lisonjeados

por termos sido convidados para participar deste distinto e experiente corpo

docente.

O nosso conteúdo abordará a Natureza Jurídica das Forças Armadas e

sua Missão Constitucional; o Serviço Militar; os militares e o sistema eleitoral;

os servidores militares em face da Constituição; e o sistema previdenciário dos

militares.

Os autores

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Direito Constitucional Militar

UNIDADE 1

Autor: Angelo Bello Brutus

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| Direito Constitucional Militar

10 |

1 (Martins, 2002).2 idem3 idem

1. INTRODUÇÃO

Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de 2002,

sobre Direito Constitucional Militar, assim leciona:

“O Direito Constitucional é ramo do direito público e con-

siste no estudo dos princípios e normas estruturadoras do

Estado e garantidoras dos direitos e liberdades individuais”.

No mesmo sentido, afi rma que “a matéria militar desde sempre esteve

inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em

nosso país” 1.

A Constituição da República em vigor no nosso País, editada em 1988,

analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns, inclusive,

exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de

segurança pública, o sistema administrativo e outros. Portanto, acertadamente, a

solução foi tratar, também, de um “Direito Constitucional Militar”, posto que no

bojo da Carta Magna em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo

objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional,

indicando as linhas principais do sistema militar 2.

2. BREVE HISTÓRICO

Segundo Martins (2002),

“A alusão aos militares na Constituição de 1824 está disposta

no Título 5o, Capítulo VIII, mais exatamente nos arts. 145

usque 150, sob denominação ‘Da Força Armada’”.

Consignou-se, então, que todos os brasileiros eram obrigados a pegar em

armas para sustentar a independência e integridade do Império e defendê-lo

dos seus inimigos externos ou internos 3.

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 11

A Constituição da época prescreveu a permanência da Força Militar de

Mar e Terra até então vigorante como um sistema organizacional militar colonial

enquanto não fosse designada nova Força Militar pela Assembléia Geral 4.

Impôs-se à Força Militar a obediência de não se reunir enquanto não

fosse ordenado pela Autoridade legítima e determinou-se a competência

privativa do Poder Executivo de empregar em sua conveniência a Força

Armada de Mar e Terra à segurança e defesa do império 5.

Já na Constituição do Império afi rmou-se que a possibilidade da

privação da Patente somente se admitiria após sentença proferida em Juízo

competente 6.

Por fi m, a Constituição de 1824 determinou a regulamentação do

Exército do Brasil por uma ordenança especial, organizando as promoções,

soldos e disciplina, assim como da Força Naval 7.

Já a Constituição de 24 de Fevereiro de 1891 concentrou as disposições

relativas aos militares no Título V - Disposições Gerais 8.

O art. 14 da primeira Constituição da República cuidava que “As

forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à

defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior”, aduzindo

ainda que “A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites

da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições

constitucionais”.

A Constituição da República de 1891 inovou ao estabelecer que os ofi ciais

do Exército e da Armada só perderiam suas patentes por condenação, em mais

de dois anos de prisão passada em julgado nos Tribunais competentes 9.

Merece destaque, na Constituição de 1891, a previsão de que os militares

de terra e mar teriam foro especial nos delitos militares, sendo certo que este

foro compor-se-ia de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam

vitalícios, e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento

dos crimes 10.

4 idem5 idem6 idem7 idem8 idem9 idem10 idem

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| Direito Constitucional Militar

12 |

No título V, das Disposições Gerais, a Constituição de 1891 concentrou

regras constitucionais incidentes sobre matéria militar nos seguintes termos:

Art.85 - Os ofi ciais do quadro e das classes anexas da Armada

terão as mesmas patentes e vantagens que os do exército nos

cargos de categoria correspondente.

Art.86 - Todo brasileiro é obrigado ao serviço militar, em defesa

da Pátria e da Constituição, na forma das leis federais.

Art.87 - O Exército federal compor-se-á de contingentes que os

Estados e o Distrito Federal são obrigados a fornecer, constituídos

de conformidade com a lei anual de fi xação de forças.

§ 1º - Uma lei federal determinará a organização geral do Exército,

de acordo com o nº XVIII do art. 34.

§ 2º - A União se encarregará da instrução militar dos corpos e

armas e instrução militar superior.

§ 3º - Fica abolido o recrutamento militar forçado.

§ 4º - O Exército e a Armada compor-se-ão pelo voluntariado, sem

prêmio e na falta deste, pelo sorteio, previamente organizado.

Concorrem para o pessoal da Armada a Escola Naval, as de

Aprendizes de Marinheiros e a Marinha Mercante mediante sorteio.

Art.88 - Os Estados Unidos do Brasil, em caso algum, se em-

penharão em guerra de conquista, direta ou indiretamente, por si

ou em aliança com outra nação.

Na Constituição de 1934, a matéria militar fi cou concentrada no Título

VI (Da Segurança Nacional).

Merece destaque no texto maior de 1934 a inserção das polícias

militares como reservas do Exército, e reservou-se às mesmas vantagens a este

atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União 11.

11 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 13

A Constituição de 1937 (Polaca), como consabido, prestigiou dispo-

sitivos autoritários concentrando os poderes nas mãos do Presidente, cujo

governo se fazia por meio dos decretos-leis 12.

Inovando, a Carta de 1937 reservou um tópico (art. 160) para os

“Militares de terra e mar”, determinando ao legislador infraconstitucional a

edição de um “Estatuto dos Militares” 13. No entanto, as principais disposições

relativas à matéria militar foram disciplinadas nos tópicos da segurança

nacional (art. 161 e seguintes) e da defesa do Estado (art. 166 e seguintes).

A Constituição de 1946 inova em matéria constitucional militar ao

reservar, pela primeira vez na história constitucional pátria, um Título de seu

texto, o VII, para as Forças Armadas14.

Nesta Constituição – também pela primeira vez – fez-se alusão à

Aeronáutica a integrar as Forças Armadas.

Pode-se afi rmar que a Constituição de 1946 superou, em muito, mor-

mente no aspecto de sistematização da matéria militar, as Constituições e

Cartas que a antecederam 15.

A Constituição de 1967, adotando a técnica da Constituição que a

antecedeu, também reservou um Título de seu texto para as Forças Armadas

(Título VI – art. 92 e seguintes).

De substancialmente novo, em matéria militar, a Constituição de 1967

pouco ou nada acrescentou, pois repetiu, em sua maioria, as disposições

constitucionais militares que se consolidaram antes de sua outorga 16.

3. AS FORÇAS ARMADAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de 2002,

sobre Direito Constitucional Militar, assim expõe:

A Constituição de 1988 teve o legislador constituinte originário

– do que não escapa o derivado – versando sobre matéria militar

no texto da Constituição da República em verdadeira profusão.

12 idem13 idem14 idem15 idem16 idem

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| Direito Constitucional Militar

14 |

A primeira referência à matéria militar, encontrada no texto da

Constituição em vigor, ocorre no campo dos direitos e garantias fundamentais,

mais exatamente no inciso VII do art. 5º, que assegura a prestação de assistência

religiosa em entidades militares de internação coletiva 17.

O mesmo art. 5º, no inciso XLIV, afi rma constituir crime inafi ançável e

imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem

constitucional e o Estado Democrático 18.

O inciso LXI do art. 5º, quando se cuida das formalidades necessárias à

prisão, disciplina matéria militar ao legitimar exclusão odiosa à liberdade de

locomoção, nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar

defi nidos em lei 19.

O inciso VI do parágrafo terceiro do art. 12 da Constituição estabelece

que são privativos de brasileiros natos, dentre outros, os cargos de ofi cial das

Forças Armadas 20.

No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14 da

Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar

obrigatório 21.

O art. 20 da Constituição da República inclui, entre os bens da União,

as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, às fortifi cações e

construções militares 22.

Ao disciplinar a competência da União, o inciso XIV do art. 21 da

Constituição, por sua vez, estabelece, dentre outras disposições, organizar e

manter a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal 23.

Ao defi nir a competência legislativa privativa da União, o art. 22 da

Constituição estabelece que compete privativamente à União legislar sobre:

requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra

(inciso III) e normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,

convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros

17 idem18 idem19 idem20 idem21 idem22 idem23 idem

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militares (inciso XXI) e defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima,

defesa civil e mobilização nacional (inciso XXVIII) 24.

Ao reger o Distrito Federal, o parágrafo quarto do art. 32 da Constituição

remete ao legislador infraconstitucional a edição de lei que disponha, dentre

outros, sobre a utilização pelo governo do Distrito Federal da Polícia Militar

e do Corpo de Bombeiro Militar 25.

No campo da organização do Estado, mais exatamente da Administração

Pública, a Constituição reservou capítulo para os militares dos Estados, do

Distrito Federal e dos Territórios (art. 42) 26.

O inciso III do art. 48 da Constituição da República estabelece que cabe

ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor

sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre fi xação

e modifi cação do efetivo das Forças Armadas 27.

O parágrafo sétimo do art. 53 da Constituição, por sua vez, prevê regra

para incorporação de Deputadores e Senadores nas Forças Armadas 28.

O inciso I do parágrafo 1o do art. 61 da Constituição estabelece ser da

iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fi xem ou modifi quem

os efetivos das Forças Armadas. Do mesmo modo, a alínea “f” do parágrafo

1o do art. 61 da Constituição Federal estabelece, ao disciplinar o processo

legislativo, que são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis

que disponham sobre militares das Forças Armadas, seu regime jurídico,

provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e

transferência para a reserva 29.

Ao cuidar das atribuições do Presidente da República, o inciso XIII do

art. 84 estabelece que compete privativamente àquela autoridade exercer o

comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha,

do Exército e da Aeronáutica, promover seus ofi ciais-generais e nomeá-los

para os cargos que lhes são privativos 30.

24 idem25 idem26 idem27 idem28 idem29 idem30 idem

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| Direito Constitucional Militar

16 |

O art. 92 da Constituição da República cuida que são, dentre outros,

órgãos do Poder Judiciários os Tribunais e Juízes Militares 31.

Embora não seja matéria propriamente militar, mas sim de organização

judiciária e de repartição da “jurisdição”, quando cuida da organização dos

Poderes, mais exatamente do Poder Judiciário, a Constituição dispõe acerca

da competência para julgar matéria militar, estabelecendo uma disciplina

harmônica na matéria, merecendo relevo os comandos dos arts. 122 a 124 que

cuidam dos Tribunais e Juízes Militares 32.

Os parágrafos terceiro e quarto do art. 125 da Constituição traçam os

parâmetros para a instituição da Justiça Militar nos Estados e sua competência 33.

No art. 128 da Constituição da República vê-se, dentre os ramos do

Ministério Público, o Militar 34.

Adotando critério orgânico ou subjetivista, o legislador constituinte, no

art. 142 cuidou no âmbito da defesa do Estado e das organizações democráticas

das “Forças Armadas” 35.

Embora o legislador constituinte originário tenha sido feliz no atinente

ao locus onde topografi camente cuidou de disciplinar de forma concentrada

a matéria militar (da defesa do Estado e das organizações democráticas), foi

infeliz na denominação do capítulo que estaria melhor posto como “dos

princípios militares” 36.

Note-se que o art. 142 contém regras que defi nem o caráter mesmo da

matéria militar em nosso país, regras e princípios estes que não se cingem

apenas às Forças Armadas enquanto órgãos, mas à noção mesma do que seja

“militar” e “militarismos” no Estado de direito posto 37.

Note-se que no capítulo das “Forças Armadas” o legislador traçou os

princípios constitucionais militares, o perfi l orgânico das Forças Armadas e o

quadro básico de direitos, deveres e sujeições dos militares 38.

31 idem32 idem33 idem34 idem35 idem36 idem37 idem38 idem

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O art. 143 da Constituição, por seu turno, disciplinou o serviço militar

obrigatório 39.

Por fi m, o art. 144 da Constituição, ocupado com a segurança pública,

relacionou entre os órgãos incumbidos da preservação da ordem pública e da

incolumidade das pessoas e do patrimônio as polícias militares e corpos de

bombeiros militares, defi nindo-lhes a competência (parágrafo quinto) e suas

vinculações às Forças Armadas (parágrafo sexto) 40.

4. NATUREZA JURÍDICA DAS FORÇAS ARMADAS

Compete à natureza jurídica das Forças Armadas, e está calcada em suas

características institucionais, contidas no art. 142 da Constituição Federal, verbis:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército

e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e

regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a

autoridade suprema do Presidente da República (...)

(grifo nosso).

• Instituições Nacionais

Não apenas pelo âmbito nacional de sua atuação mas, sobretudo, por

serem integradas por cidadãos brasileiros de todas as regiões do território

pátrio, e por estarem comprometidas com os valores da cultura brasileira

e com os superiores interesses e aspirações da comunidade nacional.

• Instituições Permanentes

Por força de preceito constitucional que consagra a presença das Forças

Armadas ao longo de todo o processo histórico da nação no passado,

reafi rmam essa atitude no presente e a projetam como expectativa no

futuro, defi nindo uma trajetória de dedicação, desprendimento e, não

raro, de sacrifício, sempre voltada para a conquista e a manutenção dos

Objetivos Nacionais Permanentes.

39 idem40 idem

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18 |

• Instituições Regulares

Por possuírem atribuições, organização, subordinação e efetivos defi ni-

dos na Constituição ou em leis específi cas; por utilizarem uniformes e

equipamentos próprios e padronizados e terem caráter ostensivo.

• Instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina

Por se constituírem em verdadeiros pilares da própria coesão das Forças

Armadas, alicerçados que são no cultivo da lealdade, da confi ança e do

respeito mútuos entre chefes e subordinados e na compreensão recíproca

de seus direitos e deveres.

Eliezer Pereira Martins, em seu trabalho elaborado em junho de

2002, sobre Direito Constitucional Militar, assim dispõe sobre os princípios

constitucionais de índole militar que elucidam essas características da natureza

jurídica das Forças Armadas a saber:

4.1 Princípio da hierarquia e da disciplina

A hierarquia e a disciplina não são princípios exclusivos das forças

militares, mas, por certo, é nesta seara que tais princípios são potencializados

numa acepção muito peculiar.

Tais princípios constitucionais militares são referidos nos arts. 42 e 142

da Constituição Federal, demonstrando que os valores da hierarquia e da

disciplina são a base institucional das forças militares 41.

A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes,

dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou

graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade

no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no

espírito de acatamento à seqüência de autoridade 42.

Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis,

regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e

41 idem42 idem

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| 19

coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito

cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse

organismo 43.

A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as

circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e dos

reformados 44.

4.2 Princípio da desconcentração das Forças

O caput do art. 142 da Constituição da República estabelece que

as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela

Aeronáutica 45.

Verifi ca-se que o legislador constituinte, empregando o critério de

desconcentração por matéria e, também, atento à tradição militar do país,

tendo em consideração a defesa marinha, terrestre e aérea, desconcentrou as

Forças Armadas em três órgãos despersonalizados, centros de competência

administrativa cuja missão é a defesa da Pátria, a garantia dos poderes

constitucionais, da lei e da ordem 46.

Assim, é acertada a afi rmação de que o princípio de organização admi-

nistrativa militar de ordem constitucional impõe a desconcentração das forças,

solução adequada do ponto de vista de defesa e de proteção do Estado democrático

de direito, em face da hipertrofi a dos meios militares à disposição de uma única

Força, solução não desejada devido à necessidade de freios e contrapesos no

âmbito da defesa militar, mormente em tempo de paz 47.

43 idem44 idem45 idem46 idem47 idem

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20 |

4.3 Princípio da permanência e da regularidade das Forças

Mais do que centros de competência despersonalizados, as Forças

Armadas são “instituições nacionais”, como expressa o caput do art. 142 da

Constituição Federal 48.

Enquanto “instituições nacionais”, as Forças Armadas se destacam do

universo dos entes e órgãos públicos “transitórios”, ou com possibilidade de

desaparecimento em virtude do modo pelo qual se extingüem os entes e os

órgãos públicos da Administração direta ou indireta 49.

Ao afi rmar que as Forças Armadas são “instituições nacionais perma-

nentes e regulares”, o legislador constituinte jungiu a sorte das Forças à

própria sorte do Estado brasileiro; enquanto este subsistir, existirão as Forças

Armadas, sem solução de continuidade em suas missões institucionais 50.

Embora não esteja expresso no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição

da República, entendemos ser insusceptível de apreciação proposta de

emenda constitucional tendente a abolir as Forças Armadas, posto que o seu

desaparecimento pode comprometer a um só tempo os institutos, instituições

e valores ali prestigiados (a forma federativa de Estado; o voto direto,

secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias

individuais) 51.

4.4 Princípio da subordinação das Forças

Segundo o comando contido no caput do art. 142 da Constituição

da República, as Forças Armadas submetem-se à autoridade suprema do

Presidente da República 52.

Como já dissertado, ao cuidar das atribuições do Presidente da República,

o inciso XIII do art. 84 estabelece competir privativamente àquela autoridade

exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes

da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus ofi ciais-generais e

nomeá-los para os cargos que lhes são privativos 53.

48 idem49 idem50 idem51 idem52 idem53 idem

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4.5 Princípio da destinação estrita

As Forças Armadas têm destinação traçada pelo legislador constituinte

originário. Nos termos do art. 142 da Constituição Federal, “destinam-se à

defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de

qualquer destes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da lei e da ordem” 54.

Como instituições nacionais permanentes e regulares que são as Forças

Armadas – não obstante estejam submetidas ao princípio da subordinação já

mencionado – não se pode impor destinação diversa daquela explicitada pela

Lei Maior 55.

O princípio em comento funciona como garantia de que as Forças

Armadas não serão empregadas para fi ns cincunstanciais, político-partidários

ou pelas paixões de uma dado momento histórico-político 56.

4.6 Princípio da obrigatoriedade do serviço militar

O serviço militar é obrigatório nos termos do disposto no art. 143 da

Constiuição da República 57.

Verifi ca-se, pelo parágrafo primeiro do dispositivo mencionado, que o

legislador constituinte optou por um modelo de “obrigatoriedade temperada”,

posto que se prestigiou serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após

alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o

decorrente de crença religiosa e de convicção fi losófi ca ou política, para se

eximirem de atividades de caráter essencialmente militar 58.

Do mesmo modo, moderou-se a obrigatoriedade para as mulheres e os

eclesiásticos, que fi cam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz,

sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir 59.

54 idem55 idem56 idem57 idem58 idem59 idem

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| Direito Constitucional Militar

22 |

4.7 Princípio da derrogação parcial das liberdades políticas e dos direitos

fundamentais

Mercê da índole das atribuições conferidas às Forças Militares no

país, alguns direitos políticos e fundamentais foram negados aos servidores

públicos militares 60.

Em verdade, os servidores públicos militares experimentam, em

determinadas liberdades e direitos, verdadeira capitis diminutio, ora

justifi cáveis pela natureza de sua destinação constitucional, ora absolutamente

injustifi cáveis 61.

Nestes termos, o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República

permite a prisão dos militares fora do contexto do fl agrante delito, ou por

ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, gerando

para os militares de carreira, mormente em período de paz, contexto de

insegurança jurídica absolutamente injustifi cável 62.

No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14, da

Constituição, cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar

obrigatório 63.

O parágrafo segundo do art. 142 da Constituição da República veda

a concessão de habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares.

Trata-se de mais uma capitis diminutio, discutível, posto que a hierarquia e

disciplina militares se coadunam com o Estado Democrático de Direito 64.

Nada obsta que a hierarquia e a disciplina militares sejam preservadas

dentro de um quadro de garantias. Controvertida é a vedação do habeas

corpus em sede de punições disciplinares militares, em situações que violam

as garantias fundamentais do cidadão militar 65.

O inciso IV do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição da

República veda aos militares a sindicalização e a greve. Tais coarctações de

liberdades justifi cam-se pela necessidade de manter-se as Forças Armadas

60 idem61 idem62 idem63 idem64 idem65 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 23

imunes à captação de vontade classista, setorizada, politizada, deletéria da

defesa dos valores maiores entregues à proteção dos militares 66.

Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, o inciso V do

parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição estabelece que o militar,

enquanto em serviço ativo, não pode estar fi liado a partidos políticos

– justifi cável a vedação 67.

EXERCÍCIOS

1. Pode-se afi rmar que há um Direito Constitucional Militar? Fundamente sua

resposta.

2. Caracterize a natureza jurídica das Forças Armadas segundo a CF/88.

Fundamente sua resposta.

3. Quais são os princípios constitucionais militares, segundo Eliezer Pereira

Martins?

5. MISSÃO CONSTITUCIONAL

É defi nida na destinação constitucional das Forças Armadas – art. 142

da Constituição: “(...) e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes

constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

a) Defender a Pátria

Signifi ca a preservação da independência, da soberania, da unidade,

das instituições e da integridade do patrimônio nacional, o qual abrange o

território, os recursos humanos, os recursos materiais e os valores históricos

culturais.

66 idem67 idem

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| Direito Constitucional Militar

24 |

b) Garantir os Poderes Constitucionais

Traduz-se por assegurar, no quadro de um estado de direito, a existência,

e, principalmente, o livre exercício dos Poderes da República – Executivo,

Legislativo e Judiciário – de forma independente e harmônica.

c) Garantir a lei

Signifi ca assegurar, por iniciativa de qualquer dos Poderes Constitu-

cionais, e quando insufi ciente ou esgotada a capacidade das demais Expressões

do Poder nacional, o cumprimento da lei, os direitos e deveres estabelecidos

no ordenamento jurídico vigente, os quais, por sua vez, defi nem um estado de

equilíbrio social – a ordem nacional – que constitui a fi nalidade precípua da lei.

d) Garantir a ordem

Signifi ca assegurar, por iniciativa de qualquer dos Poderes Constitu-

cionais, e no contexto das demais Expressões do Poder Nacional, o equilíbrio

e a harmonia sociais, que confi guram a ordem interna – mais abrangente

que a ordem pública – arbitrada por lei; ou assumir o encargo principal

da manutenção da ordem interna, quando insufi cientes os meios daquelas

Expressões, tudo com base na legislação vigente.

5.1 Defesa Externa

O Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005 aprovou a Política de

Defesa Nacional, tendo como introdução, verbis:

A Política de Defesa Nacional voltada, preponderantemente, para

ameaças externas, é o documento condicionante de mais alto

nível do planejamento de defesa e tem por fi nalidade estabelecer

objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação

nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas

as esferas do Poder Nacional. O Ministério da Defesa coordena

as ações necessárias à Defesa Nacional.

Esta publicação é composta por uma parte política, que contempla

os conceitos, os ambientes internacional e nacional e os objetivos

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 25

da defesa. Outra parte, de estratégia, engloba as orientações e

diretrizes.

A Política de Defesa Nacional, tema de interesse de todos os

segmentos da sociedade brasileira, tem como premissas os funda-

mentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal

e encontra-se em consonância com as orientações governamentais

e a política externa do País, a qual se fundamenta na busca da

solução pacífi ca das controvérsias e no fortalecimento da paz e da

segurança internacionais.

Após um longo período sem que o Brasil participe de confl itos

que afetem diretamente o território nacional, a percepção das

ameaças está desvanecida para muitos brasileiros. Porém, é

imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não

tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos

interesses. Um dos propósitos da Política de Defesa Nacional é

conscientizar todos os segmentos da sociedade brasileira de que a

defesa da Nação é um dever de todos os brasileiros.

Prosseguindo em seu texto, ao abordar o item 1. o Estado, a Segurança

e a Defesa, assim dispõe:

OMISSIS

1.4 Para efeito da Política de Defesa Nacional, são adotados os seguintes

conceitos:

I - Segurança é a condição que permite ao País a preservação

da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus

interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer

natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e

deveres constitucionais;

II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do

Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do

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| Direito Constitucional Militar

26 |

território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças

preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.

No item 4, discorre sobre o nosso País, verbis:

4. O BRASIL

4.1. O perfi l brasileiro – ao mesmo tempo continental e marítimo,

equatorial, tropical e subtropical, de longa fronteira terrestre com

a quase totalidade dos países sul-americanos e de extenso litoral e

águas jurisdicionais – confere ao País profundidade geoestratégica

e torna complexa a tarefa do planejamento geral de defesa. Dessa

maneira, a diversifi cada fi siografi a nacional conforma cenários

diferenciados que, em termos de defesa, demandam, ao mesmo

tempo, política geral e abordagem específi ca para cada caso.

4.2. A vertente continental brasileira contempla complexa

variedade fi siográfi ca, que pode ser sintetizada em cinco macro-

regiões.

4.3. O planejamento da defesa inclui todas as regiões e, em

particular, as áreas vitais onde se encontra maior concentração

de poder político e econômico. Complementarmente, prioriza

a Amazônia e o Atlântico Sul pela riqueza de recursos e

vulnerabilidade de acesso pelas fronteiras terrestre e marítima.

4.4. A Amazônia brasileira, com seu grande potencial de riquezas

minerais e de biodiversidade, é foco da atenção internacional. A

garantia da presença do Estado e a vivifi cação da faixa de fronteira

são difi cultadas pela baixa densidade demográfi ca e pelas longas

distâncias, associadas à precariedade do sistema de transportes

terrestres, o que condiciona o uso das hidrovias e do transporte

aéreo como principais alternativas de acesso. Estas características

facilitam a prática de ilícitos transnacionais e crimes conexos, além

de possibilitar a presença de grupos com objetivos contrários aos

interesses nacionais. A vivifi cação, política indigenista adequada,

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 27

a exploração sustentável dos recursos naturais e a proteção ao

meio ambiente são aspectos essenciais para o desenvolvimento e a

integração da região.

O adensamento da presença do Estado, e em particular das Forças

Armadas, ao longo das nossas fronteiras, é condição necessária

para conquista dos objetivos de estabilização e desenvolvimento

integrado da Amazônia.

4.5. O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil,

desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira

é respaldada pelo seu extenso litoral e pela importância estratégica

que representa o Atlântico Sul.

A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar permitiu ao

Brasil estender os limites da sua Plataforma Continental e exercer

o direito de jurisdição sobre os recursos econômicos em uma área

de cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, região de vital

importância para o País, uma verdadeira “Amazônia Azul”.

Nessa imensa área estão as maiores reservas de petróleo e gás,

fontes de energia imprescindíveis para o desenvolvimento do País,

além da existência de potencial pesqueiro.

A globalização aumentou a interdependência econômica dos países

e, conseqüentemente, o fl uxo de cargas. No Brasil, o transporte

marítimo é responsável por movimentar a quase totalidade do

comércio exterior.

4.6. Às vertentes continental e marítima sobrepõe-se a dimensão

aeroespacial, de suma importância para a Defesa Nacional. O

controle do espaço aéreo e a sua boa articulação com os países

vizinhos, assim como o desenvolvimento de nossa capacitação

aeroespacial, constituem objetivos setoriais prioritários.

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| Direito Constitucional Militar

28 |

4.7. O Brasil propugna uma ordem internacional baseada na

democracia, no multilateralismo, na cooperação, na proscrição

das armas químicas, biológicas e nucleares e na busca da

paz entre as nações. Nessa direção, defende a reformulação

e a democratização das instâncias decisórias dos organismos

internacionais, como forma de reforçar a solução pacífi ca de

controvérsias e sua confi ança nos princípios e normas do Direito

Internacional. No entanto, não é prudente conceber um país sem

capacidade de defesa compatível com sua estatura e aspirações

políticas.

4.8. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus

princípios, nas relações internacionais, o repúdio ao terrorismo.

O Brasil considera que o terrorismo internacional constitui risco

à paz e à segurança mundiais. Condena enfaticamente suas ações

e apóia as resoluções emanadas pela ONU, reconhecendo a

necessidade de que as nações trabalhem em conjunto no sentido

de prevenir e combater as ameaças terroristas.

4.9. O Brasil atribui prioridade aos países da América do Sul

e da África, em especial aos da África Austral e aos de língua

portuguesa, buscando aprofundar seus laços com esses países.

4.10. A intensifi cação da cooperação com a Comunidade dos

Países de Língua Portuguesa (CPLP), integrada por oito países

distribuídos por quatro continentes e unidos pelos denominadores

comuns da história, da cultura e da língua, constitui outro fator

relevante das nossas relações exteriores.

4.11. O Brasil tem laços de cooperação com países e blocos

tradicionalmente aliados que possibilitam a troca de conhecimento

em diversos campos. Concomitantemente, busca novas parcerias

estratégicas com nações desenvolvidas ou emergentes para ampliar

esses intercâmbios.

Page 29: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 29

4.12. O Brasil atua na comunidade internacional respeitando os

princípios constitucionais de autodeterminação, não-intervenção

e igualdade entre os Estados. Nessas condições, sob a égide de

organismos multilaterais, participa de operações de paz, visando

a contribuir para a paz e a segurança internacionais.

4.13. A persistência de entraves à paz mundial requer a atualização

permanente e o reaparelhamento progressivo das nossas Forças

Armadas, com ênfase no desenvolvimento da indústria de defesa,

visando à redução da dependência tecnológica e à superação das

restrições unilaterais de acesso a tecnologias sensíveis.

4.14. Em consonância com a busca da paz e da segurança

internacionais, o País é signatário do Tratado de Não-Proliferação

de Armas Nucleares e destaca a necessidade do cumprimento do

Artigo VI, que prevê a negociação para a eliminação total das

armas nucleares por parte das potências nucleares, ressalvando

o uso da tecnologia nuclear como bem econômico para fi ns

pacífi cos.

4.15. O contínuo desenvolvimento brasileiro traz implicações

crescentes para o campo energético com refl exos em sua segurança.

Cabe ao País assegurar matriz energética diversifi cada que explore

as potencialidades de todos os recursos naturais disponíveis.

Por fi m, destacam-se os objetivos da defesa do nosso País, verbis:

5. OBJETIVOS DA DEFESA NACIONAL

As relações internacionais são pautadas por complexo jogo de

atores, interesses e normas que estimulam ou limitam o poder e

o prestígio das Nações. Nesse contexto de múltiplas infl uências

e de interdependência, os países buscam realizar seus interesses

nacionais, podendo gerar associações ou confl itos de variadas

intensidades.

Page 30: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

30 |

Dessa forma, torna-se essencial estruturar a Defesa Nacional

de modo compatível com a estatura político-estratégica para

preservar a soberania e os interesses nacionais em compatibilidade

com os interesses da nossa região. Assim, da avaliação dos

ambientes descritos, emergem objetivos da Defesa Nacional:

I - a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da

integridade territorial;

II - a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos

recursos brasileiros no exterior;

III - a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais;

IV - a promoção da estabilidade regional;

V - a contribuição para a manutenção da paz e da segurança

internacionais; e

VI - a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior

inserção em processos decisórios internacionais.

5.2. Garantia da Lei e da Ordem

5.2.1 Amparo Constitucional

Assim está, repise-se, disposto na Constituição Federal, verbis:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército

e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e

regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob

a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se

à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por

iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Page 31: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 31

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem

adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças

Armadas.

(grifo nosso)

O texto constitucional enumera as hipóteses de emprego das Forças

Armadas como instrumento de defesa do Estado, seja contra agressão

externa (soberania externa) seja nas hipóteses de emprego no âmbito interno

(soberania interna). As Forças Armadas destinam-se, em primeiro lugar, a

garantir a segurança externa do Estado (defesa da Pátria – soberania externa).

Seguem-lhe, no âmbito interno: a garantia dos poderes constitucionais

–garantias do livre e pleno exercício dos três poderes – que, pela Constituição

são independentes e harmônicos entre si e, ainda, da lei e da ordem (soberania

interna) 68.

No âmbito interno, o emprego das Forças Armadas tem por farol o

texto da Constituição, qual seja a garantia dos poderes constitucionais e,

secundariamente, da lei e da ordem pública, comprometidas por alguma

anormalidade, instalada e não debelada pelo instrumento de Segurança

Pública, sendo que o papel principal cabe a este instrumento por meio de seus

mecanismos, conforme determina o texto constitucional no seu art. 144 69.

Debelada a anormalidade, cabe aos órgãos de Segurança Pública a ma-

nutenção da lei e da ordem pública, retornando a Força à caserna 70.

5.2.2 Amparo Infraconstitucional

A Lei Complementar que regula o § 1º do art. 142 da Constituição

Federal, disciplina:

LEI COMPLEMENTAR (LC) N.º 97, de 9 de junho de 1999

DO PREPARO DOS ÓRGÃOS OPERATIVOS E DE APOIO

68 (Arruda, 2007)69 idem70 idem

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| Direito Constitucional Militar

32 |

Art. 13. Para o cumprimento da destinação constitucional das

Forças Armadas, cabe aos Comandantes da Marinha, do Exército

e da Aeronáutica o preparo de seus órgãos operativos e de apoio,

obedecidas as políticas estabelecidas pelo Ministro da Defesa.

(...)

Art. 14. O preparo das Forças Armadas é orientado pelos seguintes

parâmetros básicos:

I - permanente efi ciência operacional singular e nas diferentes

modalidades de emprego interdependentes;

II - procura da autonomia nacional crescente, mediante contínua

nacionalização de seus meios, nela incluídas pesquisa e desen-

volvimento e o fortalecimento da indústria nacional;

III - correta utilização do potencial nacional, mediante mobilização

criteriosamente planejada.

Com o advento da LC 97/99, os Comandantes da Marinha, do Exército

e da Aeronáutica têm como atribuição o preparo de seus órgãos operativos e

de apoio para o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas,

dentre elas a garantia da lei e da ordem, quando solicitado pelo Presidente da

República 71.

Em face do que determina o art. 13 da LC 97/99, deve haver uma

constante preocupação do Comandante de cada Força Armada e dos órgãos

operativos e de apoio no tocante à instrução e à preparação da tropa a ser

empregada na missão constitucional de “garantia da lei e da ordem”. Por

conseguinte, deve haver um adestramento específi co para esta atividade.

Devem ser buscadas, se necessário, novas doutrinas e equipamentos para

utilização da tropa nesta missão 72.

71 (Arruda, 2007)72 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 33

Prossegue o texto da LC 97/99:

DO EMPREGO

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria

e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e

na participação em operações de paz, é de responsabilidade do

Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado

da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte

forma de subordinação:

I - diretamente ao Comandante Supremo, no caso de Comandos

Combinados, compostos por meios adjudicados pelas Forças

Armadas e, quando necessário, por outros órgãos;

II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fi m

de adestramento, em operações combinadas, ou quando da

participação brasileira em operações de paz;

III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada

a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de

emprego isolado de meios de uma única Força.

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego

das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento

a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais,

por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do

Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem,

por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá

de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente

da República, após esgotados os instrumentos destinados à

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

(...)

Page 34: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

34 |

A Lei Complementar explicita de forma taxativa ao Presidente da

República a competência para decidir do emprego das Forças Armadas, por

iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por qualquer

dos poderes constitucionais. A atuação das Forças Armadas (FFAA) ocorrerá

de acordo com as diretrizes do Presidente da República, após esgotados os

instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade

das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição

Federal 73.

Cabe observar que, diferentemente da lei pretérita (LC 69/91), a LC

97/99 exige que o Presidente da República baixe diretrizes para atuação das

Forças Armadas na garantia da lei e da ordem por meio de ato. Esse ato deve

ser formal – Decreto, ou, em caso de delegação, aviso, determinando a missão

a ser cumprida. Devido às peculiaridades de cada caso, a ordem, com certeza,

será concisa e genérica. Portanto, caberá o seu detalhamento pelos órgãos

operativos 74.

O legislador ordinário, ao disciplinar, na Lei Complementar, que o

emprego das Forças Armadas ocorrerá após esgotados os instrumentos

destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas

e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal, utiliza

recurso que a doutrina chama de “conceito vago”, com o objetivo de dar

maior discricionariedade ao Presidente da República para decidir o momento

correto de empregar as Forças Armadas, pois seria muito difícil dispor todas

as hipóteses concretas de atuação no próprio texto da Lei Complementar,

evitando-se, assim, que a própria lei se torne obstáculo à decisão do emprego

das Forças Armadas 75.

O esgotamento previsto na Lei Complementar deve ser interpretado como

potencial e não físico. Cabe ao Presidente da República aferir o momento em

que ocorre este esgotamento potencial. Assim, cabe ao Presidente da República

decidir o momento oportuno e conveniente do emprego das Forças Armadas

como instrumento de defesa do Estado, desde que observada a lei.

73 idem74 idem75 idem

Page 35: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 35

5.2.3. Conceito de discricionariedade

Assim discorre Di Pietro sobre discricionariedade:

A atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso

concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de

oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais

soluções, todas válidas para o direito (Maria Sylvia Zanella Di

Pietro, in Direito Administrativo, 5ª ed. p. 176, Atlas).

Por força da natureza das funções desempenhadas na Administração

Pública, alguns Poderes Administrativos conferidos ao Administrador contêm

um acentuado grau de Poder Discricionário, dentro do qual ela pode adotar

uma decisão ante uma situação inopinada.

Essa discricionariedade é acentuada no desempenho das funções de

natureza militar, onde o Poder de Polícia é exercido em proveito da manutenção

da lei e da ordem pública.

Assim, o respectivo Comandante Militar pode conduzir, quanto à forma

e ao momento, a melhor maneira de empregar sua tropa dentro de uma

situação de crise, vinculado, porém, à ordem recebida por meio do ato do

Presidente da República 76.

5.2.4. O poder de polícia da tropa empregada

O Estado, ao empregar os instrumentos de defesa, age com coerção, a

fi m de inibir ou coibir ações individuais em proveito do bem comum, e o faz

tendo por base o seu Poder de Polícia.

O conceito de Poder de Polícia é doutrinário. Somente no Código

Tributário Nacional encontramos uma defi nição legal deste poder, qual seja:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração

pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou

liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em

razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à

ordem, aos costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao

76 idem

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| Direito Constitucional Militar

36 |

exercício das atividades econômicas dependentes de concessão

ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao

respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Doutrinariamente, poder de polícia é “A atividade do Estado consistente

em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse

público” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo, editora

Atlas, 5ª edição).

As Forças Armadas, de acordo com sua missão constitucional, constituem

instrumento de defesa do Estado com amplitude nacional e plena competência

para o exercício do Poder de Polícia de manutenção da lei e da ordem em todo

o território nacional, porquanto as Polícias Militares têm seu Poder de Polícia

limitado ao Território do Estado da Federação que integram 77.

À semelhança das Polícias Militares, o Poder de Polícia das Forças

Armadas é exercido segundo a missão constitucional para garantia da lei e da

ordem 78.

5.2.5. Características do poder de polícia

As principais características do Poder de Polícia são: a discricionariedade,

a auto-executoriedade e a coercibilidade, para defesa do bem comum da

coletividade.

A discricionariedade do Poder de Polícia decorre da impossibilidade

de se prever em lei todas as hipóteses de atuação de polícia, deixando à

Administração a escolha do meio mais adequado e o momento correto para

agir diante do caso concreto.

Quanto à auto-executoriedade é o poder que a Administração tem de

pôr em execução suas decisões, sem recorrer ao Poder Judiciário.

Hely Lopes Meirelles conceitua a coercibilidade como “a imposição

coativa das medidas adotadas pela Administração” (...).

Prossegue o preclaro jurista:

O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifi ca o emprego

da força física quando houver oposição do infrator, mas não

77 idem78 idem

Page 37: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 37

legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência,

que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de

autoridade nulifi cadores do ato praticado e ensejadores das ações

civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados.

(Direito Administrativo Brasileiro, 16ª ed., p. 117).

5.2.6 Poder de polícia judiciária

O Poder de Polícia das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não

deve ser confundido com o Poder de Polícia Judiciária, pois este é destinado

apenas às autoridades que a lei explicita. No caso das autoridades militares,

o Poder de Polícia Judiciária vem disposto no Decreto-Lei n.º 1.002, de 21 de

outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar (CPPM):

Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do

artigo 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas

jurisdições:

a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,

em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e

órgãos que constituem os seus Ministérios, bem como a militares

que, neste caráter, desempenham missão ofi cial, permanente ou

transitória, em país estrangeiro;

b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a

entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;

c) pelos chefes do Estado-Maior e pelo Secretário-Geral da Marinha,

nos órgãos, forças e unidades que lhe são subordinados;

d) pelos comandantes do Exército e pelo comandante-chefe da

Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito

da respectiva ação de comando;

e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona

Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;

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| Direito Constitucional Militar

38 |

f) pelo Secretário do ministro do Exército e pelo chefe de Gabinete

do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são

subordinados;

g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos

ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha,

do Exército e da Aeronáutica;

h) pelos comandantes de forças, unidades e navios.

Há de se observar, contudo, que o poder de polícia judiciária pode ser

delegado, obedecidas as normas de “jurisdição, hierarquia e comando”, a

ofi ciais da ativa, “para fi ns especifi cados e por tempo limitado” 79.

Portanto, não são todos os ofi ciais que possuem poder de polícia

judiciária militar, e aqueles que o possuem por delegação têm o seu exercício

estritamente limitado. Assim, por exemplo, um ofi cial não detentor de poder

de polícia originário que é desacatado pode prender o agente em fl agrante

delito, mas não pode lavrar o Auto de Prisão em Flagrante.

A competência da polícia judiciária militar está disciplinada no art. 8º do

CPPM, nos moldes a seguir:

Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:

a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial,

estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;

b) prestar aos órgãos e juízes da justiça militar e aos membros

do Ministério Público as informações necessárias à instrução e

julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que

por eles lhe forem requisitadas;

c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela justiça militar;

d) representar as autoridades judiciárias militares acerca da prisão

preventiva e da insanidade mental do indiciado;

79 idem

Page 39: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 39

e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos

presos sob a sua guarda e responsabilidade, bem como as demais

prescrições deste Código, nesse sentido;

f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que

julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu

cargo;

g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as

pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de

inquérito policial militar;

h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido

de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar

à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o

pedido.

Quanto ao Inquérito Policial Militar (IPM), diz o CPPM que:

Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato,

que, nos termos legais, confi gure crime militar, e de sua autoria.

Tem o caráter de instrução provisória, cuja fi nalidade precípua

é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação

penal.

(grifo nosso)

5.3 Missões de Paz

O século XX assistiu a uma signifi cativa evolução na maneira como

as nações tratam seus confl itos e como as sociedades, de um modo geral, os

encaram. Após dois confl itos mundiais de dimensões assombrosas, as grandes

potências, reconhecendo o enorme risco que a solução dos confl itos pelo

tradicional recurso à guerra poderia acarretar, decidiram pela montagem de

um sistema internacional voltado à preservação da paz e à solução pacífi ca

dos confl itos. Desse sistema resultam as operações de paz, que, conduzidas por

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| Direito Constitucional Militar

40 |

organismos internacionais, vêm se esforçando para reduzir as crises, por meio

da cooperação internacional em todos os rincões do globo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) é o principal agente do

esforço internacional de preservação da paz. Sua atuação nesse campo tem

sido caracterizada por fl uxos e refl uxos, marcados pelo maior ou menor desejo

das nações de se envolverem em confl itos que, na maioria das vezes, não

guardam relação direta com seus interesses.

Apesar dessa trajetória incerta, as operações de paz têm proliferado no

mundo. Diversos países, freqüente ou eventualmente, têm posto suas forças

militares à disposição dos organismos internacionais para a condução desse

tipo de operação. É, portanto, uma matéria atual, que merece ser estudada e

acompanhada em suas evoluções.

Para o Brasil, o assunto reveste-se de importância, na medida em que

o anseio do país de buscar exercer uma maior infl uência política nas relações

internacionais passa pela disposição de aceitar uma parcela dos riscos e custos

dos esforços internacionais para a obtenção e preservação da paz.

Participar de operações de paz é uma missão das Forças Armadas e é no

cumprimento dessa missão que, no campo externo, particularmente o Exército

tem sido empregado desde o fi m da II Guerra Mundial. As várias participações

brasileiras em operações de paz e a grande probabilidade de empregos futuros

são motivos cabais para que as operações de paz continuem a merecer dos

Comandantes Militares a atenção que, desde o início dos anos 90, lhes tem

sido atribuída.

5.3.1 A ONU e as Operações de Manutenção da Paz

Generalidades

As operações de paz começaram a ser desenvolvidas pela ONU a partir

do Grupo de Observadores Militares designados para supervisionar a trégua

durante a Guerra Árabe-israelense de 1948. No período de 1948 a 1987, a

ONU coordenou treze operações de paz, entre missões de observação, com

pessoal desarmado, e forças de paz, com tropas armadas. O primeiro emprego

de força de paz ocorreu em 1957, com a 1ª Força de Emergência das Nações

Unidas (UNEF I), incumbida de supervisionar o cessar-fogo após a crise do

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 41

Suez e a retirada das tropas franco-britânicas e israelenses do território egípcio,

assim como de estabelecer uma zona desmilitarizada entre as forças egípcias e

israelenses. A UNEF I esteve em atividade até junho de 1967.

A experiência acumulada pela ONU permitiu-lhe que, em meados de

1970, já dispusesse de uma doutrina consolidada sobre as operações de paz,

que destacava:

(...) a importância da manutenção do comando e controle das

operações na Organização; a necessidade de celebração de

acordos ou de memorandos de entendimento entre a ONU e

os Estados anfi triões, bem como entre a ONU e os países que

contribuem com recursos humanos e materiais, de modo a regular

o relacionamento entre os interlocutores envolvidos; o requisito

indispensável do consentimento a ser outorgado por governos

legítimos para a presença da operação no terreno; o caráter

voluntário da participação dos Estados membros nessas operações;

a conveniência de se observar o conceito da universalidade na

composição das operações, para reforçar o caráter multilateral

da missão; a obediência ao princípio da imparcialidade no

cumprimento do mandato, de modo a evitar o envolvimento da

missão no confl ito; o uso da força em última instância e apenas em

caso de legítima defesa; e a posse restrita de armamento, para as

operações não serem vistas como ameaças potenciais por alguma

das partes em confl ito.

O período de 1966 a 1987 marca um recuo na realização de operações

de paz pela ONU, motivado pelo acirramento da rivalidade entre as

superpotências e por questões fi nanceiras. Somente duas operações de paz

foram aprovadas e realizadas neste período: a Segunda Força de Emergência

das Nações Unidas, em 1973, para monitorar o cessar-fogo entre árabes e

israelenses, e a Força Interina das Nações Unidas no Líbano, em 1978, para

supervisionar a retirada de tropas israelenses do sul daquele país.

O refl uxo da ONU fez com que os confl itos havidos no período

fossem tratados por operações unilaterais ou em coalizão, sem vínculos

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| Direito Constitucional Militar

42 |

com a Organização. Embora operações de paz fora do âmbito da ONU

não sejam contrárias ao espírito da Carta da Organização, em virtude do

caráter consensual dessas operações, a prática demonstrou que, apesar de

alguns sucessos, preponderou a impressão dos fracassos ocorridos. Fracassos

motivados: perda real ou presumida da condição de imparcialidade da força,

como ocorrido com a Segunda Força Multinacional do Líbano, em 1982,

quando tropas dos EUA e França foram vítimas de ataques terroristas; abusos

de poder, como a intervenção síria, em 1976, para solucionar a guerra civil no

Líbano sem a solicitação do governo legítimo deste país, embora solicitada por

facções envolvidas na luta. Tais fatos indicaram e reforçaram a conveniência

de as operações de paz serem realizadas ou monitoradas pela ONU, em razão

da sua universalidade, legitimidade e experiência.

O fi nal dos anos 80 e a primeira metade da década seguinte representaram

o período de maior atividade da ONU no campo da manutenção da paz. Desde

1988, foram criadas 39 operações da paz que, comparadas às 13 do período

anterior, bem demonstram o grande aumento do empenho de se manter a

paz numa época marcada pela eclosão de vários confl itos que permaneceram

latentes durante a Guerra Fria.

Houve, igualmente, uma mudança na natureza dos confl itos. A quase

totalidade das intervenções patrocinadas pela ONU nesse período foi

motivada por crises de natureza interna, o que obrigou a Organização a

adotar critérios mais amplos para defi nir o que constitui ameaça à paz e à

segurança internacionais. O aumento das operações de paz e a ampliação dos

critérios de ameaça à paz foram condicionados pela distensão política entre as

superpotências, ocorrida a partir da ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder e

da posterior falência da União Soviética, que proporcionaram maior liberdade

de ação ao Conselho de Segurança; pela proliferação de confl itos étnicos e

religiosos, anteriormente abafados pela confrontação maior da Guerra Fria;

e, fi nalmente, pela crescente universalização dos valores da democracia, dos

direitos humanos e da autodeterminação, que justifi cam a caracterização dos

confl itos internos como ameaça à paz e à segurança internacionais.

Essas operações de paz foram defi nidas como multidisciplinares ou de

segunda geração, devido às suas diferenças em relação às operações clássicas

precedentes.

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 43

O alto custo das operações de paz afetou fortemente o orçamento da

ONU, já abalado por problemas de inadimplência da parte de vários Estados.

Por outro lado, os resultados altamente questionáveis das operações na

Somália, Ruanda e antiga Iugoslávia, repercutiram negativamente na opinião

pública e nos meios políticos e governamentais dos EUA, França e Reino

Unido. Esses fatos levaram o Conselho de Segurança a reavaliar os critérios

para a criação de novas operações de paz, provocando um novo retraimento

da presença da ONU nos confl itos.

Uma nova fase será provavelmente marcada por uma maior seletividade

da ONU na escolha dos confl itos em que atuará – o que já desperta a crítica

de certos setores pelo descaso com os “confl itos esquecidos” –, bem como

pela prática de recorrer a organismos regionais ou a coalizões especifi camente

formadas para o cumprimento dos mandatos do Conselho de Segurança.

5.3.2. A Estrutura da ONU para as Operação de Paz

1) Conselho de Segurança: tem a responsabilidade primária pela

manutenção da paz e da segurança internacionais. Incumbe-lhe expedir a

Resolução e a autorização do Mandato, para o estabelecimento de uma

operação de manutenção da paz.

2) Secretário-Geral: como maior autoridade da ONU, pode encaminhar

ao CSNU qualquer matéria que, na sua avaliação, possa se constituir numa

ameaça à paz. Indica o Representante Especial para a Missão e solicita, aos

Estados-Membros, a contribuição com tropas, pessoal civil, suprimentos e

equipamentos, transporte e apoio logístico.

3) Assembléia-Geral: delibera sobre o fi nanciamento da operação e,

excepcionalmente, pode determinar uma operação de paz, caso o CSNU se

veja impedido de fazê-lo.

4) Secretariado: a execução de uma operação de paz envolve o esforço

conjunto de vários departamentos do Secretariado, com destaque para os

Departamentos de Operações de Manutenção da Paz, Assuntos Políticos,

Assuntos Humanitários, Administração e Gerenciamento, Informação Pública

e o Escritório de Assuntos Legais.

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| Direito Constitucional Militar

44 |

5) Países contribuintes com tropas e anfi triões: uma força de paz

é convidada pelo governo anfi trião e deve, portanto, respeitar suas leis e

costumes. A permanência desta força é consensualmente acordada entre a

ONU e o anfi trião. Os integrantes da força possuem status, privilégios e

imunidades proporcionados pela Carta (art. 105) e pela Convenção sobre

Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.

5.3.3. As Operações de Paz no Sistema Interamericano

A Organização dos Estados Americanos (OEA) data de 1948 e é

composta por 35 países das Américas e Caribe, além de 44 Estados e da

União Européia (UE), que têm o status de Observadores Permanentes. Os

propósitos essenciais sustentados pela OEA, entre outros, se relacionam com:

afi ançar a paz e a segurança no continente, prevenir as possíveis causas de

difi culdades e assegurar a solução pacífi ca das controvérsias que surjam entre

os Estados membros. Dentre as prioridades estabelecidas pela OEA, pode-se

mencionar como um aspecto muito importante a “Construção da Paz”. Para

o cumprimento desta prioridade, várias missões têm sido estabelecidas na

Nicarágua, Suriname e Guatemala, missões de monitoramento dos direitos

humanos no Haiti em colaboração com a ONU, atividades de remoção de

minas na América Central por intermédio da Junta Interamericana de Defesa,

desmobilização de Forças rebeldes e programas de reinserção social dos ex-

combatentes, entre outros aspectos.

A OEA tem o respaldo da ONU para atuar no campo das operações

de paz. A carta da ONU, no seu capítulo VIII, prevê o recurso a entidades ou

acordos regionais como um dos meios de solução pacífi ca de controvérsias.

Menciona que as partes em confl ito que não consigam chegar a uma solução

no âmbito regional deverão submeter o litígio ao CSNU, como organismo

máximo e de última instância para questões relativas à paz e segurança

internacionais. Deste modo, os organismos regionais têm ampla autonomia

para promover a solução pacífi ca de controvérsias, mas é limitada sua

liberdade de ação quanto à execução de medidas coercitivas sem o prévio

consentimento do CSNU.

Entre os organismos regionais, a OEA não é uma organização

apropriada para executar mandatos do CSNU que impliquem o emprego

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 45

da força, uma vez que sua Carta Fundamental, após sucessivas revisões, não

pode ser vista como contemplando o uso de meios coercitivos para manter a

paz e a segurança internacional (exceto no caso de legítima defesa, individual

ou coletiva). Conseqüentemente, o propósito da OEA de garantir a paz e

a segurança internacional deve ser alcançado por procedimentos pacífi cos,

usando o recurso da pressão política.

Apesar de a OEA não poder agir como braço armado da ONU no

continente americano, ela pode estruturar operações de manutenção da paz

ou apoiar protocolos regionais, desde que: tenha como base a imparcialidade

e o consentimento, não lesione o princípio da não-intervenção e suas

operações possam ser enquadradas no contexto da promoção da solução

pacífi ca das controvérsias. Neste aspecto, pode-se enquadrar o apoio da OEA

ao Protocolo do Rio de Janeiro, assinado em 1942, que, recentemente (1995-

1999), amparou e apoiou o desenvolvimento da Missão de Observadores

Militares Equador-Peru (MOPEP), para promover, no campo militar, as

condições favoráveis à retomada das negociações pela paz.

Ademais, a OEA ampliou a capacidade do Secretário-Geral e do

Conselho Permanente de intervirem em confl itos na busca de soluções

pacífi cas, por meio de uma série de emendas à sua Carta Constitutiva. Para

isso, foi criado um Comitê Especial para a Segurança Hemisférica (Junta

Interamericana de Defesa – JID), que tem por missão colaborar com a OEA

em assuntos militares. A sua área de atuação é a diplomacia preventiva, bem

como as atividades de promoção e consolidação da paz.

O Sistema Interamericano está estruturado pela participação interativa

de organismos, autoridades, tratados, convênios, acordos e outros documentos

que se orientam pelo Direito Internacional e permitem relacionar os Estados

Membros e Observadores Permanentes da OEA, com os propósitos essenciais

que estabelece a Carta da OEA e mandatos específi cos dos Chefes de Estados

Americanos.

5.3.4. A Participação Brasileira nas Operações de Paz

O Brasil é um tradicional participante em operações de paz sob a égide

de organismos internacionais. Já em 1933-34, um ofi cial da Marinha compôs

a Comissão da Liga das Nações, que administrou a região litigiosa de Letícia,

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| Direito Constitucional Militar

46 |

durante o processo acordado de retorno da região à soberania colombiana. Nesta

ocasião, o Itamaraty já caracterizava, em suas instruções ao ofi cial brasileiro, o

padrão de conduta que iria nortear toda a posterior atuação do Brasil:

Vossa Senhoria deverá ter sempre presente a necessidade absoluta

em que se encontra o nosso país de não se desviar um só momento

da atitude de perfeita imparcialidade no litígio (...).

Entre 1947 e 1951, dois ofi ciais, um da Marinha e outro do Exército,

participaram da Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs

(UNSCOB), que operou na Grécia, então em guerra civil, para monitorar a

fronteira daquele país com a Albânia, Bulgária e Iugoslávia e para cooperar na

administração da problemática dos refugiados. Essa foi a primeira operação

na qual quadros das Forças Armadas e do Itamaraty interagiram no terreno.

O ano de 1957 marca o início da participação de tropa brasileira em

forças de paz. Um batalhão, o Batalhão Suez, compôs a Primeira Força de

Emergência das Nações Unidas (UNEF I), que garantiu a zona desmilitarizada

entre Egito e Israel, até junho de 1967. Além de contribuir com o Batalhão

Suez, o Brasil assumiu o comando operacional da UNEF I, por duas vezes.

Ao todo, o Brasil participou, sob a égide da ONU, de 23 operações de

manutenção da paz e de duas missões civis desde 1957. Dentre estas operações

destacam-se a UNAVEM III (1995-97), em Angola, e a ONUMOZ (1993-

1994) em Moçambique, que contaram com a participação de tropa.

A partir dos anos 90, a participação brasileira em operações de paz, no

espírito das operações multidisciplinares, deixou de ser exclusivamente militar,

passando o País a colocar à disposição da ONU civis e policiais militares.

No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil

participou, em 1965-66, da Força Interamericana de Paz (FIP), por intermédio

do Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana (FAIBRÁS).

A FIP tinha a missão de restaurar a normalidade na República Dominicana, que se

encontrava em clima de guerra civil em virtude de agitações políticas resultantes

de um golpe de estado. A uma comissão, composta pelos Embaixadores do

Brasil, Estados Unidos e El Salvador, coube a orientação política da FIP e a

elaboração de um acordo entre as partes – o que foi conseguido. A FIP, cujo

comando-geral coube a um general brasileiro, desempenhou com pleno êxito

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 47

sua missão, coordenando e supervisionando a transição para um Governo

provisório e a posterior realização de novas eleições.

Digna de destaque, em razão de situar-se no continente sul-americano,

foi a realização recente da Missão de Observadores Militares Equador-Peru

(MOMEP), que supervisionou o cessar-fogo e a implementação do acordo

de paz entre os referidos países, em torno de litígios de fronteira. Além do

Brasil, ao qual coube a coordenação geral da MOMEP, a Missão contou com

a participação da Argentina, Chile e Estados Unidos, demais países garantes

do Protocolo do Rio de Janeiro, que regulara a questão nos anos 40.

5.3.5. Generalidades

5.3.5.1 Conceitos

A fi m de estabelecer uma base sólida que permita uma adequada análise,

levando em conta as diferentes interpretações e atualizações dos conceitos,

é necessário esclarecer os termos essenciais a serem utilizados. Segundo o

manual C 95 - 1 (Operações de Manutenção da Paz), as Operações de Paz

classifi cam-se como a seguir:

Apoio à Diplomacia

Inclui atividades de Estabelecimento da Paz (Peacemaking), Consolidação

da Paz (Peace Building) e Diplomacia Preventiva.

Estabelecimento da Paz

É o processo destinado à obtenção de acordos que extingam a

confrontação e possibilitem a solução das motivações que originaram o

confl ito. Normalmente, é desencadeado por intermédio da diplomacia,

mediação, negociação e outras formas de acordo político. São operações

desenvolvidas sob o conceito do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas.

Consolidação da Paz

Consiste em ações posteriores a um confl ito, resultado da confrontação

entre Estados, ou no âmbito de um Estado, destinadas a consolidar a paz e

evitar o ressurgimento das controvérsias. Normalmente, envolvem projetos que

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| Direito Constitucional Militar

48 |

contribuem não apenas para o desenvolvimento socioeconômico, mas também

para incrementar a confi ança e a interação entre antigas facções inimigas.

Diplomacia Preventiva

É o conjunto de medidas destinadas a evitar o surgimento ou acirramento

de controvérsias entre duas ou mais partes.

Em linhas gerais, o conceito de Apoio à Diplomacia expressa uma idéia

de prevenção das situações confl itantes, à exceção da Consolidação da Paz.

Manutenção da Paz (Peacekeeping)

Constitui-se no emprego de pessoal militar, policial e civil, para auxiliar

na implementação de acordos de cessação de hostilidades celebrados entre as

partes em litígio. Os seus princípios básicos são: o consentimento das partes,

a imparcialidade, o uso mínimo da força limitado à autodefesa e o caráter

voluntário da participação dos Estados-Membros.

Embora não estejam expressamente mencionadas na Carta da ONU,

essas operações, respaldadas pelo Capítulo VI, se fi rmaram como um

instrumento de gerenciamento, por terceiros, de confl itos entre Estados ou no

território de um determinado Estado, por meio da intervenção internacional

não-violenta, voluntária, pautada pela imparcialidade e consentida pelo(s)

Estado(s) Anfi trião(ões).

Dentre outras atividades específi cas, estas operações envolvem: monito-

ramento de cessar-fogo, separação de forças, estabelecimento de zonas de

segurança, auxílio na desmobilização e reintegração dos antigos combatentes à

vida civil, provisão de assistência humanitária, garantia do respeito aos direitos

humanos e implementação de programas de remoção de minas e de outros

artefatos de guerra.

Imposição da Paz (Peace Enforcement)

São medidas desencadeadas por intermédio do emprego de forças

militares que se destinam a restaurar a paz ou estabelecer condições específi cas

em uma área de confl ito ou tensão, onde as partes envolvidas (ou uma delas)

não consintam com a intervenção e estejam engajadas em confrontação bélica.

Nesse caso, o emprego da força é respaldado pelo Capítulo VII da Carta da

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 49

ONU, e far-se-á contra as facções que insistam na violação da paz.

Obviamente, as medidas de imposição da paz poderão implicar o

desencadeamento de operações de combate para a consecução dos seus

objetivos.

Dentre outras atividades, estas medidas incluem: restauração e

manutenção da ordem e estabilidade, proteção de operações humanitárias,

garantia e restrição dos movimentos, imposição de sanções, estabelecimento

de zonas de proteção e imposição da separação dos beligerantes.

Do expressado, deduz-se que, no que diz respeito às Operações de Paz

no âmbito da ONU, a participação de Forças Militares propriamente ditas se

dará nas operações de Estabelecimento da Paz (Peacemaking), Manutenção

da Paz (Peacekeeping) e Imposição da Paz (Peace Enforcement). No caso do

Estabelecimento e Manutenção da Paz deverá haver o consentimento prévio

das partes envolvidas; já na Imposição da Paz este fator não irá constituir uma

condicionante.

5.4 Atribuições Subsidiárias

As atribuições subsidiárias devem ser aproveitadas para adestrar a

tropa e projetar a imagem das Forças Armadas. O emprego nessas ações deve

ser compreendido dentro de sua exata dimensão, não devendo comprometer

a operacionalidade das Forças Armadas. Porém, há que se considerar que

têm valor estratégico como veículo de projeção do EB no seio da sociedade,

neutralizando segmentos interessados na diminuição do peso das FAs nas

esferas decisórias do País.

EXERCÍCIOS

6. Analise a missão das Forças Armadas de acordo com os preceitos constitucionais.

Fundamente sua resposta.

7. Segundo a Política de Defesa Nacional, como são conceituados os termos

Segurança Nacional e Defesa Nacional?

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8. Quais são os objetivos da Defesa Nacional?

9. Quando deve se dar o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da

ordem? Fundamente sua resposta.

10. Quais são as características do poder de polícia?

11. Todos os ofi ciais possuem poder de polícia judiciária militar? Fundamente

sua resposta.

12. Há amparo na Carta da ONU para intervenção em confl itos com missões de

paz?

13. Qual é a estrutura da ONU para as Operações de Paz?

14. Como são as Operações de Paz no Sistema Interamericano?

15. Quais são as atividades específi cas e características da Operação de

Manutenção da Paz (Peacekeeping) da ONU? E da Operação de Imposição da

Paz (Peace Enforcement)?

16. Quais são os objetivos das atribuições subsidiárias das Forças Armadas?

6. SERVIÇO MILITAR

Laércio Giovani Macambira Marques e outros, em sua monografi a

sobre A Aplicação da Lei Federal Nº 10.029, de 20 de Outubro de 2000, na

Polícia Militar do Ceará e sua Relação Custo Versus Benefício, publicada na

internet em junho de 2001, afi rma que:

Desde a sua criação, o homem envolveu-se em confl itos e lutas com

seus iguais. A primeira notícia que se tem conhecimento desse tipo

de fato é citada na Bíblia Sagrada, no livro Gênesis, o primeiro do

Antigo Testamento, quando Caim matou seu irmão Abel.

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 51

A esmagadora maioria dos países do mundo possui algum tipo de força

armada para garantir sua segurança e sua soberania. Cada país, em função

de seus problemas particulares e de suas possibilidades, adota o tipo de

recrutamento (voluntário, compulsório ou misto) que melhor atenda às suas

necessidades, a duração do Serviço Militar mais conveniente e um gasto anual

com suas Forças Armadas conforme suporta sua economia, ou conforme exige

a situação vigente 80.

6.1 Natureza e Obrigatoriedade

No Brasil, o grande defensor e pregador do Serviço Militar obrigatório e

da sua universalidade foi um cidadão civil, o poeta Olavo Bilac, hoje Patrono

do Serviço Militar. A partir de então, as seguidas constituições nacionais têm

mantido o Serviço Militar como obrigatório 81.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de

outubro de 1988, em seu Título V, Capítulo II, reza, in verbis:

Art. 143. O Serviço Militar é obrigatório nos termos da lei.

§ 1º - Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço

alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem

imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente

de crença religiosa e de convicção fi losófi ca ou política, para se

eximirem de atividade de caráter essencialmente militar.

§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos fi cam isentos do Serviço

Militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros

encargos que a lei lhes atribuir.

Da análise do presente dispositivo constitucional emerge o caráter de

obrigatoriedade do Serviço Militar ou de outros encargos, ambos necessários

à Segurança Nacional, nos termos da lei e sob as penas desta. Com a expressão

“ou a outros encargos” logo após “Serviço Militar”, deduz-se que o Serviço

80 (Macambira Marques, 2001)81 idem

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52 |

Militar é, também, um encargo, ou seja, uma incumbência, ocupação, condição

onerosa ou restritiva de vantagem 82.

O Serviço Militar no Brasil, atualmente, está regido pela Lei nº 4.375,

de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar – LSM), que determina, em

seu último artigo, somente entrar em vigor após a sua regulamentação, o que

foi feito em 20 de janeiro de 1966, com a publicação do Decreto nº 57.654

(Regulamento da Lei do Serviço Militar), merecendo destacar na citada LSM

os seguintes dispositivos 83:

Art. 1º. O Serviço Militar consiste no exercício de atividades

específi cas desempenhadas nas Forças Armadas – Exército,

Marinha e Aeronáutica – e compreenderá, na mobilização, todos

os encargos relacionados com a defesa nacional.

Art. 2º. Todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar, na

forma da presente Lei e sua regulamentação.

(...)

§ 2º As mulheres fi cam isentas do Serviço Militar em tempo de

paz e, de acordo com suas aptidões, sujeitas aos encargos do

interesse da mobilização.

Art. 3º. O Serviço Militar inicial será prestado por classes

constituídas de brasileiros nascidos entre 1º de janeiro e 31 de

dezembro, no ano em que completarem 19 (dezenove) anos de

idade.

(...)

Art. 5º. A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz,

começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar

18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano

em que completar 45 (quarenta e cinco anos).

82 idem83 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 53

§ 1º Em tempo de guerra, esse período poderá ser ampliado, de

acordo com os interesses da defesa nacional.

§ 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como

voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade.

Art. 6º.. O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração

normal de 12 (doze) meses.

§ 1º Os Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica

poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses

a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos

incorporados às respectivas Forças Armadas.

(...)

Art. 33º. Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço

a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser

concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como

engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força

Armada interessada.

Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou

reengajamento serão fi xados em Regulamentos, Normas ou

Instruções Especiais, baixados pelos Ministérios do Exército, da

Marinha e da Aeronáutica.

(grifo nosso)

Pela lei, o recrutamento para o Serviço Militar nos municípios é iniciado

pelas Juntas de Serviço Militar, a cargo das prefeituras municipais. O artigo

primeiro da LSM especifi ca que o Serviço Militar será exercido no Exército,

na Marinha e na Aeronáutica. Nesse dispositivo não se incluem, textualmente,

as polícias militares, consideradas “forças auxiliares, reserva do Exército”, na

conformidade do art. 144, § 6º, da Constituição Federal 84.

84 idem

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54 |

Entende-se, então, pela análise desses artigos, que o Serviço Militar inicial

é aquele que o jovem presta normalmente durante um ano numa Organização

Militar Federal. No entanto, a obrigação do brasileiro para com o Serviço

Militar, ou seja, sua disponibilidade, perdura durante vinte e sete anos a partir

do ano em que ele completa a idade de dezoito anos 85.

6.2 Serviço Militar Alternativo

Quanto à prestação de serviço alternativo ao Serviço Militar Obrigatório,

nos órgãos públicos, essa possibilidade legal já existe desde a edição da Lei

Federal n.º 8.239, de 04 de outubro de 1991, que regulamenta o art. 143, §§

1º e 2º, da Constituição Federal, in verbis 86:

8.239/91:

Art. 1º O Serviço Militar consiste no exercício de atividades

específi cas, desempenhadas nas Forças Armadas - Marinha,

Exército e Aeronáutica.

Art. 2º O Serviço Militar inicial tem por fi nalidade a formação

de reservas destinadas a atender às necessidades de pessoal das

Forças Armadas no que se refere aos encargos relacionados com a

defesa nacional, em caso de mobilização.

Art. 3º O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os

brasileiros, nos termos da lei.

§ 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma

da lei e em coordenação com os Ministérios Militares, atribuir

Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados,

alegarem imperativo de consciência decorrente de crença

religiosa ou de convicção fi losófi ca ou política, para se eximirem

de atividades de caráter essencialmente militar.

85 idem86 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 55

§ 2º Entende-se por Serviço Militar Alternativo o exercício de

atividades de caráter administrativo, assistencial, fi lantrópico

ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter

essencialmente militar.

§ 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações

militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das

Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios

Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares,

desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as

aptidões do convocado.

Art. 4º Ao fi nal do período de atividade previsto no § 2º do art. 3º

desta lei, será conferido Certifi cado de Prestação Alternativa ao

Serviço Militar Obrigatório, com os mesmos efeitos jurídicos do

Certifi cado de Reservista.

§ 1º A recusa ou cumprimento incompleto do Serviço Alternativo,

sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal

do convocado, implicará o não-fornecimento do certifi cado

correspondente, pelo prazo de dois anos após o vencimento do

período estabelecido.

§ 2º Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, o certifi cado só

será emitido após a decretação, pela autoridade competente, da

suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a

qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento

das obrigações devidas.

Art. 5º As mulheres e os eclesiásticos fi cam isentos do Serviço

Militar Obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, de acordo

com suas aptidões, a encargos do interesse da mobilização.

Art. 6º O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas baixará,

no prazo de cento e oitenta dias após a sanção desta lei, normas

complementares a sua execução, da qual será coordenador.

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| Direito Constitucional Militar

56 |

Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário

(grifo nosso)

Merece destaque o Projeto de Lei nº 556/99, que tramita no Senado

Federal, de autoria do Senador Pedro Simon, alterando o art. 3º da Lei nº

8.239/91, anteriormente transcrita, tendo por objetivo incluir a possibilidade

de os não-engajados prestarem serviço no âmbito dos Poderes Legislativo e

Judiciário, além do Executivo, nos três níveis de Governo, com destaque para

o municipal, o que vem facilitar a permanência do cidadão em seu próprio

município, in verbis:

Art. 1º O art. 3º da Lei nº 8.239, de 4 de outubro de 1991, passa

a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 3º............................................................................................

§1º. Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma

da lei e em conjunto com os Ministérios Militares, exercer o

planejamento, a coordenação e o controle do recrutamento e

da seleção de pessoal para a prestação do Serviço Alternativo,

previsto no art. 143 da Constituição Federal.

§2º. Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades

de caráter administrativo, assistencial, comunitário, fi lantrópico

ou mesmo produtivo, em substituição às de caráter essencialmente

militar.

§ 3º. O Serviço Alternativo será prestado em organizações

militares da ativa e demais órgãos subordinados aos Poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas da União, Estados

e, preferencialmente, nos Municípios, mediante convênios

celebrados entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja

interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do

convocado.

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 57

Art. 2º O Poder Executivo providenciará, no prazo de cento e

oitenta dias, as alterações, no Regulamento da Lei de Prestação

do Serviço Alternativo, decorrentes desta Lei.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(grifo nosso)

Com base nos textos constitucional e legal aqui transcritos, verifi camos

que a regulamentação do serviço alternativo ao Serviço Militar representa um

grande avanço brasileiro, seguindo a linha das nações mais importantes do

Mundo que ainda praticam o Serviço Militar Obrigatório 87.

Outro aspecto importante é o de incutir nos jovens o espírito de

civismo, de amor à pátria e de responsabilidade cidadã, no momento em

que, nesse período, estarão dedicando parte de suas potencialidades em

prol do desenvolvimento da nação brasileira, de forma alternativa ao

aspecto propriamente militar ou bélico, fi cando isentos, em tempo de paz, os

eclesiásticos e as mulheres 88.

EXERCÍCIOS

17. Caracterize o Serviço Militar, de acordo com os preceitos constitucionais.

18. Defi na o Serviço Militar Inicial e informe por quanto tempo ainda haverá sua

disponibilidade.

19. É importante o Serviço Militar Alternativo? Fundamente sua resposta.

87 idem88 idem

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58 |

7. OS MILITARES E O SISTEMA ELEITORAL

Rogério Carlos Born, em seu texto sobre Direito Eleitoral Militar,

publicado na internet, em dezembro de 2005, leciona:

A Constituição da República, no artigo 142, caput, reza que

o emprego das Forças Armadas se destina, além da defesa da

Pátria, ‘à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de

qualquer destes, da lei e da ordem’, o que se insere a garantia da

realização de eleições livres.

Assim, quando os pleitos estiverem ameaçados, competirá ao Presidente

da República, por iniciativa própria ou em atendimento ao pedido dos

Presidentes do Supremo Tribunal Federal, Senado Federal ou Câmara dos

Deputados, decidir quanto ao cabimento da atuação das Forças Armadas 89.

Cabe ressaltar que o Tribunal Superior Eleitoral não poderá requerer

diretamente a atuação das Forças Armadas, devendo dirigir a solicitação ao

Supremo Tribunal Federal, e que são requisitos para o atendimento pelo Poder

Executivo a indisponibilidade, a inexistência e a insufi ciência dos instrumentos

de segurança pública 90.

Enfi m, como a presença de tropas armadas nos dias das eleições se

constitui em constrangimento aos eleitores, a lei estabeleceu o caráter residual

da ação militar 91.

No cumprimento dos deveres constitucionais, o processo eleitoral

exige que os membros das Forças Armadas, submetidos aos rígidos preceitos

de obediência, hierarquia e disciplina, fi quem em relativa prontidão com o

escopo de exercer as atribuições relativas à defesa nacional e à garantia dos

poderes constitucionais, da lei e da ordem (artigo 142, caput¸ CF), inclusive

para atender a requisição do Tribunal Superior Eleitoral, por intermédio do

Supremo Tribunal Federal 92.

89 (Born, 2005)90 idem91 idem92 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 59

Em decorrência, os militares deverão, no dia das eleições, permanecer

aquartelados e, de antemão, são dispensados do serviço na Justiça Eleitoral,

conforme prescreve o artigo 75 do Estatuto dos Militares 93.

Por isso, estabelece o artigo 14, § 2º da Constituição que “não podem

alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar

obrigatório, os conscritos” 94.

Tal mandamento remanesce das Constituições republicanas anteriores,

apesar de, na Carta Polaca de 1937 (art. 117), a proibição ter sido extensiva

a todos os militares e, na Constituição de 1967 (art. 142), alcançava às praças

graduadas 95.

É curioso ressaltar que, na avançada democracia da Costa Rica, ao

inverso, a Constituição de 1997 autoriza que a Corte Eleitoral suspenda o

serviço de alistamento militar no período das eleições a fi m de os cidadãos,

inclusive os militares, poderem votar livremente 96.

Na Constituição Federal, a primeira indefi nição reside no conceito

de conscritos e o período em que são considerados “inalistáveis”, uma vez

que a legislação infraconstitucional regulamenta esta questão inspirada na

Constituição de 1946 97.

Os conscritos, segundo ao Regulamento da Lei do Serviço Militar, são

defi nidos como “os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção,

tendo em vista a prestação do Serviço Militar inicial” 98.

Também são equiparados aos conscritos os que se encontram cumprindo

prestação alternativa; os médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários, que

terão a incorporação adiada para depois da colação de grau; os residentes no

exterior e os considerados temporariamente inaptos ao serviço militar 99.

Não estão abrangidos entre os conscritos os engajados e os reengajados,

uma vez que permanecem voluntariamente no serviço militar e segundo as

conveniências das Forças Armadas 100.

93 idem94 idem95 idem96 idem97 idem98 idem99 idem100 idem

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| Direito Constitucional Militar

60 |

O processo de prestação do serviço militar compreende as seguintes fases:

alistamento, seleção, convocação, incorporação, exercício, licenciamento e

inclusão na reserva 101.

Na ótica da Constituição de 1967, a capacidade eleitoral ativa, atingida

apenas aos 18 anos de idade, coincidia com a aptidão para o serviço militar

inicial, o que, conseqüentemente, defi nia como “conscritos” os indivíduos da

classe 102.

Assim, para efeitos eleitorais, os conscritos eram impedidos de se alistar

a partir do dia 1º de janeiro do ano em que completavam aquela idade até o dia

do licenciamento, da isenção, da dispensa de incorporação, da matrícula dos

aspirantes-a-ofi ciais, guardas-marinha, subtenentes, ou subofi ciais, sargentos

ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de ofi ciais ou

da promoção dos ofi ciais, subofi ciais e sargentos 103.

Todavia, com a redução da capacidade eleitoral ativa aos 16 anos, a

Carta Magna acabou por vedar o alistamento eleitoral somente durante o

período de serviço militar obrigatório (art. 14, § 2º, CF), o que compreende

apenas o período entre a incorporação e o licenciamento 104.

Realmente, tanto a Lei Máxima (art. 14, §§ 1º e 2º) quanto o Código

Eleitoral (art. 6º) divorciaram os conceitos de alistamento e do voto, afastando

os conscritos apenas do alistamento 105.

Ademais, a Constituição, no art. 15, quando defi niu as hipóteses

taxativas de suspensão ou perda dos direitos políticos, não fez qualquer menção

aos conscritos e, sendo norma de efi cácia plena, não admite a interpretação

restritiva pela utilização do poder normativo da Justiça Eleitoral. 106.

Ademais, o voto é um direito adquirido de primeira geração e agasalhado

por cláusula pétrea, não podendo ser subtraído por critérios hermenêuticos 107.

101 idem102 idem103 idem104 idem105 idem106 idem107 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 61

Delimitando o exercício deste direito, o Código Eleitoral estabelece:

Artigo 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os

brasileiros de um e outro sexo, salvo:

(...)

II – quanto ao voto.

(...)

c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os

impossibilite de votar.

(grifo nosso)

Com amparo legal, os recrutas impedidos de votar por exigência do serviço

nos quartéis deverão justifi car a sua ausência no prazo de 60 dias após a realização

das eleições e não proibidos de votar (art. 7º e 16, Lei nº 6.091/74) 108.

Em conclusão, numa exegese sistemática e em desencontro com o

entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, os conscritos são “inalistáveis”

(art. 14 § 6º, CF), mas os já alistados na data da incorporação possuem voto

facultativo (art. 6º, II, c, CE) 109.

Nas campanhas políticas, os militares não poderão usar farda da

corporação (artigos 28, XVIII, a¸ 77, § 1º, a, Lei nº 6.880/80) e, desde que

agregados, não cometem transgressão disciplinar quando, no meio civil e em

atividade político-partidária, externam pensamento ou conceito ideológico,

fi losófi co ou relativo à matéria de interesse público ou manifestam-se sobre

assuntos ou críticas, exceto se tratar de natureza militar sigilosa (art. 1º, Lei nº

7.524/1986) 110.

Os militares da reserva ou reformados antes da candidatura seguem as

mesmas normas direcionadas aos civis, remanescendo, porém, as vedações

quanto ao uso de uniformes militares nas atividades político-partidárias (art.

77, § 1º, a, Lei nº 6.880/80) 111.

108 idem109 idem110 idem111 idem

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| Direito Constitucional Militar

62 |

Por imperativo constitucional, o militar, enquanto no serviço ativo, não

poderá estar fi liado a partidos políticos (art. 142, V, CF) 112.

Noutro prisma, a Constituição, a fi m de garantir o exercício da

elegibilidade da classe castrense, garante ao militar o afastamento do serviço

ativo pela agregação, demissão ou licenciamento 113.

No entanto, surgem duas antinomias: a exigência da fi liação partidária

anterior às convenções (art. 9º, Lei nº 9.504/97) e de 1 (um) ano das eleições

(arts. 18 e 20, Lei nº 9.096/95) 114.

O Supremo Tribunal Federal, pacifi cando a questão, proferiu o seguinte

aresto:

Se o militar da ativa é alistável, é ele elegível (CF, art. 14, par.

8.). Porque não pode ele fi liar-se a partido político (CF, art. 42,

par. 6.), a fi liação partidária não lhe é exigível como condição de

elegibilidade, certo que somente a partir do registro da candidatura

é que será agregado.

(STF, Agravo de Instrumento nº 135.452/DF, Relator: Ministro

CARLOS VELLOSO, Julgamento 20/09/1990, Tribunal Pleno,

Publicação: 14/06/91).

Por conseguinte, o Tribunal Superior Eleitoral incorporou esta híbrida

regra por meio do artigo 14, § 3º da Resolução nº 20.993 115.

Quanto à desincompatibilização, os Comandantes da Marinha, Exército

e Aeronáutica, do Distrito Naval, Região Militar e Zona Aérea, para concorrer,

deverão se afastar de seus cargos 6 (seis) meses antes das eleições (art. 1º, II, 4,

6 e 7; III, b, 2, Lei Complementar nº 64/90) 116.

As autoridades militares, com exercício no Município, deverão se

desincompatibilizar 4 (quatro) meses antes do pleito quando concorrerem a

Prefeito ou Vice-Prefeito (art. 1º, IV, c, Lei Complementar nº 64/90) 117.

112 idem113 idem114 idem115 idem116 idem117 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 63

Os militares que exercerem o Comando deverão se desincompatibilizar

em 6 meses (Consulta TSE nº 534)118.

Os demais militares deverão se afastar, no mínimo, 3 (três) meses

antes do pleito (art. 1º, II, l, Lei Complementar nº 64/90, Resolução- TSE nº

18.019)119.

Em síntese, a partir da escolha em convenção partidária, o militar-candi-

dato passará para a inatividade através da agregação, demissão ou licenciamento,

providenciando, em seguida, a fi liação partidária independentemente do

tempo de fi liação e, por fi m, tempestivamente desincompatibilizado, efetuará o

registro da candidatura 120.

EXERCÍCIOS

20. Pode o Tribunal Superior Eleitoral requerer a atuação das Forças Armadas

diretamente ao Poder Executivo? Fundamente sua resposta.

21. Como são defi nidos os conscritos? São alistáveis?

22. O militar poderá usar a farda da corporação nas campanhas e atividades

político-partidárias?

23. Interprete a inter-relação entre os militares e o sistema eleitoral quanto à

desincompatibilização.

8. OS SERVIDORES MILITARES EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

Mercê da índole das atribuições conferidas às Forças Militares no país,

alguns direitos políticos e fundamentais foram negados aos servidores públicos

militares 121.

118 idem119 idem120 idem121 idem

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| Direito Constitucional Militar

64 |

Em verdade, os servidores públicos militares experimentam, em

determinadas liberdades e direitos, repise-se, verdadeira capitis diminutio, ora

justifi cáveis pela natureza de sua destinação constitucional ora absolutamente

injustifi cáveis 122.

Nestes termos, o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República

permite a prisão dos militares fora do contexto do fl agrante delito ou por

ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, gerando

para os militares de carreira, mormente em período de paz, contexto de

insegurança jurídica absolutamente injustifi cável 123.

No campo dos direitos políticos, o parágrafo segundo do art. 14 da

Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar

obrigatório 124.

O parágrafo segundo do art. 142 da Constituição da República veda

a concessão de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

Trata-se de mais uma capitis diminutio discutível, posto que a hierarquia e a

disciplina militares não se confundem com autoritarismo 125.

Nada obsta que a hierarquia e a disciplina militares sejam preservadas

dentro de um quadro de garantias. Discutível é a vedação do habeas-corpus em

sede de punições disciplinares militares 126.

O inciso IV do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição da

República veda aos militares a sindicalização e a greve. Tais coarctações de

liberdades justifi cam-se pela necessidade de se manter as Forças Armadas

imunes à captação de vontade classista, setorizada, politizada, deletéria da

defesa dos valores maiores entregues à proteção dos militares 127.

Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, o inciso V do

parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição estabelece que o militar,

enquanto em serviço ativo, não pode estar fi liado a partidos políticos

– justifi cável a vedação 128.

122 (Martins, 2002)123 idem124 idem125 idem126 idem127 idem128 idem

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 65

EXERCÍCIOS

24. Interprete os preceitos constitucionais que tratam dos direitos e deveres dos

servidores militares, posicionando se é justifi cável ou não.

25. Analise o art. 5º, inciso XIII, com o art. 142 §2º da CF/88, tendo como

situação um militar inativo exercendo outra profi ssão.

9. SISTEMA PREVIDENCIÁRIO DOS MILITARES

O presente tema tem por fi nalidade divulgar a legislação de amparo da

pensão militar tanto para os militares contribuintes como para os benefi ciários

de seu sistema previdenciário.

9.1 Conceitos

9.1.1 Declaração de Benefi ciários

É o documento elaborado pelo militar onde faz registrar os seus

benefi ciários e outros dependentes que vivam sob suas expensas.

9.1.2 Pensão Militar

É o benefício fi nanceiro pago mensalmente aos benefi cários do militar

falecido que contribuía para este fi m.

9.1.3 Título de Pensão Militar

É o documento emitido pela Administração Militar, fundamentado

nas vantagens e benefícios adquiridos pelo militar contribuinte, estabelecendo

o valor e assegurando o direito à percepção da Pensão Militar devida ao

benefi ciário.

9.1.4 Proventos na Inatividade

Os proventos do militar na inatividade são calculados com base no soldo

integral do posto ou graduação que possua quando da transferência para a

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66 |

reserva remunerada, se contar com mais de trinta anos de serviço. O militar

que, em 29 de dezembro de 2000, tinha completado os requisitos para se

transferir para a inatividade remunerada tem assegurado o direito de quando

efetivá-la perceber proventos equivalentes ao posto superior.

Os proventos na inatividade são, portanto, constituídos das seguintes

parcelas: soldo, adicional militar, adicional de habilitação, adicional de tempo

de serviço, adicional de permanência e adicional de compensação orgânica

(quotas homologadas). As duas últimas valem para quem adquiriu este

direito até dezembro de 2000, com a vigência da Medida Provisória N° 2215,

que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças

Armadas.

Além dos direitos antes citados, o militar na inatividade faz jus a:

adicional-natalino, auxílio-invalidez, assistência pré-escolar, salário-família,

auxílio-natalidade e auxílio-funeral, quando for o caso.

Os valores destes direitos são os correspondentes ao posto/graduação do

militar no momento de sua transferência para a reserva remunerada.

O militar também faz jus a receber 04 (quatro) remunerações como Ajuda

de Custo, por ocasião da passagem para a reserva remunerada. Este valor é

calculado com base no maior soldo do círculo hierárquico: o de General-de-

Exército para os ofi ciais generais, o de Coronel para os ofi ciais superiores, o de

Capitão para os ofi ciais intermediários, o de Primeiro-Tenente para os ofi ciais

subalternos e o de Subtenente para as praças.

Também faz jus a uma remuneração, referente ao período integral de

férias não gozadas relativas ao ano anterior e, na proporção de um doze avos

por mês de efetivo serviço (sendo a fração igual ou superior a quinze dias

considerada como mês integral), referente ao ano vigente, por ocasião da

passagem para a reserva remunerada.

O adicional de férias, valor correspondente a um terço da remuneração

de férias, será pago relativamente ao período integral de férias não gozadas

no ano anterior e, ao incompleto, na proporção de um doze avos por mês de

efetivo serviço, ou fração superior a quinze dias no ano vigente, por ocasião da

passagem para a reserva remunerada.

A reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas,

ocorrida em dezembro de 2000, extinguiu benefícios previstos pela legislação

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 67

anterior. Como regra de transição, foi assegurado aos militares que já

contribuíam para a pensão militar, naquele momento, o direito à manutenção

de alguns benefícios, mediante contribuição mensal de 1,5%.

Os militares que não se interessaram em manter estes benefícios

assinaram um Termo de Renúncia.

Aos que optaram pela contribuição mensal, estão assegurados os

seguintes benefícios, prescritos na Lei n° 3.765/60:

1) da relação dos benefi ciários constante do art. 7°:

a) o benefício da pensão:

(1) a fi lha em qualquer condição;

(2) as irmãs germanas e consangüíneas, solteiras, viúvas ou

desquitadas;

(3) os netos, órfãos de pai e mãe, nas condições estipuladas para

os fi lhos.

2) do art. 29, o acúmulo de duas pensões militares.

9.2 Acidente de serviço

A defi nição de acidente de serviço encontra-se no Decreto nº 57.272, de

16 de novembro de 1965, em seu art. 1º, verbis:

a) no exercício dos deveres previstos no Art. 25 do Decreto-Lei nº

9.698, de 2 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares);

b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente

normal, ou, quando determinado por autoridade competente, em

sua prorrogação ou antecipação;

c) no cumprimento de ordem emanada de autoridade militar

competente;

d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em

regulamentos ou autorizados por autoridade militar competente;

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68 |

e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação

efetuada no interesse do serviço ou a pedido;

f) no deslocamento entre a sua residência e a organização em que

serve ou o local de trabalho, ou naquele em que sua missão deva

ter início ou prosseguimento, e vice-versa. (Alterado pelo Decreto

nº 64.517, de 15/05/69).

§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo aos militares da Reserva,

quando convocados para o serviço ativo.

§ 2º - Não se aplica o disposto neste artigo quando o acidente

for resultado de crime, transgressão disciplinar, imprudência ou

desídia do militar acidentado ou de subordinado seu, com sua

aquiescência. Os casos previstos neste parágrafo serão comprovados

em Inquérito Policial Militar, instaurado nos termos do art. 9º fi m

mandada instaurar, com observância das formalidades daquele

(alterado pelo Decreto nº 90.900, de 05/02/85).

9.3 Pensão de Ex-combatente (reformado e especial)

Ao ex-combatente da 2ª Guerra Mundial que, em 29 de dezembro de

2000, encontrava-se reformado pelo Decreto-Lei nº 8795/46 ou pela Lei nº

2579/55 e a seus dependentes, fi ca assegurado o cálculo de seus proventos

referentes ao soldo do posto de segundo-tenente ou, se mais benéfi co, ao do

posto a que ele faz jus na inatividade; caso contrário estará regido pela Lei nº

8059/90.

9.4 Fundo de Saúde do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Há a contribuição mensal obrigatória para a assistência médico-

hospitalar, sendo constituída de percentuais que incidem sobre as parcelas

que compõem a pensão ou os proventos na inatividade, respectivamente para

os(as) pensionistas e para os militares da ativa ou na inatividade, de acordo

com o contido nos art.10, 15 e 25 da Medida Provisória nº 2.131, de 28 de

dezembro de 2000.

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 69

9.5 Reforma

O militar poderá ser reformado no caso de ser julgado por junta de

saúde com incapacidade defi nitiva ou por idade. Na hipótese da incapacidade

física defi nitiva e sendo julgado inválido, poderá obter a melhoria de reforma

(grau hierárquico superior), auxílio invalidez e isenção do imposto de renda.

9.6 Jurisprudência afeta ao tema

9.6.1 Sobre o direito prescrito das diferenças dos 28,86%, no período compre-

endido entre os anos de 1993 até 2000

A violação ao princípio da isonomia foi reconhecida pela jurisprudência

dos Tribunais, através de julgados que repararam tal ofensa, estendendo o

reajuste de 28,86% aos militares das patentes inferiores a dos Ofi ciais Generais

e determinando o pagamento das diferenças entre os reajustes efetivamente

percebidos e o percentual acima aqui referido. O Juizado Especial Federal

determinou, em Enunciado próprio (nº16), verbis:

O reajuste concedido pelas Leis nº 8.622/93 e nº 8.627/93

(28,86%) constituiu revisão geral dos vencimentos, sendo devido

também aos militares que não o receberam em sua integralidade,

compensado o índice então concedido, sendo limite temporal

desse reajuste o advento da MP 2.131 de 28/12/2000.

Também seguiram neste sentido:

EMENTA

ADMINISTRATIVO – SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS

E MILITARES – REAJUSTE DE VENCIMENTOS DO

MÊS DE JANEIRO DE 1993 (28,86%) – LEI N. 8.627/

93 – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 339 DO STF

– COMPENSAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS.

1 – Corrente majoritária da jurisprudência pretoriana fi rmou o

entendimento de que o reajuste de vencimentos, a partir de janeiro

Page 70: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

70 |

de 1993, no percentual de 28,86% sobre os vencimentos do mesmo

mês de janeiro de 1993, deferido aos servidores militares pela Lei

n. 8.627/93, é extensivo aos servidores civis, em obediência ao art.

37, X, da Constituição Federal. Precedentes dos TRF’s das 1ª e 4ª

Regiões e desta Corte.

2 – Seguindo a linha de entendimento prevalecente em nossos

Tribunais Superiores, de que o reajuste pelo índice de 28,86%, em

janeiro de 1993, tem natureza de revisão geral da remuneração,

este deve ser estendido não só aos civis, mas também aos militares

que não o receberam em sua totalidade.

3 – Inaplicabilidade da Súmula 339 do STF ao caso vertente, uma

vez que a própria Corte Suprema, por decisão administrativa de

29.4.93, determinou a observância desse acréscimo percentual à

remuneração dos seus servidores.

4 – Na apuração do percentual devido a cada servidor devem

ser considerados os reajustes concedidos – no caso concreto

– conforme estabelecido na Lei n. 8.627/93, de modo a aferir-se a

diferença devida até o limite de 28,86%, em janeiro de 1993.

5 – Honorários advocatícios compensados nos termos do art. 21

do CPC, pois, uma vez que deverão ser compensados os valores

correspondentes ao reajustamento que, porventura, já tenham sido

obtidos com base na Lei n. 8627/93, observa-se que os autores são

em parte sucumbentes.

6 – Apelo e remessa necessária parcialmente providos (TRF

2ª Região, Apelação Cível n.260348 - Proc. de origem n.

98.00.01009-2, Relator Desembargador Federal Rogério V. de

Carvalho, Apelante: União Federal, e Apelados Alcides Martins e

outro, julg. 28.03.2001).

“Ementa PREVIDENCIÁRIO - CONSTITUCIONAL -

REVISÃO DE PENSÃO ESTATUTÁRIA - REAJUSTE DE

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 71

28,86% - HONORÁRIOS - Tendo sido pago o reajuste de 28,86%

aos militares, genericamente, e, além disso, aos membros e servidores

do Judiciário, seria inconstitucional não fazê-lo aos demais

servidores, pois atentaria contra a regra insculpida no art. 37, X, da

CF, e contra o seu art. 50, que consagra o princípio do tratamento

igualitário. - Somente as categorias funcionais excluídas da revisão

geral procedida pela Lei nº 8627/93 terão direito ao reajuste

integral de 28,86%. As demais categorias têm direito apenas à

complementação dos reajustes porventura recebidos, até o limite

de 28,86%, consoante entendimento do STF - verba honorária,

pela União Federal, mantida no percentual de 5% sobre o valor da

condenação. - Remessa necessária improvida.

(grifo nosso)

9.6.2 Direito da companheira à pensão militar

Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AG

- AGRAVO DE INSTRUMENTO – 90589 Processo:

200202010056122 UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA

Data da decisão: 29/05/2002 Documento: TRF200082635 DJU

DATA:25/07/2002 PÁGINA: 45

JUIZ ROGÉRIO CARVALHO

Acordam os membros da Quarta Turma do Tribunal Regional

Federal da Segunda Região, a unanimidade, nos termos do voto

do Relator, em negar provimento ao recurso.

ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO. EX-COMPANHEIRA.

COMPROVAÇÃO POR JUSTIFICAÇÃO JUDICAL.

A MP nº 2.215-10, de 31.08.2001, trouxe importante modifi cação

à Lei 3.765, de 04 de maio de 1960, determinando que passasse a

vigorar o art. 7º deste último diploma legal, incluindo o companheiro

ou companheira, em primeira ordem de primeira de prioridade,

Page 72: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

72 |

com direito ao deferimento de pensão militar, através de processo

de justifi cação, na consonância da orientação que a jurisprudência

já vinha agasalhando, in verbis: “É possível o reconhecimento da

união estável e o deferimento do pedido de pagamento de parte da

pensão militar sendo casado o companheiro, mas separado de fato

há muitos anos (STJ, 3ª T., REsp 280464/MG, Rel. Min. CARLOS

ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 13.08.2001, pg. 152) -

agravo improvido.

Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AC -

APELAÇÃO CÍVEL – 261142 Processo: 200102010106650 UF:

RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 04/06/

2001 Documento: TRF200078412 DJU DATA:21/08/2001

JUÍZA SIMONE SCHREIBER

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso da

União Federal e não conheceu da remessa necessária, nos termos

do voto da Relatora.

ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR. COMPANHEIRA.

DECLARAÇÃO DE DEPENDENTE. SÚMULA N° 253, DO

EXTINTO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS.

- A designação de dependente feita pelo militar dispensa a dilação

probatória quanto à convivência, ademais, a lei que regulamenta a

união estável não exige mais um tempo mínimo para essa união.

- A jurisprudência pacífi ca do extinto Tribunal Federal de

Recursos reconhece o direito da companheira a concorrer com

outros dependentes à pensão militar, sem observância da ordem

de preferências (Súmula 253).

- Recurso da União Federal improvido e remessa não conhecida.

Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO

Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 73

SEGURANÇA – 32064 Processo: 200002010145900 UF: RJ

Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 22/08/

2000 Documento: TRF200074830 DJU DATA: 27/03/2001

JUIZ RALDÊNIO COSTA

A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso,

nos termos do voto do(a) Relator(a).

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PENSÃO

MILITAR – UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRA - LEI Nº

5.774/71, ART. 78 - LEI Nº 6880/80 - PORTARIA Nº1444/SC-

5/90 E PORTARIA Nº 1.583/SC-5/93 - ART. 226, § 3º DA CF/88

- LEI Nº 9.278/96 - SENTENÇA REFORMADA – ASSISTE

DIREITO, EM PARTE, A CONCUBINA, EMBORA NÃO

HOUVESSE IMPEDIMENTO LEGAL PARA O CASAMENTO

- SÚMULA 269 DO STF.

I - O direito está provado uma vez que se constatou a convivência

more uxorio e a dependência econômica, assim se reconhece à

companheira a prerrogativa ao recebimento da pensão deixada

pelo ex-militar.

II - O fato dos companheiros não terem contraído núpcias não

impede a percepção da renda oriunda do óbito do militar, pois a

vedação contida na Lei 5.774/71 em seu art. 78, e mantida pela

Lei 6.880/80 fere a previsão constitucional contida no art. 226, no

parágrafo 3º. Seria absurdo negar à companheira viúva, a renda a

que faz jus. O direito deve fazer justiça e não se ater a regras que

ferem normas da Carta maior.

III - Portaria nº 1.444/SC-5 de 30/05/90, baixada pelo Sr. Gal.

Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, em seu art. 1º,

assegura o benefício da pensão militar à companheira que à

data do óbito do instituidor, esteja vivendo sob sua dependência

Page 74: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

74 |

econômica no mínimo há 05 (cinco) anos esta Portaria foi ratifi cado

pela de nº 1.583/SC-5, de 15/6/93.

IV - Ressalte-se, ainda que o advento da lei nº 9278, de 10/

05/96, que regula o § 3º, do art. 226, da atual Carta Política,

a questão relativa à convivência marital (relação estável), fi cou

defi nitivamente resolvida.

V - Nesta linha, comprovou-se a existência do direito líquido e

certo, lesado, consoante o art. 5º, LXIX da Constituição Federal

de 1988.

VI - Apelação provida parcialmente, para que a companheira

receba a pensão a partir do ajuizamento da ação, pois de acordo

com a Súmula 269 do Supremo Tribunal, o mandado de segurança

não é substitutivo da ação de cobrança. Desta forma, ressalve-se a

apelante o direito a recorrer às vias ordinárias para o recebimento

dos atrasados.

9.6.3 Direito do Ex-Combatente ao atendimento gratuito pelo sistema de saúde

da Força Armada a que estava vinculado à época da Segunda Grande Guerra

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EX-

COMBATENTE – ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR

GRATUITA – ART, 53, IV, DO ADCT – LIMINAR. 1 – O ex-

combatente e seus dependentes têm direito à assistência médica

gratuita, através do serviço de saúde do Ministério da Marinha.

Garantia do art 53, IV, do ADCT. 2 – Presentes o fumus boni juris

e o periculum in mora, cabível a concessão de liminar em mandado

de segurança para garantir a inclusão de ex-combatente e de seus

dependentes na relação de benefi ciários da referida assistência

médica e hospitalar. 3 – Precedentes dessa Corte. 4 – Agravo

improvido. (TRIBUNAL SEGUNDA REGIÃO; classe AG –

AGRAVO DE INSTRUMENTO – 35051; Processo: 9902027261;

UF: ES; Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA; Data de decisão:

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 75

08/05/2001; Documento: TRF200077377; Fonte; DJU DATA: 28/

06/2001; Relator (a); JUIZ RICARDO PERLINGEIRO, decisão

por unanimidade.

Ainda no mesmo sentido outros julgados:

Mandado de Segurança. Constitucional. Militar. Ex-combatente.

Direito à assistência médica e hospitalar. Artigo 53, IV do ADCT.

Alegação de falta de recurso no SAMED. Precedente desta Corte de

Justiça. 1. A nova Constituição Federal de 1988 dilatou os benefícios

outorgados aos ex-combatentes, desde que restasse comprovado que

os mesmos participaram de operações bélicas durante a Segunda

Guerra Mundial nos termos da Lei nº 5315/67, suprimindo a

condição “carência de recursos”. 2. Destarte, à lume da Carta

Magna vigente, não se pode negar àquele que em época do confl ito

mundial foi convocado para o cumprimento de operações militares,

um direito que lhe é assegurado, tendo em vista o disposto no artigo

53, IV do ADCT. 3. A Constituição não condiciona, também, o

gozo do direito pleiteado à existência de recursos fi nanceiros nem

de estrutura médico hospitalar compatível. 4. Precedente desta

Corte de Justiça (REO nº08451/PE). 5. Apelação e remessa ofi cial

improvidos (TRF, 5ª Região, 3ª Turma, AMS 0542782-1994/CE,

julgado 07/11/1996, unânime, Relator juiz Geraldo Apoliano,

publicado no DJ 06/03/1998, pg 575).

Administrativo. Agravo de Instrumento. Ex-combatente. Direito

aos benefícios previstos no art. 53, IV, do ADCT. Possibilidade.

Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Agravo

Regimental. Manutenção da decisão agravada. 1. O CPC, em seu

art. 558, prevê a possibilidade de o Relator, conforme pedido da

parte, suspender o cumprimento de decisão, até pronunciamento

da Turma, sendo relevante a fundamentação e das quais possa

resultar lesão grave ou de difícil reparação. 2. In Casu, retifi cando-

se que o agravado, ex-combatente, encontra-se, prima facie,

abrigado no disposto no art. 53, IV, do ADCT, não há como

Page 76: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

76 |

negar-se-lhe, como também aos seus dependentes, os benefícios ali

previstos. 3. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.

4. Agravo Regimental improvido (TRF, 5ª Região, 2ª Turma, AGA

0518632-1998/PE, julgado 17/11/1998, unânime, Relator Juiz

Petrúcio Ferreira, publicado DJ 19/02/1999, pg 76).

Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AGV

- AGRAVO – 82649 Processo: 200102010306572 UF: RJ

Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 14/08/2002

Documento: TRF200086448

DJU DATA: 25/10/2002 PÁGINA: 367

JUIZ POUL ERIK DYRLUND

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do

voto do Relator.

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA.

LIMINAR. EX-COMBATENTE. ASSISTÊNCIA MÉDICA.

ARTIGO 53, DO ADCT. ALEGAÇÃO DE OFENSA ÀS LEIS

NºS 8437/92, 6880/80, 8237/91, 92.512/86 E PRINCÍPIO DA

ISONOMIA.

1. Estão presentes os requisitos necessários à concessão da medida

liminar. O fato do pedido ser de assistência médica, ainda mais, in

casu, para pessoas de idade tão avançada, revela por si só o risco

de dano irreparável para os agravados.

2. A norma em tela impõe interpretação de forma a diferenciá-

la dos demais artigos que tratam do direito à saúde como, por

exemplo, o artigo 196, CF. É que este cuida do Sistema Único de

Saúde (SUS) e o outro resgata uma dívida de ordem social para

com os ex-combatentes, distinguindo-os de maneira a se conferir

tratamento desigual aos que não se encontram na mesma situação

em homenagem ao princípio constitucional da igualdade. Dessa

forma, dar tratamento igual aos ex-combatentes seria fazer do

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 77

artigo 53 do ADCT uma norma inócua.

3. Do texto constitucional defl ui o entendimento de que o legislador

não condicionou sua efi cácia à edição de norma posterior que

lhe complementasse. Ao contrário, entende-se que o legislador

constituinte almejou conferir-lhe aplicabilidade imediata e efi cácia

plena para disciplinar as situações fáticas que se apresentam.

4. Também não encontra amparo legal a alegação de que seria

necessária a contribuição para o SAMMED/FUSEX. A uma

porque, a própria norma constitucional não faz esta previsão.

Não há condições impostas nesse sentido. A duas porque, sendo

o Ministério do Exército o órgão da Administração responsável

pela prestação da referida assistência médica, faltando recursos

fi nanceiros lhe é possível solicitar dotação orçamentária

suplementar para tais fi ns.

5. Por todo o exposto no voto, não se vislumbra a alegada ofensa

às normas mencionadas. Precedentes desta Egrégia Turma.

6. Agravo de instrumento improvido.

Também no mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL – DEPENDENTE DE EX-COMBA-

TENTE – ASSISTÊNCIA MÉDICA – ART 53 IV, DO ADCT

– AUTO-APLICABILIDADE.

I – A Constituição Federal não faz menção à necessidade de

regulamentação para a aplicação do art 53, IV, do ADCT, sendo,

pois, norma de efi cácia plena e auto-aplicável.

II – A assistência médica de que trata o referido dispositivo

constitucional não se confunde com aquela prevista no art 196 da

Constituição, de caráter genérico, posto que trata-se de benefício

concedido em caráter especial apenas aos EX-COMBATENTES e

seus dependentes.

Page 78: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

78 |

III – Remessa e recurso improvidos” (TRF 2ª Região, MAS 27219,

Relator Juiz Reis Friede, DJ: 27/06/2003).

E ainda:

CONSTITUCIONAL. EX-COMBATENTE.

RESSARCIMENTO DE DESPESAS MÉDICAS.

APLICABILIDADE DO ART. 53, IV, ADCT/88.

Desnecessidade do prévio requerimento administrativo, estando

sufi cientemente confi gurada a resistência à pretensão do autor,

pela contestação do pedido.

O art. 53, IV, do ADCT, assegura aos ex-combatentes brasileiros

da Segunda Guerra Mundial “assistência médica, hospitalar

educacional gratuita, extensiva aos dependentes”.

A norma contém todos os elementos e requisitos para sua

incidência direta, desnecessária disposição regulamentar para

conferir-lhe efi cácia.

(AC 187244, 3ª Turma do TRF-4ª Região, Rel Juíza Vivian Josete

Pantaleão Caminha, julg. 31.08.2000, DJ de 27.09.2000, pg. 209).

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR: EX-

COMBATENTE. ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR:

ORGANIZAÇÕES MILITARES DE SAÚDE. C.F., 1988, ADCT,

art. 53, IV. I. - O ex-combatente e seus dependentes têm direito

de serem atendidos pelas Organizações Militares de Saúde. CF/88,

ADCT, art. 53, IV. II. - Negativa de trânsito ao RE da União. III.

- Agravo não provido.

(STF - 2ª Turma, RE 414256 AgR / PE, Rel. Min. CARLOS

VELLOSO , unânime, DJU de 20.05.2005)

Page 79: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 79

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Auto-aplicabili-

dade do art. 53, IV da Constituição. Concessão de assistência

médico-hospitalar gratuita prevista no Dispositivo Transitório,

a dependentes de ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial. Agravo

regimental não provido. O art. 53, IV, do ADCT, é norma de

efi cácia plena e aplicabilidade imediata

(STF - 1ª Turma, RE 417871 AgR / RJ, Rel. Min. CEZAR

PELUSO, unânime, DJU de 11.03.2005)

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA EM MANDADO

DE SEGURANÇA - ARTIGO 12, PARÁGRAFO ÚNICO

DA LEI Nº 1533/51 - MILITAR - VIÚVA DE EX-

COMBATENTE - ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR

JUNTO ÀS ORGANIZAÇÕES MILITARES DE SAÚDE DAS

FORÇAS ARMADAS - ART. 53 DO ADCT - SENTENÇA

IRRETOCÁVEL

I - Deve ser mantida a r. sentença que determinou à Autoridade

impetrada fosse assegurada à Impetrante, viúva de ex-combatente,

a prestação de serviços de assistência médico-hospitalar pelo

Sistema de Saúde dos Militares do Exército (SAMMED e FUSEX),

independentemente de qualquer restrição ou contra-prestação.

II - A proteção da assistência médica ao ex-combatente e seus

dependentes está garantida no art. 53 do ADCT.

III - A norma constitucional não faz previsão à necessidade de

contribuição para o SAMMED/ FUSEX.

IV - Negado provimento à apelação e à remessa necessária,

mantendo-se integralmente a sentença de 1º grau.

(TRF 2ª Região, 5ª Turma, AMS 2003.51.01.021333-7 RJ, Rel.

Des. Fed. RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA, unânime, DJU de

01.06.2004).

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| Direito Constitucional Militar

80 |

9.6.4 Direito a reforma e melhoria de reforma por agravamento mórbido do

militar considerado inválido

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR.

REFORMA. ART 108, INC – 5, E ART 110, PAR-1, DA LEI

6880/80. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. JUROS.

1. Mantida a sentença que concedeu a reforma ao militar no posto

de 3º Sargento, por ser portador de paralisia irreversível, doença

que dá direito ao benefício no posto hierarquicamente imediato,

nos termos do INC-5, ART 108 E PAR-1 DO ART 110 DA LEI

– 6880/80.

2. Descabe apelo da União Federal quanto aos juros, pois foram

fi xados exatamente na forma como requerido nas razões de

recurso.

3. Apelação e remessa improvidas.

(TRF – 4ª Região. Apelação Cível/RS. Terceira Turma. Fonte

Diário de Justiça de 13.08.1997 (pag. 62901, Relatora Marga Inge

Barth Tessler).

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 169804

Processo: 199800238557 UF: DF Órgão Julgador: QUINTA

TURMA

Data da decisão: 27/10/1998 Documento: STJ000236952 DJ

DATA:23/11/1998 PÁGINA:195 EDSON VIDIGAL Por

unanimidade, não conhecer do recurso Data Publicação 23/11/1998.

Ementa: ADMINISTRATIVO. MILITAR DA RESERVA

REMUNERADA. REFORMA. INCAPACIDADE TOTAL E

DEFINITIVA. SOLDO DA GRADUAÇÃO IMEDIATAMENTE

SUPERIOR. LEI 6.880/80, ART. 110, §§ 1º E 2º, “C”.

1. O militar da reserva remunerada julgado defi nitivamente incapaz

por estar acometido de cardiopatia grave, deve ser reformado com

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 81

o soldo correspondente à graduação hierárquica imediata a que

possuía na ativa.

2. Recurso não conhecido.

9.6.5 Direito ao Auxílio Invalidez

Acórdão do TRF/2, proferido na Apelação Cível nº 1993.51.01.010316-

0, que deu provimento à igual apelação, verbis:

OMISSIS

7- In casu, peço vênia para adotar como razões de decidir o r.

Parecer da Ilustre Procuradora da República, Dr.ª VALÉRIA

GAUDÊNCIO FERNANDES COHEN, às fl s. 136/140, que

opinou pelo provimento do apelo do Autor e pelo não provimento

da apelação da Ré, aduzindo:

(...)

Todavia, equivocou-se a r. sentença impugnada, pelo que merece

reforma, no que tange ao auxílio-invalidez, uma vez que a Medida Provisória

nº 2.215-10, de 31 de Agosto de 2001, que dispõe sobre a reestruturação da

remuneração dos militares das Forças Armadas e altera as Leis 3.765/60 e

6880/80 (Estatuto dos Militares), defi ne claramente o que vem a ser o auxílio-

invalidez no inciso XV, do art. 3º, in verbis:

Art. 3º Para os efeitos desta Medida Provisória, entende-se como:

(...)

XV- auxílio-invalidez – direito pecuniário devido ao militar na

inatividade, reformado como inválido, por incapacidade para o

serviço ativo, conforme regulamentação;

(...)

Sendo assim, verifi ca-se pela defi nição supracitada que para a concessão

do auxílio-invalidez basta a incapacidade para o serviço ativo militar, não

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| Direito Constitucional Militar

82 |

havendo qualquer exigência no sentido de que a incapacidade se verifi que para

qualquer outra atividade laborativa. Isto porque, o auxílio-invalidez nada mais

é do que um plus, visando dar um mínimo de conforto ao militar acidentado

em serviço que necessita de tratamento ambulatorial constante, com eventuais

internações e atendimento de enfermagem, como é o caso do autor.

(...)

8- A Jurisprudência pacífi ca desta Egrégia Corte, tem sido

favorável à concessão do auxílio-invalidez quando comprovada a

necessidade de assistência médica, não exigindo, como condição

para o percebimento do referido auxílio, a necessidade de

internação permanente ou cuidados permanentes de enfermagem,

como se depreende dos v. Arestos, in verbis:

Omissis

Restando, portanto, o referido feito assim ementado:

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MILITAR. REFORMA. AUXÍLIO-

INVALIDEZ. CABIMENTO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº

2.215-10. GRATIFICAÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO.

DECRETO-LEI Nº 728/69.

1. A Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de Agosto de 2001,

que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares

das Forças Armadas e altera as Leis 3.765/60 e 6880/80 (Estatuto

dos Militares), concedeu aos militares na inatividade, reformados

como inválidos, por incapacidade para o serviço ativo das Forças

Armadas, o direito ao auxílio-invalidez, não havendo qualquer

exigência no sentido de que a incapacidade se verifi que para

qualquer outra atividade laborativa.

Page 83: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 83

2. Ademais, a Jurisprudência pacífi ca desta Egrégia Corte

tem sido favorável à concessão do auxílio-invalidez quando

comprovada a necessidade de assistência médica, não exigindo

que haja internação permanente ou cuidados permanentes de

enfermagem.

3. No caso vertente, constata-se, pelos documentos adunados e

pelo laudo pericial, que o Autor preencheu os requisitos impostos

pelo referido dispositivo legal, bem como necessita, para minorar

a evolução das seqüelas, de tratamento ambulatorial constante e,

em caso de internações, de enfermagem eventual.

4. No que concerne à gratifi cação por tempo de serviço, conforme

consta no artigo 127, combinado com o artigo 138, do Decreto-

Lei nº 728/69, o adicional é considerado indenização incorporável,

sendo devido aos militares da inatividade remunerada, não

havendo nenhuma restrição à sua concessão.

5. Pelo exposto, nega-se provimento à remessa necessária e à

apelação da UNIÃO.

6. Apelação do Autor a que se dá provimento, reformando-se, em

parte, a r. Sentença a quo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal

da 2ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À

REMESSA NECESSÁRIA E À APELAÇÃO DA UNIÃO e DAR

PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, reformando-se,

em parte, a r. Sentença a quo, nos termos do Relatório e Voto

constantes dos autos e que fi cam fazendo parte integrante do

presente julgado.

Rio de Janeiro, 28 de junho de 2006 (data do julgamento).

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| Direito Constitucional Militar

84 |

RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA RELATOR.

9.6.6 Da boa-fé e das hipóteses de exceção previstas na súmula 106 do TCU,

sendo indevida a repetição dos valores pagos por erro da administração

SÚMULA Nº 106

O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma,

aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade

da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do

conhecimento da decisão pelo órgão competente.

SÚMULA Nº 235

Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão obrigados,

por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados, as

importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mesmo que

reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na

Súmula nº 106 da Jurisprudência deste Tribunal .

(grifo nosso)

Sendo inclusive aplicação da recente súmula nº 249 do TCU, publicada

no DOU, de 11.05.2007, verbis:

É dispensada a reposição de importâncias indevidamente

percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e

pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de

lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade

legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista

da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter

alimentar das parcelas salariais.

9.6.7 Responsabilidade Civil Objetiva

Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO Classe: AC -

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Unidade 1- Direito Constitucional Militar

| 85

APELAÇÃO CÍVEL - 273610 Processo: 200102010401179

UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão:

20/02/2002 Documento: TRF200081245 DJU DATA:04/04/2002

Relator JUIZ FERNANDO MARQUES

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª

Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à

remessa necessária, nos termos do voto do Relator.

PODER-DEVER E AUTO-TUTELA DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA

CAUTELAR. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL.

CANCELAMENTO. SUSPEITA DE IRREGULARIDADE

NA SUA CONCESSÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO

PROCESSO LEGAL. “FUMUS BONI IURIS”. PRESENÇA.

PRETENSÃO DE NATUREZA ALIMENTAR. “PERICULUM

IN MORA”.

A suspeita de fraude ou irregularidade na concessão de benefício

não enseja, de plano, sua suspensão ou cancelamento, sendo

indispensável a apuração dos fatos em processo administrativo

onde sejam assegurados, ao titular do benefício, o contraditório e

a ampla defesa.

Recurso e remessa improvidos.

INFORMATIVO 263 (RE-215981) do STF com o Título: Dano

Moral e Morte de Filho Artigo: Considerando que a dor sofrida

com a perda de ente familiar é indenizável a título de danos

morais, a Turma reformou acórdão do TRF da 2ª Região que, em

embargos infringentes, afastara a parte da indenização referente

aos danos morais por entender que essa espécie de dano se

restringiria às hipóteses de ofensa a reputação, dignidade e imagem

da pessoa. Tratava-se, na espécie, de pedido de indenização por

Page 86: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

86 |

danos materiais e morais ajuizado, em face da União, por mãe de

soldado morto por outro dentro das dependências de quartel do

Exército, a título de ressarcimento pelo prejuízo material e pela

dor e tristeza sofridas em decorrência do fato. Precedentes citados:

RE 179.147-SP (DJU de 12.12.1997) e RE 192.593-SP (DJU de

13.8.99). RE 222.795-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 8.4.2002.

(RE-222795).

EXERCÍCIOS

26. Qual é o conceito de declaração de benefi ciário?

27. Qual é o conceito de pensão militar?

28. Qual é o conceito de Título de Pensão Militar?

29. Quais são as parcelas constitutivas dos proventos do militar na inatividade?

30. Qual a defi nição de acidente de serviço?

31. Quais são os proventos do ex-combatente da 2ª Guerra Mundial?

32. Quais são as situações de reforma do militar? Há possibilidade de melhoria

de reforma com proventos de posto hierárquico superior?

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Direito Disciplinar Militar

UNIDADE 2

Autor: João Rodrigues Arruda

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| Direito Constitucional Militar

88 |

1. HIERARQUIA E DISCIPLINA

1.1 Introdução

A abordagem de qualquer tema que lida de perto com a vida na caserna

envolve, em princípio, um certo grau de difi culdade, em razão das próprias e

compreensíveis reservas com que são tratados os assuntos vividos além dos

“Portões das Armas”.

Tais difi culdades são encontradas não apenas quando se trata das

questões especializadas, ligadas à atividade-fi m das Forças Armadas. Mesmo

a rotina administrativa, as funções de apoio, enfi m a Administração Militar

em si, não fogem àquela marca de discrição que guardam os militares

individualmente ou em grupo.

De maior complexidade ainda é o enfoque das questões ligadas às duas

vigas mestras das Instituições Militares: a Hierarquia e a Disciplina.

Esses dois elementos de sustentação da estrutura militar, quando atingidos,

por menor que seja o ferimento causado, provocam o desencadeamento de

todo um mecanismo de autodefesa, que se consubstancia no Poder Punitivo,

quer seja penal quer disciplinar.

O reconhecimento da necessidade dessa pronta-resposta na repressão

aos atos ofensivos ao binômio hierarquia-disciplina é unânime, a tal ponto que

as relações internas nas corporações militares não têm merecido maior atenção

dos administrativistas. Enquanto as luzes são abundantes sobre as questões de

direito disciplinar na esfera do funcionalismo civil, o servidor fardado continua

esquecido dos estudiosos, como se não pertencesse ao mesmo ordenamento

jurídico, em sentido amplo.

Alguns, menos atentos, pretendem mesmo que as peculiaridades da

vida castrense se constitua em incompatibilidade com o mundo jurídico dos

paisanos.

1.2 Hierarquia

Como foi dito, hierarquia e disciplina se constituem nos dois pilares em

que se apoiam as instituições militares. Não há que falar em Força Armada sem

esses dois elementos basilares.

A palavra hierarquia nos vem do grego ierarkia, de ieros – sagrado e

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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1 De Plácido e Silva. In: Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1975.2 Idem.3 Idem, ibdem.4 Estatuto dos Militares.5 De Plácido e Silva, op. cit.

arkhia – governo, designando, sob o aspecto religioso, a autoridade suprema

do grande sacerdote. Em sentido amplo, podemos afi rmar que hierarquia

representa o poder maior ou a autoridade proeminente1.

No sentido militar, “é ordem disciplinar que se estabelece no exército,

decorrente da subordinação e obediência em que se encontram aqueles que

ocupam postos ou posições inferiores em relação aos de categoria mais

elevada”2, constituindo-se em “princípio fundamental à vida da instituição” 3.

Nos termos do §1º, do art. 14, da Lei nº 6880, de 9 de dezembro de

1980 4, “a hierarquia militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes,

dentro da estrutura das Forças Armadas”.

Tal dispositivo se inspira no texto constitucional referente às Forças

Armadas, constante do art. 142 da Constituição da República, onde se lê:

As Forças Armadas, constituidas pela Marinha, pelo Exército e pela

Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas

com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente

da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes

constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

1.3 Disciplina

Institucionalmente vinculada à hierarquia, como condição necessária ao

perfeito funcionamento da organização militar, temos a disciplina.

De origem puramente latina, a palavra disciplina designa “a regra ou

conjunto de regras, impostas nas diversas instituições ou corporações como

norma de conduta das pessoas que a ela pertencem”5, mantendo-as submissas

a essas regras.

Tal entendimento, no entanto, pode ser considerado, e o é, por alguns

autores, muito restrito, sem defi nir realmente a disciplina.

D. José Almirante, em seu Dicionário Militar, após dedicar treze páginas

apenas ao verbete disciplina, pergunta: Será que la disciplina no es defi nible?

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| Direito Constitucional Militar

90 |

E ele mesmo conclui que não deve se aventurar a uma defi nição para

“este poder invisible, este virus impalpable, que así crea y vigoriza ejercitos

como los enferma y mata con su ausencia”6.

E a quem interessa mais a manutenção da disciplina?

À Instituição Militar e ao Estado, evidentemente, é de todo imprescindível,

pois “o moral elevado e a disciplina andam de mãos dadas” 7 e um exército

onde o moral titubeia está fadado à derrota.

En todos los tiempos, en todos los pueblos, desde Roma y

Bizancio, en el momento en que la disciplina se relajó, el ejercito

y la nacion que lo nutre están heridos de muerte: al paso que por

más desdichas, por más derrotas, por más desastres que ambos

sufran, no hay que desesperar de la salvacion y de la victoria si la

disciplina queda in pié 8.

O próprio D. José Almirante nos apresenta outro enfoque ao admitir que

“la conservacion de la disciplina interesa quizá más al soldado, individualmente

considerado, por su comodidad particular, que al Estado mismo por mucho

que gane com ella 9.

A exata observância da disciplina, segundo o autor espanhol, dá

ao soldado a certeza de que todos cumprindo seus deveres, a justiça e a

imparcialidade se farão sentir com todo seu vigor. “Del mismo modo que

a nadie se le excusam sus deberes, no se priva tampouco a ninguno de sus

derechos” 10.

Não são, portanto, incompatíveis os dois binômios hierarquia e

disciplina e Justiça e Direito, conforme, inclusive, se depreende das palavras

do então Comandante do I Exército, General Heitor Luiz Gomes de Almeida,

mais tarde Ministro do Superior Tribunal Militar, ao abrir o VII Ciclo de

Estudos sobre Direito Penal Militar:

6 ALMIRANTE, D. José. In: “Diccionário Militar”, Madrid, 1869. 7 SOARES, Vicente Henrique Varela e ADELINO, Eduardo Augusto das Neves. In: “Dicionário de Terminologia Militar”, Ed. dos Autores, 1962.8 ALMIRANTE, D. José, op. cit.9 Idem.10 Idem, ibdem.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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O Exército é uma organização permanente baseada na hierarquia

e na disciplina, porém, mesmo assim, a Justiça e o Direito devem

imperar em nossa organização, porque em caso contrário seria o

império do arbítrio que fatalmente nos levaria à dissolução.

Muito já se escreveu sobre a disciplina desde Homero, que no seu

consagrado poema retratando a imagem da alma grega se referia ao silêncio e

à imobilidade em forma como sinal de obediência e respeito11.

Autores há, todavia, que não atentam para a disparidade entre os tempos

das legiões romanas, admiradas por sua imortal disciplina e os exércitos da

era moderna.

No decorrer dos séculos a antiga disciplina foi perdendo seu signifi cado

de ciência e arte da guerra para se restringir, em inúmeros casos, à idéia

de repressão arbitrária, às vezes brutal, até mesmo por pequenas faltas,

conformando-se fi nalmente à acepção puramente penal12.

“A fi nalidade da disciplina, que na grande civilização grega era a ordem

da sociedade da razão, passou a ser, na civilização moderna, a força capaz de

esmagar o homem para enquadrá-lo na massa” 13.

Pelos diferentes modos como foi e vem sendo conceituada ao longo dos

tempos:

esta palabra, capital en la milicia, siempre ha requerido larga

y deleida defi nicion; porque si bien se mira, envuelve ideas

muy complejas, al parecer contradictorias ó incompatibles, y

sin embargo simultáneas y correlativas de deberes y derechos,

de estimulo y desaliento, de impetu y represion, de elecion y

humildad, de orgullo y modestia, de premio y castigo14.

Assim, consideradas a distância histórica e as peculiaridades de cada

época, uma defi nição atual de disciplina não pode fi car presa aos conceitos

que informavam as legiões gregas e romanas.

11 Cf. ALMIRANTE. D. José, op. cit.12 MYER, Allan A.. In: “A Disciplina no Exército da URSS”, Military Review, Nov 75. 13 MELLO, General Francisco Batista de, in “O Medo, a Disciplina e a Liberdade”, A Defesa Nacional, nº 699, Jan/Fev 82, p. 178. 14 ALMIRANTE, D. José, op. cit.

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| Direito Constitucional Militar

92 |

Essa cautela também deve estar presente mesmo em se tratando de

exércitos contemporâneos, desde que distantes em termos de concepção

ideológica, ou ainda em diferentes momentos históricos.

Exemplo melhor dessa assertiva temos nas profundas transformações

introduzidas no exército soviético, em curtíssimo espaço de tempo.

Logo após a conquista do poder, em 1917, os soviéticos, procurando

estruturar o exército socialista a partir das bases e pelo princípio da “disciplina

e respeito mútuo entre os camaradas” 15, aboliram os postos militares e os

títulos. Menos de um ano depois “o idealismo visionário cedeu lugar ao

realismo”16 e foi restabelecida a disciplina nos moldes tradicionais, já agora

com maior rigor, a ponto de Leon Trotsky afi rmar que era “preciso implantar

a disciplina no Exército Vermelho a qualquer preço” 17.

E o preço, evidentemente, foi bem alto, pois até um sistema de reféns

passou a ser adotado.

De acordo com as explicações do próprio Trotsky, se um ofi cial

traísse o Exército Vermelho, sua família sofreria as consequências.

Para dar substância à ameaça, foi expedida uma ordem mandando

prender imediatamente as famílias dos desertores e traidores 18.

Era o fi m do autogoverno entre as tropas, implantado durante o

Governo Provisório de Kerensky e que viria a ser substituído pela disciplina

baseada na consciência de classe, cujos conceitos foram incorporados nos

códigos disciplinares soviéticos de 1919 e 1925 19.

Em sua parte introdutória, o Código Disciplinar das Forças Armadas da

União Soviética, vigente antes do esfacelamento do bloco comunista, dizia:

A disciplina militar é baseada numa alta consciência política e na

educação comunista, na profunda compreensão que o soldado tem do seu

dever patriótico, nos objetivos do nosso povo, e na altruística devoção à Pátria

Socialista, ao Partido Comunista e ao Governo Soviético20.

15 MYER, Allan A., op. cit.16 Idem. 17 TROTSKY, Leon. In: “Kak Vosruzhalas”, apud Allan A. Myer, op. cit.18 MYER, Allan A., op. cit.19 Cf. BERMAN, Harold J. e KERNER, Miroslav. In: “A Disciplina Militar Soviética”, Military Review, Jun 52. 20 MYER, Allan A., op. cit.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 93

A chamada Revolução dos Cravos, em Portugal, na década de 70,

também provocou mudanças estruturais no sistema disciplinar das Forças

Armadas portuguesas, cabendo destaque para o conceito de disciplina.

A disciplina militar, nos termos do art. 1º do Regulamento Disciplinar

de 2 de maio de 1913, era “o laço moral que liga entre si os diversos graus da

hierarquia militar; nasce da dedicação pelo dever e consiste na estrita e pontual

observância das leis e regulamentos militares”.

Em 10 de abril de 1977, já sob a inspiração do movimento militar,

o Conselho da Revolução, sob a presidência de Antonio Ramalho Eanes,

instituía, com o Decreto Lei nº 142, o novo Regulamento Disciplinar Militar,

“para ter execução em todas as forças armadas”, com o conceito de disciplina

não mais vinculado expressamente ao aspecto moral, mas ainda com relevância

para a obediência.

A disciplina militar em Portugal, segundo o novo texto, em seu art. 1º:

“(...) consiste na exacta observância das leis e regulamentos

militares e das determinações que de umas e outros derivam;

resulta, essencialmente, de um estado de espírito, baseado

no civismo e patriotismo, que conduz voluntariamente ao

cumprimento individual ou em grupo da missão que cabe às força

armadas.

De sua parte, o diploma disciplinar das Forças Armadas francesas nos

oferece um ângulo diverso quando dispõe que a disciplina militar é “fondée

sur le principe d’obéissance aux ordres. Cette discipline repose sur l’adhésion

consciente du citoyen servant sons les drapeaux et le respect de sa dignité et de

ses droits”21.

L’adhésion consciente de que trata o regulamento disciplinar francês

encontra paralelo na idéia de autodisciplina defendida pelo Major Heinz Karst

para o exército alemão do pós-guerra, quando afi rma que “a disciplina militar

nas forças armadas alemãs precisa basear-se no consentimento interior do

soldado”22.

21 Règlement de Discipline Générale dans les Armées, Décret nº 75.675, du 28 julliet 1975, article primier. 22 “A Disciplina é Imperiosa” in Das Parlament, Set/56.

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| Direito Constitucional Militar

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23 Idem. 24 Military Review, Mar/57, p. 107. 25 Op. cit. p. 7.

O Major Karst foi levado a defender essa idéia por entender que “a

condescendência voluntária, a autodisciplina e a obediência na consciência da

responsabilidade não podem ser impostas a um homem nem ser conseguidas

pela punição23.

Posição semelhante defende o Tenente-Coronel G.O.N. Thompson, em

artigo publicado no “The Engineers Journal” (Grã-Bretanha), em setembro de

1947, ao tratar do que chamou uma “Teoria de um Código Disciplinar Ideal”.

Diz ele:

A punição é o último recurso em qualquer código disciplinar

e só deve ser usada quando todos os outros processos tenham

falhado....estareis no limite de vossa autoridade, se necessitardes

da punição para obter resultados 24.

Também merece registro especial o estudo feito por Chrysolito de

Gusmão sobre disciplina militar. Em sua consagrada obra Direito Penal Militar,

Chrysolito de Gusmão traça lúcido paralelismo entre o desenvolvimento da

tática e da disciplina militares e da sociedade, desde os antigos egípcios e

romanos até as sociedades modernas, demonstrando que a disciplina militar é

a conseqüência direta e imediata da disciplina social.

Diz o autor, referindo-se à Roma antiga:

Na paz como na guerra, na cidade como nos campos de batalha,

a mesma engrenagem da hierarquia se fazia sentir, a máquina

social não se desfazia para dar lugar a outro mecanismo – o

organismo militar; assim a disciplina militar não era, então, se

não uma continuação, uma intacta transplantação da engrenagem

funcional da coletividade em paz, na mais absoluta correlação de

órgãos e funções 25.

A importância da disciplina para os romanos pode ser avaliada no

seguinte episódio, narrado pelo mencionado autor.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 95

Papirius, em batalha com os Samnites, havia saído do campo

de guerra, partindo para Roma a ver se obtinha mais favoráveis

augúrios, pois que, pela consulta aos deuses, feita em campo, os

augúrios não eram favoráveis à sua vitória.

Havia ele proibido a Fabius Rullianus que, em hipótese alguma,

travasse batalha com os Samnites.

Fabius, porém, encontrando-se, em dada ocasião, nas mais

favoráveis circunstâncias para dizimar os Samnites, trava combate

com estes e os vence por completo.

Papirius, ao saber deste feito de Fabius, volta imediatamente ao

campo de guerra e apostrofa cruelmente a empresa gloriosa e

vencedora de Fabius; levando este ao tribunal, e dirigindo-se a ele

disse-lhe:

- Eu quero saber de ti, Fabius, já que a ditadura é o poder supremo

ao qual obedecem quer os cônsules revestidos da autoridade real

e os pretores criados sob os mesmos auspícios que os cônsules,

eu quero saber de ti se tu acreditas justo ou não que um mestre

de cavalaria se submeta às suas ordens. Eu te pergunto ainda

se convencido que eu era da incerteza dos auspícios, eu devia

entregar ao acaso a saúde do Estado, a despeito de nossas santas

cerimônias ou renovar os auspícios a fi m de nada fazer sem saber,

claramente, que os deuses eram por nós. Eu te pergunto, enfi m,

se quando um escrúpulo de religião impedia o ditador de agir, o

mestre de cavalaria podia a isso se furtar. Responde, mas responde

a isto, e nem uma palavra fora disto.

Fabius procura, então se defender, justifi cando-se com a grande

vitória que havia alcançado para as armas romanas, mas o ditador

lhe não permite, ordenando imediatamente que se lhe cominasse a

pena de fustigação.

Alguns protestos são levemente murmurados.

Page 96: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

96 |

Papirius resolve adiar para o dia seguinte a execução da pena, por

já ser quase noite quando o julgamento havia terminado.

Durante a noite, porém, Fabius evade-se e vai à cidade romana

e, com os direitos que lhe davam o cargo que desempenhava em

Roma, convoca o Senado.

Quando velho Fabius, pai de Fabius, o acusado glorioso, protesta

e invectiva perante o Senado o excessivo rigor de Papirius, este,

que para Roma segue no encalço de Fabius, penetra no Senado,

mandando prender Fabius, apesar dos esforços feitos pelos

Senadores para o acalmar.

Fabius, o velho, dirige-se então ao Comitium, que estava reunido

fora, e a este impreca para seu fi lho o perdão, lembrando que

era por ele que os templos estavam àquela hora abertos aos

mais entusiásticos e santos festejos, lembrando a grande vitória

alcançada por Fabius, fi lho.

Já então todos tendiam claramente a perdoar Fabius, sem que, no

entanto, o ditador romano, imbuído da velha, inquebrantável e

rígida disciplina militar romana, cedesse uma linha; a majestade

da tradicional disciplina, a obsessão mística mais natural, naquela

época, pela religião, o princípio de autoridade, etc., tudo arrastava

o infl exível militar romano a não ceder, dizendo então: “Tudo se

liga: a disciplina da família, da cidade e do campo; quereis, vós,

tribunos, ser responsáveis ante a posteridade pelas desgraças que

decorrerão do atentado praticado aos preceitos de nossos avós?

Então, entregai vossas cabeças ao opróbrio para resgatar a falta

de Fabius”.

Por toda a assembléia um calafrio horrível passava; o frio e gélido

golpe da lógica e sistemática oratória de Papirius avassalava todas

as almas, que nela liam as páginas de ouro da história romana e

viam perpassar diante de si a alma dos grandes feitos nacionais – a

férrea disciplina romana.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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Ante tal dilema pedem e imploram a Papirius perdão, e de joelhos

caem os próprios Fabius, velho e fi lho.

Papirius, então, em frase da legendária eloqüência romana,

sentencia: Está bem, a disciplina militar e a majestade do comando,

que pareciam hoje perto de perecer, têm triunfado. Fabius não é

absolvido de sua falta; ele deve seu perdão ao povo romano, ao

poder tribunício, que tem pedido graça e não justiça! 26.

Chrysólito de Gusmão identifi ca, fi nalmente, as duas fases da disciplina

– a mecânica e a orgânica – justifi cadas pela evolução da tática que já no início

do século XX emprega nos combates frações de tropa muitas vezes isoladas

em território inimigo.

A esses elementos individualizados, aos quais uma soma imensa de

superiores qualidades de equilíbrio moral e intelectual é exigida,

certo que outra e muito diferente tem que ser a disciplina a lhes

incutir 27.

Considerando apenas o enfoque consagrado no Estatuto dos Militares

brasileiros28, em seu art. 14, §2º, temos que “disciplina é a rigorosa observância

e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que

fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular

e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de

todos e de cada um dos componentes desse organismo”.

O dispositivo estatutário, como se vê, abrange todos os componentes

do organismo militar, do soldado ao general, valendo dizer que não só a

autoridade, mas também a responsabilidade cresce com o grau hierárquico.

A doutrina militar brasileira não se manteve alheia à chamada disciplina

consciente, ao considerar como uma das manifestações essenciais da disciplina “a

colaboração espontânea para disciplina coletiva e a efi ciência da instituição” 29.

26 Op. cit. p. 9/11.27 Idem p. 28.28 Lei nº 6880, de 9 de dezembro de 1980.29 Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942, art. 3º; Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977, art. 6º e Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984, art. 6º.

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Anteriormente, o Decreto nº 1899, de 19 de agosto de 1936, em seu art.

2º, parágrafo único, dava maior destaque à autodisciplina como manifestação

da perfeita disciplina, ao afi rmar:

É preciso, entretanto, ter sempre presente que a disciplina não

consiste, apenas, em seus sinais exteriores, que somente têm valor

como expressão dos sentimentos de quem os pratica. Ela só é real e

proveitosa quando inspirada pelo sentimento do dever, produzida

por cooperação espontânea e não pelo receio dos castigos.

Após a Constituição de 1988, o Exército foi a única Força a adotar um

novo regulamento disciplinar (Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002),

que não trouxe modifi cação signifi cativa em relação ao Estatuto dos Militares

em relação ao conceito de Disciplina.

O Regulamento Disciplinar para a Marinha, aprovado pelo Decreto

nº 88.545, de 26 de julho de 1983, em seu art. 2°, mantém, a respeito da

Disciplina, a mesma redação do Estatuto dos Militares, enquanto o Decreto nº

76.322, de 22 de setembro de 1975, que aprova o Regulamento Disciplinar da

Aeronáutica (RDAER), não se deteve na conceituação de Disciplina.

EXERCÍCIOS

32. Discorra sobre a importância da disciplina para as Forças Armadas.

33. Quais as diferenças entre a disciplina praticada nos exércitos antigos e nos de

hoje? Comente sua resposta.

2. ILÍCITOS DISCIPLINARES

A disciplina, como visto, se traduz na obediência por parte dos

subordinados às ordens dos superiores hierárquicos, comportando-se dentro

da esfera do dever de obedecer e do direito de mandar 30.

30 MIRANDA, Pontes de. In: “Comentários à Constituição Federal de 1967, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Ed. 1974, Tomo V.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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31 Dec. nº 1899, de 19 Ago 37.32 GUIMARÃES, Moreira. In: “Direito Militar”, Rio, 1924.33 JUNIOR, José Cretella. In: “Tratado de Direito Administrativo”, Vol. VI, Forense.34 Art. 47 do Estatuto dos Militares.35 Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983.36 CAETANO, Marcello. In: “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, 1ª Ed. 1977, Forense, Rio.

Essa relação de subordinação não atinge a dignidade daquele que está

colocado em degrau inferior da escala hierárquica, conforme consagra a frase

que diariamente é vista por todos os cadetes – futuros ofi ciais – no pátio de

formatura da Academia Militar das Agulhas Negras: Ide comandar, aprendei

a obedecer. Em 1937, o então vigente Regulamento Disciplinar do Exército31

já ostentava, em seu art. 1º, o mesmo princípio: “Aspecto que são do mesmo

dever militar, tão nobre é obedecer quanto comandar”.

Por outro lado, quando se afi rma ser a disciplina “a perfeita compreensão

e a exata execução do dever” 32, não podemos fugir à indagação do que vem a

ser o pólo oposto a esse comportamento.

A indisciplina, ou seja, a negação da disciplina, consiste no

descumprimento dos deveres. É, no dizer do mestre Cretella, “a violação, pelo

funcionário, de qualquer dever próprio de sua condição, embora não esteja

especialmente prevista ou defi nida”33.

Confi gurada a hipótese, estaremos então diante do ilícito disciplinar,

também chamado infração disciplinar, falta disciplinar ou, ainda, transgressão

disciplinar ou contravenção disciplinar 34.

O Regulamento Disciplinar para a Marinha, acompanhando a tradição

da Armada, adota o termo “contravenção disciplinar”35. Contudo, a palavra

contravenção nos transporta mais rapidamente para a área penal, pelo uso

bastante disseminado em função da Lei das Contravenções Penais. Assim,

melhor o uso da expressão transgressão disciplinar, inclusive por estar

tradicionalmente consagrada nos regulamentos disciplinares do Exército e da

Aeronáutica.

Segundo entendimento fi xado por administrativistas renomados, “a

infração disciplinar é atípica, por via de regra, bastando que o fato caiba na

defi nição genérica da violação dos deveres funcionais”36.

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| Direito Constitucional Militar

100 |

A infração penal, por outro lado, é típica, e essa tipicidade consiste em

que o comportamento esteja perfeitamente adequado ao tipo penal previamente

defi nido em lei.

Assim, a transgressão disciplinar, graças à sua natureza atípica, compor-

tando grande margem de discricionariedade, ou seja, a faculdade que tem

o administrador de decidir quanto ao mérito do ato, se apresenta de difícil

conceituação do ponto de vista formal.

Sua maior ou menor difi culdade de identifi cação direta varia em função

do dispositivo legal que seja aplicado.

Desde 1942 e até o ano de 1977, os regulamentos disciplinares do

Exército conceituavam as transgressões como sendo “toda violação do dever

militar, na sua manifestação elementar e simples”37.

O caráter genérico era confi rmado no parágrafo único do art. 12 e

no artigo seguinte. Segundo aqueles dispositivos, seriam consideradas como

transgressões “todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar,

especifi cadas no presente capítulo (art. 12)”38, enquanto no art. 13, ao longo

de 128 itens, estavam as diferentes hipóteses de conduta transgressional.

No entanto, a transgressão disciplinar, como foi dito, em geral é atípica.

Logo, não apenas o comportamento especifi camente defi nido é passível de

punição.

Assim, na letra “b” do parágrafo único do art. 12, o decreto cuidou de

cobrir as possíveis lacunas, acrescentando que também seriam transgressões:

todas as ações ou omissões não especifi cadas neste Regulamento,

nem qualifi cadas como crime nas leis penais militares, praticadas

contra a Bandeira, o Hino, o escudo e as armas nacionais,

símbolos patrióticos e instituições nacionais; contra a honra e o

pundonor individual militar; contra os preceitos de subordinação,

regras e ordens de serviço estabelecidas nas leis ou regulamentos,

ou prescritas por autoridade competente.

37 Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942, art. 12. 38 Idem.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 101

Tal dispositivo fi cou conhecido na tropa como “os casos omissos do

treze”, numa referência aos 128 itens do artigo 13 e ao fato de que não carecia

de maior esforço “enquadrar” o subordinado por qualquer ato, dado o

aspecto essencialmente subjetivo da norma e o poder discricionário ao alcance

da autoridade.

Com o Decreto nº 79.985, de 17 de julho de 1977, o novo Regulamento

Disciplinar do Exército manteve praticamente os mesmos termos dos artigos que

tratavam das transgressões disciplinares, ampliando o conceito em seu art. 12.

A partir de então, transgressão disciplinar não era apenas a violação do

dever militar39, mas também “qualquer violação dos preceitos da ética, dos

deveres e das obrigações militares”40.

Convém destacar que sempre foi mantida a distinção entre as

transgressões disciplinares e os crimes militares, pois ainda que ambos se

constituam em violação do dever militar, os segundos consistem “na ofensa a

esses mesmos preceitos, deveres e obrigações, mas na sua expressão complexa

e acentuadamente anormal”41.

Bem tênue, como se observa, é a linha que separa as transgressões

disciplinares dos crimes militares, justifi cando a afi rmação de que “os

regulamentos disciplinares são a antecâmara da repressão penal”42.

Sensível a esse problema da atipicidade, o Ministro do Exército, cinco

meses após a entrada em vigor do Regulamento Disciplinar baixado com o

Decreto nº 79.985/77, emitiu instruções complementares esclarecendo que:

As transgressões relacionadas com o Anexo I do RDE destinam-

se, por serem genéricas, a permitir o enquadramento sistemático

das ações ou omissões contrárias à disciplina. A sua simples

reprodução não caracteriza a forma como se deu a violação dos

preceitos militares e deve, por isso, ser evitada 43.

39 Idem, ibdem.40 Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977, art. 12, caput.41 Idem, in fi ne. 42 COSTA, Álvaro Mayrink da. In: “Crime Militar”, Ed. Rio, 1978, p. 24.43 Letra “b”, da Port. Min. nº 2428, de 20 de dezembro de 1977.

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A partir de 1984, com o Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro, as Forças

Terrestres adotaram novo Regulamento Disciplinar, mantendo-se os conceitos

de disciplina e transgressão disciplinar anteriores e absorvendo a letra “b” da

Port. Min. nº 2428/77, no parágrafo único do art. 13.

No Anexo I ao referido Regulamento, as 121 espécies transgressionais,

aliadas a quaisquer ações ou omissões não especifi cadas naquele Anexo

nem qualifi cadas como crime nas leis penais brasileiras, desde que afetem a

honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe e outras prescrições

estabelecidas no Estatuto dos Militares, leis e regulamentos, bem como

aquelas praticadas contra normas e ordens de serviço emanadas de autoridade

competente, conforme dispõe o item 2, do art. 13.

O Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que instituiu novo RDE,

em seu art. 14 conceitua transgressão disciplinar como sendo:

toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos

no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e

às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e

simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar

e o decoro da classe.

EXERCÍCIOS

34. Qual a diferença entre contravenção disciplinar e transgressão disciplinar?

35. Em relação à tipicidade, qual a diferença entre crime e transgressão disciplinar?

Fundamente sua resposta.

3. SANÇÕES DISCIPLINARES

3.1 Natureza Jurídica da Sanção Disciplinar

Questão que sem dúvida permite grandes controvérsias é a que diz

respeito à natureza jurídica da punição disciplinar aplicada pela prática de

transgressões.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 103

O tema não chega a ser afetado pela corrente que se adote para

considerar a natureza das Forças Armadas. Quer se aceitem as Forças

Armadas como instituição de hierarquia superior a de um serviço público,

garantia das garantias do Estado, quer seja um órgão do Estado e não um

poder em sentido jurídico próprio, a punição disciplinar será de natureza penal

ou administrativa.

Descabe aqui discutir sobre o caráter autônomo ou não da Justiça

Militar que, pelas peculiaridades com que está sempre envolvida, deve,

segundo autores, ser considerada como um ordenamento jurídico particular

dentro do ordenamento jurídico geral do Estado.

Reconhecida que seja, no plano da realidade dos povos, a existência

dos Exércitos, ou seja, “aquela parcela de la colectividad nacional que cada

Estado prepara y equipa para atender a sua propria seguridad o para el logro

de sus aspiraciones y la imposición de sua voluntad em pugna con la voluntad

de otros Estados”44, temos evidenciada a existência de dois tipos de sociedade:

uma civil, fundada na liberdade e outra militar, fundada na obediência. Esta

última, em razão mesmo de sua fi nalidade, necessita de uma organização

hierarquizada com sistema disciplinar especial.

Mas, ainda assim, resta a questão se tal sistema disciplinar seria de

natureza penal ou administrativa.

Os autores nacionais, ao se referirem ao assunto no plano geral do

direito disciplinar, divergem.

De um lado, temos Nelson Hungria, para quem “não há razão

alguma para rejeitar-se o sistema de subordinação da ação disciplinar à ação

penal”45.

Themistocles Cavalcanti, de sua parte, sustenta que:

a boa doutrina está a nosso ver, com os modernos autores de

direito administrativo, que dissociam o problema do direito penal

no conteúdo e na aplicação dos preceitos de direito disciplinar46.

44 VAZQUEZ, Octavio Vejar. In: “Autonomia del Derecho Militar”, México, Ed. Stylo, 1948, p. 17.45 In: Revista de Direito Administrativo, RJ, 29 de janeiro de 1945.46 In: “Direito e Processo Disciplinar” 2ª Ed. Fundação Getúlio Vargas, Rio, 1966, p. 9.

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E arremata: “O importante é defi nir a posição de cada um: quem impõe

a pena criminal é o Estado, através do seu poder jurisdicional; quem aplica a

pena administrativa é a administração” 47.

Jean-Claude Roqueplo, em sua obra Le Statut des Militaires, esclarece

a posição adotada na França e que permite identifi car a maior proximidade

da esfera disciplinar com a penal militar: “Na solução francesa, o direito

penal militar se constitue e se justifi ca como prolongamento da ação do

comandante”48.

Nesse ponto, estamos com o insigne Hungria, porquanto, no que diz

respeito às punições disciplinares militares, não há como dissociá-las do

âmbito do Direito Penal Militar.

Ainda aqui é de extremo relevo atentar para as peculiaridades do Direito

Militar, quando então se apresentam nítidos os pontos de aproximação entre

as esferas disciplinar e penal que, sob o aspecto material, se diferenciam apenas

pelo grau de antijuridicidade.

Já nos Regulamentos Disciplinares, temos que ambos, o crime militar e

a transgressão disciplinar, se constituem em violação do dever militar, sendo o

primeiro na sua expressão complexa e acentuadamente anormal e o último em

sua manifestação elementar e simples49.

Inúmeros são os pontos de contato, podendo ser destacados:

- a classifi cação do comportamento militar das praças está vinculada

à condenação no juízo criminal, quer para rebaixamento quer para

melhoria de classifi cação, sendo mesmo comparada a condenação

por crime à prisão disciplinar em separado, para fi ns de ingresso no

comportamento “Mau”;

- a condenação por contravenção penal é equiparada a uma prisão

disciplinar;

- a Lei nº 5836/72, que regula os Conselhos de Justifi cação, bem como

o Decreto nº 71.500/72, que dispõe sobre os Conselhos de Disciplina,

determinam expressamente que o Código de Processo Penal Militar

47 Idem p. 89.48 Paris, La Documentation Française, 1979, p. 89.49 Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984, art. 12.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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deve ser aplicado subsidiariamente nos processos daqueles Conselhos,

silenciando sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Entretanto, não apenas as normas da administração militar se aproximam

da legislação penal militar. A recíproca está presente, pois o Código Penal Militar

prevê a possibilidade de a sentença considerar como simples infrações disciplinares

determinados delitos capitulados no CPM. Assim, por exemplo, é o caso do furto

atenuado (art. 240, §1º) e do dano, também atenuado (art. 260).

Do mesmo modo, tanto o sursis como o livramento condicional devem

ser revogados caso o militar benefi ciado com aquelas medidas venha a sofrer

punição disciplinar de natureza grave (arts. 614, III e 632, “c”, do CPPM),

caracterizando mais uma vez a íntima ligação entre a área disciplinar e a penal

militar.

Durante o I Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, realizado

no Rio de Janeiro, em 1958, o auditor Lauro Schuch, tratando da distinção

entre crime militar e transgressão disciplinar, sustentou que, sob o aspecto

material, crime e transgressão disciplinar se distinguem apenas pelo grau

de antijuridicidade da lesão praticada, enquanto o relator da tese, Ministro

Mário Tibúrcio Gomes Carneiro, reconhecia:

a índole penal das infrações disciplinares, equiparáveis às

contravenções penais do Direito comum”, identifi cando, inclusive,

a equivalência entre a expulsão das Forças Armadas e a pena

acessória de perda da função pública. Aliás, como já mencionado,

na Marinha de Guerra tradicionalmente as infrações disciplinares

são denominadas contravenções disciplinares50.

O atual Código Penal Militar, Dec. Lei nº 1001/69, em seu Capítulo V,

do Título V, pode levar à mesma conclusão.

No art. 98, que enumera as penas acessórias, ainda aplicáveis no

Direito Militar, temos, nos incisos I a IV, as que especifi camente recaem

sobre os militares: I – a perda do posto e da patente; II – a indignidade para

o ofi cialato; III – a incompatibilidade com o ofi cialato; IV – a exclusão das

Forças Armadas.

50 Anais do I Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, vol. II.

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Sem dúvida, tais penas acessórias em tudo se assemelham às medidas

administrativas de mesmos nomes, aplicáveis aos militares em razão do

julgamento por meio dos Conselhos de Justifi cação e de Disciplina.

A identidade ainda mais se manifesta quando se sabe que pelo princípio

constitucional da garantia das patentes (CR art. 142, I), mesmo incidindo nos

casos expressos no Código Penal Militar, ou considerado não justifi cado no

Conselho de Justifi cação, “o Ofi cial das Forças Armadas só perderá o posto

e a patente se for julgado indigno do ofi cialato ou com ele incompatível,

por decisão de tribunal militar de caráter permanente”, no caso o Superior

Tribunal Militar, em decisão atípica daquele órgão do Poder Judiciário, em

instância única51.

O mexicano Octavio Vejar Vazques também se pronuncia pela identidade

maior do Direito Disciplinar com o Direito Penal Militar afi rmando:

Generalmente, el criterio diferenciador de la falta y del delito

militares es cuantitativo y no cualitativo o sea que se defi ne por el

grado de tutela que la sanción representa, de manera que cuando

aquél es intenso surge el delito e cuando es restringido y superfi cial

aparece la falta...es decir, en la intensidad privativa o lesionadora

de biens e derechos del infrator52.

3.2 - Sanções Disciplinares

Identifi cada a prática do ilícito disciplinar, fi ca o servidor sujeito à

correspondente sanção, variável conforme o documento legal a que esteja

subordinado.

A partir daí, deverá ser desencadeado o processo administrativo punitivo

“que é promovido pela Administração para a imposição de penalidades por

infração da lei, regulamento ou contrato (...)” e “nesta modalidade se incluem

todos os procedimentos que visem à imposição de uma sanção ao administrado,

ao servidor ou a quem eventualmente esteja vinculado à Administração por

uma relação especial de hierarquia, como são os militares”53.

51 Lei nº 5836/72, que dispõe sobre os Conselhos de Justifi cação. 52 Oo. cit. p. 28. 53 MEIRELLES, Hely Lopes. In: “Direito Administrativo Brasileiro”, 5ª Ed., Rev. dos Tribunais, SP, p.647/648.

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É de ressaltar que, no tocante às punições a que estão sujeitos os militares,

a discricionariedade é tanto menor quanto mais grave for considerada a falta

cometida e a pena a ser aplicada.

Assim, por exemplo, o Decreto nº 1899/37 trazia ao lado de cada uma

das 145 hipóteses transgressionais consideradas, a título de orientação para a

classifi cação da gravidade da falta, as letras L, M e G, conforme fosse Leve,

Média ou Grave a intensidade da transgressão imputada ao militar.

Ainda que com o objetivo de “orientar o comandante na aplicação da

pena”54, o sistema limitava a ação da autoridade se conjugado com o disposto

no Capítulo VII do mesmo Regulamento, que ao tratar das regras de aplicação

das penas disciplinares determinava que fossem rigorosamente observados

os limites fi xados para apenação, relacionados com a gravidade e natureza

da falta55.

Nos regulamentos atualmente em vigor nas Forças Armadas, a sanção

mais rigorosa a que estão sujeitos os infratores é o afastamento defi nitivo ex

offi cio. O Exército e a Aeronáutica adotaram o licenciamento e a exclusão a

bem da disciplina, enquanto a Marinha optou pela exclusão do serviço, que

pode ser a bem da disciplina, por conveniência do serviço ou por incapaci-

dade moral.

A diferença entre o licenciamento e a exclusão reside apenas em que o

primeiro é aplicado às praças sem estabilidade assegurada (menos de 10 anos de

serviço) e aos ofi ciais da reserva não-remunerada, quando convocados, enquanto

a exclusão disciplinar é aplicada aos estáveis e aos aspirantes-a-ofi cial.

O licenciamento e a exclusão a bem da disciplina, conforme preceitua

a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4375, de 17 de agosto de 1964), consiste no

afastamento ex offi cio da praça:

a) por condenação irrecorrível resultante da prática de crime comum ou

militar, de caráter doloso;

b) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta

grave que, na forma da Lei ou de Regulamentos Militares, caracterize seu

autor como indigno de pertencer às Forças Armadas;

54 Decreto nº 1899/37, arts. 14 e 15. 55 Idem, art. 50.

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c) pelo ingresso no mau comportamento contumaz, de forma a tornar-se

inconveniente à disciplina e à permanência nas fi leiras56.

Das três condições referidas, as letras “a” e “c” partem de pressupostos

perfeitamente identifi cáveis – condenação irrecorrível e mau comportamento

contumaz –, vinculando a ação da autoridade na aplicação do ato punitivo

extremado.

Quanto à letra “b”, em razão do caráter subjetivo das hipóteses

apresentadas, tornou-se necessária a subordinação à “forma da Lei ou Regula-

mentos Militares”.

Assim, na falta de dispositivos legais (Lei) ou regulamentares (Decreto)

que especifi quem os atos considerados como atentatórios à moral pública,

pundonor militar ou falta grave que importe em considerar seu autor indigno

de pertencer às Forças Armadas, não há que se falar em licenciamento ou

exclusão a bem da disciplina.

Em verdade, a legislação que trata da fi gura da indignidade, traçando-

lhe os contornos, é o Decreto-Lei nº 3038, de 10 de fevereiro de 1941, baixado

pelo então presidente Getúlio Vargas.

Segundo o mencionado diploma, à declaração de indignidade fi ca sujeito

o ofi cial, condenado a qualquer pena, pela prática dos crimes de vilipêndio à

Nação, à Bandeira, às Armas do Brasil e ao Hino; traição e cobardia, roubo,

peculato, furto, estelionato ou falsidade documental.

À declaração de incompatibilidade, segundo ainda aquele Decreto-

Lei, fi ca sujeito o ofi cial que se corromper moralmente, pela prática de atos

contrários à natureza; que for condenado a qualquer pena por crime previsto

no Decreto-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938 (crime contra a personalidade

internacional, a estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social);

que se fi liar à organização de existência proibida; que corromper subordinado

pela prática de ato contrário ao pudor individual.

Ainda que o Decreto-Lei nº 3038/41 faça referência expressa apenas aos

ofi ciais, não há razão para que seus conceitos não sejam aplicados às praças.

Em primeiro lugar, não existe outra norma que sirva para caracterizar a

indignidade ou incompatibilidade das praças com as Forças Armadas, em que

56 Art. 31, §3º, da Lei do Serviço Militar.

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pese a Lei do Serviço Militar exigir que a indignidade seja caracterizada em

razão de Lei ou Regulamento (art. 31, §3º). Finalmente, porque não faz sentido

pretender que a dignidade do ofi cial seja diferente e aferida por parâmetros

mais benevolentes, principalmente se considerarmos que a responsabilidade

cresce com o grau hierárquico.

Até a entrada em vigor do decreto nº 4.346/2002, tais observações

tinham total pertinência. O Regulamento Disciplinar do Exército então

em vigor, ao tratar do licenciamento a bem da disciplina das praças sem

estabilidade assegurada, tratava de maneira substancialmente diversa as

prescrições da Lei do Serviço Militar que tratam do mesmo tema, ampliando

as hipóteses de aplicação do licenciamento a bem da disciplina.

O §1º do art. 30 do referido Regulamento previa que o licenciamento

a bem da disciplina seria aplicado à praça sem estabilidade assegurada,

quando a transgressão afetasse a honra pessoal, o pundonor militar ou o

decoro da classe; estando a praça no comportamento Mau, se verifi casse

a impossibilidade de melhoria de comportamento; houvesse condenação

por crime militar, excluídos os culposos; houvesse prática de crime comum,

apurado em inquérito, excluídos os crimes culposos em ambos os casos.

Como se observa, as transgressões que afetavam a honra etc., não

estavam mais vinculadas à Lei ou Regulamento, como prevê a Lei do Serviço

Militar, quando aí sim poderia o autor ser considerado indigno de pertencer

às Forças Armadas.

Da forma como estava redigido o texto no Regulamento Disciplinar,

o ato deixava de ser vinculado à Lei ou Regulamento, fi cando à decisão

discricionária da autoridade o conceito de indignidade.

Na outra hipótese, foi omitida a contumácia, de modo que ao ingressar

no Mau comportamento, e não restando espaço de tempo de serviço para que

se promovesse a melhoria da classifi cação do comportamento, a praça era

licenciada a bem da disciplina mesmo que não cometesse outra infração.

As duas últimas condições são desdobramentos da letra “a”, do §3º, do

art. 31 da Lei do Serviço Militar. Entretanto, aí também o texto regulamentar

se compadecia de outra redação, compatível com a Lei do Serviço Militar,

norma de hierarquia superior.

Assim é que, enquanto a Lei fala de condenação irrecorrível em

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crime comum ou militar, o Regulamento Disciplinar se contentava com a

condenação, para os crimes militares, excluídos os culposos; quanto ao crime

comum, satisfazia-se com a prática apurada em inquérito, aí também excluídos

os culposos.

Deste modo, a ser aplicado o Regulamento Disciplinar, como roti-

neiramente era feito, bastava a condenação por crime militar na primeira

instância, ainda que interposto recurso apenas pela defesa, para que o militar

fosse licenciado a bem da disciplina.

Quanto ao crime comum, o problema era mais grave, uma vez que tão

somente com a apuração concluída na fase inquisitorial já podia a praça ser

licenciada a bem da disciplina.

É sabido que o inquérito é instrução provisória que não obriga o

Ministério Público ao oferecimento da denúncia nem o Juiz ao recebimento

da mesma e muito menos a condenação. Nem mesmo a prisão em fl agrante

corresponde necessariamente à autoria e à materialidade, sendo comum a

anulação do fl agrante e o reconhecimento da inocência daquele que, à primeira

vista, parecia ser culpado.

A jurisprudência está inclusive recheada de exemplos de concessão de

habeas-corpus para trancamento da ação penal por falta de justa causa.

Inadmissível, portanto, o licenciamento a bem da disciplina apenas

pela “prática de crime apurado em inquérito”, mesmo porque a Lei do

Serviço Militar admite essa forma de afastamento defi nitivo após condenação

irrecorrível, isto é, a decisão da qual não cabe mais recurso, trânsita em

julgado.

O licenciamento a bem da disciplina conforme vinha sendo aplicado no

âmbito do Exército e nas circunstâncias já apontadas era ilegal por contrariar

os explícitos termos da Lei do Serviço Militar, sendo, portanto, nulo de pleno

direito e atacável judicialmente.

A mesma ilegalidade podia ser observada com o licenciamento a bem da

disciplina de ofi ciais da reserva não-remunerada quando convocados.

O desconhecimento dos militares atingidos por tais atos ilegais não

convalida os mesmos, sendo, portanto, extremamente louvável a nova

redação do Regulamento Disciplinar, evitando-se, assim, a interferência do

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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Poder Judiciário nessas questões, o que provoca, indiscutivelmente, grandes

desgastes para a Instituição Militar.

Eis como o novo RDE trata o licenciamento a bem da disciplina:

Art. 32. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem

no afastamento, ex offi cio, do militar das fi leiras do Exército,

conforme prescrito no Estatuto dos Militares.

§ 1º O licenciamento a bem da disciplina será aplicado pelo

Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de

OM à praça sem estabilidade assegurada, após concluída a devida

sindicância, quando:

I - a transgressão afete a honra pessoal, o pundonor militar

ou o decoro da classe e, como repressão imediata, se torne

absolutamente necessário à disciplina;

II - estando a praça no comportamento “mau”, se verifi que

a impossibilidade de melhoria de comportamento, como está

prescrito neste Regulamento; e

III - houver condenação transitada em julgado por crime doloso,

comum ou militar.

O problema permanece no item II, pela omissão da exigência da

contumácia, contida na Lei do Serviço Militar.

Além dessa mudança de grande profundidade, as demais sanções

disciplinares também sofreram modifi cações.

O RDE atualmente em vigor prevê as seguintes sanções disciplinares no

art. 24:

I - a advertência;

II - o impedimento disciplinar;

III - a repreensão;

IV - a detenção disciplinar;

V - a prisão disciplinar; e

VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.

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Merece registro e refl exão a forma diferenciada como a três Forças

adotam as sanções privativas da liberdade aplicáveis aos seus respectivos

militares.

Enquanto no Exército e na Aeronáutica as punições disciplinares de

detenção e prisão não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento

disciplinar (apenas no RDE) dez dias (parágrafo único do art. 24), na Marinha

a forma de cerceamento da liberdade fi ca limitada a 10 (dez) dias, seja para

prisão simples ou rigorosa, e o impedimento pode chegar a 30 (trinta) dias57.

EXERCÍCIOS

36. Segundo a doutrina, qual o critério de diferenciação entre crime militar e

transgressão disciplinar?

37. Qual a natureza jurídica da sanção disciplinar? Fundamente sua resposta.

38. Compare e analise os critérios para o licenciamento a bem da disciplina

previstos na Lei do Serviço Militar e no Regulamento Disciplinar do Exército.

4. CONSELHOS DE JUSTIFICAÇÃO E DE DISCIPLINA

Os militares estão sujeitos ao afastamento defi nitivo ex offi cio, por

incapacidade moral, por três caminhos: o licenciamento a bem da disciplina,

para as praças com menos de 10 (dez) anos de serviço e ofi ciais formados pelos

Centros e Núcleos de Preparação de Ofi ciais da Reserva, quando convocados;

a exclusão a bem da disciplina, para as praças com estabilidade assegurada por

contarem mais de 10 (dez) anos de serviço e os aspirantes a ofi cial; a demissão

para os ofi ciais de carreira.

Além das hipóteses em que é aplicada como pena acessória58, a exclusão

a bem da disciplina é imposta quando os que a ela estão sujeitos incidirem nos

casos que motivarem o julgamento pelo Conselho de Disciplina59.

57 Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1975. Regulamento Disciplinar para a Marinha, Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983.58 Art. 102 do CPM, Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969.59 Art. 125, inciso III, da Lei nº 6880/80, Estatuto dos Militares.

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Quanto à demissão de ofi ciais, é subordinada a procedimentos

semelhantes, ainda que regulados por normas próprias60, diferindo nos

detalhes relativos à composição do colegiado, já então denominado

Conselho de Justifi cação, e à competência para declaração de indignidade ou

incompatibilidade, que é deferida ao Superior Tribunal Militar, por força do

princípio constitucional da garantia das patentes militares.

A patente militar é o título que corresponde ao posto. Quem tem posto

tem patente. Ambos estão intimamente ligados, não havendo ofi cial sem posto

e patente.

A partir de 1969, com a Emenda Constitucional nº 1, tivemos fortalecido

o princípio da garantia das patentes, historicamente já reconhecido em outras

Cartas brasileiras.

A Constituição de 1967, na esteira das anteriores, previa a perda do posto

e da patente, sendo bastante o trânsito em julgado de sentença condenatória

cuja pena restritiva de liberdade fosse superior a 02 (dois) anos.

Pelo texto constitucional adotado com a EC nº 1/69, não bastava a

condenação, qualquer que fosse a pena. “O ofi cial só perderá o posto e a

patente se for declarado indigno para o ofi cialato ou com ele incompatível, por

decisão de tribunal militar de caráter permanente”, ou seja, o Superior Tribunal

Militar. É o que dizia o §2º do art. 93 da Constituição/69. A Constituição de

1988 manteve o mesmo princípio no art. 142, §7º.

Os Conselhos de Justifi cação – e guardadas as peculiaridades os

Conselhos de Disciplina – têm-se mostrado, ao longo dos tempos, como o

meio de maior efi cácia para afastar das Forças Armadas aqueles que por sua

conduta com ela se mostram indígnos ou incompatíveis.

Esses Tribunais de Honra, como também são chamados, nasceram no

Direito Militar brasileiro com o Decreto nº 4651, de 17 de janeiro de 1923,

quando na presidência de Artur Bernardes, aperfeiçoando sua estrutura e

funcionamento até os dias de hoje.

Atualmente os Conselhos de Justifi cação são regidos pela Lei nº 5836/

72, e a eles são submetidos, a pedido ou ex offi cio, os ofi ciais de carreira da

ativa, da reserva ou reformados, quando incidirem em qualquer das hipóteses

elencadas no art. 2º da mencionada lei, ou seja:

60 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.

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| Direito Constitucional Militar

114 |

I - acusado ofi cialmente ou por qualquer meio lícito de comu-

nicação social de ter:

a) procedido incorretamente no desempenho do cargo;

b) tido conduta irregular; ou

c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou

o decoro da classe;

II - considerado não habilitado para o acesso, em caráter

provisório, no momento em que venha a ser objeto de apreciação

para ingresso em Quadro de Acesso ou Lista de Escolha;

III - afastado do cargo, na forma do Estatuto dos Militares, por se

tornar incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no

exercício de funções militares a ele inerentes, salvo se o afastamento

é decorrência de fatos que motivem sua submissão a processo;

IV - condenado por crime de natureza dolosa, não previsto

na legislação especial concernentes à segurança do Estado, em

Tribunal civil ou militar, a pena restritiva de liberdade individual

até 02 (dois) anos, tão logo trânsite em julgado a sentença, ou

V - pertencente a partido político ou associação suspensos ou

dissolvidos por força de disposição legal ou decisão judicial, ou

que exerçam atividades prejudiciais ou perigosas à segurança

nacional.

As situações de maior incidência são as constantes das letras “b” e “c”,

do inciso I, e a do inciso IV.

Tratando-se de um instituto tipicamente militar e de natureza

essencialmente moral, os Conselhos de Justifi cação e de Disciplina visam

impedir que a impunidade correntemente verifi cada em outros ramos de

atividade para quem atinge apenas princípios da moral ocorra entre os

componentes do organismo militar.

No entanto, ainda que se reconheçam seus signifi cativos serviços em

proveito da moralidade administrativa militar, o caráter marcadamente

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 115

subjetivo dos atos sujeitos a recriminação pelos Conselhos tem possibilitado a

ocorrência de inúmeras injustiças e arbitrariedades.

Por outro lado, grandes são as difi culdades enfrentadas pelos ofi ciais

que deles fazem parte como julgadores, assim como para os acusados. Tais

difi culdades são menores para os membros dos Conselhos de Disciplina, pois

para esses colegiados existem Instruções Normativas baixadas pelos escalões

superiores, com modelos e formulários a serem utilizados.

Não é o que ocorre com os Conselhos de Justifi cação, e as diferenças

em relação aos Conselhos de Disciplina impedem a adoção pura e simples das

Instruções específi cas.

Em tempo de paz, o Conselho de Justifi cação é composto de 3 (três)

ofi ciais de posto superior ao do acusado, em respeito ao princípio hierárquico,

nomeados pelo Ministro da Força Armada a que pertença o justifi cante, e

sob a presidência do de maior posto, no mínimo um ofi cial-superior da ativa.

Completam o colegiado, ainda na ordem hierárquica, um ofi cial interrogante

e relator e, por último, um ofi cial escrivão.

Os procedimentos a serem observados se assemelham aos adotados para

o processo ordinário previsto no Código de Processo Penal Militar, servindo

aquele diploma processual como elemento subsidiário, conforme expresso no

art. 17 da Lei nº 5836/72.

A adoção de normas processuais, expressa ou subsidiariamente, traduz

indiscutível tendência de garantia da normalidade no funcionamento dos

Conselhos. Entretanto, sendo os ofi ciais em regra pouco versados na técnica

jurídica, a cautela do legislador não atinge plenamente seus objetivos, sendo

comuns as dúvidas quanto à aplicabilidade de diversos institutos processuais.

Algumas fases do Conselho de Justifi cação, pela maior possibilidade de

causarem nulidades no processo, merecem destaque.

Peça da maior importância é o libelo acusatório. Guardadas as

proporções, o libelo acusatório no Conselho de Justifi cação – e do mesmo

modo no Conselho de Disciplina – corresponde à denúncia no processo

criminal militar, devendo conter “com minúcias o relato dos fatos e a descrição

dos atos que lhe são imputados”61.

61 Art. 9º, in fi ne da Lei nº 5836/72.

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| Direito Constitucional Militar

116 |

Considerando-se que, nos termos da mencionada Lei, em seu art. 17,

“aplicam-se a esta lei, subsidiariamente, as normas do Código de Processo

Penal Militar”, temos que o libelo acusatório, pela sua similitude com a

denúncia criminal, está subordinado aos requisitos do art. 77 do CPPM,

respeitadas, obviamente, as peculiaridades do Conselho de Justifi cação.

Dentre os requisitos que deve conter a denúncia e, por via de

consequência, o libelo acusatório, destaca-se no art. 77 do CPPM a letra “e”,

que exige “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”,

sob pena de ser considerada inepta.

A exigência se compreende uma vez que somente tendo o acusado

conhecimento dos fatos imputados, bem como de todas as circunstâncias a

respeito dos mesmos, poderá ele exercitar sua defesa de forma ampla, através

do contraditório, conforme a própria Lei nº 5836/72 lhe assegura em seus

artigos 1º, in fi ne, 9º e seu §2º e art. 17.

Tais disposições estão em harmonia com o texto constitucional, que,

no art. 5º, inciso LV, consagra os princípios da ampla defesa e do devido

processo legal, garantias processuais constitucionais indispensáveis no Estado

Democrático de Direito.

Isso não implica que o libelo acusatório deva ser prolixo, desneces-

sariamente extenso e detalhado. Fundamental é que seja claro, preciso e, se

possível, também conciso.

Outro ponto que freqüentemente causa dúvidas nos ofi ciais nomeados

para comporem os Conselhos diz respeito aos prazos a serem observados para

conclusão.

O art. 11 da Lei nº 5836/72 fi xa em 30 (trinta) dias o prazo para a

conclusão dos trabalhos a serem desenvolvidos pelo Conselho de Justifi cação,

sendo que tal prazo começa a fl uir da data da assinatura da Portaria

Ministerial de nomeação do Conselho e até o seu término deverá ser remetido

o Relatório. Excepcionalmente, diz o parágrafo único, a autoridade nomeante

pode conceder prorrogação por mais 20 (vinte) dias.

À primeira vista, o prazo de 30 dias parece insufi ciente. Considerando

que o justifi cante pode, em sua defesa, requerer a produção de todas as provas

permitidas no Código de Processo Penal Militar, isto é, perícias, exames,

juntada de documentos em poder da autoridade militar com sede em outra

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 117

guarnição, audiência de testemunhas, acareação etc.62, realmente pode parecer

muito exíguo o prazo concedido.

Entretanto, algumas difi culdades podem ser contornadas com o auxílio

do próprio CPPM, suspendendo-se a contagem do prazo para a realização de

diligências, conforme permissivo do §1º do art. 390 do CPPM.

Segundo o mencionado parágrafo, “não será computada naqueles

prazos a demora determinada por doença do acusado ou defensor, por

questão prejudicial ou por outro motivo de força maior justifi cado pelo

auditor, inclusive a inquirição de testemunhas por precatória ou a realização

de exames periciais ou outras diligências necessárias à instrução criminal,

dentro dos respectivos prazos”.

Descontados os dias necessários à realização de diversas diligências e os

demais períodos abrangidos pelo parágrafo citado, os 30 dias somados aos 20

da possível prorrogação são sufi cientes na maioria dos casos, atendendo, ao

mesmo tempo, ao caráter de urgência de que se revestem os Conselhos.

Outra questão relevante é a que diz respeito à defesa do acusado.

A Lei nº 5836/72, em seu art. 9º, assegura ampla defesa, em harmonia

com o texto constitucional, enquanto faculta ao justifi cante requerer a

produção de provas nos termos do CPPM, sempre dentro do espírito

garantidor do exercício da defesa.

Uma interpretação menos atenta, muito frequente, aliás, pode levar

a concluir que o justifi cante se manifesta apenas uma vez, quando do

oferecimento das suas razões de defesa, no prazo de cinco dias após a

apresentação do libelo acusatório.

Sabendo-se que o CPPM deve ser observado subsidiariamente às normas

da Lei nº 5836/72, conforme determina seu art. 17, é forçoso concluir que em

outras oportunidades pode o acusado se pronunciar.

Assim deve ser, por exemplo, quando o Conselho inquirir o acusador

(art. 10, parte fi nal); após o depoimento das testemunhas (arts. 352, §§3º e

4º, do CPPM); após a acareação (art. 366, §2º, do CPPM); para falar sobre

as diligências determinadas pelo Conselho (art. 8º, da Lei nº 5836/72, c/c art.

296, do CPPM) etc.

62 Ver Título XV, do Livro I do CPPM.

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| Direito Constitucional Militar

118 |

Não há dúvida de que após a remessa dos autos do Conselho ao

Superior Tribunal Militar, caso o entendimento do Ministro da Força lhe seja

desfavorável, o acusado terá prazo para falar sobre a decisão ministerial (art.

15). Entretanto, essa oportunidade não supre as situações anteriores, sendo

certo, do mesmo modo, que as manifestações do acusado na fase inicial

podem perfeitamente conduzir a uma opinião favorável tanto do Conselho

quanto do Ministro nomeante, evitando, assim, que o processo se prolongue

por tempo desnecessário.

Indiscutivelmente, qualquer obstáculo ao exercício da ampla defesa

implica nulidade insanável, desde que traga prejuízo ao acusado, o que

demonstra a necessidade de que sejam respeitados os preceitos contidos no

Código de Processo Penal Militar.

EXERCÍCIOS

Compare o libelo acusatório dos Conselhos de Justifi cação e de Disciplina com a

denúncia no processo penal militar.

39. Quanto à fi nalidade, quais as diferenças entre os Conselhos de Justifi cação e

os Conselhos de Disciplinas?

40. Qual o diploma legal a ser observado subsidiariamente nos Conselhos de

Justifi cação e de Disciplina? Exemplifi que.

5. DIREITO DE DEFESA NOS PROCESSOS DISCIPLINARES

5.1 A Ampla Defesa

O inciso LV do art. 5º da Constituição da República proclama que:

aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,

com os meios e recursos a ela inerentes.

Em confronto com o ordenamento constitucional anterior, a Emenda

Constitucional nº 1/69, e especifi camente em relação à ampla defesa, temos

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 119

que enquanto no texto de 1969, no art. 153, § 15, a referência se limitava

“aos acusados”, o que levava muitos a interpretarem que somente se aplicava

aos acusados em processo criminal, a garantia, a partir de 1988, foi ampliada

explicitamente aos acusados em geral e também aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, espancando de vez qualquer interpretação

limitadora.

O direito de defesa como instituto constitucional teve seu surgimento no

direito brasileiro ainda no Império, com a Constituição Política do Império do

Brasil, de 25 de março de 1824.

Naquele diploma, mantida a mesma redação do projeto elaborado pelo

Conselho de Estado, encontramos, no Título VII, “Das disposições gerais e

garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”, o art. 179, 8º,

onde se lê:

Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos

declarados na lei; e nestes, dentro de 24 horas, contadas da entrada

na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas

aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos, dentro

de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do

território, o juiz, por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu

o motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas,

havendo-as.

Temos aí a primeira menção à nota de culpa, isto é

a declaração escrita entregue ao acusado, quando de sua prisão ou

recolhimento à cadeia pública, para que, por ela, se cientifi que da

acusação que lhe é feita, do nome de quem o acusa, das pessoas

que testemunham o fato que lhe é imputado e da autoridade por

ordem de quem foi preso63.

Como se vê, o texto não exigia apenas o fornecimento ao acusado da nota

de culpa, mas, também, explicitava o que devia a mesma conter, qual seja, “o

motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as”.

63 PLÁCIDO E SILVA. In: Vocabulário Jurídico, Vol III, Ed. Forense, Rio de Janeiro.

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| Direito Constitucional Militar

120 |

Não estavam compreendidas naquela disposição “as ordenações

militares, estabelecidas como necessárias à disciplina e o recrutamento do

exército”, conforme expresso no item 10, in fi ne, daquele primeiro diploma

constitucional brasileiro.

Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de

fevereiro de 1891, o instituto da ampla defesa é encontrado no § 16 do art.

72, Seção II, Declaração de Direitos, Título IV - Dos cidadãos brasileiros, nos

seguintes termos:

Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos

os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue

em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com

os nomes do acusador e das testemunhas.

Nessa primeira constituição republicana não se repete a exceção sobre

as transgressões disciplinares. Tal dispositivo voltaria a integrar a Lei Maior

de 16 de julho de 1934, já então específi co e incorporado ao item relativo ao

habeas corpus, no § 23, do art. 113.

O direito à defesa, que mais nos interessa no momento, era encontrado

no item 24, do art. 113, Capítulo II, Dos Direitos e das Garantias Individuais,

Título III, Da Declaração de Direitos, in verbis: “A lei assegurará aos acusados

ampla defesa, com meios e recursos essenciais a esta.”

Mais reduzido esse texto, sem, no entanto, causar qualquer restrição ao

exercício da ampla defesa, sendo que a objetividade deu maior vigor ao dispositivo

constitucional, refl etindo bem as características liberais da Carta de 34.

Tivemos, então, pela primeira vez, a inclusão da expressão “ampla

defesa”, dando assim a idéia de grandes dimensões, ou, ainda, sem restrições,

ilimitada.

Logo a seguir, aos 10 de novembro de 1937, a nova Constituição, na

parte destinada aos Direitos e Garantias Individuais, na 2ª parte do inciso ll

do art. 122, dizia:

Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão

pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela

regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e

depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 121

A Constituição de 18 de setembro de 1946, na esteira das anteriores,

manteve o direito de defesa, no Título IV - Da Declação de Direitos, Capítulo

II - Dos Direitos e Garantias Individuais, art. 141, § 25:

É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e

recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada

pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das

testemunhas, será entregue ao preso dentro de vinte e quatro

horas. A instrução criminal será contraditória.

Finalmente, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de

1969, já anteriormente comentada e que não modifi cou substancialmente a

Constituição de 24 de janeiro de 1967 no que diz respeito ao direito de defesa.

Assim, no § 15 do art. 153, encontramos: “A lei assegurará ao acusado ampla

defesa, com os recursos a ela inerentes”.

Conforme se observa, ao longo de mais de 150 anos, o direito de defesa

modifi cou-se em sua literalidade sem sofrer mudanças na substância até a

Constituição de 1988, quando o instituto foi grandemente ampliado, passando

a abrigar, literalmente, conforme mencionado, não apenas os acusados

criminalmente, mas os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os

acusados em geral.

Não temos, no entanto, ao longo de toda nossa história jurídica, um

conceito a priori de “defesa” pelo qual se tenha de moldar a defesa organizada

pelas leis processuais. No dizer de Pontes de Miranda, “tal conceito não existe;

mas existe algo de mínimo, aquém do qual não mais existe defesa”64.

Pontes de Miranda65 reduz seu conceito de defesa ao “exercício da

pretensão à tutela jurídica, por parte do acusado”.

A seu turno, Marcelo Caetano, referindo-se às garantias constitucionais,

considera a ampla defesa dos acusados, com os recursos a ela inerentes, como

mecanismo dos mais importantes, “ligado à segurança individual, contra as

tendências opressivas dos agentes do Poder”66.

64 In: Comentários à Constituição de 1967, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Ed., 1974, Tomo V, p. 234. 65 Idem.66 In: Direito Constitucional, Forense, 1977, Vol II, p. 133.

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Como corolário do princípio da ampla defesa, temos o do contraditório,

que, conforme vimos, por força do inciso LV do art. 5º da CR, agora se estende

aos processos administrativos.

Humberto Theodoro Junior, a respeito do devido processo legal, assim

se manifesta:

O due process of law, forjado pela cultura anglo-saxônica é, sem

dúvida, uma das grandes ou maiores conquistas da humanidade

em sua permanente luta contra o autoritarismo e a prepotência dos

que assumem o governo político dos povos e contra as estruturas

frias e insensíveis do Estado pré-democrático67.

José Frederico Marques não foge a essa linha:

O direito de defesa é uma decorrência do princípio constitucional

do devido processo legal. É ele imanente a todo o sistema proces-

sual em que se adote o procedimento contraditório68.

Assim é o direito subjetivo de defesa, do qual decorre, necessariamente,

o direito constitucional de “defender-se” ou a “ter tido defesa”69.

Tão intimamente ligadas estão as duas expressões – acusação e defesa

– que a simples menção de uma nos leva, de imediato, à outra. Dita reação

se processa nos dois sentidos: a existência de uma acusação implica, em

contrapartida, direito à defesa. Ao mesmo tempo, só tem sentido a produção

de defesa para fazer face a uma acusação.

Portanto, ainda que não exista um conceito prévio de defesa, como

afi rmado anteriormente, inegável que, em se tratando de direito público

subjetivo dos acusados, a negação ou obstaculização do exercício desse direito

constitui afronta ao texto constitucional e, seja no plano legislativo seja no

executivo, acarreta a inconstitucionalidade do ato.

O preceito constitucional dirige-se também, e principalmente, ao

legislador ordinário: a lei que suprime ou restringe, em qualquer

67 In: O Processo Civil e a Garantia Constitucional do Devido Processo Legal, Livro de Estudos Jurídicos, vol. 3, 1991, p. 171. 68 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1961, p. 376.69 Pontes de Miranda, op. cit.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 123

hipótese, o direito de defesa, é infensa a ordem pública e contrária

à Constituição70.

Neste sentido, temos a manifestação do Ministro Xavier de

Albuquerque, ao relatar o Mandado de Segurança nº 19.968/STF:

O exercício da ampla defesa acenada na Constituição está

submisso, como é óbvio, à disciplina da lei, e só não lhe deve

observância quando tal disciplina o limita de tal jeito que termina

por negá-lo71.

Aqui a referência à “lei” deve ser entendida num sentido mais abrangente,

compreendendo qualquer norma jurídica, não havendo razão para excepcionar

os dispositivos regulamentares emanados da Administração.

Os atos administrativos de caráter normativo, veiculados por decreto

expedido pelo poder executivo no exercício da função regulamentar, não

podem, portanto, ultrapassar os limites de sua própria fi nalidade, ou seja, fi xar

critérios e normas para o “fi el cumprimento” das leis, sob pena de afronta ao

princípio da legalidade.

Como muito bem destaca Geraldo Ataliba, “onde se estabelecem, alteram

ou extinguem direitos, não há regulamentos, há abuso do poder de regulamentar,

invasão de competência legislativa” 72.

As garantias dos direitos fundamentais do homem se constituem em

anseio universal, objetivo perseguido por toda a humanidade. O direito de

defesa, como tal, não pode ser desmerecido. Assim, na Declaração Universal dos

Direitos do Homem, proclamada em Paris a 10 de dezembro de 1948, temos:

Artigo XI - 1. Todo homem acusado de ato delituoso tem o direito

de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido

provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe

tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

70 Maluf, Sahid. In: Direito Constitucional, 9ª ed., 1977, p. 406.71 Revista de Direito Administrativo, Vol. 118/99.72 “Liberdade e Poder Regulamentar”. In: Revista de Informação Legislativa, nº 66, p. 60.

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124 |

Pacífi co, portanto, o entendimento no sentido de que o direito de defesa,

hoje consagrado no inciso LV do art. 5º da Constituição da República, é

garantia que não admite limitações no seu exercício, cabendo ao acusado o

direito de produzir sua defesa em toda plenitude, sem que lhe sejam impostas

restrições, quer por parte do intérprete quer da norma regulamentadora.

Na tranqüilidade da perfeita harmonia entre a norma invocada e

o texto constitucional, não se justifi cam preocupações maiores no que diz

respeito ao direito de defesa. Estando na mesma sintonia a lei ordinária e o

preceito constitucional ou, então, identifi cada a harmonia entre o intérprete e

a garantia instituída, nada há para se temer.

Nas palavras de Pontes de Miranda:

(...) é escusado invocar-se o § 15 - referindo-se à EC/69 - quando

a lei contém regras jurídicas que ministram meios sufi cientes e

recursos à defesa. Mas é de alta monta quando aos acusados

parece que a letra da lei ou a sua interpretação não atendem ao

que o § 15 declara ser direito constitucional73.

5.2 - A Ampla Defesa No Direito Administrativo

Uma vez verifi cada a imperatividade do dispositivo que trata do direito

subjetivo à defesa no diploma político, resta identifi car sua aplicação no

Direito Administrativo.

Mesmo quando ainda na vigência da EC/69, Sérgio de Andréa Ferreira

afi rmava que a ampla defesa no processo administrativo disciplinar tem sua

presença assegurada pela própria Carta Magna, pelo princípio da isonomia,

inscrito, àquele tempo, no §1º do art. 15374.

No mesmo passo, Agustin A. Gordillo, referindo-se à garantia também

prevista na Constituição Argentina:

El princípio constitucional de la defensa em juicio, en el debido

processo, es por supuesto aplicable en el procedimiento adminis-

trativo, y con criterio amplio, no restrictivo75.

73 Op. cit.74 Cf. Revista de Direito Público, nº 19/60.75 In: Revista de Direito Público, nº 10/16.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 125

Tal posicionamento decorre do lugar ocupado pelo direito administrativo

frente ao direito constitucional. Ainda que pertencentes a um ramo autônomo,

as normas de natureza administrativas, como, aliás, quaisquer outras, não

podem fi car indiferentes aos institutos constitucionais em vigor, notadamente

o direito à defesa.

Esse, sem embargo das demais garantias elencadas no capítulo consagrado

aos direitos e garantias fundamentais, se destaca pela sua própria fi nalidade,

constituindo-se em elemento indispensável a toda sociedade democrática.

Ou ainda, com muito maior profundidade, trata-se de um princípio geral de

direito, de uma regra de direito natural, imanente a todo indivíduo.

Por outro lado, a aplicação do princípio da ampla defesa no campo

disciplinar não implica colocar num mesmo plano as duas instâncias, isto

é, a penal e a administrativa. Efetivamente, ambas se situam em posições

diferentes, divergindo os autores nacionais quanto ao maior ou menor grau de

aproximação entre elas.

Para Nelson Hungria, “não há razão alguma para rejeitar-se o sistema

de subordinação da ação disciplinar à ação penal”76.

Themistocles Cavalcanti discorda, sustentando que:

(...) a boa doutrina está, a nosso ver, com os modernos autores de

direito administrativo, que dissociam o problema do direito penal

no conteúdo e na aplicação dos preceitos de direito disciplinar.

E arremata: “O importante é defi nir a posição de cada um: quem impõe

a pena criminal é o Estado, através do seu poder jurisdicional, quem aplica a

pena administrativa é a administração”77.

Nossa preocupação maior, entretanto, está ligada aos procedimentos

administrativos disciplinares, isto é, quando a administração responsabiliza o

servidor por violação das normas legais ou regulamentares, por ato omissivo

ou comissivo, responsabilização que se materializa através do acionamento do

“poder disciplinar”, isto é, a “faculdade de punir internamente as infrações

funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e

serviços da Administração”78.

76 Revista de Direito Administrativo, Vol 1, p. 25.77 Op. cit., p. 97 e 89.78 Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 5ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 96.

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126 |

É preciso não perder de vista que o ato administrativo de caráter

disciplinar, ainda quando discricionário, deve fi car restrito aos limites legais,

porquanto “a atividade administrativa supõe a preexistência de uma norma

jurídica, o que importa em afi rmar que a administração pública se faz debaixo

do ordenamento jurídico (legislação)”79.

Discricionário, em regra, é o ato punitivo, mas nem por isso, ou melhor,

exatamente por isso, não é arbitrário, pois ambos, discrição e arbítrio, não se

confundem. Aquele se conforma com os limites legais, contendo sua atuação

nas margens impostas. Este afronta os mesmos limites, com “ação contrária

ou excedente da lei”80. Um é legal e válido, o outro “sempre e sempre ilegítimo

e inválido”81.

Assim, não podem restar dúvidas de que a mácula do arbítrio no ato

administrativo desfi gura-o completamente, podendo se constituir, também,

em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa, já hoje eleito

como pressuposto de validade de todo ato administrativo, conforme há muito

proclamou o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, apoiando-se em Maurice

Hauriou82.

Doutrina e jurisprudência caminham juntas, hoje, no sentido da

ilegalidade do ato administrativo disciplinar imposto com inobservância do

princípio constitucional da ampla defesa. Dúvida, se houvesse, seria apenas

quanto à amplitude da defesa facultada ao acusado.

Não havendo parâmetros fi xados para caracterizar os contornos do direito

de defesa, o seu exercício fi ca diretamente ligado à menor ou maior severidade

da pena a ser aplicada ou, ainda, à necessidade de ação repressiva imediata, sem

que, neste último caso, a urgência implique a negação daquele direito.

Deste modo, em se tratando de falta leve, à qual corresponde, em

princípio, pena também mais branda, desnecessários se tornam procedimentos

complexos e demorados, sendo aceitos os meios sumários de apuração.

Não seria de boa técnica exigir, em qualquer processo administrativo

disciplinar, toda a complexidade dos procedimentos penais, inclusive pela

reconhecida existência de critérios próprios a cada uma das instâncias.

79 Simas, Henrique de Carvalho, Manual Elementar de Direito Administrativo, 2ª ed., p. 42.80 Meirelles, Hely Lopes, op. cit. p. 137.81 Idem.82 Cf. op. cit. p. 69.

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Respeitado que seja o contraditório, ainda que moderado, e já

poderemos ter satisfeita a exigência constitucional83.

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles:

por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do

rito adequado, como a cientifi cação do processo ao interessado,

a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu

direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos

cabíveis84.

O mesmo autor defende a desnecessidade de procedimentos rígidos ao

se tratar de infração de menor gravidade, quando podem ser utilizados os

meios sumários de apuração, tais sejam o “termo de declaração do infrator”,

a sindicância e a “verdade sabida”85.

Em qualquer caso, porém, é essencial que o acusado tenha oportunidade

de apresentar suas razões, se não para ilidir totalmente a culpa, pelo menos

para atenuar o rigor da penalidade a ser aplicada. Quanto mais completo for o

conhecimento, por parte do administrador, das condições objetivas e subjetivas

em que foi praticada a falta, melhor estará protegido o interesse público.

Discricionário que é o ato disciplinar, na grande maioria dos casos,

os juízos de conveniência e oportunidade devem atender aos interesses da

Administração, e não se pode pensar em dizer que é conveniente ou oportuno

para a boa administração que um servidor seja punido injustamente, inclusive

porque “o direito de se defender de qualquer imputação de falta funcional

constitui uma norma que envolve o prestígio da própria administração”86,

quando nada para evitar que decisão judicial venha invalidar o ato, com

evidente descrédito para o agente administrativo responsável e inegáveis

prejuízos para a administração.

Quanto ao termo de declaração do infrator, pouco há para se discutir

quando assinado espontaneamente, de preferência com duas testemunhas e

desde que confesse a autoria87.

83 Cf. Rubem Rodrigues Nogueira. In: Aplicação do Princípio da Ampla Defesa no Procedimento Administrativo Disciplinar, Revista de Informação Legislativa, nº 53/1977, p. 237.84 Op. cit. p. 642.85 Cavalcanti, Themistoccles Brandão. In: Tratado de Direito Administrativo, Vol III, p. 458.87 Cf. Hely Lopes Meirelles, op. cit. p. 652.

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A sindicância, a seu turno, quando precede a investigação mais

acurada, ou seja, o inquérito ou processo administrativo, pode ter caráter

sigiloso, dispensando o conhecimento do pretenso infrator, uma vez que

quando da fase seguinte – o processo – o mesmo poderá exercitar sua defesa.

Quando, porém, da própria sindicância a autoridade decide pela imposição

da pena, é necessário que ainda nessa fase se lhe tenha sido possibilitada a defesa,

qualquer que seja a gravidade da falta e a sanção a ser imposta.

É o que defende Agustin Gordillo:

En otras palabras, por más culpable que sea una persona, por

mejor que esté acreditada su falta, ello no puede fundar que no

sea escuchada para que exprese lo que quiera decir en su descarga,

o la prueba que quiera ofrecer; aún estando probado el hecho, la

prueba por el ofrecida puede servir para mitigar su culpa, dar un

diverso encuadre normativo a la cuestión, graduar la pena, pedir

luego gracia o indulto, etc88.

A aceitação desse critério impede também a ocorrência de procedimentos

sigilosos com evidentes propósitos de cercear a defesa do acusado, e, como

diz Agustin Gordillo, “el secreto del procedimiento sólo se justifi ca en casos

excepcionales” 89.

Evidente que certos casos, pela sua natureza, recomendam maior sigilo, sob

pena de prejuízo para a administração. Menor será, então, o número de pessoas

a quem o assunto deve ser divulgado. Ao acusado, no entanto, em nenhuma

circunstância se justifi ca negar conhecimento dos fatos que lhe são imputados, sob

pena de se ver irremediavelmente comprometido seu direito de defesa.

Aliás, o sigilo da acusação atingindo a pessoa do acusado conduz, de

imediato, à dúvida quanto à honestidade de propósitos do acusador.

Infelizmente, apesar de decorridos mais de dois séculos, ainda se fazem

verdadeiras as palavras do Marques de Beccaria, no clássico “Dei Delitti e

delle Pene”: “As acusações secretas são um abuso manifesto, mas consagrado e

tornado necessário em vários governos, pela fraqueza de sua constituição”90.

88 Op. cit. p. 23.89 idem p. 22.90 Bonesana, Cesare. In: Dos Delitos e das Penas, trad. por Paulo M. Oliveira, ed. Atenas/SP, p. 57.

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Quanto à “verdade sabida”, trata-se de princípio já consagrado no

direito disciplinar, consistindo na aplicação da pena sem maiores formalidades

na apuração, desde que a infração tenha sido praticada “na presença da

autoridade detentora do poder disciplinar”91.

O que se pretende, com a aplicação da verdade sabida, é a simplifi cação

do processo apuratório, no interesse da Administração, mas sem prejuízo para

o infrator. O procedimento é simplifi cado, mas não é eliminado.

Ainda que havendo fl agrância na presença da autoridade que aplicará a

pena, é necessária, pelo menos, a ouvida do acusado.

Assim têm decidido nossos tribunais, conforme recurso em mandado de

segurança, provido que reconheceu:

Por mais sumário, porém, que seja esse meio, entendo que se

imporá, pelo menos, a necessidade de ouvir o funcionário, antes

da imposição da pena, mormente se a suspensão é imposta por ter

o funcionário agido de má-fé 92.

Comentando a decisão citada, o professor Caio Tácito concorda com a

apuração da falta por meios sumários, ressaltando, entretanto, a necessidade da

audiência do infrator, admitida a oralidade, conforme as circunstâncias do fato93.

Na mesma linha decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

ao considerar insubsistente a pena de suspensão aplicada a um servidor pelo

princípio da verdade sabida, por entender que “a aplicação de qualquer pena,

sem que se enseje ao acusado direito de defesa, sem que o mesmo seja pelo

menos ouvido, fere princípio de Direito Natural de que ninguém pode ser

condenado sem ser ouvido. Inauditus nemo damnari potest. Princípio, aliás,

cristalizado no artigo 150, §15, da Constituição Federal”94.

5.3 - Ampla defesa no Direito Disciplinar Militar

O estudo da ampla defesa no âmbito militar aconselha que antes se dê

um mergulho no passado, para uma rápida análise de parte do §4º do Art. 10

do Decreto nº 79.985, de 19 de julho de 1977 (RDE).

91 Costa, José Armando da. In: Teoria e Prática do Direito Disciplinar, Forense, 1ª ed. 1981, p. 320.92 RMS nº 1664. In: Revista de Direito Administrativo, Vol. 37, p. 349.93 Idem, p. 351.94 Agravo de Petição nº 185.330. In: RJTJSP, Vol. 14, p. 220.

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Vejamos, inicialmente, o que dizia o referido parágrafo:

§ 4° - A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve

dar a solução no prazo máximo de oito dias úteis podendo, se

necessário, ouvir as pessoas envolvidas, obedecidas as demais

prescrições regulamentares. Na impossibilidade de solucioná-la

nesse prazo, o motivo deverá ser publicado em boletim e, neste

caso, o prazo não poderá exceder de 30 dias úteis.

Quando o legislador disse: “ouvir as pessoas envolvidas” poderia estar

se referindo apenas a terceiros que tivessem qualquer ligação com o fato

objeto de apuração.

O Regulamento, no entanto, não falava da audiência do acusado em

qualquer outro artigo, e o conhecimento dos dispositivos regulamentares

que precederam ao referido Art. 10, conforme veremos adiante, nos levam à

conclusão de que o acusado, nesse caso, é uma das “pessoas envolvidas”.

Por outro lado, ao condicionar a audiência do acusado – que, conforme

concluímos, está incluído no texto – à necessidade, podemos ser levados a crer

que se trata das faltas em que, por ocorrência de qualquer das hipóteses de

justifi cativa95, nenhuma punição era aplicada ao transgressor96.

Ora, se não lhe pesava ameaça de apenação, não havia necessidade

de defesa, que por si só já teria ocorrido com o conhecimento da cláusula

excludente pela autoridade, independentemente de qualquer manifestação do

subordinado.

Tal, entretanto, não é a inteligência da norma, conforme será demons-

trado a seguir.

No art. 74 do RDE vigente, até a decretação do seguinte97, temos o texto

em que se baseou o legislador para elaborar a norma em estudo. É também

naquele artigo que vamos encontrar a indicação sobre as origens do dispositivo

regulamentar, in verbis: “A parte deve ser a expressão da verdade, podendo a

autoridade a quem for dirigida, sempre que necessário, ouvir o acusado”.

95 Art. 16.96 Idem, parágrafo único.97 Dec. nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942.

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Como se vê, a audiência do acusado estava condicionada à necessidade,

assim decidida pela autoridade e, é fundamental o registro, se constituía em

faculdade concedida à autoridade e não em direito do acusado.

Quanto ao fato de ser a parte em seus termos tida como “expressão da

verdade”, deve-se ao princípio de presunção de verdade da palavra empenhada

pelo ofi cial, princípio esse que tem remotas origens na tradição castrense.

Na história do direito disciplinar do Exército Brasileiro, vamos

encontrá-lo no “Regulamento para Instrucção e Serviços Geraes”, elaborado

com inspiração no Código Disciplinar organizado por Clóvis Bevilacqua para

a Armada Nacional.

Dizia o Decreto no 9998, de 8 de janeiro de 1913, em seu art. 647:

A parte dada por offi cial contra qualquer subordinado, relativa

à infração da disciplina, será recebida pelo superior como

expressão da verdade, podendo, porém, a autoridade ouvir o

acusado quando entender necessário para formar perfeito juízo da

gravidade da falta.

Podemos afi rmar estar aí a gênese do §4º do art. 10, na parte relativa

ao direito de defesa, pois quer no regulamento anterior, primeiro do período

republicano98, quer no RDE do tempo imperial99 não há qualquer menção a

esse respeito.

O regulamento seguinte não trouxe modifi cações no artigo sob exame,

acrescentando, no entanto, a justifi cativa para a presunção de verdade da

participação de transgressão disciplinar por ofi cial, ou seja, “(...) em conseqüência

mesmo da própria situação dos ofi ciais, dos seus compromissos de honra para

com o Exército e a Nação, de suas pesadas responsabilidades” 100.

A presença de Pandiá Calógeras à frente da Pasta da Guerra não implicou

qualquer mudança, em que pese ter sido o primeiro e único civil, até agora, a

exercer aquele cargo. O regulamento adotado durante a sua gestão manteve,

inclusive, o mesmo número do artigo101.

98 Decreto nº 7459, de 15 de julho de 1909.99 Decreto nº 5884, de 8 de março de 1875.100 Decreto nº 12008, de 29 de março de 1916, arrt. 445.101 Decreto nº 14.085, de 3 de março de 1920.

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O próximo RDE, quando na presidência de Washington Luiz, foi o

que apresentou alguma inovação quanto à defesa do acusado. Em seu art.

387, manteve a credibilidade da parte apresentada por ofi cial, sob os mesmos

argumentos, mas deu um passo à frente na proteção ao acusado ao dispor no

mesmo artigo:

Quando se tratar de infração da disciplina, porém, a autoridade

a quem for dirigida a parte poderá ouvir o acusado, para formar

perfeito juízo da gravidade da falta ou quando este pedir para ser

ouvido102.

Longe de se tratar de garantia do exercício do direito de defesa, pois

ainda se constituía em faculdade concedida à autoridade, mesmo assim

é de se ressaltar a preocupação do legislador em possibilitar ao acusado,

explicitamente, pedir para ser ouvido, ainda que tal solicitação pudesse ser

negada.

Essa saudável preocupação, infelizmente, foi esquecida na reforma

regulamentar que se seguiu.

Com o Estado Novo103 foi simplesmente omitida a referência ao pedido

do acusado para ser ouvido, o que representou um retrocesso de quase uma

década.

Menos de um ano depois, novo regulamento era baixado104 repetindo os

termos do diploma que viria revogar.

Somente em 1942, com o Decreto nº 8835, de 23 de fevereiro de 1942,

a redação foi modifi cada, voltando a omitir os motivos para a adoção do

princípio da presunção de verdade ainda expresso no texto.

A partir de 1977, não mais encontramos referência direta, o que não

implica concluir pelo menor crédito às declarações dos ofi ciais nos dias de hoje.

Tal princípio, conforme dito anteriormente, se constitui em tradição no

Exército, como, aliás, em outros países.

Em Portugal, por exemplo, o Regulamento de Disciplina Militar, em

seu art. 91, sob o título “Força probatória da palavra de ofi cial”, diz, em

102 Decreto nº 19.040, de 19 de dezembro de1929.103 Decreto nº 1899, de 19 de agosto de 1937, art. 76.104 Decreto nº 2429, de 4 de março de 1938, art. 76.

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seu item 1: “A parte dada por ofi cial contra um seu inferior e respeitante a

actos por ele presenciados presume-se verdadeira e não carece de indicação de

testemunhas”105.

Essa presunção juris tantum pode ser ilidida por prova em contrário,

segundo expresso no item 2, do mesmo artigo.

O chamamento do acusado, para se defender das imputações que lhe são

feitas, poderia representar dúvida quanto à veracidade da parte oferecida pelo

ofi cial? Evidentemente não. Várias são as situações que poderiam ser colocadas

a título de exemplo para demonstrar que, para um perfeito conhecimento das

circunstâncias em que se deu a transgressão, é imprescindível que o acusado

seja ouvido sem que isso implique descrédito para o ofi cial.

Basta observar o regulamento na parte que trata do julgamento para ver

que uma decisão justa deve ser precedida da manifestação do infrator.

Como bem considerar, para o julgamento, sem o concurso do acusado,

as causas que determinaram a prática da transgressão106 ou a natureza dos

fatos ou atos que a envolveram107?

A mesma difi culdade será encontrada para estabelecer as causas de

justifi cação como obediência à ordem superior e motivo de força maior108,

ou ainda as circunstâncias atenuantes e agravantes109, que podem não ser

do conhecimento nem da autoridade que aplicará a punição nem do ofi cial

participante.

Se não por todas essas razões, que por si só bastariam para caracterizar

a necessidade de audiência do acusado no interesse da própria Instituição,

que se lhe reconheça o direito de defesa, por ser garantia constitucional, como

exaustivamente demonstrado.

Cabe lembrar que, quando se trata do julgamento de praças com

estabilidade para fi ns de exclusão a bem da disciplina ou reforma disciplinar, a

legislação específi ca que trata dos Conselhos de Disciplina110 garante a ampla

105 Decreto-Lei nº 142, de 9 de abril 1977. 106 Art. 14, nº 2.107 Idem nº 3.108 Idem art. 16, nºs 3 e 5.109 Idem arts. 17 e 18.110 Decreto nº 71.500, art. 9º.

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defesa dos acusados. Da mesma forma quanto aos Conselhos de Justifi cação,

que são os órgãos colegiados competentes para julgar, em primeira instância,

da indignidade ou incompatibilidade para o ofi cialato111.

Logo, o conteúdo do §4º do art. 10 do RDE não era aplicável a essas

hipóteses, atingindo, entretanto, todos os demais casos, ou seja: advertência,

repreensão, detenção e prisão até 30 dias, para todos os militares do Exército,

do soldado ao general, e licenciamento a bem da disciplina, para os soldados,

cabos e sargentos, desde que contassem menos de 10 anos de serviço.

Cabe, fi nalmente, acrescentar que o §4º do art. 10, com a redação

até aqui comentada, quando nada representava uma violação ao princípio

isonômico consagrado na Constituição Federal.

Comparando-se o dispositivo regulamentar vigente no Exército com seus

correspondentes na Marinha e Aeronáutica, temos claramente estabelecido um

tratamento diferenciado para as mesmas circunstâncias fáticas.

A afi rmação de que todos são iguais perante a lei visa também, impedir:

“(...) que se crie tratamento legislativo diverso para idênticas ou assemelhadas

situações de fato. Impede, em suma, que o legislador trate desigualmente os

iguais”112.

Concluída essa rápida visita ao passado, é possível dizer que o problema

está completamente ultrapassado nos dias de hoje.

O RDE instituído pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002,

consagrou defi nitivamente o direito de defesa para aqueles que a ele estão

sujeitos no art. 35 parágrafo primeiro:

§ 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao

transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa,

inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para

aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.

Os atos disciplinares emanados de autoridade militar estão sujeitos ao

judicial control no que diz respeito à legalidade, como de resto qualquer ato

administrativo, conforme veremos mais adiante.

111 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.112 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira, op. cit., p. 36.

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Ainda que sujeito a um regime disciplinar diverso do funcionário civil, o

militar não deixa de pertencer ao gênero “servidor público”, subordinado ao

Poder Executivo, abrangido, portanto, pelas regras do direito administrativo

como um todo113.

Não é outra a idéia que nos deixa a estrutura constitucional, bem como

o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 67, que dispõe sobre a organização

da Administração Federal, estabelecendo diretrizes para a chamada Reforma

Administrativa114.

Aqui, mais uma vez, nos socorremos das palavras do mestre Themistocles

Brandão Cavalcanti:

Embora não se possam os militares enquadrar dentro do conceito

de funcionário público, é indiscutível a sua integração em seu

ramo especial dos funcionários do Estado, em seu sentido mais

amplo, pelo menos no que diz com seu regime jurídico, direitos,

deveres, vantagens115.

As características peculiares da atividade militar foram perfeitamente

identifi cadas pelo tratadista italiano V. E. Orlando, que dedicou todo um

volume de sua obra116 ao direito administrativo militar, este com a colaboração

de C. Corradini.

Ao tratar da autonomia sistemática do campo reservado ao direito

administrativo militar117, diz o jurista italiano:

Nella sfera quindi del diritto amministrativo il campo riservato

al diritto militare è completamente autonomo, come autonoma e

distinta da tutte le altre attivitá statuali è l’attività militare.

Una tale autonomia sistematica non signifi ca peraltroche questa

campo della nostra scienza sia governato da principi diversi e

contrari a quelli che regolano rimamente vita guiridica delli Statu,

ma solo che è necessario per la conoscenza precisa di questa parte

113 Cf. José Armando da Costa, op. cit., p. 14.114 Ver Decreto-Lei nº 200, arts. 1º, 2º, 4º I e 45 a 67.115 Tratado de Direito Administrativo, Vol. IV, p. 488.116 Primo Trattato Completo di Diritto Amministrativo Italiano.

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della scienza, per spiegarne certe peculiaritá e certe necessità

giuridiche, che essa abbia nel concetto dell’attività dello Stato il

suo posto, che sia messo in giusta luce il suo carattere peculiare con le

sue ineluttabili necessità118.

Como se vê, o melhor entendimento é no sentido do reconhecimento das

peculiaridades da administração militar, seu modus vivendi próprio, mas, nem

por isso, obviamente, ao arrepio dos princípios gerais de direito, em afronta ao

ordenamento jurídico.

“A nenhuma comunidade se exige tanto de seus componentes como a

militar; pois o sacrifício da própria vida é, mais do que um simples risco do

serviço, um dever do soldado, em certos casos”119.

Enfoque semelhante encontramos na legislação específi ca francesa:

L’état militaire exige en toute circonstance discipline, loyalisme et

esprit de sacrifi ce. Les devoirs qu’il comporte et les sujections qu’il

implique méritent le respect des citoyens et la considération de la

nation120.

Evidentemente, para condições tão especiais de trabalho, especial

também há de ser o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses

da instituição militar com os direitos dos que a ela se dedicam.

Desta forma, a rigidez do regime disciplinar, consubstanciada nas

necessárias manifestações de obediência e respeito e na severidade das sanções

a que estão sujeitos os militares, não pode ser confundida com supressão dos

seus direitos.

Jean-Claude Roqueplo, comentando os avanços do Estatuto dos Militares

da França, diz: “Ce fait confi rme que le statut général des militaires n’est pas

conçu dans un esprit de restriction des droits mais dans un esprit d’adaptation

au particularisme de la fonction” 121.

117 Libro I, Capo I, §1º, p. 3 a 14.118 Op. cit., Vol. X, p. 8.119 Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 142/77, de 9 de abril de 1977, da República Portuguesa.120 Article premier du statut général. 121 “Le Statut des Militaires”, Notes & Etudes Documentaires. In: La Documentation Française, Paris, 1979, p. 197.

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Os militares no Brasil têm seu Estatuto acompanhando a mesma escola,

com aquele diploma regulando não apenas os deveres e obrigações, mas

também os direitos e prerrogativas122.

No Exército, o Regulamento Disciplinar, além de especifi car as

transgressões e as normas para aplicação das penas, dedica toda uma parte

aos recursos ao alcance dos que se julgam prejudicados, uma outra ao

cancelamento das punições, como incentivo para melhoria de classifi cação do

comportamento, e ainda uma terceira às recompensas a que fazem jus a título

de reconhecimento pelos bons serviços prestados.

Não obstante, de pouco ou nenhum valor serão todas essas prescrições

se, paralelamente, não for respeitado aquele que consubstancia os demais

direitos, quando acionado o poder punitivo.

O direito de defesa, em sua forma ampla, como quer o texto constitucional,

princípio de Direito Natural que é, erigido em essência do Estado de Direito123,

não pode estar ausente entre as garantias ao alcance dos militares.

Poder-se-ia mesmo afi rmar que o direito de defesa precedeu às demais

garantias individuais, presente que foi à “apuração” da primeira das

transgressões da história da humanidade quando o Senhor, renunciando à

Sua onisciência, chamou Adão para fazer sua defesa antes de expulsá-lo do

Paraíso. “Perguntou Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da

árvore de que te ordenei que não comesses?” (Gênesis 3, 11)124.

Reportando-nos mais uma vez à França, encontramos o direito de

defesa na sua forma mais simples, ou seja, a audiência do acusado, expresso

no Reglement de Discipline Générale dans les Armées 125, em seu artigo 33,

entre outras garantias:

Le droit de s’expliquer: avant que la punition ne lui soit infl igée, le

militaire a le droit de s’expliquer sur les faits qui lui sont reprochés,

oralement devant le chef de corps ou son délégué, oralement ou

par écrit lorsque l’autorité qui infl ige la punition est placée au

dessus du chef de corps.

122 Lei nº 6880, de 9 de dezembro de 1980, art. 1º.123 Cf. Agustin Gordillo, op. cit., p. 17.124 Wade, H. W. R., Apud Agustin Gordillo, op. cit., p. 17.125 Décret nº 75.675, du 28 Juillet 1975.

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Em Portugal, o Regulamento de Disciplina Militar126, largamente

infl uenciado pela nova ordem constitucional portuguesa que se seguiu à

Revolução dos Cravos, também contemplou aquele princípio, conforme

expresso no item 1 do artigo 90, onde se lê: “O argüido é sempre ouvido

sobre os factos que constituem a sua argüição, qualquer que seja a forma do

processo”.

Nota-se, inclusive, quanto ao processo, a preocupação do legislador

português em suprir a lacuna do regulamento anterior (1913) que omitia

qualquer referência ao processo disciplinar. O novo Regulamento de Disciplina

Militar consagra formalmente o princípio do contraditório e a nota de culpa

de modo a possibilitar “ampla e completa defesa do argüido”127.

Assim, o processo disciplinar em Portugal é obrigatório128, sumário e

sem formalidades “inúteis, impertinentes ou dilatórias”129, escrito130, podendo

ser adotada a oralidade com todas as diligências instrutórias feitas diretamente

pelos chefes quando “em campanha, em situações extraordinárias ou estando

as forças fora dos quartéis ou bases”131, “ou quando as infracções forem de

pouca gravidade e não derem lugar à aplicação, no processo, de pena igual ou

superior à prisão disciplinar”132.

Entretanto, ainda que o processo tenha forma simplifi cada em razão das

circunstâncias ou da punição a ser infl igida, o acusado será sempre ouvido 133.

Em junho de 1951, o descumprimento do princípio da ampla defesa

levou o Supremo Tribunal Federal a conceder mandado de segurança para

anular a pena de prisão imposta ao Almirante Penna Botto. Do memorável

julgamento, podemos destacar o voto do Ministro Nelson Hungria, pela

veemência com que aborda a questão:

O princípio de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido,

inscrito através dos séculos na consciência jurídica universal,

126 Decreto-Lei nº 142, de 9 de abril de 1977.

127 Exposição de Motivos do Regulamento Disciplinar Militar de Portugal.128 RDM, art. 77.129 Idem, art. 80.130 Idem, art. 83, 1.131 Idem, nº 2.132 Idem. nº 3.133 Art. 90, item 1.

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não é apenas um princípio consagrado no próprio Regulamento

da Marinha, citado pelo Sr. Ministro Relator, senão também

uma garantia implícita na Constituição, de uma Constituição

democrática, como é a nossa, marcadamente individualista e liberal,

chegando mesmo a cheirar à pólvora da Revolução Francesa.

É uma pena disciplinar grave, que importou não numa mera

advertência, mas em privação de liberdade, sem que precedesse a

audiência do acusado, o que vale dizer: aplicada arbitrariamente,

ilegalmente. Por isso mesmo não pode constar do curriculum

militar do impetrante134.

EXERCÍCIOS

41. Quais os limites da ampla defesa garantida no inciso LV do art. 5º da

Constituição da República, no caso das transgressões disciplinares?

42. Em que consiste o “princípio da verdade sabida”?

43. A audiência do acusado para apresentar suas razões implica descrédito para o

signatário da parte que noticiou a transgressão? Justifi que sua resposta.

6 - CONTROLE JUDICIAL

6.1 - A atuação do advogado

Diz a Constituição da República de 1988 que o advogado é indispensável

à administração da justiça (art. 133). Daí que, ao se falar em controle judicial

dos atos administrativos, a fi gura do advogado se sobressai.

Dúvida não há que as sanções a que estão sujeitos os militares submetidos

aos Conselhos de Justifi cação ou de Disciplina são da maior gravidade. A

demissão, para os ofi ciais, e a exclusão a bem da disciplina, para as praças,

implicam que os mesmos sejam afastados defi nitivamente da carreira das

134 RMS nº 1374. In: Archivo Judiciário, Dez/51, p. 340.

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armas, sem qualquer direito pecuniário, não podendo ser esquecido que sobre

eles desaba, a partir de então, o estigma da deshonra, qualquer que seja o

tempo de serviço que já tenham prestado.

Para uma pena de tal ordem, obviamente, são recomendados cuidados

especiais, para evitar que se cometam injustiças, e o art. 1º do Decreto

nº 71.500, de 5 de dezembro de 1972, que dispõe sobre os Conselhos de

Disciplina, demonstra essa preocupação:

Art. 1º. O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da

incapacidade do Guarda-Marinha, do Aspirante-a-Ofi cial e das

demais praças das Forças Armadas com estabilidade assegurada,

para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo,

condições para se defenderem.

O art. 1º da Lei nº 5836/72, que trata dos Conselhos de Justifi cação,

guarda termos semelhantes e, em ambas as normas – Decreto-Lei nº 71.500 e

Lei nº 5836 – nos artigos 9º respectivos, temos expressamente consignado que

ao acusado é assegurada ampla defesa, complementando os termos contidos

no artigo primeiro anteriormente transcrito.

Justamente nesse ponto sobressai grande diferença entre os processos

dos Conselhos de Disciplina e dos Conselhos de Justifi cação.

A Lei nº 5836 silencia sobre a atuação de advogado na defesa do ofi cial

justifi cante e, em regra, quando ainda nessa fase, os próprios ofi ciais acusados

não procuram um advogado para atuar em defesa de seus interesses, preferindo

eles mesmos, com as defi ciências naturais e compreensíveis, elaborarem a

defesa escrita. O desequilíbrio entre a acusação e a defesa é fl agrante, situação

que somente é corrigida, ou pelo menos amenizada, quando o processo chega

ao Superior Tribunal Militar e novamente o ofi cial é intimado para oferecer

defesa escrita.

A questão é antiga e, apesar de já haver Parecer aprovado pelo então

Ministro do Exército a respeito, a grande maioria dos ofi ciais desconhece

seu direito de ter a defesa patrocinada por advogado desde a instauração do

Conselho.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 141

Respondendo consulta formulada por um comandante militar, o então

Consultor Jurídico do Ministério do Exército, Dr. Antonio José de Lima

Guimarães assim se manifestou:

Bem de ver, entretanto, que a ampla defesa assegurada na

Constituição e no art. 9º da Lei nº 5836/72, acima enfocado, só

se pode compreender como a oportunidade concedida ao ofi cial

de acompanhar todos os atos do Conselho, pessoalmente ou por

procurador, regularmente constituído para o caso.

A Lei, como visto, faculta ao ofi cial defender-se em tempo hábil,

das acusações que lhe forem atribuídas, mas não o obriga a fazê-lo,

mesmo porque a revelia é um ato de vontade que depende de uma

deliberação íntima do interessado. O importante, porém, é que o

justifi cante seja intimado para comparecer perante o Conselho de

Justifi cação, a fi m de que possa exercer o direito de defesa que lhe

é assegurado pela Lei Magna.

Cumpre, ainda, - prossegue o ilustre Consultor - esclarecer que,

dada a natureza do processo e dos fatos a serem apurados, a

defesa, quando não efetuada pelo próprio interessado, deverá

recair, necessariamente, na pessoa de um advogado, já que é o

elemento habilitado para tal.

E conclui:

Contudo, inexiste óbice de natureza legal que impeça a

designação de um outro ofi cial para defender o justifi cante junto

ao Conselho, tanto mais que se trata de um processo especial

de índole administrativa, à cuja mecânica processual se aplicam

subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal Militar,

nas lacunas do diploma legal que o disciplina135.

Problema mais grave vivenciam as praças submetidas a Conselho de

Disciplina. O Decreto-Lei nº 71.500, no §4º do art. 9º, dispõe:

135 Parecer nº 112/CJMEx, de 26 de outubro de 1978.

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| Direito Constitucional Militar

142 |

§4º. O processo é acompanhado por um ofi cial:

a) indicado pelo acusado, quando este o desejar para orientação

de sua defesa; ou

b) designado pela autoridade que nomeou o Conselho de Disciplina,

nos casos de revelia.

Tal dispositivo, que certamente visa maior proteção do acusado,

permitindo, se assim o desejar, ter um ofi cial de sua livre escolha para ajudá-

lo na árdua tarefa, pode ser interpretado como impeditivo da atuação de

advogado.

No Mandado de Segurança nº 9880-9, ajuizado no ano de 1987 – antes,

portanto, da atual Constituição da República de 1988, na 2ª Vara Federal,

Seção Rio de Janeiro – por um 1º Sargento acusado perante um Conselho de

Disciplina, a autoridade impetrada sustentou exatamente a impossibilidade de

atuação de advogado nos Conselhos de Disciplina e a desnecessidade diante da

possibilidade de ser orientado por um ofi cial de sua escolha.

Apesar de deferida a liminar, o Presidente do Conselho de Disciplina

suspendeu o processo até que recebesse orientação do escalão superior sobre o

acatamento ou não da determinação do Juízo.

Tão fortemente arraigadas estão certas posturas no meio militar que

os refl exos se fazem sentir em alguns setores da sociedade civil, inclusive no

mundo jurídico, a ponto de doutos se aliarem a algumas posições nitidamente

arbitrárias quando se trata de assunto interna corporis, mais acentuadamente

nas questões disciplinares.

No mandado de segurança referido, o ilustre Procurador da República,

que se pronunciou a respeito, certamente se fi lia à corrente de Seabra Fagundes,

conforme se depreende dos termos da sua manifestação:

Improcede a pretensão do Impetrante. De pronto por importar,

se atendida, na quebra do princípio da igualdade já que só ele

seria assistido por advogado com evidente inferiorização para o

acusador e o próprio Conselho, pois, militares de carreira, não

possuem especialização profi ssional em advocacia.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 143

Não bastasse, porque a intervenção de advogado em quartéis,

navios ou aviões de guerra, na fase disciplinar não se coaduna

com os princípios que regem as organizações militares, que não é

privilégio do Brasil, antes ocorre em todos os países.

As Forças Armadas em todo mundo civilizado, criadas preci-

puamente, com o mesmo propósito de exercer as artes da guerra,

caracterizam-se por serem organismos regidos por princípios

próprios e que são iguais em todas elas. Quer pertencentes aos

países mais desenvolvidos quer as dos menos afortunados; sejam

oriundas de sistemas políticos totalitários, ou de formação política

mais liberal; uma só idéia a todas preside, um só e mesmo princípio

as informa: o rígido respeito a hierarquia e a disciplina.

A disciplina e a hierarquia - prossegue ele -, para a organização

militar é a seiva que as institucionaliza, dá-lhe coesão e mantém-

na viva. Permitida que fosse a sua violação a instituição perderia

unidade, se degradaria, decaindo do status de organização para o

de mero ajuntamento armado.

Realmente, a organização castrense é regida por princípios de

todo próprios. O respeito exigido aos superiores hierárquicos,

mormente nos quartéis, ou nas restritas dependências dos navios

e aviões de guerra – ‘a continência’, a ‘posição de sentido’, ‘a

ordem unida’, a noção do ‘pundonor militar’, a liderança exigida

de seus chefes - tudo isto são requisitos tipicamente militares e

que lhe dão características especiais sem qualquer paralelismo ou

correspondência nas organizações civis públicas ou privadas.

Nem mesmo nas carreiras das demais instituições permanentes

do Estado - Diplomática, Magistratura, Ministério Público - em

nenhuma delas a hierarquia e a disciplina assumem o signifi cado

exigido entre os militares.

Assim é porque tais peculiaridades fazem parte da vida militar

porque por serem indispensáveis à arte de fazer a guerra, que

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| Direito Constitucional Militar

144 |

se resume em constantes ordens de uns dadas a outros, que não

admite, como é óbvio, discussões, divergências ou tergiversações,

mas sim, o cumprimento sem discussões ao que foi anteriormente

deliberado.

É evidente que em tal contexto os problemas disciplinares entre

os militares ganham realce de todo próprio que se distingue

radicalmente daqueles ocorridos na vida civil. Lá são apreciados a

partir do mesmo enfoque que é dado interna corporis por aqueles

que se habituaram a viver o problema dia a dia a partir - repita-se

- da noção arraigada que têm de disciplina. Vale dizer hão de ser

solucionados pelo pessoal ‘do ramo’, pelos iniciados nos mistérios

da Ordem (...).

Por isso o Decreto 71.500, de 05/12/972, dispôs que os casos

de disciplina seriam apreciados por 3 ofi ciais, que integram o

Conselho de Disciplina, sendo o acusado defendido por ofi cial

também militar (art. 9º, §3º).

Ou seja, em tal fase, tudo se há de resolver no âmbito estritamente

militar.

Ora, ante tal contexto a introdução do advogado no quartel militar

ou em navio de guerra para defender o acusado, sobre jogar por terra

contradição mais do que sedimentada e se mostrar extravagante

(já que o advogado não participa e não está impregnado daquele

verdadeiro animus, de outro como já se disse quebraria o princípio

da igualdade que deve presidir a todas as relações e, o que é mais,

com fl agrante inferioridade para o acusador e para os próprios

ofi ciais deliberadores integrantes do Conselho que serão mestres

nas artes da guerra mas, não sendo juízes togados nem advogados,

não são mestres nas artes e artimanhas da advocacia... Tudo, com

grave prejuízo para a disciplina e a hierarquia que é exatamente o

que se procura preservar.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 145

Quanto à garantia constitucional do direito a ampla defesa há de

ser entendida modus in rebus. Quando a Constituição assim dispõe

visou assegurar ao acusado todos os meios de defesa facultando-

lhe a produção das provas que entender cabíveis. Mas isto não quer

dizer que necessariamente devessem ser produzidas por advogado.

Embora normalmente assim ocorra, não se pode negar, por outro

lado, que tal preceito deve ser adequado à realidade cotejado com

os demais princípios existentes já sedimentados dentre os quais

ora tratado.

A verdade é que, com exceção da presença do advogado, o

processamento nos casos disciplinares é feito de forma escorreita e

a mais livre possível dispondo o Decreto 71.500 que além de lhe ser

fornecido ‘o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias

o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados’

(art. 9º) ‘ao acusado é assegurado ampla defesa’ (idem) no uso da

qual ‘pode o acusado requerer a produção’... de todas as provas

permitidas no Código de Processo Penal Militar (art. 2º) podendo

até ser expedidas Cartas Precatórias (§3º), sendo que ‘o processo é

acompanhado por um ofi cial (§4º), indicado pelo acusado’.

Portanto, na fase meramente disciplinar encarregada de verifi car se

houve ou não indisciplina, descabe a intervenção de outras pessoas.

Quanto a possíveis injustiças porventura cometidas próprias da

falibilidade humana poderão ser oportunamente corrigidas pela

autoridade militar superior sendo certo ainda que nos casos de

exclusão a bem da disciplina cabe ao Ministro Militar respectivo

‘julgar os recursos que forem interpostos nos processos oriundos

dos Conselhos de Disciplina’ (art. 15).

E, após tudo isto - concluiu o fi scal da lei -, o apelo ao Judiciário

quando será instaurado o necessário contencioso com as partes

envolvidas, aí sim, assistidas por advogado.

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| Direito Constitucional Militar

146 |

Tal interpretação de há muito foi banida pela consciência jurídica dos

povos civilizados. No direito brasileiro, há mais de um século não se admite

a independência do Direito Militar nesse nível, de modo a transformar os

quartéis em fortalezas inexpugnáveis ao Direito e à Justiça, como nos tempos

dos “Artigos de Guerra”, de Frederico Guilherme, conde de Schaumburg-

Lippe, adotados em Portugal a partir de 1763 e também no Brasil Colônia.

Clássicos brasileiros como “Direito Penal Militar” e “Direito, Justiça e

Processo Militar”, ambos de Esmeraldino Bandeira, ou ainda “Direito Penal

Brasileiro”, de Crhysólito de Gusmão, entre outros, escritos no princípio deste

século, já sepultaram tais entendimentos.

Compreende-se tal posição quando partindo da autoridade militar.

Inaceitável, no entanto, se defendida pelo Ministério Público, inclusive porque,

em sede de mandado de segurança, a Procuradoria da República atua não

como representante da parte, mas como fi scal da lei. Inaceitável, repita-se, que

o representante do Ministério Público se manifeste em tais casos no sentido de

que se desmereça a doutrina, a jurisprudência e a própria lei, a um só tempo,

em nome de uma pretensa “tradição mais do que sedimentada”.

E não se diga que se trata de tentativa liberalizante “extravagante”,

pois ainda que se reconheçam as peculiaridades das atividades castrenses,

não é menos certo que o exercício do Poder Disciplinar está subordinado aos

parâmetros legalmente fi xados, e, como não poderia deixar de ser, tem seus

pressupostos jurídicos no Direito Administrativo e, com muito mais razão, no

Direito Constitucional.

Não se perca de vista, por outro lado, que a disciplina, tão decantada

pelo ilustre representante do Ministério Público naquela oportunidade, “é a

rigorosa observância e o acatamento das leis”136, e de outra forma não poderia

ser, uma vez que as Forças Armadas, nos termos constitucionais, destinam-se a

defender e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.

Raciocínio diverso nos levaria a dizer que as Forças Armadas se subme-

tem à lei, mas para a consecução de seus objetivos é permitido aos superiores

hierárquicos afrontarem a própria lei que se propõem garantir. Seria o

paradoxo de eleger a ilegalidade para garantir a legalidade, em lamentável

reedição de Maquiavel.

136 Estatuto dos Militares, Lei nº 6880/80, art. 14, §2º.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 147

Infeliz, de igual modo, a alegação de que estaria vulnerado o “princípio

da igualdade” entre as partes porque os ofi ciais integrantes do Conselho de

Disciplina não possuem especialização profi ssional em advocacia.

Esqueceu-se o representante do Ministério Público que esses mesmos

ofi ciais, ex vi legis, podem fazer parte dos Conselhos Especiais e Permanentes

da Justiça Militar, sendo competentes para condenar civis e militares a penas

de até 30 (trinta) anos de reclusão em tempo de paz.

Se há desigualdade entre as partes nos Conselhos, a parte em inferioridade

certamente é o acusado, e não a Administração. Daí a necessidade de ampliação

do conceito de acesso à Justiça.

É forçoso concluir, portanto, que a natureza administrativa do Conselho

de Disciplina instituído pelo Decreto nº 71.500/72, para aplicação nas Forças

Armadas, não obsta que o advogado exerça seu munus, e nem aquele diploma

em qualquer de seus artigos permite tal interpretação restritiva.

O fato de haver o legislador permitido que o acusado indique um ofi cial

para orientar sua defesa “quando este o desejar”, não implica necessariamente que

a defesa não possa ser produzida por advogado de livre escolha do acusado.

A escolha do defensor é ato de livre vontade do acusado, infl uindo nesse

julgamento soberano vários fatores, quer de caráter objetivo como subjetivo.

Ao acusado cabe, preferencialmente, eleger aquele que entende capaz para

defender seus direitos das possíveis lesões de natureza jurídica, assim como o

faz quando escolhe o médico a quem confi a sua saúde física.

Atente-se, no entanto, que a fi gura do ofi cial como julgador dos atos

praticados pelas praças que lhe são subordinadas e ao mesmo tempo como

protetor dos direitos dos mesmos subordinados, quando indicado para

auxiliar a defesa das praças acusadas, pode ter raízes históricas e não apenas

nos conceitos de hierarquia e disciplina, comuns a todos os exércitos.

Remontando-se à Guerra do Paraguai, vemos que até aquele momento

os confl itos envolviam sempre a Guarda Nacional, com nítida infl uência da

dimensão escravagista da época, com a evidente diferenciação de dois grupos:

cidadãos livres e escravos 137.

137 Cf. SALLES, Ricardo. In: “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército”, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1990.

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| Direito Constitucional Militar

148 |

Até então, servir nas fi leiras do exército era algo que vinha

acompanhado do estigma de degradação social; os recrutados

eram obtidos junto aos elementos desqualifi cados (como tais

defi nidos pela ordem e pelo pensamento dominantes vigentes) da

população: desocupados, vagabundos e malandros138.

A realidade da guerra colocou lado a lado ofi ciais e soldados, e as

contradições afl oraram com maior nitidez, não passando sem registro pelos

chefes militares.

Em correspondência dirigida ao Ministro dos Negócios da Guerra, em

1868, Caxias alertava:

Vossa Excia. sabe melhor do que ninguém que, por um concurso

de circunstâncias deploráveis, o nosso Exército contava sempre em

suas fi leiras grandes maiorias de homens que a sociedade repudiava

por suas péssimas qualidades....chegando a tal ponto o seu estado

atual, que já se encontra suma difi culdade de se acharem praças,

que possam ser Cabos e Sargentos139.

Em verdade as dicotomias senhor-escravo, tutor-tutelado são histori-

camente confundidas com superior-subordinado, situação que pode ser

comparada à vivenciada pelos ofi ciais nos Conselhos de Disciplina.

A Ordem do Dia nº 949, de 20 de julho de 1898, demonstra a

responsabilidade que recaia sobre os ofi ciais em relação à proteção devida às

praças a eles subordinadas, mesmo nas questões de natureza civil:

Cabendo às praças de pret a proteção e amparo da administração

do exército, até que se emancipem quando são escusas do serviço;

sendo desagradável ver comparecer perante a barra do Tribunal,

com seus uniformes militares, um defensor da Pátria e ouvi-lo

declarar aos seus juizes que não tem quem o ampare e defenda

na contingência precária em que se acha, sendo preciso recorrer

138 Idem, p. 62.139 “Cartas, Reservados e Confi denciais Referentes à Campanha do Paraguai (1867-69) livro 4, Arquivo Nacional, códice 924, apud Ricardo Salles, op. cit. p. 139/140.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 149

à caridade de alguém a convite do presidente do Juri, que quase

sempre o faz de modo solene a que o obriga a alta função que

exerce; não sendo lícito que se deixe o acusado entregue aos azares

da sorte, devendo-se acompanhá-lo sempre, até que, convencido

do crime que lhe é imputado, seja desligado do seu batalhão ou

regimento e entregue à justiça que o tem de punir, recomenda-se

instantemente a observância do que dispõe o §3º do art. 23 do

regulamento aprovado pelo Decreto nº 338, de 23 de maio de

1891, que considera a companhia como uma família, cujo chefe

é o capitão, a quem cabe exigir o dever, a obediência e atenção e

também amparar e proteger a cada um dos seus comandados, de

modo a que se faça sempre justiça.

Por isso deverá, nestes casos, promover a defesa de seus

comandados, impedindo assim que os processos a que responderem

não corram à revelia, desde o seu início, procurando quem a isso se

preste gratuitamente, o que não será diicil encontrar, já no próprio

exército, já na benemérita assistência judiciária do Instituto da

Ordem dos Advogados140.

Nos dias atuais a presença do advogado nos Conselhos, tanto de

Justifi cação como de Disciplina, é comum, sendo excepcionais as resistências

por parte dos comandantes, e também rotineira a presença de advogados

dando assistência jurídica no caso de simples punições disciplinares.

A atuação de advogados no interior dos quartéis para exercício da

defesa de militares em transgressões disciplinares não é vista com bons olhos

por alguns.

O problema tende a se agravar com a recente decisão do Superior

Tribunal de Justiça ao editar a Súmula nº 343, com um Enunciado curto, mas

devastador141: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do

processo administrativo disciplinar.”

140 CASTELLO BRANCO, Cândido Borges. In: Consultor Militar, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 4ª edição, 1911, p. 144.141 Julgamento em 12 de setembro 2007. DJ 21.09.2007.

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150 |

Ainda que a decisão tenha em mira o regime jurídico dos servidores

civis, não faltarão argumentos para que o mesmo entendimento seja adotado

para os militares.

6.2 - O Habeas corpus e as transgressões disciplinares

“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder”.

Esse o teor do inciso LXVIII do art. 5º da Constituição da República, no

Título II, que trata Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

No art. 142 da mesma Carta, temos o §2º, onde consta que “Não caberá

habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.

A restrição contida no §2º do art. 142 da Constituição não é recente.

A Constituição de 1934, em seu art. 113, item 23, inaugurou a matéria,

seguindo-se-lhe as demais até a atual, de 5 de outubro de 1988. Vale registrar

que, desde o anteprojeto de Constituição encaminhado ao plenário da

Assembléia Nacional Constituinte de 1988, a restrição ao cabimento do

habeas corpus, nas transgressões disciplinares, foi extirpada do §48 do art. 5º,

restaurando assim, aparentemente, a dignidade do instituto. Aparentemente

porque a vedação espúria foi remetida para a parte que trata especifi camente

das Forças Armadas.

Menos mal, sem dúvida, ainda que permaneça a questão de fundo, pois

agora temos o confronto entre o instituto consagrado no Título “Dos Direitos

e Garantias Individuais” e uma restrição injustifi cada no Título “Da Defesa

do Estado e das Instituições Democráticas”, o que demonstra a inequívoca

tendência em atribuir maior relevância à defesa do Estado.

O Código de Justiça Militar baixado com o Decreto-Lei nº 925, de 2 de

dezembro de 1938, acompanhando o legislador constitucional, exibia, no §6º do

art. 272, que tratava do cabimento do habeas corpus, a mesma restrição quanto

às transgressões disciplinares. O diploma processual anterior, Regulamento

Processual Criminal Militar, de 1895, não tratava da matéria apesar de há dois

anos o assunto já estar pacifi cado pelo argumento das armas.

No início do século passado, o Aviso de 19 de fevereiro de 1834,

proclamava: “A ordem e habeas corpus não pode ser passada em favor dos

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

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militares presos militarmente, não só por ser oposto às leis que os regem, como

por ser contrária à subordinação e disciplina do exército”142.

No mesmo tom, um outro Aviso, de 30 de agosto de 1865: “Aos milita-

res presos militarmente é contrária às suas respectivas leis e à disciplina do

exército a concessão de soltura por habeas corpus” 143.

O confronto decisivo entre a toga e a espada ocorreu em 1894, quando

o Governo não deu execução às decisões do Supremo Tribunal Federal que

concederam habeas corpus a um ofi cial reformado da armada e outro do

exército, presos por crime militar, sob o argumento de que tais decisões eram

“contrárias a todas as leis e immemoriaes estylos militares”.

No ano seguinte, ao decidir sobre o pedido de habeas corpus impetrado

em favor de um tenente reformado da armada, o Supremo Tribunal Federal fez

a toga ceder às armas e negou o habeas corpus.

O Capitão Cândido Borges Castello Branco registra o episódio nesses

termos:

O Supremo Tribunal Federal, em Accórdão de 14 de agosto de

1985, negando habeas corpus a um tenente reformado da armada

por ser elle militar e estar sujeito ao respectivo fôro, declarou que

em 22 de setembro de 1984 tendo o mesmo Tribunal concedido

ordem de soltura por habeas corpus a dois offi ciais reformados,

recusou o Presidente da República mandar cumprir a decisão,

por consideral-a contraria a todas as leis e immemoriaes estylos

militares, como disse o ministro da Guerra em Aviso de 25 do

mesmo mez. Por mais sólidos que sejam os fundamentos dessa

asserção, o acto do Poder Executivo violou abertamente a

Constituição, atentando contra uma decisão soberana do Poder

Judiciário Federal, embora em desaccôrdo com a jurisprudência

uniforme constante e quasi secular, de que fez menção o Accordão

de 2 de setembro de 1893144.

142 BRANCO, Cândido Borges Castello In: “Consultor Militar”, Imprensa Nacional, Rio, 4ª ed. 1911, p. 245.143 Idem.144 Idem p. 247.

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É no mínimo intrigante o fato de que a desobediência às decisões da mais

Alta Corte de Justiça tenha força sufi ciente para ser posteriormente agasalhada

no texto constitucional. De todo modo, a realidade, triste realidade, por sinal,

é que a restrição permanece.

Sabendo-se que o habeas corpus se destina à proteção do status libertatis

do indivíduo, a expressão excepcionada quando fala das transgressões

disciplinares está se referindo às penas com prisão ou detenção, por serem

as únicas que representam privação de liberdade, enquanto as penas de

advertência, repreensão e licenciamento, a bem da disciplina, não têm esse

caráter restritivo da liberdade.

O problema seria de fácil equacionamento se aceitos sem maiores

indagações os termos da norma constitucional.

Mais razão ainda se considerarmos as condições peculiares do direito

castrense, onde “é a disciplina e não a liberdade a nota predominante e neces-

sária”145, e que pune com rigor o militar que em determinadas circunstâncias

se esquiva de enfrentar o risco da própria vida, que é o bem tutelado de forma

especial no direito penal comum146.

Respeitados estudiosos defendem o descabimento do habeas corpus nas

transgressões disciplinares, à frente Seabra Fagundes, que em posição extremada

nega a possibilidade de exame, pelo Judiciário, de todos os atos punitivos de

cerceamento da liberdade, quando emanados de autoridades militares.

O ilustre jurista, reconhecidamente um dos mais destacados defensores

do judicial control, abandona essa posição quando se trata das transgressões

disciplinares, chegando mesmo a afi rmar que:

ainda que o ato administrativo, em tal caso, se apresente com

ilegalidade evidente, mesmo que esta se manifeste nos seus

aspectos vinculados, como o concernente à competência, não cai

sob a apreciação judiciária. A restrição - prossegue ele - se inspira

no propósito de fortalecer a disciplina nas corporações militares,

subtraindo-se os atos dos superiores hierárquicos, considerados

145 COSTA, Álvaro Mayrink da. In: Crime Militar, ed. Rio, p. 25. 146 Idem p. 23.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 153

essenciais à sua organização e efi ciência, à impugnação e discussão

dos subordinados147.

As palavras citadas, como se vê, merecem análise mais acurada, em que

pese o indiscutível saber jurídico do autor, “sem recurso a cuja autoridade

ninguém pode, neste País, ensaiar sequer a abordagem”148 do problema do

controle jurisdicional dos atos da Administração Pública.

Pela evidência, não se pode fugir à idéia de que o exercício do Poder

Hierárquico é essencial à organização e efi ciência não apenas das unidades

militares, mas de todo órgão do serviço público.

Dessa forma, o fortalecimento da disciplina deve ser ponto de constante

preocupação em todas as áreas da Administração Pública.

Em verdade, a destinação constitucional das Forças Armadas implica a

exigência de disciplina mais rígida e, conseqüentemente, um sistema disciplinar

de características próprias.

Entretanto, não pode ser esquecido que o conceito de disciplina lato

senso é o mesmo, quer sob o aspecto civil ou militar, ou seja: “o conjunto de

regras, impostas, nas diversas instituições ou corporações, como norma de

conduta das pessoas que a elas pertencem”149.

Por outro lado, o próprio Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880, de 9 de

dezembro de 1980 – curvou-se a esse raciocínio ao dispor em seu art. 14, §2º,

que a “disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis”.

E de outra forma não poderia ser, uma vez que as Forças Armadas

“destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por

iniciativa de qualquer destes, da lei da ordem”150.

Entendimento diverso nos levaria a dizer que as Forças Armadas “são

organizadas com base na hierarquia e na disciplina”, mas para a consecução

de seus objetivos é permitido aos superiores hierárquicos afrontarem a própria

lei que se propõem garantir.

147 FAGUNDES, M. Seabra. In: “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, Forense, 4ª Ed. p. 168. 148 DIAS, Francisco Mauro. In: “O Exame dos Atos Administrativos pelas Instâncias Administrativas e Judiciais”, Revista do Instituto dos Advogados do Brasil, 19/72.149 De Plácido e Silva, op. cit.150 CR art. 142.

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Seria o paradoxo de eleger a ilegalidade para garantir a legalidade, ou,

ainda, adotar o princípio de que “os fi ns justifi cam os meios”.

No campo oposto, e não menos respeitável, é a corrente liderada por

Pontes de Miranda, que defende a aceitação do writ em certas condições.

O renomado jurista, em seus Comentários à Constituição Federal de

1967, deduz que a ocorrência da transgressão disciplinar só é possível com a

existência de determinados pressupostos, dentre eles o poder disciplinar, que

não é atribuído indistintamente em razão da obediência hierárquica.

Pode, assim, haver precedência hierárquica sem haver poder disciplinar,

como, por exemplo, nas relações entre cabos e soldados, em que temos

presente a superioridade hierárquica mas não temos o poder punitivo. Da

mesma forma, um Almirante ou um Brigadeiro não gozam de poder punitivo

diante de um soldado do Exército, embora seja indiscutível a prevalência

hierárquica.

A competência para aplicação de penas disciplinares, no âmbito do

Exército, está regulada no Decreto nº 90.608, de 4 de dezembro de 1984,

que em seu art. 9º estabelece que “a competência para aplicar punições

disciplinares é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico”, especifi cando,

ao longo do dispositivo, os diversos níveis de competência.

Assim, é de fácil entendimento que se um Comandante de Unidade

prender disciplinarmente um militar diretamente subordinado ao Comandante

de outra Organização Militar, estaremos diante de uma invasão de competência,

e tratando-se a competência de elemento vinculado do ato administrativo, não

pode ser modifi cada em afronta à norma e pelo puro alvitre do administrador,

seja ele civil ou militar.

Corolário desse entendimento é o constante do §2º do art. 10 daquele

Decreto, o Regulamento Disciplinar do Exército, em que está prevista a

necessidade de pronta ação disciplinar sobre o transgressor, determinando que

a autoridade militar de mais elevada hierarquia presente no momento da falta

efetue a prisão em nome da autoridade competente.

Outra hipótese levantada por Pontes de Miranda é quando a lei fi xa um

prazo máximo para a prisão. No Regulamento Disciplinar do Exército, além

da competência genérica deferida a cada autoridade, temos o limite das penas

privativas de liberdade que podem ser aplicadas.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 155

No Anexo III do RDE, temos que os soldados, cabos e sargentos podem

ser apenados com até 30 dias de prisão, sendo competente para aplicar tal

punição o Comandante da Unidade onde servem.

Essa mesma autoridade e ainda quanto aos seus subordinados, em se

tratando de ofi ciais, somente poderá prender no máximo por 15 dias.

Logo, se o Comandante prender o ofi cial por mais de 15 dias estará

praticando excesso de poder.

Em ambos os casos, ou seja, invasão de competência e desvio de poder,

teremos tipifi cado, em tese, o abuso de autoridade, sujeitando o infrator às

sanções civis, administrativas e penais.

E nem poderia ser diferente, não sendo aceitável que o ato praticado

com abuso de poder seja mantido sob a proteção da lei apenas porque se trata

de disciplina militar.

Não se perca de vista que tanto o crime militar como a transgressão

disciplinar se constituem em violação do dever militar. Assim, a mesma

autoridade militar, praticando o mesmo abuso de autoridade – prisão ilegal

– seria responsabilizada apenas no caso de crime militar e fi caria imune na

transgressão, se assim fosse considerado.

No primeiro caso caberia habeas corpus por se tratar de crime, enquanto

no segundo, se adotada a corrente defendida por Seabra Fagundes, não seria

possível a concessão do writ.

Em 1918, o Supremo Tribunal Federal julgando habeas corpus impetrado

em favor de dois ofi ciais da marinha mercante concedeu a ordem por entender

que a autoridade descumpriu formalidade essencial, manifestando-se nos

seguintes termos:

Os pacientes, por faltas graves de indisciplina e por tentativa de

sublevação para deporem o respectivo comandante, foram por

este presos, de acordo com o art. 428, §2º, do Regulamento das

Capitanias dos Portos, e, trazidos para esta Capital sem processo

algum, não foram ainda entregues às autoridades competentes,

mas acham-se detidos, à ordem do mesmo comandante, no quartel

do quarto batalhão de Polícia, pelo que impetram esta ordem.

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| Direito Constitucional Militar

156 |

ACORDAM, em Supremo Tribunal Federal, deferir-lhes o pedido

e mandar que sejam postos em liberdade, por ser ilegal a prisão

em que se acham; porquanto, si o comandante podia prendel-os,

como o fez, devia também promover os necessários processos,

os quais era obrigado a entregar, com os presos, às autoridades

competentes, no primeiro porto da República onde entrasse

(Dec. nº 505, de 4 Mar 15, art. 428, §2º, in fi ne). E, como o não

fez, ilegal desde então se tornou a prisão, pelo que concedem a

ordem impetrada151.

Em perfeita sintonia com o pensamento de Pontes de Miranda está o não

menos ilustre Nelson Hungria, quando afi rma que “evidentemente, quando se

fala em ato disciplinar, na Constituição, quer-se referir àquele que se apresenta

escorreito na sua forma”152.

Estando, pois, a privação da liberdade inquinada do vício da ilegalidade,

praticado que tenha sido o ato punitivo com nulidade insanável pela presença

do abuso de poder, é cabível o habeas corpus.

A mesma lição pode ser haurida no julgado do Excelso Pretório,

que afi rma: “O julgamento da legalidade dos atos administrativos está

incluído na competência jurisdicional que protege qualquer lesão do direito

individual”153.

Da mesma forma nos ensina Othon Sidou, esclarecendo sobre a

relatividade da aplicação da regra de não-cabimento de habeas corpus nas

transgressões disciplinares e também da impossibilidade de apreciação do

conteúdo específi co da infração disciplinar, bem como da justiça ou injustiça

da punição.

O cabimento do habeas corpus é defendido por Othon Sidou quando:

a prisão foi determinada por autoridade incompetente; a lei não a autoriza,

em tese; as formalidades legais não foram observadas e o prazo legal foi

excedido154.

151 HC nº 4600, 17 Ago 1918. In: Rev. STF, nº 21/245.152 HUNGRIA, Nelson. In: “Archivo Judiciário”, Dez 61/340.153 STF, RE nº 72.390. In: RDA 110/243.154 Cf. SIDOU, J. M. Othon. In: “As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos”, 1ª ed. Forense, 1977, p. 190.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 157

Valorizando ainda mais essa corrente, temos Themistocles Cavalcanti,

que analisa comparativamente os dois institutos – habeas corpus e mandado

de segurança – e conclui:

É evidente, porém, que isso só acontece, isto é, que às transgressões

disciplinares não se estendem as garantias do habeas corpus nem

do mandado de segurança quando o constrangimento ilegal ou

o abuso de poder decorrentes do ato disciplinar emanarem de

autoridade competente, forem legítimos, porque si revestirem

o caráter de violação manifesta de um direito ou de infração de

literal dispositivo de lei, não há como excluir tais atos ilegais ou

abusivos do amparo de um ou outro daqueles remédios especiais

que abrangem, de modo geral, todos os direitos individuais

violados ou simplesmente ameaçados de violência 155.

Os argumentos mais ponderáveis, senão os únicos, da corrente que se

recusa a aceitar o cabimento do habeas corpus nas transgressões disciplinares,

pela interpretação literal do texto constitucional, se fi xam nas peculiaridades

da estrutura e das funções militares e no hipotético comprometimento da

efi ciência das atividades na caserna pela ingerência do judiciário na discussão

dos atos punitivos.

Essa a opinião de Seabra Fagundes: “É bem de ver que o objetivo do

constituinte foi a preservação do regime disciplinar das Forças Armadas

contra a interferência de decisões judiciais”156.

Tal interferência, no entanto, longe de perniciosa, seria bastante salutar

e o problema pode ser contornado se considerarmos o assunto da competência

da Justiça Militar.

Ora, se um militar teve sua liberdade cerceada ilegalmente por outro

militar, poderemos estar diante da fi gura tipifi cada no art. 222 do Código

Penal Militar, sob o nomen juris de constrangimento ilegal:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou

depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de

155 In: “Do Mandado de Segurança”. 156 Op. cit,. p. 293.

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| Direito Constitucional Militar

158 |

resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer ou a tolerar

que se faça, o que ela não manda.

Ou então, do mesmo CPM, o ilícito de que trata o art. 174 – Rigor

excessivo: “Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo com rigor

não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito.”

Em se não aceitando o cabimento do habeas corpus nos dois exemplos

citados, teríamos a Justiça Militar competente para processar e julgar a

autoridade que praticou o ilícito, mas incompetente para determinar a

libertação do ofendido, o que se constituiria numa aberração.

E mais, o militar preso disciplinarmente por ato manifestamente

ilegal poderia obter, por meio de mandado de segurança, a anulação do ato

administrativo para efeito de cancelamento da punição em seus assentamentos

funcionais, mas permaneceria preso de vez que o mandado de segurança não

se constitui em proteção adequada à liberdade de ir e vir.

O próprio Código de Processo Penal Militar trata do habeas corpus com

as mesmas aparentes restrições às transgressões, mas a exegese da letra “a” do

parágrafo único do art. 466 permite optar pelo cabimento do habeas corpus,

como se vê:

Parágrafo único - Excetuam-se, todavia, os casos em que a ameaça

ou a coação resultar: a) de punição aplicada de acordo com os

Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas.

Contrario sensu podemos concluir que as punições aplicadas em

desacordo com os dispositivos regulamentares não fogem ao alcance do writ,

que deve ser concedido pelo tribunal competente, ou seja, o Superior Tribunal

Militar.

Não se compreende de que forma a atuação da mais Alta Corte de

Justiça Castrense pode ser considerada inconveniente aos princípios da

hierarquia e da disciplina na caserna quando aquele mesmo tribunal, na

qualidade de “tribunal militar de caráter permanente”157, pode julgar o ofi cial,

qualquer que seja a patente, em caráter administrativo e declará-lo indigno

157 Cf. §7º. do art. 42 da Constituição da República.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 159

para o ofi cialato, ou com ele incompatível, o que importa na perda do posto e

da patente e conseqüente demissão158.

Uma vez mais a legislação portuguesa serve de exemplo. Recente reforma

no sistema disciplinar das Forças Armadas de Portugal, regulando o recurso

contencioso, introduziu:

uma modifi cação importante e totalmente nova: em matéria

disciplinar, o controle jurisdicional dos atos punitivos é confi ado

ao Supremo Tribunal Militar. Por um lado, trata-se de um órgão

constitucionalmente revestido de poder soberano, objetivo,

imparcial e independente....e por outro lado evita-se que se quebre

a seqüência normal da justiça militar159.

A França antecipou-se de muito ao problema, e seu Código de 1814 já

consagrava o recurso contra punições disciplinares aos tribunais militares:

L’article 15 ouvre, en dehors du recours hiérarchique, à tout

militaire qui se croit puni injustement ou trop sévérement, la voie

de la plainte au conseil de guerra ou à la Cour militaire suivant le

grade du superieur qui a infl igé la punition160.

Tratado o assunto sob o ângulo da lesão de direito individual, a

interpretação restritiva apresenta outros absurdos. As lesões que não implicam

privação da liberdade – advertência, repreensão e licenciamento a bem da

disciplina – podem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, enquanto a prisão

e a detenção, que, se ilegais, corresponderiam, em tese, a ilícitos penais, não

estariam sujeitas à apreciação judicial.

Ou, mais estranho ainda, a prisão ou detenção aplicadas com vício de

ilegalidade podem ser apreciadas – e anuladas – pelo Judiciário por meio de

mandado de segurança, mas apenas para efeito do cancelamento do registro

na fé de ofício do militar, permanecendo o ato imune ao judicial control sob

o aspecto criminal.

158 Idem.159 Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 142/77, de 9 de abril de 1977.160 GOEDSEELS, X. In: “Manuel de Procédure Pénale Militaire”, La Panne, 1916, p. 162.

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| Direito Constitucional Militar

160 |

O caso mais conhecido ocorreu com o Almirante Carlos Penna Botto,

em 1951, que requereu mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal,

contra pena disciplinar imposta pelo Ministro da Marinha, e mantida, em

recurso, pelo então Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra.

O próprio Procurador-Geral da República suscitou, então,

(...) a preliminar de inidoneidade da medida requerida, entendendo

S. Excia. que se tratava de uma prisão e, através desse tema,

somente seria possível à parte interessada agitar seu caso por

via de habeas corpus, visando a tornar sem efeito ou impedir o

cumprimento da pena considerada ilegal161.

No mesmo sentido a posição do Ministro Afrânio Antonio da Costa, que

em seu voto alia-se à tese do eminente Procurador-Geral quanto ao cabimento

do habeas corpus.

A segurança foi concedida, por unanimidade, sem tratar do cumprimento

da pena, o que já havia ocorrido, reconhecendo que:

(...) o direito do impetrante a evitar que da sua fé de ofício conste

uma pena disciplinar oriunda de ato manifestamente ilegal pode e

deve ser amparado por mandado de segurança162.

Desnecessário dizer que o cerceamento da liberdade daquele ofi cial, por

ato manifestamente ilegal, como entendeu o Supremo Tribunal Federal, passou

em brancas nuvens, pois ninguém teria a ousadia de tentar responsabilizar o

Ministro da Marinha e o Presidente da República pela prisão ilegal.

O exemplo citado, mais ilustrativo pela alta patente e funções, tanto

do impetrante quanto do impetrado, poderia ser acolhido como ofensivo aos

princípios de disciplina.

Efetivamente tal ofensa não ocorreu e nem de leve foram atingidos

os princípios de autoridade, considerados indispensáveis ao perfeito

funcionamento das instituições militares.

Bem oportunas as palavras do mestre Marcelo Caetano, na sua obra

“Do Poder Disciplinar”:

161 Mandado de Segurança nº 1374/STF. In: “Archivo Judiciário”, Dez/51, p. 338. 162 Idem, p. 344, voto do Ministro Edgard Costa.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 161

Multiplicam-se as garantias do processo disciplinar para prevenção

do desvio de poder. Mas veremos de resto, que nem por isso os

superiores foram privados de providenciar rápida e efi cazmente

quando urja proceder sem demora163.

Pelo acompanhamento da jurisprudência relativa às transgressões

disciplinares percebe-se que, especifi camente quanto ao habeas corpus, o

desenvolvimento vem sendo bastante lento.

Em verdade, doutrinariamente não há mais resistências de relevo à

aceitação do habeas corpus, ainda que se trate de punição disciplinar. Mesmo

Ministros do Superior Tribunal Militar aqui e ali se manifestam favoráveis à

concessão da medida, restrita a apreciação ao exame da legalidade do ato sob

suas diversas formas.

Já em 1927, em Acórdão de 4 de maio, temos o indeferimento de um

pedido “porque a prisão do paciente foi ordenada no uso de uma atribuição

conferida em lei e dentro dos limites nesta estabelecidos”, o que leva a crer

que, se ilegalidade houvesse, a ordem deveria ser concedida.

Durante o 1º Congresso de Direito Penal Militar, em 1958, essa questão

foi tema de tese apresentada pelo Ministro Mario Tibúrcio Gomes Carneiro,

que afi rmou:

A proibição constitucional do habeas corpus e do mandado de

segurança, em matéria disciplinar, não impede que o tribunal,

competente para a hipótese, tome, preliminarmente, conhecimento

do pedido, com a invocação pura e simples do preceito proibitivo.

O Tribunal tem o poder e o dever de, em cada caso, examinar

se o fato punido constitui infração disciplinar defi nida na

norma disciplinar, a fi m de decidir, pois, sem esse exame, fi caria

praticamente impune todo abuso de poder ou de autoridade do

superior e sacrifi cado o direito individual que a Constituição

garante mesmo durante a incorporação na Força Armada.

É aconselhável - prossegue - que, nos Regimentos Internos dos

Tribunais Superiores, se adote medida sobre o assunto, obrigando

163 Op. cit., p. 47.

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| Direito Constitucional Militar

162 |

os juízes relatores ao exame prévio do fato, a fi m de averiguar se

o punido está sujeito ao regime disciplinar, se a autoridade que

puniu tinha competência, se a pena aplicada está prevista em lei e

se a sua execução obedece às regras na lei estabelecidas164.

No mesmo Congresso, o então Capitão Euclydes de Carvalho Brito,

sob o título “A Punição Disciplinar dos Regulamentos Disciplinares na

Esfera Judiciária”, e com apoio na Constituição à época vigente, sustentou o

cabimento do habeas corpus para os casos de punição disciplinar limitativa da

liberdade individual e o mandado de segurança para cancelamento de punição

disciplinar que não implique a coação à liberdade corpórea do peticionário.

Em 1986 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão unânime,

favoreceu a diversos ofi ciais da Polícia Militar, concedendo habeas corpus

contra ato disciplinar do Comandante-Geral daquela Corporação, cuja

ementa se reproduz:

Prisão de ofi ciais da Polícia Militar do Estado, cujo motivo ofi cial,

referido em boletim acostado aos autos, teria sido participar de

reunião realizada em entidade de classe, onde teriam sido discutidos

acaloradamente problemas de interesse dos associados. Punição

imposta ao arrepio do direito de livre reunião assegurado no §27

do art. 153 da Constituição Federal. A inadmissibilidade do habeas

corpus nas transgressões disciplinares, prevista no §20 do mesmo

artigo e no art. 467, in fi ne, do CPPM, não exclui a apreciação,

pelo Judiciário, de lesão de direito individual resultante de punição

por transgressão disciplinar dada como de tal natureza, sob pena

de, sob a capa de punições assim rotuladas, abrir-se a porta aos

maiores abusos de poder ou arbitrariedades. Ordem concedida

relativamente ao ofi cial que está iniciando a punição imposta e a

outros que se encontram em condições idênticas.

(Ac. Un. 4ª CCr de 22/4/86, HC nº 301/86, Relator Desembargador

Mariante da Fonseca.)

164 Anais, 2º volume, p. 131/132.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 163

O episódio adquire maior relevância quando se sabe que o problema

envolvia 35 ofi ciais e a punição foi aplicada pelo Comandante-Geral da Polícia

Militar e também Secretário de Estado. Entretanto, repita-se, a jurisprudência

é escassa.

Se a matéria é controvertida quanto ao cabimento do habeas corpus nos

atos punitivos emanados de autoridade militar, o mesmo não ocorre quanto à

aceitação do mandado de segurança, com a ressalva de corrente nitidamente

minoritária e superada165, pois hoje a jurisprudência, reconhecendo o

cabimento do mandado de segurança nas punições disciplinares, é abundante,

mansa e pacífi ca, demonstrando que o instituto do mandado de segurança tem

obtido progressos mais nítidos do que seu parceiro constitucional.

Nem sempre, entretanto, foi assim. As mesmas limitações às transgressões

disciplinares que nasceram com a Constituição de 1934 atingiam o recém-

criado mandado de segurança. É o que nos dá notícia Homero Prates, em seus

comentários ao Código de Justiça Militar de 1938:

Não diz o texto que não cabe o mandado de segurança nas

transgressões disciplinares, como expressamente estatuiram, em

relação ao habeas corpus, ambas as Constituições - a de 34 e a

atual (art. 122-16). Assim, entretanto deve ser entendido. A mesma

razão que levou o legislador constituinte a excluir da garantia do

habeas corpus as punições disciplinares subsiste para que se lhes

não aplique o novo remédio instituído pela Constituição de 34 166.

A construção pretoriana, no entanto, insurgiu-se contra a interpretação

limitativa, e hoje não mais se discute sobre o cabimento do mandado de

segurança contra ato punitivo administrativo marcado pela ilegalidade,

mesmo quando emanado de autoridade militar.

Constata-se, assim, que o mandado de segurança, apesar de mais recente

do que o habeas corpus, teve progresso mais rápido e mais fácil acolhida na

jurisprudência, em que pese não ser o instituto apropriado para proteção da

liberdade de ir e vir.

165 Ver MS/STF nº 1374, voto do Ministro Luiz Galloti. In: “Archivo Judiciário”, Dez/51, p. 342.166 PRATES, Homero. In: “Comentários ao Código de Justiça Militar”, Rio, Freitas Bastos, 1939, p. 304.

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| Direito Constitucional Militar

164 |

E por que a diferença no trato pelo Judiciário dos dois institutos?

Um detalhe se nos afi gura marcante, qual seja a competência para

conhecimento da matéria.

Tratando-se de habeas corpus, a competência é deferida ao Superior

Tribunal Militar, em cuja composição predominam os militares, enquanto

o mandado de segurança é apreciado pela Justiça Federal, sempre por

magistrados civis.

Outro elemento que pode estar inibindo o desenvolvimento jurispru-

dencial é a própria restrição contida no texto constitucional. À frente de

uma vedação expressa na Lei Maior, poucos se aventuram no estudo mais

cuidadoso do assunto.

O argumento de que o legislador constitucional inspirou-se na necessi-

dade de preservar a autoridade dos Chefes militares, impedindo que os

subordinados contestassem as decisões dos superiores pela via judicial, não

tem consistência, principalmente se considerarmos que o ato pode ser atacado

pela via do mandado de segurança, recaindo fi nalmente sob a apreciação do

Poder Judiciário.

Nesse caso, para não enfrentar um problema foi criado um outro, menos

desejável, pois o mandado de segurança é apreciado pelo Judiciário por meio

de magistrados civis com pouco ou nenhum conhecimento das atividades nos

quartéis, o que não ocorre com os juizes-auditores.

Aceito que fosse o habeas corpus nas transgressões disciplinares,

teríamos mantido o princípio da autoridade sem desrespeito aos direitos dos

subordinados, uma vez que o julgamento estaria afeto aos juizes-auditores e ao

Superior Tribunal Militar, órgão colegiado com predominância de membros

militares. O exemplo de Portugal, já tratado linhas anteriores, demonstra a

viabilidade dessa tese.

Não há razão, por isso mesmo, para a restrição imposta no §2º do art.

142 da Constituição Federal.

Se o ato punitivo está revestido de todas as formalidades, apresentando-

se incensurável quanto à legalidade, o Judiciário não se deterá na apreciação

do mérito, vedado que lhe é a análise da conveniência e da oportunidade dos

atos praticados por outro Poder.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 165

Sendo o ato punitivo marcado pela ilegalidade, em qualquer de suas

formas, deve, necessariamente, merecer a censura judicial nos termos da

própria Constituição Federal, por força do inciso XXXV do art. 5º, que

consagra o princípio da jurisdição una.

Não se pode perder de vista o aspecto da ilegalidade do ato praticado

com abuso de autoridade. Preferível mesmo dizer que a própria existência do

ato estaria irremediavelmente comprometida, e não se justifi cam as excessivas

cautelas, mesmo em se tratando de ato punitivo no âmbito das corporações

militares.

A legalidade interessa tanto aos civis quanto aos militares, desde que

ambos se encontrem sob o Estado de Direito.

E convém aqui reparar que não existe qualquer incompatibilidade

radical entre poder discricionário, seja legislativo ou adminis-

trativo, e controle jurisdicional, porquanto toda espécie de

exercício do poder constituído há de observar as condições ditadas

pelo poder constituinte, notadamente os direitos e garantias dos

jurisdicionados em face do Estado, que como tais retratam

limitações intransponíveis à atuação das autoridades167.

De qualquer modo, o mandado de segurança se apresenta como

alternativa, em razão do próprio texto constitucional contido no inciso LXIX,

do art. 5º:

Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito

líquido e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas

data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder

for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de

atribuições do Poder Público;.

(grifo nosso)

Por outro lado, a Lei nº 1.533/51, que trata do mandado de segurança, em

seu art. 1º repete o dispositivo constitucional – ainda não atualizado em relação

à Carta/88 – detalhando o campo em que situa a medida nos seguintes termos:

167 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. In: “O Princípio da Isonomia e a Igualdade da Mulher no Direito Constitucional”, Forense, 1983, p. 82.

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| Direito Constitucional Militar

166 |

Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido

e certo, não amparado por habeas corpus sempre que ilegalmente

ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver receio

de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e

sejam quais forem as funções que exerça.

(grifo nosso)

Como se vê, o legislador constituinte e o ordinário se completaram,

deixando explícito que “seja qual for a autoridade e seja de que categoria for e

sejam quais forem as funções que exerça”, havendo lesão, ou ameaça de lesão

de direito individual líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder, caberá

mandado de segurança.

As autoridades militares não constituem exceção, ainda que invocado

o item III do art. 5º da Lei nº 1.533/51, que diz: “Art. 5º - Não se dará

mandado de segurança quando se tratar: III - De ato disciplinar, salvo quando

praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade

essencial.”

A exclusão citada efetivamente não encontra resguardo no texto

constitucional e “quer-nos parecer um enxerto espúrio, porque incompatível

com a largueza que a Constituição dá ao instituto”168.

Desnecessário também se afi gura o referido dispositivo quando se sabe

que o controle jurisdicional dos atos administrativos se limita ao exame

da legalidade e jamais do mérito, aí considerado o juízo de conveniência e

oportunidade do ato.

Assim, em que pese a ressalva contida na Lei nº 1.533/51, e que,

ainda assim, se mostra como “mera cautela”169, a garantia constitucional

do mandado de segurança é remédio adequado para atacar o ato disciplinar

eivado de nulidade, inclusive porque nenhuma lesão ou ameaça de lesão de

direito individual pode fi car imune ao exame pelo Poder Judiciário.

Inócuas, portanto, sob o ponto de vista jurídico, as ressalvas às

transgressões disciplinares, pois existindo ou não, as conclusões são as

mesmas, restando o mal estar quando identifi camos que no caso do habeas

168 SIDOU, J. M. Othon, op. cit., p. 278. 169 Cf. Seabra Fagundes, op. cit., p. 322.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 167

corpus a verdadeira heresia jurídica em que se traduz a restrição constitucional

nasceu da desobediência a uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

6.3 – Novas competências do Superior Tribunal Militar

Tramita no Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional

(PEC nº 358/05) que trata da Reforma do Judiciário. Entre outras inovações,

transfere para a Justiça Militar o controle jurisdicional das transgressões

disciplinares militares, a exemplo das Justiças Militares estaduais, que com a

reforma anterior do Judiciário ganhou essa nova competência.

A proposta, indiscutivelmente, agrada às autoridades militares, que com

isso deixariam de prestar contas à Justiça Federal sobre questões ligadas à

disciplina na caserna.

O Superior Tribunal Militar não perdeu tempo e começou a trabalhar no

sentido de ampliar mais ainda a competência daquele tribunal. Achou pouco

apenas o controle jurisdicional das punições disciplinares e quer julgar também

causas relacionadas com movimentação de militares, admissão aos diversos

cursos militares, ingresso e permanência nas Forças Armadas e promoções,

tanto de ofi ciais como de praças. Enfi m, quer julgar todas as causas relacionadas

com as matérias previstas no art. 142, §3º, da Constituição Federal, exceto as

relativas à remuneração.

A proposta merece análise mais acurada.

Considerando que a grande maioria dos ministros do Superior Tribunal

Militar é de militares, atualmente na proporção de dez ofi ciais-generais para

cinco civis, o objetivo, ao que parece, é criar uma espécie de contencioso

administrativo.

Tal proposta seria aceitável na época em que o órgão de cúpula castrense

não fazia parte do Poder Judiciário, antes da Constituição de 1934, período

em que, inclusive, controlava atos administrativos das Forças Armadas, como

as pensões militares.

Nos dias atuais, representa um retrocesso secular. Não que o tribunal

não possa julgar essas questões, mas em razão da composição colegiada, com

maioria predominante de leigos em matéria jurídica, todos do último posto de

cada Força, o que sinaliza para um prolongamento da ação de comando e não

julgamentos de natureza jurídica.

Page 168: _DIREITO_CONSTITUCIONAL_MILITAR

| Direito Constitucional Militar

168 |

EXERCÍCIOS

44. O que você acha da atuação de advogado na defesa de militares acusados de

transgressões disciplinares? Fundamente sua resposta.

45. Analise o habeas corpus como mecanismo de controle judicial das punições

disciplinares, diante dos termos do §2º do art. 142 da Constituição da República.

Fundamente sua resposta.

46. Quais os aspectos positivos e os negativos da ampliação da competência

jurisdicional do Superior Tribunal Militar?

7 - REGULAMENTOS DISCIPLINARES

Uma das difi culdades enfrentadas pelos altos escalões militares está no

fato de os subordinados acionarem o Poder Judiciário para discutir as decisões

internas que entendem ilegais, apesar de ser esse o mecanismo adequado

e constitucionalmente oferecido ao cidadão para decidir os confl itos de

interesse.

A primeira medida adotada pelo Exército para reduzir os revezes que se

multiplicavam nas varas federais foram as Instruções Gerais para Elaboração

de Sindicâncias, em 2000. O contraditório e a ampla defesa foram instituídos

expressamente170.

Princípio de Direito Natural e essência do Estado de Direito, o direito de

defesa não poderia continuar ausente entre as garantias ao alcance dos militares.

Dois anos depois veio um novo regulamento disciplinar, em uma

iniciativa no mínimo temerária, pois ainda que recomende, o respeito aos

direitos dos militares passou a ter a constitucionalidade discutida171.

Apesar das boas intenções, já nasceu ilegal. Menos mal se continuasse

a sistemática anterior, que trouxe saudáveis e profundas inovações ao

regulamentar os procedimentos a serem seguidos para aplicação de punições

com a exigência de respeito aos princípios constitucionais.

170 Portaria nº 202, de 26 Abr 2000, Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no âmbito do Exército Brasileiro (IG 10-11). 171 Decreto nº 4346, de 26 de agosto de 2002.

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Unidade 2- Direito Disciplinar Militar

| 169

O novo RDE seguiu a mesma linha dos antecessores e foi adotado por

meio de decreto do Poder Executivo. Isso num momento em que cada vez mais

os militares punidos disciplinarmente procuravam o Judiciário, estimulados

pelos novos ventos que sopraram a partir da Constituição de 1988.

Ainda que tenha sido instituído exatamente para garantir a legalidade

na aplicação de sanções disciplinares, em verdade, assim como os anteriores –

inclusive o da Marinha e o da Aeronáutica – padece do vício de competência.

Problema semelhante ocorre com o decreto que trata do Conselho de

Disciplina, colegiado administrativo que julga as praças com estabilidade

assegurada para efeito de exclusão a bem da disciplina 172.

Para os ofi ciais o assunto é regulado por lei173.

Ao ser assinado o Decreto nº 71.500, em 1972, a Constituição então

vigente já atribuía competência ao Congresso Nacional para legislar sobre o

regime jurídico dos servidores públicos, aí incluídos os militares.

A matéria tratada no decreto que instituiu o Conselho de Disciplina,

tanto quanto o que trouxe o RDE, em 2002, faz parte do regime disciplinar

dos militares. E esse é parte integrante do regime jurídico da categoria.

Argumentam alguns, talvez para fugir ao debate, que os regulamentos

disciplinares instituídos na vigência das constituições anteriores, também

via decreto, foram recepcionados pela nova Carta. Trata-se de equívoco

patrocinado até por festejados autores de livros de direito militar, confundindo

decreto com decreto-lei.

Sempre foi competência do Congresso Nacional legislar sobre o regime

jurídico dos servidores públicos, aí incluídos os militares, e o que era ilegal

antes continuou ilegal após 1988. Historicamente, no entanto, esse problema

foi esquecido por juristas e legisladores.

Vejamos o que diz a Constituição da República a respeito:

Art. 61. A iniciativa das leis (...)

§1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – (...)

II - disponham sobre:

172 Decreto nº 71.500, de 5 de dezembro de 1972. 173 Lei nº 5836, de 5 de dezembro de 1972.

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170 |

(...)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento

de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e

transferência para a reserva.

Sustentam outros, também sem razão, que o Estatuto dos Militares

delegou ao Executivo a atribuição de instituir por decreto os regulamentos

disciplinares, apesar de não haver qualquer referência, implícita ou explícita, a

uma delegação legislativa 174.

Eis o que diz a Lei nº 6.880/80 – Estatuto dos Militares, em seu art. 47:

Art. 47 - Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas

especifi carão e classifi carão as contravenções ou transgressões

disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e

aplicação das penas disciplinares, à classifi cação do comportamento

militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

O art. 47 é claro ao dizer que os regulamentos disciplinares especifi carão,

mas não elege o decreto do Executivo como instrumento para isso. E nem

poderia fazê-lo.

Se o entendimento é que o decreto era o instrumento legal adequado,

não cabia ao legislativo “delegar” ao Executivo a atribuição para expedir

decretos, pois essa atribuição já é própria do Poder Executivo.

A delegação legislativa só faz sentido se o mecanismo considerado hábil

para tratar do tema for a lei, e nesse caso a forma de delegar é outra, conforme

prevê a Constituição.

O instituto da delegação legislativa é tratado de modo bem claro na

Constituição. O presidente da República solicita a delegação ao Congresso

Nacional, que, por meio de resolução, especifi ca o conteúdo e os termos em

que deve ser exercida175.

O regime disciplinar dos militares faz parte do regime jurídico da

categoria e somente por meio de lei tem validade. Cabe ao Congresso Nacional

174 Lei nº 6.880/80, art. 47. 175 CF, art. 68, § 2.

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| 171

dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre

organização administrativa, aí incluído o regime jurídico dos militares176.

Quando a Constituição diz que compete privativamente ao presidente

da República dispor sobre a organização e o funcionamento da administração

federal, mediante decreto177, indica o caminho a seguir ao atribuir privativamente

ao chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis a serem votadas pelo Congresso

Nacional, leis que serão regulamentadas, mediante decreto, pelo Executivo. Um

salutar exemplo do sistema de freios e contrapesos178.

Assim, apenas o Presidente da República tem competência para apresen-

tar projeto de lei dispondo sobre o regime disciplinar dos militares.

Argumentam, ainda, que poderíamos estar diante da discutida fi gura

do regulamento autônomo, aceito quando a ausência de lei a respeito de

determinado assunto impede o bom funcionamento da Administração.

A omissão do Poder Legislativo em legislar a respeito de tema de interesse

direto da Administração justifi caria a utilização do regulamento autônomo

por parte do Poder Executivo.

Impossível, no entanto, imputar ao Poder Legislativo omissão sobre o

regime disciplinar dos militares, uma vez que a iniciativa de lei a esse respeito

é reservada privativamente ao Presidente da República.

Diante da inércia do Poder Executivo, fi ca o Congresso Nacional

impedido de votar regulamento disciplinar para as Forças Armadas e não pode

o Executivo utilizar uma “delegação” que não recebeu. A questão se resume no

princípio da legalidade inscrito na Constituição e segundo o qual “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”179.

Temos no caso um exemplo didático do chamado “abuso do Poder

de Regulamentar”, por parte do Executivo. Geraldo Ataliba, consagrado

constitucionalista, assim se refere sobre o abuso do poder de regulamentar:

Não tolera a nossa Constituição que o Executivo exerça nenhum

tipo de competência normativa inaugural (...). Essa seara foi

categoricamente reservada aos órgãos da representação popular.

176 Idem, art. 61, §1º, II, f. 177 Art. 84, VI, “a”.178 CF, art. 84, VI e art. 61, §1º, II, f.179 CF, art. 5º, inciso II.

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172 |

(...) Se a tal conclusão não foi levado o intérprete, (...) certamente

esbarrará no princípio da legalidade (...): ninguém, nenhuma

pessoa, nenhum sujeito de direito será constrangido por norma

que não emane do legislador180.

O mestre Pontes de Miranda trata do mesmo tema:

(...) regulamentar além do que se pode segundo o conceito

da Constituição, é infringir a Constituição: quando o Poder

Executivo, regulamentando, vai além da lei, ou diminui o campo

de incidência da lei, não comete, apenas, ilegalidade, usurpa

função de outro poder, o Poder Legislativo181.

A competência do Poder Executivo está restrita à regulamentação. O

conceito de “regulamento” é inequívoco:

Por ele instituem-se regras de execução, não de legislação.” Não

se confunde com “regular” - do latim regulare, de regula (regra)

- que, em sentido jurídico, exprime a idéia de legislar ou de

estabelecer nova ordem jurídica “mediante instituição de regras

ou princípios disciplinadores dos fatos ou das coisas182.

O decreto descreve comportamentos que considera ilícitos e cria

sanções a serem aplicadas, inclusive privativas da liberdade. Logo, não

regulamentou, e sim regulou. Criou regra jurídica, invadiu a competência

do Legislativo, exorbitou da competência à qual estava restrito, fulminou o

princípio da harmonia entre os Três Poderes consagrado na Carta Magna.

Diante de abuso do poder de regulamentar praticado pelo Poder

Executivo, o Congresso pode resolver o problema socorrendo-se da

Constituição. Ela é bem clara: “É da competência exclusiva do Congresso

Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do

poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”183.

180 Tese aprovada por unanimidade na VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista de Informação Legislativa, nº 66, a. 17, 1980, p. 45 e seguintes. 181 Op. cit., p. 316, 319 e 615.182 De Plácido Silva, in Vocabulário Jurídico, Rio, Forense, 1975.183 CF, art. 49, inciso V.

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| 173

Essa distorção, no entanto, não é recente. Mario Tibúrcio Gomes Carneiro,

magistrado togado do Superior Tribunal Militar, em 1960, prefaciando a 2ª

edição do livro “Sabres e Togas”, de Hélio Lobo, fez o registro:

Enquanto o direito disciplinar ordinário da função pública civil ou

da atividade das empresas é estabelecido em lei formal, elaborada

no seio do Congresso Nacional, o direito disciplinar militar,

complemento do direito penal militar, é composto em segredo nos

gabinetes dos Ministros militares que, na República, se investiram

no poder de legislar sobre o assunto, e, sem qualquer objeção do

Judiciário e do legislativo, conservam essa ‘prerrogativa real’.

Todavia, não é apenas quanto à competência que o novo regulamento é

vulnerável, assim como os antecessores.

Entre as inúmeras questões controvertidas enfrentadas pelo constituinte

de 1988, o título que trata dos direitos e garantias fundamentais teve posição

destacada. Com relação ao tema aqui tratado, o inciso LXI trouxe profundas

modifi cações em relação ao sistema constitucional anterior. O mencionado

inciso passou a dispor sobre a prisão independentemente do fl agrante delito,

da seguinte forma:

LXI - ninguém será preso senão em fl agrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo

nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,

defi nidos em lei.

Decidiu o constituinte que, no âmbito do direito disciplinar militar, deveriam

permanecer as penas disciplinares restritivas da liberdade e excepcionou aquelas

situações que deveriam fi car sem a proteção da primeira parte do texto.

“Salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,

defi nidos em lei”, diz a parte fi nal do inciso mencionado184.

É preciso atentar para o fato de que transgressão militar e crime

propriamente militar aparecem no singular, devendo ambos – a transgressão

militar e o crime propriamente militar – ser defi nidos (no plural) em lei.

184 Ver “Os Crimes Propriamente Militares e o Princípio da Reserva Legal”, tese apresentada por João Arruda e aprovada por unanimidade no 11º Congresso Nacional do Ministério Público, de 23 a 26 de setembro de 1996, em Goiânia – GO.

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174 |

Sabendo-se que “as normas defi nidoras dos direitos e garantias funda-

mentais têm aplicação imediata”, a ressalva quanto às transgressões militares

e os crimes propriamente militares, por ser limitadora daquele mesmo direito

fundamental, tem sua efi cácia condicionada à defi nição legislativa185.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, não sendo

o caso de fl agrante, a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária

competente é dispensável somente quando se tratar de transgressão militar, ou

crime propriamente militar, defi nidos em lei.

O ponto nuclear a ser enfrentado é que o legislador ordinário ainda não

defi niu, como determina a Constituição Federal, quais são as transgressões

militares.

Somente se, ou quando, o Congresso Nacional se manifestar explici-

tamente, defi nindo as transgressões militares, em projeto de lei de iniciativa do

presidente da República, poderemos dizer que esse ou aquele comportamento

se constitui em ilícito disciplinar passível de punição.

Outra não pode ser a conclusão se atentarmos para o princípio da

reserva legal, para o qual se pode acrescentar nova leitura: “Não há crime

(nem transgressão militar) sem lei anterior que o defi na”.

O entendimento jurisprudencial sobre a constitucionalidade do

regulamento disciplinar está longe de ser tranqüilo, como aliás ocorre quando

se discutem as razões da espada e da balança.

Em 2004, a discussão sobre a validade jurídica do RDE chegou ao

Supremo Tribunal Federal, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADIN) proposta pelo Procurador-Geral da República, Cláudio Lemos

Fontelles. O Supremo preferiu não enfrentar o problema. Por maioria, “não

conheceu da ação”, o que implica dizer que não discutiu o mérito 186.

Em verdade, aquela ADIN deixa à mostra uma série de equívocos, a

partir da própria peça inicial, que foi repelida justamente por não permitir,

segundo os ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua maioria, que o

tema fosse julgado com precisão, tal era a forma genérica como a questão foi

apresentada.

185 CF, § 1º, do art. 5º.

186 ADIN nº 3340, de 8 de novembro de 2004, relator ministro Marco Aurélio, foi julgada pelo plenário um ano depois.

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Infelizes, do mesmo modo, as manifestações, confundindo decreto com

decreto-lei e sustentando que o regulamento anterior, também baixado por

decreto, foi recebido como lei.

Não é demais repetir. Na vigência da Constituição de 1967, com a

EC nº1/69, a fi gura que tinha o mesmo valor de lei era o decreto-lei e não

o decreto. E isso não foi invenção do regime militar. Veja-se, por exemplo,

o Código Penal comum, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940,

ou ainda o Código de Processo Penal comum, Decreto-Lei nº 3.689, de 3

de outubro de 1941, ambos anteriores a 1964 e, inclusive, em vigor após a

Constituição de 1988.

Resumindo, é possível afi rmar que regulamentos disciplinares das Forças

Armadas são inconstitucionais quando instituídos por decreto.

E, se adotados após 1988, carregam outro vício, por força do que consta

no art. 5º inciso LXI da Constituição da República.

EXERCÍCIO

47. Discorra sobre a validade jurídica dos regulamentos disciplinares adotados

por decreto do Poder Executivo.

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Referências Bibliográfi cas

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|| Direito Constitucional Militar

178 |

ARRUDA, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas. Editora Mauad, Rio de Janeiro, 2007.

BORN, Rogério Carlos. Direito Eleitoral Militar, publicado na internet em dezembro de 2005.

DUARTE, Antônio Pereira. Direito Administrativo Militar. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33ª ed, Saraiva, São Paulo, 2007.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991.

MACAMBIRA Marques, LAÉRCIO Giovani e Outros. Monografi a sobre A

APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 10.029, DE 20 DE OUTUBRO DE

2000, NA POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ E SUA RELAÇÃO CUSTO

VERSUS BENEFÍCIO. publicada na internet em junho de 2001.

MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar, texto publicado na internet em junho de 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed., Malheiros, São Paulo, 2007.

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Curriculum VitaeANGELO BELLO BUTRUS

CURSOS DE GRADUAÇÃO

Administrador de Empresa pelos Institutos Paraibanos de Educação;

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB);

CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU

Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Administração Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO);

Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Supervisão Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO);

Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Psicopedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);

Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Atualização Pedagógica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Argentina).

ATIVIDADES E EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS

Advogado militante tendo o site www.butrus.adv.br;

Professor Universitário.

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Curriculum Vitae JOÃO RODRIGUES ARRUDA Procurador da Justiça Militar

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá – RJ/1976;

Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho/1984;

Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra/2002.

DIVERSOS TRABALHOS PUBLICADOS EM REVISTAS E ARTIGOS EM JORNAIS

OUTRAS ATIVIDADES

Magistério Superior - Professor de Direito Penal Militar das Faculdades Integradas Bennett, de 1982 a 1992;

Fundador e Coordenador Acadêmico do Centro de Estudos de Direito Militar – CESDIM;

Autor do livro “O Uso Político das Forças Armadas e outras questões militares”, Editora Mauad, 2007.

HOMENAGENS RECEBIDAS

Diploma de “Amigo da Marinha”;

Diploma de Membro Honorário da Força Aérea Brasileira;

Medalha Mérito Tamandaré;

Medalha do Pacifi cador;

Ordem do Mérito Militar;

Ordem do Mérito Ministério Público Militar.