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Do intenDireito Constitucional – LFG – Intensivo I Prof.: Marcelo Novelino ÍNDICE A CONSTITUIÇÃO: A CONSTITUIÇÃO:.................................................. 4 1. Objeto:........................................................ 4 2. Constitucionalismo:............................................4 3. Evolução do Constitucionalismo:................................5 4. Neoconstitucionalismo:.........................................6 5. Constitucionalismo e Soberania Popular:........................8 CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES: CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES:......................9 1. Concepções de Constituição:....................................9 2. Aspectos conclusivos:.........................................10 3. Classificações da Constituição Brasileira de 1988:............11 HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:..........................14 1. Supremacia da Constituição:...................................14 2. Hierarquia dos Tratados Internacionais:.......................15 3. Lei Ordinária X Lei Complementar:.............................15 4. Hierarquia entre Lei Federal, Lei Estadual e Lei Municipal:. . .16 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:................................18 1. Conceito:..................................................... 18 2. Parâmetro (normas de referência):.............................18 3. Formas de Inconstitucionalidade:..............................19 3.1) Quanto ao tipo de conduta dos poderes públicos: .........................19 3.2) Quanto a norma constitucional ofendida:..............................19 3.3) Quanto a extensão da inconstitucionalidade: ............................19 3.4) Quanto ao Momento:............................................. 20 3.5) Quanto ao Prisma de Apuração:.....................................20 4. Formas de Controle de Constitucionalidade:....................21 4.1) Quanto ao momento em que o controle é exercido:.......................21 a) Preventivo:.................................................. 21 b) Repressivo:.................................................. 22 4.2) Quanto à natureza do órgão:.......................................23 4.3) Quanto à competência:............................................23 a) Difuso:...................................................... 24 b) Concentrado:................................................. 24 4.4) Quanto à finalidade:..............................................24 a) Concreto:.................................................... 24 b) Abstrato:.................................................... 24 “Tendência de abstrativização do controle concreto”:........................24 5. Formas de Declaração da Inconstitucionalidade:................26 5.1) Quanto ao aspecto objetivo:........................................26 1

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Page 1: Direito_Constitucional[1]

Do intenDireito Constitucional – LFG – Intensivo I

Prof.: Marcelo Novelino

ÍNDICE

A CONSTITUIÇÃO:A CONSTITUIÇÃO:...........................................................................................................................41. Objeto:.............................................................................................................................................42. Constitucionalismo:.........................................................................................................................43. Evolução do Constitucionalismo:....................................................................................................54. Neoconstitucionalismo:...................................................................................................................65. Constitucionalismo e Soberania Popular:........................................................................................8

CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES:CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES:...........................................................91. Concepções de Constituição:...........................................................................................................92. Aspectos conclusivos:....................................................................................................................103. Classificações da Constituição Brasileira de 1988:.......................................................................11

HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:.................................................................141. Supremacia da Constituição:.........................................................................................................142. Hierarquia dos Tratados Internacionais:........................................................................................153. Lei Ordinária X Lei Complementar:..............................................................................................154. Hierarquia entre Lei Federal, Lei Estadual e Lei Municipal:........................................................16

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:..............................................................................181. Conceito:........................................................................................................................................182. Parâmetro (normas de referência):.................................................................................................183. Formas de Inconstitucionalidade:..................................................................................................19

3.1) Quanto ao tipo de conduta dos poderes públicos:.....................................................................193.2) Quanto a norma constitucional ofendida:..................................................................................193.3) Quanto a extensão da inconstitucionalidade:............................................................................193.4) Quanto ao Momento:..................................................................................................................203.5) Quanto ao Prisma de Apuração:................................................................................................20

4. Formas de Controle de Constitucionalidade:.................................................................................214.1) Quanto ao momento em que o controle é exercido:...................................................................21a) Preventivo:.....................................................................................................................................21b) Repressivo:....................................................................................................................................224.2) Quanto à natureza do órgão:.....................................................................................................234.3) Quanto à competência:..............................................................................................................23a) Difuso:...........................................................................................................................................24b) Concentrado:.................................................................................................................................244.4) Quanto à finalidade:..................................................................................................................24a) Concreto:.......................................................................................................................................24b) Abstrato:........................................................................................................................................24→ “Tendência de abstrativização do controle concreto”:...............................................................24

5. Formas de Declaração da Inconstitucionalidade:..........................................................................265.1) Quanto ao aspecto objetivo:.......................................................................................................26a) Controle Concreto:........................................................................................................................26b) Controle Abstrato (ADI, ADC e ADPF):......................................................................................275.2) Quanto ao aspecto subjetivo:.....................................................................................................275.3) Quanto ao aspecto temporal da decisão:...................................................................................285.4) Quanto à extensão da declaração:.............................................................................................30

6. Exercício do Controle Jurisdicional:.............................................................................................326.1) Controle difuso-concreto:..........................................................................................................32a) ACP / Ações Coletivas:.................................................................................................................32b) Cláusula da Reserva de Plenário:.................................................................................................33

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c) Suspensão da Execução de Lei pelo Senado Federal:..................................................................35d) ADI no STF e ADI no TJ:..............................................................................................................386.2) Controle concentrado-abstrato:.................................................................................................39→ Competência para julgamento:....................................................................................................39→ Legitimidade ativa:.......................................................................................................................40→ Parâmetro para o controle:..........................................................................................................41→ Objeto das ações:.........................................................................................................................41

7. Atuação do PGR:...........................................................................................................................428. Atuação do AGU:..........................................................................................................................429. Amicus Curiae:..............................................................................................................................4310. Aspectos Específicos das Ações de Controle Concentrado-Abstrato:......................................4411. Instrumentos de Controle de Omissões Inconstitucionais:........................................................4712. Efeitos da decisão de mérito no MI:..........................................................................................4813. Controle Concentrado-Concreto:...............................................................................................48

→ ADI Interventiva ou Representação interventiva:........................................................................4814. RE como instrumento de controle Concentrado-abstrato:.........................................................49

PODER CONSTITUINTE:PODER CONSTITUINTE:...............................................................................................................511. Conceito e finalidade:....................................................................................................................512. Titularidade do Poder Constituinte:...............................................................................................513. Poder Constituinte Supranacional:................................................................................................514. Espécies Tradicionais:...................................................................................................................52

A) Poder Constituinte (Originário):..................................................................................................52B) Poder Constituinte Decorrente:....................................................................................................53C) Poder Constituinte Derivado (Poder Derivado Reformador):.....................................................55

5. Reforma x Revisão:.......................................................................................................................58 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL:HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL:.......................................................................................61

1. Introdução:.....................................................................................................................................612. Justificativas para o surgimento dos métodos de interpretação da Constituição:..........................613. Métodos de Interpretação da Constituição:...................................................................................62

I) Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico (Ernest Forsthoff):..................................................62II) Método Científico Espiritual (Rudolf Smend):.............................................................................62III) Método Tópico-problemático (Theodor Viehweg):.....................................................................63IV) Método Hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse):..............................................................64V) Método Normativo-estruturante (Friedrich Müller):...................................................................65VI) Método Concretista da Constituição Aberta (Peter Häberle):...................................................65

4. Elementos do Sistema Normativo Constitucional:........................................................................665. Postulados Normativos de Interpretação:......................................................................................686. Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade:........................................................................74

PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO:PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO:............................................................................................761. Natureza Jurídica:..........................................................................................................................762. Preâmbulo como diretriz hermenêutica:........................................................................................77

APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:.........................................................781. Classificação das Normas Constitucionais - JAS:.........................................................................782. Classificação de outros autores:.....................................................................................................80

NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO:NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO:...............................................................................811. Revogação:....................................................................................................................................812. Teoria da Desconstitucionalização:...............................................................................................813. Teoria da Recepção:......................................................................................................................824. Repristinação:................................................................................................................................825. Mutação Constitucional:................................................................................................................836. Constitucionalização Superveniente:.............................................................................................837. Graus de retroatividade da norma constitucional:.........................................................................84

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:...............................................................................................861. Funções dos Princípios Constitucionais:.......................................................................................862. Princípios Estruturantes:................................................................................................................87

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Page 3: Direito_Constitucional[1]

3. Princípio Republicano:..................................................................................................................874. Princípio Federativo:.....................................................................................................................875. Princípio do Estado Democrático de Direito:................................................................................88

FUNDAMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO:FUNDAMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO:............................................................................891. Soberania:......................................................................................................................................892. Cidadania:......................................................................................................................................893. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa:...........................................................................894. Pluralismo Político:.......................................................................................................................905. Dignidade da pessoa humana:.......................................................................................................90

DIREITOS FUNDAMENTAIS:DIREITOS FUNDAMENTAIS:.......................................................................................................931. Direitos Humanos X Direitos Fundamentais:................................................................................932. Direitos Fundamentais X Garantias Fundamentais:......................................................................933. Natureza dos Direitos Fundamentais:............................................................................................934. Características dos Direitos Fundamentais:...................................................................................945. Classificação:.................................................................................................................................946. Eficácia e Aplicabilidade:..............................................................................................................957. Gerações e Dimensões:..................................................................................................................958. Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Fundamentais:..........................................................979. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais:...............................................................99

DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE:DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE:....................................................................................1021. Direito à vida:..............................................................................................................................1022. Direito à privacidade:..................................................................................................................1043. Princípio da Igualdade:................................................................................................................1094. Direitos ligados à liberdade:........................................................................................................1125. Direito de propriedade:................................................................................................................1166. Direito de segurança jurídica:......................................................................................................1197. Direitos Sociais:...........................................................................................................................1228. Direitos Políticos:........................................................................................................................126

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(30/07/08)

A CONSTITUIÇÃO:A CONSTITUIÇÃO:

A Constituição pode ser definida, em sentido jurídico, como o conjunto sistematizado de normas originárias e estruturantes do Estado que têm por objeto nuclear os direitos fundamentais, a estruturação do Estado e a organização dos poderes.

A Constituição é a lei suprema do Estado brasileiro e fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas, razão pela qual estas só serão válidas se estiverem em conformidade com as normas constitucionais.

1. Objeto:

O objeto das constituições pode varia conforme a sociedade, o local e a época.Um fenômeno constatado no tocante a este aspecto é a ampliação gradativa do conteúdo

das constituições, que passaram a tratar não apenas das normas constitutivas do Estado, mas também de outros assuntos, dando origem à distinção doutrinária entre normas materialmente e formalmente constitucionais.

A Constituição brasileira de 1988 tem como conteúdo básico os direitos e garantias fundamentais; a estrutura e organização do Estado e de seus órgãos; o modo de aquisição e a forma de exercício do poder; a defesa da Constituição, do estado e das instituições democráticas; e, os fins socioeconômicos do Estado.

2. Constitucionalismo:

Canotilho identifica vários constitucionalismos, como o inglês, o americano e o francês, preferindo falar em “movimentos constitucionais”. Ele define o constitucionalismo como uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

Kildare Gonçalves Carvalho, por seu turno, vislumbra tanto uma perspectiva jurídica, como sociológica: “em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente, representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado”.

André Ramos Tavares identifica 4 sentidos para o constitucionalismo: numa primeira acepção, emprega-se a referencia ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira acepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.

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Partindo, então, da idéia de que todo Estado deva possuir uma Constituição, avança-se no sentido de que os textos constitucionais contém regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, afastando-se da visão autoritária do antigo regime.

Finalidade do constitucionalismo: proteger direitos. E para isso, muitas vezes é necessário ir contra a democracia. A principal preocupação aqui não é assegurar a vontade da maioria, mas proteger direitos.

3. Evolução do Constitucionalismo:

A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos EUA, em 1787, após a Independência das 13 Colônia, e da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais. Como ressaltado por Jorge Miranda, porém, “o Direito Constitucional norte-americano não começa apenas nesse ano. Sem esquecer os textos da época colonial (antes de mais, as Fundamental orders of Connecticut de 1639), integram-no, desde logo, no nível de princípios e valores ou de símbolos da Declaração de Independência, a Declaração de Virgínia e outras Declarações de Direitos dos primeiros Estados”. (Livro do Alexandre de Morais).

☺Esquematização do constitucionalismo (livro do Pedro Lenza):

Momento histórico Documentos e Características marcantesAntiguidade “lei do Senhor” – hebreus – limites bíblicos

Democracia direta – Cidades-Estados gregasIdade Média Magna Carta de 1215Idade Moderna Pactos e forais ou cartas de franquia

Petition of Rights de 1628Habeas Corpus Act de 1679Bill of Rights de 1689Act of Settlement de 1701

Constitucionalismo norte-americano

Contratos de colonizaçãoCompact (1620)Fundamental Orders of Connecticut (1662)Carta outorgada por Carlos II (1662)Declaration of Rights do Estado da Virgínia (1776)Constituição da Confederação dos Estados Americanos (1781)

Constitucionalismo moderno Constituição norte-americada de 1787Constituição francesa de 1791

Constitucionalismo contemporâneo

Totalitarismo constitucionalDirigismo comunitárioConstitucionalismo globalizadoDireitos de segunda dimensãoDireitos de terceira dimensão (fraternidade e solidariedade)

Constitucionalismo do futuro Consolidação dos direitos de 3ª dimensãoSegundo Dromi, a verdade, a solidariedade, a continuidade, a participação, a integração e a universalidade são perspectivas para o constitucionalismo do futuro.

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A idéia de supremacia constitucional (Constitucionalismo) surgiu com as revoluções liberais (Séc. XVIII).

Posteriormente, surge a idéia de Constituição escrita (pois até então todas as constituições eram consuetudinárias) – as primeiras Constituições escritas foram as do EUA (1776) e da França (1791) – e surge também a idéia de Constituição formal, bem como a de supremacia.

-Tradições que contribuíram para o Constitucionalismo: norte-americana e francesa.

Aspectos:

a) EUA: idéia de supremacia constitucional e de garantia judicial da Constituição → a Constituição é considerada norma suprema, superior às demais leis, porque a Constituição, nos EUA, está ligada à idéia de “regras do jogo” político: quem estabelece as regras do jogo político é a Constituição (e por isso ela está acima daqueles que participam desse jogo político: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário). O PJ é considerado o poder mais neutro, dotado de maior neutralidade política, e por isso é considerado o poder mais apto para assegurar o controle da supremacia constitucional. A primeira vez em que foi exercido o controle de constitucionalidade no mundo foi nos EUA, em 1803 (caso Marbury vs. Madison, julgado pelo juiz Marshall).

b) França: a supremacia da Constituição está ligada à supremacia do Poder Constituinte. O principal formulador da Teoria do Poder Constituinte, na época das Revoluções Liberais, foi o Abade Sieyès, que dizia que o poder constituinte tinha como titular a nação, a maioria da nação. Todos os poderes constituídos (PL, PE e PJ), estabelecidos pela Constituição, estarão subordinados a ela. É a nação que dá aos poderes constituintes legitimidade para atuar. Segundo a tradição francesa, ao contrário do que ocorre com a norte-americana, a Constituição não se contenta apenas em estabelecer as regras do jogo, ela é um projeto político de transformação política e social que pretende participar diretamente do jogo, estabelecendo diretrizes.

4. Neoconstitucionalismo :

A tentativa de superação do tradicional antagonismo existente entre direito natural e direito positivo deu origem a uma nova dogmática que, apesar de incipiente, vem ganhando cada vez mais espaço no mundo jurídico, sobretudo no âmbito do direito constitucional.

→ Traços que caracterizam o Neoconstitucionalismo e o diferenciam do Constitucionalismo Clássico:

- Começou com o fim da 2ª Guerra Mundial.- Características mais evidentes do constitucionalismo contemporâneo: (as elencadas pelo doutrinador Luis Prieto Sanchis – alguns verdadeiros exageros – e outras acrescentadas pelo professor):

“Mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços isentos em favor da opção legislativa ou regulamentária; onipotência judicial em lugar de autonomia do legislador ordinário; e, por último, coexistência de uma constelação plural de valores às vezes tendencialmente contraditórios, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um punhado de princípios...”

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Vejamos cada uma delas:

1) constelação plural de valores, às vezes tendencialmente contraditórios, no lugar de uma homogeneidade de princípios: ≠ das constituições ortodoxas, que têm apenas um tipo de princípio informando seus ideais; nas constituições modernas há uma pluralidade de valores que são consagrados e que as vezes inclusive se contrapõem, entram em choque, parecem antagônicas (ex.: direito à propriedade e dever de conferir à propriedade a função social; direito à livre iniciativa e monopólio de determinadas atividades pelo Estado, etc.).

2) mais princípios do que regras; mais ponderação que subsunção. Atenção: diante de um caso que ao mesmo tempo é regulado por um princípio e por uma regra, geralmente se deve aplicar a regra, porque esta é uma especificação / concretização do princípio. Quando se tem uma regra específica regulamentando o caso, é esta que deve ser aplicada, e não o princípio. Este (o princípio) é uma válvula de escape para quando não há regra ou para quando esta é inconstitucional. Temos que: a norma jurídica é o gênero do qual são espécies os princípios e as regras. Quanto à ponderação, esta nada mais é do que a forma de aplicação dos princípios, já a subsunção é a forma de aplicação das regras. Exs.: quando a Constituição diz que ocorre a estabilidade do servidor público após 3 anos de efetivo exercício, trata-se de uma regra (não há o que se ponderar, a aplicação é automática, através da subsunção), assim como ocorre com a aposentadoria compulsória; já no caso do direito à privacidade, que se expressa através de um princípio, se aplica pela ponderação com outros princípios, e não de forma automática e definitiva (os princípios são mandamentos “prima facie”).

3) onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador ordinário: é o juiz que vai garantir a supremacia da Constituição. Assim, segundo aquele autor, o PJ é o principal protagonista, estando acima dos demais poderes. Esse pensamento poderia levar a uma ditadura do PJ sobre os demais (o abuso então deixaria de vir do Poder Legislativo, do legislador, e passaria ao PJ); o ideal é que haja sempre um equilíbrio entre os poderes. “Judicialização da política”: questões políticas têm tido como sua ultima instância o PJ (ex.: verticalização das eleições, pesquisa com células tronco-embrionárias, etc., tudo é decidido pelo STF). Ou seja, é mesmo inegável o fortalecimento pelo qual vem passando o PJ.

4) onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, no lugar de espaços isentos em favor da opção legislativa. Isso reflete o que se chama de “Constitucionalização do Direito” (civil, administrativo, previdenciário), ou seja, a Constituição está presente em todos os ramos do direito – presença da Constituição em todas as matérias minimamente relevantes. Aspectos da constitucionalização do direito:

a) consagração de normas de outros ramos na Constituição (aspecto mais evidente, relevante);

b) toda interpretação jurídica é também uma interpretação constitucional: a 1ª análise que se deve fazer diante de uma lei é quanto à sua compatibilidade com a Constituição, ou seja, deve-se fazer uma interpretação da lei de acordo com os valores consagrados na Constituição. Se o fundamento de validade da lei é a Constituição, sempre que se for interpretar uma lei, deve-se fazê-lo de acordo com este fundamento de validade, ou seja, com a Constituição, e a isso dá-se o nome de “Filtragem Constitucional” (interpretação da lei à luz, sob a ótica da Constituição).

→ Essas são as características apresentadas pelo autor Luis Pietro Sanches. As próximas duas são trazidas pelo professor.

5) normatividade da Constituição: ☺concepções de Constituição.

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6) reaproximação entre direito e moral (na verdade é uma característica mais específica do pós-positivismo) – leitura moral da Constituição (principal expoente: Ronald Dworkin): o conteúdo do direito tem que ser um conteúdo moralmente admissível.

5. Constitucionalismo e Soberania Popular:

A idéia de que todo Estado deva possuir uma Constituição e que esta deve conter limitações ao poder autoritário e regras de prevalência dos direitos fundamentais desenvolve-se no sentido de consagração de um Estado Democrático de Direito (☺art. 1º, caput, CR) e, portanto, de soberania popular.

Assim, de forma expressa, o § único do art. 1º da Constituição concretiza que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição.

Vale dizer, mencionado artigo distingue titularidade de exercício do poder. O titular do poder é o povo. Como regra, o exercício deste poder, cujo titular é o povo, dá-se através dos representantes do povo, que são os deputados federais (âmbito federal), os deputados estaduais (âmbito estadual) e os vereadores (âmbito municipal). Os senadores da República Federativa do Brasil representam os Estados-membros e o DF, de acordo com o art. 46, CR.

Além de desempenhar o poder de maneira indireta (democracia representativa), por intermédio de seus representantes, o povo também o realiza diretamente (democracia direta), concretizando a soberania popular, que, segundo o art. 1º da Lei 9.709/98 (que regulamentou o art. 14, I, II e III, CR), “é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos deste lei e das normas constitucionais, pertinentes, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular”.

Podemos falar, então, que a CR/88 consagra a idéia de democracia semidireta ou participativa, verdadeiro sistema híbrido, conforme o quadro a seguir:

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Democracia Representativa Democracia Direta

Democracia SemidiretaOu

Participativa“Sistma Híbrido”

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CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES:CONSTITUIÇÃO – CONCEPÇÕES E CLASSIFICAÇÕES:

1. Concepções de Constituição:

As diferentes formas de se compreender o Direito acabam por produzir diferentes concepções de Constituição, conforme o prisma de análise.

As questões acerca das concepções passam pelo fundamento, pela forma como a Constituição encontra o seu fundamento na visão de cada autor. É importante relacionar o nome da concepção ao seu principal expoente ou defensor (isso é muito cobrado nas provas objetivas).

1) Sociológica : seu principal expoente é Ferdinand Lassale. A conferência realizada por ele, na qual ele falou pela primeira vez sobre esta concepção, foi realizada em 1862 (por isso já é ultrapassada). Ele faz uma diferenciação entre a Constituição Real (ou efetiva) e a Constituição Escrita. Segundo ele, a Constituição Real ou Efetiva é a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação, ou seja, para ele, a Constituição Real de um Estado não é a que está escrita num papel, mas a feita por aqueles que detêm os fatores reais de poder na sociedade (somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade). A Constituição Escrita só terá valor e efetividade se corresponder à Constituição Real, caso contrário, a Constituição Real sempre irá prevalecer sobre a Constituição Escrita. A Constituição Escrita, quando não corresponde à Constituição Real, não passaria de uma simples “folha de papel”. Esta concepção atualmente é inadmissível.

2) Política : defendida por Carl Schmitt (1929). Para entender tal concepção, é importante fazer uma distinção entre Constituição propriamente dita e Leis Constitucionais: Constituição é apenas aquilo que decorre de uma decisão política fundamental (o fundamento da Constituição é a decisão política que a antecede), como por ex., os direitos fundamentais, as normas referentes à estrutura do Estado e a organização dos Poderes (PE, PL, PJ, e eventualmente o Poder Moderador) – são as chamadas “matérias constitucionais”, a que Carl Schmitt chama de Constituição; o restante, que está dentro da Constituição não seria Constituição propriamente dita, mas apenas leis constitucionais. As leis constitucionais são todo o restante, tudo que não decorre de uma decisão política fundamental (ex.: art. 242, §2º, CR – que fala sobre o Colégio Pedro II) – as leis constitucionais estão relacionadas ao conceito formal de Constituição, pois são constitucionais pela forma e não pela matéria de que tratam. Constituição e leis constitucionais são, portanto, formalmente iguais (fazem parte de um mesmo documento, têm a mesma forma de elaboração), mas materialmente distintas.

3) Jurídica : surgiu após a 2ª GM, quando passou a ser mais presente a “normatividade da Constituição”, o caráter normativo e vinculante da Constituição. Toda a Constituição, com exceção do Preâmbulo, é vinculante e obrigatória. Esta é a concepção que hoje prevalece. Ela tem dois grandes expoentes: o austríaco Hans Kelsen e o alemão Konrad Hesse (que têm idéias diversas, mas ambas têm como fundamento a concepção jurídica de Constituição).

→ Segundo Hans Kelsen, a Constituição é um conjunto de normas como as demais leis, ou seja, ela encontra o seu fundamento no próprio direito (e não na sociologia, na política ou na filosofia), a Constituição é norma pura, é puro dever-ser (não pertence ao mundo do ser como quer o Ferdinand Lassale). Aqui é importante fazer uma distinção entre a Constituição em sentido lógico-jurídico e Constituição em sentido jurídico-positivo:

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- a Constituição em sentido lógico-jurídico é a “norma fundamental hipotética”: é fundamental porque é o fundamento da Constituição em sentido jurídico-positivo (está acima do topo da pirâmide, ela não existe na realidade, é apenas uma pressuposição, é uma norma pressuposta, não está escrita, posta pelo Estado). É preciso pressupor uma norma fundamental para que haja o cumprimento da própria Constituição (já que para todas as outras normas haverá a Constituição que obrigará o seu cumprimento). Seu único comando, portanto, é: todos devem obedecer a Constituição.- a Constituição em sentido jurídico-positivo é o documento constitucional que conhecemos, é a Constituição escrita (CR/88).

→ Já Konrad Hesse (1959) desenvolve a concepção de “força normativa” da Constituição (nome do livro traduzido para o português pelo Min. Gilmar Mendes). Apesar de muitas vezes sucumbir à realidade, a Constituição possui uma força normativa capaz de conformar esta mesma realidade, modificando-a. Basta que para isso exista “vontade de Constituição” e não apenas “vontade de poder”. O papel do direito constitucional é dizer aquilo que deve ser (e não o que é), e a Constituição tem uma força normativa capaz de conformar a realidade.

4) Culturalista : remete ao conceito de “Constituição Total”, que é aquela que não se contenta apenas em estabelecer as relações de poder, mas que trata de todos os aspectos, todos os setores da vida social. Esta concepção na verdade reúne todas as demais concepções anteriormente estudadas, não introduz nenhuma novidade, por isso não tem nenhum expoente específico. Ou seja, segundo esta concepção, a Constituição tem sim fundamento sociológico, tem aspecto político (tem conteúdo eminentemente político – conforme afirma Canotilho, a Constituição é um estatuto jurídico e um fenômeno político), e também jurídico; os fundamentos são complementares e não antagônicos entre si (um complementa o outro). Chama-se concepção “culturalista” porque a Constituição é condicionada por uma determinada cultura e, ao mesmo tempo, é um elemento conformador, condicionante desta mesma cultura.

2. Aspectos conclusivos:

A Constituição deve trazer em si os elementos integrantes (componentes ou constitutivos) do Estado, quais sejam:

- Soberania;- Finalidade;- Povo;

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Concepções

Sociológica (Ferdinand Lassale)

Política (Carl Schimitt)

Jurídica (Konrad Hesse e Hans Kelsen)

Culturalista

Page 11: Direito_Constitucional[1]

- Território.A CR/88, neste sentido, define tais elementos estruturais, devendo ser lembrado que o

Brasil adotou o sentido formal, qual seja, só é constitucional o que estiver inserido na Carta Maior, seja em razão do trabalho do Poder Constituinte Originário, seja pela introdução de novos elementos através de emendas, desde que observadas as regras colocadas pelo Originário.

3. Classificações da Constituição Brasileira de 1988:

1) Quanto a forma :

- escrita: a CR/88 em regra é escrita, mas possui elementos não escritos, como por ex., o voto de liderança (as lideranças simbolicamente aprovam o assunto – é um costume constitucional).

- não escrita: ex.: a Constituição da Inglaterra (mas mesmo as constituições não escritas possuem documentos escritos).

2) Quanto à sistemática : as Constituições Escritas se sub-classificam quanto à sistemática, podendo ser:

- codificadas, como o é a nossa CRFB/88 (que se divide sistematicamente de forma codificada), ou

- não codificadas.

3) Quanto à origem :

- democrática, promulgada, votada, popular: é feita por representantes do povo (titular do Poder Constituinte) e estes representantes têm que ser eleitos para o fim específico de elaborar a Constituição. A CR/88 é democrática porque foi elaborada por representantes eleitos especificamente para este fim (Assembléia Nacional Constituinte). Alguns autores afirmam que a nossa Constituição não seria democrática porque na Assembléia Constituinte alguns parlamentares não foram eleitos para este fim específico de promulgar a Constituição, mas afirmar isso seria um rigorosismo excessivo.

- outorgada: é a constituição imposta, de maneira unilateral, pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade para em nome dele atuar. No Brasil, as constituições outorgadas foram as de 1824, 1937, 1967. Obs.: as constituições outorgadas recebem, por alguns estudiosos, o apelido de “Cartas Constitucionais”.

- pactuada: surge através de um pacto, são aquelas em que o poder constituinte originário se concentra nas mãos de mais de um titular. Por isso mesmo, trata-se de modalidade anacrônica, dificilmente ajustando-se à noção moderna de Constituição, intimamente associada à idéia de unidade do poder constituinte.

4) Quanto ao modo de elaboração :

- dogmática: surge em um só momento, de uma só vez, é fruto das idéias, dos dogmas predominantes naquele momento histórico, como é o caso da CR/88 (que surgiu em 05/10/88).

- histórica: a Constituição que vai se formando lentamente, não surge de uma só vez em um só momento; toda Constituição histórica é costumeira, consuetudinária (não é escrita), como por ex., a Constituição Inglesa.

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5) Quanto à estabilidade ou plasticidade : (faz-se uma comparação entre a Constituição e as leis de um determinado país e não entre uma Constituição de um país e a de outro – está relacionada ao grau de dificuldade de modificação da Constituição)

- imutáveis: Constituição que não poderia ser modificada sob pena de punição pelos deuses;- fixas: não poderiam ser modificadas;(Obs.: essas duas primeiras classificações não são mais utilizadas)- rígidas: CR/88 – só podem ser alteradas por um procedimento de alteração mais dificultoso

do que aquele apropriado para a alteração das leis. Atenção: não é o fato de possuir cláusulas pétreas que caracterizam a rigidez, mas sim o processo mais dificultoso. Por este motivo, Alexandre de Morais faz a seguinte classificação: a Constituição rígida que possui cláusulas pétreas (como a CR/88) seria denominada de super-rígida;

- semi-rígidas: era a Constituição de 1824.- flexíveis: têm o mesmo grau de dificuldade do processo de alteração das leis.

6) Quanto ao conteúdo ou quanto a identificação das normas :

- constituição em sentido material: que se identifica pelo seu conteúdo, pela sua matéria (o conteúdo típico de uma Constituição é: Direitos fundamentais, Estrutura do Estado e Organização dos poderes – DEO). É uma classificação típica das constituições costumeiras.

- constituição em sentido formal: que se identifica pela forma de sua elaboração (e não pelo seu conteúdo), como é o caso da CR/88, ou seja, Constituição no Brasil é aquilo que foi feito pelo Poder Constituinte de 1988, independentemente do assunto de que trata (se está na CR é norma formalmente constitucional). Atenção: a Constituição em sentido formal abrange as matérias típicas das Constituições em sentido material, por isso não é correto afirmar que a CR/88 é tanto Constituição em sentido formal como em sentido material. O que é correto afirmar é que a CR/88 trata de matérias formalmente constitucionais, bem como de matérias materialmente constitucionais (ex.: art. 1º, CR).

7) Quanto à extensão (quanto ao tamanho):

- concisas: são breves, sucintas, tratam apenas dos princípios gerais das matérias constitucionais, sem se preocupar com os detalhes. São chamadas também de clássicas, porque as primeiras constituições criadas só tratavam desses temas (ex.: a Constituição dos EUA).

- prolixas, analíticas, regulamentares: é a tendência das constituições atuais. O são todas as constituições criadas após o fim do período das ditaduras militares (todas as da América Latina, inclusive a CR/88). Dão maior proteção e estabilidade as matérias por elas consagradas.

8) Quanto à função ou estrutura :

- garantia (quadro): tem por finalidade apenas proteger direitos. Característica das constituições clássicas, que surgiram com um objetivo pré-definido, o de proteger e garantir as liberdades individuais em face do Estado. A Constituição seria uma moldura dentro da qual os poderes públicos poderiam agir (por isso se usa o termo “quadro”, que na verdade é uma tradução equivocada de um termo inglês).

- dirigente (programática): expressão trazida pelo prof. Canotilho. É a CR/88. Trata-se daquela Constituição que dirige os rumos do Estado (ela própria – não atribui essa direção aos poderes). É também chamada de programática porque os rumos do Estado são dados por normas programáticas (mas atenção: o programa de ação traçado por uma norma não é uma diretriz que o poder público segue ou não ao seu bel prazer, mas sim uma obrigatoriedade!). As normas

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programáticas estabelecem uma obrigação de resultado e não de meio (diz que tipo de resultado o Estado deve buscar e não o meio pelo qual o fará, como por ex.: art. 3º, CR, que traça os objetivos da República Federativa do Brasil). As normas que estabelecem os meios geralmente são NEP ou NEC.OBS.: a CR/88 é ainda Eclética, porque é fruto de várias ideologias, e não de apenas uma ideologia.

→ Considerando algumas das espécies supramencionadas, a atual Constituição brasileira pode ser classificada como: escrita, codificada, democrática, dogmática (surge de uma só vez), rígida (ou super-rígida), formal, prolixa, dirigente e eclética.

☺Quadro – Classificação das Constituições:

QUANTO À FORMA:Escritas; Não-escritas

(inorgânicas, costumeiras ou consuetudinárias).

QUANTO À SISTEMÁTICA(ou quanto à unidade

documental): Codificadas (orgânicas ou unitextuais); Não-

codificadas (inorgânicas pluritextuais ou legais).

QUANTO À ORIGEM:Outorgadas (ou impostas); Pactuadas (ou pactuais);

Democráticas (populares, dogmáticas, votadas ou

promulgadas).

QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO:

Dogmáticas; Históricas.

QUANTO À ESTABILIDADE(mutabilidade ou plasticidade):

Imutáveis; Fixas; Rígidas; Semi-rígidas (ou semiflexisíveis);

Flexíveis (ou plásticas).

QUANTO À IDENTIFICAÇÃO DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS (ou conteúdo):

Constituição em sentido material; Constituição em sentido formal.

QUANTO À EXTENSÃO:Concisas (breves, sumárias,

sucintas, básicas ou clássicas); Prolixas (analíticas ou

regulamentares)

QUANTO À FUNÇÃO(ou estrutura):

Constituição-garantia (ou Constituição-quadro);

Constituição programática (ou dirigente).

QUANTO À DOGMÁTICA:Ortodoxas; Ecléticas.

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(15/08/08)

HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:

1. Supremacia da Constituição:

A supremacia material da constituição é um atributo de toda Constituição. No entanto, uma Constituição só possui relevância sociológica, para fins de controle de constitucionalidade, se tiver também supremacia formal.

Para que exista supremacia formal, a CR/88 tem que ser uma constituição rígida. Importa dizer, que a CR/88, por ser rígida, tem de ser, obrigatoriamente escrita.

O sistema jurídico pátrio pode ser representado por uma pirâmide imaginária composta, basicamente, por 4 níveis hierárquicos.

No topo, encontram-se as normas constitucionais originárias, as derivadas (art. 59, I) e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo quorum de 3/5 e em 2 turnos de votação (☺art. 5º, §3º).

Logo abaixo se encontra os tratados internacionais de direitos humanos, como normas supralegais.

No escalão intermediário situam-se os atos normativos primários, que têm a Constituição como fundamento imediato de validade. Dentre eles estão as leis em sentido estrito (leis federais, estaduais, distritais e municipais; ordinárias e complementares), as medidas provisórias, as leis delegadas, os decretos legislativos e as resoluções da Câmara, do Senado e do Congresso Nacional (☺art. 59, II a VII).

Localizados na base da pirâmide estão os decretos e regulamentos, cujo fundamento de validade são as leis e, o indireto, a Constituição.

→ CR/88 TIDH

→ ANP

→ ANS

Não existe hierarquia entre as normas de uma constituição, sejam elas originárias ou derivadas, princípios ou regras, direitos fundamentais ou não, cláusulas pétreas ou demais dispositivos.

Quando alguns autores dizem que os princípios são superiores às regras, eles se referem ao seu conteúdo axiológico e não ao jurídico, porque os princípios têm maior amplitude, enquanto as regras são mais específicas.

O Princípio que afasta a tese de hierarquia entre as normas da CR/88 é o Princípio da Unicidade.

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TIDH =Tratados internacionais de direitos humanos (norma supralegal)ANP = retiram seu fundamento de validade diretamente da CR/88 – estão ligados diretamente à CR (são: LO, LC, Leis Delegadas, MP, DL e Resoluções – ☺art. 59, CR).ANS = retiram seu fundamento de validade direto dos ANP e de forma indireta da CR/88 (ex.: decretos e regulamentos, que existem como complementação dos ANP).

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2. Hierarquia dos Tratados Internacionais:

Logo após a entrada em vigor da CR/88, o STF entendia que os tratados internacionais tinham status de LO (porque o decreto legislativo que o aprova segue a forma do art. 47, CR).

Com a entrada em vigor da EC/45, o § 3° do art. 5° passa a dispor que os TIDH aprovados por 3/5 em 2 turnos têm status de EC e os demais tratados têm status de LO.

O STF passou então a entender que: TIDH aprovados por 3/5 em 2 turnos = Status de EC TIDH não aprovados por 3/5 em 2 turnos = Status supra legal Demais TI = Status de LO.

Destaca-se que o Ministro Celso de Mello, no RE 466343 disse que os TIDH têm status de EC, desde que aprovados por 3/5 em 2 turnos. Para ele, os TIDH, após a EC/45, devem ser todos reconhecidos como EC, enquanto os TI posteriores a EC/45 só poderão ter status constitucional se aprovados por este quorum qualificado.

Obs.: no caso de Depositário infiel, o STF tem concedido o HC. Só tem sido admitida prisão civil por dívida nos casos de não pagamento de pensão alimentícia.

3. Lei Ordinária X Lei Complementar:

Na doutrina ainda existe conflito se há ou não hierarquia entre essas espécies normativas. STF e STJ já são pacíficos em afirmar que não há hierarquia entre LC e LO, ambas possuem campos materiais distintos estabelecidos pela Constituição. Não há hierarquia porque uma não é fundamento de validade da outra (LC não determina a forma e nem o conteúdo de LO). Ambas retiram seu fundamento de validade da Constituição.

☺Quadro:

Lei complementar Lei ordináriaIniciativa: Art. 61 CR/88 Art. 61 CR/88Quorum de votação (de instalação):(n° de parlamentares que têm de estar presentes para instaurar a seção) - ☺Art. 47

Maioria Absoluta (+ de 50% dos membros)

Maioria Absoluta(+ de 50 % dos membros)

Quorum de aprovação:(n° de parlamentares que têm de votar para aprovar a matéria)

Maioria Absoluta (+ de 50% dos membros). Não varia, é sempre o mesmo número - ☺Art. 69.

Maioria Relativa (+ de 50% dos presentes). É variável porque depende do n° de parlamentares presentes - ☺Art. 47.

Matéria: Reservada pela CR/88. Residual.

CF - Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

OBS: O art. 47 é a regra geral, só ficando afastado quando houver previsão legal especifica como no caso do art. 69, que regula a LC.

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Diferença Formal = quórum de aprovação Diferença Material = Matéria

Pergunta: Uma LC pode tratar de matéria de LO?Resposta: A LC pode tratar de matéria residual (LO) sem ser invalidada, por uma questão

de economia legislativa. No entanto, esta lei formalmente complementar será materialmente uma lei ordinária, o que significa que ela poderá ser revogada por outra lei ordinária.

Pergunta: Pode uma LO tratar de matéria de LC?Resposta: Não, nenhum outro ato normativo pode tratar de matéria de LC (nem mesmo

medida provisória ou tratado internacional).

4. Hierarquia entre Lei Federal, Lei Estadual e Lei Municipal:

A CR/88 estabelece campos materiais distintos para cada uma destas leis. Assim, como a CR/88 é o fundamento de validade de todas elas, não há hierarquia (trata-se de competência horizontal).

Estado – ☺Art. 25, § 1° (matéria residual) Município – ☺Art. 30 (assunto de interesse local). União – ☺Arts. 21, 22 e 48 Lei Federal

Para resolver o conflito de competência (repartição horizontal) entre essas leis, deve-se verificar para quem a CR/88 estabeleceu a competência.

Havendo conflito (ex.: lei estadual trata de matéria de competência da União), como o controle exercido será de constitucionalidade, a competência para resolução é do STF, conforme previsto no art. 102, III, d, CR, pois aqui o fundamento de validade é diretamente a CR.

☺Art. 24 CR/88 = Matérias de competência legislativa concorrente não cumulativa (U, E, DF).

A União estabelece normas gerais e os Estados exercem competência suplementar. Estado tem que respeitar o conteúdo da norma estabelecida pela União. A relação aqui é de competência vertical e representa uma exceção a não hierarquia!

CR/88↓

União – edita normas gerais (§1º)↓

Estados e DF – têm competência suplementar (§2º)

Neste caso, a lei federal determina o conteúdo da lei estadual; assim, há hierarquia. Assim, no caso de repartição vertical, se uma lei estadual trata de uma matéria de forma contrária à norma geral (União), não cabe ADIN, pois não está ligada diretamente à Constituição.

Conclusão: um ato só pode ser objeto de ADI se estiver ligado diretamente à Constituição.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

1. Conceito:

Consiste na fiscalização da compatibilidade entre condutas (comissivas ou omissivas) dos poderes públicos e os comandos constitucionais, visando assegurar a supremacia da constituição.

OBS: Não existe inconstitucionalidade de atos dos particulares. A constituição só fala em inconstitucionalidade de atos dos poderes públicos.

A supremacia que o controle de constitucionalidade visa assegurar é a constitucionalidade FORMAL.

Assim, o controle de constitucionalidade pode ser conceituado como o conjunto de mecanismos (instrumentos) criados para assegurar a supremacia formal da Constituição.

2. Parâmetro ( normas de referência):

O controle de constitucionalidade tem dois elementos fundamentais: parâmetro e objeto.- Parâmetro → é a norma constitucional que serve de referência para o controle de constitucionalidade (normas constitucionais que podem gerar a inconstitucionalidade).- Objeto → ato do poder público que vai sofrer o controle (é aquilo que pode ser questionado através do controle).

Para que uma norma sirva de parâmetro para o controle, ou seja, seja uma norma de referência para ele, tem que ser uma norma formalmente constitucional (seu conteúdo a princípio não tem relevância), deve estar inserida no texto da CR.

A CR/88 pode ser divida em:a) Preâmbulo = consagra os valores supremos da sociedade. Como não tem caráter normativo, não serve de parâmetro para controle de constitucionalidade (não tem caráter normativo; é diretriz hermenêutica, tem função interpretativa).b) Parte permanente = normas gerais – arts. 1° a 250 (para perder eficácia tem que ser retirados por EC).c) ADCT = normas de transição entre a constituição antiga e a nova. Também para os casos de grande mudança constitucional

Ex: quando da reforma administrativa, normas foram acrescentadas ao ADCT para transição entre as normas antigas e as novas.

Tirando o preâmbulo, todas as demais normas servem como parâmetro (e não só as normas expressas, inclusive os princípios implícitos também podem – ex. proporcionalidade) já que todas são formalmente constitucionais.

Com a EC/45, este parâmetro foi ampliado também para os TIDH, desde que aprovados por 3/5 e em 02 turnos, quando são equivalentes às EC.

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE (Louis Fraudred): É uma expressão que fazia

referência às normas do ordenamento jurídico francês que tivessem status constitucional. Refere-se, portanto, a todas as normas do Ordenamento Jurídico brasileiro que tenham status constitucional. Não existe, contudo, consenso doutrinário no Brasil sobre o conteúdo desde bloco, para alguns é amplo e para outro é mais restrito, como para Canotilho, que se refere a ele como sinônimo das normas para parâmetro.

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No STF, o Min. Celso de Melo também utiliza esta expressão como sendo sinônimo de parâmetro (normas formalmente constitucionais).

3. Formas de Inconstitucionalidade:

3.1) Quanto ao tipo de conduta dos poderes públicos:

a) Inconstitucionalidade por ação: quando o poder público pratica uma conduta incompatível com a constituição;

b) Inconstitucionalidade por omissão: quando o poder público se omite e não pratica um dever imposto pela constituição.

A inconstitucionalidade por omissão só ocorre quando houver descumprimento a: Norma de eficácia Limitada; Não Auto-executável; Não Auto-aplicável; e Não Bastante em Si.

Assim, as normas constitucionais que podem gerar uma omissão constitucional são somente as Normas de Eficácia Limitada:

- de princípio programático. Aqui, há uma divergência na doutrina, mas o prof. diz que essas normas geram omissão inconstitucional sim. (Obs.: nem toda norma de princípio programático gera um direito subjetivo. Assim, às vezes, não será cabível mandado de injunção, mas caberá ADIN por omissão).

- de princípio institutivo (Obs.: as normas de princípio institutivo podem ser: facultativas (não geram omissão inconstitucional) ou impositivas (geram omissão inconstitucional).

3.2) Quanto a norma constitucional ofendida: (parâmetro constitucional violado)

a) Formal: é aquela que atinge uma norma que se refere à forma, ao procedimento de elaboração de uma norma (aspecto de elaboração do ato). Pode ser:

- Inconstitucionalidade Formal Subjetiva: Se refere ao sujeito competente para elaboração da norma; ocorre, pois, quando não é respeitada uma norma de competência. Ex.: competência privativa do PR (☺art. 61, §1º, CR). Obs.: a Súm. 5, STF (A sanção do projeto supre a falta de iniciativa do poder executivo) não é mais aplicada, não foi recepcionada pela CR/88, o seja, o vício de iniciativa é insanável, não pode ser suprido pela sua sanção (ADI 2867-7 – 09.02.07); aliás, as Súm. 3, 4 e 5, STF foram abandonadas após a entrada em vigor da CR/88.

- Inconstitucionalidade Formal Objetiva: Relacionada ao processo em si de elaboração do ato, ou seja, ocorre quando não é respeitada uma norma que diz respeito a alguma formalidade do procedimento em si (☺ art. 69 – desrespeito a quorum de aprovação; art. 154, I – que exige LC para instituir impostos residuais).b) Material: Se relaciona a uma norma de fundo da constituição e não a uma norma de

procedimento. Ou seja, atinge uma norma constitucional que cria algum direito ou dever (ex.: direitos fundamentais estabelecidos nos arts. 5° a 17).

3.3) Quanto a extensão da inconstitucionalidade:

a) Total: atinge toda a lei ou ato normativo. Em regra a inconstitucionalidade formal gera inconstitucionalidade total.

b) Parcial: atinge apenas uma parte da lei ou do ato normativo. Em regra decorre de vício material (viola direito fundamental).

Geralmente, a inconstitucionalidade formal gera a inconstitucionalidade total e a inconstitucionalidade material gera a inconstitucionalidade parcial.

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Pergunta: Pode o STF declarar a inconstitucionalidade de apenas uma palavra ou expressão da norma? Resposta: Sim. Desde que a frase permaneça com o mesmo sentido, ou seja, desde que a declaração de inconstitucionalidade dessa palavra ou expressão não altere o sentido da frase (ex.: a palavra “não”, como altera sentido do texto, não pode ser retirada).

Não se pode confundir a declaração de inconstitucionalidade com o Veto Parcial, que só pode atingir todo artigo, todo parágrafo, toda alínea ou todo inciso (☺art. 66, § 2°), não podendo incidir sobre parte do dispositivo.

3.4) Quanto ao Momento:

Para se saber o momento em que ocorre a inconstitucionalidade, deve-se analisar quando o parâmetro foi elaborado. A inconstitucionalidade poderá então ser:

a) Inconstitucionalidade Originária: lei posterior à CR/88 e que nasce incompatível com ela, já sendo inconstitucional desde a sua origem. Relaciona-se, pois a atos posteriores ao parâmetro (ex.: Lei de 1990 que é incompatível com a CR/88).

b) Inconstitucionalidade Superveniente: lei anterior à CR/88, ou seja, ato originariamente constitucional, mas que se tornam incompatíveis com o novo parâmetro (ex.: existência de uma Lei de 2005 que é compatível com a Constituição; posteriormente vem uma EC superveniente que torna a lei de 2005 incompatível com a CR/88).

OBS: No Brasil não se adotou a tese da inconstitucionalidade superveniente. Segundo STF os atos originariamente constitucionais que se tornam incompatíveis com a CR são por ela revogados.

Quando se fala em inconstitucionalidade, o que houve foi um desrespeito à Constituição. Não é o que ocorre quando o ato se torna incompatível com a constituição.

Para prof. e grande parte da doutrina, não se trata de revogação, mas sim de não recepção!

3.5) Quanto ao Prisma de Apuração:

a) Direta/Antecedente: ocorre quando o ato está diretamente ligado à CR; refere-se, pois, aos Atos Normativos Primários, que são atos ligados diretamente a constituição (cabe ADI).

Obs.: poderá ocorrer a inconstitucionalidade direta de um decreto ou de uma portaria, desde que estes estejam diretamente ligados à CR.

b) Indireta: refere-se a ANS, que se ligam indiretamente à constituição. Pode ser:b.1) Indireta Conseqüente: aqui existe uma lei inconstitucional e um decreto

regulamentando essa lei. Em conseqüência da inconstitucionalidade da lei, o decreto se torna inconstitucional. Assim, o decreto não pode ser objeto de ADI sozinho; pode ser questionado, de ofício ou a requerimento da parte, mas não por ADI ajuizada para declarar a inconstitucionalidade da lei.

b.2) Indireta Reflexa: aqui existe uma lei compatível com a constituição (lei não inconstitucional) e um decreto ilegal. Se o decreto é ilegal, reflexamente (ou de maneira oblíqua) será inconstitucional, já que de maneira indireta, viola o art. 84 CR/88 (não cabe ADI em hipótese alguma, porque o ato não fere diretamente a CR).Quando um decreto feito pelo presidente estiver regulamentado diretamente a

Constituição e a violar, a inconstitucionalidade será direta. Caso contrário, a inconstitucionalidade é indireta.

OBS: não adianta decorar o nome do ato, mas sim analisar cada caso concreto, para ver se a ligação do ato é direta ou indireta com a Constituição.

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(21/08/08)

4. Formas de Controle de Constitucionalidade :

4.1) Quanto ao momento em que o controle é exercido:

a) Preventivo:

É o controle feito para prevenir uma lesão à CR, prevenir que a CR seja violada, por isso ocorre antes da promulgação da lei.

Obs.: no período da vacatio legis não caberá nenhum tipo de controle (se a lei não está vigente ainda, ela não está violando o direito de ninguém).

O controle preventivo pode ser exercido tanto pelo PL, como pelo PE e PJ:- Poder Legislativo: o PL sempre vai exercer esse controle quando se tratar de projeto de

lei ou proposta de emenda, através da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Cada órgão do PL tem uma CCJ para exercer esse controle de constitucionalidade.

- Poder Executivo: o PE não exerce controle quando se tratar de proposta de emenda (a PEC não tem nem sanção nem veto do chefe do executivo), mas todo projeto de lei passa pelo controle do PE, que se exerce através do veto (☺art. 66, CR) – o veto se dará em duas hipóteses: se o projeto de lei for inconstitucional (veto jurídico) ou se for contrário ao interesse público (veto político – aqui não há um controle de constitucionalidade, mas uma mera análise política, por isso aqui não há que se falar em controle). O veto é relativo, pois pode ser derrubado (☺art. 66, §2º, CR). O veto pode ser total ou parcial (desde que incida sobre todo o art., parágrafo, inciso ou alínea). O veto tem que ser expresso, não existe veto tácito (a sanção é que poderá ser tácita – prazo de 15 dias).

- Poder Judiciário: o controle pelo PJ é raríssimo, a única hipótese é o MS que só pode ser impetrado por parlamentar, quando não for observado o devido processo legislativo constitucional (a observância do devido processo legislativo configura um direito público subjetivo). O único legitimado para impetrar esse MS, portanto, é o parlamentar (que é legitimado ativo exclusivo), porque ele é o único que participa do processo legislativo. O chefe do PE, embora participe do processo legislativo, não pode impetrar o MS, segundo o STF, porque o chefe do PE, quando ele participa do processo legislativo, já está na fase de sancionar ou vetar o projeto, assim, se ele entender que o projeto é inconstitucional, ele não precisaria impetrar o MS, ele deve apenas vetar o projeto de lei por inconstitucionalidade (e se o veto dele for derrubado, o projeto de lei deixa de ser projeto e vira lei, e ai então o controle passaria a ser repressivo e não mais preventivo). Ademais, não é qualquer parlamentar que pode impetrar o MS, mas somente o parlamentar da respectiva Casa, na qual o projeto esteja tramitando. Se o projeto tramita na CD, quem tem legitimidade é apenas o Deputado; se está no Senado, o Senador; se na Assembléia Legislativa, somente o Deputado Estadual, etc. Esse controle feito pelo PJ é um controle concreto (e não abstrato), porque ele é um tipo de controle exercido para assegurar um direito subjetivo do parlamentar (e não para assegurar a supremacia da CR), o direito líquido e certo à observância do processo legislativo constitucional. Essa é a finalidade do controle feito pelo PJ. Atenção: só cabe impetração de MS se o dispositivo violado for norma da CR (não cabe MS se se tratar de norma do Regimento Interno – não é um processo legislativo apenas, mas um processo legislativo constitucional, e as normas do RI são questões interna corporis). ☺art. 60, §4º, CR: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

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Page 21: Direito_Constitucional[1]

abolir: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais” – ou seja, as cláusulas pétreas. Assim, se houver uma proposta de emenda consagrando pena de morte para crimes hediondos, um Deputado poderá impetrar um MS no STF para que se observe o processo legislativo constitucional. O controle preventivo não impede o controle repressivo posterior.

b) Repressivo:

É o controle feito quando a lesão à CR já ocorreu, a fim de repará-la. Esse controle também pode ser exercido pelos 3 Poderes:

- Poder Legislativo: pode exercer esse controle repressivo em 3 hipóteses:I) art. 49, V, CR – comporta duas possibilidades: lei delegada e decreto

regulamentar. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar

ou dos limites de delegação legislativa;

Caso da Lei Delegada: o CN faz uma Resolução na qual define quais são os limites da delegação, ou seja, quais as matérias que o PR poderá tratar na delegação; o PR elaborará então a LD. Se nessa elaboração o PR exorbitar os limites da delegação que lhe foi dada pelo CN, o CN poderá editar um outro ato normativo primário, que é o chamado Decreto Legislativo, que vai sustar a parte do ato que exorbitou os limites da delegação – o CN estará fazendo um controle de constitucionalidade com base no art. 68, CR. Questão: o PR, indignado com o Decreto Legislativo que sustou os atos que exorbitaram a delegação do CN, pode ajuizar uma ADI, tendo como objeto esse Dec. Legislativo? Sim, já que trata-se de um ato normativo.

Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. § 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso

Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. § 3º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional,

este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

Caso de Decreto Regulamentar: se o PR, ao fazer um Decreto Regulamentar, exorbita os limites do Poder Regulamentar; nesse caso o CN pode editar um Dec. Legislativo para sustar, suspender a parte do Decreto Regulamentar do PR que exorbitou os limites a ele concedidos (☺art. 84, IV, CR).

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e

regulamentos para sua fiel execução;

II) art. 62, CR – trata das Medidas Provisórias (ato editado pelo PR, que tem eficácia desde a sua edição – por isso se for inconstitucional, é necessário fazer-se um

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controle repressivo). o PL pode analisar os pressupostos constitucionais de relevância e urgência. Assim, o controle se dará sobre os seguintes aspectos: formal (se foram preenchidos os requisitos de relevância e urgência), e material (se o conteúdo da MP for incompatível com a CR). Obs.: quanto ao controle da MP pelo PJ –

Questão: o PJ pode exercer o controle de constitucionalidade com relação aos aspectos da relevância e urgência, segundo o STF? Resposta: em regra, não cabe ao PJ analisar os pressupostos constitucionais da MP; ela deve ser objeto de controle, no tocante aos pressupostos constitucionais (relevância e urgência), pelo Executivo e pelo Legislativo. Apenas excepcionalmente, quando a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva (inconstitucionalidade “chapada”, clara, evidente – ou seja, quando, por ex., não havia relevância alguma), pode o PJ analisar tais pressupostos.

III) Súm. 347, STF: o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público. O TC é órgão auxiliar do PL.

Essas são as 3 hipóteses de controle feito pelo PL.

- Poder Executivo: o chefe do PE (e só ele – Presidente da República, Governador do Estado, Prefeito) pode negar cumprimento a uma lei (em sentido amplo) que entenda ser inconstitucional. Mas isso não pode ocorrer indefinidamente. Ele só poderá fazê-lo até que o STF dê uma decisão com efeito vinculante, dizendo que a lei é constitucional (ai eles já não poderão mais negar cumprimento à lei – a presunção tornar-se-á absoluta). Há autores que afirmam que após a CR/88 o chefe do PE não poderia mais negar cumprimento a lei, porque a CF 88 conferiu aos chefes de estado o poder de ajuizar ADI, o que antes só era permitido ao PGR . Mas tanto o STJ quanto o STF entendem que mesmo após a CR/88 o chefe do PE pode negar cumprimento (mas segundo o Min. Gilmar Mendes, o chefe do PE teria que, ao negar cumprimento a lei, ajuizar uma ADI, simultaneamente; já no STJ não há qualquer ressalva, entende-se que o chefe do PE pode e deve negar cumprimento a lei que entenda ser inconstitucional).

Questão - Como compatibilizar o crime de responsabilidade, a possibilidade de intervenção e o não cumprimento da lei? Para que não caiba intervenção federal ou estadual e para que o chefe do PE não pratique crime de responsabilidade, há 2 requisitos: o PE tem que motivar o seu ato e tem que dar publicidade a esta negativa de cumprimento (por ex., através da edição de um Decreto, expondo os motivos pelos quais ele não irá cumprir a referida lei).

- Poder Judiciário: é o que tem a função principal de exercer o controle repressivo. Ele será, pois, estudado de forma detalhada a seguir. Desde já, porém, devemos atentar para o momento em que deve ocorrer o controle pelo PJ: a partir de que momento o PJ pode exercer o controle repressivo? Segundo o entendimento do STF, o PJ só pode exercer o controle repressivo após o término do período da “vacatio legis” (☺RE 346.084), ou seja, somente depois que a lei passa a ter vigência (que é a inserção da norma no mundo jurídico).

4.2) Quanto à natureza do órgão:

As classificações são geralmente chamadas de Sistemas de controle. Existem 3 sistemas adotados no direito comparado:

a) Sistema Político: é o adotado nos países em que o controle é feito pelo PL (e não pelo PJ), ou então por um órgão específico que tenha sido criado para exercer esta função (ex.:

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França – que tem o Conselho Constitucional, órgão específico para exercer o controle de constitucionalidade).

b) Sistema Jurisdicional: é o sistema mais conhecido, no qual o controle é feito pelo PJ (é o adotado nos EUA e no Brasil).

c) Sistema Misto: é adotado pelos países em que, ao mesmo tempo, se adota os dois sistemas acima vistos – o político e o jurisdicional. Ex.: na Suíça, em se tratando de lei federal, o controle é feito pelo PL; se se tratar de lei local, quem exerce o controle é o PJ (dependendo da lei se adota um sistema diferente do outro).

No Brasil, apesar de muitos afirmarem que adotamos o sistema misto, isso não é verdade. Adotamos o sistema jurisdicional (sistema misto é ≠ de sistema jurisdicional de controle misto). O que ocorre é que o sistema jurisdicional adotado no Brasil é do tipo misto, porque pode ser tanto difuso quanto concentrado. Por isso, para não gerar essa confusão, há quem chame no controle misto adotado no Brasil de controle combinado.

4.3) Quanto à competência:

Quais os órgãos do PJ têm competência para exercer o controle de constitucionalidade? Temos duas espécies: difuso e concentrado (atenção: não utilizar os outros nomes (concreto e abstrato) nessa classificação, porque significam coisas diferentes!).

a) Difuso:É aquele que pode ser exercido por qualquer órgão do PJ (qualquer juiz ou tribunal,

inclusive o STF), dentro de sua competência.É conhecido como Sistema norte-americano de controle, porque surgiu nos EUA, em

1803, quando o famoso juiz Marshall julgou o igualmente famoso caso Marbury x Madison. Esse foi o 1º controle difuso exercido no mundo. Por isso esse tipo de controle ficou sendo conhecido assim.

b) Concentrado:É aquele que se concentra em apenas 1 órgão do PJ: no STF (quando o parâmetro é a

CR/88), ou no TJ (se o parâmetro for a Constituição Estadual).O controle concentrado é conhecido como Sistema Europeu ou Austríaco, porque surgiu

na Áustria, em 1920 (bem depois do controle difuso), e é adotado pela maioria dos países europeus. Seu criador foi o grande Hans Kelsen.

Obs.: O controle difuso foi introduzido pela primeira vez no Brasil na Constituição Brasileira de 1891 (que foi a 1ª Constituição Republicana).O controle concentrado surgiu através da EC 16, de 1965 (na Constituição de 1946) – obs. interessante: em 1965, com 19 anos de Constituição, haviam sido feitas apenas 16 EC; já na CR/88, que completa este ano 20, já foram feitas 56 EC!

4.4) Quanto à finalidade:

O controle pode ser concreto ou abstrato:

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a) Concreto:É deduzido em juízo através do chamado “processo constitucional subjetivo”. A

finalidade principal do controle concreto é assegurar direitos subjetivos (a supremacia da Constituição fica em 2º plano). Surge a partir de um caso concreto levado à apreciação do poder judiciário. No entanto, é feito primeiramente em abstrato, por meio da avaliação da lei em relação à constituição e em seguida por meio da avaliação do pedido. Assim, podemos dizer que o controle concreto abrange o controle abstrato. Todo controle difuso é concreto.

b) Abstrato:A pretensão é deduzida em juízo através de um “processo constitucional objetivo”. Aqui

ocorre o contrário do que se verifica no controle concreto, pois a finalidade principal do controle abstrato é proteger a ordem constitucional objetiva; ou seja, é proteger as normas da CR, é assegurar a supremacia constitucional (a proteção dos direitos subjetivos fica em 2º plano).Atenção: uma lei revogada pode ser objeto de controle concreto, porque enquanto estava vigente pode ter violado direitos subjetivos; mas esta lei já revogada não pode ser objeto de controle abstrato, porque em estando revogada, já não ameaça mais a supremacia da constituição. Da mesma forma, uma MP revogada ou uma lei temporária que já perdeu sua vigência, bem como qualquer outra norma que já tenha produzido todos os seus efeitos, também não podem ser objeto de controle abstrato, mas tão somente de controle concreto.

→ “Tendência de abstrativização do controle concreto” : (Tendência atual de influência do controle abstrato no controle concreto)

Influência dos efeitos do controle abstrato no controle concreto. Pode ser chamada também de tendência de objetivação no processo subjetivo; ou tendência de verticalização.

No Brasil, o principal defensor dessa tendência é o Min. Gilmar Mendes. Ele sustenta que nos países cujo sistema é o da “Commom law” existe uma Teoria chamada “Stare Decisis”, segundo a qual deve ser dado o devido peso ao precedente judicial. Segundo este instituto, as decisões produzem dois tipos de efeitos: o efeito horizontal e o efeito vertical. O efeito horizontal seria a vinculação do precedente em relação ao próprio tribunal (órgãos e juízes daquele tribunal); já quando o precedente é um precedente de tribunais superiores que vincula tribunais inferiores, por ser uma relação vertical, se fala em efeito vertical.

No direito brasileiro, a “Stare Decisis” se assemelha à chamada Cláusula da Reserva de Plenário (☺art. 97, CR).

O efeito vertical, nos EUA chamado de “Binding Effect”, corresponde no Brasil ao Efeito Vinculante.

Aqui no Brasil nós adotamos o efeito vinculante, mas não temos o instituto do “Stare Decisis”. Por isso o Min. Gilmar Mendes diz que o sistema difuso não é apropriado no Brasil, sendo o controle abstrato o mais indicado para a nossa realidade.

O problema é que a nossa CR não trata o assunto dessa maneira. Por isso há tantas decisões do STF com essa tendência de abstrativização.

Argumentos contra: O controle difuso é mais adequado à proteção dos direitos fundamentais por existir uma tendência dos tribunais superiores em se acomodar diante das política governamentais. O juiz por estar mais perto do povo pode proteger melhor o direitos do povo

Decisões com o instituto “Overruling” :Consiste do abandono definitivo do precedente anteriormente adotado

Instituto “Distinguishing” :Consiste no afastamento do precedente em um determinado caso, em razão de circunstâncias fundamentais, que o diferenciam dos demais casos que originaram o precedente.

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A 1ª decisão na qual se pode dizer que houve essa tendência foi a proferida no HC 82.959/SP, em que se analisou a vedação à progressão de regime na lei de crimes hediondos. O STF adotava o entendimento de que a vedação era constitucional, e nesse HC passou a entender que a vedação é inconstitucional, pois violaria o Princípio da Individualização da Pena. Nesse HC alguns ministros disseram que o STF não estava julgando o caso concreto, mas sim analisando se a lei de crimes hediondos era ou não constitucional (com efeito erga omnes, ou seja, um efeito típico de controle abstrato num controle concreto). No Acre um juiz disse que a decisão do STF foi num HC, tendo efeito apenas inter partes, e não erga omnes. A Defensoria Pública do Acre então ajuizou uma Reclamação diretamente no STF dizendo que o juiz do Rio Branco estaria desrespeitando a decisão do STF (☺Rcl. 4.335/AC). O Relator da Reclamação foi o Min. Gilmar Mendes, que deu provimento à reclamação, sendo acompanhado pelo Min. Eros Grau. Ocorre que os dois ministros que votaram depois surpreendentemente disseram que a decisão do STF realmente só teve efeito inter partes (Joaquim Barbosa e Sepúlvida Pertence). Então, até hoje não se sabe ainda qual a decisão do STF. O julgamento não foi concluído ainda (e a ação não perdeu o objeto).

Outra situação interessante foi o RE 197.917/SP, no qual um município de SP (Miraestrela) questionava a resolução do TSE que limitava o número de vereadores. Na decisão do STF, o Min. Gilmar Mendes, em seu voto, disse que estava conferindo efeito transcendente ao seu voto, dizendo que sua decisão não era apenas para aquele município, mas se referiria a todos os municípios da federação brasileira. Não houve reclamação quanto a essa decisão, então não sabemos a posição dos demais ministros.

Por fim, houve decisões proferidas em 3 MI (712, 708 e 670) que analisaram a mesma questão, o direito de greve dos servidores públicos. O MI é instrumento de controle difuso-concreto, só que nos julgamentos desses MI´s o efeito conferido à decisão pelo STF foi um efeito concretista geral, ou seja, o STF conferiu efeito erga omnes à decisão, regulamentando o direito de greve para todos os servidores públicos civis (e não só para aqueles que impetraram o MI). Na época houve uma certa dúvida se era uma decisão concretista inter partes ou erga omnes, mas prevaleceu o entendimento de que foi erga omnes.

Assim, pelo menos por parte de alguns ministros, há essa tendência de abstrativização do controle concreto. (Corrente concretista geral)

Mudanças geradas na legislação pela E.C 45/04 : Súmula vinculante e Repercussão geralMas, em ocorrendo isso, como fica o papel do Senado Federal? ☺art. 52, X, CR. A

suspensão pelo SF ocorre quando a decisão é inter partes. Se a decisão do STF no controle concreto já tiver efeito erga omnes, não há necessidade da suspensão pelo Senado. Então o Min. Gilmar Mendes (e também o Min. Eros Grau) entende que haveria uma mutação constitucional em relação ao papel do SF. Mutação constitucional são processos informais de alteração da Constituição, sem que ocorra modificação no seu texto. Assim, segundo ele, a interpretação da suspensão da execução seria igual a dar publicidade à decisão do STF. Ocorre que dar publicidade e suspender a execução de uma lei não são definitivamente a mesma coisa. Trata-se de uma mutação não comportada pelo programa normativo (o texto da norma não comporta, não permite essa mutação). Para que isso pudesse ocorrer seria preciso uma EC, não uma simples mutação. E, ainda, se assim fosse, haveria uma violação do princípio da separação dos poderes, ou seja, o STF estaria usurpando uma função que é do SF, ou seja, do PL. Por fim, esta posição esvaziaria a Súmula Vinculante (que perderia sua finalidade, já que a própria decisão do STF já teria efeito erga omnes e vinculante).

A mesma tendência pode-se verificar no caso da Súmula Vinculante e da exigência da repercussão geral para o RE: a repercussão geral significa que tem que ser demonstrada a existência de um interesse econômico, social, político ou jurídico. Caso contrário o STF não vai admitir o RE. O papel do STF não é julgar litígios individuais. Este tipo de litígio pode muito

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bem ser resolvido pelo juiz de 1º grau e pelo Tribunal, não precisam chegar até o STF. Se a questão não tem repercussão geral (para toda a sociedade), não cabe ao STF analisar. Para que o STF possa recusar o RE é preciso o voto de 2/3 dos ministros, o que se dá no “plenário virtual”, ou seja, eles não se reúnem fisicamente, cada um analisa a repercussão sozinho e apresenta aos demais sua decisão, somando-se os votos de todos eles.

O RE, por sua vez, é um instrumento de controle concreto e há, atualmente, uma tendência de que ele passe a ter uma função pra toda a sociedade e não apenas para aquela pessoa que o ajuizou.

No caso da súmula vinculante, ela surge a partir de decisões proferidas no controle concreto, que quando são sedimentadas tornam-se súmulas vinculantes. A súmula vinculante tem natureza constitucional, não tem natureza processual como as súmulas comuns.

(☺ Lei 11.417/0 e Lei 11.418/06.)

5. Formas de Declaração da Inconstitucionalidade (Efeitos) :

5.1) Quanto ao aspecto objetivo:

Analisam-se aqui as partes da decisão que produzem os efeitos erga omnes e vinculante.

a) Controle Concreto, incidental, por via de exceção ou por via de defesa: num primeiro momento (antecedente) o juiz vai analisar a relação CR x lei. Segundo Eduardo Appio, a rigor, todo controle de uma lei em face da Constituição é sempre abstrato (se analisa abstratamente se aquela lei está de acordo com a Constituição – e o prof. concorda com isso). Num segundo momento (conseqüente), a partir da conclusão que se chegar no antecedente (se a lei é ou não constitucional) é que se vai decidir o pedido, julgando-o procedente ou improcedente.

Uma decisão judicial tem que ter 3 partes: relatório, fundamentação e dispositivo. No controle concreto, o juiz ou tribunal vai analisar a inconstitucionalidade na fundamentação; é uma questão incidental, não é o objeto principal do pedido, mas apenas a causa de pedir. O pedido (objeto da ação) vai ser a proteção do direito subjetivo, analisado no dispositivo. A decisão do dispositivo terá efeito apenas inter partes.

b) Controle Abstrato (Ação Direta de Inconstitucionalide, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental): no controle abstrato, o efeito da decisão será erga omnes e não inter partes, e ele se encontra no Dispositivo, pois é no dispositivo que o juiz dirá se a lei é ou não constitucional. Ocorre que o dispositivo tem também um outro efeito, a chamada eficácia vinculante. Só que a eficácia vinculante não se refere só ao dispositivo da decisão, mas também à fundamentação. Esta é a primeira diferença entre eficácia vinculante e efeito erga omnes (a eficácia vinculante se refere tanto ao dispositivo quanto à fundamentação da decisão, ou seja, os motivos determinantes da decisão) – é a chamada “transcendência dos motivos”, ou “efeito transcendente dos motivos determinantes”. A transcendência dos motivos significa que os motivos que determinaram a decisão transcendem para outros casos, eles também são vinculantes.

Mas não é tudo da fundamentação que vincula, mas tão somente a “ratio decidendi”, a razão determinante da decisão. O STF tem dito que a “ratio decidendi” tem efeito vinculante, mas as questões “obter dicta” (questões assessórias, secundárias do julgado, questões ditas de passagem, não determinantes para a decisão) não vinculam.

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Ademais, o efeito vinculante atinge as normas paralelas. Para se entender isso é preciso fazer um histórico do controle abstrato no Brasil:- CR/88: ADI com efeito erga omnes (não se falava em efeito vinculante). - 17/03/93 – EC 03: o efeito vinculante foi introduzido no Brasil – com o advento do efeito vinculante, se uma lei de um Estado foi declarada inconstitucional, não seria mais necessário que o outro Estado que tem uma lei idêntica ajuizasse nova ADI para tal lei, as normas paralelas têm motivos determinantes iguais. Bastaria uma reclamação para que a decisão fosse aplicada também nesse outro Estado.- Lei 9.868/99 – Lei da ADI e da ADC, art. 28, § único.: consagrou para ambas as leis o efeito vinculante e o efeito erga omnes.- Lei 9.882/99 – ADPF, art. 10, §3º: conferiu à ADPF os mesmos efeitos (vinculante e erga omnes).- EC 45/04: art. 102, §2º, CR – estende o efeito erga omnes e vinculante tanto para a ADI quanto para a ADC (ou seja, há previsão não só na lei como também na CR).

→ Por que os motivos determinantes da decisão vinculam também (e não só o dispositivo)?

O STF é o guardião da CR, conforme está previsto no caput do art. 102. Sendo assim, cabe ao STF dar a última palavra sobre como a CR deve ser interpretada. Interpretações divergentes enfraqueceriam o princípio da força normativa da CR. A Constituição é interpretada na fundamentação (e não no dispositivo ou no relatório) e é por isso que o fundamento da decisão tem efeito vinculante.

5.2) Quanto ao aspecto subjetivo:

Quem são as pessoas atingidas pela decisão:- efeito erga omnes: atinge todas as pessoas, sejam particulares, sejam poderes públicos.- efeito vinculante: refere-se apenas aos poderes públicos.

Os poderes públicos que ficam vinculados pela decisão do STF são: o PJ (menos o próprio STF – em relação ao Plenário, que se quiser modificar seu entendimento, pode; já os órgãos fracionários do STF, suas turmas e seus ministros, estes estarão sim vinculados); a Administração Pública Direta e Indireta de todas as esferas (federal, estadual e municipal), inclusive os chefes do PE; o PL, por sua vez, não fica vinculado pela decisão do STF (o que não fica vinculada é a função típica de legislar – o legislador não fica impedido de elaborar outra lei idêntica, com o mesmo conteúdo – porque num Estado de Direito, o STF não pode dizer ao PL que ele não pode mais legislar sobre esse assunto, mas com relação às outras atividades do PL, nisso ele estará vinculado; inclusive o Tribunal de Contas, cuja função não é legislativa, mas sim fiscalizatória, ele também fica vinculado). O PL e o PJ não são vinculados para que não ocorra a “Fossilização da Constituição”.Obs.: os efeitos da súmula vinculante são esses mesmos.

DIFERENÇAS ENTRE EFEITO ERGA OMNES(EO) E EFICÁCIA VINCULANTE (V):

- EO = Dispositivo-V =dispositivo + motivos determinantes (Fundamentação)-EO = Poderes públicos e particulares-V = Poderes públicos-EO = norma impugnada-V = norma impugnada + normas paralelas (normas de outros entes da federação)

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(29/08/08)

5.3) Quanto ao aspecto temporal da decisão:

Para analisar esta questão é preciso primeiro analisar a questão da natureza do ato inconstitucional: alguns entendem que a lei inconstitucional seria um ato inexistente, outros dizem ser nulo, e outros dizem ser um ato anulável.

- Ato inexistente: é o entendimento que goza de menor prestígio; se existe uma presunção de constitucionalidade das leis, se as leis devem ser cumpridas, como se pode dizer que uma lei que obrigou alguma coisa simplesmente não existe? Esta corrente é adotada por SEABRA Fagundes.

- Ato nulo: entendimento que predomina nos EUA; para eles a lei inconstitucional teria um vício de origem que seria insanável. É um entendimento que vem desde 1.803 (1ª vez em que o PJ exerceu o controle de constitucionalidade – juiz John Marshall, no caso Marbury x Madison). Sentença de natureza declaratória. (Teoria da nulidade)

- Ato anulável: é adotado pelo Hans Kelsen (é o mais correto, segundo o prof.) – como existe uma presunção de constitucionalidade das leis, a lei inconstitucional seria apenas um ato anulável (em razão do Princípio da presunção de constitucionalidade das leis). O argumento utilizado por kelsen é que uma lei continua produzindo seus efeitos, até que o PJ a declare inconstitucional. Por este entendimento, é possível que uma EC produza uma constitucionalização superveniente de uma lei inconstitucional (convalidação da lei) – se o ato for nulo isso não será possível. (teoria da anulabilidade). Natureza da decisão é constitutiva.

O STF, por considerar que a lei inconstitucional é um ato nulo, não admite a “constitucionalização superveniente”.

Visto a natureza do ato inconstitucional, vamos à classificação quanto ao aspecto temporal:

Se a lei inconstitucional é um ato nulo (com vício de origem), o efeito que produzirá, como regra é retroativo: ex tunc.

Mas o STF pode fazer a chamada modulação temporal dos efeitos da decisão: há quem entenda que não (porque o ato é nulo desde a sua origem, e por isso não há como modificar esse seu efeito retroativo) – mas a modulação não modula a inconstitucionalidade da lei, o STF, com a modulação, modula os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Assim, não haveria incompatibilidade entre o reconhecimento do ato como sendo nulo e a modulação dos efeitos da decisão. Ou seja, uma coisa é a classificação da inconstitucionalidade, outra coisa é a classificação dos efeitos da declaração.

A modulação pode conferir à decisão efeitos ex nunc ou também o efeito pro futuro.

Quando é admitida a modulação aos efeitos da decisão: 1) por razoes de segurança jurídica; ou 2) excepcional interesse social.

Isso pode ocorrer tanto no controle concreto, como no controle abstrato (não se restringe ao abstrato não). Mas, no caso do controle abstrato, as leis exigem um quorum especial para que essa modulação seja feita – tanto a Lei 9.868/92 (art. 27), como a Lei 9.882/92 (art. 11) exigem o quorum de 2/3 dos Ministros.

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☺art. 27, Lei 9.868: “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razoes de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser determinado.”

- Efeito repristinatório tácito: (ou repristinação tácita) uma Lei B, que revogou a Lei A, é declarada inconstitucional (por isso é mais correto falar em efeito repristinatório e não em repristinação, porque não houve uma Lei C que revogou a Lei B).

Exs. de decisões onde houve modulação de efeitos: ☺RE 442.683/RS – análise da constitucionalidade da Lei 8.112/90, quanto à hipótese de

ascensão por concurso interno – o STF declarou inconstitucional essa forma de provimento público (que violaria a regra do concurso) – nessa decisão, um efeito retroativo causaria vários problemas (os servidores deveriam perder seus cargos e devolver os salários, etc). O STF, portanto, decidiu que, como os servidores agiram de boa-fé, não precisariam deixar os cargos, passando a ser a ascensão proibida apenas para os novos servidores (a partir daquele momento).

☺RE 197.917/SP – fala do número de vereadores proporcional ao número de habitantes do município (Miraestrela) – decisão com efeito pro futuro – os vereadores que excediam o número devido teriam que deixar seus cargos, assim, o STF, por questão de segurança jurídica, decidiu que somente a partir da legislatura de 2004 essa decisão produzirá efeitos (observância ao número de vereadores) – “situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria em grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente (...)”.

- A partir de que momento a decisão do controle abstrato começa a ter que ser observada (independentemente se houve ou não modulação dos efeitos): no controle abstrato a decisão se torna obrigatória sempre a partir da publicação no Diário da Justiça (analogia com a lei – não há partes formais, autor e réu; os efeitos são erga omnes). Mas da publicação de que? A partir da publicação da ata de julgamento (não precisa ser da publicação da decisão integral, com inteiro teor).

- Normas anteriores à CR, incompatíveis com a mesma: o STF adotou a tese da revogação (que atua no mesmo sentido da não recepção). Neste caso, portanto, poderia haver a modulação dos efeitos de norma anterior à CR? Dois Ministros se manifestaram quanto a este tema: o Min. Celso de Melo entendeu que não seria possível a modulação neste caso (só nos casos de inconstitucionalidade, e não no de não-recepção); o Min. Gilmar Mendes entendeu que seria possível sim fazer essa modulação com normas anteriores à CR (este não era o objeto principal do julgado, era uma questão “obter dictum”, portanto, não foram todos os ministros que se manifestaram).

- Inconstitucionalidade progressiva ou norma ainda constitucional: são “situações constitucionais imperfeitas” (expressão de Lênio Luiz Streck, reproduzida pelo STF) nas quais a norma encontra-se numa situação intermediária entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta, nas quais as circunstâncias fáticas vigentes naquele momento justificam a manutenção da norma no ordenamento jurídico. Significa que hoje o dispositivo ainda é constitucional, mas, à medida que a situação fática for alterada, a norma progressivamente irá migrar para a inconstitucionalidade (ex.1: prazo em dobro para os Defensores Públicos – quando a situação da DP for estabilizada em todos os Estados, com condições de trabalho iguais às do MP, ai já não será mais necessário o prazo em dobro e a norma passará a ser inconstitucional; ex.2: art. 68, CPP, que trata da ação de reparação ex delicto, pelo MP – a competência é da DP e não do MP, assim, quando todos os Estados tiverem DP, esta norma será inconstitucional – e neste caso a norma é anterior à CR/88, e mesmo assim o STF decidiu utilizando a mesma denominação de “norma ainda constitucional” – Eugênio Pacelli chama de hipótese de “não-recepção progressiva e não de inconstitucionalidade progressiva; o prof. não concorda com essa nomenclatura porque a questão da recepção já foi

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resolvida, e a norma já foi recepcionada pela CR e, depois de ter sido recepcionada, ela progressivamente se tornará inconstitucional).

Ainda dentro da inconstitucionalidade progressiva, há uma técnica muito utilizada pelo Direito alemão, chamada “Apelo ao Legislador”, que ocorre naqueles casos em que existem as situações constitucionais imperfeitas, devendo o Poder Judiciário (STF) fazer um “apelo” ao legislador (Poder Legislativo), para que este corrija a norma, evitando a inconstitucionalidade progressiva. Isso pode ocorrer tanto na inconstitucionalidade progressiva como na inconstitucionalidade por omissão (para que o legislador supra a omissão ou corrija a situação imperfeita). Aqui no Brasil não existe fixação de prazo para que o legislador corrija a situação imperfeita ou supra a omissão (como ocorre em outros países).

5.4) Quanto à extensão da declaração:

Quanto à extensão, a declaração de inconstitucionalidade pode ser:

a) sem redução de texto: o primeiro pressuposto que tem que haver para que ela seja utilizada é que a norma seja polissêmica ou plurisignificativa (deve ter mais de um sentido, mais de um significado – é o oposto de norma unívoca, com um só sentido). Ex.: a norma X tem dois significados possíveis, um significado A e um B, sendo que o A é compatível com a CR/88 e o B é incompatível. Assim, entende-se que a interpretação (B) é inconstitucional, desde que interpretada de uma determinada maneira (não é a norma que é inconstitucional, mas sua interpretação). Segundo o STF, a declaração de nulidade sem redução de texto é equivalente à interpretação conforme à CR. Em alguns casos, de fato, o resultado será o mesmo, mas nem sempre. Na interpretação conforme o STF diria: declaro constitucional a norma x, desde que interpretada da maneira A (o resultado aqui seria mesmo idêntico); mas a doutrina traz semelhanças e diferenças entre os dois institutos:

Semelhanças: Diferenças:- Só podem ser utilizadas quando a norma for polissêmica ou plurissignificativa;- Podem ser utilizadas tanto no controle difuso-concreto, quanto no controle concentrado abstrato;- Não há qualquer modificação no texto da norma;- Há uma redução no âmbito de aplicação da norma;

Declaração de Nulidade Sem Redução de Texto:

- Corresponde a um juízo de inconstitucionalidade;- O Tribunal precisaria observar a cláusula de reserva de plenário;- É uma técnica de decisão judicial;- É excluída uma determinada interpretação, e são permitidas as demais.

Princípio da Interpretação Conforme:

- Corresponde a um juízo de constitucionalidade;- O Tribunal não precisaria observar a cláusula da reserva de plenário (*);- É um princípio instrumental (ou postulado normativo) de interpretação;- É permitida uma interpretação e, em princípio, são excluídas as demais.

(*) Para o STF, como ambas são equivalentes, não é necessário observar a cláusula de reserva de plenário (art. 97); esta só se faz necessária quando se afasta, total ou parcialmente, o texto da norma.

b) com redução de texto:b.1) com redução total: o STF declara que toda a lei é inconstitucional.

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b.2) com redução parcial: apenas uma parte da lei é declarada inconstitucional; Obs.: o STF pode declarar apenas uma palavra ou expressão (no veto presidencial é que não pode), desde que não altere o sentido do restante da norma.

Na declaração com redução de texto, no controle abstrato, diz-se que o STF atua como uma espécie de legislador negativo.

- Inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração: lembramos que, no controle concreto, a inconstitucionalidade é analisada na fundamentação (ela não é objeto do pedido, que será julgado no dispositivo) – para proteger um direito subjetivo será necessário que se julgue incidentalmente a inconstitucionalidade (esta é a causa de pedir). Assim, no controle concreto, o juiz pode, de ofício, analisar a inconstitucionalidade da norma (já que ela não é o pedido e sim a causa de pedir, é apenas uma questão incidental) – já no controle abstrato, em razão do Princípio da inércia, o juiz não pode, de ofício, declarar a inconstitucionalidade.Para lembrar:

Controle Concreto Controle AbstratoRelatório Relatório

Fundamentação:Inconstitucionalidade

(causa de pedir / incidental)Fundamentação

Dispositivo(Pedido: direito subjetivo)

Dispositivo(Pedido: declaração da inconstitucionalidade)

Exs. de inconstitucionalidade por arrastamento:a) Um Governador de Estado propõe uma ADI pedindo que fosse declarada a

inconstitucionalidade dos arts. 1º e 3º, da Lei x. Ele não pediu a inconstitucionalidade do art. 2º. Trata-se de controle abstrato. O STF, portanto, não poderá, em regra, se manifestar de ofício sobre o art. 2º, nem sobre os demais. Ocorre que, se o art. 2º for dependente do art. 1º ou do art. 3º, ou seja, se houver uma relação de interdependência entre os dispositivos, mesmo que não tenha sido questionado, o dispositivo poderá ser arrastado (ou atraído) para a inconstitucionalidade (ao contrário, se for um dispositivo autônomo, não poderá o STF se manifestar sobre ele) – o juiz dirá: declaro a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 3º e, por arrastamento, do art. 2º. Este é o arrastamento ou atração horizontal (porque são dispositivos de uma mesma hierarquia, dentro de uma mesma lei).

b) O PGR ajuíza uma ADI questionando uma determinada lei. Há um Decreto que está regulamentando esta lei. Este decreto não está ligado diretamente à CR (há uma lei intermediando-os), não podendo, portanto, ser objeto de ADI. Esta lei possui uma inconstitucionalidade formal (não há nada de inconstitucional quanto ao conteúdo). O decreto está de acordo com a lei e de acordo com o conteúdo da CR. O STF declarará a inconstitucionalidade da lei e o decreto permanecerá no mundo jurídico (o STF não fala nada sobre ele), porque, apesar de sozinho não ter aplicação, poderá vir uma nova lei posteriormente e ele será aproveitado. Contudo, se o caso for de inconstitucionalidade material da lei, bem como do decreto (em razão da inconstitucionalidade da lei) – é a chamada “inconstitucionalidade conseqüente” – se o STF declara a lei inconstitucional, o decreto ficará no mundo jurídico sem qualquer finalidade, porque seu conteúdo é incompatível com a CR. Assim, o STF pode declarar a inconstitucionalidade da lei (julgando procedente a ADI), e por arrastamento, julga também inconstitucional o decreto. Esta hipótese é chamada de inconstitucionalidade por arrastamento vertical, entre normas de diferentes hierarquias (porque a declaração da inconstitucionalidade da norma superior acaba arrastando a norma inferior também para essa declaração).

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Page 32: Direito_Constitucional[1]

Obs.: No controle concreto não é que o STF não possa reconhecer a inconstitucionalidade por arrastamento, mas é que esta não é necessária, já que o STF pode, de ofício, analisar a constitucionalidade de qualquer dispositivo.

6. Exercício do Controle Jurisdicional :

Aqui faremos uma classificação pouco comum nos manuais:

6.1) Controle difuso-concreto:

No Brasil, todo controle difuso é concreto. Não existe controle difuso e abstrato ao mesmo tempo (o controle abstrato é sempre concentrado). Mas nem todo controle concreto é difuso, nem todo controle concentrado é abstrato: é possível se ter um controle concentrado abstrato (ADI, ADCe ADPF), ou um controle concentrado concreto (Representação Interventiva ou ADI Interventiva).

É realizado por meio de um Processo Constitucional Subjetivo (direitos)

Aspectos interessantes a serem estudados neste tema:

a) ACP / Ações Coletivas:

Ação Civil Pública pode ser utilizadas como instrumento de controle de constitucionalidade?Sendo caso de controle abstrato, e a inconstitucionalidade analisada no dispositivo (sendo

o pedido), a ACP estaria sendo utilizada como sucedâneo da ADI, havendo, assim, uma usurpação da competência do STF (porque o juiz estaria dando uma decisão com efeito erga omnes), e, portanto, caberia dessa decisão uma Reclamação (esta Reclamação não é utilizada só quando a decisão do STF não é respeitada, mas também quando há usurpação da competência do STF).

Se a inconstitucionalidade for a causa de pedir (e não o pedido), ou seja, fazendo parte apenas da fundamentação (pois trata-se de controle concreto), neste caso não haveria usurpação da competência do STF.

Ou seja, a ACP e as ações coletivas de uma forma geral, podem ser utilizadas como instrumento de controle concreto. Neste caso, o pedido será de efeitos concretos e a inconstitucionalidade será apenas a causa de pedir.

Sobre o tema:☺Resp. 557.646, STJ ☺ Resp. 294.022, STJ☺ RE 227.159, STF

→ Citação do livro “Tutela dos interesses difusos e coletivos”, de Hugo Nigro Mazzilli (pg.44/45):

“A ACP não pode ser usada para substituir a ADI. Assim, não se admite que o pedido numa ação da LACP equivalha, na prática, à supressão de todos os efeitos pretéritos e futuros de uma lei; assim, não se admite que se dê à sentença proferida em ACP o condão de retirar a eficácia de uma Lei com caráter de imutabilidade erga omnes. Assim, por exemplo, os Tribunais não têm admitido que, em defesa de contribuintes, seja

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Page 33: Direito_Constitucional[1]

ajuizada ACP para retirar a eficácia erga omnes de uma lei tributária, pois esse fim só pode ser obtido por meio de ADI. Nada impede, porém, que em ACP se reconheça uma inconstitucionalidade incidentemente.

Em outras palavras, nada obsta a que qualquer juiz singular afaste os efeitos de uma lei entre as partes de um processo, por entendê-la inconstitucional (inter partes), mas só os Tribunais podem subtrair todas as pessoas dos efeitos de uma lei por entendê-la inconstitucional (erga omnes), desde que o façam por meio do controle concentrado de constitucionalidade (ADI).

Os juízes singulares podem, por meio da ACP, reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei como causa de pedir, desde que, conseqüentemente, não subtraiam toda a sociedade dos efeitos dessa mesma lei, o que só se pode obter por meio de ADI.

A proibição de usar a ACP para atacar leis não alcança, porém, as chamadas leis de efeitos concretos. Assim, por ex., uma lei inconstitucional que crie um cargo pode ser atacada em todos os seus efeitos por uma ACP: esta é uma lei formal, de efeitos concretos. No tocante, porém, a uma lei inconstitucional que aumente um tributo, os efeitos erga omnes dessa lei só podem ser elididos por meio de ADI, pois, no caso, teremos uma lei material, dotada de caráter de universalidade e abstração”.

b) Cláusula da Reserva de Plenário:

☺art. 97, CR (matéria muito cobrada em provas!)Regra da “full bench”, expressão em inglês que designa a cláusula de plenário (e é

utilizada pelo STF).Segundo esta cláusula, no âmbito dos Tribunais, a declaração de inconstitucionalidade de

leis ou atos normativos só poderá ser proferida pela maioria absoluta dos membros do Pleno ou do Órgão Especial.

☺art. 93, XI – órgão especial: para que seja criado o Tribunal deve ter mais de 25 membros ou julgadores. Esse órgão especial poderá ter, no máximo 25, e no mínimo 11 membros. O Pleno pode delegar ao órgão especial algumas atribuições (apenas funções administrativas e funções jurisdicionais – ex.: eleição do Presidente, que é função política, não pode ser delegada; elaboração de Regimento Interno, que é função legislativa, também não pode ser delegada). Como a declaração de inconstitucionalidade é função jurisdicional, é função possível de ser delegada.

Maioria absoluta: é mais de 50% dos membros (≠ de maioria relativa, que é mais de 50% dos presentes).

A declaração da constitucionalidade (e não de inconstitucionalidade) não precisa respeitar a cláusula da reserva de plenário. Ela só é válida para a declaração de inconstitucionalidade devido ao princípio da presunção das cláusulas constitucionais.

Se tratar-se de norma anterior à CR (caso que o STF chama de revogação e que o prof. chama de não-recepção): também não precisa respeitar a cláusula da reserva de plenário (norma anterior à Constituição não é inconstitucional – o STF não adotou a tese da inconstitucionalidade superveniente – mas sim revogada ou recepcionada).

Se for para declarar a inconstitucionalidade (nulidade) sem redução de texto, ou em caso de interpretação conforme, para o STF não é necessária a observância da cláusula (porque para o STF ambas são equivalentes).

No âmbito dos Tribunais: turma recursal dos Jesp´s não precisa observar a cláusula (porque turma recursal não é Tribunal), da mesma forma que o juiz singular também não precisa (pode sozinho reconhecer a inconstitucionalidade). Esta cláusula a eles não se aplica.

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☺art. 97, CR: “somente pelo voto da MA dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, onde houver, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

O princípio da interpretação conforme a constituição é equivalente à declaração de nulidade sem redução de texto. Nesses casos, para o STF, não é necessário a observância da reserva de plenário, pois a norma não é inconstitucional, somente a sua interpretação.

(04/09/08)

- Aplicação prática da cláusula da reserva de plenário no âmbito dos Tribunais:

Quando o processo chega ao âmbito do Tribunal, são os órgãos fracionários (turmas ou câmaras) que analisarão a questão da constitucionalidade.

O órgão fracionário tem 2 opções: se ele entender que a lei é constitucional, ele próprio pode assim declará-la (porque para a declaração de constitucionalidade não é necessária a observância à cláusula da reserva de plenário); no entanto, se entender que a lei é inconstitucional, pela maioria dos seus membros, ele não poderá declarar a inconstitucionalidade, deverá lavrar um acórdão e submeter a questão ao Pleno (ou, se existir no Tribunal, ao órgão especial).

O pleno ou órgão especial não farão o julgamento do caso concreto, apenas apreciarão a constitucionalidade da lei em tese, abstratamente, como se fosse uma verdadeira ADIN (um controle de constitucionalidade feito em abstrato), analisando se a lei é ou não compatível com a CR.

O pleno ou órgão especial fará a análise em abstrato da constitucionalidade da lei ou ato normativo. Esta decisão recebe o nome de “antecedente”. Decidido o antecedente, o pleno ou órgão especial devolverá os autos para o órgão fracionário que irá julgar o caso concreto, e a essa sua decisão dá-se o nome de “conseqüente”.

A decisão do pleno é vinculante para todos os órgãos fracionários daquele Tribunal (não apenas para aquele órgão fracionário que a ele remeteu a questão), apesar de não vincular a outros tribunais e nem a juízes de 1º grau.

☺art. 481, CPC: “se a alegação (de inconstitucionalidade) for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao Tribunal Pleno”.

§ único: “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade (...)” → Exceções: a) quando o pleno ou órgão especial do próprio Tribunal já houver analisado a questão anteriormente; b) quando o pleno do STF houver apreciado a inconstitucionalidade.

Há quem critique tais exceções, sob o argumento de que o dispositivo (art. 481, P.U., CPC) seria inconstitucional: o art. 97, CR é uma NEP (norma de eficácia plena), não admitindo exceções ou restrições (não poderia o legislador infraconstitucional estabelecer ressalvas a este dispositivo).

O prof. não concorda, acha que a 1ª exceção está de acordo com o princípio da razoabilidade (não justificaria o pleno se manifestar sobre o mesmo assunto inúmeras vezes). Quanto a 2ª exceção, sabe-se que o STF é o guardião da CR, cabendo a ele dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição. Interpretações diferentes enfraquecem o Princípio da força normativa da Constituição. Assim, esta 2ª exceção está plenamente de acordo com o Princípio da força normativa da Constituição, o órgão fracionário está tão somente seguindo o

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entendimento do STF, que é aquele a quem compete a guarda da CR – o STF, como guardião da CR, dá a última palavra sobre como a norma deve ser interpretada, pois decisões divergentes enfraquecem a força normativa da CR/1988, assim, a Câmara não precisa remeter os autos ao pleno do TJ, podendo decidir o caso concreto, de acordo com o posicionamento do STF.

O STF já admitia essas duas exceções, já era um entendimento consagrado pelo STF antes mesmo do surgimento da regra legal. O CPC só consagrou exceções já consagradas pela jurisprudência do STF.

A inobservância da cláusula da reserva de plenário gera a nulidade absoluta da decisão.A análise feita pelo STF é no controle difuso concreto, ao contrário do que se poderia

imaginar (que seria no controle concentrado-abstrato, se assim o fosse ela já seria vinculante).☺Súmula Vinculante nº 10: “viola a cláusula da reserva de plenário a decisão de órgão

fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte”.

c) Suspensão da Execução de Lei pelo Senado Federal:

☺art. 52, X, CR – compete privativamente ao SF suspender, no todo ou em parte, a execução de lei declarada inconstitucional em decisão definitiva proferida pelo STF.

A CR errou ao dizer que é uma competência privativa. Na verdade, trata-se de uma competência exclusiva, que não comporta delegação.

Natureza do ato do SF: é vinculado ou discricionário? Na doutrina existem os dois posicionamentos:

1) Zeno Veloso defende que a suspensão da execução da lei pelo SF se trata de um ato vinculado (o SF não pode deixar de suspender a lei quando o STF a declara inconstitucional).

2) Outros autores, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entendem que se trata de um ato discricionário. O posicionamento mais adotado (que é inclusive o adotado pelo SF e pelo STF) é o de

que se trata mesmo de um ato discricionário. O SF não é obrigado a suspender, pode fazê-lo se quiser e quando quiser, não estando vinculado ele decisão do STF. É o entendimento mais correto.

Quando o STF diz que a lei é inconstitucional, está fazendo uma análise sobretudo jurídica daquela lei (apesar de também fazer uma análise política); já o SF não, ele não estará fazendo um controle de constitucionalidade, mas sim uma análise política sobre a lei (se é ou não viável a suspensão da lei).

Quando se fala em decisão definitiva do STF, trata-se da decisão definitiva proferida no controle difuso-concreto. Somente decisões proferidas no controle difuso-concreto é que permitem ao SF fazer a suspensão da lei (isto está previsto no art. 178, RISTF) – e isso é óbvio, já que no controle abstrato-concentrado o efeito da declaração é erga omnes e vinculante, não havendo a necessidade de suspensão da lei.

Mas, e se o STF, no controle difuso-concreto, der à decisão efeitos erga omnes? Neste caso o papel do SF seria o de apenas dar publicidade à decisão do STF, o que, segundo o Min. Gilmar Mendes, configuraria uma mutação constitucional, já que o texto permaneceria o mesmo e só a sua interpretação seria modificada (☺tópico: “Tendência de abstrativização do controle concreto”) – lembrar que, segundo o prof., a letra da norma não comporta este entendimento, ou seja, para que isso fosse possível seria necessária uma alteração legislativa (EC).

Efeitos, em regra, de uma decisão proferida no controle difuso-concreto: a decisão terá efeito inter partes e ex tunc.

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O objetivo da suspensão pelo SF é o de que a declaração com efeitos inter partes passe a valer para todos.

Quando o SF suspende a lei, a decisão do STF, portanto, passa a ter efeito erga omnes. Ou seja, a lei deixa de ser aplicada. Ademais, a suspensão pelo SF tem efeito temporal ex nunc. O SF apenas suspende a lei, por isso o faz dali em diante (como se se tratasse de uma revogação, que não pode ser retroativa). A suspensão se dá através de uma Resolução. É a partir da Resolução que haverá a suspensão da lei. Os efeitos da suspensão pelo SF são o oposto dos da decisão pelo STF (erga omnes e ex nunc).

Quando a CR fala “no todo ou em parte”, ela se refere à decisão do STF, que pode declarar a inconstitucionalidade da lei total ou parcialmente (e não à suspensão da lei pelo SF). Isso porque pode ocorrer do STF declarar a inconstitucionalidade de uma lei apenas quanto a alguns artigos e, quando isso ocorre, o SF não pode suspender toda a lei.

Ou seja, a suspensão da execução da lei pelo SF tem que se ater aos exatos limites da decisão do STF; se toda a lei foi declarada inconstitucional, o SF só poderá suspender a lei por inteiro, se for apenas uma parte, a suspensão só poderá ocorrer em relação a esta parte. O SF não é obrigado a suspender a execução da lei, mas, a partir do momento que resolve fazê-lo, ele não poderá nem ir além e nem ficar aquém da decisão do STF.

A suspensão pelo SF é de lei entendida em sentido amplo (lei ou atos normativos) – pode ser uma lei delegada, LO, LC, etc.

O SF, por ser um órgão do PL Federal, só pode suspender leis feitas pelo PL Federal, ou também o pode de leis estaduais ou municipais? Se pudesse, haveria uma violação do Princípio Federativo? Para responder a esta questão é bom relembrar alguns conceitos sobre a classificação das leis:

Lei Federal:

É uma lei emanada do Congresso Nacional, mas que trata apenas de interesses exclusivos da União. Ex.: Lei 8.112/90 (que não se aplica no âmbito dos servidores públicos estaduais ou municipais, sendo específica para os servidores públicos civis da União, só se aplicando ao âmbito federal).

Lei Nacional:

É também uma lei emanada do Congresso Nacional, mas não trata apenas dos interesses da União, se aplicando ao âmbito federal, mas também ao estadual e ao municipal (se aplica a todas as esferas da Federação Brasileira). Ex.: CTN, que deve ser observado no âmbito federal, estadual e municipal.

Constituição Federal:

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Seria a parte da CR que trata apenas da União, da organização da União. Ex.: arts. que dispõem sobre o processo legislativo (arts. 59; 58, §3º; os que tratam do TCU, etc.).

Constituição Nacional:

É semelhante à “Constituição Total” de Kelsen.São os dispositivos que se referem tanto à União, como aos Estados, ao DF e aos Municípios (se aplicam ao âmbito federal, estadual, distrital e municipal). Ex.: art. 37; art. 19.

O SF atua como um órgão ora de caráter federal, ora de caráter nacional (exerce essa dupla atribuição). Quando o SF atua como órgão federal, está defendendo interesses apenas da

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Page 37: Direito_Constitucional[1]

União; quando atua como órgão de caráter nacional está defendendo os interesses de todos os entes da Federação Brasileira.

Questão: Por que o SF tem essa legitimidade para atuar como órgão de caráter nacional e a CD não? O SF é composto por representantes dos Estados e do DF, e por isso pode ter esta atribuição de órgão nacional. Assim, quando o SF atua, é como se os Estados e DF também estivessem atuando, por isso pode suspender leis também dos Estados, do DF e até municipais. O município não tem represente no SF porque só no Brasil o município é enquadrado como ente federativo (em nenhum outro lugar ocorre isso – apesar de que para a realidade do Brasil é necessário que isso ocorra), assim, por não existir uma federação de municípios, eles não têm representantes no SF (até porque se o tivesse, o SF teria um número enorme de representantes), mas mesmo assim o SF pode suspender suas leis.

A atuação do SF não fere o Princípio Federativo porque quando o SF atua suspendendo leis estaduais e municipais, ele está atuando como órgão de caráter nacional.

→ Questão de prova: “No âmbito da Administração Pública Federal, a suspensão, pelo Senado Federal, da execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal tem efeitos ex tunc.”

Análise do enunciado pelo prof. Vicente Paulo:Sabe-se que o SF dispõe de competência para suspender a execução, no todo ou em parte,

de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (☺art. 52, X, CR). Sabe-se, também, que essa atuação do SF só ocorre no âmbito do controle concreto (difuso), visto que, no controle abstrato (ADI, ADC ou ADPF), a própria decisão proferida pelo STF já é dotada de eficácia contra todos (erga omnes), retirando a lei do ordenamento jurídico, não havendo, portanto, sentido falar-se em posterior suspensão de eficácia de uma norma que não mais consta do ordenamento.

Em relação aos efeitos da suspensão de execução pelo SF, porém, não há consenso doutrinário: alguns doutrinadores entendem que a decisão do SF produz efeitos retroativos (ex tunc); outros defendem que a suspensão da execução pelo SF é dotada de efeitos somente daí por diante, pró-ativos (ex nunc).

Embora não haja consenso, o entendimento doutrinário dominante caminha no sentido de se outorgar a tal decisão de suspensão de execução pelo SF efeitos ex nunc (daí por diante, não retroativos).

Entretanto, essa posição doutrinária dominante não tem aplicação no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, visto que, por opção do Chefe do Poder Executivo Federal, adotou-se, na sua esfera de competência, os efeitos ex tunc (retroativos) para a manifestação do SF.

Com efeito, o Poder Executivo Federal baixou o Decreto nº 2.346, de 10/10/1997, de observância obrigatória pela AP Federal direta e indireta, estabelecendo os efeitos ex tunc (retroativos) para a manifestação do SF, no tocante à suspensão da execução de lei declarada definitivamente inconstitucional pelo STF. De relevo salientar que esse ato normativo – decreto do Presidente da República – só dispõe de força obrigatória em relação aos seus órgãos e entidades, da AP Federal direta e indireta.

Portanto, o enunciado acima transcrito está corretíssimo, visto que, de fato, no âmbito da AP Federal, os efeitos da manifestação do SF são ex tunc (retroativos), por força do referido Decreto nº 2.346, de 10/10/1997 (anote-se que o examinador foi preciso, ao restringir os efeitos ex tunc ao “âmbito da AP Federal”).

→ Controle no âmbito do Estado:

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Page 38: Direito_Constitucional[1]

No âmbito estadual, quando o TJ dá sua decisão (controle difuso), declarando uma lei inconstitucional, em decisão definitiva, a quem deverá o TJ comunicar sua decisão?

Há dois grupos de constituições que se diferenciam sobre a suspensão da lei no âmbito estadual:

1º grupo:

- se o TJ declara a inconstitucionalidade de lei estadual, é a Assembléia Legislativa que suspende a lei;

- se o TJ declara a inconstitucionalidade de lei municipal, é a Câmara Municipal.2º grupo:

- se o TJ declara a inconstitucionalidade de lei estadual ou de lei municipal, é sempre a AL que suspende a lei.

Esta última é a solução adotada pelos seguintes Estados da Federação: RS, RN, MS, TO, SE e AM. Todos os demais seguem o primeiro entendimento (inclusive MG).

Segundo o STF, os dois tipos são constitucionais. Esta opção (pelo 1º ou 2º modelo) faz parte da capacidade de auto-organização dos Estados-membros (eles têm autonomia para decidir que modelo adotar).

d) ADI no STF e ADI no TJ:

No caso de serem propostas duas ADIs, uma no âmbito estadual (TJ) e outra no âmbito federal (STF), a ADI no TJ ficará suspensa até o julgamento da ADI no STF. Poderá, então, ocorrer duas hipóteses:

1ª hipótese: o STF julga procedente a ADI. Neste caso a ADI estadual ficará prejudicada (a lei já foi declarada inconstitucional e o TJ não poderá dizer que a lei é constitucional).

2ª hipótese: o STF julga improcedente a ADI (entendendo que a lei é constitucional). Neste caso o TJ ainda assim pode dizer que a lei é inconstitucional, porque o seu parâmetro não é a CR, mas sim a Constituição Estadual (são dois parâmetros diferentes). O STF disse apenas que a lei é constitucional em face da CR/88.

e) Normas de Observância obrigatória: Normas da CF cujo o modelo deve ser obrigatoriamente observado pelas Constituições Estaduais e leis orgânicas Municipais (não tem que copiar, mas tem que ter como base

-Princípios Básicos do processo Legislativo (art. 59 e segs da CF)-Requisitos para criação de CPI (art. 58, § 3º da CF)-Normas referentes ao Tribunal de Contas da União (art.75 da CF)

6.2) Controle concentrado-abstrato:

Resumo dos pontos comuns das ações deste controle: (o estudo específico de cada uma delas será feito no Intensivo II).

O controle concentrado-abstrato é um processo de índole objetiva – Processo Constitucional Objetivo.

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Por se tratar de um processo de índole objetiva, onde não existem partes formais (autor e réu), mas sim legitimados, a ele não se aplicam alguns princípios processuais como o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição.

São 4 as ações de controle concentrado-abstrato:- ADI genérica (já que a ADI Interventiva é de controle concentrado-concreto, tendo partes – autor e réu, que são a União e os Estados);- ADC;- ADPF; e - AIO (Ação de inconstitucionalidade por omissão).

☺Lei 9.868/99 (regula a ADI e a ADC)☺Lei 9.882/99 (regula a ADPF)

→ Segundo o STF, não cabe, de acordo com essas leis, nas ações de controle concentrado-abstrato:

1) desistência; (não existe autor)2) assistência (apesar da lei falar apenas em intervenção de terceiros, o RISTF veda

expressamente a assistência – para aqueles que entendem que esta não é espécie daquela);

3) intervenção de terceiros (Amicus Curiae?);4) recurso da decisão de mérito, salvo embargos declaratórios; (das decisões

interlocutórias cabe Agravo)5) ação rescisória.

→ Qto ao momento da produção de efeitos:

A decisão se torna obrigatória a partir da publicação da ata da sessão de julgamento

→ Competência para julgamento:

Se o controle é concentrado, se concentra em apenas um Tribunal – o STF.Obs.: aqui falamos apenas da esfera federal (na esfera estadual, obviamente, a

competência é do TJ).

→ Legitimidade ativa:

Como são ações de controle abstrato, deve haver a previsão da legitimidade, ou na CR ou na lei. A Constituição, em seu art. 103, traz a legitimidade para todas as ações (que atualmente é a mesma).

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

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IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 1º O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de

inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal. § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma

constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

A jurisprudência do STF diferencia os Legitimados Universais dos Legitimados Especiais (atenção: a CR e a lei não fazem esta distinção, ela é meramente jurisprudencial). O que diferencia um legitimado universal do especial é que o legitimado especial tem que demonstrar a existência de pertinência temática.

A pertinência temática significa que o legitimado especial tem que demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre o interesse que ele defende ou representa e aquele objeto que ele está questionando.

Quadro de legitimados com a sua especificação:

Quadro do prof.:P. Executivo P. Legislativo P. Judiciário MP Outros

Universais: PR MCD – MSF - PGR PP c/ CN – CFOABEspeciais: GE – GDF MAL – MCL - - CS – ECAN

Aspectos específicos de alguns deles, segundo a jurisprudência do STF:

- A norma do art. 103 é uma norma excepcional (trata sobre quem pode propor as ações) e as normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente. Assim, fácil recordar que os Vice-Presidente e Vice-Governador não podem ajuizar tais ações (salvo se estiverem no exercício da função dos legitimados, mas neste caso eles o fariam como legitimados e não como vices). Obs.: a ação prossegue se o vice ajuizar a ação no momento em que estava em exercício e depois deixar o exercício.

- A Mesa do Congresso Nacional (MCN) é composta por membros da MCD e por membros da MSF, mas não é legitimada para ajuizar as ações (normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente).

- A partir de ago/04 o STF modificou o seu entendimento sobre algumas questões que, a partir de então, passaram a ser no seguinte sentido: a legitimidade do Partido Político c/ representação no Congresso Nacional deve ser analisada no momento da propositura da ação; e admite-se a legitimidade de “associações de associações” (associação composta por pessoas jurídicas).

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1) PR → U 7) MAL → E2) GE → E 8) MCL → E3) GDF → E 9) ECAN → E4) PGR → U 10) CS → E5) MSF → U 11) CFOAB → U6) MCD → U 12) PP c/ CN → U

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- A entidade de classe, para ter legitimidade, tem que ser representativa de alguma categoria profissional ou social. Para ter âmbito nacional, a entidade de classe deve estar presente em pelo menos 1/3 dos estados-membros (9 estados).

- Os únicos legitimados que precisam de advogados para propor a ação (não têm capacidade postulatória) são: Partido político com representação no Congresso Nacional, Confederação Sindical e Entidade Classe de âmbito nacional. Os demais podem fazê-lo sem advogado.

- Os Governadores de Estado foram os que mais ajuizaram ações até hoje. A MCD nunca ajuizou e a MSF só ajuizou uma ação até hoje!

→ Parâmetro para o controle :

ADI/ADC AIO ADPF

- Norma formalmente constitucional

- TIDH (3/5 e 2T) - ☺art. 5º, §3º

- normas formalmente constitucionais e eficácia

limitada (NEL)

- preceito fundamental da CR (princípios fundamentais;

direitos e garantias fundamentais. princípios

constitucionais sensíveis e cláusulas pétreas)

→ Objeto das ações:

Saber o objeto é saber que tipo de ato pode ser objeto dessas ações (Atenção: objeto não se confunde com parâmetro!).

Critérios ADC ADI ADPF

1) Natureza do objeto:

ANP (☺art. 102, I, a, CR)

ANP (☺art. 102, I, a, CR)

Qualquer ato dos Poderes Púbicos

(☺art. 1º, Lei 9.882/99)

2) Limite temporal:

Ato posterior a 05/10/88 (ou à EC que

sirva de parâmetro)

Ato posterior a 05/10/88 (ou à EC que sirva de

parâmetro)

Atos anteriores ou posteriores à CR/88

3) Limite espacial:

Lei ou ato normativo federal

Lei ou ato normativo federal ou estadual

Lei ou ato normativo federal, estadual ou

municipal

Observações sobre o quadro acima:

1) Já saiu a Resolução que determina a mudança quanto ao objeto das ações: O STF dizia que o ato, para ser objeto de ADC e ADI, precisava ser ANP geral e abstrato.☺ADI 4048 → trata-se de uma revisão de jurisprudência – o conteúdo do objeto (geral e abstrato) não tem mais relevância, se a controvérsia for suscitada em concreto (de forma específica), também é válido o objeto (ou seja, o STF já admite como objeto de ADC e ADI leis de efeitos concretos, como por ex.: leis orçamentárias – cuidado ao estudar por material antigo!).→ O STF não admite como objeto de ADI e ADC:

- atos tipicamente regulamentares (ele regulamenta um ANP, por isso não é ANP); ainda que tenham exorbitado os limites regulamentares

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- questões interna corporis (questões internas ao corpo de um determinado poder, ou seja questões que devem ser resolvidas internamente por aquele poder, sem interferência do PJ; são questões próprias de RI), salvo se envolver violação a direitos fundamentais. Obs.: nem tudo o que está dentro do RI de um Tribunal é questão interna corporis (o que não pode ser objeto são as questões interna corporis, o RI pode, nas normas que não se enquadrem em tais questões);

- normas constitucionais originárias (feitas pelo poder constituinte originário – que foi quem criou as outras normas da CR e também o próprio STF) – ☺ tese defendida por Otto Bachof (hoje não mais aceita, já que não existem normas superiores ou inferiores na CR; todas estão no mesmo nível, as originárias e as não originárias – Princípio da Unidade);

- leis revogadas e medidas provisórias rejeitadas: se a lei já foi revogada ou a MP já foi rejeitada, não ameaça mais a supremacia constitucional, só podendo ser objeto de controle difuso. Hoje, como está havendo uma influência de um controle no outro, pode ser que essa jurisprudência do STF também caia por terra.→ No caso da ADPF não se exige que seja ANP, pode ser qualquer ato do poder público. Mas, segundo o STF, não pode se objeto de ADPF:

- PEC (porque não é ato do poder público perfeito e acabado, é preciso primeiro ser transformado em EC);

- Súmula- Veto: já houve 2 decisões no STF sobre veto na ADPF – em uma ele não admitiu o veto

como objeto, e, na outra, o STF admitiu, mas não entrou no mérito (a ação foi extinta sem julgamento do mérito por perda do objeto). Aqui é preciso usar o mesmo raciocínio que fizemos quanto ao veto como controle do PJ – é o entendimento do Min. Gilmar Mendes e de um prof. chamado Gustavo Binenboim: quando o veto é jurídico (o político não) pode ser objeto de MS (caso contrário o presidente poderia burlar o processo legislativo). Assim, da mesma forma na ADPF, por analogia, poder-se-ia admitir o veto jurídico.

2) O objeto tem que ser sempre posterior ao parâmetro invocado.

(19/09/08)

7. Atuação do PGR :

☺art. 103, §1º, CR.

Participação do PGR: ele vai participar de todas as ações, sem exceção. Vai participar de todos os processos que estejam em tramitação no STF, devendo ser de todos eles intimado.

O STF diz que ele não precisa participar formalmente de cada um dos processos. O importante é que tenha conhecimento da tese jurídica que está sendo discutida.

O PGR atua como “custus constitutionis” – ou seja, ele vai atuar como fiscal da Constituição. Ainda que ele proponha a ação, ele atuará como “custus constitutionis”.

Obs.: se o PGR ajuizou ADI ele não poderá desistir da ação. Lembrar que não cabe assistência, intervenção de terceiros e recursos, salvo embargos de declaração. Mas ele pode dar parecer em sentido contrário à ação que ele mesmo ajuizou se mudar seu entendimento acerca do tema ou, ainda, se um novo PGR o substituir, se seu entendimento for diverso, também poderá dar parecer em sentido contrário.

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8. Atuação do AGU :

☺art. 103, §3º, CR.

O AGU só participa na ação direta de inconstitucionalidade – ADI (controle concentrado-abstrato). A função do AGU é defender a constitucionalidade da lei ou ato impugnado. Atua, portanto, como um “defensor legis”.

Na ADC a lei já é presumidamente constitucional. Se a pessoa que ajuizou a ADC já está defendendo a constitucionalidade da lei, não precisará do AGU para defendê-la. Na ADI por omissão, quando uma ação é ajuizada não há objeto questionado e sim uma ausência de objeto. Portanto, não há o que se defender. Na ADPF, por fim, o AGU até poderia participar, mas de acordo com a lei da ADPF quem defende a lei é a própria autoridade que praticou o ato.

Quase sempre o AGU irá defender a constitucionalidade da lei. Ele só poderá deixar de fazê-lo em uma única hipótese: quando o próprio STF já disse que a tese jurídica é inconstitucional. Nesse caso, o AGU não será obrigado a defender lei.

Importante: ainda que como Advogado da União, o AGU está obrigado a defender eventual lei estadual que esteja sendo questionada. Quando o AGU desempenha essa função, ele não está desempenhando sua função geral (de chefe da Advocacia Geral da União). Está desempenhando uma função especial, de “defensor legis” e, portanto, estará obrigado a defender tanto as leis estaduais como as leis federais.

Não obstante, quando ajuíza ADI para o PR ele estará exercendo sua função geral mesmo, mas ainda assim estará obrigado a defender a constitucionalidade da lei.

9. Amicus Curiae : 26.05.09

Em uma tradução, seria “amigo do tribunal”, “amigo da corte”. Ele não é alguém interessado na causa; só vai contribuir para a decisão do tribunal. Tem

natureza de auxiliar do juízo.É muito comum nos tribunais internacionais em especial no direito norte-americano. A

exposição dos motivos da Lei 9.868 inclusive diz que esta figura foi inspirada no direito norte americano.

A figura do amicus curiae não foi introduzida pela Lei 9.868. Ela já existia antes, desde a Lei 6.385/73 (☺ art. 31), que trata da Comissão de Valores Mobiliários – CVM) e foi a primeira lei que introduziu esta figura.

Posteriormente, a Lei 8.884/94 (CADE), em seu art. 89, disciplinou a figura. Mas o amicus curiae ficou conhecido realmente com a Lei 9.868/99 -☺art. 7º, §2º e art.

482, §3º.Apesar da previsão estar prevista somente na Lei de ADI é permitida tb a figura do

amicus Curiae na ADPF e na ADC por analogia legis.

Finalidade:

Pluralizar o debate constitucional e conferir maior legitimidade democrática às decisões do STF. É como se a sociedade estivesse indo ao STF para debater a lei.

Pode fazer uma associação à chamada “Sociedade Aberta de Intérpretes – de Peter Haberle” – a interpretação constitucional não se restringe ao Judiciário, sendo feita por toda a sociedade.

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Mas atenção: existe um outro instituto, o das audiências públicas, que não têm nada haver com amicus curiae, estando relacionado apenas à sociedade aberta de intérpretes. A audiência pública está prevista na Lei 9.868, art. 9, §1º e na Lei 9.868, art. 20,§1º. Cabe também na ADPF, ☺ art. 6º, §1º.

- Requisitos para Admissibilidade do Amicus Curiae:

a) Objetivo: relevância da matéria; b) Subjetivo: representatividade na sociedade. O Supremo tem exigido ainda como

requisito subjetivo, a pertinência temática por considerar uma intervenção de terceiro e que não seja pessoa física.Quem vai analisar se os requisitos estão presentes é o Relator, em despacho irrecorrível. Obs.: o amicus curiae pode se oferecer ou ser convidado.

- Casos específicos:

1) HC: crime de racismo contra judeus – O STF convidou Celso Lafer (renomado autor de direito humanos). O STF considerou que o preconceito contra judeus é racismo.

2) CNBB: se ofereceu como amicus curiae na ADI 3510 – o Min. Carlos Aires entendeu que estavam presentes os requisitos. Já na ADPF 54 (aborto em caso de acrania) o Min. Marco Aurélio não admitiu. Apesar de que era relevante, porque iria envolver matéria em relação a vida, a CNBB não iria contribuir com o Judiciário e sim ia defender o ponto religioso.

Pergunta: Cabe sustentação oral pelo amicus curiae? Apesar de não haver previsão específica o STF tem entendido que cabe.A previsão expressamente contida no art. 7º, §2º da Lei 9.868/99 vale só para a ADI. Não

há previsão na lei para a ADC e para a ADPF. Mas também pode haver participação do amicus curiae nesses ações, por analogia legis.

- Natureza Jurídica: há 4 correntes:

1º) Edgar Bueno: entende que é espécie de assistência qualificada (espécie de intervenção de terceiros).

2º) Celso de Melo: (tem duas decisões: na mais antiga antes de haver previsão na lei, tinha entendimento que não era intervenção de terceiros. Mas depois que a lei foi feita, ele diz embora não possível intervenção de terceiros, cabe amicus curiae.

3º) Gilmar Mendes: ele não fala. Somente diz que ele não é intervenção de terceiros. 4º) Fredie Didier: seria um auxiliar de juízo. É, segundo o prof., a mais correta.

10. Aspectos Específicos das Ações de Controle Concentrado-Abstrato:

→ ADC:

☺ Art.102, I, “a”, CF e Lei 9.868/99. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:

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a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

Surgiu com a EC/03. Os processualistas diziam que a ADC era inconstitucional por afronta ao contraditório e ampla defesa e que violava o princípio da presunção de constitucionalidade.

Argumentos usados (na ADI nº1) para debater e afastar essa alegação de que ela seria inconstitucional:

- não há que se falar em violação aos princípios constitucionais porque se trata de um processo de índole objetiva, não tendo partes, ou seja, autor e réu. Não se aplica o contraditório e a ampla defesa à ADC. (Obs.: Gilmar Mendes não era ministro do STF ainda, mas dizia que havia contradição no posicionamento daqueles que defendiam a inconstitucionalidade da ADC em face dela e da ADI possuírem a mesma natureza – seria uma ADC com sinal trocado, ou seja, elas teriam um caráter dúplice ou ambivalente).

- Com relação a presunção de constitucionalidade, ressalta-se que esta é apenas relativa, admitindo prova em contrário. O juiz de primeiro grau, por ex., poderia afastar esta presunção. Quando o STF dá a decisão na ADC, esta presunção passa de relativa para “quase absoluta”. Ela vincula a todos menos o próprio STF e o Poder Legislativo (sob pena de se ter o engessamento ou fossilização da Constituição). Mas, para que o STF não se torne um órgão de consulta dos Poderes Públicos, a Lei 9.868/99, em seu art. 14, III, exige como requisito para o ajuizamento da ADC, que se comprove a existência de uma controvérsia judicial relevante.

- Principais aspectos da ADC:

1) É necessário “controvérsia judicial relevante” para ajuizar ADC. Como visto, o requisito de admissibilidade está relacionado a presunção de constitucionalidade (☺Lei 9.868/99, art.14, III). Ex: FHC fez medida do apagão. Muitas ações foram ajuizadas. Através do AGU, o FHC ajuizou ADC. O AGU juntou 6 ou 7 ações dizendo que a lei estava sendo discutida no Judiciário. O STF não concordou e mandou juntar mais ações, para demonstrar a controvérsia judicial (não se fala em uma dezena, mas sim em várias dezenas de ações para que se demonstre a controvérsia).

2) O objetivo da ADC: abreviar o tempo de pronúncia pelo STF.

3) Caráter Dúplice ou Ambivalente: Lei 9.868/99, art.24 – a ADC nada mais é do que uma ADI com sinais trocados. Uma ADC julgada procedente diz que a lei é constitucional; uma ADC improcedente diz que a lei é inconstitucional.

4) Cabe concessão de Medida Cautelar em ADC? Sim. Os efeitos serão: a) a suspensão dos processos nos quais a lei esteja sendo discutida por 180

dias - isso só existe expressamente na ADC (na ADI e na ADPF não há esta previsão, mas o STF tem utilizado o mesmo entendimento – se na ADC ocorre a suspensão (☺art.21, P.U.), nas outras ações ela também poderá ocorrer). Cabe prorrogação. O STF admitiu - ☺Informativo 518.

b) se for concedida terá efeito vinculante para o Poder Judiciário e para a Administração Pública, inclusive o Poder Executivo.

ADPF:

☺ Art.102, §1º, CR e Lei 9.882/99.

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Não e uma ação de inconstitucionalidade, mas sim uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que é ainda mais ampla do que a ação de inconstitucionalidade (já que a inconstitucionalidade é um tipo de descumprimento – descumprimento da CR).

O parâmetro, no entanto, é mais restrito: somente a violação, o descumprimento de preceito fundamental da CR que dará ensejo à propositura de uma ADPF (e não qualquer norma formalmente constitucional).

Segundo a doutrina, os preceitos fundamentais são:- Título I: Princípios Fundamentais;- Título II: Direitos e Garantias Fundamentais;- Princípios Constitucionais Sensíveis; e- Cláusulas Pétreas.

Conceito de Preceito Fundamental segundo o Min. Gilmar Mendes, na ADPF 33:- Princípios Constitucionais;- Princípios Sensíveis (que são princípios constitucionais);- Cláusulas Pétreas;- Direitos Fundamentais (que são cláusulas pétreas); e- Normas de Estrutura do Estado Brasileiro.

Incluindo-se, ainda, neste rol, as normas que dão densidade normativa a esses 5 pontos, ou seja, que preenchem de conteúdo esses 5 pontos (ex.: a norma que exige concurso público para preenchimento de cargos da AP, que é norma que dá conteúdo ao Princípio da Impessoalidade).

“Fundamental”: quer significar os preceitos imprescindíveis à identidade constitucional e ao regime adotado pela constituição.

Segundo Neri da Silveira, apenas o STF, como guardião da CR, deve dizer o que deve ser considerado preceito fundamental.

Caráter subsidiário (art.4, parágrafo 1 da Lei 9882/99): A ADPF só é cabível quando não existir outro meio eficaz para sanar a lesividade.

Hipóteses de Cabimento:

1) ADPF Autônoma: art. 1º, caput: evitar (preventiva) ou reparar (repressiva) lesão a preceito fundamental causado por ato do Poder Público – questionamento do próprio ato.

2) ADPF Incidental ou por Equiparação: art. 1º, §único: surge a partir de um caso concreto; controvérsia constitucional e relevante fundamento – questionamento da controvérsia do próprio ato. Ex.: ADPF 54 (questão do anencéfalo). Obs.: foi ajuizada uma ADI sobre esta espécie, para que se declare sua inconstitucionalidade pelo fato de ter sido prevista pelo legislador infraconstitucional.

Processamento:

Uma questão é levada a juízo – ex.: gestante com feto com acrania. Ela vai ao juiz de primeiro grau. Caberá da decisão desse juiz recurso para o tribunal. Mas se algum dos legitimados souber da ação, os legitimados podem levar não todo o processo, mas apenas a questão constitucional que está sendo discutida para o STF julgar a questão (e não o caso específico). Quando o STF decidir a ADPF 54 ela terá 2 tipos de efeitos: (ambos estão previstos na Lei 9.882/99).

a) Endoprocessual: seria em relação ao caso específico que está sendo discutido. A decisão do STF iria servir como precedente para o tribunal ou o juiz analisar.

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b) Extraprocessual: efeito erga omnes e vinculante.

Características:

- Tem caráter subsidiário: significa dizer que só cabe ADPF quando não existir outro meio eficaz para sanar a lesividade (outro meio que tenha a mesma efetividade, a mesma imediatidade e a mesma amplitude da ADPF).

- Admite-se a fungibilidade, em alguns casos: se alguém entra com uma ADPF e era caso de ADI, por ex., o STF transforma a ADPF em ADI.

11. Instrumentos de Controle de Omissões Inconstitucionais :

ADI por omissão:(art. 103, §2º)

Mandado de Injunção:(art. 5º, LXXI)

Finalidade:Assegurar a efetividade de suas

normas. É controle abstrato.

Tornar viável o exercício dos direitos (direitos subjetivos). É controle

concreto.Pretensão

deduzida em juízo:

Processo Constitucional Objetivo Processo Constitucional Subjetivo

Competência:Controle concentrado no STF e nos

TJ´s

Controle difuso limitado:- CR (STF, STJ, TSE/TRE);

- Lei Federal: quando existir poderá estabelecer outros órgãos competentes (por enquanto utiliza-se a lei do MS

para processar e julgar o MI)- CE: pode atribuir competências a

juízes estaduais ou ao TJ.

Parâmetro:Só há omissão inconstitucional

quando a norma for limitada (NEL)

Norma constitucional de eficácia limitada (NEL). Obs.: em interpretação

literal do art. da CR, seria só para direitos fundamentais, mas o STF não

faz essa interpretação.

Legitimidade ativa:

É a mesma da ADI, ADC e ADPF (art. 103)

- MI Individual: qualquer pessoa que tenha o seu direito inviabilizado por ausência de norma regulamentadora;- MI Coletivo: o STF o tem admitido,

usando-se como referência a legitimação do MS Coletivo (☺art. 5º, LXX: PP c/ CN, organização sindical,

ECAN e associação (c/ 1 ano).Provimento: (decisão de

mérito)

É apenas dar ciência ao poder competente de sua omissão e, em se tratando de órgão da AP, a CF fala no prazo de 30 dias para se suprir a

omissão. Obs.: na ADI 3682 (criação

4 possíveis provimentos:a) Não concretista: = AIO (só ciência);b) Concretista: concretiza a norma. Se divide em:

b.1) geral: efeitos erga omnes

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de município) o prazo seria de 18 meses em função de a lei vigorar por

2 anos.

b.2) individual: efeitos inter partesb.3) intermediária: ciência + prazo para suprir, sob pena de exercício do direito.

(☺item seguinte)

(26/09/08)

12. Efeitos da decisão de mérito no MI :

1) Corrente não-concretista:

Recebe este nome porque entende que o PJ não pode suprir a omissão do outro poder, não pode concretizar a norma, ou seja, não pode fazer a norma para o caso concreto. O efeito da decisão proferida pelo PJ seria, portanto, exatamente o mesmo da ADI por Omissão: o PJ só dá ciência ao poder competente de sua omissão. Em 95% das decisões do STF ele adotou esta corrente. Recentemente, em decisões em relação ao servidor público foi que ele mudou de entendimento. Havia uma crítica muito forte quanto a esta corrente, já que por meio dela o STF esvaziava o conteúdo do MI. O SFT, recentemente, mudou seu posicionamento, mais especificamente no caso do direito de greve do servidor público. Mas atenção, isso não quer dizer que o STF passará definitivamente a adotar outra corrente para todos os casos.

2) Corrente concretista:

Se subdivide em 3 outras correntes e em todas elas se admite que o PJ supra a omissão do poder competente, ou seja, concretize a norma. São elas:

a) Geral: é defendia por pouquíssimos autores; segundo ela o efeito da decisão seria a produção da norma (o PJ poderia concretizar a norma), mas não apenas para aqueles que impetraram o MI e sim para todos aqueles que se encontrassem na mesma situação; o PJ iria concretizar a norma com efeitos erga omnes, abrangendo todos os que se encontrassem na mesma situação. Foi a corrente utilizada pelo STF quanto à questão do direito de greve. Todos os MI neste sentido foram julgados adotando-se esta corrente concretista geral – a decisão valeria para todos os servidores públicos e não apenas para aqueles que impetraram os MI (☺MI 680 e 712).

b) Individual: é a corrente majoritária na doutrina. O efeito seria apenas inter partes, ou seja, se supriria a omissão apenas para aqueles que impetraram o MI.

c) Intermediária: conjuga a corrente não-concretista com a concretista. De acordo com esta concepção, o PJ, em um primeiro momento, iria dar ciência ao poder competente de sua omissão e, ao mesmo tempo, iria fixar o prazo para que a omissão fosse suprida; se dentro desse prazo a omissão não fosse suprida, na própria decisão já constaria qual seria a norma a ser aplicada naquela hipótese, ou seja, a norma que supriria a omissão para que a pessoa pudesse exercer o direito. Ela se subdivide em – geral e individual.

13. Controle Concentrado-Concreto :

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→ ADI Interventiva ou Representação interventiva:

Foi a 1ª ação que tivemos de controle concentrado no Brasil, surgiu em 1984 e deu origem a todas as demais ações.

Surge a partir do caso concreto. É induzida através de um processo constitucional subjetivo (tem partes formais).

A regra é o principio da não-intervenção; a intervenção é uma exceção (a União não pode, como regra, intervir nos Estados).

Quem pode decretar uma intervenção federal: somente o PR (chefe do Poder Executivo).Não pode haver intervenção federal em município de Estado. A União só pode decretar a

intervenção nos Estados ou no DF. Se for criado Território Federal e ele tiver municípios, a União poderá decretar a intervenção nesse município (mas somente na hipótese de intervenção em municípios presentes em território federal – é uma situação excepcional) – a regra é a de que a União não pode decretar intervenção em municípios.

Quem pode decretar a intervenção em município é somente o Estado do qual o município fizer parte.

Em duas hipóteses a União só poderá decretar a intervenção em um Estado se primeiro houver representação interventiva – a representação interventiva torna-se um pressuposto para que a União decrete a intervenção no Estado ou no DF – ☺art. 36, III, CR (provimento, pelo STF, de representação do PGR) – Intervenção Indireta:

1) violação aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII); e 2) recusa à execução de lei federal (art. 34, VI).Nessas duas hipóteses, se o STF der provimento à representação do PGR, o PR então

poderá decretar a intervenção.Atenção: quem pode ajuizar a representação interventiva é apenas um legitimado – o

PGR, ele é o único que tem legitimidade ativa para ajuizar essa ação.

Representação interventiva estadual:A representação interventiva estadual só pode ser proposta pelo PGJ (☺Súm. 614, STF).O parâmetro aqui é mais amplo. Em 3 hipóteses o GE poderá decretar a representação

interventiva estadual – Parâmetros:1º) princípios previstos na constituição estadual: a CE estabelecerá quais são os princípios

que, se violados, poderão dar margem à intervenção (princípios sensíveis no âmbito estadual);2º) recusa à execução de lei federal ou estadual (hipótese simétrica à hipótese de recusa à

execução de lei federal, no âmbito federal);3º) recusa à execução de ordem ou decisão judicial: esta hipótese não é simétrica à

representação interventiva federal (é própria da intervenção estadual).O único Tribunal que terá competência para processar e julgar esta representação

interventiva estadual será o TJ.As partes aqui são o Estado e o Município.☺art. 35, IV, CR.É necessária a apreciação pelo PL (Assembléia Legislativa)? Não. É dispensada a

apreciação política pelo PL. nem o CN e nem a AL precisam se manifestar. ☺art. 36, §3º, CR. Não há esta necessidade porque já houve uma manifestação do PJ, que é o pressuposto para a representação interventiva.

14. RE como instrumento de controle Concentrado-abstrato :

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Em regra ele é utilizado como instrumento de controle difuso, mas em uma hipótese será utilizada como instrumento de controle concentrado-abstrato. Esta forma não foi prevista na CR, nem no RISTF, foi uma criação da jurisprudência do STF.

Se dá na hipótese de ADI proposta no TJ, em face de lei ou ato normativo estadual ou municipal. O parâmetro de uma ADI no âmbito do TJ é a CE. Trata-se de um controle concentrado e abstrato, no âmbito do TJ. Isto está previsto no art. 125, §2º, CR.

A hipótese excepcional de utilização do RE é exatamente a seguinte: se a norma da CE violada (o parâmetro violado) for alguma das normas de observância obrigatória da CR (☺aula de Poder Constituinte), da decisão do TJ caberá um RE para o STF. O RE, portanto, será utilizada como instrumento de controle concentrado e abstrato, já que o TJ não estará julgando um caso concreto.

O STF é o guardião da CR. Ele irá analisar a lei ou ato normativo não em face da CE, e sim em face da CR. É um controle concentrado-abstrato de lei municipal em face da CR (é o único caso, além, é claro, da ADPF).

Atenção: se a norma da CE violada for uma norma de mera imitação ou uma norma de remissão, não cabe a hipótese de RE (cabe tão somente o controle de constitucionalidade).

PODER CONSTITUINTE:PODER CONSTITUINTE:

1. Conceito e finalidade :

O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.

A doutrina aponta a contemporaneidade da idéia de Poder Constituinte com a do surgimento de Constituições escritas, visando à limitação do poder estatal e à preservação dos direitos e garantias individuais.

2. Titularidade do Poder Constituinte :

O titular do Poder Constituinte, segundo o abade Emmanuel Sieyès, um dos precursores dessa doutrina, é a nação, pois a titularidade do Poder liga-se à idéia de soberania do estado, uma vez que mediante o exercício do poder constituinte originário se estabelecerá sua organização fundamental pela Constituição, que é sempre superior aos poderes constituídos, de maneira que toda manifestação dos poderes constituídos somente alcança plena validade se se sujeitar à Carta Magna.

Modernamente, porém, é predominante que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente do que o de nação. Assim, a vontade do constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes. Celso de Mello, corroborando essa perspectiva, ensina que as Assembléias Constituintes não titularizam o poder constituinte. São apenas órgãos aos quais se atribui, por delegação popular, o exercício dessa magna prerrogativa.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o povo pode ser reconhecido como o titular do Poder Constituinte mas não é jamais quem o exerce. É ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma elite. Assim, distingue-se a

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titularidade e o exercício do Poder Constituinte, sendo o titular o povo e o exercente aquele que, em nome do povo, cria o Estado, editando a nova Constituição.

3. Poder Constituinte Supranacional :

A ruptura das tradicionais premissas de organização dos Estado suscitou a idéia da existência de um poder constituinte pautado na cidadania universal, no pluralismo de ordenamentos jurídicos e em uma visão remodelada de soberania.

Maurício Andreioulo Rodrigues defende a existência de um tertium genus de poder constituinte, que busca sua “fundamentação” menos na vontade do povo-nação do que na vontade do povo-cidadão universal, que é seu verdadeiro titular. Um poder preocupado com a formação de uma Constituição supranacional elaborada legitimamente e, por conseguinte, apta a vincular os Estados ajustados sob o seu comando.

4. Espécies Tradicionais :

- Histórico- Revolucionário

A) Poder Constituinte - Material (Originário) - Formal

Espécies de Poder Constituinte - Revisor (art. 3º, ADCT)

B) Poderes Constituídos - Reformador (art. 60, CR) (Poder Constituinte Derivado)

- Decorrente (art. 11, ADCT; art. 25, CR)

A) Poder Constituinte (Originário):

É aquele que vai fazer uma nova Constituição dentro de um Estado. Obs.: o prof. entende que a expressão “originário” seria uma redundância, já que o poder constituinte já é originário; mas a doutrina utiliza esta nomenclatura para diferenciá-lo dos demais poderes. Ele pode ser classificado em duas espécies:

a) Poder Constituinte Originário Histórico: é o que faz a 1ª Constituição dentro de um Estado; é a Constituição que vai dar origem ao Estado. No caso do Brasil, a 1ª Constituição foi a Constituição Imperial de 1824.

b) Poder Constituinte Originário Revolucionário: ele também cria uma nova Constituição, mas não a primeira e sim uma nova, que substituirá a anterior. No caso do Brasil, todas as demais Constituições (depois da de 1824) foram obras desse poder: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/69, 1988. obs.: este poder tem este nome porque para o Direito, Revolução é toda ruptura com o ordenamento jurídico anterior.

c) Poder Constituinte Originário Material: é o que escolhe o conteúdo que será consagrado pela Constituição.

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d) Poder Constituinte Originário Formal: é o que formaliza o conteúdo, através de normas constitucionais; ou seja, coloca em normas constitucionais o conteúdo escolhido. Obs.: esses dois poderes (c e d) não são antagônicos, é apenas uma classificação quanto ao momento.

→ Aspectos principais:- Natureza (essência) do Poder Constituinte: é um poder de fato, ou poder político, não é

um poder jurídico ou de direito, já que não retira sua força do Direito e sim da energia social.- Titular do Poder Constituinte: titularidade é diferente de exercício e nem sempre o

exercício vai corresponder à titularidade. A doutrina entende que o titular do Poder Constituinte é sempre um só: a maioria do povo (ou a maioria da Nação, segundo o Abade Sieyès, que formulou esta teoria no fim do Séc. XVIII). Algumas teorias confundem a titularidade com o exercício.

- Exercício do Poder Constituinte: na maioria das vezes é exercido por uma minoria, que, em alguns casos, pode usurpar do povo a titularidade do poder. A análise desse poder é feito no âmbito da legitimidade, ou seja, analisa-se se o poder é legítimo ou não. Um dos aspectos para se saber se é legítimo ou não é justamente saber se há uma correspondência entre a titularidade e o exercício do poder, se esta correspondência existir o poder será legítimo. Trata-se de um aspecto subjetivo (diz respeito ao sujeito do poder constituinte). Há alguns autores (como Canotilho) que falam também em uma legitimidade no sentido objetivo, pelo qual o poder constituinte (do ponto de vista objetivo), para ser considerado legítimo, tem que fazer normas cujo conteúdo seja considerado justo pela sociedade, correspondendo aos anseios daquela sociedade. Assim, é possível analisar a legitimidade do poder constituinte em dois aspectos: subjetivo e objetivo.

→ Características Essenciais do Poder Constituinte (que o diferenciam dos demais poderes):

a) é um poder inicial: está acima de todo ordenamento jurídico; é ele que dá início ao ordenamento jurídico, através da Constituição; não existe nenhum outro poder antes ou acima dele;

b) é um poder autônomo: tem autonomia para escolher qual é a idéia de direito que irá prevalecer dentro do Estado (ele escolhe o conteúdo da Constituição); esta escolha é uma escolha na qual ele não está subordinado a nenhum direito preexistente;

c) é um poder incondicionado: não está submetido a qualquer tipo de condição, a nenhum pré-requisito jurídico.Obs.: se é um poder autônomo e incondicionado, pode-se dizer que é um poder também: ilimitado juridicamente, independente e soberano.

Existe hoje um princípio que alguns autores apontam como limitação a este poder: o “Princípio da Vedação do Retrocesso” – esse princípio é, na verdade, mais utilizado em relação à vedação do retrocesso social (em outro sentido completamente diferente). No entanto, neste caso significa um impedimento para que uma nova Constituição retroceda em relação aos direitos fundamentais conquistados por uma determinada sociedade; refere-se ao núcleo essencial dos direitos, aqueles sobre os quais há um consenso profundo. Tais direitos não poderiam ser violados nem mesmo por uma nova Constituição. Uma nova Constituição não poderia permitir a violação a direitos adquiridos. Fábio Konder Comparato fala, por ex., na pena de morte, afirmando que uma nova Constituição não poderia prever novas hipóteses de aceitação da pena de morte, além da prevista na CR/88 (caso de guerra declarada), por se tratar de uma conquista da sociedade. O prof. não concorda muito com isso. O que de fato ocorre é que a autonomia do Poder Constituinte foi, com os avanços da sociedade, ficando um pouco relativizada, mas continua a existir como característica essencial deste poder.

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B) Poder Constituinte Decorrente:

É o responsável por elaborar as Constituições Estaduais, esta é a sua função.Significa o poder do Estado de elaborar a sua própria Constituição.No caso da CR/88, ela não consagrou especificamente um poder para elaborar as

Constituições Estaduais. A CR/88, no art. 11 do ADCT, conferiu poder constituinte às Assembléias Legislativas dos Estados, no prazo de 1 ano. Na verdade não houve uma Assembléia especifica para esse fim de elaborar as CE (foram as AL dos Estados que elaboram suas CE).

Esta AL, contudo, não tinha autonomia para colocar nas CE o que bem entendesse; deveria observar os princípios estabelecidos na CR/88. não se trata de um poder inicial autônomo e incondicionado, ele encontra limites do texto da CR.

☺art. 25, CR: diz que os Estados se organizam pelas constituições que adotarem, observados os princípios estabelecidos CR.

Quando a CR consagra o art. 25, a doutrina deduz deste art. um princípio conhecido como “Princípio da Simetria Constitucional” – este princípio significa que a CE tem que ser simétrica à CR. Não há necessidade de que a CE seja uma cópia da CR, mas o modelo federal e os paradigmas da CR têm que ser observados pela CE.

Há uma expressão (que vem desde o Raul Machado Horta) que deriva do Princípio da Simetria: são as “normas de observância obrigatória”, ou seja, normas que obrigatoriamente devem ser observadas pelas CE.

São normas que a jurisprudência do STF considera como de observância obrigatória (também chamadas de regras de repetição obrigatória):

- Princípio da Separação dos Poderes: segundo o STF, não existe um modelo a priori de separação dos poderes, mas os Estados não poderiam adotar um modelo diverso do adotado pelo âmbito federal (ex.: presidencialismo x parlamentarismo);

- Princípios básicos do processo legislativo: ☺art. 61, §1º - traz matéria de iniciativa exclusiva do PR; aquilo que é de competência do PR no âmbito federal, no âmbito estadual tem que ser de competência do GE;

- Normas relativas ao Tribunal de Contas da União: as normas referentes à organização, composição, fiscalização do TCU devem ser obrigatoriamente observadas no âmbito dos Estados - ☺art. 75, CR.

A Constituição anterior já entendia que essas 3 normas acima dispostas fossem de observância obrigatória. A próxima norma foi uma novidade da CR/88:

- Requisitos para a criação de CPI: ☺art. 58, §3º – requerimento de pelo menos 1/3; para apuração de fato determinado e prazo certo de duração.

Obs.: os poderes da CPI do estado são os mesmos da CPI no âmbito federal? A CPI pode quebrar sigilo bancário? A ACO 730 decidiu que a CPI estadual poderia sim quebrar sigilo bancário, mas foi uma decisão super apertada (6x5).

Pode ser que futuramente o STF venha a entender que outras normas da CR sejam de observância obrigatória pelos Estados. Mas, por enquanto, são essas as normas de repetição obrigatória.

Obs.: ☺art. 57, §4º, que dispõe sobre a composição das mesas do CN – mandato de 2 anos, vedada a recondução. Segundo o STF, que decidiu uma questão suscitada pela

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Assembléia do RJ, este dispositivo não é norma de observância obrigatória (o Presidente da AL do RJ já estava no cargo há 6 anos, e o STF decidiu que não havia problema, porque o art. 57, §4º não é norma de observância obrigatória).

→ Princípios que devem ser observados pelo Poder Constituinte Decorrente:A classificação de JAS divide as limitações do Poder Constituinte Decorrente em 3 tipos

de princípios:a) Princípios constitucionais sensíveis: art. 34, VII, CR (aqueles que se violados podem

gerar uma representação interventiva ou até uma intervenção federal);VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

b) Princípios constitucionais extensíveis: foram praticamente eliminados da CR/88; são as normas de organização da União, mas que se estendem aos Estados (ex.: art. 75, que trata do TCU; art. 28, que trata da eleição de GE; art. 93, V);

c) Princípios constitucionais estabelecidos: eles se subdividem em:I) normas expressas: são as normas que estão textualmente colocadas na

Constituição. Se subdividem em:- normas mandatórias: ex.: art. 37, CR (princípios que regem a AP:

os Estados “obedecerão” os seguintes princípios...).- normas vedatórias: ex.: art. 19, CR (é vedado à U, E, DF e M...) –

contém uma vedação expressa.II) normas implícitas: são aquelas que não estão textualmente consagradas,

mas é possível deduzi-las. Ex.: os arts. 21 e 22 estabelecem competências exclusivas da União e, portanto, se pode deduzir de forma implícita que os Estados não podem exercê-las; a mesma coisa ocorre com as normas expressamente consagradas como de competência dos municípios.

III) normas decorrentes: são aquelas que defluem do sistema constitucional adotado. Ex.: a CR consagra o Princípio Federativo e dele decorre uma exigência de respeito recíproco entre os Estados.

C) Poder Constituinte Derivado (Poder Derivado Reformador):

Características:

- é um poder jurídico (e não de fato), ou seja, decorre da lei e não da força;- não é inicial, é conseqüente;- não é autônomo;- titularidade: é do povo;- exercício: é pelo CN;- é condicionado;- é limitado.

Este poder é o responsável por fazer a chamada Reforma Constitucional, cujo procedimento está previsto no art. 60, CR.

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Trata-se de um poder previsto na CR e, portanto, de um poder que se sujeita às limitações impostas pela própria CR.

→ Limitações impostas ao Poder Reformador:

1) Limitações Temporais : são as que se referem a um determinado período de tempo durante o qual a CR não pode ser reformada; impedem a alteração da CR durante um determinado período de tempo. Na CR/88 não há nenhuma limitação temporal. A Constituição de 1824 foi a única constituição brasileira na qual existia uma limitação temporal: ela tinha um dispositivo que dizia que durante um período de 4 anos (de 1824 a 1828) não poderia haver nenhuma modificação na Constituição.

2) Limitações Circunstanciais : impedem a alteração da Constituição em momentos de extrema gravidade, nas quais a livre manifestação do poder reformador possa estar ameaçada. As 3 circunstancias excepcionais nas quais a CR não pode ser emendada são: em caso de intervenção federal, em qualquer estado da Federação (art. 34); se for decretado o estado de defesa (art. 136), e se for decretado o estado de sítio (art. 137), que é hipótese ainda mais grave do que o estado de defesa. Essas limitações circunstanciais estão dispostas no art. 60, §1º, CR.

3) Limitações Formais : são limitações processuais ou procedimentais, também chamadas de implícitas. Estão relacionadas ao procedimento de alteração (reforma) da CR. Essas limitações podem ser de duas espécies:

a) Subjetivas : são limitações relacionadas ao sujeito competente para propor à EC. Antes de nos aprofundar-nos na questão da PEC, vejamos alguns aspectos sobre o Projeto de Lei. ☺art. 61, CR. Este art. trata da regra geral para a iniciativa de leis (vale tanto para a LO como para a LC – a iniciativa é a mesma). Quem pode propor LO e LC: no âmbito do PL é qualquer Deputado Federal, qualquer Senador ou qualquer comissão da CD, do SF ou do CN; no âmbito do PE, apenas o PR; no âmbito do PJ, o STF e Tribunais Superiores; no âmbito do MP, o PGR; ademais, também podem propor projeto de lei o povo, através da iniciativa popular (art. 61, §2º). A nossa Constituição é rígida, o que significa que o processo de elaboração de EC é mais dificultoso do que o processo para a propositura de leis. O único legitimado para propor leis e para propor EC no Brasil é o PR. O PR só pode participar do processo de elaboração de EC através da iniciativa, ele não participa de qualquer outra etapa de elaboração de EC (não sanciona, não veta, não promulga, não manda publicar – a única coisa que ele pode fazer é tomar a iniciativa). Além do PR, também podem propor a EC pelo menos 1/3 dos membros da CD ou do SF e, por fim, há ainda um 3º legitimado: mais de 50% das AL das unidades da Federação, pela maioria relativa (+ de 50% dos presentes) de seus membros – e este processo é o processo para que o projeto possa ser encaminhado ao CN e este então possa aprovar o projeto. Isso é muito difícil de ocorrer (nunca houve na história desse país uma iniciativa como esta, apesar dela estar prevista há mais de 100 anos). Atenção: não há previsão expressa de iniciativa popular de EC! Mas existe a possibilidade de haver iniciativa popular para a propositura de EC? Há divergência doutrinária: a) segundo JAS, apesar de não existir previsão expressa, há que se fazer uma interpretação sistemática da CR, para que, por analogia (analogia legis – analogia propriamente dita), possamos usar o procedimento previsto no art. 61, §2º (o procedimento de iniciativa popular no caso de leis; b) o entendimento majoritário da doutrina, no entanto, é o de que o art. 61 é a regra geral de iniciativa, sendo o art. 60 (incisos I, II e III) uma exceção à regra geral, e as

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normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente, assim, não seria possível que houvesse iniciativa popular para a propositura de EC.

b) Objetivas : se relacionam ao procedimento de elaboração de EC, após a iniciativa. Feita a iniciativa, a PEC será discutida em cada casa do CN. O quorum de aprovação da PEC é 3/5 em 2 turnos de votação (☺art. 60, §2º). Os 2 turnos acontecem simultaneamente (não são alternados), primeiro em uma casa e depois na segunda casa. Discutido e aprovado, a PEC vai para a promulgação, que será feita pelas mesas da CD e do SF – as duas em conjunto, não pode ser pela mesa do CN! (lembrar ainda que não há sanção ou veto do PR). ☺art. 60, §3º. A última limitação formal objetiva está prevista no art. 60, §5º, segundo o qual se a matéria for rejeitada (ou havida por prejudicada) numa sessão legislativa, não poderá ser reapresentada novamente na mesma sessão legislativa. A Sessão legislativa (art. 57) não pode ser confundida com a legislatura (art. 44, § único), que é o período de 4 anos do mandato do PR, GE, DF e DE, no qual há 4 sessões legislativas. A sessão legislativa é um período anual que não coincide com o calendário civil – a sessão legislativa vai do dia 02/02 a 17/07 e do dia 01/08 a 22/12. Se houver alguma sessão legislativa durante o período de recesso, ela será chamada de extraordinária. Esses dois períodos semestrais são conhecidos como períodos legislativos (o do 1º semestre e o do 2º semestre). Existe um outro ato legislativo que tem essa mesma limitação formal: a Medida Provisória (art. 62, §10).

(10/10/08)

4) Limitações Materiais ou Substanciais : limites impostos pela soberania popular. São as chamadas cláusulas pétreas. Finalidades das cláusulas pétreas:

a) Assegurar metas a longo prazo;b) Preservar a identidade material da Constituição;c) Assegurar o procedimento democrático.

Curiosamente, ao estabelecer limitações à vontade da maioria, a Constituição rígida acaba funcionando como mecanismo para assegurar a própria democracia. A finalidade da cláusula pétrea é proteger a própria sociedade de suas “miopias”. Se elas não existissem, a maioria sempre iria querer maximizar os seus interesses.

As cláusulas pétreas são, pois, clausulas que exteriorizam limitações materiais.

Há 2 tipos, a saber: cláusulas pétreas implícitas e cláusulas pétreas expressas:

1. Expressas: ☺art. 60, §4º, CR. Esse parágrafo não diz que as cláusulas pétreas não podem ser alteradas. As cláusulas pétreas podem ser modificadas ou são intangíveis? As cláusulas pétreas não são intangíveis.

Entendimento do STF: As cláusulas pétreas não significam a intangibilidade literal do dispositivo, mas apenas a proteção ao seu núcleo essencial. Ou seja, a existência de cláusula pétrea não significa que aquela parte da Constituição é intangível. A cláusula pétrea protege o núcleo essencial de determinados direitos.

São 4 as cláusulas pétreas expressas:

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a) Forma federativa de Estado: é um princípio intangível da nossa Constituição, conforme já se considerou alguns concursos. Esse entendimento foi retirado de um voto do Min. Sepúlveda Pertence – a forma federativa do Estado é princípio intangível. Há um outro princípio decorrente da forma federativa que o STF também considera como cláusula pétrea: Princípio da imunidade tributária recíproca (☺art. 150, VI, a). Este princípio assegura a imunidade tributária entre os entes da Federação e, segundo o STF, é uma forma de assegurar a autonomia dos entes federativos, não podendo ser violado nem mesmo por meio de emenda constitucional. A decisão em que o STF tomou esta posição foi a primeira vez na história em que o STF disse que uma EC era inconstitucional por violar cláusula pétrea (ocorreu em 1993 – e demorou tanto para ocorrer justamente porque as EC são aprovadas através de um processo mais dificultoso, que pressupõe alguma certeza quanto ao seu conteúdo, exigindo mais cautela por parte do STF quando da declaração de inconstitucionalidade).

b) Separação dos Poderes: quanto à esta não há maiores questões polêmicas a serem tratadas.

c) Voto Direto, Secreto, Universal e Periódico: quanto ao voto é preciso ressaltar algumas coisas: o voto obrigatório não é cláusula pétrea. Pode haver uma EC que acabe com a facultatividade do voto. O que é cláusula pétrea é apenas o voto direto, secreto, universal e periódico. A CR especificou as características do voto que o tornam cláusula pétrea, mas cometeu duas imperfeições terminológicas: o voto, na verdade, não é secreto, o que é secreto é o escrutínio, que é o modo como se realiza o exercício do voto; ademais, o voto não é universal, o que é universal é o direito de sufrágio, o direito de participar das eleições, votando e sendo votado (o voto é em um determinado candidato).

d) Direitos e garantias individuais: eles envolvem ideologias distintas e, por isso, comportam diferentes interpretações. A CR fala em direitos e garantias individuais, e não em direitos e garantias fundamentais. Os direito fundamentais se encontram, sistematicamente, dispostos do art. 5º ao 17 (mas existem outros espalhados pela CR). Já os direitos e garantias individuais são somente os previstos no art. 5º. Os demais direitos e garantias fundamentais, em princípio, não seriam cláusulas pétreas. Mas o STF já considerou que o art. 16 (Princípio da anterioridade eleitoral) é CP, não podendo ser violado por EC (apesar dos direitos políticos, como um todo, não o serem). Ocorre que o STF decidiu isso não porque este princípio é um direito político, e sim por ser uma garantia individual do cidadão eleitor e, sendo uma garantia individual, é CP. Outra garantia individual é o Princípio tributário da anterioridade, que é garantia individual do cidadão contribuinte (art. 150, III, b, CR). Entendimento do STF quanto as garantias individuais: os direitos e garantias individuais não se restringem ao art. 5º, encontram-se espalhados por todo o texto constitucional. Há quem defenda, inclusive, que os direitos sociais seriam também CP (I. Sarlet e Paulo Bonavides), por serem pré-requisitos para os direitos individuais. O prof. não concorda. Para ele, os direitos sociais que tenham relação com o mínimo existencial, e por conseqüência, com a dignidade da pessoa humana, esses são devem ser CP, mas os demais não (ex.: FGTS, não tem nada a ver com CP).

2. Implícitas: São aquelas que não estão elencadas diretamente no art. 60, §4º, CR. Elas têm que ser deduzidas do sistema constitucional como um todo. Um exemplo, que não é unânime na doutrina, mas que é aceito como exemplo por uma boa parte dela, é o art. 60, CR. Lá estão as limitações ao poder reformador. Trata-se de uma limitação implícita porque o

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próprio poder não pode modificar as suas limitações que lhe foram impostas por um poder superior a ele. Assim, todo o art. 60 seria CP, por uma questão lógica.

Parte da doutrina (minoritária aqui no Brasil) defende um entendimento diferente – é a doutrina conhecida como “Dupla revisão”, segundo a qual o art. 60 poderia ser modificado. Dentre os que defendem a possibilidade de uma dupla revisão esta o autor português Jorge Miranda.

A dupla revisão constitui na retirada de uma limitação formal, para posterior alteração do conteúdo. Ex.: far-se-ia primeiro uma EC revogando o art. que diz que os direitos e garantias individuais sejam CP para posterior revogação do art. que proíbe a pena de morte. No Brasil a dupla revisão não é admitida pela maioria da doutrina. O art. 60 é considerado CP implícita.

Obs.: O sistema presidencialista e a forma republicana de governo não são CP expressas na CR. Mas seriam eles CP implícitas? Há divergência na doutrina: parte da doutrina (Ivo Dantas) entende que como o sistema presidencialista e a forma republicana foram submetidos a um plebiscito (☺art. 2º, ADCT), após este plebiscito eles teriam se tornado CP, pois foi o entendimento dado pela soberania popular; uma outra parte da doutrina justamente que se esses assuntos foram objeto de plebiscito, é porque não se desejou que eles fossem petrificados.

Assim, o entendimento majoritário é o de que pode haver alteração, desde que ocorra uma nova consulta popular (não são, pois, CP).

5. Reforma x Revisão:

Reforma é uma via ordinária, comum e permanente de alteração da Constituição (☺art. 60, CR).

Revisão é a via extraordinária, excepcional e transitória de alteração da Constituição. A atuação do poder derivado revisor está disciplinada no ADCT, art. 3º.

A Revisão ocorreu no Brasil em 93 e 94. O dispositivo já teve sua eficácia exaurida, de forma que não pode mais haver outra

revisão no Brasil. A limitação imposta no art. 3º, ADCT é uma limitação temporal (5 anos).

☺art. 3º, ADCT:

A revisão constitucional será realizada após 5 anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Trata-se de modalidade de alteração da CR com menor rigor do que a EC.

→ Diferenças entre a EC (comum) e a EC de revisão:

EC de Revisão EC (simples)Quorum: Maioria absoluta 3/5

Sistema de votação: Sessão unicameral Sessão bicameral (Câmara + Senado)Limites materiais, circunstanciais, procedimentais e

implícitos:

Sim* Sim*

Limite temporal: Sim (5 anos)** Não.

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(*) No tocante às limitações materiais e circunstanciais, o entendimento predominante na doutrina é o de que a revisão possui os mesmos limites previstos para a reforma (☺art. 60, §§1º e 4º).(**) Na verdade não é bem um limite temporal ao surgimento de EC, já que mesmo neste período a Constituição pôde ser emendada. Mas trata-se de um prazo para que fosse feita a revisão prevista no art. 3º, ADCT.

Além disso, as EC de Revisão têm numeração diferenciada em relação às EC comuns. Há apenas 6 EC de revisão e várias EC comuns.

Importante:

Revisão constitucional é diferente de Reforma constitucional: a revisão constitucional ocorreu em oportunidade única; a reforma constitucional pode ocorrer sempre que uma EC comum trate sobre um único tema, especificamente, e de forma geralmente mais extensa, como ocorreu com a EC 45 (Reforma do Judiciário) e com a EC 19 (Reforma Administrativa).

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☺Quadro – Poder Constituinte:

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Poder Constituinte Supranacional

Poder Constituinte OriginárioCaracterísticas

essenciais

- inicial- autônomo- incondicionado- soberano- limitado juridicamente

Poder Derivado Decorrente Limitações

Princípios Const. Sensíveis (art. 34, VII)

Princípios Const. Estabelecidos

Princ. Const. Extensíveis (art. 34, VII)

Limitações Expressas

Limitações Implícitas

Limitações Decorrentes

Poder Derivado Reformador Limitações

Temporais (não há)

Circunstanciais (art. 60, §1º)

Formais

Subjetivas (art. 60, I a III)

Objetivas (art. 60, §§2º, 3º e 5º)

Materiais (art. 60, §4º)

Poder Derivado Revisor Limitações

Temporais (ADCT, art. 3º)

Circunstanciais (art. 60, §1º)

Formais (ADCT, art. 3º)

Materiais (art. 60, §4º)

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HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL:HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL:

1. Introdução :

Hermenêutica e interpretação são sinônimos? Não. São coisas distintas.Interpretar é revelar o sentido e fixar o alcance da norma jurídica.Hermenêutica é a ciência ou a arte que fornece os critérios e elementos para a

interpretação.No momento em que se pretende revelar o sentido de uma norma, é necessário utilizar

determinados elementos, que serão fornecidos pela hermenêutica constitucional. Caso contrário, a interpretação seria muito subjetiva.

2. Justificativas para o surgimento dos métodos de interpretação da Constituição:

A Constituição, apesar de ser uma espécie de lei, possui um série de peculiaridades que tornaram imprescindível o desenvolvimento de uma teoria própria para sua interpretação.

Estudaremos, pois, aqui, os critérios que devemos utilizar na hora de interpretar a Constituição (hermenêutica constitucional)

Mas afinal, por que a Constituição da República tem métodos próprios de interpretação?As primeiras constituições escritas surgiram no final do séc. XVIII, com as revoluções

liberais. Até o final do século XVIII, as constituições eram consuetudinárias. Desde o surgimento das primeiras constituições escritas até meados do século XX, as constituições eram interpretadas pelos mesmos métodos de interpretação das leis. Posteriormente, surgiram métodos específicos. E as razões para o surgimento desses métodos próprios são:

a) Ideologia ou pré-compreensão do intérprete: na interpretação, a ideologia de quem está interpretando, a visão de mundo, acaba influenciando nessa interpretação. Só que no direito constitucional, isso fica muito mais presente, porque as normas das constituições são mais abertas. Ex: questão do aborto: alguns o consideram inconstitucional, outros consideram que o aborto não poderia ser considerado crime. Quem propôs a ação foi Claudio Fonteles, que é extremamente religioso e, para ele, o direito à vida começa a partir da concepção. Se ele fosse ateu, provavelmente ele não teria proposto a lei. O intérprete deveria tentar ser o mais imparcial possível, mas isso nem sempre é possível.

b) Os direitos fundamentais: eles se exteriorizam, sobretudo, através de princípios. As leis, geralmente, são propostas por regras. As constituições não. Isso aumenta a dificuldade de interpretação. Ex: matar alguém – pena de 20 anos. Isso é uma regra, fácil de ser interpretada. Já quando se fala em dignidade da pessoa humana, qual será o conteúdo da norma? São normas que não têm definição exata, que precisam se densificadas. São normas abertas, que comportam a inclusão de determinados conteúdos.

c) Variedade tanto do objeto da Constituição como da eficácia de suas normas: o direito, em geral, tem objetos específicos. A constituição não. Ela trata de conteúdo de quase todos os ramos do direito. Então, o intérprete tem de pegar esse conjunto de normas e dar um sentido harmônico a todas elas. A mesma coisa acontece com a eficácia das normas constitucionais.

Em razão desses fatores, foram criados métodos de interpretação da constituição.

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Existe algum método mais justo? Canotilho diz que todos os métodos são complementares entre si, que não existe o mais justo. Ainda que se reconheça que a utilização de vários métodos pode causar problemas. O subjetivismo acaba sendo maior. Para o professor, no Brasil não se adota métodos de interpretação.

Passemos ao estudo de cada um deles:

3. Métodos de Interpretação da Constituição:

São 6, com seus principais defensores:

I) Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico (Ernest Forsthoff):

Esse autor parte da idéia de “tese da identidade”, segundo a qual a constituição é uma lei, como todas as demais, com algumas peculiaridades. Se a constituição é uma lei (tese da identidade), ela deve ser interpretada pelos mesmos métodos de interpretação das leis, aqueles desenvolvidos por Savigny, sendo suas inegáveis particularidades apenas um elemento adicional, incapaz de afastar a utilização das regras clássicas de interpretação.

Quais são os elementos tradicionais desenvolvidos por Savigny?a) Gramatical ou literal: É importante. É o início de uma interpretação. Além disso, é

também o limite para a interpretação. O texto da norma funciona, portanto, como início e limite para a interpretação. Por isso, critica-se o entendimento do STF quanto ao art. 52, X, Constituição da República.

b) Histórico: No seu desdobramento, entra o elemento histórico evolutivo. Imagine a Constituição norte-americana. A interpretação dessa constituição não é hoje da mesma forma como se fazia há 200 anos.

c) Lógico: Os princípios da lógica formal também devem orientar a interpretação. Ex: princípio da não contradição.

d) Sistemático: Talvez seja um dos mais importantes. Esse elemento estará presentes em vários métodos e em vários princípios interpretativos. O que diz esse elemento? Ele parte da seguinte premissa – se a norma faz parte de um sistema, ela deve ser interpretada de acordo com as demais normas ou em conjunto com as demais normas que compõem o sistema, e não isoladamente. Não existe uma norma jurídica sozinha. Toda norma está dentro de um sistema. É necessário interpretar o dispositivo dentro do sistema ao qual ele pertence.→ Crítica: Quando Savigny desenvolveu esses elementos, ele o fez pensando

exclusivamente no direito privado. O grande problema é que, para o direito privado, eles são suficientes; para o direito público, esses elementos são insuficiente para dar conta da complexidade da interpretação constitucional.

II) Método Científico Espiritual (Rudolf Smend):

Esse método parte da premissa fundamental de que a Constituição deve ser interpretada como um todo, a partir da captação da “realidade social” reinante naquele momento (sociológico). Na busca pelo “Espírito da Constituição”, são levados em considerçaão “fatores extraconstitucionais”, como o sistema de valores subjacente à Constituição (valorativo), bem

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como o sentido que ela possui como elemento do processo de integração comunitária (integrativo).

O espírito da Constituição está nos valores que ela consagra. É como se a norma fosse o corpo da constituição, e os valores fossem o seu espírito. Buscam os valores subjacentes à constituição.

Tem uma parte da Constituição que não tem corpo, só tem alma. Ela não tem normas jurídicas, mas apenas valores: o preâmbulo. Nele estão os valores supremos da sociedade. Por isso, esse método também é conhecido como método valorativo.

Esse método é sistemático, partindo da idéia de sistema. Ele é extremamente crítico em relação aos métodos positivistas. Ele leva em consideração também fatores extraconstitucionais (fatores que estão fora da constituição). Um desses fatores são os valores subjacentes à constituição. Outro fator é a realidade social. Ele leva em consideração a realidade social de cada momento histórico. Por isso, ele também é conhecido como método sociológico.

→ Crítica: feita pelo Canotilho. Por ter uma feição mais política do que jurídica esse método pode conduzir à indeterminação e mutabilidade dos resultados. Por levar em consideração a realidade social de cada momento histórico, acaba fazendo com que a interpretação seja variável. Isso gera certa estabilidade, certa insegurança jurídica.

O objetivo dos métodos é exatamente ter certa estabilidade.

(16/10/08)

Os métodos que veremos de agora em diante partem de um raciocício aporético (e não sistemático), porque trabalham não com a idéia de sistema, mas sim com a idéia de problema a ser resolvido. Problema é a questão difícil, que pode ser solucionada de mais de uma maneira diferente. Assim, esses métodos são utilizados não nos casos em que a resposta é dada facilmente pelo ordenamento jurídico, mas sim diante de problemas, de casos que comportam mais de uma solução possível.

III) Método Tópico-problemático (Theodor Viehweg):

Este método é um método totalmente anti-positivista, que contraria o positivismo jurídico.

Tópico (ou tópica) vem da palavra “topos”, cujo plural é “topoi”. Os topoi são esquemas de pensamento, formas de raciocínio, de argumentação, pontos de vista ou lugares comuns. Esses pontos de vista, lugares comuns, formas de raciocínio são extraídos de vários lugares, como, por ex., da jurisprudência dominante, do senso comum, da doutrina, dos princípios gerais do direito. Assim, os operadores do direito servem-se de topoi, os quais são submetidos a várias opiniões, a favor e contra, a fim de se descobrir qual a interpretação mais conveniente.

Ex.: normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente.A tópica deve ser entendida como uma “técnica do pensamento problemático”.Há um processo aberto de argumentação entre vários intérpretes na busca da adeuqação

da norma ao problema concreto.Todo método tópico-problemático trabalha entorno de um problema. É uma teoria de

argumentação jurídica entorno do problema. Este problema será solucionado pela argumentação. Quando se fala em argumentação são levados em consideração vários argumentos: os favoráveis a uma determinada decisão e os contrários a ela. Vence não o argumento que for considerado correto (o método não parte da idéia de que só um argumento é o correto, ou a de que um é mais

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correto do que o outro), vence o argumento que for mais convincente. Vence o argumento que conseguir convencer o maior número de pessoas.

Ex.: na questão do aborto em caso de anencefalia (que é um problema, pois comporta mais de uma solução possível), vencerá a tese que conseguir convencer o maior número de pessoas.

→ Críticas: 1) a interpretação deve partir da norma para o problema e não do problema para a norma, como ocorre neste método (é o caminho inverso do normal); 2) este primeiro problema pode conduzir a um casuísmo ilimitado (cada caso vai ser resolvido de uma maneira diferente, e corre-se o risco de eles serem resolvidos de acordo com os valores que aquela determinada pessoa que a está proferindo tem, podendo haver riscos de problemas iguais terem soluções diferentes, o que geraria uma grande insegurança jurídica); 3) pouca importância dada à jurisprudência (investigação superficial da jurisprudência, que é apenas mais um topos, ou seja, mais um argumento como todos os outros, assim como a própria norma – ou seja a norma jurídica não é o critério principal, é apenas mais um topos – por isso se fala que este método é anti-positivista ao extremo).

Utilidade deste método: complementação de lacunas e comprovação dos resultados obtidos através de outros métodos.

IV) Método Hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse):

Konrad Hesse é o defensor da concepção jurídica de Constituição, ao lado de Hans Kelsen.

Hermenêutica e interpretação não se confundem, são coisas diversas, como já vimos. Ocorre que, quando se fala em hermenêutica, a primeira coisa que vem à cabeça é interpretação. Assim, para guardarmos o conteúdo deste método é bom associar hermenêutico à interpretação, e concretizador à aplicação. Método concretista, é bom lembrar, é aquele utilizado para a aplicação da norma ao caso concreto.

Os métodos III e IV, por serem métodos concretistas, diferentemente dos dois primeiros, não podem ser utilizados de forma abstrata. Eles só podem ser utilizados se existir um caso concreto ao qual se poderá aplicar uma norma abstrata. Ambos (III e IV) são concretistas porque partem desta idéia.

A principal diferença, porém, em relação ao método anterior (III) é a existência de uma primazia da norma sobre o problema.

Para este método, interpretação e aplicação constituem um processo unitário. Não se pode separar as duas coisas. Não se pode interpretar se não for para aplicar a norma a um caso concreto; e não é possível aplicar a norma a um caso concreto sem primeiro interpretá-la. São métodos indissociáveis. Ele parte, pois, do pressuposto de que a interpretação constitucional é concretização. Por não haver interpretação constitucional independente de problemas concretos, a interpretação e a aplicação consistem em um processo unitário, razão pela qual são necessários 3 elementos básicos: a norma que se vai concretizar; a compreensão prévia do intérprete, e o problema concreto a resolver.

Assim, são 3 os elementos básicos deste método: 1) o problema a ser resolvido (como se trata de um método aporético, é preciso que haja um problema, ou seja, que a questão não seja simples, de única solução possível, se assim o for pode se fazer uso de outros métodos); 2) a norma a ser concretizada (interpretada e aplicada) – se não existir uma norma, se for caso de lacuna, este método não poderá ser aplicado, devendo-se fazer uso de outro; 3) a compreensão prévia do intérprete (idéia de um círculo fechado de intérpretes – idéia oposta a do Peter Harbele, na sociedade aberta de intérpretes, segundo a qual não é necessária essa compreensão prévia porque qualquer um que viva a Constituição seria o seu legítimo intérprete), e esta

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ocmpreensao prévia tem que ser tanto do problema como da norma a ser concretizada e é a Teoria Geral da Constituição que vai fornecer essa compreensão prévia.

Não existe nenhuma crítica mais contundente ou unânime acerca deste método.

(22/10/08)

V) Método Normativo-estruturante (Friedrich Müller):

É também um método concretista (no qual se fala não na interpretação da norma, e sim na sua concretização, sua aplicação a casos completos, assim como os dois anteriores – por ser a interpretação apenas um dos elementos, ainda que dos mais importantes, não se deve falar em interpretação constitucional, mas em concretização).

Este método tem este nome porque o Friedrich Müller estabelece uma estrutura de concretização da norma constitucional. A concretização da norma constitucional é estruturada através de vários elementos.

Dentre os elementos utilizados na concretização da norma estão:- Elementos metodológicos: métodos de interpretação e os princípios interpretativos

(postulados normativos interpretativos).- Elementos do âmbito da norma- Elementos dogmáticos: jurisprudência e doutrina- Elementos teóricos: elementos da Teoria da Constituição - Elementos político-jurídicos: utilizados em decisões do P. Judiciário, principalmente nas

decisões do STF (que ao dar uma decisão deve pensar nas conseqüências políticas dessa sua decisão).

O Friedrich M. faz uma distinção importante entre: programa normativo e domínio normativo. Segundo ele, o programa normativo compreende tanto o texto da norma quanto a norma propriamente dita. O texto é apenas a forma de exteriorização da norma jurídica. O texto tem duas funções muito relevantes, ele dirige e, ao mesmo tempo, limita a interpretação. A norma é o mandamento, é o comando que se extrai da norma interpretativa. O texto não tem o comando, esse comando (a norma) só surge depois da interpretação. Assim, a norma só surgiria após a interpretação do texto. O que ele chama de domínio normativo, por sua vez, é a realidade social tratada pelo texto da norma, regulada pela norma.

Segundo o autor, na concretização da norma o interprete deve levar em consideração tanto os elementos do programa normativo como os elementos do domínio normativo.

→ Crítica: é a mesma feita a todos os métodos concretistas – a utilização desses métodos pode causar um enfraquecimento da força normativa da Constituição, bem como a quebra da unidade constitucional.

VI) Método Concretista da Constituição Aberta (Peter Häberle):

Apesar do prof. Paulo Bonavides o tratar como um método, ele na verdade não o é. Não é uma questão quanto que diga respeito aos critérios de interpretação, mas sim uma questão relativa aqueles que podem interpretar, que tem legitimidade para a interpretação.

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Segundo Peter Häberle (que teve seu livro – “A Sociedade aberta dos intérpretes” – traduzido pelo Min. Gilmar Mendes), a interpretação constitucional tem que ser democratizada, aberta a toda a sociedade.

A tese de Peter Härberle é oposta a de Konrad Hesse. Para ele, todo aquele que vive uma Constituição deve ser considerado um legítimo intérprete.

Quando ele fala em democratização, ele diz que este procedimento democrático tem que ocorrer não só no momento em que a Constituição é criada, mas também na sua interpretação. A democracia deve servir não apenas para a criação, mas também para a interpretação da Constituição.

Aqui se recorda duas figuras já estudadas que são formas de abertura da interpretação da Constituição: o amicus curiae e a realização de audiências públicas (nessas não é discutida a interpretação constitucional propriamente dita, mas não deixa de ser uma abertura da Constituição para a sociedade em geral). Essas duas figuras podem ser, pois, relacionadas à sociedade aberta dos intérpretes.

→ Críticas: o alargamento excessivo do círculo de intérpretes da Constituição pode causar um enfraquecimento de sua força normativa e uma quebra de sua unidade.

(16/10/08)

4. Elementos do Sistema Normativo Constitucional:

A teoria do direito evoluiu, dando origem ao Jusnaturalismo como forma de limitar o direito do Estado Absolutista. Após, surge o Positivismo Jurídico, preocupado com a segurança jurídica, deixando a justiça em segundo plano (o que está na lei deve ser cumprido, superado o valor da norma).

Atualmente tem surgido uma nova dogmática denominada Pós-positivismo. É uma tentativa de encontrar um equilíbrio entre a justiça e a segurança jurídica. Os valores são importantíssimos e têm seu núcleo na dignidade da pessoa humana (“Virada Kantiana”). Assim, os direitos têm que ser iguais para todos.

Outra característica trazida por esta nova dogmática foi a diferenciação entre princípios e regras.

Na verdade, a distinção feita tradicionalmente por jusnaturalistas e positivistas era entre princípios e normas. No pós-positivismo, essa diferenciação tem dado lugar ao entendimento de que os princípios possuem uma força normativa, vinculante e obrigatória.

Em virtude do caráter normativo dos princípios, a distinção tradicional aos poucos vai sendo abandonada para dar lugar ao entendimento de que a norma é um gênero do qual soa espécies os princípios e as regras. Assim, surge a idéia de norma (gênero), que se subdivide em princípios e regras.

Dworkin afirma que os princípios já vinham sendo utilizados como regras. Para Miguel Reale as três dimensões do direito envolvem valor, norma e fato. A norma

representa os valores escolhidos pelo legislador (é o conteúdo das normas jurídicas). A norma, quando interpretada, deve sempre buscar os fins para os quais foi criada.

A primeira etapa da concretização dos valores são os princípios gerais.

Temos então, como elementos do sistema normativo constitucional:

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- Regras;- Princípios; e- Postulados.

→ Princípios X Regras:

- generalidade- proximidade da idéia de justiça (Dworkin)- dimensão que eles ocupam (Alexy)

- Generalidade: princípios são considerados normas generalíssimas. Referem-se à abstração (a norma é abstrata, genérica, imperativa, impessoal, bilateral). O grau de abstração é a diferença. Princípios são muito mais abstratos do que as regras. Os princípios possuem um pressuposto fático heterogêneo, ao passo que as regras prevêem hipóteses homogêneas.

- Proximidade da idéia de justiça (Dworkin): os princípios estão mais próximos da idéia de justiça. Quando o ordenamento vai ser estruturado os princípios são colocados primeiro.

- Dimensão que eles ocupam (Alexy): enquanto princípios e regras possuem a dimensão da validade, apenas os princípios possuem a dimensão da importância, peso ou valor. Tanto os princípios quanto as regras serão analisados na validade e, em havendo um conflito no âmbito da validade, uma das duas normas será excluída do ordenamento jurídico, será invalidada, caso a resolução seja feita com base na hierarquia.

Trazemos aqui definições de Ronald Dworkin e Robert Alexy.

→ Regras: são “mandamentos de definição”, ou seja, normas que ordenam que algo seja cumprido na medida exata de suas prescrições. As regras possuem aplicação automática, impõem resultados. Segundo Ronald Dworkin as regras obedecem à “lógica do tudo ou nada”. Elas se aplicam de acordo com a subsunção. É a aplicação do IED (Premissa maior + Premissa menor = conclusão). A regra aplica-se na medida exata de suas prescrições, há uma subsunção lógica. Ex.: aposentadoria compulsória.

Dworkin entende regra como mandamento definitivo, Alexy afirma haver exceções.

→ Princípios: os direitos fundamentais se expressam por princípios. Segundo Robert Alexy, princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Os princípios obedecem a “lógica do mais ou menos”. Eles não definem a medida exata, mas a medida do pssível. Assim, quando se vai aplicar um princípio, o que ocorre por meio da ponderação, se obedece a lógica do mais ou menos e não a do tudo ou nada (segundo a qual ou se aplica ou não se aplica).

A medida possível de cumprimento de um princípio é determinada por dois fatores: 1) as possibilidades fáticas, isto é, o caso concreto – não há como se aplicar um princípio sem ter conhecimento das circunstancias fáticas, do caso concreto, que envolvem a aplicação deste princípio; e 2) as possibilidades jurídicas – é preciso saber qual é a medida de aplicação de determinado direito (ou seja, é preciso saber quais são as normas opostas, que apontam para o sentido contrário, e que podem ter um peso maior do que o direito analisado).

Ambos são normas.

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A norma é um gênero e, dentro do gênero norma jurídica, nós trabalhamos com duas espécies: os princípios e as regras.

Essas definições de princípios e regras são muito importantes para o estudo dos Direitos Fundamentais.

(10/10/08)

5. Postulados Normativos de Interpretação :

O reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática pós-positivista de interpretação constitucional são alguns dos fatores apontados para a ascensão institucional e teórica do direito constitucional. O deslocamento da Constituição para o centro do sistema jurídico fez com que ela passasse a ter um papel imprescindível na interpretação de todos os demais ramos do direito, dando origem a um fenômeno que vem sendo denominado de filtragem constitucional. Esta consiste em uma “leitura” da ordem jurídica sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Nesse aspecto, a constitucionalização do direito não se identifica apenas com a inclusão de normas próprias de outros domínios no texto constitucional, mas também com a releitura de seus institutos à luz da Constituição.

Com base nessas premissas, será feita a análise de alguns postulados que, embasados na supremacia da Constituição, são utilizados na interpretação e aplicação de normas infraconstitucionais, tendo em vista que toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional.

Os postulados normativos de interpretação têm uma função diferenciada.São normas de 2º grau ou metanormas que estabelecem a estrutura de aplicação de outras

normas. Ex.: proporcionalidade, interpretação conforme a Constituição.Os postulados são denominados, pela maioria da doutrina, como princípios, mas não têm

a mesma função dos princípios. Humberto Ávila diz que as regras estabelecem determinadas condutas, os princípios

estabelecem fins a serem alcançados. Mas e os postulados? Segundo esse autor, os postulados são normas que estabelecem um

dever de segundo grau, consistente em estabelecer a estrutura de aplicação de outras normas. Eles não apontam um fim, nem estabelecem competência ou conduta. Eles estabelecem como as outras normas devem ser interpretadas e aplicadas.

→ Antinomia Jurídica Própria (Norberto Bobbio):

Conflito no âmbito da validade (conflito no campo abstrato):- R x R- P x P (muito raro)- P x RHavendo P x R, é preciso analisar se o princípio é igual e a regra é específica. Segundo a

LICC, existem critérios para verificar a antinomia no campo da validade: hierárquico, cronológico e da especialidade.

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→ Antinomia Jurídica Imprópria:

Conflito no campo da importância, também conhecido como antinomia de princípios. Havendo esse conflito ele é chamado de colisão. É um conflito sempre no caso concreto. A técnica utilizada para resolver a colisão é a chamada ponderação. A ponderação pode ser dividida em 3 etapas: identificação das normas e seu agrupamento, análise do caso concreto e suas circunstancias e conseqüências, e atribuição do peso a cada grupo de princípios e relação de precedência. Essas etapas diminuem um pouco o subjetivismo. Quanto maior for o grau de afetação de um princípio, maiores hão de ser os motivos justificadores desta intervenção.

São os seguintes os postulados de interpretação das leis:

I) Princípio da Presunção de Constitucionalidade:

É um princípio que parte de outro princípio, o Princípio da Supremacia da Constituição. Toda Constituição tem supremacia material, mas essa supremacia material não tem

relevância para o direito. O que importa realmente é a supremacia formal da Constituição. E, para ter essa supremacia, é necessário que a Constituição seja rígida.

Se a constituição é a norma suprema, significa que as demais leis devem obediência a ela. Se os poderes retiram suas competências da Constituição, presumem-se que agiram de acordo com ela.

Essa presunção é relativa (iuris tantum), e, por ser presunção relativa, o Poder Judiciário, quando entender que uma norma é inconstitucional, pode deixar de aplicar a norma de ofício, no controle difuso. Da mesma forma, o Chefe do Poder Executivo. Ele pode negar a aplicação da lei, se entendê-la inconstitucional. Até que momento eles podem negar cumprimento a uma lei? Até o momento em que o STF dê uma decisão com efeito vinculante.

A partir do momento em que há uma decisão com STF com efeito vinculante, tanto o Poder Judiciário (com exceção do STF) quanto o Poder Executivo, ficam vinculados àquela decisão. Só não dirá que a presunção passará a ser absoluta, porque o STF pode mudar esse entendimento se for novamente provocado.

Essa presunção é reforçada pelo controle preventivo de constitucionalidade. Todo projeto de lei passa por um controle. Tanto no âmbito do Poder Legislativo, tanto do âmbito do Poder Executivo e, excepcionalmente, pelo Poder Judiciário. Esse controle preventivo reforça ainda mais essa presunção de constitucionalidade. No Poder Legislativo, quem exerce esse controle são as Comissões de Constituição e Justiça. Passa pela comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. No Poder Executivo, pode ser exercido através do veto jurídico.

Esses dois controles supramencionados são obrigatórios. Excepcionalmente, um parlamentar pode impetrar um Mandado de Segurança quando não for observado o devido processo legislativo. Tudo isso reforça a presunção de que as leis são constitucionais. Aqui não há nenhum procedimento de interpretação.

A finalidade do princípio é manter a imperatividade da norma. Imagine se não houvesse presunção de constitucionalidade. Qualquer pessoa poderia alegar a inconstitucionalidade de uma lei. Qual é a conseqüência desse postulado? Se tiver dúvida se uma lei é constitucional ou não, deve optar pela constitucionalidade, pois existe uma presunção de constitucionalidade. Ou seja, na dúvida, a lei deve ser declarada constitucional. No Brasil, parece que o princípio é o da presunção de inconstitucionalidade. Isso ocorre porque confiamos muito mais no Poder Judiciário (cujos membros são eleitos por meio de concurso público) do que no Poder Legislativo (cujos membros são eleitos pelo povo).

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II) Princípio da Interpretação Conforme a Constituição:

Se a Constituição é uma norma suprema, presume-se de que os poderes agiram de acordo com ela; assim, na dúvida, devemos optar pela interpretação que seja conforme a Constituição. Esse Princípio decorre do anterior (da presunção de constitucionalidade). Para que esta interpretação seja utilizada é necessário que a norma seja polissêmica ou plurisignificativa (não é qualquer norma que pode ser interpretada de acordo com a Constituição).Limites da interpretação conforme:

a) Clareza do texto legal: Se o texto da lei é claro, significa que ele é unívoco. Se o texto tem apenas um significado, não tem como fazer interpretação conforme. É necessário interpretar a lei com o único significado que ela possui. A clareza do texto dispensa a interpretação? Não. A interpretação é indispensável mesmo que a lei seja clara. Antes de interpretá-la não tem como saber se é clara ou não. Ex: Brasília é a capital federal. O professor não acha que é apenas um jogo de palavra. Só terá certeza de que o dispositivo é claro depois de interpretar outros dispositivos.

b) Fim pretendido:- Pelo legislador: O Juiz não pode substituir o fim da lei pela sua própria vontade. Se a lei foi feita para o fim inconstitucional, o Juiz deve declarar a inconstitucionalidade da lei.- Pela lei: Existe uma corrente que fala que o interprete deve buscar o fim pretendido pelo legislador – mens legislatoris. Como aqui se busca a vontade do sujeito que elaborou a lei, essa corrente é chamada de “subjetivista”. A segunda corrente, que busca a vontade da lei, é conhecida como mens legis. Busca a vontade do objeto interpretado, logo é conhecida como corrente “objetivista”. Hoje em dia, defender uma corrente subjetivista é muito difícil. Hoje, como saberemos, num estado democrático, qual é a vontade do legislador? A maioria das leis são votadas sem os parlamentares saberem o conteúdo. Isso é impossível. Portanto, prevalece a vontade da lei.

→ Constitucionalização do Direito: possui 3 aspectos, a saber:

Consagração de normas de outros ramos do direito na constituição: A Constituição da República de 1988 traz inúmeras normas de direito civil, de direito previdenciário, etc.

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: Será visto posteriormente. A eficácia horizontal significa a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares. Antes, só aplicavam os direitos fundamentais nas relações entre Estado e os particulares.

Filtragem constitucional: O princípio da interpretação conforme é o responsável pela chamada filtragem constitucional. É como se filtrasse a lei, passando ela pela constituição. A idéia é basicamente a seguinte: Se a lei retira o fundamento de validade na constituição, para se fazer uma interpretação correta dessa lei, é necessário observar os valores consagrados na constituição.

III) Princípio da Unidade da Constituição:

Impõe a harmonização das tensões e conflitos subjacentes ao pacto fundador. Geralmente, estudamos que a Constituição é fruto de um consenso. Na verdade, isso não ocorre. Na verdade, cada sujeito tenta impor a sua ideologia. Logo, a Constituição é fruto de vários pequenos consensos.

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Ex: A constituição garante o direito de propriedade e logo em seguida ela traz a função social da propriedade, sendo, pois, necessário harmonizar esses dois princípios.

Outro ex.: A CR consagra o princípio da livre iniciativa, mas, ao mesmo tempo, ela consagra o monopólio de determinadas atividades, devendo o intérprete harmonizar esses princípios.

Este princípio tem uma função muito importante no ordenamento jurídico. Ele afasta a tese de que existiria uma hierarquia entre normas constitucionais, defendida por um autor alemão – Kruger/Otto Bachof. Segundo Kruger, existem, na constituição, normas superiores e normas inferiores. Toda vez que houvesse um conflito entre as duas, a norma inferior, mesmo que ela tenha sido feita pelo Poder Constituinte Originário, ela poderia ser declarada inconstitucional em relação à norma superior.

Obs.: Oscar Vilhena tem um posicionamento de que as cláusulas pétreas seriam superiores às demais normas constitucionais. Temos o voto direto como cláusula pétrea. Ao se admitir que essa norma é superior, poderia declarar o art. 81, §1º, como inconstitucional (eleição pelo Congresso Nacional).

O princípio que não admite que normas originárias não sejam declaradas inconstitucionais é o Princípio da Unidade da Constituição.

O STF analisou 02 casos: a) Art. 45, §1º, CR: não tem competência para analisar norma feita pelo Poder Constituinte

Originário.b) O partido PSC pediu para declarar a inconstitucionalidade da norma constitucional que

permite que os analfabetos sejam eleitos. O relator indeferiu a petição inicial, alegando a impossibilidade jurídica do pedido. Se ele entrasse no mérito da questão, ele se basearia no princípio da unidade.

IV) Princípio do Efeito Integrador:

Deve ser associado ao Princípio da Unidade. Eles são muito parecidos. Segundo este princípio, nas resoluções dos problemas jurídico-constitucionais deve ser dada primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social, criando um efeito conservador da unidade. Sendo a constituição o principal elemento de integração comunitária, nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais, ou seja, na hora de se interpretar a Constituição, deve-se buscar critérios que favoreçam a unidade, a integração política e social, produzindo um efeito criador e conservador desta unidade.

V) Princípio da Concordância Prática na Harmonização:

Nos casos de colisões entre princípios, valores, bens ou interesses, deve-se evitar o sacrifício total de um para a preservação do outro, reduzindo-se proporcionalmente o âmbito de incidência de cada um deles.

Quando se tem uma colisão entre bens, interesses, princípios ou valores, se ambos estão consagrados na Constituição da República, o intérprete não deve sacrificar totalmente um bem para que o outro prevaleça. O intérprete deve fazer uma redução proporcional. A concordância prática não é utilizada apenas pelo Juiz e pelo aplicador do direito. Pode ser usado, inclusive, pelo legislador.

Ex: Drogaria deve ter técnico responsável para atender cliente. Essa lei, que é anterior à Constituição da República, violava a liberdade de exercício de comércio. O STF declarou

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constitucional, fazendo uma concordância prática entre a liberdade e o direito de quem usa os medicamentos. Sempre que possível, deve-se buscar essa concordância prática.

O princípio da Unidade e o princípio da Concordância prática são muito semelhantes. Qual é a diferença principal?

O Princípio da Unidade é utilizado mais nas hipóteses em que se tem um conflito em abstrato entre 02 normas.

Ex: direito de propriedade e função social da propriedade. Abstratamente, as duas normas têm conflito entre si. Ex: Rede de televisão que exibe vídeo de pessoas na praia de nudismo. Nesse caso, tem-se uma colisão (é um conflito no caso concreto, e não em abstrato). Assim, aplica-se o princípio da Concordância Prática.

Quando se tem um conflito em abstrato de normas, o ordenamento jurídico te fornece alguns critérios para solucionar esses conflitos, a saber:

a) Critério Hierárquico: Norma superior revoga a norma inferior. b) Critério Cronológico: Quando as duas são de mesma hierarquia, é necessário ver qual das

duas normas foi feita posteriormente.c) Critério da Especialidade: Normas gerais especiais não se revogam. Uma existe ao lado

da outra. Ex: voto direto é a norma geral, e voto pelo CN é a exceção.

Quando se tem uma colisão de direitos no caso concreto, é necessário utilizar a ponderação. O que é isso? É semelhante à uma balança. A ponderação é sopesar os grupos de princípios. O Juiz irá ver, no caso concreto, qual dos dois grupos tem um peso maior. O que tiver o peso maior, irá prevalecer.

Há varias críticas, dizendo que a ponderação é muito subjetiva. Ex: Caroline de Mônaco ajuizou uma ação na Alemanha, proibindo a divulgação de imagens do seu dia-a-dia. Ela recorreu a Corte Européia dos Direitos Humanos.

O critério vencedor foi de que o direito à liberdade de informação só deve prevalecer se tiver informação de interesse público, que contribua para o debate de interesse geral. Caso contrário, mesmo que a pessoa seja pública e em local público, a Corte Européia disse que ela tem direito à privacidade. Dois juízes da Corte disseram que se a pessoa tiver expectativa de privacidade, a privacidade deve ser preservada; do contrário, não. Ex: Se tiver na praia, poderia fotografar; na academia, não. Eles alegaram que existe um direito ao entretenimento. O professor acha que isso é incompatível com a dignidade da pessoa humana.

VI) Princípio da Relatividade ou da Convivência das Liberdades Públicas:

Não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros princípios também consagrados na Constituição.

Este princípio costuma gerar uma grande polêmica e, as vezes, até uma compreensão equivocada.

O importante é saber que todos os princípios, por mais importantes que sejam, devem ser considerados como relativos e isso ocorre em nome da convivência das liberdades públicas, ou seja, é necessário que essas liberdades encontrem restrições – “só há liberdade onde existe restrição à liberdade”.

Os direitos que se expressam por princípios podem ter seu âmbito de atuação restrito, para que outros direitos sejam assegurados. A relatividade tem o fim de possibilitar a ascendência recíproca entre os princípios.

Atenção: não confundir princípios com regras – ex.: a proibição da pena de morte, da tortura, do trabalho escravo são regras, e não princípios.

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VII) Princípio da Força Normativa da Constituição:

Na concretização da Constituição deve ser dada primazia aos critérios que densifiquem suas normas tornando-as mais eficazes e permanentes, proporcionando-lhes uma força otimizadora.

As soluções dadas à Constituição devem atingir a finalidade para a qual ela foi criada, já que a Constituição deve cumprir a função para a qual foi criada.

Exs. de aplicação deste Princípio na jurisprudência do STF: 1) efeito transcendente dos motivos determinantes – lembrar que as interpretações divergentes enfraquecem a força normativa da Constituição; 2) relativização da coisa julgada (obs.: a Súm. 343, STF não foi abandonada, mas só se aplica nos casos de divergência quanto a interpretação de lei infraconstitucional, não se aplicando para a interpretação constitucional, o STF tem afastado a súmula com base na força normativa da Constituição).

VIII) Princípio da Máxima Efetividade:

Alguns doutrinadores trazem este princípio juntamente com o anterior, eis que ambos se relacionam. A única diferença entre eles é que o Princípio da Força Normativa se aplica a todas as normas da Constituição, enquanto este não.

É também conhecido como Princípio da eficiência ou Princípio da interpretação efetiva, eis que impõe que na interpretação das normas constitucionais se atribua o sentido que lhes empreste a maior efetividade possível, a qual significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social.

É preciso aqui diferenciar alguns conceitos:

- Existência: existente é a norma produzida por uma autoridade aparentemente competente para a sua criação;

- Vigência: é a inserção da norma no mundo jurídico;

- Validade: uma norma é válida quando produzido de acordo com a forma e conteúdos estabelecidos por uma norma superior; validade é, pois, a compatibilidade de forma e de conteúdo da norma inferior com a norma superior;

- Eficácia: é a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhes são próprios – a eficácia positiva é a aptidão da norma para ser aplicada aos casos concretos; a eficácia negativa é a aptidão da norma para invalidar outras normas incompatíveis com ela; é também conhecida como eficácia jurídica;

- Efetividade: ocorre quando a norma cumpre a finalidade, a função social para a qual foi criada; é também conhecida como eficácia social.

Na interpretação dos direitos fundamentais deve se dar preferência àquela na qual ele tenha maior efetividade possível para que as normas da Constituição cumpram sua função social.

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Este princípio se aplica exclusivamente aos direitos fundamentais (e não a toda e qualquer norma da Constituição).

Parte da doutrina sustenta que este princípio estaria consagrado no art. 5º, §1º, CR/88 (aplicação imediata).

IX) Princípio da Conformidade Funcional, da Exatidão ou Justeza:

É mais uma regra de competência. Cada órgão/poder deve agir conforme a função que lhe foi constitucionalmente atribuída.

Este princípio tem por finalidade impedir que os órgãos encarregados da interpretação constitucional, sobretudo o Tribunal Constitucional, cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.

Conformidade funcional significa que ele determina que os órgãos encarregados da função constitucional devem agir exatamente dentro daquela função que lhe foi atribuída.

Este princípio, no Brasil, tem um destinatário específico: a corte constitucional – o STF. Exs. de violação ao princípio: 1) caso discutido na Rcl. 4.335/AC; 2) Direito de greve.

6. Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade :

Segundo Alexy, trata-se de uma máxima que informa a aplicação de todos os demais princípios da Constituição.

Serão, neste tópico, tratados como sinônimos, já que a maioria da doutrina e a jurisprudência assim o consideram.

O Princípio da Proporcionalidade não está expresso na Constituição. É um princípio implícito, ou seja, não está textualmente consagrado, mas é possível abstraí-lo de outros princípios contidos na Constituição. Nós até podemos encontrar na CR/88 as palavras proporcionalidade e razoabilidade, mas apenas como menções.

Ele está ligado, em sua origem, à garantia do devido processo legal.Este postulado atua como uma máxima informadora da aplicação dos princípios e serve

de critério para a aferição da legitimidade material de todo e qualquer ato praticado pelos poderes públicos.

Existem 3 entendimentos acerca de onde podemos abstrair tal princípio:

a) Ele seria abstraído do sistema de Direitos Fundamentais: a Constituição impõe dos órgãos públicos uma atuação dentro dos limites impostos pelos direitos fundamentais, para que o Estado não atue de forma arbitrária. Não é o entendimento mais cobrado em provas.

b) Ele seria abstraído do Princípio do Estado de Direito (☺art. 1º, CR): não se admite que os poderes atuem se não for com base no ordenamento jurídico, e este não confere a nenhum poder público competência para atuar de forma desarrazoada, desproporcional. É uma influencia do direito alemão.

c) Ele seria abstraído da Cláusula do Devido Processo Legal em seu caráter Substantivo. É uma influencia do direito norte-americano. ☺art. 5º, LIV, CR.

A doutrina alemã divide o Princípio da Proporcionalidade (em sentido amplo) em 3 regras ou máximas parciais – é o que se chama de densificação do princípio (dar ao princípio uma feição mais concreta, uma densidade semântica que ele não tinha antes). São elas:

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1) Adequação: relação entre meio e fim. Para que um ato seja considerado proporcional, ele tem que ser adequado. O meio utilizado pelos poderes públicos deve ser, pois, apto para atingir o fim almejado.

2) Necessidade ou Exigibilidade ou Princípio da menor ingerência possível: dentre os vários meios existentes, deve-se optar por aquele que seja o menos gravoso possível. Assim, uma restrição à liberdade só será possível se, dentre os meios existentes, for utilizado o meio menos gravoso possível (de acordo com o Princípio da Reserva Legal Proporcional). Se o ato for desnecessário, será também desproporcional.

3) Proporcionalidade em Sentido Estrito: é uma relação entre o custo da medida e os benefícios trazidos por ela. A medida só será justificável se trouxer um custo menor do que o benefício a ser auferido por meio dela. Segundo Alexy, a proporcionalidade em sentido estrito corresponde a uma lei de ponderação, cujo conteúdo é o seguinte: quanto maior for a intervenção em um determinado direito, maiores hão de ser os motivos que justifiquem esta intervenção. Esta lei de ponderação deve ser utilizada ao se ponderar diversos princípios constitucionais.

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PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO:PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO:

1. Natureza Jurídica:

Existem 3 teorias a respeito da natureza jurídica do Preâmbulo da Constituição:

1) Tese da Irrelevância Jurídica do Preâmbulo: o Preâmbulo não se situa no domínio do direito. Situa-se no domínio da história ou da política. Não tem, pois, caráter normativo e, portanto, não tem relevância jurídica.

2) Tese da Relevância Idêntica a dos demais preceitos (tese da plena eficácia): o Preâmbulo é uma norma como todas as demais, não havendo diferenças entre o seu caráter normativo e o das demais normas; ele tem a mesma eficácia jurídica das normas constitucionais, sendo, porém, apresentado de forma não articulada.

3) Tese da Relevância Jurídica Específica ou Indireta: o Preâmbulo não se confunde com os demais preceitos constitucionais (articulados), apesar de fazer parte das características jurídicas da Constituição. É uma corrente intermediária em relação às demais.

No Brasil, o STF adota a Tese da Irrelevância Jurídica do Preâmbulo. O min. Celso de Mello concluiu que o preâmbulo não se situa no âmbito do direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. Não contém, pois, relevância jurídica.

O nome não é o mais apropriado, já que o preâmbulo tem sim alguma relevância, mas é a tese por nós adotada.

Jorge Miranda ensina que o Preâmbulo “... proclamação mais ou menos solene, mais ou menos significante, anteposta ao articulado constitucional, não é componente necessário de qualquer Constituição, mas tão-somente um elemento natural de Constituições feitas em momentos de ruptura histórica ou de grande transformação político social”.

Para o STF, o preâmbulo, por não possuir força normativa cogente nem caráter normativo, não pode prevalecer contra o texto da Constituição, nem servir de parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade.

Como se sabe, o Brasil é um país leigo, laico ou não-confessional, não existindo, portanto, qualquer religião oficial da RFB. Ocorre que todas as constituições brasileiras, com exceção das de 1891 e 1937, invocaram a proteção de Deus quando promulgadas. Em âmbito estadual, a Constituição do Estado do AC é a única que não menciona a proteção de Deus em seu preâmbulo.

Referida omissão foi objeto de questionamento no STF pelo Partido Social Liberal. Foi ajuizada uma ADI e o STF decidiu que o preâmbulo não serve como parâmetro de controle, não é norma de repetição obrigatória. Assim, além de estabelecer e declarar a irrelevância jurídica do preâmbulo, o STF assinalou que a invocação da proteção de Deus não é norma de repetição obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa.

O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação de alguns princípios inscritos na Carta Constitucional. Esses princípios sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a

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Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos ou não na Constituição estadual, incidirão na ordem local.

2. Preâmbulo como diretriz hermenêutica:

O preâmbulo é uma diretriz hermenêutica. Esta é a sua natureza. Ele auxilia na interpretação das normas constitucionais. Serve como norte interpretativo das normas constitucionais.

Ao preâmbulo é atribuído esse caráter de diretriz hermenêutica justamente porque ele elenca os valores supremos da sociedade brasileira.

Há um autor espanhol que faz uma distinção entre os princípios e os valores: segundo ele, os princípios são o início do ordenamento jurídico (posteriormente os princípios são concretizados através de regras), enquanto os valores são os fins que o ordenamento jurídico pretende alcançar.

Ao estabelecer os valores supremos, o preâmbulo está estabelecendo os fins supremos que se pretende alcançar ao interpretar as normas constitucionais.

Os valores supremos a serem assegurados são: “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

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APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS:

Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica. o que as difere é o grau desta eficácia, que poderá variar conforme o seu enunciado.

Essa diversidade tem levado a doutrina a elaborar diversas classificações, dentre as quais, no Brasil, destaca-se a de José Afonso da Silva. Vejamos:

1. Classificação das Normas Constitucionais - JAS:

Segundo JAS, toda norma jurídica tem eficácia. O que diferencia uma norma da outra é o grau de eficácia de cada uma delas. Assim, ele classifica as normas constitucionais em:

1) Normas Constitucionais de Eficácia Plena (NEP)2) Normas Constitucionais de Eficácia Contida (NEC)3) Normas Constitucionais de Eficácia Limitada (NEL)

Norma de Eficácia AplicabilidadePlena (NEP) Direta Imediata Integral – não admite lei

Limitada (NEL) Indireta Mediata / diferida Reduzida – exige lei (não só admite)

Contida (NEC) Direta ImediataPossivelmente não integral – não

exige lei, mas a admite

(22/10/08)

→ Normas de Eficácia Plena:

Têm aplicabilidade direta, imediata e integral. A norma direta não depende de uma outra vontade para ser aplicada ao caso concreto. Quando se fala em aplicabilidade imediata, significa que ela não depende de nenhuma condição para ser aplicada. A integralidade, por sua vez, se refere à impossibilidade de sofrer restrição. Exs.: normas que estabelecem imunidades (art. 53), prerrogativas (art. 128, §5º), isenções (art. 184, §5º), vedações (art. 95, P.U.) e aquelas cujo enunciado já esteja suficientemente explicitado.

A NEP não depende de lei e não admite lei que lhe reduza o conteúdo. Não depende de regulamentação. A Constituição “chama responsabilidade para si” em relação a aquele assunto.

→ Normas de Eficácia Contida:

O prof. JAS não foi muito feliz ao escolher este nome. Alguns outros autores (Michel Temer e Maria Helena Diniz) a denominam mais adequadamente de norma de eficácia redutível ou norma de eficácia restringível.

A sua aplicabilidade na verdade não é contida e sim possivelmente contida, possivelmente restringível ou redutível.

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Ela é semelhante à NEP (e não a NEL, como se poderia imaginar). Ela não depende de lei, mas admite lei. Permite que uma lei lhe reduza o conteúdo e mais, que “contenha” o seu conteúdo.

Uma NEC, enquanto não for restringida, é uma NEP? Não. Não são a mesma coisa. Tem naturezas diferentes (igual MP não é igual a lei). A NEC, enquanto não for restringida por lei, apenas produz os mesmos efeitos de uma NEP, mas não é uma NEP. Se ela fosse uma NEP, ela nunca poderia ser restringida.

A NEC pode ser restringida:- por lei (ex.: art. 5º, XIII, CR);- por outra norma constitucional (ex.: art. 5º, XII c/c arts. 136 e 137);- por conceitos de direito público (ex.: ordem pública, segurança nacional, necessidade ou

utilidade pública, interesse social, etc. – ex.: art. 5º, XXII, XXIII e XXIV).

☺art. 95, P.U.: trata de vedações que são impostas aos juízes. As vedações, em regra, são NEP (como são as normas dos incisos I, II e III deste mesmo art. 95), mas, neste caso específico trata-se de uma NEC (inciso IV e P.U.).

Geralmente as NEC mencionam a lei trazendo as expressões: nos termos da lei, conforme a lei, etc.

☺art. 9º, CR, que fala do direito de greve: o direito de greve na iniciativa privada é um

tipo de norma, enquanto o direito de greve dos servidores públicos é outro. O caput do art. 9º dá a entender tratar-se de NEP, mas o seu §1º, que faz parte da mesma norma, esclarece que trata-se de uma NEC.

→ Normas de Eficácia Limitada:

São aquelas que não têm efetividade, não surtem os efeitos desejados.São as normas que ainda não estão aptas a produzir a integralidade de seus efeitos

característicos, precisando de uma norma infraconstitucional que lhe preencha o conteúdo, que a regulamente.

A aplicabilidade dessas normas é totalmente diferente das demais. É indireta ou mediata. Indireta porque pode depender de uma outra vontade; e mediata porque depende de alguma condição. Assim, a NEL pode depender ou de uma vontade ou de uma condição. Essa vontade pode ser uma lei integradora da norma constitucional (não precisa ser necessariamente uma lei, mas pode ser).

O JAS divide as NEL em duas espécies:a) NEL de Princípio Institutivo: é aquela que depende de outra vontade para dar forma ou

estrutura a determinadas instituições. Exs.: art. 37, VII (direito de greve dos servidores públicos), e art. 102, §1º (ADPF – a CR/88 criou a ADPF e disse que ela seria processada e julgada pelo STF na forma da lei, mas não disse quem pode propor, quais são os efeitos, etc., de forma que antes da Lei 9.882/99 ser criada não havia como uma ADPF ser ajuizada porque ninguém nem sequer sabia o que era exatamente este instituto).

b) NEL de Princípio Programático: são aquelas que estabelecem diretrizes ou programas de ação a serem implementados pelos poderes públicos. Estabelecem um programa de ação que os poderes públicos deverão implementar. elas estabelecem uma obrigação de meio ou de resultado? De resultado, eis que estabelecem o fim a ser atingido, e não quais são os meios para se atingir o fim. Ela estabelece qual a diretriz que o Estado deve seguir, é a própria norma programática que o faz (lembrar a idéia de Constituição Dirigente, que dirige os rumos do Estado, caracterizadas justamente por este tipo de norma), ela não confere essa prerrogativa aos poderes públicos. Antes esta norma era vista como uma norma sem normatividade, mas hoje já

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se entende que não existe na CR uma norma sequer que não tenha normatividade (com exceção do Preâmbulo, que não é norma). A NEL programática é uma norma e tem caráter vinculante, obrigatória. Não é apenas um conselho; a CR não tem conselhos e sim mandamentos. Ex.: art. 3º (objetivos fundamentais – metas a serem perseguidas pelo Estado).

A NEL, antes da lei ser feita, tem eficácia, uma eficácia negativa (e apenas esta, porque ela não tem eficácia positiva). Assim, apesar de ser limitada e de depender de regulamentação, a NEL produz efeitos: ela exige lei; ela diz qual o sentido a lei tem que percorrer; ela revoga a legislação incompatível e impede legislação posterior incompatível (efeito paralisante); ademais, ela serve como vetor interpretativo (paralisa a interpretação incompatível).

2. Classificação de outros autores:

Maria Helena Diniz fez uma classificação própria das normas constitucionais que praticamente coincide com a de JAS, apenas mudando os nomes e acrescentando um outro tipo, ao qual ela dá o nome de norma de eficácia absoluta, também conhecidas como normas super-eficazes.

Para ela, a aplicabilidade desta norma será idêntica a da NEP (direta, imediata e integral), por isso esta classificação da MHD é criticada por JAS. A diferença entre elas é em relação à mutabilidade da norma. Segundo MHD a NEP não poderia ser restringida por lei, mas poderia ser restringida por uma emenda a Constituição; já a norma de eficácia absoluta não poderia ser restringida nem por lei e nem por EC – são, pois, as Cláusulas Pétreas.

Uma última classificação, mencionada por alguns autores, traz as normas constitucionais de eficácia exaurida ou esvaída. Seriam as normas que já produziram seus efeitos e não possuem mais eficácia. Elas são criadas para uma determinada finalidade e, cumprida a sua finalidade, exaurem sua eficácia. São as normas do ADCT, que têm a função de fazer uma transição entre o modelo anterior e o posterior. Ex.: art. 2º, ADCT, que diz que no dia 07/09/93 será realizado um plebiscito para escolher o sistema e a forma de governo – a norma já exauriu sua eficácia, e não pode mais acontecer novo plebiscito com base na mesma norma.

Obs.:As NEP, NEC e as normas de eficácia absoluta são normas auto-aplicáveis, auto-

executáveis ou bastantes em si (esta última denominação foi dada por Pontes de Miranda). Por isso não dependem de outra vontade.

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NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO:NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO:

O que se estuda neste item é a relação entre as normas constitucionais e também entre as normas infraconstitucionais no tempo.

Faremos o estudo de alguns institutos. São eles:

1. Revogação:

Relação que se dá entre uma Constituição nova e uma antiga.

→ CR → Nova CR

→ A.N.P → A.N.S

Surgimento de uma nova Constituição em relação a uma Constituição antiga: quando surge uma nova Constituição, a anterior fica inteiramente revogada porque a nova Constituição trata inteiramente daquela Constituição anterior – assim, sempre que surge uma nova Constituição ocorre, em relação à Constituição anterior, uma revogação por normação geral (espécie de revogação tácita). Trata-se de uma ab-rogação (revogação total).

2. Teoria da Desconstitucionalização:

Foi uma tese explorada por um autor chamado Esmein, que se baseia na concepção política de Constituição de Carl Schmitt. Nesta concepção política faz-se uma distinção entre a Constituição propriamente dita e as leis constitucionais. A Constituição propriamente dita é apenas aquilo que decorre de uma decisão política fundamental.

De acordo com a Teoria da Desconstitucionalização, sempre que nasce uma nova Constituição, a Constituição propriamente dita fica revogada pela nova Constituição, mas as chamadas leis constitucionais não seriam revogadas, podendo, caso compatíveis com a nova Constituição, serem recepcionadas pela nova Constituição, como normas infraconstitucionais, ou seja, com status de lei (elas tinham status constitucional e passaram a ter status infraconstitucional).

É, pois, um fenômeno através do qual as normas da Constituição anterior, desde que compatíveis com a nova ordem, permanecem em vigor, mas com o status de lei infraconstitucional. Ou seja, as normas da Constituição anterior são recepcionadas com status de norma infraconstitucional pela nova ordem.

Assim, por esta teoria, quando do surgimento de uma nova Constituição, apenas a Constituição anterior propriamente dita fica revogada. As leis constitucionais materialmente compatíveis com a nova Constituição são recepcionadas com status infraconstitucional. Isso porque a doutrina da desconstitucionalização afirma a possibilidade de sobrevivência de certos dispositivos da Constituição que perde a validade, não, porém, com o caráter de normas constitucionais, e sim como normas ordinárias.

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Ex.: ☺art. 242, §2º (que fala do Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro) – segundo esta teoria, esta norma seria recepcionada pela nova Constituição, mas não como norma constitucional e sim como lei ordinária.

Esta teoria, de forma geral não é admitida no Brasil. Tem como adeptos Pontes de Miranda e Ferreira Filho.

O entendimento predominante no Brasil é o visto acima, de que a nova Constituição revoga a Constituição antiga.

Não obstante, é preciso destacar que esta tese pode vir a ser aceita no Brasil se uma nova Constituição expressamente assim o requerer, tendo em vista ser o poder constituinte originário ilimitado e autônomo, podendo tudo, inclusive prever o aludido fenômeno, desde que o faça de maneira inequívoca e expressa.

3. Teoria da Recepção:

Segundo o STF, quando do surgimento de uma nova Constituição, as normas infraconstitucionais anteriores que forem materialmente incompatíveis com a nova Constituição, serão revogadas ou não recepcionadas. As materialmente compatíveis serão recepcionadas.

A inconstitucionalidade formal superveniente não impede a recepção, mas faz com que a norma adquira uma nova roupagem, um novo status. Ex.: CTN, que foi originariamente criado como LO, mas foi recepcionado com status de LC e, por isso, só pode ser modificado por LC.

Assim, todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova roupagem. Como exemplo lembramos do CTN, que, embora tenha sido elaborado com quorum de lei ordinária, foi recepcionado pela nova ordem como lei complementar, sendo que os ditames que tratam sobre matérias previstas no art. 146, I, II e III, CR só poderão ser alterados por LC.

Pode se afirmar, então, que, nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, como vimos, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, pro falta de recepção.

Nessa situação, acrescente-se, inadmite-se a realização de controle de constitucionalidade através da ação direta de inconstitucionalidade genérica, por falta de previsão no art. 102, I, a, CR, permitindo-se, apenas, a possibilidade de se alegar que a norma não foi recepcionada. Deve-se destacar, desde já, contudo, que apesar de não ser cabível o aludido controle de constitucionalidade concentrado pela via da ADI, será perfeitamente cabível a ADPF.

4. Repristinação:

Existe uma Lei A que é revogada por uma Lei B e esta, posteriormente, é revogada por uma Lei C.

Pela repristinação, com a revogação da Lei C, a Lei A voltaria a ter seus efeitos.Como regra geral, o Brasil adotou a impossibilidade do fenômeno da repristinaçao, salvo

se a nova ordem jurídica expressamente assim se pronunciar. Ou seja, no Brasil admite-se a repristinação apenas caso ela seja expressa.

☺art. 2º, §3º, LICC: “salvo disposição em contrário (repristinação expressa) a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a sua vigência”.

Isso vale para o direito infraconstitucional.

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No direito Constitucional, a repristinação expressa é admitida, a tácita não será admitida, da mesma forma que determina a LICC, o que é diferente é que não se admite a repristinação tácita é diferente: é manter a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais.

→ Efeito repristinatório tácito: ☺Lei 9.868/99, art. 11, §2º - é a hipótese em que uma Lei A é revogada pela Lei B e esta Lei B é suspensa por uma medida cautelar concedida pelo STF numa ADI. Quando a medida cautelar suspende os efeitos da Lei B que revogou a Lei A, se o STF não disser nada, esta Lei A voltará a produzir efeitos normalmente (se ele não quiser que a Lei A volte a ter efeitos, ele terá que determinar de forma diversa). Por isso é um efeito repristinatório tácito. O efeito da medida cautelar, em regra, tem efeito ex nunc (se não houver modulação dos efeitos).

5. Mutação Constitucional:

Criada em contraposição aos meios formais de alteração da Constituição (“emenda”), a mutação constitucional consiste em um processo informal de modificação do conteúdo, sem que ocorre qualquer alteração em seu texto. É o que ocorre com o surgimento de um novo costume constitucional ou quando o Tribunal Constitucional altera o sentido de uma norma da Constituição por meio da interpretação.

São, pois, processos informais de alteração da Constituição sem que haja modificação em seu texto.

Limites para que uma mutação constitucional seja considerada legítima: a mutação não deve ser algo comum, corriqueiro; ela deve ocorrer apenas excepcionalmente (não é um princípio geral e sim uma exceção. Segundo Canotilho, deve-se considerar 2 aspectos:

- a mutação só será legítima quando comportada pelo texto da norma: a interpretação deve ser feita dentro da moldura do texto da norma; se a interpretação pelo STF sai fora da moldura do texto da norma, a interpretação será inconstitucional; e

- a interpretação deve estar em conformidade com os Princípios Estruturantes (princípios que estruturam o estado e a Constituição – ex.: Princípio do Estado Democrático de Direito, Princípio Federativo, Princípio da Separação dos Poderes, etc.): se a mutação viola algum princípio estruturante, haverá uma ilegitimidade na mutação pretendida.

6. Constitucionalização Superveniente:

É uma hipótese em que se tem uma lei anterior inconstitucional. Antes de ela ser declarada inconstitucional, há uma mudança de constituição. Vem uma nova Constituição ou uma EC, e a lei inconstitucional passa a ser constitucional.

A constitucionalidade superveniente tem lugar quando uma norma inconstitucional ao tempo de sua edição, torna-se compatível com a Lei Maior devido à mudança do parâmetro constitucional.

A (in)admissibilidade da tese depende do entendimento acerca da natureza da norma inconstitucional: ato nulo ou ato anulável.

Considerando-se a lei inconstitucional um ato anulável, a constitucionalidade superveniente deve ser admitida, desde que não tenha ocorrido qualquer declaração de inconstitucionalidade com efeito erga omnes. A análise da inconstitucionalidade em abstrato tem como parâmetro as normas constitucionais do presente, não do passado. Se a Constituição evoluiu por meio de mudanças formais (emendas) ou informais (interpretação e costumes), a lei supostamente incompatível, mas que não foi objeto de qualquer declaração nesse sentido, por

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possuir uma presunção de constitucionalidade, continua a ter validade e acaba por ser “constitucionalizada”. Portanto, alterado o parâmetro constitucional, deixa de existir uma ameaça à supremacia da Constituição vigente, afastando-se a possibilidade de exercício do controle abstrato de constitucionalidade. Nesse prisma, somente as violações a direitos subjetivos, ocorridas entre o surgimento da lei originariamente inconstitucional e o advento do novo parâmetro, poderiam ser questionadas por meio de controle concreto.

No sentido oposto, adotando-se o tradicional entendimento da jurisprudência norte-americana – cujo precedente foi o famoso caso “Marbury vs. Madison”, decidido em 1803 – de que a lei inconstitucional, por ser um ato nulo, já nasceria morta, o vício originário será insanável. Vale dizer, a modificação do parâmetro constitucional não teria o condão de convalidar a lei originariamente inconstitucional.

Nesse sentido, Humberto Ávila sustenta que “a invalidade é um fenômeno que não se altera no tempo: a alteração da norma superior não tem o condão de tornar válida uma norma originamente inválida”. Esse também é o entendimento adotado pelo STF.

Assim, o STF não admite essa constitucionalização superveniente. Uma lei inconstitucional é um ato nulo, tem um vício de origem, que é insanável. Logo, ela não pode ser convalidada, não pode ser constitucionalizada.

7. Graus de retroatividade da norma constitucional:

☺ADI 493

1) Retroatividade máxima ou restitutória : a lei ataca fatos consumados. Verifica-se quando a lei nova prejudica a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos já consumados. Como ex., lembramos o art. 96, P.U., da Carta de 1937 que permitia o Parlamento rever a decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de uma lei;

2) Retroatividade média : a lei nova atinge os efeitos pendentes de atos jurídicos verificados antes dela. Ou seja, a lei nova atinge as prestações vencidas mas ainda não adimplidas. Como ex., fala-se em uma lei que diminuísse a taxa de juros e se aplicasse aos já vencidos mas não pagos (prestação vencida mas ainda não adimplida);

3) Retroatividade mínima, temperada ou mitigada : a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor. Trata-se de prestações futuras de negócios firmados antes do advento da nova lei.

O STF vem se posicionando no sentido de que as normas constitucionais, fruto da manifestação do poder constituinte originário, têm, por regra geral, retroatividade mínma, ou seja, se aplicam a fatos que venham a acontecer após a sua promulgação, referentes a negócio passados.

Podemos lembrar o art. 7º, IV, CR, que, ao vedar a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, significou que a nova regra deverá valer para fatos e prestações futuras de negócios celebrados antes de sua vigência (prestações periódicas).

Como outro exemplo de retroatividade mínima, lembramos as novas regras trazidas pela EC 35/02 que, dentre outras, acabou com a necessidade de prévia licença da Casa para o processamento de parlamentares. Assim, o STF entendeu que, diante da aplicação imediata, a nova regra que dispensa a prévia autorização tem aplicação imediata, podendo ser aplicada pra todos os casos que aguardavam manifestação das Casas, vale dizer, referentes a fatos ocorridos antes do advento da nova EC.

Como se percebe, sendo regra a retroatividade mínima, nada impede que a norma constitucional, já que manifestação do poder constituinte originário ilimitado e incondicionado

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juridicamente, tenha retroatividade média ou máxima. Contudo, para tanto, deve existir expresso pedido na Constituição.

Assim, podemos esquematizar:a) as normas constitucionais, por regra, têm retroatividade mínima, aplicando-se a fatos

ocorridos a partir de seu advento, mesmo que relacionados a negócios celebrados no passado. Ex.: art. 7º, IV;

b) é possível a retroatividade média ou máxima da norma introduzida pelo Constituinte originário, desde que haja expressa previsão, como é o caso do art. 51 do ADCT;

c) por outro lado, as Constituições estaduais (poder constituinte derivado decorrente – limitado juridicamente) e demais dispositivos legais, vale dizer, as leis infraconstitucionais, bem como as emendas à Constituição (fruto do poder constituinte derivado reformador, também limitado juridicamente), estão sujeitos À observância do princípio constitucional da irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI – “lei” em sentido amplo), com pequenas exceções, como a regra da lei penal nova que beneficia o réu.

Este tema será ainda mais aprofundado no item “Direito a segurança jurídica”, dentro do estudo dos direitos individuais em espécie.

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:

(livro do prof.)

1. Funções dos Princípios Constitucionais:

O Titulo I da Constituição de 1988 consagra os princípios fundamentais do Estado brasileiro, os quais estabelecem a sua forma, estrutura e fundamento (art. 1º), a divisão de seus poderes (art. 2º), os objetivos primordiais a serem perseguidos (art. 3º) e as diretrizes a serem adotadas nas suas relações internacionais (art. 4º).

De uma forma geral, os princípios possuem uma “supremacia funcional” em relação às regras jurídicas. Essa supremacia é essencialmente material e decorre, sobretudo, da proximidade existente entre os princípios e os valores que o Direito visa realizar, o que os coloca numa posição de superioridade. Outro fator determinante para essa preeminência está no fato de que eles servem como fundamento e são responsáveis pela gênese de grande parte das regras que, por conseqüência, deverão ter sua interpretação e aplicação condicionadas por aqueles princípios dos quais se originam.

Dentre as funções desempenhadas pelos princípios, podemos destacar:

a) Função Construtiva : os princípios constitucionais são fonte material de um grande número de normas jurídicas, pois servem de critério para o legislador que, ao elaborar as leis, deverá respeitar os limites e pautar-se pelos critérios estabelecidos por eles. Dessa forma, os princípios desempenham uma função construtiva ou normogenética em relação às regras jurídicas que os têm como fundamento. Sob o ponto de vista dogmático, os princípios atuam como critério que está na base de soluções legislativas na medida em que informa o direito positivo. Já sob o aspecto dinâmico devem estar sempre presentes, seja como diretiva na solução de casos concretos, seja como orientação para progresso da legislação.

b) Função Interpretativa : os princípios atuam como importantes instrumentos de interpretação, sobretudo naqueles casos considerados duvidosos. É nos princípios que se encontram as diretrizes valorativas válidas aplicáveis à interpretação constitucional. Havendo dúvidas sobre o sentido de uma norma, deve-se interpretá-la da maneira mais coerente com os princípios, a menos, é obvio, que resulte certa uma vontade legislativa em contrário, como no caso de normas excepcionais ou de normas incompatíveis que impliquem a adoção de novos princípios, diverso e opostos. A eficácia interpretativa dos princípios é conseqüência direta de sua função construtiva, pois a simples presunção de que as normas mais particulares são subordinadas aos princípios, por representarem o seu desenvolvimento e sua especificação, é por si só suficiente para justificar uma eficácia de interpretação de dita norma pelo princípio.

c) Função Integrativa : em razão de sua virtual inexauribilidade os princípios oferecem a regulmaentação daqueles casos concretos aos quais não correspondem normas específicas, permitindo que normas implícitas no sistema sejam reveladas e possibilitando aos aplicadores do direito sua integração e complementação. Em situações novas, ainda não regulamentadas de forma mais específica, pode ser de grande importância o papel desempenhado por eles na solução de casos concretos. Desse modo, o vazio decorrente de uma omissão ou da falta de reconhecimento de um direito essencial, pode ser suprido pelo conteúdo integrador dos princípios.

d) Função Sistêmica : os princípios interligam e harmonizam o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e transformando um inextricável conjunto de normas aparentemente

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desprovidas de um sentido comum, em um todo sistemático. Executam, assim, uma função conectiva na dinâmica do ordenamento jurídico.

e) Função Limitativa : os princípios possuem uma eficácia limitativa, devido à função negativa que desempenham em alguns casos, atuando como um limite, não só das ações dos poderes estatais, como também ao exercício abusivo de certos direitos. No âmbito do Legislativo impedem a criação de normas jurídicas que venham a ferir os valores neles consagrados – além, é claro, da função positiva que impõe a criação de normas para sua concretização. No tocante ao Poder Executivo, os princípios vedam quaisquer ações ou atos normativos contrários ao seu conteúdo.

2. Princípios Estruturantes:

São considerados estruturantes os princípios constitutivos das diretrizes fundamentais de toda a ordem constitucional. A baixa densidade semântica, o caráter aberto e pouco determinado de seu conteúdo, impõem a concretização destes princípios através de outras normas de maior densidade, formando-se assim um sistema interno decorrente de um processo de “esclarecimento recíproco”, o que confere à Constituição uma unidade de conteúdo.

A seguir serão analisados alguns princípios estruturantes que expressam as decisões políticas fundamentais do legislador constituinte em relação à estrutura e organização do Estado brasileiro (☺art. 1º, CR).

3. Princípio Republicano:

A República surgiu como uma forma de governo oponível à monarquia. Enquanto esta tinha como principais características a hereditariedade na transferência do poder e a vitaliciedade do governante, que reinava de forma absoluta e irresponsável; a república tinha como finalidade retirar o poder das mãos do rei e passá-lo à nação.

Com o passar do tempo, esses conceitos foram se esvaziando, sendo criados novos critérios distintivos da República, dentre os quais destacam-se: a necessidade de alternância no poder e o caráter representativo do Chefe de Estado.

A representabilidade decorre mais da contínua ligação que se faz valer até o término do mandato entre ele e a comunidade social (especialmente no sistema presidencialista), do que propriamente do fato de ser eleito pelo voto popular.

4. Princípio Federativo:

A federação é uma forma de Estado na qual há mais de uma esfera de poder dentro de um mesmo território. No Estado federativo os entes políticos que o compõem possuem autonomia, sendo que o poder de cada um deles é atribuído pela Constituição.

O Princípio Federativo deverá servir de diretriz hermenêutica tanto para os operadores do Direito na interpretação e aplicação das normas constitucionais, quanto para o legislador na elaboração das leis.

Consagrado no Brasil desde a primeira Constituição Republicana (1981), o Princípio da Indissolubilidade do pacto federativo tem por finalidade conciliar a descentralização do poder com a preservação da unidade nacional.

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Ao estabelecer que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, DF e Município, a Constituição veda, aos entes que compõem a federação, o direito de secessão.

Caso ocorra qualquer tentativa de separação tendente a romper com a unidade da federação brasileira, é permitida a intervenção federal com o objetivo de manter a integridade nacional (☺art. 34, I).

5. Princípio do Estado Democrático de Direito:

Para uma correta compreensão do conceito de Estado democrático de direito, e necessária a superação dos paradigmas tradicionais, redefinindo-se o Estado democrático e o Estado de Direito.

A concepção clássica do Estado de direito tem como características formais a divisão dos poderes, a independência dos juízes, a legalidade da Administração, o amplo acesso à tutela jurisdicional do Estado frente a qualquer intervenção administrativa e a expectativa de indenização em casos de intervenção na propriedade privada. Em um Estado de direito, não se admite a solução de conflitos de forma arbitrária, mas apenas em conformidade com determinadas normas preestabelecidas.

No Estado material de direito, não apenas os indivíduos, mas também o próprio Estado está submetido ao direito, sendo que o poder estatal se encontra vinculado a determinados princípios superiores previstos na Constituição. Aqui, a vontade popular representada pelo parlamento, não é absoluta e ilimitada, uma vez que encontra subordinada a um direito de grau superior: o direito constitucional. Sob o aspecto material, é inconcebível se falar em um Estado de direito no qual exista ou possa legalmente existir a injustiça.

No que se refere ao princípio democrático, primeiramente devemos lembrar que democracia significa “governo do povo”. Há democracia quando o povo participa do governo do Estado.

Em um Estado democrático, o ordenamento jurídico consagra uma série de institutos que introduzem o povo no governo do Estado, seja diretamente, seja através de representantes, ou, ainda, permitindo-se a cidadãos ligados a associações e partidos diversos que participem da vida do estado e concorram a cargos políticos.

Do Princípio democrático resultam a tarefa e a competência da representação popular de buscar uma resposta adequada, sob as circunstancias transitórias, à questão perene da Justiça.

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FUNDAMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO:FUNDAMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO:

(livro do prof.)

Os fundamentos da República Federativa do Brasil devem ser compreendidos como os valores primordiais componentes da estrutura do Estado brasileiro e que, por essa razão, em nenhum momento podem ser colocados de lado.

São eles: (SO-CI-DI-VA-PLU)

1. Soberania:

A soberania, cujo surgimento foi um reflexo da paz de Westfalia (1648), é um atributo caracterizador do Estado enquanto ente independente. A soberania externa se refere à representação dos Estados, uns para com os outros, na ordem internacional, ao passo que a soberania interna é responsável pela delimitação da supremacia estatal perante seus cidadãos na ordem interna.

A soberania pode ser definida como um poder político supremo e independente. Supremo, por não estar limitado por nenhum outro na ordem interna; independente, por não ter de acatar, na ordem internacional, regras que não sejam voluntariamente aceitas e por estar em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos.

Todavia, a soberania é um instituto dinâmico que não possui hoje o mesmo conteúdo de outras épocas.

A evolução do Estado de direito formal para os atuais Estados democráticos de direito fez com que, no plano interno, a soberania migrasse do soberano para o povo, exigindo-se uma legitimidade formal e material das Constituições.

No plano externo, a rigidez dos contornos deste conceito foi flexibilizada, através da reformulação dos princípios da autodeterminação e do reconhecimento do Estado pela comunidade internacional.

O conceito foi se flexibilizando cada vez mais e o que se observa atualmente é uma crise em sua delimitação.

2. Cidadania:

É um conceito decorrente do Princípio do Estado democrático de direito e consiste na participação política do indivíduo nos negócios do Estado e até mesmo em outras áreas de interesse público.

3. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa:

O reconhecimento dos valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado brasileiro significa que este não deve conferir ou reconhecer privilégios econômicos condenáveis, uma vez que apenas o trabalho é capaz de promover a dignidade da pessoa humana. A partir do momento em que contribui para o progresso da sociedade a qual pertence, o indivíduo se sente útil e respeitado. Sem ter qualquer perspectiva de obter um trabalho com uma

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justa remuneração e com razoáveis condições para exercê-lo, o indivíduo acaba tendo sua dignidade violada. Por essa razão, a Constituição consagra o trabalho como um direito social fundamental (☺art. 6º), conferindo-lhe proteção em diversos de seus dispositivos.

A liberdade de iniciativa, que envolve a liberdade de empresa (indústria e comércio) e a liberdade de contrato, é um princípio básico do liberalismo econômico. Além do fundamento da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa está consagrada como princípio informativo e fundante da ordem econômica (art. 170), sendo constitucionalmente assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Por essa razão, a liberdade de iniciativa só será considerada legítima se exercida com este fim, o que não ocorrerá se estiver voltada simplesmente para o lucro ou para a realização pessoa do empresário.

4. Pluralismo Político:

O pluralismo político decorre do princípio democrático, que impõe a opção por uma sociedade plural na qual a diversidade e as liberdades devem ser amplamente respeitadas.

O caráter pluralista da sociedade se traduz no pluralismo social, político (art. 1º), partidário (art. 17), econômico (livre iniciativa e livre concorrência – art. 170), de idéias e de instituições de ensino (art. 206, III), cultural (arts. 215 e 216) e dos meios de informação (art. 220). Este fundamento é concretizado, ainda, através do reconhecimento e proteção das diversas liberdades, dentre elas, a de opinião, a filosófico-religiosa, a intelectual, artística, científica, de comunicação, a sexual, a profissional, a de informação, de reunião e de associação.

Fruto da concepção liberal, a sociedade pluralista é, por natureza, uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos, o que pode levar a divisões irredutíveis. Por isso, a Constituição, principal elemento de integração comunitária (princípio do efeito integrador), estabeleceu como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). o solidarismo busca a superação desses conflitos através da integração social evitando, assim, os antagonismos irredutíveis que levariam a uma destruição do próprio princípio pluralista.

A consagração do pluralismo político como fundamento da República é um passo fundamental em direção a uma democracia pluralista.

5. Dignidade da pessoa humana:

Dentre os fundamentos do Estão brasileiro merece um estudo mais aprofundado a dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo. É ela o valor supremo que irá informar a criação, interpretação e aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo o sistema de direitos fundamentais.

O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelas constituições em diversos países ocidentais teve um vertiginoso aumento após a 2ª Guerra Mundial, como forma de reação às práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo e contra o aviltamento desta dignidade praticado pelas ditaduras ao redor do mundo. A escravidão, a tortura, e, derradeiramente, as terríveis experiências com seres humanos feitas pelos nazistas fizeram despertar a consciência sobre a necessidade de proteção da pessoa com o intuito de evitar sua redução à condição de mero objeto. Mais tarde, a partir do início da década de 90, com a queda do comunismo, diversos países do leste europeu também passaram a consagrar a dignidade da pessoa humana em seu texto constitucional.

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A positivação da dignidade da pessoa humana na Constituição faz com que ela deixe de ser apenas um valor moral para se converter em um valor tipicamente jurídico, passando a se revestir de normatividade.

Uma das conseqüências da sua consagração é um reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade, vez que o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. Esta consagração impor não só o reconhecimento de que o indivíduo deve servir de “limite e fundamento do domínio político da República”, mas também a necessidade da observância desse valor como elemento informador do conteúdo da Constituição e de todo o ordenamento jurídico, o que significa dizer que na criação, interpretação e aplicação das normas deve-se buscar sempre a promoção das condições e a remoção dos obstáculos para que a dignidade seja respeitada.

A dignidade da pessoa humana impõe-se como referencia para os demais valores proclamados pela Lei Maior, atuando como importante diretriz hermenêutica cujos efeitos se estendem por todo o ordenamento. Mesmo quando desnecessário o desenvolvimento deste princípio por ser possível recorrer a um direito fundamental específico, ainda assim deve-se levá-lo em conta como parâmetro valorativo.

Ao reconhecer a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos de nossa República, o poder constituinte impôs aos poderes públicos o dever não só de observar e proteger esse valor, mas também de promover os meios necessários ao alcance das condições mínimas indispensáveis a uma vida digna e ao pleno desenvolvimento da personalidade.

Portanto, da consagração constitucional da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da RFB decorrem dois mandamentos distintos: por um lado, surge uma determinação para o Estado envidar todos os esforços necessários e possíveis a fim de promover meios que proporcionem, a todo e qualquer cidadão, o acesso aos valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna; por outro, a imposição de observância e proteção no sentido de impedir qualquer tipo de violação, seja pelo próprio Estado, seja por terceiros, à dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana não é um direito, mas um atributo que todo ser humano possui, independentemente de usa origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. O ordenamento jurídico não confere dignidade a ninguém, mas tem a função de protegê-la contra qualquer tipo de violação.

Poder-se-ia dizer, em um primeiro momento, que a dignidade de uma pessoa é violada toda vez que ela for tratada, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para se atingir determinado objetivo (“fórmula do objeto”). Todavia, por ser a pessoa individual freqüentemente objeto de medidas por parte do Estado, a reflexão de que a “dignidade impõe a proibição de fazer do homem um objeto da ação estatal”, foi matizada pelo Tribunal Constitucional Federal através do entendimento de que só se produz uma violação da dignidade da pessoa quando ao tratamento como objeto se soma uma finalidade subjetiva: só quando o tratamento constitui “expressão do desprezo” da pessoa, ou para com a pessoa.

Assim, haverá a violação da dignidade de uma pessoa quando esta for tratada como um meio para se atingir um determinado fim (aspecto objetivo), sendo este tratamento fruto de uma “expressão de desprezo” por sua condição (aspecto subjetivo). Esta acepção, ligada ao valor liberdade, possui um caráter negativo, por exigir uma abstenção, não apenas por parte do Estado, mas também dos particulares, impedindo que exerçam um direito com violação à dignidade essencial de outro ser humano. Qualquer ofensa à dignidade pessoa produzida em virtude do exercício de um direito acaba por transformá-lo em abusivo, privando aquele que atua dessa forma de qualquer apoio constitucional.

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Por outro prisma, sem ter acesso a alguns bens e utilidades básicos, o indivíduo não poderá ter uma vida digna, tampouco desenvolver plenamente sua personalidade. Por isso, a proteção à dignidade exige não apenas uma abstenção do Estado, mas, em alguns casos, uma atuação positiva no sentido de fornecer bens indispensáveis para que os indivíduos menos favorecidos possam viver dignamente. Esse conjunto de bens e utilidades (saúde, moradia, educação fundamental, etc.) imprescindíveis para uma vida digna, vem sendo denominado de “mínimo existencial”.

A idéia do mínimo existencial (ou de núcleo da dignidade humana) tem sido proposta como forma de superação de várias dificuldades inerentes à dignidade humana, na medida em que procura representar um subconjunto, dentro dos direitos sociais, econômicos e culturais, menor (minimizando o problema dos custos), mais preciso (procurando superar a imprecisão dos princípios), e, mais importante, que seja efetivamente exigível do Estado. Portanto, a obrigação do estado de proteger a dignidade humana engloba não apenas a expectativa do indivíduo de não ser tratado de forma arbitrária, mas também a de que o Estado garanta, cada vez mais, sua existência material. Esta acepção, ligada ao valor igualdade, possui um caráter positivo, por existir prestações materiais e jurídicas por parte do estado.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS:DIREITOS FUNDAMENTAIS:

1. Direitos Humanos X Direitos Fundamentais:

A Constituição costuma se referir a ambos os temas. Os direitos humanos são direitos ligados à liberdade, igualdade e dignidade, consagrados no plano internacional. Direitos fundamentais são os direitos humanos consagrados no plano interno.

Assim, ambos têm por finalidade proteger a dignidade da pessoa humana, tendo como conteúdos a liberdade e a igualdade. A diferença básica se refere, pois, ao plano de consagração.

O Título II da CR/88 fala em direitos e garantias fundamentais – gênero – do qual são espécies:

- direitos individuais;- direitos coletivos;- direitos sociais;- direitos à nacionalidade;- direitos políticos.

2. Direitos Fundamentais X Garantias Fundamentais:

Ruy Barbosa foi o primeiro a tratar deste tema, ao analisar a Constituição de 1891, distinguindo: “as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos e, as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”.

Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

Por fim, de se diferenciar ainda as garantias fundamentais dos remédios constitucionais: estes últimos são espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex.: HC, HD, etc.). Em determinadas situações a garantia poderá estar na própria norma que assegura o direito.

Exemplos:- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício

dos cultos religiosos – art. 5º, VI (direito) – garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas garantias (garantia);

- direito ao juízo natural (direito) – o art. 5º, XXXVII, veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção (garantia).

3. Natureza dos Direitos Fundamentais:

São considerados direitos positivos constitucionais. Normas positivas.

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4. Características dos Direitos Fundamentais:

Os direitos fundamentais possuem as seguintes características:

- Historicidade: possuem caráter histórico, nascendo com o Cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos dias atuais;

- Universalidade: destinam-se, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos;- Limitabilidade: os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo,

muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem descriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição;

- Concorrência: podem ser exercidos cumulativamente, quando, por ex., o jornalista transmite uma notícia (direito de informação) e, juntamente, emite uma opinião (direito de opinar);

- Irrenunciabilidade: o que pode ocorrer é o seu não-exercício, mas nunca a sua renunciabilidade;

- Inalienabilidade: como são conferidos a todos, são indisponíveis, não se pode aliená-los por não terem conteúdo econômico-patrimonial;

- Imprescritibilidade: prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.

Obs.: Abrangência dos direitos e garantias fundamentais:

Trata-se de um rol meramente exemplificativo, na medida em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O caput do art. 5º faz referência expressa somente a brasileiros (natos ou naturalizados, já que não os diferencia) e estrangeiros residentes no País. Contudo, a estes destinatários expressos a doutrina e o STF vêm acrescentando, através da interpretação sistemática, os estrangeiros não residentes, os apátridas e as pessoas jurídicas.

Nada impediria, portanto, que um estrangeiro de passagem pelo território nacional, ilegalmente preso, impetrasse HC para proteger o seu direito de ir e vir. Deve-se observar, é claro, se o direito garantido não possui alguma especificidade, como é o caso da ação popular, que só pode ser proposta pelo cidadão.

5. Classificação:

São 2 as classificações importante, uma doutrinária e uma constitucional. A CR/88, em seu Título II, trata dos direitos e garantias fundamentais, tendo como espécie os direitos individuais, coletivos, direitos da nacionalidade e direitos políticos.

A classificação de Jellinek divide os direitos fundamentais em direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação.

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Os direitos de defesa são direito de defesa do indivíduo em face do Estado. Exigem uma abstenção do Estado em face da liberdade individual. Se referem aos direitos individuais do art. 5º, CR/88 (direitos civis).

Os direitos prestacionais exigem uma prestação por parte do Estado de ordem material ou jurisdicional. Referem-se aos direitos sociais (arts. 6º ao 11, CR/88). Visam proteger o valor igualdade.

Já os direitos de participação permitem a participação do indivíduo na vida política da sociedade. São os direitos de nacionalidade e os direitos políticos. Têm caráter positivo e negativo.

6. Eficácia e Aplicabilidade:

O art. 5º, §1º, CR/88 afirma que essas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata. Alguns autores concluem que todos eles teriam auto-aplicabilidade, não dependendo de legislação.

No entanto, alguns dispositivos não podem ser aplicados de imediato. Ingo Sarlet afirma que o art. 5º, §1º, CR/88 deve ser interpretado como princípios – mandamentos de otimização – devendo ser aplicados na maior medida possível, fática e juridicamente.

7. Gerações e Dimensões:

Este tema surgiu com a consagração dos direitos fundamentais nas diversas constituições. Diz respeito às épocas de surgimento de certos direitos.

Os DF não foram todos consagrados ao mesmo tempo. Eles foram surgindo com o passar do tempo, das gerações, e estas gerações coexistem todas atualmente. Não houve substituição de uma geração por outra. Por isso, alguns autores preferem falar em dimensões de direitos e não em gerações.

As dimensões remetem ao lema da Revolução Francesa, de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade (nesta ordem).

Cada uma das gerações teve um fator histórico que originou a consagração de seus direitos.

Vejamos quais foram as gerações, os fatores históricos que deram origem aos direitos por elas consagrados e, enfim, que direitos consagram:

→ Liberdade: Direitos Civis e Políticos – 1ª Geração:

Seu marco histórico foi a eclosão das revoluções liberais do Séc. XVIII. A burguesia queria restringir o poder absolutista do Estado, queria que este respeitasse suas liberdades. Por isso tais direitos são direitos oponíveis principalmente ao Estado. Têm caráter negativo, exigindo uma abstenção. São chamados direitos civis e políticos. Como vimos, Jellinek chama os direitos civis de direitos de defesa. Já os direitos políticos são os direitos de participação no Estado. Os direitos de defesa, por exigirem uma abstenção, são direitos de caráter negativo. São basicamente os direitos individuais.

→ Igualdade: Direitos Sociais, Econômicos e Culturais – 2ª Geração:

Surgem com a Revolução Industrial, movimento encabeçado pelo proletariado. Este foi o fator histórico que deu origem a estes direitos. Estes direitos se fortalecerem a foram

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implantados na Constituição durante o Séc. XX. A classe operária lutava por uma redução das desigualdades existentes. Estão ligados, pois, diretamente à igualdade material. Esta é a sua preocupação principal. Têm como objetivo, portanto, reduzir as desigualdades fáticas com a implantação de direitos sociais, econômicos e culturais. Tais direitos têm caráter positivo. Exigem uma ação do Estado; exigem do Estado tanto prestações materiais como jurídicas (são, então, os direitos prestacionais, segundo Jellinek). Alguns autores fazem referencia à “reserva do possível” em relação as prestações, tendo em vista que as limitações orçamentárias do Estado restringem esses direitos. Ou seja, a sua eficácia depende das condições econômicas do Estado. São considerados basicamente como direitos coletivos.

Obs.: a eficácia e efetividade dos direitos de 2ª geração, por exigirem uma prestação do Estado, tem uma eficácia e efetividade menor do que os de 1ª geração (os direitos de 1ª geração têm maior facilidade de serem implementados, normalmente são consagrados em NEP ou NEC, e geralmente em normas auto-aplicáveis; já os de 2ª geração não, eles muitas vezes se consubstanciam em NEL, sobretudo de princípio programático).

As garantias institucionais surgiram com os direitos de 2ª geração. Aqui começou a se perceber que tão importante como proteger o indivíduo, era também importante proteger instituições relevantes para a sociedade, como a família, a imprensa livre e o funcionalismo público.

→ Fraternidade: Direito ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, direito à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade – 3ª Geração:

A partir desta geração a classificação mais utilizada é a do prof. Paulo Bonavides (já que os autores fazem classificações diferenciadas, e a dele é a mais cobrada em concursos).

A 3ª geração, ao lado da 4ª, é a que traz os direitos mais importantes para a atualidade. Ela traz os direitos de fraternidade e solidariedade.

Esta geração teve origem a partir da nítida separação do mundo entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; diante da necessidade de cooperação, da solidariedade entre países ricos e países pobres. Essa dicotomia – países ricos e países pobres – é que teria sido a responsável pelo surgimento desses direitos. Exs: direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento ou progresso, a autodeterminação dos povos (art. 4º, CR/88), à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, direito de comunicação, direito à paz (obs.: quanto ao direito à paz, o prof. Paulo Bonavides colocou em seu livro este direito como direito de 3ª geração, mas ele fez uma palestra cujo título era exatamente “A paz como direito de 5ª geração”. Porém, esta alteração não foi feita em seu livro, por isso é melhor guardar este direito como direito de 3ª geração para as provas).

São direitos transindividuais (direitos coletivos e difusos).

→ Globalização: direito à democracia, à informação e ao pluralismo – 4ª Geração:

Esta geração, segundo alguns autores (mas Paulo Bonavides não está entre eles), traz direitos ligados à pluralidade. Afora esta peculiaridade, as demais características são tratadas pelo prof. Paulo Bonavides.

Esta geração de direitos advém da globalização política, ela foi a responsável por introduzir estes direitos no ordenamento jurídico. Costuma-se citar como exemplos desses direitos os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo (D.I.P.).

A democracia hoje não deve ser vista mais apenas sobre o seu aspecto formal, que seria a vontade da maioria. Além desse aspecto, hoje ela deve ter também um aspecto material (substancial, de conteúdo). Ao lado da vontade da maioria, entende-se que democracia é a proteção de direitos fundamentais, inclusive das minorias. Ou seja, nem sempre a vontade da

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maioria deve ser admitida no plano político. Quem tem o papel contra-majoritário, defendendo os interesses das minorias é o Poder Judiciário. O Legislativo e o Executivo geralmente não toma medidas impopulares, e isso acaba por prejudicar as minorias. O Estado Constitucional Democrático não pode admitir exclusões. A sociedade atual tem uma diversidade que deve ser respeitada; as diferenças têm que ser consideradas e respeitadas. Por isso o direito à democracia é tão importante.

Na nossa Constituição o pluralismo é considerado como fundamento da República Federativa do Brasil (☺art. 1º, V, CR/88). Em uma ponderação, este direito teria um peso mais elevado do que os demais.

Quando se fala em pluralismo político, não se deve pensar apenas no pluralismo partidário, de ideologias políticas e partidárias. Ele abrange um pluralismo religioso, um pluralismo cultural, um pluralismo ideológico, artístico, econômico, de orientações sexuais. Ou seja, ele tem uma importância muito grande, apesar de ser pouco comentado pela doutrina e jurisprudência. Ele preserva, conserva nossas identidades. Ex.: reconhecimento da união homoafetiva para fins de obtenção de alguns direitos, como os previdenciários, os direitos de família, o direito a adoção, etc. Os argumentos contrários a esta união, em geral são preconceituosos ou religiosos (não devendo ser admitidos na esfera pública). ☺ADPF 132.

São também direitos transindividuais.

→ Alguns autores falam ainda em uma 5ª geração, mas se desde a 3ª geração já não há mais consenso entre os autores, quiçá quanto a 5ª, que alguns dizem trazer os direito à internet, mas há divergências na doutrina quanto a isso.

8. Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Fundamentais:

Quando os direitos fundamentais de 1ª geração surgiram, eles tinham uma função bem definida: visavam a defesa dos indivíduos, sendo oponíveis ao Estado – proteção do indivíduo em face do Estado. De acordo com essa concepção clássica de direitos fundamentais, como a relação entre o Estado e o particular é de subordinação, e não de igualdade (já que eles não estão no mesmo plano jurídico), falava-se apenas em eficácia vertical dos direitos fundamentais.

Posteriormente, verificou-se que a opressão aos direitos dos indivíduos não vinham apenas do Estado. Grande parte da violação dos direitos fundamentais era feita pelos próprios particulares, o que fez com que surgisse também uma proteção dos direitos fundamentais em fase desse tipo de opressão. Como a relação entre particulares é de coordenação (e não de verticalidade), fala-se, então, em eficácia horizontal ou privada dos direitos fundamentais. Essa eficácia horizontal ou privada nada mais é, então, do que a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares.

Há 3 teorias principais sobre essa eficácia horizontal dos direitos fundamentais:

→ Teoria da Ineficácia Horizontal:

É a de menor prestígio. É uma teoria que entende que os DF não se aplicam às relações entre particulares, tendo apenas eficácia vertical e não horizontal. Um dos poucos países que ainda adota esta teoria é os EUA. Tem uma razão para isso: a Constituição norte-americana é mais antiga, de uma época em que ainda não existiam os direitos de 3ª geração, só trazendo relações entre o Estado e o particular.

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Nos EUA foi criada a “Doutrina da State Action” (doutrina da ação estatal) para tentar afastar esta proibição. O pressuposto desta doutrina é justamente o de que os DF não se aplicam às relações entre particulares (isso não é o que a doutrina defende, mas o pressuposto do qual ela parte). A finalidade dessa doutrina é tentar afastar a impossibilidade de aplicação e definir em que situações os DF poderiam ser aplicados, analisando caso a caso. O artifício que a doutrina utiliza para tentar contornar essa proibição (para que os DF sejam aplicados às relações entre particulares) é a equiparação dos atos privados aos atos estatais (em determinados casos ela diz que um ato particular é equiparado a uma ação estatal – por isso o nome da teoria).

→ Teoria da Eficácia Horizontal Indireta:

Segundo essa teoria, os DF não entram no direito privado como direitos subjetivos. Não se admitiria, pois, a aplicação direta de DF às relações entre particulares. O principal motivo para isso é a preservação da autonomia da vontade – a relação entre particulares tem como princípio basilar a autonomia da vontade, e esta seria aniquilada se os DF fossem aplicados diretamente a essas relações, causando uma desfiguração no direito privado.

Assim, os DF podem ser aplicados às relações entre particulares, mas, para isso, seria preciso que existisse uma porta de entrada dos DF nessas relações, e essa porta de entrada seriam as cláusulas gerais (bons costumes, ordem pública, etc.).

Os DF não se aplicariam diretamente, em razão dessas cláusulas gerais que teriam que fazer uma intermediação, e, a partir dessas cláusulas os DF entrariam nas relações entre particulares. Os DF seriam utilizados na interpretação dessas cláusulas gerais. Isso é chamado de “Efeito Irradiador” dos DF: os DF irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares através de mediação legislativa.

Os DF são expressados, se exteriorizam, em geral, através de princípios. E como os princípios soa muito vagos, muito abertos, se for permitido ao juiz utilizar qualquer princípio para fundamentar sua decisão, isso poderia causar uma série de problemas. Por isso deveria haver essa intermediação legislativa, para que os princípios pudessem ser concretizados.

Segundo Virgilio da Silva todos os países que estudam esta questão de forma séria adotam esta teoria.

É adotada pela Alemanha.

→ Teoria da Eficácia Horizontal Direta:

Podemos citar 3 países cujo sistema é muito parecido com o nosso que adotam esta teoria: Itália, Espanha e Portugal.

Segundo esta teoria, os DF poderiam ser aplicados diretamente as relações entre particulares, não sendo necessária uma intermediação legislativa. O juiz, com base em um DF poderia decidir um caso concreto entre dois particulares. Mas, então, como ficaria a autonomia da vontade com essa aplicação direta dos DF a essas relações? Aqueles que defendem esta teoria não dizem que os DF se aplicariam com a mesma intensidade nas relações entre o Estado e o particular e nas relações entre particulares. Nestas seria necessário fazer uma ponderação para saber qual é o grau de aplicação desses direitos. A autonomia da vontade requer tal ponderação, quando se tratar de uma relação em que não haja uma igualdade fática entre os particulares (ex.: empregado e empregador, contrato de adesão, etc.) - ☺RE 161.243/DF. Em contrapartida, quando se tratar de uma relação em que haja igualdade fática entre os particulares nela envolvidos, ai sim a autonomia de vontade terá um peso maior.

Assim, quando há uma relação de igualdade real na relação, a autonomia da vontade deve ter um peso maior do que os DF, devendo sobre eles prevalecer. Se, no entanto, houver uma

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desigualdade fática, a proteção tem que ser maior, devendo prevalecer os DF sobre a autonomia da vontade.

O ideal é que haja a regulamentação quanto a aplicação dos DF nas relações entre particulares, mas, ainda que esta regulamentação não exista, é possível a sua aplicação com base na Constituição.

Para a realidade brasileira, esta teoria seria a mais adequada, mas ainda não há decisão quanto a isso. Não se pode ainda falar em nenhuma teoria que tenha sido aplicada ou não aqui. Ainda se trata de uma questão muito nova. A jurisprudência, de uma forma geral, aplica diretamente os DF às relações entre particulares, mas sem se preocupar em definir argumentos que possibilitem firmar que se trata da adoção desta teoria.

Pedro Lenza cita em seu livro alguns precedentes em relação aos quais o Judiciário entendeu como razoável a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas:- RE 160.222-8: entendeu-se como constrangimento ilegal a revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie;- RE 158.215-4: entendeu-se como violado o princípio do devido processo legal e ampla defesa na hipótese de exclusão de associado de cooperativa sem direito à defesa;- RE 161.243-6: discriminação de empregado brasileiro em relação ao francês na empresa “Air France”, mesmo realizando atividades idênticas. Determinação de observância do Princípio da isonomia;- RE 175.161-4: contrato de consórcio que prevê devolução nominal de valor já pago em caso de desistência – violação ao Princípio da razoabilidade e proporcionalidade (devido processo legal substantivo);- HC 12.547/STJ: prisão civil em contrato de alienação fiduciária em razão de aumento absurdo do valor contratado de R$ 18.700,00 para R$ 86.858,24. Violação ao Princípio da dignidade da pessoa humana;- Resp. 249.321: cláusula de indenização tarifada em caso de responsabilidade civil do transportador aéreo – violação ao Princípio da dignidade da pessoa humana;- RE 201.819: exclusão de membro de sociedade sem a possibilidade de sua defesa – violação do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (voto do Min. Gilmar Mendes).

Este último caso nos parece ser o início de forte tendência que surge no âmbito do STF para a aplicação da Teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais às relações privadas. Em seu voto, o min. Gilmar Mendes (que divergiu da Relatora Min. Ellen Gracie), afirmou que “esse caráter público ou geral da atividade parece decisivo aqui para legitimar a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CR) ao processo de exclusão de sócio de entidade”.

→ Conclusão:

Cresce a Teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (eficácia horizontal), especialmente diante de atividades privadas que tenham um certo “caráter público”, como, por ex., em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho, etc.

Nessa linha, poderá o magistrado se deparar com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam o princípio da autonomia da vontade privada e da livre iniciativa de um lado, e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais de outro.

Diante dessa colisão, indispensável será a ponderação de interesses à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.

9. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais:

O primeiro aspecto importante aqui é saber qual a relação entre a dignidade da pessoa humana e os DF. Ela é um direito?

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Ela está prevista no art. 1º, III, CR/88, sendo considerada como um fundamento. Ocorre que ela não é considerada apenas como um fundamento e sim como um valor constitucional supremo, tendo penso maior na ponderação com os demais valores (mas atenção: ela não é a norma suprema, mas o valor supremo).

A dignidade não é considerada como um DF, e nem mesmo como um direito. Ela é considerada como um valor por uns, e, por outros, como um atributo que todo ser humano possui, independentemente de qualquer condição (cor, raça, religião, etc.). a dignidade é o que diferencia o ser humano de todas as demais coisas, como já afirmava Kant (já que todas as coisas têm preço, e o ser humano tem dignidade).

A dignidade da pessoa humana é o núcleo entorno do qual giram os DF. A função dos DF é justamente proteger a dignidade das pessoas. Alguns DF soa mais diretamente ligados à dignidade (como a liberdade),e outros que são derivações indiretas e não diretas (como o direito a férias, por ex.).

Mas, de qualquer forma, todos os DF existem para proteger a dignidade da pessoa humana. Por isso alguns autores falam em sistema de DF, cujo caráter é unitário, já que todos os DF derivam de um ponto comum, tem um mesmo núcleo: a dignidade.

A dignidade é um postulado normativo de interpretação, é um princípio ou uma regra? A dignidade da pessoa humana tem essa tripla dimensão: pode ser vista como um postulado, como um princípio e como uma regra:

- Postulado normativo interpretativo: por ser a dignidade da pessoa humana o valor supremo, ela vai auxiliar na interpretação das demais normas constitucionais. Ex.: art. 5º, caput, CR/88 – um dos aspectos abordados ali são os destinatários dos direitos individuais (brasileiros e estrangeiros residentes no país) – o STF e a grande maioria da doutrina interpreta esse dispositivo da seguinte forma: se a dignidade da pessoa humana é um atributo que todo ser humano possui, independentemente da sua origem, da sua nacionalidade, enfim, de qualquer condição, e se os direitos individuais (que são os direitos ligados à liberdade, à igualdade) estão diretamente ligados à dignidade do ser humano, decorrendo diretamente desse atributo, todos que entrem em contato com o nosso ordenamento jurídico poderiam invocar o art. 5º, CR (o ordenamento jurídico não pode diferenciar os nacionais dos estrangeiros ou os estrangeiros residentes e não residentes – não se pode, pois, discriminar o estrangeiro não residente no país). Neste caso, pois, a dignidade atuou não como princípio ou regra, mas como postulado normativo de interpretação.

- Princípio: o princípio da dignidade da pessoa humana impõe, principalmente ao Estado, dois deveres: o dever de proteção e o dever de promoção da dignidade. Esta proteção e promoção é feita, sobretudo, através dos DF. O Estado tem o dever de garantir o “Mínimo existencial”: é o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna; direitos mais específicos e diretamente ligado à dignidade (saúde, moradia, etc.). Este princípio tem um caráter positivo, impõe uma atuação do Estado, exige que o Estado atue positivamente.

- Regra: a dignidade também atua como uma regra, aplicável na medida exata de suas prescrições. Significa o dever de respeito por esse valor, esse atributo. Tem, pois, um caráter negativo, impondo uma abstenção (as pessoas e o Estado têm que se abster de violar a dignidade da pessoa humana). Podemos associar esta regra a uma concepção muito estudada por Kant. Segundo ele, a dignidade é violada toda vez que o ser humano é tratado não como um fim em si mesmo, mas como um meio, um objeto para se atingir determinados fins. Esta concepção do Kant ficou conhecida na Europa como “Fórmula do Objeto”. Mas em muitos casos o ser humano é tratado como um meio e isso não significa necessariamente uma violação à dignidade (ex.: pessoas que voluntariamente se ofereceram para testes de uma vacina para o tratamento da AIDS – isso não é violação à dignidade, o seria se o Estado obrigasse determinadas pessoas, como os presos, a este tipo de teste). O tribunal Alemão, portanto, analisando esses casos, acrescentou ao aspecto objetivo (tratamento como objeto) o aspecto subjetivo (tratamento como

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objeto fruto de uma expressão de desprezo pelo ser humano), para que só então se pudesse falar em violação à dignidade da pessoa humana. Caso muito conhecido na França: algumas casas noturnas tinham como principal atrativo o arremesso de anões, e isso causou indignação em algumas parcelas da população, que alegavam que este tratamento era ofensivo à dignidade em seus dois aspectos (objetivo e subjetivo), o que ocasionou o fechamento dessas casas. Ocorre que os anões, em litisconsórcios com as casas noturnas recorreram da decisão, afirmando que o que violava a sua dignidade não era ser o fato de serem utilizados como objetos por essas casas, e sim ficar em casa desempregados, ainda que recebessem uma aposentadoria do governo, mas sem o convívio social. Assim, começou-se a discutir se o Estado pode realmente dizer o que fere ou não a dignidade da pessoa humana, já que é preciso analisar cada caso separadamente.

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DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE:DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE:

☺art. 5º, CR/88.Nos 78 incisos deste art. a Constituição vai concretizar os valores da inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.Obs.: esta segurança que o art. 5º, caput, traz é a segurança jurídica (a segurança pública é

direito social).Estes direitos são expressos em princípios e os princípios comportam ponderações

diferentes, de forma que não se pode falar em direitos absolutos. Por isso, sobre cada direito a ser a seguir estudado haverá várias divergências a cerca de determinadas questões, e haverá também posicionamentos já firmados pela doutrina e jurisprudência em relação a outras. Vejamos:

1. Direito à vida:

A Constituição consagra a inviolabilidade do direito à vida.A dupla dimensão ou acepção deste direito é: o direito a permanecer vivo e o direito a

uma vida digna.☺art. 1º, III e art. 170, CR.Não devemos confundir irrenunciabilidade com o não exercício de um direito. A

irrenunciabilidade é uma característica que todos os DF possuem. As pessoas não podem abrir mão destes direitos. O direito a vida, como DF é pressuposto dos demais direitos, também não pode ser renunciado. Mas atenção: a irrenunciabilidade não se confunde com o não exercício do direito. Este pode ocorrer. A renúncia é definitiva, o não exercício é temporário (no caso do direito à vida, por óbvio, não há que se falar em não exercício).

Porque o direito à vida é irrenunciável, se discute muito se é ou não possível a eutanásia ou a ortotanásia (eutanásia passiva – quando desligam-se os aparelhos que mantêm a pessoa viva). Mas prevalece no Brasil o entendimento de que nenhuma das modalidades de eutanásia é admitida, pois a vida é uma direito irrenunciável.

Da mesma forma também se mostra polêmica a questão dos “Testemunhas de Jeová”, diante da qual é preciso fazer uma ponderação entre o direito a vida e a autonomia da vontade e liberdade religiosa.

→ Inviolabilidade do direito à vida:

É caso de um mesmo direito titularizado por pessoas diferentes. Muitas vezes não há como prevalecerem o direito de ambos os envolvidos no fato, como no caso de estado de necessidade ou no caso de legítima defesa. Nesses casos a pessoa pode se defender violando o direito de outrem. Outro caso é o do aborto terapêutico ou necessário, aquele que pode ser realizado quando a má formação do feto colocar em risco a vida da gestante. Neste caso a mãe pode violar o direito a vida do feto sem que isso seja considerado crime. Esta questão é bastante clara.

O problema maior existe quando conflitam de um lado o direito a vida e de outro um outro direito fundamental. ☺art. 5º, XLVII, que permite a pena de morte em algumas hipóteses, é, pois, um caso constitucional de violação de direitos. Quanto a esta hipótese não há controvérsias.

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Quanto ao caso do aborto sentimental (art. 128, II, CP) a questão é um pouco mais polêmica. Há dois entendimentos:

a) o direito a vida e a dignidade são absolutos e, portanto, o art. 128, II, CP não teria sido recepcionado pela CR;

b) a liberdade sexual e a liberdade da pessoa humana da mãe justificariam o afastamento do direito a vida do feto.

Outra questão: aborto no caso de acrania ou anencefalia, discutida na ADPF 54. Esta ADPF trata de uma interpretação do CP, e, por isso, ela é a única ação de controle abstrato cabível, já que o CP é anterior à CR. A questão ainda está sendo discutida no STF. Vejamos os argumentos ali discutidos (posição de Luiz Roberto Barroso):

1) antecipação terapêutica do parto não é aborto: atipicidade da conduta; o feto não tem a menor chance de sobrevida, a morte não decorre do aborto, mas sim da acrania. Para o direito brasileiro, a vida termina com a morte encefálica, então, senm o sistema nervoso central, não haveria vida.

2) interpretação evolutiva do CP: na eventualidade de ser considerado como aborto, deve ser feita uma interpretação evolutiva do CP (art. 128), já que na época em que foi feito o art. 128 (em 1940), não existiam meios técnicos para se detectar a acrania. Se isso fosse possível, o legislador teria previsto essa hipótese como caso de “não punibilidade”. O STF, por 7 votos a 4, entendeu que, ao considerar o aborto em caso de acrania como hipótese de “não punibilidade”, o STF não estaria legislando, mas sim interpretando da CR/88.

3) dignidade da pessoa humana, analogia à tortura e interpretação conforme a CR/1988: obrigar a gestante a gerar uma criança durante nove meses, sabendo que ela vai morrer, além de colocar em risco a sua própria vida, em razão do risco de morte intra-uterina, é uma forma de tortura psicologia.

Argumento: “desacordo moral razoável” – é uma ausência de consenso sobre posições racionalmente defensáveis. O desacordo moral razoável ocorre quando há duas posições racionalmente defensáveis. Nesse caso, o Estado deve respeitar as valorações éticas de cada pessoa e não impor uma conduta externa imperativa.

Assim, se as duas posições são defensáveis, o papel do Estado deve ser não se intrometer e assegurar a autonomia da vontade.

Outro tema muito importante que está sendo discutido no Brasil atualmente é a questão da legalização do aborto (não nos casos já discutidos, mas de modo geral). Ela poderia ou não existir?

A chamada “Proibição por defeito”, segundo Canotilho, é um aspecto do Princípio da Proporcionalidade. Ocorre quando a medida chamada for inadequada, insuficiente para a proteção do direito.

O aborto não precisaria ser necessariamente crime. Ele poderia sofrer outras sanções de ordem não penal.

Ademais, quem diz a partir de quando começa o direito à vida é o legislador. E o direito à vida, como todos os outros, é relativo. Encontra limites em outros direitos consagrados pela CR/1988.

Nos EUA e na França, o aborto pode ser realizado até a 24ª semana.

(06/11/08)

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2. Direito à privacidade:

O direito a privacidade está consagrado, sobretudo, no art. 5º, X, CR – é inviolável a vida privada, a honra, a intimidade e a imagem das pessoas.

Proteção da honra e da imagem. Há decisões judiciais onde muitas vezes, o direito à imagem é confundido com o direito à honra. Mas, na verdade, são direitos independentes. Ex: pessoa participar de comercial sem o seu consentimento. Ainda que não afete a honra, o direito à imagem foi violado.

Restrições legítimas ao direito à imagem: há algumas situações em que o direito à imagem pode ser restrito. Ex: Radares eletrônicos, câmeras de segurança (quando se diz que as câmeras são legítimas, é necessário analisar o tipo de imagem que foi gravada. Se tiver gravado um crime, a imagem pode ser usada num processo. Será considerada prova lícita. No entanto, não se podem divulgar imagens captadas num prédio, por exemplo. Há leis impedindo a divulgação dessas imagens).

Ex: notícia publicada dentro de um contexto jornalístico. Se uma reportagem de televisão capta a imagem de uma pessoa, sendo essa matéria feita dentro de um contexto jornalístico, a pessoa não pode dizer que o seu direito foi violado. Se filmar uma passeata, a restrição é legítima.

Ex: matérias de interesse público, histórico, científico ou cultural. Nesses casos, há uma restrição legítima ao direito de imagem e ao direito de privacidade, de uma forma geral.

Questão de Concurso: Gravação clandestina, quebra de sigilo e interceptação telefônica. Esses 3 assuntos são objeto de confusão. Então, veremos cada um separadamente.

1. Gravação clandestina dentro do direito de privacidade : consiste em uma gravação ambiental, pessoal ou telefônica feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Numa gravação clandestina, temos a seguinte situação: Uma conversa entre 2 interlocutores. Um desses, sem que o outro saiba, realiza uma gravação. Pode ser ambiental (ex: câmera de segurança), pode ser pessoal (ex: i-pod) ou pode ser telefônica. Nesses casos é vedada a gravação como prova, pois viola a privacidade de quem teve a conversa gravada sem o seu conhecimento. É vedada pelo art. 5º, X, CR. Em regra, uma gravação feita clandestinamente, é admitida como prova do processo? Se a gravação for clandestina, ela é ilícita. A Constituição proíbe as provas obtidas por meio ilícito. Há hipóteses em que a jurisprudência admite uma gravação, mesmo tendo sido feita sem o conhecimento do outro interlocutor. Vejamos as hipóteses que já estão sedimentadas no STF:

a) Quando a gravação for a favor do réu. O réu poderá utilizá-la em sua defesa no processo penal. Neste caso, é feita uma ponderação entre o direito à privacidade e o direito à liberdade do réu. O direito de liberdade é maior.

b) Quando a gravação é feita em legítima defesa: A gravação não é clandestina, pois há uma excludente de antijuridicidade. Ex: gravação feita contra um seqüestrador, contra um chantagista, contra um estelionatário, etc. Se uma pessoa faz uma gravação contra um seqüestrador, ela está realizando aquela gravação em sua legítima defesa. Esta é excludente de ilicitude. Logo, a gravação é considerada lícita. Não tem sentido o seqüestrador dizer que a sua conversa foi violada.

c) Quando a gravação é feita contra agentes públicos: Não é gravação feita por agente público. O STF costuma fazer uma ponderação entre o direito à privacidade do agente público e os princípios que regem a Administração Pública, sobretudo, os princípios da moralidade e da publicidade. Ao realizar essa ponderação, o STF tem entendido que os princípios teriam um peso maior e justificariam a utilização dessa gravação.

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Ex: policial federal recebendo dinheiro, assessor de prefeito pede dinheiro para beneficiar uma empresa. O prof. acha que a fundamentação do STF não é a mais adequada. Não há que se falar em colisão. Os atos administrativos são regidos pelo princípio da publicidade. O agente público, quando pratica um ato na condição de agente público, não tem privacidade.

Obs.: Podem existir várias outras exceções. O prof. só disse as situações onde o STF tem jurisprudência a respeito.

2. Quebra de Sigilo : há ministros que entendem que esse sigilo estaria protegido pelo art. 5º, X, outros dizem ser pelo art. 5º, XII, outros entendem que não há proteção. Entende-se que a quebra se sigilo engloba basicamente 4 sigilos, a saber:

a) Sigilo bancário: diz respeito aos dados bancários de uma pessoa. Ex: extrato de conta corrente.

b) Sigilo fiscal: dizem respeito, por ex., as informações constantes na declaração de imposto de renda. Na Itália, divulgaram todas as declarações na internet. Os jornais publicaram essas declarações. Isso é uma violação clara do direito de privacidade. A declaração não é algo que qualquer pessoa pode ter acesso. Essa declaração, ainda que não seja sigilosa, deve ter uma certa salvaguarda, pois ela pode colocar em risco a segurança de uma pessoa, pode colocar uma pessoa em situação vexatória.

c) Sigilo de dados (sobretudo de dados informáticos): seriam as informações constantes de um HD, de um cd room.

d) Sigilo telefônico: Pergunta – pode uma CPI quebrar o sigilo telefônico? Sim. Ela não pode determinar uma interceptação telefônica. O sigilo telefônico não tem nada a ver com o conteúdo da conversa telefônica. A quebra do sigilo ocorre depois que a conversa já finalizou. Quando se quebra o sigilo telefônico, tem acesso ao registro das ligações telefônicas (quais os números ligados, a duração da chamada, etc.).

A quebra de sigilo é difícil de ser enquadrada. Dentro do próprio STF há divergência.Quem são as autoridades que podem determinar a quebra do sigilo? Inicialmente, com

relação ao sigilo bancário tem uma lei específica – LC 105/01. Esta LC permite que as autoridades fazendárias tenham acesso a dados bancários de uma determinada pessoa. Essa LC está sendo objeto de várias ADIs perante o STF. Ainda não houve declaração de inconstitucionalidade dessa lei. A lei, por enquanto, está em vigor. Esta semana saiu um informativo do STF, tratando da LC 105. Um advogado do ES teve os seus dados bancários solicitados por um agente da Receita Federal. Ele alegou a ilegalidade desse ato, alegando que só o juiz poderia ter acesso aos dados. O Min. Lewandovisk suspendeu a aplicação da LC. No entanto, essa decisão foi para um caso específico.

Os sigilos podem ser quebrados por um juiz. A autoridade judicial pode requisitar dados bancários, fiscais, informáticos. Além do juiz, a CPI também pode determinar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico. De acordo com o art. 58, § 3º, CR a CPI tem poderes de investigação próprios de uma autoridade judicial.

Quando a CR fala em “poder de investigação”, não significa que o juiz tenha poderes investigatórios. São poderes instrutórios.

E o Ministério Público? Segundo o STF, ele não pode requisitar diretamente. Se ele quiser, será necessário solicitar ao juiz para que este determine a quebra. Tem uma decisão do STF muito comentada, que é uma exceção a essa regra. Essa exceção só confirma a regra. O MP solicitou informações ao Banco do Brasil sobre o empréstimo feito aos plantadores de cana de açúcar. O STF decidiu que, naquele caso específico, como havia verba pública envolvida, o BB poderia opor o sigilo ao MP. Essa decisão foi dada porque havia verba pública envolvida.

E o TCU pode solicitar a quebra do sigilo? Também não pode. Quem pode é só o juiz e a CPI. Nem TCU nem qualquer tribunal de conta podem.

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3. Interceptação telefônica : aqui este assunto será tratado de uma forma mais ampla – interceptação das comunicações. Dentro dela, falaremos da interceptação telefônica. A interceptação das comunicações é vedada pelo art. 5º, XII, CR. O inciso X impede a gravação clandestina. Segundo o STF, o art. 5º, XII, protege a liberdade das comunicações. Para o prof., também protege a privacidade. Ela protege 4 formas de comunicações, vejamos:

a) Comunicações telegráficasb) Comunicações epistolares (feitas através da correspondência)c) Comunicações de dados (esses dados seriam apenas dados informáticos, segundo

alguns autores)d) Comunicações telefônicasEm que consiste a interceptação dessas comunicações? Observe a diferença entre uma

gravação clandestina e uma interceptação telefônica. Na interceptação, uma terceira pessoa se intromete na comunicação. Ou ela interrompe a comunicação ou ela intercepta. Pode ser que um dos interlocutores saiba ou pode ser que nenhum dos interlocutores saiba.

Consiste na intromissão ou interrupção de uma comunicação, por uma terceira pessoa, sem o conhecimento de um ou de ambos os interlocutores.

Pode ser com o conhecimento de um dos interlocutores ou sem conhecimento de nenhum dos interlocutores. Alguns autores dizem que a interceptação só ocorre quando nenhum dos interlocutores não tenha conhecimento. Se um souber, será gravação clandestina. Mas isso não é a posição do STF. Se um souber, mas foi feita por um terceiro, será interceptação telefônica, segundo o STF.

Nessas hipóteses, a CR faz uma ressalva quanto às comunicações telefônicas. Em relação a essas, a Constituição estabelece 3 requisitos:

a) Ordem judicial b) Na forma da leic) Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.Em relação à comunicação epistolar, a Constituição não estabelece qualquer requisito. A

correspondência pode ser violada em alguma hipótese? Não existem direitos absolutos. Então, em determinadas hipóteses, o sigilo poderá ser violado. Ex: correspondência utilizada para práticas ilícitas. Quando se falou do método tópico problemático, um dos argumentos utilizados pelo STF é de que o sigilo epistolar não pode ser salvaguardado para a prática de ilícitos. Ex: diretor de presídio pode violar a correspondência do preso se houver suspeita de que aquela correspondência está sendo utilizada para a prática de ilícitos. Na prática, abrem-se todas as correspondências. O professor acha que o certo seria avisar ao preso de que todas as correspondências serão abertas.

Outra hipótese em que o sigilo epistolar também pode ser violado é no caso de segurança pública. Ex: correspondência que pode causar risco à saúde pública. Seria legítima a violação à privacidade feita pelos correios (passam por um raio-X)? O professor acha que isso justifica em razão da possibilidade de práticas ilícitas.

Além dessas duas hipóteses, também se admite violação ou restrição do sigilo de correspondência, durante situações excepcionais – estado de defesa e estado de sítio. Aliás, durante o estado de defesa e o estado de sítio, pode haver restrições às comunicações telefônicas.

Com relação ao sigilo de dados, o STF tem um entendimento que, segundo o prof., é equivocado. O STF entende que com base o art. 5º, XII, protege a liberdade de comunicações, os dados de informática em si não estão protegidos. O que está protegido é apenas as comunicações dos dados. O art. 5º, XII impede que o e-mail enviado de (A) para (B) seja interceptado. Porém, a partir do momento em que o e-mail foi aberto, não estaria protegido por esse dispositivo. Para

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o prof., quando a Constituição fala em “sigilo de comunicação de dados”, ela também está protegendo o conteúdo desses dados, seja pelo art. 5º, XII, seja pelo art. 5º, X.

Sigilo das comunicações telefônicas: Só para fins de investigação criminal ou para instrução processual penal. Não são admitidas para outras finalidades.

A interceptação de comunicação telefônica talvez seja uma das formas mais graves de violação à privacidade das pessoas. Pois, neste caso, fere a privacidade de várias pessoas que não têm nada a ver com o caso.

A interceptação não pode ser uma regra de investigação. Ela deve ser usada para situações excepcionais. No entanto, o STF (em decisão recente) admitiu que as declarações feitas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal fossem utilizadas para processo administrativo disciplinar. Não se está dizendo que pode haver uma interceptação telefônica para processo administrativo disciplinar.

O segundo requisito que a CR exige é “na forma da lei”. A lei que regulamenta a interceptação telefônica é a Lei 9.296/96. A lei exige alguns requisitos além dos exigidos pela Constituição. A lei diz que só pode haver a interceptação no caso de não existir outro meio de prova. Ela deve ser o último recurso. Como é o meio mais fácil, essa lógica tem sido invertida. Além disso, a lei permite a interceptação somente para crimes punidos com reclusão. A lei estabelece prazo máximo de interceptação (15 dias, prorrogáveis por mais 15). O STF entendeu que a interceptação pode ser prorrogada indefinidamente. O professor acha que há certo abuso neste caso. Recentemente, o Min. Nilson Naves utilizou-se de um parâmetro para falar da proporcionalidade e da razoabilidade dessa prorrogação indefinida. Durante o estado de defesa, a CR permite a interceptação (30 dias + 30 dias). Se numa situação excepcional, admite-se uma interceptação de no máximo 60 dias, imagine numa situação normal. Ele entende que a prorrogação não pode durar por tanto tempo. Pode ser que com os abusos recentes, o STF acabe mudando a sua jurisprudência.

O terceiro requisito é que deve ser por ordem judicial. Segundo o STF, quando a Constituição diz “por ordem judicial”, ela está nos remetendo à chamada “cláusula da reserva de jurisdição”. Reserva de jurisdição significa que determinados atos são reservados apenas ao Poder Judiciário. Somente o juiz, e mais ninguém, pode determinar a prática desses atos.

Quando uma matéria está submetida à reserva de jurisdição, nenhuma outra autoridade pode determinar a prática dessa conduta. Nem mesmo CPI, que tem poderes de investigação próprios de autoridade judicial. Então, nesses casos, a CPI não pode determinar a interceptação telefônica. Ela pode determinar a quebra do sigilo telefônico.

Na jurisprudência do STF, há 04 assuntos submetidos à reserva de jurisdição, vejamos:a) Art. 5º, XII: interceptação telefônicab) Art. 5º, XI: violação de domicílio. A CPI não pode determinar a violação de

domicílio. c) Art. 5º, LXI: possibilidade de prisão. Nesse artigo, a Constituição da República diz

que somente a autoridade judiciária competente pode determinar a prisão de alguém, salvo o flagrante delito. É por isso que o STF concedeu vários habeas corpus preventivos nos casos de CPI. A CPI não tem o poder de determinar a prisão de ninguém. O STF entende que a legislação que estabelece que a CPI pode determinar a prisão de determinadas pessoas não foi recepcionada pela Constituição.

d) Art. 5º, LX: sigilo imposto a processo judiciário. Essa decisão foi recente (☺MS 27.483 – medida cautelar concedida nesse MS). O STF entendeu que o sigilo imposto a um processo judiciário não pode ser quebrado, violado, por nenhuma outra autoridade, nem a CPI. Somente um juiz pode revogar o segredo de justiça.

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→ Inviolabilidade do domicílio:

Com relação à inviolabilidade do domicílio, devemos analisar 2 situações diferentes. A Constituição protege a inviolabilidade do domicilio contra o consentimento do morador. Vejamos as situações:

1. Se houver o consentimento, não há falar em violação de domicílio. Ou seja, se houver o consentimento de um dos moradores, a polícia pode entrar. Com o consentimento, qualquer pessoa pode entrar, seja durante o dia seja durante a noite. É necessária a autorização da empregada doméstica para entrar no quarto dela? Naquele compartimento, a entrada deve ser permitida pela empregada, e não pelo dono da casa.

2. Sem consentimento já é diferente. A Constituição trata de 2 situações distintas, a saber:

a) Situações emergenciais: Flagrante delito. Ex: crime dentro de uma residência. Prestar socorro Desastre

Nessas 3 hipóteses, por serem situações emergências, a casa pode ser invadida a qualquer hora, seja do dia seja da noite.

b) Determinação judicial: Para cumprimento de um mandado judicial. Como um mandado pode ser cumprido num horário adequado teoricamente, a CR não permite o cumprimento desse mandado durante o período noturno, porque a noite é o período de descanso, não só dos moradores daquela casa, mas dos vizinhos também. Ex: Elias Maluco. Ele estava em determinado barraco e era período noturno. A polícia cercou o barraco, esperou amanhecer e, na manha, prendeu o Elias Maluco.

O que significa dia? Existem 2 critérios:1. Cronológico: é o critério mais antigo, mais tradicional. É utilizado por JAS. Segundo

ele, dia é o período compreendido entre 6 horas da manhã e 18 horas da noite. Não corresponde ao período do processo civil (os atos processuais podem ser cumpridos até 20 horas). Como se deve interpretar isso então? Se for necessário invadir o domicílio, só pode cumprir o mandado até as 18 horas. Se houver o consentimento do morador, poderá cumprir o mandado até as 20 horas.

2. Fisíco-astronômico: é um critério mais justo, mais adequado. Quando o sol nascer é dia; quando o sol se põe é noite. Dia seria o período entre a aurora e o crepúsculo. O serviço de meteorologia tem como analisar isso com precisão exata.

3. Alguns autores propõem uma utilização conjunta desses critérios. Ex: anoiteceu 5 horas da tarde, não poderá mais entrar no domicílio.

O que se entende como sendo “casa” para fins de proteção constitucional?A casa, prevista no dispositivo, compreende escritórios, consultórios, estabelecimentos

comerciais e industriais, compartimentos habitados. ☺Art. 150, CP, que traz uma conceituação bastante extensiva. Na CR/88 o conceito também é bastante extenso. Ex: quarto de hotel é casa? Se o quarto estiver habitado, entra no conceito de casa; se estiver vazio, não entra no conceito de casa. Escritório entra no conceito de casa em relação à parte fechada. Estabelecimentos comerciais só entram no conceito de casa em relação à parte reservada; na parte em que o público tem livre acesso, não entra em conceito de casa. Ex: parte de trás do caminhão, onde o

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caminhoneiro dorme. Entra no conceito de casa. E o carro? O prof. não encontrou nenhuma decisão a respeito. Ele acha que não pode ser entendido como uma casa. E se a pessoa estiver dormindo dentro do carro? Se a pessoa estiver dormindo, até pode considerar como sendo uma casa naquele momento. É uma hipótese muito difícil de ocorrer.

Essas interpretações extensivas fazem suscitar a questão a respeito da possibilidade de um fiscal entrar num estabelecimento sem que haja o consentimento do proprietário. Será que ele pode entrar? Tem alguns fiscais que fazem isso, pautado por normas legais. Só que o STF já proferiu decisões, dizendo que essa legislação não foi recepcionada integralmente pela CR/88.

STF: A auto-executoriedade da Administração Fazendária cedeu lugar à inviolabilidade do domicílio. Segundo o entendimento do STF, hoje, os fiscais não podem entrar no estabelecimento se não houver o consentimento do proprietário. Se entrar com o uso da força, a prova colhida será considerada ilícita. Tem que haver uma clara oposição do proprietário ou de alguém dentro do estabelecimento. Na maioria dos casos, o STF considera as provas lícitas por causa disso. Ele deve dizer “aqui você não entra”. Se não provar que a entrada foi com o uso da força, a prova é lícita. Essa auto-executoriedade só perdeu lugar em face da inviolabilidade do domicílio. Então, a restrição é somente em relação à entrada. Uma vez dentro do estabelecimento, o proprietário não pode restringir o trabalho da autoridade fiscal.

3. Princípio da Igualdade:

É o princípio que está consagrado em vários dispositivos constitucionais. São três igualdades consagradas seguidamente no texto constitucional.

Quando se fala em princípio da igualdade, não significa que a lei não possa fazer distinções. A função da lei é diferenciar pessoas diferentes, em situações diferentes. Não se tem de analisar se a lei fez distinções, mas se o critério que ela utilizou para diferenciar está previsto como um fim constitucional consagrado.

É necessário analisar se o elemento discriminador está a serviço de um fim constitucional. Observe que o critério utilizado em si não é determinando em muitos casos. Ex: critério

que leva em consideração a cor de uma pessoa. Pode ser considerado um critério válido? O CABM dá o seguinte exemplo: Faculdade pública resolve contratar pessoas da raça negra para verificar porque essas pessoas são mais aptas para o esporte. Esse critério não é nenhuma discriminação. É necessário analisar o critério em conjugação com o fim constitucionalmente consagrado.

Para o critério ser constitucional, é necessário que ele seja:1. Objetivo 2. Razoável3. Proporcional

O critério subjetivo dá margem à discricionariedade. Se o critério não for objetivo, razoável e proporcional, ele não estará de acordo com o fim consagrado. Ex: critério preconceituoso, arbitrário, discriminatório. Nestes casos, são critérios que não estão em harmonia com o que a Constituição da República estabelece.

Questão de Concurso: o edital de concurso público pode estabelecer certos critérios de admissão? ☺art. 7º, XXX, CR. Esse artigo é aplicável também aos servidores públicos. A Constituição veda critérios de admissão baseados em sexo, idade, cor e estado civil. O STF admite que esse tipo de critério seja previsto em edital, mas ele exige 2 requisitos, vejamos:

1. Deve ter previsão legal anterior para que sejam admitidos esses critérios.

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2. Esses critérios precisam ser justificados pela natureza das atribuições a serem exercidas.

O STF tem uma súmula a este respeito – ☺Súm. 683. Esta súmula fala especificamente sobre o limite de idade. Mas, há decisões do STF onde o mesmo entendimento é utilizado para outros critérios de admissão.

Ex: Cargo de um agente penitenciário para previsão feminina para fazer revista de mulheres. Não irá fazer concurso para homens participarem. Esse critério é razoável.

Ex: tem determinados cargos que exigem certo porte físico – agente policial. Para esses casos, justifica-se a altura.

→ Igualdade Formal x Igualdade Material:

A igualdade formal é conhecida também como igualdade civil ou jurídica ou perante a lei. É a que está consagrada no caput do art. 5º. Em que consiste essa igualdade? É um tratamento isonômico a todos os seres de uma mesma categoria essencial. É tratar pessoas que se encontram em uma mesma situação de uma forma igual.

Questão de Concurso - Cespe: o critério de justiça de Aristóteles estaria relacionado à igualdade material ou formal? O entendimento de JAS é de que esse critério de justiça de Aristóteles (tratar o iguais de forma igual, e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades) estaria ligado à igualdade formal, e não a igualdade material. Para autores, seria desigualdade material. Para o professor, a igualdade material não corresponde a esse tratamento desigual.

Ex: Alíquotas de imposto de renda. São alíquotas diferenciadas de acordo com a renda. Isso é igualdade formal. Trata pessoas diferentes de uma forma diferente.

A igualdade material é conhecida como igualdade real ou fática ou perante os bens da vida. Quando se fala em igualdade material, a idéia que se tem é a redução de desigualdades. Não é tratar pessoas diferentes de forma diferente. É reduzir as desigualdades existentes. Visa uma redução das desigualdades fáticas, da desigualdade que as pessoas têm em relação aos bens da vida.

A Constituição consagra a igualdade material também? Essa igualdade é consagrada numa conjugação de vários dispositivos. ☺art. 5º c/c art. 3º, III c/c direitos sociais (estão espalhados por toda a Constituição). Quando estudamos as gerações de direitos fundamentais, vimos que cada geração está ligada a um valor – liberdade, igualdade e fraternidade. O prof. disse que está ligada à igualdade material. Por quê? Porque a finalidade desses direitos é proteger os hipossuficientes para reduzir essas desigualdades existentes. Se o Estado não proporcionar esses direitos, não haverá uma igualdade real. Como uma pessoa que não teve acesso à escola, pode ter as mesmas condições de outra pessoa.

Quando se fala em igualdade material, surge a questão relacionada às ações afirmativas. O STF está decidindo se as ações afirmativas seriam ou não constitucionais.

→ Ações Afirmativas ou Discriminações Positivas:

Fala-se em discriminações positivas porque é uma maneira de discriminar, mas discrimina-se positivamente (para reduzir as desigualdades).

Essas ações não surgiram nos EUA, mas na Constituição Indiana em 1947. Todas as ações afirmativas devem ter um prazo de duração. O objetivo é corrigir de forma imediata uma situação. Ex: Cotas para pessoas carentes. Não é uma forma de resolver o problema. O ideal é que as pessoas carentes tivessem o mesmo nível de escolaridade. Mas, para tentar reduzir as desigualdades, utiliza-se das ações.

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No caso da Índia, essas ações deveriam existir por 10 anos. Porém, aconteceu o contrário. Criaram-se outras ações afirmativas, e prolongaram as que já existiam. Dificilmente, o governante vai querer extinguir essas ações afirmativas. A tendência é que elas aumentem. Essa é uma das críticas que se fazem as ações afirmativas.

Essas ações seriam constitucionais? O professor acha que são constitucionais, pois estão ligadas diretamente à igualdade material. Tem autores que entendem ser inconstitucional, pois elas criam uma discriminação reversa. O que é essa discriminação? A partir do momento que se cria cotas em um determinado grupo de pessoas, está discriminando pessoas que não fazem parte desse grupo. Então, elas terão uma dificuldade muito maior para entrar numa universidade, por exemplo. O prof. acha que esse argumento não convence. Em princípio, essas ações são constitucionais, mas é necessário analisar uma série de fatores.

É razoável que um deficiente tenha cota em concurso público? O professor acha que isso se justifica para a inclusão dessas pessoas. Se um concurso público estabelece 60% de vagas para deficiente, o critério discriminador seria desproporcional. A cota deve ser proporcional à população.

Ações afirmativas e sistemas de cotas não são sinônimos. O sistema de cotas é uma das formas de ações afirmativas. As ações afirmativas não são somente por parte do Poder Público.

Conceito de ações afirmativas: Consistem em políticas públicas ou programas privados desenvolvidos com a finalidade de reduzir as desigualdades decorrentes de discriminações ou de uma hipossuficiência (econômica ou física), por meio da concessão de algum tipo de vantagem compensatória de tais condições.

Sistema de cotas para negros – seria inconstitucional? O professor não entrará no mérito. Isso é uma questão de política pública. Juridicamente falando, é necessário verificar se as medidas escolhidas pelo Governo são constitucionais ou não. O argumento utilizado na época de FHC é de que havia uma dívida histórica para com os negros. Eles foram libertados, mas eles não tiveram oportunidade de escola, saúde. A justificativa parece não ser constitucional. O problema é com relação à subjetividade do critério. Quem é negro no Brasil? Não existe raça negra e raça branca, cientificamente falando. A subjetividade desse critério torna inconstitucional esse sistema.

→ Destinatários dos deveres (quem deve respeitar o princípio da igualdade):

São aqueles que devem respeitar o princípio da Igualdade. Nós vimos a questão de eficácia dos direitos fundamentais. Eles não têm apenas a eficácia vertical. Além dessa eficácia, eles possuem uma eficácia horizontal ou privada. Então, quando se fala em destinatários, esse princípio é oponível tanto ao Estado quanto aos particulares.

1. Estado2. Particulares

No Brasil, alguns autores fazem a distinção entre igualdade perante a lei (dirigido para aqueles que irão aplicar a lei - Poder Executivo e Poder Judiciário) e igualdade na lei (não é dirigido apenas a quem vai aplicar a lei, mas também para quem irá elaborar a lei – Poder Legislativo. Atinge todos os poderes públicos). É uma distinção feita pela doutrina estrangeira que alguns autores brasileiros trouxeram para cá.

O legislador está fora do princípio da igualdade? Ninguém defende isso. As nossas constituições sempre falaram em igualdade perante a lei, e a doutrina sempre considerou que o legislador estava incluído. Portanto, essa distinção não é necessária.

Eficácia vertical: todos os poderes públicos, sem exceção, são destinatários do princípio da igualdade.

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Eficácia horizontal: Aplica-se em relação aos particulares. O STF aplicou o principio da igualdade para uma empresa privada – Air France. Apesar de ser uma relação entre particulares, o princípio da igualdade também se aplicaria àquela relação.

É necessário lembrar sobre a autonomia da vontade. O princípio da igualdade não se aplica com a mesma intensidade para os poderes públicos e para os particulares. Ex: Quando o Poder Público vai comprar um produtor, em regra, ele deve licitar. O particular não é obrigado. Se ele quiser comprar de um amigo que vende mais caro, o problema é dele.

Um clube recreativo pode estabelecer restrições com relação aos sócios, desde que essas restrições não sejam autoritárias, discriminatórias, etc. Basta ser um critério objetivo e para todos.

Questão de Concurso – Cespe: No art. 5º, I, a CR/88 fala que homens e mulheres são iguais nos termos desta Constituição. Isso significa que, em princípio, só a Constituição da República poderia estabelecer distinções entre homens e mulheres. Uma lei infraconstitucional pode estabelecer uma distinção de tratamento entre homens e mulheres? A lei pode estabelecer diferenças, desde que seja para atenuar desníveis. Se a finalidade da lei for para atenuar um desnível existente, ela é constitucional. Ex: art. 100, CPC – ação de alimentos. A mulher pode propor a ação no seu próprio domicílio. Na época em que a Constituição da República entrou em vigor, alguns questionaram se esse dispositivo foi recepcionado pela Constituição. Para alguns, não teria sido recepcionado; para outros teria, mas deveria estender aos homens e outros entenderam que deveria ser recepcionada, mas apenas para as mulheres. Esse último entendimento foi o que prevaleceu.

Ex: Lei Maria da Penha. É constitucional? Sim. Protege a mulher, que é uma das principais vítimas da violência doméstica. O homem não é a parte mais frágil da relação. Logo, não deve ser estendida para os homens, segundo o professor.

4. Direitos ligados à liberdade:

→ Liberdade de Expressão ou de Manifestação do Pensamento:

Essa liberdade está consagrada no art. 5º, IV. É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato.

Logo em seguida, tem outro dispositivo que é interligado ao artigo supracitado: Se a manifestação de pensamento ocorrer de forma abusiva, cabe direito de resposta proporcional ao agravo.

Observe que o que está consagrado na Constituição não é a liberdade de pensamento. Pelo menor por enquanto, essa liberdade não precisa de proteção. O que a Constituição protege é a liberdade de manifestar, de expressar o pensamento.

Por que a Constituição, ao mesmo tempo em que ela assegura a expressão do pensamento, ela veda o anonimato? A vedação do anonimato tem por finalidade permitir a responsabilização de quem emite o pensamento.

Não existem direitos absolutos. Se a pessoa agiu de forma abusiva, e violou direitos de terceiros, ela pode ser responsabilizada.

Caso do STF: O cliente tinha sido condenado a indenizações por danos morais por ter expressado o seu pensamento. Como pode ter o direito de manifestação de pensamento e ser responsabilizado por isso? A liberdade de expressão de pensamento se exaure no momento em que se realiza. A partir do momento em que a pessoa diz o que pensa, ela exerceu o seu direito. Se o sujeito será responsabilizado ou não, é outra questão. A CR/88 não consagra direitos para serem exercidos de forma arbitrária.

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O TJ/RS condenou a Furacão 2000 a pagar uma indenização de 500.000 reais à associação de mulheres em razão da música “um tapinha não dói”. O professor acha que não tem nada nessa música que não possa ser levado como brincadeira.

Ex: Passeata para legalização da maconha. Alguns juízes impediram dizendo que é apologia ao crime. Desde quando defender a descriminalização da maconha é apologia ao crime? São coisas totalmente diferentes. Pode defender no plano das idéias. Apologia ao crime é diferente disso.

Serviço de Disque-denúncia: Ligar para fazer denúncia sem se identificar. É uma denúncia feita anonimamente. Isso pode ser admitido como prova no processo? A denúncia anônima não é admitida no processo. Se ela não pode ser admitida como prova no processo, por que existe o serviço de denúncia? Para que a autoridade tome conhecimento daquele fato e faça a averiguação necessária. As provas colhidas durante a averiguação serão admitidas. Como fica a teoria dos frutos da árvore envenenada? Nesse caso, a averiguação não estaria contaminada pela denúncia anônima? Segundo o STF, a averiguação é autônoma em relação à denúncia. O dever funcional da autoridade é investigar, não interessando de que maneira ela teve conhecimento do fato. Claro que a autoridade deve agir com prudência e parcimônia.

Bilhetes apócrifos (sem assinatura): Um bilhete sem identificação pode ser admitido como prova do processo? Em regra, se não há qualquer identificação, ele não pode ser admitido. Porém, há 02 hipóteses em que o STF admite. Vejamos:

1. Quando o bilhete for o próprio corpo de delito do crime. Ex: uma carta no caso de crime contra a honra. Pode fazer um exame grafotécnico, por exemplo.

2. Quando são produzidos pelo próprio acusado. Ex: seqüestrador escreve bilhete, pedindo resgate. Deve usar de meios para saber de onde veio o bilhete.

(07/11/08)

→ Liberdade Religiosa:

Envolve a liberdade de consciência, de crença e de culto. Esta liberdade está consagrada no art. 5º, VI, CR.

A liberdade de consciência é a mais ampla, abrangendo a liberdade de crença. A liberdade de consciência é a liberdade de ter uma religião, de ter crença, ou de não ter crença em nada. A liberdade de culto nada mais do que a manifestação da crença. Em relação ao culto, há um aspecto interessante: o culto pode ser exercido em templos ou em qualquer lugar, inclusive em lugar aberto ao público. Os templos recebem uma proteção especial. O culto pode ser exercido em qualquer local, desde que não viole o direito de terceiro.

O Estado brasileiro, desde 1989 (advento da República), passou a ser um estado não confessional ou estado laico ou estado secular. Isso significa que, com o advento da República, houve a total separação entre Estado e Igreja.

No Brasil não há uma religião oficial, apesar de a maioria da população ser católica. O Estado deve manter-se neutro. A neutralidade do Estado tem 2 funções:

1. Garantir a simetria da liberdade religiosa, o equilíbrio das religiões; e, ainda2. Assegurar a pluralidade religiosa (um dos fundamentos da República Federativa do

Brasil). O estado não pode nem beneficiar uma determinada religião e nem prejudicar uma

determinada religião.

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A neutralidade do Estado fica muito clara no art. 19, I, CR. Isso não significa que o Estado não possa desenvolver convênios com determinada

religião. A religião desempenha um papel fundamental, então, ela deve ser protegida.É relevante estabelecermos uma distinção entre os seguintes 3 aspectos:1. Laicidade (neutralidade religiosa): o exercício do poder deve ser neutro, não podendo

prejudicar nem beneficiar religiões;2. Laicismo: é uma espécie de anti-religião, não é o caso do Estado brasileiro;3. Ateísmo: o Estado brasileiro não é um estado ateu, tanto que no preâmbulo há menção

a palavra “Deus”. O ateísmo não deixa de ser uma concepção contrária à religião.A neutralidade do Estado é muito importante para desarmar o potencial conflituoso de

várias religiões. → Alguns temas polêmicos:

- Símbolos religiosos em locais públicos (sobretudo o crucifixo): Seria legítima a colocação em locais públicos de símbolos religiosos, sendo o Estado brasileiro um estado laico? Essa questão foi colocada perante o CNJ. O pedido feito foi para retirar o crucifixo dos Tribunais. O Conselho decidiu que esses símbolos religiosos são símbolos da cultura brasileira. Portanto, o CNJ disse que os símbolos não violavam a imparcialidade, a neutralidade do Poder Judiciário. Na Alemanha, teve um caso muito semelhante. Um grupo de mormos ajuizou uma ação, pedindo que fossem retirados os crucifixos das escolas públicas. Essa questão foi suscitada perante o Tribunal. O tribunal entendeu que deveria fazer uma ponderação entre os princípios. O Tribunal decidiu que o direito dos mormos deve sopesar em relação à neutralidade do Estado alemão. Há um trecho do livro do Dworkin, onde ele comenta a questão religiosa. Ele discute a questão da liberdade religiosa. O trecho diz o seguinte: “não se deve considerar ilegal símbolos religiosos, mas não se deve instalar tais símbolos em qualquer lugar público”.

- Feriados religiosos: Seriam constitucionais? No STF, há algumas ações, questionando o estabelecimento de feriados religiosos pelos estados. O principal é que os estados não teriam competência para estabelecer feriados. Os feriados são de competência do Direito do trabalho, logo, a competência é da União. Segundo o prof., o argumento supracitado não está correto. Os feriados estão relacionados aos aspectos culturais, então, a competência é em relação à cultura, e não à justiça do trabalho – ☺art. 215, §2º, CR – os feriados estão dentro do capítulo relacionado à cultura, e cultura é competência comum – da União, estados e municípios (☺art. 23, CR). Esses feriados religiosos violam a neutralidade do Estado? Fere a simetria? Será que podemos considerar os feriados religiosos como feriados culturais? Existem feriados que, inegavelmente, são culturais. Não teria sentido acabar com esses feriados. Entretanto, existem outros feriados que não estão ligados às questões culturais. São feriados puramente religiosos.

- Ensino religioso: Os EUA estão seguindo uma tendência completamente contrária à Europa. Os EUA estão se transformando de estado secular tolerante para um estado religioso tolerante. Existem 3 formas de ensino religioso:

a) Confessional: Ensina os princípios e dogmas de uma determinada religião.b) Interconfessional: Ensina os princípios comuns das várias religiões.c) Não confessional: Não ensina os princípios comuns, mas apenas dá uma visão

expositiva das várias religiões. A CR não diz qual é o conteúdo a ser adotado em ensino religioso em escolas públicas,

ela só diz que o ensino religioso deve fazer parte do horário normal de aula e a matrícula deve ser facultativa (☺art. 210, §1º, CR). Sendo o Estado brasileiro um estado laico, não poderia ser confessional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação não diz se como será o ensino religioso. Ela diz que a sociedade civil que deve discutir qual o conteúdo mais adequado. Para o prof., o ensino deve ser interconfessional ou não confessional. Mas, e quanto às escolas particulares? Existem muitas escolas particulares que são confessionais. Essas escolas não podem ser

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obrigadas a ensinar princípios de outras religiões. Será que uma escola privada poderia obrigar os alunos a fazer a matéria da religião? Se a escola é privada, e o aluno optou a se matricular nessa escola, ele deve se submeter aos dogmas daquela religião. Entretanto, imagine uma cidade pequena, onde se tem poucas escolas boas. Determinada família quer matricular o filho naquela escola, mas não quer que ele aprenda a religião da escola. Neste caso, a escola não deve impor ao menino. Isso acaba criando um repúdio da pessoa contra aquela religião. É importante respeitar o ensino de cada um.

→ Escusa de consciência:

A escusa de consciência está consagrada no art. 5º, VIII, CR.Conceito: É a possibilidade que a pessoa tem de alegar uma escusa para se eximir de

determinada obrigação. Essa escusa abrange aspectos filosóficos, políticos e religiosos. Não são apenas os aspectos religiosos que recebem a proteção de escusa de consciência.

Pode um ateu, que odeia guerra, alegar escusa de consciência para não servir o exército? Quando se diz que num estado neutro, os argumentos religiosos não fazem parte da política, isso não significa que os políticos não possam discutir sobre isso. O que não pode é um argumento puramente religioso entrar no debate da esfera pública. Seria preciso haver uma tradução institucional do argumento. O argumento puramente religioso teria de ser traduzido para um argumento racionalmente justificado. Quem fará a tradução não é a Igreja, não são os religiosos, mas os políticos. A República é o governo das razões, então, o argumento deve ser racionalmente justificado.

Nem sempre a vontade da maioria deve prevalecer. A democracia é a vontade da maioria mais a proteção dos direitos fundamentais.

→ Liberdade de reunião e de associação:

Questão de concurso da Magistratura/MG: Diferencie reunião de associação. Segundo Jean Rivero, existem 2 semelhanças e 1 diferença. Vejamos:1ª Semelhança: Existe uma pluralidade de participantes; é por isso que a CR trata a

reunião e a associação como direitos coletivos. O prof. JAS diz que não são direitos coletivos, mas direitos individuais de expressão coletiva;

2ª Semelhança: Fim previamente determinado; para que se fale em uma reunião, não basta que um aglomerado de pessoas esteja junto, é necessário um fim previamente estabelecido. Ex: reunião de condomínio.

Diferença: A reunião tem um caráter episódico ou temporário, as pessoas se reúnem e, terminada a reunião, elas vão embora. A associação, por sua vez, tem o caráter permanente, as pessoas se associam com o intuito de permanecer associadas.

Aspectos constitucionais ligados à liberdade de reunião:☺art. 5º, XIV, CR. Um dos principais aspectos desse inciso é a questão da autorização estatal. Para que as

pessoas possam se reunir, mesmo que em locais abertos ao público, não é necessária a autorização estatal.

OBS: Direitos Fundamentais que não dependem de autorização estatal: 1. Liberdade de reunião;2. Criação de associações e, na forma da lei, de cooperativas;3. Criação de sindicatos;4. Criação de partidos políticos.

Por que a CR exige prévio aviso, se não é necessária a autorização estatal? Este prévio aviso tem 2 finalidades:

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1. ☺ art. 5º, XVI, CR: não frustrar outra reunião anteriormente marcada para o mesmo local. Não pode reunir pessoas armadas, pois coloca em risco a vida de outras pessoas.

2. Para que a autoridade competente tome as providências necessárias. Ex: fazer segurança, desviar o trânsito, etc. Fazer a manifestação em plena sexta-feira que feche as 3 pistas de trânsito, impedindo as pessoas de ir e vir não pode ser considerada legítima.

Aspectos constitucionais ligados à associação:☺art. 5º, XVII e XXI, CR: Não é só a liberdade de se associar, mas a de permanecer

associado. A pessoa tem liberdade para entrar e para sair. Representação das associações no que se refere aos seus filiados. Isso seria hipótese de

substituição processual ou de representação processual? ☺art. 5º, XXI, CR. Há 2 aspectos para os quais devemos atentar:

1. Só pode representar se houver autorização expressa. Esta não precisa ser dada individualmente por cada pessoa, pode ser dada numa Assembléia Geral, por exemplo.

2. A associação só pode representar os seus filiados (judicial e extrajudicialmente) se for questão relacionada aos fins da própria entidade.

Essa hipótese é de substituição processual ou de representação processual? Como se exige autorização expressa, essa hipótese é de representação processual.

☺art. 5º, LXX, CR: existe a possibilidade das associações impetrarem um Mandado de Segurança Coletivo. Essa hipótese também é de representação processual? Com relação à organização sindical, ela tem legitimidade para ajuizar ADI, ADC e ADPF? Apenas a Confederação Sindical (de âmbito nacional). O Sindicato pode impetrar MS coletivo, mas não pode ajuizar ADI, ADC e ADPF. Em razão do princípio da Unicidade Sindical, não pode existir mais de uma federação por território.

Se uma associação resolver impetrar um MS Coletivo, será necessário interpretar em conjunto o inciso LXX com o inciso XXI? Segundo o STF, essa hipótese é de substituição processual (legitimação extraordinária), não precisando de autorização expressa. A associação impetra em nome próprio, defendendo direito alheio.

O sindicato (☺art. 8º, III, CR) quando ajuíza uma ação, a hipótese é de representação ou de substituição processual? Ao sindicato cabe a defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. Segundo o STF, a hipótese é de substituição processual. A Constituição não fala nada a respeito de autorização expressa.

5. Direito de propriedade:

Não se confunde com o direito à propriedade. Alguns autores fazem essa distinção: o direito de propriedade é o direito de manter a

propriedade que já possui. O direito à propriedade é o direito de a pessoa ter uma propriedade, ter um patrimônio mínimo.

A Constituição não garante o direito à propriedade, segundo o prof. Ela só garante o direito de propriedade.

Regime jurídico do direito de propriedade: Ele pertence a qual regime jurídico? Ao direito público ou ao direito privado? Ainda que autores sustentem que não existe mais essa divisão, o entendimento que a CESPE adotou foi o do professor JAS. Segundo ele, o direito de propriedade pertence ao direito público, porque todo o regime jurídico da propriedade tem sede constitucional.

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Mas o CC também não trata de várias normas relativas à propriedade? Segundo JAS, o que o CC disciplina não é o direito de propriedade, mas as relações civis que decorrem do direito de propriedade.

Função Social da propriedade: A CR, no seu art. 5º, XXII, garante o direito de propriedade. Em seguida, em seu art. 5º, XXIII, a Constituição diz que a propriedade deve atender a sua função social. A interpretação feita pelo professor JAS é no sentido de que o direito de propriedade só será garantido se atender a sua função social.

Segundo JAS, a função social da propriedade não é uma simples limitação do direito de propriedade, mas faz parte da estrutura desse direito, do próprio regime desse direito.

Há um outro entendimento que, segundo o prof., é mais correto. É o entendimento de Daniel Sarmento. Segundo Daniel Sarmento, a função social, se não for atendida, não impede que o direito de propriedade seja protegido. O que acontece é que se não cumprir a função social, a propriedade terá uma menor proteção, tendo um menor peso na ponderação. Ex: imagine que alguém tenha uma propriedade rural que não cumpra a sua função social e essa propriedade é invadida. O proprietário pode utilizar dos instrumentos de proteção da propriedade? Sim. Se ele tem proteção, não se pode dizer que não se terá propriedade se não cumprir a função social. Ex: Invasões de terra pelo MST. Segundo o STF, não são legítimas essas invasões, mas sim contrárias ao direito e, portanto, ilegítimas.

Segundo o STF, como a Constituição garante o direito de propriedade, ninguém pode retirar arbitrariamente essa propriedade se não houver o devido processo legal.

Função Social: 1. Propriedade Urbana: ☺art. 182, §2º, CR. Para atender a função social, a propriedade

deve atender às exigências do Plano Diretor. Esse plano diretor é obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes.

2. Propriedade Rural: ☺art. 186, CR. Lá estão os requisitos para a propriedade atender à sua função social. O grau de exigência desses requisitos deve ser regulamentado por lei.

A função social da propriedade não é um limite ao direito de propriedade. Ela faz parte do regime do direito de propriedade. Apesar de ela não ser o limite ao direito de propriedade, ela acaba restringindo uma característica da propriedade. A função social, por ser inerente ao direito de propriedade, restringe o caráter absoluto, exclusivo ou vitalício? O caráter absoluto. A propriedade de hoje não tem caráter absoluto.

Além do caráter absoluto, existe outra característica da propriedade que pode ser limitada. Vejamos abaixo.

→ Limites ao Direito de propriedade:

Tais limites limitam não os caracteres, mas a propriedade em si.O primeiro limite é a possibilidade de Requisição. Existem 2 espécies de requisições

previstas na Constituição: as civis (☺art. 5º, XXV) e as militares (☺art. 139, VII).A requisição limita o caráter exclusivo do direito de propriedade. Na requisição, existe

transferência de propriedade? Não há transferência de propriedade, ocorrendo apenas o uso temporário da propriedade. A propriedade é usada temporariamente pelo Poder Público, diante de uma emergência.

Os principais aspectos são 2, a saber:1. Sempre que há requisição, deve haver indenização? Não. No caso de requisição, só

haverá indenização se houver dano.2. É um aspecto lógico, como decorrência do primeiro. Como haverá indenização se

houver dano, a indenização será sempre posterior. É necessário apurar o valor do dano

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para depois indenizar. Ex: caso de Eloá. A polícia requisitou determinadas propriedades, como um apartamento, uma escola pública, etc.

→ Limites ao caráter vitalício ou perpétuo da propriedade:

1. Desapropriação : Diferentemente da requisição, na desapropriação, há uma transferência compulsória da propriedade. O Poder Público transfere a propriedade de forma compulsória. Ele pode transferir para si próprio ou para um determinado particular.

A Constituição da República prevê 03 hipóteses de desapropriação, a saber: por necessidade pública, por utilidade pública, e por interesse social.

Observe que quando o imóvel é desapropriado por necessidade ou utilidade público, o proprietário não tem culpa. Logo, ele não poderá ser prejudicado. Quando o imóvel é desapropriado por interesse social, normalmente, é porque o proprietário não está cumprindo com determinados requisitos.

A desapropriação, de acordo com a CR, deve ser prévia, justa e, em regra, deverá ser em dinheiro. Não pode haver nenhuma desapropriação que não seja justa e nem prévia. O título deve ser entregue antes da desapropriação.

Quais são as exceções a regra da indenização em dinheiro? A Constituição prevê 2 exceções, que são hipóteses que ocorre a desapropriação sanção. Vejamos:

a) ☺art. 182, §4º, III: Trata-se da hipótese de desapropriação sanção de imóvel urbano. Ocorre quando o imóvel é não utilizado, subutilizado ou não edificado (não cumpre a função social). Pode haver uma sanção progressiva (parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo, indenização por títulos da dívida pública).

b) ☺ art. 184, Constituição da República: Trata-se de imóvel rural. A desapropriação de imóvel rural que não cumpre a sua função social poderá ser desapropriado para fins de reforma agrária. Essa indenização é feita em títulos da dívida agrária.

Há alguns aspectos relacionados à política urbana e à política agrícola que são importantes:

- Imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, a desapropriação é imune a impostos ou imunes a impostos? Já caiu na prova da CESPE. São imunes a impostos (☺art. 184, §5º, CR).- Pequena e média propriedade rural (se o proprietário não tiver outra propriedade) ou propriedade produtiva podem ser desapropriadas? Sim. Só não podem ser para fins de reforma agrária. Para esse fim, a propriedade não pode estar cumprindo a função social. Se ela é produtiva, é porque ela está cumprindo a sua função social. Elas podem ser desapropriadas por necessidade ou utilidades públicas (☺art. 185, CR).- CABM faz algumas distinções entre desapropriação e requisição:

Desapropriação RequisiçãoRefere-se a bens Refere-se a bens e serviçosAquisição da propriedade Uso da propriedade (a propriedade

permanece com o seu titular)Necessidades permanentes da sociedade

Necessidades transitórias, emergências da sociedade

Ocorre somente por acordo ou por decisão judicial

É auto-executória (a autoridade não precisa recorrer ao judiciário)

É sempre indenizável Indenização posterior se houver dano

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2. Confisco : No Brasil, admite-se confisco de propriedade? Pode. O que não pode é haver tributo com efeito de confisco. O confisco de propriedade está previsto no art. 243 da CR. O Princípio do Não Confisco é com relação a tributos.

Tem 02 situações nas quais se admite o confisco de propriedade (confisco: retirar a propriedade do proprietário sem qualquer indenização. É uma expropriação):

a) Gleba de terra utilizada para cultivo de plantas psicotrópicas (a terra será destinada a plantas medicamentosas ou assentamento de colonos).

b) Pessoa que adquire bens para tráfico de drogas. Nesse caso, os bens serão confiscados – art. 243, parágrafo único.

3. Usucapião : Na Constituição da República, tem usucapião especial que é a chamada usucapião constitucional. Essa usucapião tem período menor do que o previsto no CC. Na CR, a hipótese prevista para usucapião é de 05 anos. Só que, por ter prazo menor, a Constituição exige alguns requisitos a mais. Vejamos:

- Além dos requisitos tradicionais (posse mansa, pacífica, ininterrupta, sem oposição, possuir o imóvel como se fosse seu, etc.), a Constituição da República exige que o morador não tenha outro imóvel. Se ele tiver outro imóvel, seja urbano ou rural, ele não pode adquirir através dessa espécie de usucapião.

- Deve utilizar o imóvel como se fosse sua moradia (sua ou de sua família).- Requisitos específicos:

Usucapião Urbana: O imóvel deve possuir, no máximo, 250 m2. Usucapião Rural: Além de tornar a propriedade produtiva, o imóvel

deve ter, no máximo, 50 hectares.Obs.: Imóveis públicos, sejam urbanos ou rurais, podem ser adquiridos por

usucapião? A Constituição não permite – ☺art. 183 e art. 191.

6. Direito de segurança jurídica:

Alguns entendem que o Princípio da Segurança Jurídica está no caput do art. 5º. → Garantias individuais: a garantia é o meio criado pela Constituição para proteger

determinado direito especial. Não adiantaria a Constituição consagrar um direito se não criar mecanismos para proteger esse direito. A garantia existe para a proteção desse direito.

→ Princípio da não retroatividade das leis:

É uma garantia que consagra a segurança jurídica. Questão de concurso: Onde estaria consagrada a segurança jurídica na CR/88? No caput

do art. 5º e no art. 5º, XXXVI. Este princípio consagra a proteção da clássica trilogia – direito adquirido, ato jurídico

perfeito e coisa julgada.Consagração desse princípio nas Constituições brasileiras: Só teve uma constituição que

não consagrou esse princípio – a Constituição Polaca de 1937 (era quase uma cópia da Constituição Polonesa, não era muito democrática). Todas as demais o consagraram.

Em regra, a lei não deve atingir os fatos ocorridos anteriormente. Existem hipóteses em que a lei pode retroagir. As hipóteses mais importantes são:

1. Retroatividade da Lei Penal, desde que seja mais benéfica para o réu. No direito penal, a regra também é a não retroatividade (art. 5º, XL, CR).

2. Leis Interpretativas: O legislador fez uma determina lei que não ficou muito clara. Alguns a interpretavam de maneira (A), outros a interpretavam de maneira (B). O

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legislador resolve fazer uma nova lei – lei interpretativa. A lei interpretativa retroage, começando a valer desde o momento em que a lei interpretada entrou em vigor. O legislador está apenas esclarecendo o sentido da lei. Obs: Imagine que antes de o legislador fazer a lei interpretativa, tenha ocorrido uma decisão judicial transitada em julgada, interpretando a lei da maneira (A). Essa lei interpretativa pode afetar uma decisão judicial transitada em julgado? Nesse caso, não. Em resumo, a lei interpretativa retroage, mas deve respeitar a coisa julgada.

3. Esta hipótese é, na verdade, é uma conjugação das duas anteriores, mas que vale especificamente para o direito tributário. Em matéria tributária há duas hipóteses de retroatividade (☺art. 106, CTN):

a) Retroatividade interpretativa: é a primeira hipótese, só que exclusiva para o direito tributário,

b) Retroatividade benigna, no caso de normas tributárias que fixem infrações ou penalidades. Seria correspondente à primeira hipótese. Ocorre somente em caso não definitivamente julgado.

→ Direito Adquirido:

A principal questão envolvendo direito adquirido é se existe direito adquirido em face da Constituição da República. Para responder a essa questão, é necessário diferenciar duas situações, a saber:

1. No caso de nova Constituição: Há direito adquirido em face de uma nova Constituição? O Poder Constituinte Originário está limitado juridicamente? Segundo o entendimento pacífico do STF (que não adota a tese do retrocesso), não há que se falar em direito adquirido em face de uma nova constituição. O poder constituinte originário tem algumas características (originário, autônomo, inicial, etc.)

O STF faz uma distinção entre retroatividade máxima, média e mínima. Vejamos: Imagine que um determinado contrato foi celebrado em 1980. Esse contrato está

produzindo os seus efeitos. Durante a vigência desse contrato, a CR/88 entrou em vigor. Situações:

a) Retroatividade mínima : por ela a Constituição se aplica imediatamente aos efeitos futuros desses atos praticados no passado. É mínima porque atinge os efeitos futuros de ato praticado no passado. Essa retroatividade mínima é um efeito automático que toda a Constituição produz. O simples fato de a Constituição da República ser promulgada já basta para ela atingir a retroatividade mínima.

b) Retroatividade média : pode ocorrer, já que a Constituição não precisa respeitar nenhuma norma jurídica anterior. Só que para haver essa retroatividade, será necessário que a Constituição diga expressamente. Ex: prestações vencidas e ainda não pagas. Ex.: a CR entrou em vigor no dia 05 de outubro de 1988, e a prestação venceu no dia 03 de setembro de 1988. Antes de a prestação ser paga, a Constituição da República entrou em vigor. Se a Constituição atingir essa prestação, haverá uma retroatividade média. É claro que isso não é desejável, porque geraria uma insegurança jurídica.

c) Retroatividade máxima : pode ocorrer, já que a CR não precisa respeitar nenhuma norma jurídica anterior. Só que para haver essa retroatividade, será necessário que a Constituição da República diga expressamente. Ex: Determinada prestação. Essa

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prestação foi vencida e foi paga em 1981. Se a Constituição da República atingir essas prestações vencidas e já pagas, haverá uma retroatividade máxima. É claro que isso não é desejável, porque geraria uma insegurança jurídica.

Imagine que exista um contrato que foi celebrado com juros de 24% ao ano, de acordo com a legislação da época. A Constituição da República estabelece que os juros serão de 12 % ao ano, através de norma de eficácia plena. Somente as parcelas futuras seriam atingidas, no caso de retroatividade mínima. Na retroatividade máxima, teria direito de receber de volta o que se pagou a mais.

2. No caso de Emenda Constitucional: na jurisprudência do STF não há entendimento pacífico.

- 1ª Corrente: entende que a lei prevista no dispositivo (☺art. 5º, XXXVI) é lei em sentido estrito e, portanto, dirige-se apenas ao legislador ordinário. A EC poderia prejudicar direito adquirido, já que essa vedação não é dirigida ao Poder Reformador.

- 2ª Corrente: Sustenta que nem a EC não poderia prejudicar direito adquirido. Nesse caso, interpreta a lei em sentido amplo. Nenhum ato normativo pode prejudicar direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito. Portanto, nem o legislador ordinário nem o legislador constituinte (que faz a emenda) poderiam violar o direito adquirido.

A jurisprudência do STF anterior à CR/88 entendia que a Emenda poderia, mas as leis não. Após a Constituição de 1988, não há posição prevalecente. O prof. acha que o entendimento mais adequado é de que lei deve ser interpretada em sentido amplo, e não lei em sentido restrito.

☺Súm. 654 e Súm. 473, STF.- Não há direito adquirido a regime jurídico nem ao estatuto da moeda. Regime

jurídico de servidores públicos civis da União – Lei 8112/90. Não existe direito adquirido em relação a esse regime. Havendo mudança de regime jurídico, ela afeta a todos. Se mudar o real, automaticamente, o estatuto da moeda se aplica aos contratos vigentes.

- A irredutibilidade de vencimentos é uma modalidade qualificada de direitos adquiridos. Não pode haver a redução, em regra. Quando se fala em irredutibilidade de vencimento significa o valor total da remuneração, e não as parcelas que compõem o vencimento. As parcelas podem ser reduzidas e, até mesmo, extintas.

→ Ato jurídico perfeito:

É o ato consumado, e não o ato exaurido. É o ato que está apto a produzir os efeitos. Leis de ordem pública podem violar ato jurídico perfeito? Havia discussão, mas isso está

superado. Entendimento do STF: O ato jurídico perfeito é oponível a todas as espécies de lei, inclusive as de ordem pública.

→ Coisa julgada:

É tanto a coisa julgada formal quanto a material, mas é apenas a coisa julgada judicial. A administrativa não tem essa proteção.

O STF tem admitido a relativização da coisa julgada. Qual é o princípio que fundamenta a relativização da coisa julgada? O princípio da força normativa, já que interpretações divergentes enfraquecem essa força normativa.

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(14/11/08)

7. Direitos Sociais:

- “Textura aberta”:

O primeiro aspecto importante a ser analisado sobre estes direitos é a sua textura aberta – as constituições democráticas, de sociedades pluralistas, geralmente consagram seus direitos em textura aberta; ela permite a concretização posterior dos direitos sociais de acordo com a vontade da maioria.

Muitos direitos sociais são consagrados na Constituição em NEL programáticas, e isso para muitos é um ponto negativo. Mas isso não é verdade, eles o são porque ainda poderão ser consagrados, à medida que a sociedade o determine. Em cada época, a maioria decidirá quais os direitos serão concretizados primeiro, quais são os direitos fundamentais que devem ser atendidos prioritariamente.

Quem deve ser o principal responsável pela concretização dos direitos sociais: PL, PE ou PJ? Se a concretização deve ser feita de acordo com a vontade da maioria, a prioridade deve ser definida pelo PL e pelo PE, ambos eleitos pelo povo de forma democrática. Isso não quer dizer que o PJ esteja impedido de concretizar tais direitos, mas é preciso saber até onde ele teria legitimidade para atuar na prestação dos direitos sociais, para dar decisões concretizando tais direitos.

- ☺art. 5º, §1º, CR:

Os direitos e garantias fundamentais possuem uma aplicação imediata. Há uma grande controvérsia sobre como interpretar esses dispositivos. No art. 7º, por ex., existem inúmeros dispositivos que ainda precisarão ser concretizados (ex.: salário mínimo). Ou seja, esses dispositivos já nos mostram a dificuldade de se aplicar imediatamente os direitos e garantias fundamentais. Por isso existem dois posicionamentos importantes sobre a matéria da aplicabilidade imediata, a serem analisados:

a) todos os direitos fundamentais (incluindo-se ai os direitos sociais) devem ter essa aplicação imediata, independentemente de qualquer fator, ou seja, independentemente da sua natureza, do seu enunciado. Esse posicionamento é adotado por um doutrinador da BA, Dirley Jr. O Min. Eros Grau, como teórico do direito (ou seja, como doutrinador, e não propriamente como ministro) tem um posicionamento semelhante.

b) o art. 5º, §1º, CR deve ser interpretado como um princípio e não como uma regra. Os princípios, segundo Robert Alexy, são mandados de otimização. Em razão da natureza e do enunciado de alguns direitos sociais, nós deveríamos interpretar o art. 5º, §1º como sendo um princípio e não como uma regra (regra é um mandamento de definição, que ordena que algo seja cumprido na medida exata do que ele prescreve). Esse posicionamento é seguido por Ingo Sarlet, doutrinador do RS. E esse foi o entendimento adotado pelo Cespe.

- Possibilidade de intervenção do Poder Judiciário:

É bom dividir essa intervenção do PJ em 3 fases, para se ter uma maior clareza sobre o assunto:

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1ª fase: impossibilidade de intervenção: segundo este momento que passamos sobretudo depois que a CR/88 foi elaborada, os direitos sociais, como muitos deles foram consubstanciados em normas programáticas, eles não gerariam direitos subjetivos, não seriam capazes de gerar direitos subjetivos, ou seja, as pessoas não poderiam exigir do Estado a prestação de uma norma social que estivesse consubstanciada em norma programática. Esses direitos sociais não teriam, pois, normatividade. Esse entendimento já foi superado.

2ª fase: é a que nos encontramos ainda hoje. Nessa fase houve uma intervenção muito grande do PJ, conhecida por “Judicialização das relações políticas e sociais” (☺Caderno do prof. Pedro Taques). O PJ passou a ter um papel tão atuante na implementação desses direitos que se passou a falar em uma judicialização das relações políticas e sociais, que passaram a ser levadas com grande freqüência ao PJ. Há dezenas de decisões em que o PJ obriga o Estado a fornecer prestações de direitos sociais (como no caso de medicamentos, por ex.). Esse entendimento começou a ocorrer depois da CR/88, quando foi dado um maior papel ao PJ. Esse posicionamento deu nova dimensão ao orçamento, já que o PJ passa a intervir obrigando gastos por parte do Estado. A partir daí surge uma dúvida: será que o PJ é a instancia mais apropriada para proteger os direitos sociais? Não há dúvida de que esses direitos devem ser protegidos e buscados, mas será que o PJ é o mais adequado para estabelecer essas prioridades (mais do que o PL e o PE)? No RN, por ex., o PJ obrigou o Estado a liberar mais de R$ 2.000.000,00 só com remédios que não estavam na lista do governo estadual. Em outros lugares o PJ já decidiram que alguém poderia passar na frente de outras na fila de espera de tratamentos, só porque recorreram ao PJ. Ocorre que não Brasil nem todos têm real acesso ao PJ. Por isso, essa atuação talvez não seja tão justa.

3ª fase: é a fase desejável, que estamos buscando. O que se procurará então é estabelecer quais os critérios racionais para a intervenção do PJ, para que ela não favoreça apenas a alguns, que cause uma desigualdade ainda maior do que a já existente. Assim, para evitar que os mais excluídos sejam ainda mais excluídos, é importante definir tais critérios. Primeiramente, é importante se ter em mente que toda decisão ampliativa de recursos é implicitamente, também uma decisão desalocativa de recursos – o Estado tem um determinado orçamento e neste orçamento ele tem que atender uma série de demandas, todas, em tese, legítimas (saúde, educação, lazer, trabalho, previdência, segurança, rodovias, etc.), assim, muitas vezes o Estado tem que fazer “escolhas trágicas”. O que se busca, pois, é um equilíbrio entre a falta de efetividade dos direitos sociais e atuação exacerbada do PJ.

Argumentos a favor e contrários à intervenção do PJ:- contrários: normas programáticas não geram direitos subjetivos; a intervenção

judicial seria antidemocrática e violaria a separação dos poderes. A concretização dos direitos sociais não deve ser feita pelo PJ porque ele não foi eleito para isso, são o PL e o PE que teriam legitimidade democrática para isso. Não é o entendimento que prevalece.

- favoráveis: déficit democrático das instituições representativas (é inegável que hoje no Brasil as instituições representativas da sociedade, sobretudo o PL, tem um déficit de democracia muito grande, uma das autoridades que têm menos confiança da população é justamente a representação do PL, os deputados e senadores – essa fraqueza e omissão do legislativo faz com que o PJ tenha uma atuação mais forte, ou seja, quando o PL é fraco e omisso o PJ deve ter uma postura mais ativa); a Constituição é um conjunto de normas e, portanto, o PJ estaria apenas exercendo a sua função típica (e este é um argumento definitivo – parte-se do pressuposto de que a CR tem um caráter normativo, mesmo as normas que consagram os direitos sociais são normas, assim, quando o PJ efetiva direitos ele está simplesmente exercendo sua função típica de aplicar a norma abstrata ao caso concreto); e, por

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fim, um último argumento é o de que a democracia não é apenas vontade da maioria, eleições periódicas, sufrágio universal, mas também a fruição de direitos fundamentais básicos por todos os indivíduos (o conceito não envolve apenas um aspecto formal, a democracia tem também um aspecto substancial – todos, inclusive a minoria, deve ter acesso aos direitos fundamentais básicos). Esses argumentos são os que devem prosperar.

- “Reserva do possível”:

Essa expressão surgiu na Alemanha, mas é muito utilizada no Brasil. Ela surgiu por uma decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão, em 1972. A expressão significa que cabe o legislador decidir se será ou não possível a efetivação de determinados direitos. Andreas Krell diz que esse conceito não poderia ser transposto ao Brasil, porque é um conceito criado para países de primeiro mundo, que não se encaixaria na realidade brasileira. Já Daniel Sarmento entende exatamente o contrário, ele diz que porque aqui nossas dificuldades orçamentárias são maiores do que na Alemanha, e que por isso aqui a reserva do possível teria então até maior sentido do que lá. De se ver que quando se fala em direitos sociais, entra-se muito nas questões ideológicas. Ninguém é contrário a que os mais necessitados tenham acesso aos direitos. A questão é que no que diz respeito ao direito social não adianta simplesmente dizer que porque o direito está na Constituição ele tem que ser implementado, porque se não se estabelecer os critérios, ao invés de garantir que os direitos sejam fruídos na prática, eles acabariam sendo inviabilizados, já que o Estado não tem como fornecer todos os direitos a todos na sua plenitude, em razão das limitações orçamentárias existentes. A reserva do possível, segundo Ingo Sarlet, deve ser analisada em 3 dimensões:

I) possibilidade fática: é a existência de recursos para o atendimento das prestações exigidas do Estado. Ademais, em razão do Princípio da Igualdade, deve ser analisada a possibilidade de universalização daquela prestação – como solução apontada para essa questão, teríamos a maior utilização das ações coletivas, porque nelas o direito será garantido não apenas a um indivíduo, mas a todos que se encontrem na mesma situação.

II) possibilidade jurídica: é a existência de orçamento (e não de recursos do Estado) para atender aquela demanda (Princípio da legalidade orçamentária), e análise das competências federativas – é preciso analisar a lei da autorização orçamentária e de quem é a competência para atender aquela demanda.

III) proporcionalidade da prestação e razoabilidade da exigência: ☺decisão da ADPF 45 – o Min. Celso de Mello analisa a razoabilidade de se exigir do Estado o cumprimento de uma determinada prestação, tendo em vista os recursos do Estado e a existência de outras demandas também consagradas pela Constituição. É preciso, pois, saber se a demanda é razoável, se o recurso ficará comprometido em relação a outras demandas, etc.

Quem deve alegar a reserva do possível? É uma matéria de defesa do Estado, ou seja, soa os entes federativos que devem invocá-la como matéria de defesa. Assim, quem deve provar que não tem como atender aquela demanda em razão da reserva do possível é o Estado (o ônus da prova é do Estado). Aí está um dos maiores problemas: a alegação genérica do Estado não serve para nada, o PJ não tem condições de medir se a alegação do Estado é verdadeira ou não, por isso o ente tem que especificar em sua prova que o orçamento é x, que a demanda custa y, que existem z pessoas na mesma situação, provar de forma clara qual o valor total a ser gasto nessa demanda e quais são os direitos que ele deixará de atender para atender a este, etc.

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Celso de Mello diz que “a reserva do possível só deve ser admitida quando da existência de justo motivo objetivamente aferível” (o Estado tem que provar que não tem como atender aquela demanda).

- “Mínimo existencial”:

Também surgiu na Alemanha. É uma expressão que surgiu no Tribunal Federal Administrativo Alemão, em 1953. Depois esse mínimo existencial passou a ser utilizado pelo Tribunal Constitucional Federal, que é a corte suprema na Alemanha, que passou a incorporá-lo em sua jurisprudência. No Brasil, essa expressão foi trazida por Ricardo Lobo Torres.

O mínimo existencial é o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna.Não é o máximo desejado, é o mínimo existencial. O mínimo de existência nada mais é

do que um subgrupo menor dentro dos direitos sociais. Por que falamos em “mínimo”, e não “máximo”? Existe um paradoxo com relação aos

direitos sociais. Quanto mais se amplia a consagração desses direitos, maior o risco de não ter efetividade. Não é possível garantir a mesma efetividade a todos os direitos.

Existem 02 posicionamentos a respeito do mínimo existencial. Vejamos:1. Não existe um conteúdo definido para o mínimo existencial. Segundo Ricardo Lobo

Torres, depende de cada época e de cada sociedade.2. Outros autores (como Ana Paula de Barcelos) procuram estabelecer alguns direitos

componentes desse mínimo existencial. Segundo o prof., é o entendimento mais adequado. Se não definir o conteúdo, a questão da efetividade será prejudicada.

Segundo Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial compreenderia: educação, saúde, assistência em caso de necessidade, e acesso à justiça.

Outros autores já falam apenas em saúde, educação e moradia. Mas não podemos entender o direito à moradia como o direito de receber uma casa do Estado, quando se fala em moradia é o direito que se tem de poder passar a noite pelo menos em um abrigo.

Existem dois entendimentos importantes sobre o mínimo existencial e sua relação com a reserva do possível:

I) é o entendimento do prof. Ingo Sarlet: o mínimo existencial não se sujeita à reserva do possível. Assim, quando se estabelece o mínimo existencial, em relação a esse mínimo o Estado não pode alegar a reserva do possível;

II) é o entendimento de Daniel Sarmento: o mínimo existencial não seria absoluto, mas teria um peso maior na ponderação. Ou seja, nem toda demanda que faça parte do mínimo existencial deve ser atendida pelo Estado, mas certamente o peso dessas demandas são muito maiores do que os das demais.

- Vedação do retrocesso social:

Os direitos sociais, em razão de sua textura aberta, precisam ser concretizados. Parte da doutrina sustenta que quando o direito social é concretizado, essa concretização, por ser necessária para a definição do próprio conteúdo do direito, passaria a fazer parte do próprio direito social, passaria então a ter status constitucional, fazendo parte do conteúdo do próprio direito. Por isso, portanto, fala-se em vedação do retrocesso social. Essa vedação é abstraída dos princípios da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade (art. 5º, §1º, CR), e do Estado Democrático e Social de Direito. Destes vários princípios é que se poderia derivar o Princípio da vedação ao retrocesso, que significaria que o Estado não poderia voltar atrás no grau de concretização dos direitos sociais – ou seja, o grau de concretização dos direitos sociais não poderia ser objeto de um retrocesso.

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A partir do momento que a concretização de um direito social é feita, não poderia haver um retrocesso nessa concretização.

Há dois posicionamentos quanto ao tema, um mais rígido e outro mais flexível:

1) posicionamento de um autor italiano, Gustavo Zagrebelsky: ele tem um posicionamento mais rígido quando a vedação, e, segundo ele, não poderia haver qualquer redução no grau de concretização atingido por um direito social. A partir do momento que um direito social é concretizado, não pode haver uma redução dessa concretização, se houver mudanças deve ser uma mudança para melhor. Ex.: se a legislação mudar o prazo da licença maternidade para um prazo maior, esse prazo não pode mais ser reduzido, só ampliado.

2) posicionamento de um autor português, José Carlos Vieira de Andrade: ele entende que impedimos a redução do grau de concretização dos direitos, haveria um engessamento do legislador e do PE, porque o orçamento não permitiria mais um acréscimo nos demais direitos, o que prejudicaria a sociedade, caso mudem as prioridades e não haja aumento do orçamento do Estado. Ele tem, assim, um pensamento mais flexível sobre o tema. Segundo ele, a vedação de retrocesso, portanto, impede a revogação de uma norma concretizadora de um direito social apenas quando for arbitrária ou existir uma irrazoabilidade manifesta. Pode, pois, haver uma redução do grau de concretização, o que não pode haver é essa redução de forma arbitrária ou irrazoável. JAS, em seu livro escrito na década de 60 – a aplicabilidade das normas jurídicas, já dizia algo muito semelhante, ao estudar as normas de princípios programáticos.

8. Direitos Políticos:

- Espécies:

a) Direitos políticos positivos: são aqueles que permitem a participação do indivíduo na vida política do Estado. São eles:

1) Direito de sufrágio: sufrágio não pode ser confundido com voto e escrutínio – o sufrágio é a essência do direito político, é o direito político em si; voto é o exercício desse direito; e escrutínio é o modo como o exercício se realiza (é o escrutínio que é secreto). O direito de sufrágio pode ser de duas espécies, de acordo com o tipo de Estado: ele pode ser um sufrágio restrito ou universal. O sufrágio restrito é aquele que restringe a participação em razão de algum critério (muitas vezes arbitrário e preconceituoso). São espécies de sufrágio restrito o sufrágio capacitário (em razão da capacidade intelectual das pessoas), o sufrágio censitário (ex.: em razão de uma condição econômica – foi consagrado pela Constituição de 1824), o sufrágio em razão do sexo (a partir de 1932 foi que o direito de voto foi estendido às mulheres). Num Estado Democrático deve ser adotado o sufrágio universal, aquele que permite a todos os que estejam numa determinada situação a participação no voto. No Brasil temos algumas restrições: a pessoa precisa ter idade, mínima, nacionalidade e alistamento. Esses requisitos não retiram do sufrágio a universalidade. A CR/88 adota o sufrágio universal. São requisitos apenas técnico-formais, e não requisitos preconceituosos. Servem ao controle do próprio direito.

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2) Alistabilidade: é a capacidade eleitoral ativa, ou seja, é o direito de votar (e não de ser votado). Características que o voto possui no Brasil:

- é direto: é a regra, inclusive sendo cláusula pétrea, com uma única exceção: art. 81, §1º, CR – segundo o qual vagando os cargos de PR e VPR (nos dois primeiros anos do mandato), far-se-á eleição 90 dias depois de aberta a última vaga; ☺§1º: ocorrendo a vacância nos dois últimos anos, a eleição será feita 30 dias depois da última vaga, pelo CN, na forma da lei (que ainda não existe).

- tem valor igual para todos: “one man, one vote” – “one person, one vote”. Essas expressões representam a igualdade que tem que ter o voto (☺art. 14, caput).

- é periódico: essa periodicidade do voto, com a realização de eleições periódicas, é uma decorrência do próprio Princípio Republicano, que exige uma alternância de poder.

- é livre: uma das finalidades do escrutínio secreto é exatamente viabilizar essa liberdade do voto.

- é personalíssimo: cada um tem que exercer seu direito pessoalmente.Além dessas características do voto, há um outro aspecto previsto na CR: a

obrigatoriedade do voto. O voto é obrigatório para uns e facultativo para outros. Ele é obrigatório para aqueles que tenham entre 18 e 70 anos; e é facultativo para os que tenham entre 16 e 18 anos, para os analfabetos e para os que tenham mais de 70 anos – nesses casos, tanto o alistamento eleitoral como o voto são facultativos (☺art. 14, §1º).

3) Elegibilidade: é a capacidade eleitoral passiva, ou seja, é o direito da pessoa ser votada. No Brasil a cidadania não é adquirida de uma só vez, ela é adquirida progressivamente, até que se atinja a plena cidadania, o que acontece aos 35 anos (esta é a idade que se exige para que uma pessoa possa concorrer a qualquer cargo político - ☺§3º, do art. 14). Além dessas condições relativas à idade mínima, a Constituição exige: a nacionalidade brasileira (a nacionalidade é pressuposto para a cidadania); a alistabilidade (que é pressuposto da elegibilidade), domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária, etc. Quando a Constituição fala apenas em lei, trata-se de lei ordinária. Mas o §9º do art. 14 traz um questionamento, já que trata de lei complementar quando for caso de inelegibilidade. Assim, que tipo de lei é necessária para regulamentar as condições previstas no art. 14, §3º? Segundo o STF, os casos de inelegibilidade não se confundem com as condições para a elegibilidade, então, no caso do art. 14, §3º, é necessária mesmo uma regulamentação por lei ordinária (e não por LC).

b) Direitos políticos negativos: são as normas que importam em uma privação dos direitos políticos. São eles:

I) casos de inelegibilidade: existem basicamente 4 hipóteses de inelegibilidade. São elas: a LC poderá estabelecer outros casos de inelegibilidade (LC 64/90); a inelegibilidade em relação aos militares (art. 14, §8º); mas nos concentraremos aqui apenas nas duas mais importantes são as inelegibilidades em razão do cargo e em razão do parentesco.

Primeiramente, devemos diferenciar a inelegibilidade absoluta da relativa. A inelegibilidade absoluta está relacionada a alguma característica pessoal e não admite desincompatibilização. A inelegibilidade absoluta só pode ser prevista pela própria Constituição e o seu único caso é a prevista no art. 14, §4º (os absolutamente inelegíveis são os inalistáveis e os analfabetos). No Brasil os inalistáveis são os estrangeiros, com exceção dos portugueses equiparados, se houver reciprocidade (art. 12, §1º), e os

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conscritos durante o serviço militar obrigatório (o conceito de conscritos abrange também médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que estejam prestando o serviço militar obrigatório). As outras inelegibilidades (fora a prevista no §4º) são apenas relativas, que geralmente admitem desincompatibilização.

- Inelegibilidades em razão do cargo: se referem apenas aos cargos do PE – existem então duas hipóteses de inelegibilidades:

a) no caso de reeleição: o chefe do Executivo pode concorrer uma vez a reeleição, assim, a impossibilidade de reeleição se refere a mais de duas eleições consecutivas. É importante aqui diferenciar os casos em que há apenas substituição do chefe do executivo pelo seu vice (que é temporária), e os casos em que há a verdadeira sucessão (que é definitiva). ☺ar. 14, §5º - este dispositivo fala em sucessão e em substituição, mas o STF entendeu que o termo “substituído” do dispositivo foi utilizado de maneira equivocada pelo legislador constituinte, e que vale como primeiro mandato mesmo somente o caso de sucessão definitiva (☺caso de Mário Covas e Geraldo Alkimin, no governo de SP).

b) para concorrer a outro cargo: é necessária uma desincompatibilização 6 meses antes da eleição.

- Inelegibilidade em razão do parentesco: ☺art. 14, §7º - é conhecida como inelegibilidade reflexa, ou seja, o parente é atingido pela inelegibilidade do titular do cargo. Ex.: parentes do PR não podem ser candidatos dentro do território brasileiro, salvo se já titular do cargo, em caso de reeleição; parentes do GE não podem concorrer dentro do mesmo estado; e parentes do prefeito não podem concorrer para cargos dentro da mesma cidade. Mas a Rosinha Garotinho foi candidata ao cargo de Governadora do RJ, ainda que o Antony Garotinho estivesse concorrendo ao cargo de PR, depois de ter sigo Governador do RJ – entendeu-se que como o titular poderia ter sido candidato à reeleição (mas ele não quis, e desincompatibilizou-se 6 meses antes do término do mandato para concorrer à presidência), seus parentes também poderiam ser candidatos.

II) Perda dos direitos políticos: a cassação dos direitos políticos não é admitida pela Constituição. Cassação é a retirada arbitrária dos direitos políticos. A perda dos direitos políticos é considerada como algo definitivo pela doutrina. A Constituição não fala quais são as hipóteses de perda e de suspensão dos direitos políticos. Com base nessa distinção, o prof. adota a posição de que só existe uma única possibilidade de perda (definitiva) dos direitos políticos, que seria o cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado (☺art. 15, I, CR) – hipótese relativa ao brasileiro naturalizado (quando a naturalidade é cancelada, não poderia mais haver a possibilidade de readquiri-la e, portanto, não há como readquirir os direitos políticos). A doutrina (JAS, Kildare, Alexandre de Morais e outros) coloca uma outra hipótese como sendo de perda: a hipótese do art. 15, IV (recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII), mas o prof. acha que é suspensão porque a lei eleitoral fala em suspensão para esse caso.

III) Suspensão dos direitos políticos: segundo a doutrina, é algo temporário. Todas as outras hipóteses do art. 15 (incisos II, III e V) são hipóteses de suspensão, e quanto a isso não há divergência doutrinária.

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