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DIREITO PENAL POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
PROF. MARCOS V. D. CARRASCO
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Direito Penal
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Sumário
INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL ................................................................................................... 3
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO ............................................................................................................................. 5 Interpretação quanto ao sujeito ............................................................................................................... 5 Interpretação quanto ao método ............................................................................................................. 8 Interpretação quanto ao resultado ......................................................................................................... 12
INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO ............................................................................ 14
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO ........................................................................................................................... 15 COSTUMES ..................................................................................................................................................... 16 ANALOGIA ...................................................................................................................................................... 18
CONFLITO APARENTE DE NORMAS ........................................................................................... 21
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE ............................................................................................................................. 22 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE ......................................................................................................................... 24 PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ................................................................................................................................ 26 PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE......................................................................................................................... 28
DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO PENAL .............................................. 29
Saudações meus caros!
O meu nome é Marcos Vinicius Dias Carrasco e com imensa satisfação estou elaborando este material para o “Explica Concursos”, com o objetivo de
auxiliá-los na preparação para o concurso da Policial Rodoviário Federal (PRF)!
Por razões de boa educação, antes de começar a analisar a matéria de direito penal juntamente com vocês, gostaria de, rapidamente, lhes contar um
pouco de minha trajetória. Sou bacharel em direito pela Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e especialista em direito aplicado pela Escola de Magistratura do Paraná; sou membro fundador da Associação de Proteção e
Assistência ao Condenado de Cascavel – PR, entidade junto à qual, inclusive, tive a grande honra de desempenhar a função de Presidente do 1º Conselho
Fiscal; sou também professor das disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro Universitário UNIVEL; nada obstante, sou professor de Direito
Administrativo no curso preparatório para OAB do Delta Jus; além disto, também sou professor de Processo Penal no Focus Concursos; e como se não bastasse,
paralelamente à estas atividades, sou sócio e atuo como advogado responsável pelo setor de direito penal econômico do escritório Frizzo e Feriato.
Para além destas atividades, ainda dedico grande parte do meu tempo na
elaboração de obras voltadas para a preparação de candidatos que pretendem
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realizar os mais diversos concursos, a título de exemplo, menciono aqui: (1) Manual preparatório para o concurso do Tribunal de Justiça do Estado de
Alagoas: técnico judiciário área judiciária; (2) Manual preparatório para o concurso do Superior Tribunal de Justiça: técnico judiciário área administrativa;
(3) Manual preparatório para o concurso da Polícia Civil de Santa Catarina: agente e escrivão de polícia; dentre tantos outros.
Agora que vocês já me conhecem um pouco, posso começar a passar
algumas diretrizes que nortearão as nossas aulas.
Dito isto, preciso lhes dizer que neste módulo irei lhes acompanhar no
estudo da disciplina de Direito Penal, onde enfrentaremos os seguintes tópicos:
AULA ASSUNTO
00 1.9 Interpretação da lei penal. 1.10 Analogia. 1.12 Conflito aparente
de normas penais. 10 Disposições
constitucionais aplicáveis ao direito penal.
01 1.3 Tempo do crime. 1.2 A lei penal no tempo. 1.11
Irretroatividade da lei penal. 1.4 Lei penal excepcional, especial e temporária.
02 1.3 Lugar do crime. 1.2 A lei penal no espaço. 1.5 Territorialidade e
extraterritorialidade da lei penal. 1.6 Pena cumprida no estrangeiro. 1.7 Eficácia da sentença estrangeira. 1.8 Contagem de prazo.
03 2 O fato típico e seus elementos. 2.1 Crime consumado e tentado;
04 2.2 Pena da tentativa. 2.3 Concurso de crimes. 2.4 Ilicitude e causas
de exclusão. 2.5 Excesso punível;
05 2.6 Culpabilidade. 2.6.1 Elementos e causas de exclusão. 3 Imputabilidade penal;
06 4 Concurso de pessoas;
07 5 Crimes contra a pessoa;
08 6 Crimes contra o patrimônio;
09 7 Crimes contra a fé pública;
10 8 Crimes contra a administração pública;
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11 9 Lei nº 8.072/1990 (delitos hediondos);
12 11 Crimes contra a Dignidade Sexual;
13 Revisão e Questões;
Como vocês podem perceber, temos um grande caminho que
precisaremos percorrer até a data do concurso, mas por mais longa que seja a
nossa jornada, a cada aula, tentarei dinamizar a exposição do conteúdo com a utilização de exemplos práticos voltados para facilitar a memorização do
conteúdo.
Nada obstante, ao final do curso, irei lhes acompanhar em uma revisão geral dos assuntos estudados e lhes auxiliarei na resolução de diversas questões
que serão carinhosamente selecionadas de modo a prepará-los da melhor forma possível para as provas que se avizinham.
Com estas breves considerações, encerro a minha saudação e os convido
a iniciar a nossa jornada de estudos por esta disciplina extraordinária (e apaixonante) que é o Direito Processual Penal.
Mão à obra futuros Policiais Rodoviários Federais!
Prof. Marcos V. D. Carrasco
Interpretação da lei penal
Antes começarmos a estudar a matéria que foi enunciada no título deste tópico, preciso dar um aviso; se você já estudou o conteúdo da primeira aula de
direito processual penal, vai acabar percebendo que as exposições aqui constantes se aproximam sensivelmente do conteúdo que foi apresentado no
módulo da lei processual.
Isso se deve ao fato de que as regras de interpretação das normas de direito material e processual não se distinguem sensivelmente; aliás, para ser
bem preciso, quando o tema é interpretação, os exemplos invocados acabam sendo os únicos elementos que variam entre tais matérias.
Agora, se você irá começar seus estudos por esta aula, recomendo que não deixe de correr os olhos pela disciplina de direito processual penal; afinal,
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isto lhe servirá como uma bela revisão!
Dito isto, vamos à luta! E para começarmos o exame da matéria, precisamos ter em mente que a expressão “hermenêutica” é utilizada para
designar uma teoria científica que visa investigar e coordenar a atividade interpretativa, delimitando as regras e princípios de que o intérprete deve se
valer para apurar adequadamente o alcance de uma norma, com vistas a possibilitar a sua aplicação ao caso concreto.
Mas Carrasco, porque motivo eu preciso conhecer o significado da
expressão “hermenêutica”? Por razões de apuro técnico.
Como assim? Se vocês examinarem as doutrinas de direito penal que
possuem, acabaram constatando que na maioria das vezes, por equívoco, os doutrinadores se valem das expressões “hermenêutica” e “interpretação” como
se sinônimas fossem.
Este erro, que é tão facilmente encontrado na doutrina, é, a bem da verdade, uma falha crassa que não deve ser cometida por quem está se
preparando para concursos.
Digo isto, porque as diferenças existentes entre estes dois institutos é incontestável; e isso pode ser percebido porque, enquanto a “hermenêutica”
designa o campo científico que estuda e dita as regras que devem ser seguidas no exercício da atividade interpretativa, a expressão “interpretar” é utilizada
para nominar a atividade que é desenvolvida pelo exegeta para: (1) viabilizar a
aplicação da norma jurídica ao caso concreto, (2) adaptar a lei à realidade atual e (3) amenizar o rigor excessivo da norma, temperando o seu alcance para que
possa ela atender aos fins sociais do bem comum.
Em suma, a ideia é a seguinte: a hermenêutica dita as regras do jogo; a interpretação é o meio pelo qual as regras (construída pela hermenêutica) são
aplicadas para o jogo!
Esclarecido este ponto, quero que vocês observem que por mais clara que a redação de uma norma possa ser, a identificação de seu alcance sempre e
invariavelmente irá pressupor a realização de um procedimento de interpretação, afinal, se é verdade que problemas como vagueza, ambiguidade
do texto, falta de terminologia técnica e má-redação sempre reclamarão que o aplicador do direito realize uma detida análise da norma, é igualmente certo
que, embora no momento de sua publicação, a norma possa refletir
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adequadamente as necessidades do meio social, com o passar do tempo, o seu sentido e alcance deve ser adaptado para acompanhar a evolução e o progresso
da vida social.
Para que melhor se compreenda a ideia que foi apresentada no parágrafo precedente, basta atentar para a seguinte situação: por ocasião da edição do
Código Penal (que data de 7 de dezembro de 1940), o legislador ordinário tratou de incriminar a prática de ato obsceno em local público (art. 233 do CP), que,
dentre outras hipóteses, pode ser caracterizado, por exemplo, por um ato de conotação sexual. Agora, imagine o seguinte: será que o ato de conotação
sexual que poderia ofender o pudor há algumas décadas, hoje, ainda seria
considerado ofensivo? Para responder a esta pergunta, basta lembrar da questão do beijo. Ora, se no ano de 1940 um casal fosse surpreendido se beijando na
rua, indubitavelmente as pessoas que presenciassem tal ato se sentiriam afrontadas, notadamente porque na época, passear de mãos dadas sequer era
costume dos casais; mas hoje, qual constrangimento um beijo em público pode trazer?
É por este motivo, portanto, que contemporaneamente se pode afirmar
que não há lugar para que seja aplicada a parêmia “in claris cessat interpretatio” (na clareza da lei, não há interpretação).
Métodos de interpretação
A doutrina costuma sistematizar o estudo dos métodos de interpretação categorizando-os de acordo com (1) a identidade do sujeito que realiza a
interpretação, (2) as técnicas clássicas de interpretação e (3) os resultados decorrentes do processo interpretativo; e para que as considerações que serão
apresentadas neste material possam ser, eventualmente, confrontadas com a informação existente nos manuais de direito penal, seguiremos a mesma lógica.
Interpretação quanto ao sujeito
Neste primeiro tópico, analisaremos as regras de hermenêutica a partir do sujeito que realiza a intepretação da norma; o que significa que precisaremos
conhecer os métodos de intepretação: (1.1) doutrinário; (1.2) judicial e (1.3) autêntico.
A intepretação doutrinária (que também é designada como interpretação
científica) nada mais é que o exame que os cientistas do direito fazem a respeito da norma através, por exemplo, de livros, artigos, pareceres e até mesmo a
exposição dos motivos de uma lei.
Apesar de possuir uma relevância incomensurável para o desenvolvimento
do direito, esta modalidade de interpretação não possui força vinculante,
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traduzindo-se, portanto, em um simples instrumento de elucidação que pode ser utilizado pelo aplicador da lei para remover os obstáculos que, porventura,
venham a ser encontrados na subsunção do fato à norma.
Já a interpretação judicial (jurisprudencial ou judiciária), é aquela que é realizada por magistrados, desembargadores e ministros nas oportunidades em
que aplicam a lei ao caso concreto (o que pode ser feito, por exemplo, através da edição de súmulas, bem como por intermédio da prolação de decisões,
sentenças e acórdãos).
Como regra, essa modalidade de interpretação só tem força obrigatória
para o caso concreto, repercutindo, tão somente, entre as partes que integram a relação jurídica que estiver sendo analisada pelo poder judiciário; mas mesmo
entre as partes, tais efeitos, em regra, só são gerados a partir do momento em que se caracteriza a estabilização do pronunciamento jurisdicional, configurado
mediante o seu trânsito em julgado.
Mas é necessário atenção, pois pelo menos em quatro hipóteses as conclusões obtidas através deste método de interpretação deverão ser
observadas por todos os aplicadores do direito (leia-se: serão vinculantes). Isto ocorrerá:
1. Nos casos em que o STF declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade
de uma lei via controle concreto (ou seja, mediante ação que tenha sido instaurada
com o fim específico de debater a compatibilidade de uma norma com a
Constituição Federal – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, Ação
Declaratória de Constitucionalidade, Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental, etc.);
2. No controle difuso de constitucionalidade (que se dá quando a discussão da
compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal chega ao STF através
de uma ação que não tinha a solução desta controvérsia como objetivo principal
– v.g. através de Recurso Extraordinário), desde que a decisão que declarar a
inconstitucionalidade seja sucedida pela edição de uma Resolução Senatorial que
ratifique os seus efeitos (art. 52, X, da Constituição Federal);
3. Na hipótese de vir a ser editada uma Súmula Vinculante (art. 103-A da CF); e
4. Nos casos em que determinada questão for apreciada através de recurso
extraordinário ou especial que tenha sido afetado ao procedimento dos recursos
repetitivos (art. 927, III, do NCPC).
Por sua vez, a interpretação autêntica terá lugar naqueles casos em que o processo interpretativo vier a ser realizado pelo próprio Poder Legislativo,
através da edição de uma “lei interpretativa”, que será dotada de força
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obrigatória e poderá ser contextual (quando a interpretação for realizada dentro do próprio texto da lei) ou posterior (quando a lei interpretativa surgir depois da
lei interpretada).
Tudo bem, mas de que forma isso acontece?
Bom, para que seja possível compreender este ponto da matéria de uma forma mais simples, basta que sejam levadas em consideração as regras que se
encontram previstas no título XI do Código Penal. Percebam dentre os dispositivos existentes dentro do aludido título é possível constatar que ao
positivar os crimes contra a administração pública, que somente poderiam ser
perpetrados por funcionários públicos (como: o peculato – art. 312 do CP; a concussão – art. 316 do CP; e a prevaricação – art. 319 do CP), o legislador
ordinário, em um verdadeiro procedimento de interpretação autêntica, também tratou esclarecer, por intermédio do art. 327 do Código Penal, que somente
poderiam vir a ser considerados funcionários públicos para fins penais “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exercesse cargo, emprego ou
função pública”.
Carrasco, ainda não entendi! Bom, a ideia aqui é a seguinte: de um lado eu tenho normas que me trazem um conceito aberto (de “funcionário público”),
que precisa ser interpretado para que a sua aplicação se torno possível (estou falando dos crimes de peculato, concussão, etc.); de outro, eu possuo um
dispositivo que foi criado pelo legislador com o objetivo de esclarecer o alcance daquele conceito indeterminado (o art. 327 do CP). Eis a nossa interpretação
autêntica!
Agora que já conseguimos compreender em que consiste a interpretação
autêntica, é preciso termos em conta que a lei interpretativa posterior tem eficácia ex tunc (leia-se: retroativa), em razão da qual a sua exegese pode,
perfeitamente, ser aplicada à fatos que foram praticados em um momento anterior àquele em que a lei foi incorporada ao ordenamento jurídico (o que
somente não ocorrerá em relação aos casos definitivamente julgados; mas, mesmo eles, ainda poderão ser reavaliados e fazer jus à aplicação da
interpretação autêntica que vier a ser mais benéfica ao réu mediante o ajuizamento de revisão criminal).
Isto ocorre, porque a lei interpretativa não cria uma situação nova; ela
simplesmente torna obrigatória uma interpretação que o juiz, antes mesmo da sua vigência, já podia adotar.
Aliás, antes de encerramos este tópico, eu peço-lhes uma atenção especial
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pelo seguinte motivo: é comum aparecer em provas de concurso questões que concitam o candidato a esclarecer se a exposição dos motivos de uma lei ou o
próprio preâmbulo da Constituição são formas de interpretação autêntica.
Como os aludidos elementos normativos (preâmbulo e exposição de motivos) se encontram dentro do corpo de um diploma legal, os mais
desavisados são levados a responder este questionamento afirmando que em tais hipóteses, de fato, se configura uma interpretação autêntica.
Não caiam nesse erro!
É certo que a “exposição dos motivos” de uma lei e o “preâmbulo” da constituição nos fornecem elementos que contribuem para a realização do
processo interpretativo, contudo, não podemos esquecer que a interpretação autêntica ocorre quando o processo interpretativo é realizado pelo próprio Poder
Legislativo através da edição de uma “lei interpretativa”! E no caso do preâmbulo e da exposição dos motivos, tal ocorrência não se faz possível pois, por não criar
direitos e deveres e nem ter força normativa, a exposição de motivos de uma lei e o preâmbulo da constituição não podem ser considerados como “lei
interpretativa”.
Interpretação quanto ao método
A interpretação quanto ao método (que também é chama de interpretação
quando ao modo) é categoria dentro da qual foram agrupados diversos critérios (ou sistemas) que buscam estabelecer diretrizes que podem ser observadas a
fim de que, a partir do processo de interpretação, se possa identificar a vontade do legislador e extrair o real sentido da norma.
Apesar de não haver consenso na doutrina a respeito de quais critérios
devem ser inseridos neste grupo, com segurança, podemos assumir que aqui se inserem os métodos de interpretação: (2.1) literal (ou gramatical); (2.2) lógico;
(2.3) sistemático; (2.4) histórico; (2.5) comparado; (2.6) extrajurídico; e (2.7) analógico.
Então vamos lá. O que é esse método literal? A doutrina designa como literal (ou gramatical) o processo de interpretação que é realizado a mediante o
confronto das regras de vernáculo com os termos que são empregados na norma.
Por outras palavras, pode-se dizer que neste tipo de interpretação o
exegeta busca revelar o alcance da norma a partir de regras gramaticais (analisa-se, dentre outros fatores, a morfologia, a sintaxe e a semântica que
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nela foram empregadas).
Discorrendo sobre o tema, César Dario Mariano da Silva1 (2015, p. 70) obtempera que “a interpretação gramatical [...] deve atender às seguintes
regras: a) em princípio, a lei não contém palavras inúteis; b) em regra, as expressões empregadas possuem significado técnico e não usual (vulgar) e
somente a interpretação pode esclarecer esta situação; c) o singular engloba o plural e o másculo o feminino”.
Já no método lógico, preconiza-se a ideia de que a compreensão do
alcance da norma se dá através de raciocínios lógicos, por força dos quais se
parte de uma concepção geral (que pode ser uma dedução, indução, hipótese, inferência etc.) para que, a partir de operações intelectuais, se possa determinar
a adequação de uma proposição.
Ainda não ficou claro, não é mesmo? Bom, para que a compreensão desta ideia seja facilitada, vamos recorrer à um exemplo prático! Percebam que muito
embora o art. 5º, III, da Constituição Federal tenha assegurado, tão somente, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”, a partir de uma interpretação lógica deste dispositivo, é possível chegarmos à conclusão de que, dentre outras situações, não se admite no
ordenamento jurídico brasileiro que qualquer pessoa seja submetida à agressões corporais ou mesmo que seja privada de direitos básicos como a alimentação e
higiene.
Por sua vez, o método sistemático preconiza que a análise da norma deve
ser realizada a partir do ordenamento jurídico que ela integra, eis que somente a partir disto se poderá auferir se existe uma efetiva harmonia entre ela e a
ordem jurídica como um todo.
Com efeito, o que se pode dizer é que neste sistema preconiza-se a ideia de que a construção da norma jurídica não se dá pela análise isolada de um
dispositivo legal, mas sim pelo exame das interações que a regra interpretada deve harmonicamente manter dentro do sistema jurídico no qual ela foi
concebida.
Assim, é possível dizer, em uma analogia simples, que na interpretação sistemática não se limita a analisar o “parafuso” em si mesmo, ela busca
1 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º ao 120. 11ª ed.
Curitiba: Juruá. 2016, p. 70.
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examinar o “parafuso” com o conjunto do motor e demais componentes2; transplantando esta ideia para o campo do direito penal, pode-se dizer que a
interpretação de uma norma penal não deve ser exaurida na análise isolada de um dispositivo (v.g. art. 121 do CP que incrimina a conduta de matar alguém),
ela deve ser realizada ao lume das demais regras que se encontram reunidas dentro da lei na qual foi inserida (eis que, por aplicação do art. 23, II, do CP, é
possível excluir a ilicitude de uma morte que, eventualmente, tenha sido causada como reflexo de uma legítima defesa), da norma matriz do
ordenamento jurídico (eis que o art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura, à todos, o direito a vida) e de todas as demais regras que, porventura, guardem
alguma pertinência com ela (v.g. o art. 5º, XLVI, “a”, da CF, veda a pena de
morte, mas ressalva a possibilidade de sua aplicação em caso de guerra).
Sob outro enfoque, impende esclarecer que através da interpretação histórica, busca-se a delimitação do alcance da norma a partir da análise dos
precedentes históricos que fomentaram o surgimento da norma, tais como eventos sociais, políticos e econômicos; tarefa esta que, de acordo com Técio
Sampaio Ferraz Jr3, deve ser, em parte, realizada através do estudo dos “precedentes normativos, isto é, de normas que vigoraram no passado e que
antecederam à nova disciplina”, pois, a partir deste procedimento de comparação será possível compreender os motivos justificadores da edição da
norma.
Já o método comparado é aquele que visa determinar o alcance da norma nacional, a partir do exame da exegese que um ordenamento jurídico
estrangeiro atribuiu a uma norma similar.
Neste tocante, aliás, é possível lembrar da discussão que outrora foi
travada em relação à (im)possibilidade de o Ministério Público conduzir procedimentos investigativos; afinal, para elucidar o alcance da regra que se
encontra contida no art. 129, I, da CF (que atribuiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública) e delimitar o campo de atuação do Parquet,
dentre outros argumentos, o STF (RE 593727) invocou a teoria dos poderes implícitos (que foi concebida nos Estados Unidos da América no precedente Mc
CulloCh vs. Maryland, de 1819) para ponderar que ao conferir ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, o legislador constituinte também
lhe concedeu, implicitamente, todos os poderes necessários para que fosse
2 NELSON. Rocco Antônio Rangel Rosso. Curso de Direito Penal: parte geral, teoria geral do crime. Curitiba: Juruá, 2016, p. 89.
3 FERRAZ JR. Técio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 262.
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desempenhado o exercício de tal atribuição.
Mas e o método de interpretação extrajurídico? Bom, este procedimento interpretativo busca delimitar a extensão da norma à luz de ciências
extrajurídicas (medicina legal, psicologia, etc.).
Ainda não ficou bem claro, certo? Neste caso, para que possamos compreender melhor a forma de execução deste procedimento interpretativo,
peço que vocês observem a regra constante no art. 124 do Código Penal.
No corpo do dispositivo supramencionado, foi incriminada a conduta de
“provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. Percebam, meus caros, que ao elaborar o tipo penal supramencionado, o
legislador ordinário não se preocupou em estabelecer o significado da expressão “provocar aborto”; tarefa esta que foi relegada à doutrina médica, que, no seu
desempenho, tratou de esclarecer que o abortamento consiste no procedimento que desencadeia a morte de um embrião ou feto que foi prematuramente
expulso do útero.
Por fim, perfaz-se imperioso mencionar que o método de interpretação analógico em lugar naqueles casos em que o legislador edita uma norma,
enunciando situações específicas (fórmulas casuística) que são seguidas pelo emprego de uma fórmula genérica (cláusula aberta – v.g. “ou por outro...”,
“qualquer outro...”, “ou similar...”), a qual permite que outras situações que não tenham sido expressamente mencionadas pela norma, sejam por ela abarcadas.
Isto ocorre, por exemplo, nos seguintes dispositivos do Código Penal:
Art. 121. Matar alguém: [...] § 2° Se o homicídio é cometido:
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte,
de coisa imóvel alheia: Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de
cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de
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rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
Notem que em relação ao crime de homicídio qualificado que se encontra
descrito no art. 121, § 2°, III, do CP, a fórmula casuística é designada pelas expressões “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura”, ao passo que a fórmula
genérica se encontra contida na locução “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”, cuja existência permite, por exemplo, que
seja enquadrado nesta qualificadora o agente que mata sua vítima obrigando-a a ingerir ácido sulfúrico ou esfolando-a.
Já no crime de alteração de limites (art. 161, caput, do CP), a fórmula casuística é designada pelas locuções “tapume, marco”, ao passo que a fórmula
genérica se encontra contida na expressão “ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória”, cuja existência permite, por exemplo, que seja enquadrado
neste ilícito penal o agente que altera a localização de valas, trilhas e cursos de água que eram utilizados como objeto de indicação dos limites.
Interpretação quanto ao resultado
A interpretação quanto ao resultado é categoria na qual foram reunidas as possíveis conclusões à que o exegeta poderia chegar após a utilização dos
métodos que nós estudamos nos tópicos precedentes.
Assim, podemos dizer que em relação ao resultado, a interpretação pode ser: (3.1) declaratória; (3.2) extensiva; (3.3) restritiva; (3.4) ab-rogante; ou
(3.5) progressiva.
Dito isto, inicialmente, precisamos saber que a interpretação declaratória restará configurada nos casos em que, após realizar a análise da norma, o
intérprete chegar à conclusão de que o texto da norma expressa fielmente a vontade da lei.
Carrasco, não ficou claro! Bom, para compreender melhor este
procedimento, basta recorrermos, por exemplo, ao art. 141, III, do Código
Penal. Isto porque, ao instituir uma causa de aumento de pena aplicável aos crimes de calúnia, difamação e injúria, que porventura fossem praticados na
presença de “várias pessoas”, o aludido dispositivo não delimitou o número de indivíduos que, efetivamente, deveriam presenciar o ilícito para que fosse
possível a configuração destas causa de aumento; ocorre, no entanto, que a partir da interpretação do aludido dispositivo, claramente se percebe que, com
a expressão “várias”, o legislador quis reclamar a presença de, no mínimo, três pessoas para a configuração da aludida causa de aumento; conclusão esta que
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é extraída quando se tem em mente que, sempre que o Código Penal se contentou com apenas duas ou no mínimo quatro pessoas, ele o fez de maneira
expressa (v.g. art. 155, § 4, IV e art. 146, § 1º, do CP).
Já a interpretação extensiva ocorrerá quando, após a realização do processo hermenêutico, o interprete concluir ser necessário ampliar o alcance
da norma, por ter constatado que o texto da lei disse menos do que deveria ter dito (minus dixit quam voluit).
Aqui, para conseguir delimitar adequadamente o alcance da norma, o
hermeneuta se vale dos argumentos da lógica dedutiva, segundo os quais:
01. Se a lei prevê um caso, ela deve ser estendida para outro em que a sua razão se
manifestar com maior vigor (argumento a fortiori);
02. O que é válido para o mais, também deve ser válido para o menos (argumento a
maiori ad minus); e
03. O que é proibido para o menos, deve ser proibido para o mais (argumento a minori
ad maius).
Para que possamos visualizar melhor a aplicação prática das regras
supramencionadas, elucidativo é o exemplo do crime de bigamia. Isso porque, de acordo com o art. 235 do Código Penal, o crime em questão resta configurado
a partir do momento em que o agente contrai um segundo casamento, ainda na vigência do primeiro; agora questiona-se: e se o agente contrair um terceiro e
até mesmo um quarto casamento, ele incorrerá na prática do aludido crime? Numa interpretação puramente gramatical do aludido dispositivo, poder-se-ia
chegar à conclusão de que a contração destes matrimônios adicionais não traria qualquer consequência penal para o agente. Contudo, pelo emprego do
argumento a minori ad maius (o que é proibido para o menos, deve ser proibido para o mais), extrai-se que se a bigamia é vedada, a poligamia, também o é.
Por sua vez, a interpretação restritiva ocorrerá quando o interprete diminuir a amplitude do texto da lei, adaptando-a a sua real vontade.
Nestes casos, o que se constatará é que a lei disse mais do que deveria
dizer (plus dixit quam voluit).
Aliás, a respeito deste assunto, a doutrina comumente recorre ao seguinte exemplo:
O art. 28, I e II, do CP, determina que a emoção, a paixão e a embriaguez
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voluntária ou culposa não excluem a inimputabilidade penal. No entanto, para que a norma não entre em contradição com o art. 26, caput, do
Código Penal, que dispõe sobre a inimputabilidade decorrente de doença ou deficiência mental, devem ser considerados os estados não patológicos.
Com efeito, cuidando-se de embriaguez, paixão ou emoção de cunho patológico e estando o agente privado da capacidade de entendimento ou
de autodeterminação, quando da ação ou omissão, haverá exclusão da imputabilidade4.
No mais, estar-se-á diante de uma interpretação ab-rogante, sempre que
o exegeta reconhecer que o preceito interpretado é inaplicável.
Esta é a modalidade de interpretação que, diante da incompatibilidade
absoluta e irredutível existente entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do ordenamento jurídico, conclui pela
inaplicabilidade da lei interpretada.
Mas é necessário cuidado, pois a interpretação ab-rogante somente tem lugar quando as normas incompatíveis possuem caráter geral e graus
hierárquicos equivalentes! Assim, se estivermos diante de normas especiais ou que possuem graus de hierarquia distintos, não poderemos cogitar da utilização
desta modalidade de interpretação, mas sim e tão somente da necessidade de solucionar o embate com base nas regras de resolução de conflitos aparentes de
normas.
Por fim, cumpre esclarecer que interpretação de progressiva (adaptativa
ou evolutiva) e aquela através do qual o hermeneuta adapta a lei à realidade atual, levando em consideração as transformações sociais, cientificas, políticas
e jurídicas que foram experienciadas ao longo dos anos.
Isto ocorre, por exemplo, em relação ao crime de ao obsceno (art. 233 do Código Penal), afinal, há de se convir que determinada conduta que poderia,
eventualmente, caracterizar o crime em questão à época de edição do Código Penal (que data de 1940), hoje, já poderia não mais possibilitar a configuração
do aludido ilícito.
Integração do ordenamento jurídico
No momento em que cria normas, o legislador busca regulamentar a vida
em sociedade, com o objetivo facilitar a convivência comum e preservar a paz social.
4 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Oppus cit. 2016, p. 70.
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Contudo, a diversidade de situações que é própria de nosso cotidiano e os
processos de transformação e desenvolvimento à que estamos constantemente submetidos, impede que o legislador crie uma norma já prevendo todos os fatos
que podem surgir no decorrer do período em que ela vier a surtir efeitos.
Em face desta imprevisibilidade, não são poucos os casos em que o aplicador do direito acaba se deparando com uma ocorrência para a qual não
existe um regramento específico.
O que ocorre, é que por força do princípio da indeclinabilidade da
jurisdição, ainda que inexista lei ou que esta seja omissa, o juiz não pode deixar de decidir a questão que porventura vier a lhe ser apresentada.
Neste contexto, estando ciente de que, eventualmente, se constataria a
existência de lacunas na lei, o legislador tratou de garantir que não restassem lacunas no direito (sim, a lei pode ter lacunas, o direito não) e para tanto,
estabeleceu que, diante de uma omissão legislativa, o aplicador do direito deveria decidir a lide com base em analogia, costumes e princípios gerais do
direito (art. 4º da LINDB).
Em todo caso, a aplicação destas regras deve ser realizada com cautela, pois por força do princípio da reserva legal (segundo o qual não há crime ou
contravenção penal sem lei) em matéria de normas penais incriminadoras, não se pode suprimir a ausência da criminalização de uma condutada através do
emprego de métodos de integração.
Dito de uma forma mais simples, a ideia que pretendo passar é a seguinte:
se uma conduta não é considerada crime por força de lei, o aplicador da norma não pode incriminá-la com base em analogia, costumes e princípios gerais do
direito.
Isto significa, portanto, quem em matéria de Lei Penal, é perfeitamente possível afirmar que a integração (supressão de lacunas) só é possível em
relação às normas penais não-incriminadoras.
Princípios gerais de direito
Os princípios gerais de direito são preceitos basilares, de ordem ética, que
orientam a atividade legislativa e atuam na supressão de lacunas, norteando a elaboração de normas e a aplicação do direito, para conferir coerência ao
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ordenamento jurídico e reforçar o ideal de Justiça.
No campo do direito penal, quando atuam como instrumentos de supressão de lacunas, os princípios gerais ganham especial relevância pelo fato
de darem vida às causas excludentes de ilicitude.
É em decorrência destes postulados, por exemplo, que se pode dizer que, por vezes, o simples enquadramento típico de uma conduta não abrirá as portas
para o exercício do jus puniendi, posto que, na hipótese de constatar que a criminalização da ação ou omissão colide com um princípio geral de direito (ou
seja, com regras de bem comum e a consciência geral de um povo), não haverá
meios para que o agente que praticou similar fato seja sancionado.
Para que melhor se compreenda o alcance destas regras, tome-se como exemplo a situação do viciado que, em virtude de uma dívida, é compelido por
um traficante poderoso a praticar um crime de furto em desfavor de determinada pessoa, sob a ameaça de que eventual recusa poderia vir a ser retaliada com o
assassinato de membros de seu grupo familiar.
Ora, neste caso, instalar-se-á um verdadeiro dilema para o viciado, pois, se de um lado a prática do furto poderá gerar a sua responsabilização criminal
e gerar um dano patrimonial para um terceiro; de outro, o descumprimento da ordem advinda do traficante poderá trazer como consequência o homicídio de
um ente querido seu.
Neste caso (assumindo que qualquer intervenção estatal seria inócua para
afastar a concretização da ameaça advinda do traficante), seria razoável exigir que o viciado se abstivesse de perpetrar o furto? A resposta parece lógica, afinal,
não parece crível que alguém em similar situação vá optar por sacrificar a vida de entes queridos para, com isso, preservar o patrimônio de outrem. Neste
cenário, portanto, abrir-se-ão as portas para que a sanção penal decorrente da prática do crime de furto seja afastada (muito embora ainda persista a
possibilidade de o agente vir a ser civilmente responsabilizado pelo dano patrimonial que, porventura, a sua conduta viesse a causar).
Costumes
No campo do direito, a expressão “costume” é utilizada para designar a repetição de determinada conduta, que é realizada de maneira constante e
uniforme (critério objetivo), em razão da convicção de sua obrigatoriedade (critério subjetivo).
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Trata-se, portanto, de uma regra de conduta que tem como características:
[...] a sua uniformidade, pois pressupõe sensível e múltipla repetição da
mesma prática; sua constância, pois não pode ser interrompido, sob pena de descaracterizar-se como norma jurídica; sua publicidade, porque obriga
a todos e por todos deve ser conhecido, e sua generalidade, no sentido de alcançar todos os aos e todas as pessoas e relações que realizam os
pressupostos de sua incidência5.
De acordo com a doutrina, os costumes podem ser categorizados em
secundum legem (interpretativos), contra legem (negativos) e praeter legem (integrativos), podendo, a depender da categoria dentro da qual venham a se
situar, ser utilizados como critério de interpretação (costumes secundum e contra legem) ou de supressão de lacunas (costume praeter legem).
Com efeito, pode-se dizer que os costumes serão secundum legem,
sempre que objetivaram auxiliar o intérprete no esclarecimento do conteúdo de certos elementos do tipo penal (como, por exemplo, a significação da expressão
“ato obsceno” - do art. 233 do Código Penal; e o alcance da locução “repouso noturno” – do art. 15, § 1º, do CP), permitindo, assim, um correto
enquadramento do fato no tipo penal.
Agora que vocês já sabem de que forma os costumes secundum legen são utilizados, resta saber que se consideram contra legem os costumes que muito
embora sejam socialmente aceitos, são refutados pela lei (ex.: jogo do bicho e
venda de CDs piratas).
É necessário destacar, a propósito, que há um intenso debate a respeito da (im)possibilidade de a configuração de um costume poder desencadear a
revogação de uma lei.
Preste atenção! Pois a respeito deste tema nós temos três correntes!
01. Uma primeira corrente (que admite o costume abolicionista ou revogador) afirma que
não há óbices para que uma norma seja revogada nos casos em que a infração penal
nela contida já não contraria o interesse social, deixando de repercutir negativamente
na sociedade (para esta corrente, o jogo do bicho deixou de ser contravenção penal
- há aqui uma revogação formal e material da norma);
5 PRADO. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 167.
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02. Uma segunda linha de pensamento, sustenta que apesar de um costume não poder
revogar formalmente uma norma, é perfeitamente possível que a lei deixe de ser
aplicada pelo magistrado nos casos em que a existência do ilícito penal já não for mais
desejada pelo meio social (para esta linha de pensamento, apesar de o jogo do bicho
ser, formalmente, uma contravenção penal, ele não deve servir para punir o agente
no caso concreto - há aqui uma revogação meramente material);
03. Por fim, uma terceira corrente, que é adotada tanto pela STJ (súmula 502 STJ), quanto
pelo próprio STF (HC 98898/SP), preconiza que, por força do art. 2º da LINDB
(segundo o qual “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que
outra a modifique ou revogue”), não se admite o costume abolicionista em nosso
ordenamento jurídico.
Agora que já compreendemos o raciocínio que está por detrás dos
costumes contra legem, nos resta a necessidade de analisar os costumes praeter legem e aqui a nossa tarefa não é das mais árduas, afinal, estes costumes, que
se destinam a suprimir uma lacuna que foi deixada por uma lei!
Como decorrência disto, precisamos tem em mente que a sobredita modalidade de costumes somente pode ser utilizado no campo das normas
penais não incriminadoras (dando vida às causas de exclusão de ilicitude e de
culpabilidade), afinal, para as normas penas incriminadoras, vige o princípio da reserva legal (somente a lei cria crimes).
Aliás, bons exemplos disso podem ser verificados em relação à circuncisão
(excisão do prepúcio) que é praticada entre os judeus e à perfuração de orelhas que é realizada com vistas a possibilitar a utilização de brincos; afinal, a
princípio, por desencadearem uma lesão corporal, a prática de tais atos poderia dar margem à configuração da conduta delitiva que se encontra prevista no art.
129 do Código Penal (segundo o qual configura crime o ato de “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”), contudo, por de terem sido
socialmente absorvidas, sedimentou-se o entendimento de que tais condutas são por si só, inidôneas para configurar o aludido ilícito penal.
Analogia
Para fechar o estudo das formas de integração que são utilizadas por nosso ordenamento jurídico, resta, tão somente, a necessidade de examinarmos a
analogia. Então vamos lá!
A analogia é o recurso que possibilita que se aplique a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante.
Trata-se, pois, de um recurso por meio do qual se permite que a solução que
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uma norma dá para determinada situação, seja utilizada para solucionar um caso similar para o qual não há qualquer regulamentação legal.
Pode-se dizer, portanto, que para a aplicação da analogia três condições
são necessárias:
01. É preciso que inexista um ato normativo que regule a situação;
02. É necessário que exista uma norma legal que regulamente um caso semelhante; e
03. É imperioso que o fundamento de ser da norma existente também possa ser aplicado ao
caso que carece de regulamentação.
É por este motivo, aliás, que outrora o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que:
[...] Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em
substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender
que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não
haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal [...] (REsp 956.876/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 10/09/2007, p. 307)
Dito isto e a partir da regra constante no art. 4º da LIDB (segundo a qual: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”), é possível extrair, inicialmente, a existência de duas espécies de analogia:
01. A analogia legal, que ocorre nos casos em que se aplica ao caso omisso uma lei que
regula situação semelhante; e
02. A analogia jurídica, que tem lugar quando se aplica ao caso omisso um princípio geral
do direito.
Concomitantemente com estes fatos, é preciso lembrar que por força do
princípio da reserva legal (não há crime sem lei):
Em matéria penal [...] não é permitido, por semelhança, tipificar fatos que
se localizam fora do raio de incidência da norma, elevando-os à categoria de delitos. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas, porventura
existentes, devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei. E, por isso, incabível se torna o processo analógico. Nestas
hipóteses, portanto, não se promove a integração da norma ao caso por
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ela abrangido6.
A partir disto, você já podem perceber que se de um lado não ser admite que no campo do direito penal seja empregada analogicamente a norma que, de
alguma forma, possa prejudicar o réu (analogia in malan partem), de outro, não há quaisquer óbices para que o recurso supramencionado seja empregado
naquelas hipóteses em que restar evidenciado que, com ele, algum benefício será gerado para o réu (analogia in bonan parterm).
Carrasco, ainda não ficou claro!
Pois bem, então, a título de exemplo, podemos assumir que restaria configurada uma analogia in malam partem na hipótese de determinada
enfermeira vir a ser sancionada, com base no art. 269 do Código Penal, por ter deixado de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é
compulsória.
Ora, a redação que foi atribuída ao art. 269 do Código Penal foi clara ao estabelecer que somente o médico poderia ser alcançado pelas sanções que ali
se encontram previstas. Logo, não se poderia, por analogia, incriminar a enfermeira que, eventualmente, viesse a praticar a sobredita conduta.
Doutro lado, ainda no plano das exemplificações, é possível dizer que (ao
menos para uma parcela da doutrina) existe a possiblidade de ser realizada uma verdadeira analogia in bonan partem em relação às regras que se encontram
previstas no art. 181, I, do Código Penal.
Isto porque, muito embora o sobredito dispositivo isente de pena aquele
que pratica qualquer crime patrimonial em desfavor de seu cônjuge, na constância da sociedade conjugal; há de se convir que, por analogia, similar
regra poderá ser estendida também para aquele que pratica crimes patrimoniais em detrimento de seu companheiro, na constância da união estável, afinal, a
mesma lógica que levou o legislador a afastar a aplicação de uma sanção por se preocupar com a preservação da unidade familiar; também vigora em relação à
união estável que, nitidamente, não foi propositalmente omitida pelo legislador ordinário neste dispositivo (o que resta evidente pelo fato de que, quando da
edição do Código Penal, a união estável não gozava da mesma regulamentação
6 LEIRIA. Antônio José Fabrício. Teoria e aplicação da lei penal. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 71.
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que lhe é atribuída nos dias atuais).
Em suma, a conclusão à que se chega após o exame destes exemplos é a de que em direito penal somente se admitirá o uso de analogia nos casos em
que, além de não haver dúvidas de que a aplicação deste recurso será favorável ao réu, houver também certeza de que há uma lacuna a ser preenchida,
decorrente de uma omissão involuntária do legislador.
A toda sorte, é preciso ter em mente que a analogia é um recurso que se distancia nitidamente da interpretação extensiva e também da interpretação
analógica. Isto porque, enquanto a analogia é um instrumento de supressão de
lacunas que visa aplicar a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante; as interpretações extensiva e
analógica ocorrem, respectivamente, nos casos em que: se busca ampliar o alcance de uma norma que disse menos do que deveria dizer; ou em que se
amplia o campo de incidência da norma a partir de da instituição de uma cláusula aberta que segue as diretrizes de uma formula casuística.
Agora, para fecha, trago à você uma pequena tabela, com o objetivo de
evitar que, em provas, seja feita alguma confusão entre interpretação extensiva, interpretação analógica e analogia (que são institutos distintos)!
EM SUMA!
Existe diferença entre interpretação extensiva, interpretação
analógica e analogia?
INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA ANALOGIA
Forma de interpretação;
Forma de interpretação; Forma de integração;
Existe norma para o caso concreto;
Existe norma para o caso concreto;
Não existe norma para o caso concreto;
Amplia-se o alcance de uma palavra;
Amplia-se o campo de incidência da norma a partir
de da instituição de uma cláusula aberta que segue as
diretrizes de uma formula
casuística;
Cria-se uma nova norma a partir de
outra;
Conflito aparente de normas
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Agora que já vencemos a metade do conteúdo que havia sido previsto para esta aula, nós avançarmos com os nossos estudos e sem maiores delongas
começamos a tratar de um novo tema: o conflito aparente de normas!
Meus caros, o conflito aparente de normas ocorre sempre que, a um único fato, podem, aparentemente, ser aplicadas mais de uma norma penal
incriminadora.
Para que o conceito acima fique mais claro, imaginem, por exemplo, que um determinado sujeito mata alguém visando subtrair seu dinheiro; nestes
casos, este ato pode configurar, ao mesmo tempo, um homicídio praticado por
motivo torpe (art. 121, § 2º, I, do Código Penal) e um latrocínio (art. 157, § 3
º, do Código Penal).
Mas Carrasco, qual é a relevância desta matéria? Muito simples!
Precisamos definir adequadamente qual a infração praticada, sob pena de
acabarmos impondo uma dupla condenação à quem praticou um fato único (bis in idem).
Agora, qual procedimento lógico devemos seguir para garantir uma
adequada penalização do fato? Será que há diretrizes que nos auxiliam nesta tarefa?
Bom. Neste momento, quero que vocês saibam que o conflito aparente de
normas é solucionado mediante o emprego de quatro postulados, são eles: o princípio da especialidade; o princípio da subsidiariedade; o princípio da
consunção; e o princípio da alternatividade; mas, para que a exposição possa ser mais didática, vou dividir o exame destes princípios em quatro subtítulos,
ok? Então, espero vocês no capítulo subsequente!
Princípio da especialidade
O princípio da especialidade vai ser utilizado sempre que entre os tipos
aparentemente incidentes houver uma relação de especialidade.
Isso significa, que para que este princípio tenha aplicação, é necessário não só o concurso de duas normas aparentemente incidentes, como também a
existência de uma relação de gênero e espécie entre elas.
Com efeito, para estas hipóteses, prevalecerá a norma que vier a ser considerada especial, ou seja, a norma que possuir todos os elementos de outra
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(a geral) e mais alguns elementos de natureza subjetiva ou objetiva, considerados especializantes.
Para que seja possível compreender melhor este assunto, basta verificar
o exemplo da mãe que mata o filho, logo após o parte, sob influência do estado puerperal.
Percebam que neste caso a conduta pode, aparentemente, ser enquadrada
tanto no art. 121 do Código Penal (“Matar alguém” - homicídio), quanto no art. 123 do CP (“Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante
o parto ou logo após” - infanticídio).
Art. 121. Matar alguém: Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Contudo, ao confrontarmos os dois tipos penais, podemos perceber que apesar de possuírem elementos em comum (qual seja: a eliminação da vida de
alguém”), apenas um destes crimes possui como elementares a subtração da vida do próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante ou logo após
o parto; e são justamente estes elementos adicionais que tornam o infanticídio uma norma especial em relação ao homicídio.
Aliás, a mesma lógica também pode ser vislumbrada entre os crimes de
furto (art. 155, caput, do Código Penal) e roubo (art. 157, caput, do Código Penal); pois enquanto ambos tem a subtração de coisa alheia como elemento
comum, o crime de roubo possui como elementos especializantes a violência e a grave ameaça.
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Isto significa, meus caros, que todo aquele que cometer um infanticídio,
terá também cometido um homicídio; e que todo aquele que cometer um roubou, terá também perpetrado um furto; ao mesmo tempo em que se pode
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dizer que a recíproca jamais será verdadeira por força dos elementos especializantes.
Ah! Estejam atentos! Pois este princípio não se aplica apenas entre tipos
penais distintos; ele também pode ser aplicado entre as formas simples e qualificadas de um mesmo tipo penal (como a lesão corporal simples – art. 129,
caput, do Código Penal; e a lesão corporal grave – art. 129, § 1º, do CP).
Princípio da subsidiariedade
Por sua vez, o princípio da subsidiariedade pressupõe que entre as
disposições penais aparentemente conflitantes exista uma espécie de relação de continência, que torne uma norma a principal e a outra a secundária, que
somente será aplicável na hipótese de àquela primeira não o ser.
Para a doutrina:
Uma lei tem caráter subsidiário relativamente a oucra (principal) quando o faro por ela incriminado é também incriminado por outra, tendo um
âmbito de aplicação comum, mas abrangência diversa. A relação entre as
normas (subsidiária e principal) é de maior ou menor gravidade (e não de espécie e gênero, como na especialidade)7.
Por outras palavras, o que se pode dizer, é que a relação de
subsidiariedade existirá naqueles casos em que dois tipos penais buscarem tutela um mesmo bem jurídico, expressando sanções de gravidade sempre
distintas, variáveis de acordo com a intensidade da lesão que, porventura, for irrogada contra o objeto de tutela.
Nas palavras de Nelson Hungria:
[...] a diferença que existe entre especialidade e subsidiariedade é que,
nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do
tipo principal (sempre mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por
qualquer causa, a pena do tipo subsidiário pode apresentar-se como “soldado de reserva” e aplicar-se pelo residuum8.
7 CUNHA. Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. Salvador: JusPODVM, 2016, p. 143
8 HUNGRIA. Nelso. Comentários ao Código Penal. Vol. 1. Tomo 1. Arts. 1º a 10. Forense: Rio de Janeiro. 1977,
p. 147.
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Há duas espécies de subsidiariedade: a expressa e a tácita.
Ocorre a subsidiariedade expressa, quando a própria lei prevê a
subsidiariedade, de forma explicita, enunciado a não aplicação da norma menos grave quando presente a mais grave.
Dois bons exemplo disso, são os arts. 132 e 307 do Código Penal, que
expressamente preveem que a sua aplicação somente terá lugar na hipótese de a conduta do agente não ser idônea para configurar um crime mais grave. In
verbis:
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
Já a subsidiariedade tácita ocorrerá quando a configuração de um delito de menor gravidade ceder lugar diante da presença de um delito de maior
gravidade.
A título de exemplo, podemos recorrer ao que ocorre em relação ao art. 311 e ao 302, ambos do CTB; bem como àquilo que acontece em relação aos
arts. 163 e 250, ambos do CP.
Art. 311. Trafegar em velocidade
incompatível com a segurança nas
proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque
de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação
ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
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Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses,
ou multa.
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a
perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Isso significa, que se um indivíduo conduz seu veículo em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, ele responderá pelo
art. 311 do CTB; agora, se com a sua conduta, o indivíduo acabar atropelando e matando alguém, ele responderá pelo art. 306 do CTB; no mesmo sentido, se
um indivíduo simplesmente danifica o patrimônio alheio, ele responderá pelo
crime de dano (art. 163 do CP), ao revés, se este mesmo indivíduo causa o dano mediante incêndio, ele responderá pelo ilícito penal que se encontra previsto no
art. 250 do Código Penal.
Princípio da consunção
Já no princípio da consunção (que também é conhecimento como princípio da absorção), o que nós temos é uma relação de meio e fim entre dois ou mais
ilícitos penais.
Isto significa, que nestes casos o agente terá o objetivo de executar um
determinado crime (crime fim), mas, para tanto, deverá executar outra conduta ilícita antes (crime meio).
A título de exemplo, podemos observar o caso de agente que traz consigo
uma faca (porte de arma branca — art. 19 do Decreto-lei 3.688/41), com a qual
golpeia superficialmente a vítima que pretendia lesionar (art. 129, caput, do
Código Penal).
Neste caso, apesar de ter praticado uma contravenção penal ao trazer
consigo a faca (crime meio), o agente somente responderá pelo crime fim, ou seja, pela lesão corporal causada.
Aliás, dois exemplos práticos também podem ser visualizado nos seguintes
precedentes jurisprudenciais:
O delito de bigamia exige para se consumar a precedente falsidade, isto é: a declaração falsa, no processo preliminar de habilitação do segundo
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casamento, de que inexiste impedimento legal. Constituindo-se a falsidade ideológica (crime-meio) etapa da realização da prática do crime de bigamia
(crime-fim), não há concurso do crime entre estes delitos. Assim, declarada anteriormente a atipicidade da conduta do crime de bigamia pela
Corte de origem, não há como, na espécie, subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica, em razão do princípio da consunção” (STJ: HC
39.583/MS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 08.03.2005).
A falsificação de documentos públicos (diploma de conclusão do curso
superior de medicina) visando ao exercício ilegal da profissão de médico, consubstanciado no requerimento de exames clínicos, prescrição de
medicamentos e realização de plantões médicos em hospital, constitui crime-meio, que deve ser absorvido pelo crime-fim, pois a falsificação em
questão se exauriu no exercício ilegal da medicina, sem mais potencialidade lesiva” (STJ: HC 138.221/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 29.09.2009).
Mas para que possamos gravar melhor esta ideia, basta lembrar que o
princípio da consunção terá lugar nos casos de crime progressivo, progressão criminosa, antefactum impunível e postfactum impunível, explico:
01. No crime progressivo, para alcançar um resultado (crime mais grave) o agente precisa
passar, necessariamente, por um crime menos grave. (v.g. o homicídio em que o agente
tem, necessáriamente, que passar pelo crime de lesão corporal).
02. Na progressão criminosa, o agente inicia a execução de seu ilícitio penal com uma
intensão que, subsequentemente, acaba sendo substituiída por outra que dá azo à
configuração de um resultado mais grave do que àquele que era inicialmente almejado.
Por outras palavras, neste caso, o agente deseja praticar um crime de menor gravidade e
efetivamente o consuma, mas depois, acaba praticando um crime maior, contra o mesmo
bem juridico, que também concretiza (v.g. o agente que, inicialmente, pretendia lesionar
a vítima, mas que, após lesioná-la, acaba resolvendo subtrair a vida desta).
Espera um minuto Carrasco! Mas crime progressivo e progressão criminosa
não são a mesma coisa? Negativo! Percebam que no crime progressivo a intensão do agente não muda, o que significa que desde o início ele quer
perpetrar o crime mais grave; já na progressão criminosa há uma mudança da
intenção do agente que, inicialmente, pretendia praticar um crime menos grave, mas que, na sequência, acaba decidindo levar a termo a prática de um crime
mais grave. A toda sorte, em ambos estes casos, o agente responderá pela prática de crime único.
Mas vamos lá que ainda precisamos analisar o antefactum impunível e
postfactum impunível, então vejamos:
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03. No “antefactum” impunivel, (atos anteriores, prévios ou preliminares impuníveis) o que
nós temos é a ocorrência de um fato ilícito que se situa na linha de desdobramento de
um crime mais grave que poderia ter sido executado sem ele. Isto ocorre, por exemplo,
no caso em que o agente viola um domicílio para perpetrar um furto.
04. Já “postfactum” impunivel (fatos posteriores não puníveis) o que nós temos é a prática de
um ilícitio que não é punido por ser considerado um exaurimento do crime principal
praticado pelo agente. Aqui, o que se tem é a situação em que, depois de realizada a
conduta, o sujeito pratica nova ofensa contra o mesmo bem jurídico, com o objetivo de
alcançar alguma vantagem adicional, a partir de seu crime anterior. Um bom exemplo
disso pode ser visualizado no crime de extorsão mediante sequestro, em que a
consumação do ilícitio ocorre com a captura da vítima; neste caso, o pagamento de
eventual resgate é considerado mero exaurimento.
Encerrado este tópico, partimos para o último princípio da alternatividade, mas isso, apenas no próximo capítulo. Até já!
Princípio da alternatividade
Por fim, resta a necessidade de examinarmos o princípio da alternatividade e para que possamos diferenciá-lo dos demais postulados que foram estudados
até este ponto, basta sabermos que o princípio em apreço se aplica aos tipos mistos alternativos (de ação múltipla ou conteúdo variado), ou seja, ao crimes
que possuem mais de um verbo nuclear alternativamente conectados, como, por exemplo, o art. 33 da Lei 11.343/06, segundo o qual configura crime de tráfico
a conduta de:
Art. 33 da Lei 11.343/06. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar
Percebam que no corpo do aludido dispositivo constam nada menos do que
18 (dezoito) verbos nucleares!
Neste caso, será que o agente que expuser à venda e, na sequência, efetivamente vender a substância entorpecente, terá praticado um ou dois
crimes?
Muito cuidado para responder esta pergunta, pois a depender da resposta,
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vocês irão impor um ou duas sanções à agente; e então?
Bom meus caros, apesar de no exemplo em questão o agente ter executado dois verbos de um mesmo tipo penal, pelo fato de estarmos diante de um tipo
misto alternativo, ele não poderá ser condenado por dois tráficos; isso mesmo, na hipótese em comento, como nós estamos diante de um crime multinuclear,
a prática de um ou de todos os núcleos do mencionado tipo (em um mesmo contexto), trará como consequência a possibilidade de o agente ser condenado
por um único crime de tráfico.
Mas Carrasco, então nos casos em que o agente se depara com um tipo
misto alternativo, compensa ele executar vários núcleos do tipo, ao invés de um só, afinal, a sanção será apenas uma!
Muito cuidado pessoal! Muito cuidado porque apesar de suportar uma única
condenação, nos casos em que executar mais de um núcleo do tipo penal, o agente poderá ter a sua pena exasperada na fase do art. 59 do Código Penal.
Disposições constitucionais aplicáveis ao direito
penal
Estamos chegando ao fim da nossa primeira aula e para fechar com chave de ouro, falaremos um pouco a respeito das disposições constitucionais que são
aplicáveis ao direito penal e de imediato eu gostaria de lhes dizer que em um estado democrático de direito (como o nosso), independentemente da natureza
que possuam, todas as normas devem guardar estrita compatibilidade com os ditames que emanam da Constituição Federal, afinal, em última análise, é esta
norma matriz quem atua como pilar de sustentação de todo o ordenamento
jurídico.
Pelo fato de a liberdade ser um dos bens jurídicos mais caros ao ser humano, um especial tratamento especial lhe foi conferido pelos art. 5º, caput
e LXI e pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, que não só trataram de assegurar o direito de liberdade, como também estabeleceram a impossibilidade
de ele vir a ser abolido por obra do legislador constituinte derivado, ressalvando, contudo, a possibilidade de ser operada a prisão daquele que, porventura,
atentasse contra a ordem jurídica vigente.
Neste contexto, por se tratarem dos ramos do direito que avalizam a prática de atos de violência contra a liberdade pessoal, o direito penal e
processual penal se correlacionam intimamente com diversas normas constitucionais, as quais, por sua extensão, segue enumeradas na tabela a
seguir:
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DISPOSITIVO É IMPORTANTE LEMBRAR!
Art. 5º, LIII, da CF. Ninguém será
processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente;
Em virtude desta garantia, o indivíduo somente
poderá ser julgado por autoridade competente.
Art. 5º, LIV, da CF. Ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal;
Esta garantia impede que qualquer pessoa seja
privada de sua liberdade ou de seus bens sem que
contra ela seja instaurado um processo no qual sejam
resguardados os seus direitos de contraditório e de
ampla defesa.
Art. 5º, LV, da CF. Aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
Enquanto a ampla defesa é a garantia constitucional
que assegura ao acusado a possibilidade de se calar
e de trazer para o processo todos os elementos
necessários para o esclarecimento da verdade; o
contraditório é a exteriorização daquela primeira
garantia, o qual se efetiva a partir do momento em
que a pessoa é informada do ato processual e,
sobretudo, da possibilidade de contra ele reagir/de
produzir prova em sentido contrário
Art. 5º, LVI, da CF. São inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos;
Não se admitem, em processo penal, as provas
adquiridas por meios ilícitos (leia-se: provas obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais).
Cuidado! Apesar de a vedação recair sobre as provas
ilícitas, as provas ilegítimas também não são
admitidas.
Art. 5º, LVII, da CF. Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal
condenatória;
Esta garantia consistia no direito de não ser declarado
culpado, senão após o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, proferida ao término de
um processo no qual houvessem sido observadas
todas as garantias fundamentais; contudo, com a
decisão proferida pelo plenário do STF no julgamento
do HC 126.292, esta garantia passou a consistir no
direito de não ser declarado culpado senão após a
prolação de um acórdão condenatório oriundo de
Tribunais de Apelação.
Art. 5º, LVIII, da CF. O civilmente
identificado não será submetido a
identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
Quer-se aqui dizer que aquele que já possui
documentos de identidade só precisará se submeter
à identificação criminal nas hipóteses previstas em
lei.
Art. 5º, LIX, da CF. Será admitida ação
privada nos crimes de ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal;
O que se busca neste dispositivo é garantir que a
vítima (ou seu representante) possa acionar as vias
judiciais para ver sancionado aquele que praticou um
ilícito penal e que, a princípio, poderia se subtrair de
sua responsabilização em virtude da inércia do Órgão
de Acusação.
Art. 5º, LX, da CF. A lei só poderá
restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da
Tem-se aqui a ideia de que, em regra, todos os atos
realizados por órgãos oficiais deverão ser públicos,
ressalvados aqueles cuja publicidade, por ventura,
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intimidade ou o interesse social o
exigirem;
vier a prejudica a intimidade ou interesse social.
Art. 5º, LXI, da CF. Ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei;
Consagra-se, neste dispositivo, a ideia de que a
prisão é a ultima ratio.
Art. 5º, LXII, da CF. A prisão de
qualquer pessoa e o local onde se
encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à
família do preso ou à pessoa por ele
indicada;
Busca-se, com esta regra, um reforço ao direito de
liberdade.
Art. 5º, LXIII, da CF. O preso será
informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, sendo-
lhe assegurada a assistência da família
e de advogado;
Há, aqui, a consagração da vedação da
autoincriminação.
Art. 5º, LXIV, da CF. O preso tem
direito à identificação dos
responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial;
Este direito é salvaguardado através do art. 306, §
2º, do CPP, segundo o qual, no prazo de 24h, contado
da prisão em flagrante, será entregue ao preso,
mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela
autoridade, com o motivo da prisão, o nome do
condutor e os das testemunhas.
Art. 5º, LXV, da CF. A prisão ilegal
será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária;
Este dispositivo busca evitar que prisões ilegais sejam
preservadas por um longo período de tempo;
Art. 5º, LXVI, da CF. Ninguém será
levado à prisão ou nela mantido,
quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança;
Em nosso ordenamento jurídico a prisão é a exceção
(a ultima ratio); e a liberdade, a regra.
Art. 5º, LXVIII, da CF. Conceder-se-
á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade
de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder;
Como a liberdade é a regra, toda e qualquer limitação
do direito de ir e vir que não estiver amparado por
normas constitucionais ou infraconstitucionais deve,
invariavelmente, ser afastada.
Mas será que é só isso que vocês precisam saber? De jeito nenhum. É necessário conhecer ainda alguns princípios que são extraídos de normas
constitucionais e que são aplicadas ao direito penal. São eles: o princípio da dignidade da pessoa humana; o princípio da humanização das penas; o princípio
da legalidade; e o princípio da presunção de inocência.
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Para começar, vamos voltar a nossa atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), que, de uma forma bem simples, traduz a
ideia de que a atuação estatal de prevenção e repressão à criminalidade (desempenhada mediante a atuação dos poderes legislativo, executivo e
judiciário) encontram limites no tratamento digno à que todo cidadão faz jus, independentemente de ter ou não praticado um crime.
Há aqui, portanto, a ideia de que, independentemente do ilícito que
praticou, todo criminoso terá o direito de ser tratado de forma digna; e como decorrência deste postulado, surge também o princípio da humanização das
penas, segundo o qual, a sanção penal não pode causar sofrimento ou a
degradação ao apenado, ela deve ser aplicada com o objetivo de retribuir o mal que foi causado pelo crime, ao mesmo tempo em que propicia meios para que o
criminoso possa ser (res)socializado.
Isto significa, por exemplo, que não podem ser aceitas em nosso ordenamento jurídico a aplicação de sanções que atinjam a dignidade da pessoa
humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica do condenado; principalmente porque se de um lado a constituição federal assegura que
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III, da CF), de outro, a lex matter ainda estabelece que em nosso
ordenamento jurídico não haverá penas “de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; de caráter perpétuo; de trabalhos
forçados; de banimento; ou cruéis;” (art. 5º, XLVII, da CF).
Para além destes postulados, ainda precisamos examinar o princípio da
legalidade; e neste ponto, o nosso estudo exigirá algumas considerações mais ponderadas.
Digo isto, porque apesar de o aludido princípio se encontrar positivado no
art. 5º, XXXIX, da CF, as regras em questão não o descrevem de forma satisfatória. Calma que eu explico!
Vejam que de acordo com o dispositivo supramencionado: “não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
A partir desta redação, podemos constatar, facilmente, que nas limitações que a Constituição Federal impôs, não foram abarcadas as contravenções penais
e as medidas de segurança. Agora, será que isso significa que o Estado pode criar leis para sancionar contravenções penais ocorridas em data anterior à
edição da norma? Mais do que isso, será que é possível aplicar medidas de
segurança fora das hipóteses legalmente previstas? Obviamente não!
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Assim, contemporaneamente, o aludido princípio deve ser entendido não
como a garantia de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, mas sim, como a garantida de que “não há crime
e nem contravenção penal sem lei anterior que o defina, nem pena ou medida de segurança sem prévia cominação legal” (nullum crimen nulla poena sine
praevia lege).
Aliás, deste postulado podem ser extraídas outros três princípios:
01. O princípio da reserva legal, segundo o qual apenas a lei em sentido formal (leia-se:
leio ordinária ou complementar) pode descrever e estabelecer pena para condutas
criminosas (não há crime, contravenção, pena ou medida de segurança sem lei).
02. O princípio da anterioridade, que impõe a obrigação de que a lei que cria o crime ou
contravenção e a pena ou medida de segurança deve ser anterior ao fato que se pretende
punir (art. 5º, XL, da CF).
03. O princípio da taxatividade, que impõe a obrigação de as normas penais serem claras
e bem definiada, vendando, portanto, os tipos penais e as penas vagas e indeterminadas.
Por fim, o princípio do estado de inocência/da presunção de inocência/da
presunção de não-culpabilidade consistia no direito de não ser declarado culpado, senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória,
proferida ao término de um processo no qual tenham sido observadas todas as garantias fundamentais (art. 5º, LVII, da CF).
Contudo, após a decisão que foi proferida pelo plenário do STF no
julgamento do HC 126.292, este princípio, para grande parte da doutrina, passou a consistir no direito de não ser declarado culpado senão após a prolação
de um acórdão condenatório, unânime, oriundo de Tribunais de Apelação.
Pessoal, com estas considerações, chegamos ao fim da nossa primeira aula; e ainda que o conteúdo examinado até este ponto já tenha sido bastante
extenso, eu gostaria de deixar claro que na medida em que os nossos estudos
forem avançando, não só retomaremos alguns dos conceitos e regras que estudamos na aula de hoje, como também trataremos de aprofundar o exame
dos princípio que aqui foram apresentados.
Por isso, por enquanto, desejo-lhes um bom descanso e desde já deixo o convite para que vocês voltem a me fazer companhia no exame dos demais
tópicos do edital do concurso da Polícia Rodoviária Federal!
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Um grande abraço e até a próxima!