direito internacional - competência

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Li L 6 yi O l ^ v .. C . í O Sistema de Repartição de Competências Adotado na Constituição de 1988 i n n •: - i 6.1 Descrição do modelo adotado Conhecidas as diferentes técnicas de repartição de competências testadas ao longo do tempo, não é difícil identificar no modelo adotado pela Constituição brasileira de 1988 a combinação de praticamente tudo o que já se experimentou na prática federativa. Estruturou-se, com efeito, um sistema complexo em que convivem compe- tências privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação das or- dens parciais na esfera de competências próprias da ordem central, mediante delegação. Confira-se, a propósito, o texto constitucional. Neste, cada ente federativo foi contemplado com competências próprias. As da União estão previstas nos artigos 21 e 22, o primeiro enumerando as matérias deferidas à atuação política e administrativa das autoridades federais, o segundo discriminando as matérias passíveis de disciplina normativa privativa por parte daquelas autoridades. Os Estados ficaram, também privativamente, com as competências residuais não enumeradas, nos termos do artigo 25, § I a, sendo que em mais dois parágra- fos do mesmo artigo e no § 4a do artigo 18 destacaram-se outras competências estaduais privativas: a de explorar os serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2a); a de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3a) e a de criar Municípios (art. 18, § 42).

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  • Li L

    6 yi l O l^ v..C . O Sistema de Repartio de Competncias Adotado na

    Constituio de 1988i n n: - i

    6.1 Descrio do modelo adotado

    Conhecidas as diferentes tcnicas de repartio de competncias testadas ao longo do tempo, no difcil identificar no modelo adotado pela Constituio brasileira de 1988 a combinao de praticamente tudo o que j se experimentou na prtica federativa.

    Estruturou-se, com efeito, um sistema complexo em que convivem competncias privativas, repartidas horizontalmente, com competncias concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espao tambm para a participao das ordens parciais na esfera de competncias prprias da ordem central, mediante delegao.

    Confira-se, a propsito, o texto constitucional.Neste, cada ente federativo foi contemplado com competncias prprias.As da Unio esto previstas nos artigos 21 e 22, o primeiro enumerando as

    matrias deferidas atuao poltica e administrativa das autoridades federais, o segundo discriminando as matrias passveis de disciplina normativa privativa por parte daquelas autoridades.

    Os Estados ficaram, tambm privativamente, com as competncias residuais no enumeradas, nos termos do artigo 25, I a, sendo que em mais dois pargrafos do mesmo artigo e no 4a do artigo 18 destacaram-se outras competncias estaduais privativas: a de explorar os servios locais de gs canalizado (art. 25, 2a); a de instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies (art. 25, 3a) e a de criar Municpios (art. 18, 42).

  • 0 Sistema de Repartio de Competncias Adotado na Constituio de 1988 59

    Certas competncias municipais privativas, por outro lado, esto catalogadas no artigo 30, cujo inciso I confere ao Municpio competncia para legislar sobre assuntos de interesse local, ficando especificadas nos incisos III, I\ V e VIII outras tantas competncias de ordem administrativa.

    Embora em tema de repartio de competncias a anlise se costume ater partilha entre Unio e Estados, e, no caso brasileiro em especial, entre Unio, Estados e Municpios, considerada a trplice estrutura de nossa Federao, no se deve esquecer que na Constituio o Distrito Federal comparece tambm como integrante da Federao (arts. Ia e 18), pelo que no demais lembrar as normas atinentes sua competncia. Cabe mencionai; portanto, que o artigo 32, l e, da Constituio atribui ao Distrito Federal as competncias legislativas reservadas aos Estados e aos Municpios.

    Passando s competncias comuns, esto elas discriminadas em dois dispositivos. No artigo 23 so previstas tarefas cujo cumprimento a todos deve incumbir, por isso que voltadas defesa de valores que, sem o concurso da Unio, dos Estados, dos Municpios e do Distrito Federal, o constituinte entendeu que no poderam ser adequadamente preservados.

    De outra pane, no artigo 24 figura a competncia legislativa concorrente mediante a qual Unio, Estados e Distrito Federal podem legislar sobre as matrias que o dispositivo arrola, observado o disposto em seus quatro pargrafos. Embora o artigo 24 no indique os Municpios entre os titulares da competncia legislativa concorrente, no ficaram eles dela alijados. Deslocada, no inciso II do artigo 30, consta a competncia dos Municpios de suplementar a legislao federal e estadual no que couber.

    Dissemos, ainda, que a Constituio trabalha tambm com a alternativa de delegao de competncias. o que prev o pargrafo nico do artigo 22, permitindo que lei complementar possa autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias objeto da competncia legislativa da Unio.

    Cabe referir, por fim, que em relao competncia tributria outro o arranjo constitucional. Como j ocorria no Direito anterior, a Constituio discriminou os tributos que cada entidade federativa pode estabelecer (art. 145), enumerando os impostos de competncia da Unio no artigo 153, os de competncia dos Estados e Distrito Federal no artigo 155 e os de competncia dos Municpios no artigo 156. Com a Unio ficou a competncia tributria residual, sendo-lhe facultado, mediante lei complementar, criar outros impostos, desde que no sejam cumulativos e no tenham fato gerador ou base de clculo prprios dos demais impostos que a Constituio prev (art, 154, I), bem assim instituir impostos extraordinrios, na iminncia ou no caso de guerra externa (art. 154, II), Foi tambm prevista a participao dos Estados e do Distrito Federal no produto da arrecadao de impostos federais (art. 157 e art. 159, II) e dos Municpios no produto da arrecadao de impostos federais e estaduais (art. 158 e art. 159, 3a), bem como a destinao de percentuais do produto da arrecadao de impostos

  • 56 Competncias na Constituio de 19B8 Almeida

    J no primeiro substitutivo apareceram em artigos distintos a competncia material e legislativa da Unio, com previso de que lei complementar poderia autorizar os Estados a legislar sobre certas matrias da competncia privativa da Unio (arts. 31, 32 e pargrafo nico deste ltimo). A competncia material comum Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios foi prevista no artigo 33 e a competncia legislativa comum Unio e aos Estados no artigo 34, ficando definido que neste campo a Unio editaria normas gerais e que, ine- xistindo normas gerais, os Estados exerceram a competncia suplementar para atender a suas peculiaridades (art. 34, I a e 2a). Para os Estados ficaram as competncias residuais (pargrafo nico do art. 35), especificando-se no artigo 37 algumas competncias materiais e legislativas, nestas includa expressamente a de suplementar a legislao federal nos casos previstos na Constituio. As competncias dos Municpios foram previstas no artigo 45, tanto as materiais como a de legislar em assuntos de interesse local predominante e suplementar a legislao federal e estadual no que coubesse.

    No segundo substitutivo, as diferenas em relao ao primeiro foram as seguintes: a) incluiu-se um pargrafo nico no artigo 20, relativo s competncias materiais da Unio, prevendo que o fluxo de dados transffonteiras seria processado por intermdio da rede pblica operada pela Unio; b) no se previu a possibilidade de delegao de competncia legislativa da Unio para os Estados; c) como regra para o exerccio da legislao concorrente estabeleceu-se apenas que a competncia da Unio prevalecera sobre a dos Estados e do Distrito Federal e que a competncia dos Estados prevalecera sobre a dos Municpios (pargrafo nico do art. 23); d) alm da previso de que aos Estados competiram os poderes remanescentes (art. 27, I a), previu-se, parte, apenas que seria sua a competncia de criar Municpios por lei estadual (art. 27, 2a).

    O projeto afinal aprovado na Comisso de Sistematizao trouxe, em relao ao segundo substitutivo do relator, as seguintes alteraes: a) reintroduziu-se a previso de que lei complementar poderia autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias de competncia legislativa privativa da Unio, desde que porm no causassem risco soberania e unidade nacionais (pargrafo nico do art. 24); b) voltou-se mesma orientao do primeiro substitutivo quanto s regras relativas ao exerccio da competncia legislativa concorrente ( I a e 2a do art. 26); c) alm da competncia residual dos Estados foi explicitado ser sua a competncia em relao criao de Municpios e explorao direta dos servios pblicos locais de gs combustvel canalizado ( l 9, 2S e 3fi do art. 27).

    5.2.4 Os projetos discutidos no plenrio da Assemblia Constituinte

    Submetido ao plenrio da Constituinte, o projeto da Comisso de Sistematizao ainda sofreu muitas adaptaes, aprovando-se, no primeiro turno de votao, texto em que se registraram, no tocante repartio de competncias, as modificaes a seguir indicadas:

  • A Reparao de Competncias e a Assemblia Nacional Constituinte. Histrico 57

    a) suprimiu-se, do artigo referente s competncias materiais da Unio, o pargrafo nico que tratava do fluxo de dados transfronteiras;

    b) formulou-se a redao que iria prevalecer para o pargrafo relativo delegao de competncia legislativa da Unio para os Estados (pargrafo nico do art. 22);

    c) incluiu-se pargrafo nico ao artigo referente s competncias materiais comuns (art. 23), prevendo a fixao, por lei complementar, de normas para a cooperao entre as entidades federadas, tendo em vista o equilbrio do desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional;

    d) alm da competncia residual deferida aos Estados (art. 25, 1?), pre- viu-se sua competncia para instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies (art. 25, 3S), mantendo-se a competncia de explorar os servios pblicos de gs canalizado (art. 25, 2e) , A regra sobre criao de Municpios foi deslocada para o captulo relativo organizao poltico-administrativa do Estado (art. 18, 4a) .

    Em segundo turno de votao no plenrio, o texto aprovado s alterou, na matria cuja evoluo viemos acompanhando, a disciplina do exerccio da competncia legislativa concorrente, que passa a conhecer sua formulao definitiva nos quatro pargrafos inseridos no artigo 24.

    Na verso ltima do texto constitucional, conformada na Comisso de Redao, foram remimerados os artigos que nos interessam, em fimo da incluso de mais um dispositivo no Ttulo I da Constituio. No se registrou nenhuma outra alterao.

  • 60 Competncias na Consrituio de 1988 Almeida

    da Unio ao Fundo de Participao dos Estados e do Distrito Federal, ao Fundo de Participao dos Municpios e a programas de financiamento ao setor produtivo das Regies Norte, Nordeste e Centro-oeste (art. 159,1).

    6.2 Identificao de suas fontes mais prximas de inspirao

    O modelo descrito no esconde suas fontes mais prximas de inspirao. Nele assoma, como nota marcante, o fato de se pretender tirar melhor partido da utilizao das competncias concorrentes, E, como se sabe, no Brasil a Constituio de 1934, no exterior a Constituio alem de 1949, so os textos que maiores subsdios poderam oferecer a esse propsito.

    Da Constituio de 1934, por exemplo, ter vindo a idia de um rol de competncias comuns a mais de uma esfera, sendo que o cotejo entre o artigo 23 da atual Constituio e o artigo 10 da de 1934 mostra ter havido a absoro, pelo artigo 23, do prprio contedo do rol que o artigo 10 abrigava.

    Mas o sistema de partilha de competncias, como um todo, mais se aproxima do sistema alemo, com a previso das competncias legislativas e no legislativas da Unio em artigos distintos; com a separao, tambm, das competncias comuns legislativas e no legislativas; com a previso de delegao de competncias legislativas da Unio aos Estados pelo legislador federal; com a repartio vertical da competncia legislativa concorrente, cabendo as normas gerais Unio e a legislao suplementar aos Estados.

    Alis, procede lembrar que o anteprojeto Afonso, tomado como base na Constituinte para a verso final do sistema de repartio de competncias, praticamente reeditava a proposta apresentada por JOS AFONSO DA SILVA Comisso Afonso Arinos, proposta esta ali acolhida pelo relator da matria, RAUL MACHADO HORTA, com aperfeioamentos por este sugeridos.1 mais um indicativo de que se teria feito sentir a influncia da Constituio alem, pela qual, j se viu, RAUL MACHADO HORTA revela, no sem razo, particular simpatia.

    A Constituio alem representou, com efeito, um avano no sentido de propiciar um relacionamento federativo melhor balanceado, principalmente em funo do tratamento que deu competncia legislativa.

    A partilha do poder de legislar sempre o fulcro da repartio de competncias, j que a lei - pensando-se em termos de Estado de direito - que d a dimenso do exerccio dos poderes pelos respectivos titulares.

    E a abertura dada pela Constituio alem faculdade legislativa dos Estados, contida a da Unio em limites mais estreitos, enseja sem dvida possibilidade de maior expanso da autonomia estadual. *

    O fato relatado pelo prprio JOS AFONSO DA SILVA (1989:411, n.r.2).i

  • O Sistema de Repartio de Competncias Adotado na Constituio de 1988 61

    6*3 Apreciao crtica do modelo em tese

    Numa primeira aproximao, o que se disse anteriormente em relao Constituio alem pode ser repetido em relao ao sistema de repartio de competncias da Constituio brasileira de 1988, embora no haja identidade plena entre ambas, mormente quanto s regras relativas ao exerccio da competncia legislativa concorrente.

    Abstrao feita do contedo das competncias privativas e comuns e de certos aspectos tcnico-jurdicos, o esquema de repartio de competncias da Constituio de 1988 passvel, em tese, de uma avaliao ppsitiva.

    Parece-nos, efetivamente, que a utilizao das competncias concorrentes, como idealizada, atende aos desgnios de se chegar a maior descentralizao, sem prejuzo da direo uniforme que se deva imprimir a certas matrias.

    Numa palavra, o caminho que se preferiu potencialmente hbil a ensejar um federalismo de equilbrio, que depende, embora, como no se desconhece, tambm de outras providncias.

    Abrir aos Estados uma esfera de competncias legislativas concorrentes, em que lhes facultado, por direito prprio, e dentro dos limites traados pela Constituio, disciplinar uma srie de matrias que antes escapavam de sua rbita de atuao legiferante, significa, por certo, ampliar-lhes os horizontes e incentivar- lhes a criatividade.

    0 mesmo se diga em relao descentralizao de encargos mediante o estabelecimento de uma rea de competncias comuns, em que da cooperao de todos os integrantes da Federao que dever resultar o atendimento das metas objetivadas.

    So dados, sempre falando em tese, reveladores de uma atenuao do princpio da supremacia da Unio e, pois, da centralizao poltica que em toda parte, em particular no Brasil, vem marcando o federalismo.

    bvio, porm, que esta primeira apreciao do modelo no pode corresponder a um juzo definitivo sobre a repartio de competncias na Constituio de 1988. preciso analisar como se formalizaram no papel as idias mestras subjacentes ao arranjo concebido. preciso verificar o contedo das competncias privativas e compartilhadas. S depois se poder chegar a concluses mais seguras sobre a eficincia do sistema em relao aos fins a que se preordena.

  • 7Das Competncias Privativasmn

    7.1 Questes terminolgicas

    7.1.1 Competncias privativas ou exclusivas

    Temos at aqui tratado das competncias prprias de cada entidade federativa, utilizando indstintamente, para identific-las, as expresses competncias privativas e competncias exclusivas.

    Cabe neste captulo, dedicado anlise mais pormenorizada da matria, discutir a adequao ou a impropriedade dessa sinonmia, vez como h autores que no a adotam.

    Comentando, por exemplo, o projeto de Constituio aprovado em primeiro turno na Assemblia Constituinte, dizia DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO (1988:138):

    A competncia privativa enunciada da Unio (art. 23) no pode ser entendida como exdusiva, de outra forma no caberam os incisos D, XX, XXIII e XXVI, que no s admitem como exigem legislao complementar estadual para sua aplicao (diretrizes da poltica nacional de transportes, normas gerais de organizao, efetivos, material blico e garantia das polcias militares e corpo de bombeiros militares, diretrizes e bases da educao nacional e licitao e contratao em todas as modalidades, para a administrao pblica, em geral).

    Transparece desse trecho que, para sen autor, existe uma diferena entre competncia privativa e competncia exdusiva, caracterizando-se essa ltima

  • Das Competncias Privativas 63

    pela sua atribuio a um ente federado, sem se deixar nenhuma margem de participao a outro.

    Essa idia fica mais ntida na distino entre competncias exclusivas e privativas proposta por JOS AFONSO DA SILVA com base na possibilidade de delegao. Diz o eminente constitucionalista:

    A diferena que se faz entre competncia exclusiva e competncia privativa que aquela indelegvel e esta delegvel. Ento, quando se quer atribuir competncia prpria a uma entidade ou a um rgo com possibi-

    - lidade de delegao de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a ele a matria indicada. Assim, no artigo 22 se deu competncia privativa (no exclusiva) Unio para legislar sobre:..., porque o pargrafo nico faculta lei complementar autorizar aos Estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas nesse artigo. No artigo 49, indicada a competncia exclusiva do Congresso Nacional. O artigo 84 arrola a matria de competncia privativa do Presidente da Repblica, porque o seu pargrafo nico permite delegar algumas atribuies ali arroladas. (Grifos no original.) (AFONSO DA SILVA, 1989:413, n.r.5.)

    Em outra passagem, ao classificar as competncias quanto extenso, ou seja, quanto participao de uma ou mais entidades na esfera da normativida- de ou da realizao material, reitera JOS AFONSO DA SILVA a mesma idia. So colocadas dentro da classificao proposta, entre outras, a competncia exclusiva e a competncia privativa, explicando-se que a competncia se distingue em: a) exclusiva, quando atribuda a uma entidade com excluso das demais (art. 21); b) privativa, quando enumerada como prpria de uma entidade, com possibilidade, no entanto, de delegao e de competncia suplementar (art. 22 e seu pargrafo nico, e art. 23 e seus pargrafos); a diferena entre a exdusiva e a privativa est nisso, aquela no admite suplementariedade nem delegao. (Grifos no original.) (AFONSO DA SILVA, 1989:414.)

    No que no consideremos vlido estabelecer uma dassificao das competncias assentada no critrio da delegao, agrupando-as em delegveis e no delegveis. Trata-se de um critrio aceitvel como tantos outros com base nos quais possvel construir dassificaes doutrinrias.

    O que no nos parece apropriado, no entanto, extremar mediante o uso dos termos privativo e exdusivo as competncias prprias que podem e as que no podem ser delegadas, como se privativo no exprimisse, tanto quanto exdusivo, a idia do que deferido a um titular com exduso de outros.

    Ora, no obstante o termo exdusivo possa parecer mais sugestivo, na verdade exatamente esta a idia que ambas as expresses traduzem, como confirmam os lxicos, tantos os comuns, como os especializados em terminologia jurdica.

  • 64 Competncias na Constituio de 1988 Almeida

    Confiram-se, entre outros, o Dicionrio contemporneo da lngua portuguesa, de CALDAS AULETE, e o Vocabulrio jurdico, de DE PLCIDO E SILVA.

    L-se no primeiro:

    EXCLUSIVO, adj. que exclu, que tem fora ou direito para excluir: direito exclusivo, ao exclusiva. ... Privativo, especial, restrito: privilgio excusivo; posse, propriedade, fruio exclusivas...,

    PRIVATIVO, adj. (gram.) que indica privao ou negao... Prprio, exclusivo, peculiar, singular; particular: este costume privativo dele. (Jur.) Que concede uma coisa exdusivamente a uma certa e determinada pessoa ou corporao ... (Grifos no original.) (CALDAS AULETE, 1958: v. 3 e 4, 2082 e 4081).

    Transpostas para o plano do Direito, as expresses em pauta tm seu significado esclarecido por DE PLCIDO E SILVA:

    EXCLUSIVO, o que tem fora para excluir, no admitir, ou repelir.PRIVATIVO, do latim privativus, entende-se o que prprio da pessoa,

    com excluso das demais.

    E assim, o que exclusivo dela, somente por ela pode ser feito ou praticado, pois que somente ela tem autoridade ou competncia para o fazer.... (Grifos no original.) (DE PLCIDO E SILVA, 1963: v. U e HI, 652 e 1223).

    Permitimo-nos, portanto, continuar a empregar indistintamente ambos os termos ao designar as competncias prprias de cada- entidade federada, acompanhando, nesse passo, doutrinadores como MANOEL GONALVES FERREIRA FILHO (1983:224), JOS CRETELLA JNIOR (1990: v. III, 1440) e CELSO BASTOS (1989:262).

    Em abono dessa posio vale lembrar, por fim, que o constituinte, como reconhece o prprio JOS AFONSO DA SILVA (1989:413, n.r. 5), no levou em conta a distino aqui discutida, havendo dispositivos, assim os artigos 51 e 52, em que, sob a rubrica de competncias privativas, esto arroladas atribuies indelegveis.

    7.1.2 Competncias remanescentes ou residuais

    Outra questo terminolgica sugerida, ainda uma vez, por classificao de competncias proposta por JOS AFONSO DA SILVA.

    Ao classificar as competncias quanto forma ou processo de sua distribuio, distingue o ilustre professor:

  • Das Competncias Privativas 65

    a) competncias enumeradas ou expressas;b) competncias reservadas ou remanescentes e residuais;c) competncias implcitas ou resultantes.

    O que nos chamou a ateno nessa classificao o fato de se pretender diferenciar as competncias remanescentes das residuais.

    Diz JOS AFONSO (1989:414) que reservada ou remanescente e residual a competncia que compreende toda a matria no expressamente includa numa enumerao, reputando-se sinnimas as expresses reservadas e remanescentes com o significado de competncia que sobra a uma entidade aps enumerao da competncia de outra (art. 25, Ia: cabem aos Estados as competncias no vedadas pela Constituio), enquanto competncia residual consiste no eventual resduo que reste aps enumerar a competncia de todas as entidades, como na matria tributria, em que a competncia residual - a que eventualmente possa surgir apesar da enumerao exaustiva - cabe Unio (art. 154,1).

    Ora, ainda aqui o reparo que ocorre fazer se prende ao emprego de palavras sinnimas para designar situaes que se pretendem diversas.

    De fato, remanescente e residual so termos que traduzem o mesmo contedo. Resduo - dizem os dicionrios - o que remanesce, o que sobeja, o que resta de alguma coisa (FERREIRA, 1985:1470). E no outra a operao que se identifica nas situaes acima formuladas a ttulo de exemplo, seno a de dar destinao ao que sobra, depois de se partilharem competncias. Tanto no caso dos poderes que ficam para os Estados, nos termos do artigo 25, l 9, quanto no caso da competncia tributria deferida Unio nos termos do artigo 154,1, queles e a esta se atribui o resduo, o que resta fora da enumerao das competncias dos outros entes.

    certo que, na hiptese do artigo 25, I a, aos poderes do Estado se chega depois de se separar o que da Unio e o que dos Municpios. E na hiptese do artigo 154,1, a competncia tributria da Unio exsurge aps se enumerarem os tributos da prpria Unio, dos Estados e dos Municpios. Entretanto, a operao sempre da mesma natureza. E bem por isso talvez no se justificasse uma subdiviso dentro da classificao proposta, apenas para se indicar que num caso a partilha prvia se faz entre Unio e Municpios e, no outro, entre Unio, Estados e Municpios.

    Assim sendo, seja-nos permitido ainda aqui, com a devida vnia, empregar indiferentemente, com o mesmo sentido, as expresses remanescente^ e residuais.

    7.1.3 Competncias reservadas

    Gostaramos ainda de levantar questo de nomenclatura relativa expresso poderes reservados, com que costumam ser identificados os poderes re

  • 66 Competncias na Constituio de 1988 * Almeida

    manescentes dos Estados, em contraposio aos poderes enumerados das outras entidades.

    Este hbito, como no se desconhece, remonta s origens da Federao americana, que surge por processo de agregao de Estados antes independentes, tendo estes se reservado todos os poderes que no delegaram Unio. Da a tradio que se firmou de falar-se em poderes reservados dos Estados.

    No Brasil, onde a Federao se formou por processo de segregao de um Estado unitrio, no se verificou a mesma reserva, porque os Estados, em que se transformaram as antigas provncias, no detinham, como prprios, poderes que pudessem guardar para si. Receberam, isto sim, os poderes que lhes foram conferidos pelo Estado brasileiro.

    Por isso mesmo, comentando o artigo 25, I a, da Constituio de 1988, diz MANOEL GONALVES FERREIRA FILHO (1990: v. 1, 204) que era mais correta a redao de 1967 (...aos Estados so conferidos todos os poderes....), do que a de 1946 (...aos Estados se reservam todos os poderes...) que a atual repete.

    Voltamos, de fato, no artigo 25, Ia, da Constituio vigente, frmula menos feliz segundo a qual so reservadas aos Estados as competncias que no lhes sejam vedadas por esta Constituio.

    Mas no tanto essa redao que nos incomoda e sim a ilao que se costuma extrair de formulaes do gnero, no sentido de que poderes reservados so os poderes remanescentes dos Estados, em oposio aos poderes privativos das outras entidades.

    O fato que, dentre os significados do vocbulo reservar, o que se adapta idia de reservar competncias o de separ-las, guardar parte delas para des- tinao aos respectivos titulares.

    Assim, por exemplo, a Constituio tanto reserva poderes para a Unio, como para os Estados. Pode-se perfeitamente falar em poderes reservados da Unio, fazendo-se referncia ao rol enumerado desses poderes, como em poderes reservados dos Estados, querendo-se aludir as seus poderes remanescentes no enumerados ou a outros poderes estaduais eventuaJmente enumerados.

    O que se quer dizer, em outras palavras, que a expresso poderes reservados empregada tout court, sem meno ao destinatrio, no deve corresponder necessariamente aos poderes remanescentes dos Estados. Antes nos parece que poderes reservados so equivalentes a poderes prprios, privativos, no importa de que entidade federativa.

    Nesse sentido temos o abono de MANOEL GONALVES FERREIRA FILHO (Curso... 1990:43) que, ao discorrer sobre a repartio horizontal de competncias, mostra basear-se ela na reserva de matrias Unio ou aos Estados, da competncias reservadas ou exclusivos da Unio ou dos Estados. Nesse caso, somente quem recebeu a competncia pode dispor sobre a matria, com excluso de qualquer outro. (Grifos no original.)

  • Das Competncias Privativas 67

    Assim sendo, optamos, neste trabalho por indicar sempre de que poderes reservados se trata, a cada vez que empregamos a expresso.

    7.1 A Competncias materiais, gerais ou de execuo

    Cada entidade federativa recebe da Constituio, alm da competncia legislativa, outras competncias que as credenciam ao desempenho de diferentes tarefas e servios.

    Vrias so as frmulas que a doutrina emprega para referir esta ltima modalidade de competncias, cujo objeto no corresponde a uma nica atividade, ao contrrio do que ocorre com a competncia legislativa, que retira o seu nome do seu objeto especfico, qual seja, elaborar a lei.

    De modo geral, para contrapor as duas modalidades, prefere-se apresentar em bloco, sob rubrica genrica, as competncias relativas ao desempenho de tarefas que no a legislativa.

    Assim que CELSO BASTOS (1989:291), por exemplo, tomando por diferencial exatamente a feitura da lei, fala em competncias legislativas de um lado e de competncias no legislativas de outro lado.

    ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRA2 (1989:64), de sua vez, divide as competncias em legislativas e gerais ou de execuo, passando, em especial com essa ltima expresso, a idia de poderes de fazer. o que indicam, de fato, os verbos em geral utilizados a propsito de tais competncias: prover", autorizar, promover, administrar1, organizar etc.

    A distino apresentada a respeito por JOS AFONSO DA SILVA (1989:413) se faz entre competncias legislativas e competncias materiais, separando-se 0 campo normativo e o campo material relativo s reas de atuao do titular da competncia.

    Considerando que todas as expresses aqui lembradas configuram rtulos adequados ao contedo a que se referem sero elas utilizadas indistintamente neste trabalho.

    7,2 Das competncias privativas da Unio

    7.2.1 As competncias materiais da Unio.Consideraes de ordem geral

    Referindo-se competncia da Unio, distingue JOS CRETELLA JNIOR (1990:1285) a competncia lato sensu, isto , a faculdade ampla de legislar, de administrar e de julgar, e a competncia em sentido mais restrito, a saber, a capacidade genrica ou possibilidade de desempenhar servios pblicos federais, de editar atos administrativos e atos polticos".

  • 6 8 Competncias na Constituio de 1988 Almeida

    da competncia nesse segundo sentido que cuida o artigo 21 da Constituio, estabelecendo o que a Unio, mediante a ao conjugada ou isolada dos Poderes Executivo e Legislativo, est habilitada a fazer.

    Nesse artigo confere-se competncia Unio para desempenhar certas atividades de cunho poltico, administrativo, econmico ou social que, por sua natureza, inserem-se na rbita do Poder Executivo, pressupondo o seu exerccio a tomada de decises governamentais e a utilizao da mquina administrativa.

    Em alguns casos o desempenho dessas atividades e servios pressupe ainda a participao do Poder Legislativo, que deve autorizar previamente ou aprovar a posteriori os atos do Poder Executivo. o que se d, por exemplo, com a declarao de guerra e celebrao da paz ou com a decretao do estado de stio, que dependem de autorizao do Congresso Nacional (art. 49, II e IV) ou ainda com os atos de decretao de interveno federal e do estado de,defesa, que depois de editados, devero ser submetidos aprovao do Congresso Nacional (art. 49, IV).

    De outra parte, como observa ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRAZ (1989:65), embora se cogite, na espcie, de exerccio de poder, de execuo de atividade ou desempenho de encargo, as competncias gerais no excluem ao normativa preceente, emanada da prpria esfera de poder. Assim, por exemplo, a prestao, pelo municpio, de servios pblicos de interesse local, inclusive o de transportes coletivos (art. 30, V), demandar, com certeza, legislao municipal disciplinadora dessa atividade local.

    Por isso mesmo que o cotejo entre os artigos 21 e 22 mostra estreita correlao entre as matrias constantes no primeiro e aquelas em relao s quais a Unio tem competncia para legislar.

    Numa outra ordem de consideraes, embora o caput do artigo 21 se limite aos dizeres compete Unio, sem ter empregado o advrbio privativamente", que figura no caput do artigo 22, no faz dvida que as competncias arroladas no artigo 21 so privativas da Unio. De rigor, o advrbio privativamente, que modifica o verbo competir no caput do artigo 22, que seria dispensvel. AH foi inserido, talvez, como contraponto ao advrbio concorrentemente que aparece no caput do artigo 24. Mas isto era desnecessrio, repita-se. Na Federao, a regra primeira manda que a cada partcipe se confiram competncias privativas, o que indispensvel para se dar substncia autonomia de cada rbita de poder Assim, basta dizer que determinada competncia assiste a uma entidade para que, automaticamente, no seja das outras, salvo previso de atuao concorrente que, esta sim, h de ser expressa.

    7,2,2 O elenco de matrias do artigo 21 da Constituio

    Passando ao contedo do artigo 21, o que em primeiro lugar se constata que o constituinte no deixou de incluir entre as matrias ali arroladas aquelas

  • Das Competncias Privativas 69

    que, em qualquer Federao, constituem o ncleo irredutvel das competncias materiais da Unio,

    Assim que foram previstas competncias inerentes autoridade de que investida a Unio para exercer poderes no plano internacional, como os de manter relaes com Estados estrangeiros e participar de organizaes internacionais (inciso I), declarar a guerra e celebrar a paz (inciso II).

    Tambm figuram competncias federais tpicas, ligadas preservao da integridade do territrio nacional, como as de assegurar a defesa nacional (inciso III), permitir o trnsito ou permanncia de foras estrangeiras no Pas (inciso IV), autorizar e fiscalizar a produo de material blico (inciso VI), executar os servios de polcia martima, aeroporturia e de fronteiras (inciso XXII).1

    Relacionam-se ainda competncias tambm tradicionalmente deferidas ao poder centrai e voltadas proteo da ordem constitucional em momentos de crise, assim as de decretar o estado de stio e o estado de defesa (inciso V), ou preordenadas salvaguarda do regime federativo, como a de decretar a interveno federal (inciso V).

    No foram esquecidas outras competncias justificveis em funo dos aspectos unitrios da Federao, que demandam uniformidade no trato de certos assuntos. Nesse caso se incluem, por exemplo, os poderes clssicos de emitir moeda (inciso VII); de manter o servio postal (inciso X); de explorar os servios de telecomunicao em suas vrias modalidades (incisos XI e XII, alnea a) ; os servios de transporte ferrovirio e aquavirio entre portos brasileiros e fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Territrio (inciso XII, alnea d'); os servios de transporte rodovirio interestadual e internacional de passageiros (inciso XII, alnea e); a navegao area e aeroespacial (inciso XII, alnea c); os servios porturios (inciso XII, alnea f) .

    Alm dessas competncias, foram mantidas outras que j constavam no ordenamento constitucional anterior. Em verdade, substandalmente nada do que integrava a competncia da Unio na Constituio revogada deixou de constar na atual Constituio. Comparando-se o artigo 8e daquela (excluda a competncia legislativa que examinaremos em momento prprio) e o artigo 21 desta, verifica-se que neste no se fez meno expressa apenas competncia de organizar as Foras Armadas, s atribuies da polcia federal e aos planos nacionais de educao e sade.

    Mas de se ter em conta que em vrios outros artigos da Constituio deparam-se desdobramentos das competncias privativas da Unio e mesmo a previso de outras. Assim que, no artigo 142, aparecem as Foras Armadas como instituies nacionais, sob a autoridade suprema do Presidente da Repblica; no artigo 144, I a, a discriminao das competncias da polida federal; no artigo

    1 Redao do inciso XXII dada pela Emenda Constitucional na 19, de 4 de junho de 1998. A redao original mencionava servios de polcia martima, area e de fronteiras.

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  • 7 0 Competncias na Constituio de 1988 * Almeida

    214 a previso de um plano nacional de educao. S mesmo o plano nacional de sade que constava da anterior Constituio no foi previsto expressamente na que est em vigor. Mas no se tenha dvida, porm, da ascendncia que ainda permanece com a Unio no tema sade. Embora pelo artigo 23, II, tenha se tomado competncia comum de todas as entidades federativas cuidar da sade, o artigo 198 no esconde a centralizao das aes e servios pblicos de sade que integraro uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema nico.2 Alm disso, a sade tratada em seo do captulo da seguridade social, que, nos termos do artigo 194, compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social. E a lei que nos termos do pargrafo nico do artigo 194 dever organizar a seguridade social ser a lei federal, j que o artigo 22, XXIII, defere privativamente Unio competncia para legislar nessa matria.

    V-se, pois, que, em verdade, no se cortou nada do artigo 8a da Constituio pretrita. Mas conseguiu-se, isto sim, ampliar o rol das competncias poltico-ad- minstrativas federais.

    Em alguns casos explidtaram-se competncias que a Unio j exercia e que, anteriormente, se poderam considerar implcitas. o caso da competncia para administrar as reservas cambiais do Pas (inciso VTII), matria irrecusavelmente da alada do poder central tambm o caso da competncia para estabelecer as reas e as condies para o exerccio da atividade de garimpagem, em forma associativa (inciso XXV), competncia esta que j era da Unio, porque j lhe incumbia legislar tanto sobre as condies para o exerccio das profisses, como sobre jazidas, minas e outros recursos minerais, sendo certo que sua explorao j dependia de autorizaro ou concesso federal.

    Em outros casos detalhou-se mais, nem sempre a bem da clareza, o que de maneira sinttica, mas no menos abrangente, constava do ordenamento constitucional de 67/69.

    o que se deu em relao explorao de determinados servios. Dizia, por exemplo, o texto anterior que Unio cabia explorar diretamente ou mediante autorizao ou concesso, os servios de telecomunicao (art. 8, XV VO. J no texto de 1988, a mesma matria foi inicialmente desdobrada em dois incisos do art. 21, de compreenso difcil, somente aclarada com alteraes introduzidas pela Emenda Constitucional nfi 8, de 15 de agosto de 1995. De fato, conforme a verso original da Constituio vigente, nos incisos XI e XII, a", separavam- se, dentre os servios de telecomunicao, os que poderam ser explorados di- 1

    1 Exemplo que refora esse entendimento dado pela Emenda Constitucional n fl 51, de 14 de fevereiro de 2006, que incluiu os 4, 5 e 6a ao art. 198, estabelecendo que lei federal dispor sobre o regime jurdico e a regulamentao das atividades de agentes comunitrios de sade e agentes de combate s endemias que os gestores locais do sistema nico de sade podero admitir, e mais, que a lei fixar requisitos especficos para o exerccio das respectivas funes, requisitos cuja inobservncia poder levar perda do cargo dos referidos servidores.

  • Das Competncias Privativas 71

    retamente ou mediante concesso a empresas sob o controle acionrio estatal (servios telefnicos, telegrficos e de transmisso de dados e demais servios pblicos de telecomunicaes) e os que poderam ser explorados diretamente ou mediante autorizao, concesso, ou permisso, sem se restringir, portanto, a sua explorao indireta a empresas sob o controle acionrio estatal (servios de radiodifuso sonora, de sons e imagens e demais servios de telecomunicaes). Ora, a meno a demais servios pblicos de telecomunicaes no inciso XI e a demais servios de telecomunicaes no inciso XII, a, criava uma certa perplexidade. Como os demais servios se submetiam a regimes diversos em um e outro dispositivo, fazia-se mister distingui-los. A diferena de redao estava no adjetivo pblicos. E assim era preciso descobrir em que sentido fora empregado o qualificativo.

    JOS AFONSO DA SILVA (1989:430) procurou esclarecer a questo, mostrando que o constituinte utilizara conceitos do Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes (Lei n- 4.117, de 27 de agosto de 1962), cujo artigo 6a classifica os servios de telecomunicaes quanto aos fins a que se destinam, distinguindo na letra a os servios pblicos, isto , aqueles destinados ao uso pblico em geral; na letra b os servios pblicos restritos, ou seja, aqueles de uso facultado aos passageiros dos navios, aeronaves, veculos em movimento ou ao uso do pblico em localidades ainda no atendidas por servio pblico de telecomunicao; e na letra c os servios limitados (no se emprega aqui o termo pblicos), quer dizer, aqueles executados por estaes no abertas correspondncia pblica e destinados ao uso de pessoas fsicas ou jurdicas nacionais, como os de segurana, regularidade, orientao e administrao dos transportes em geral, os de mltiplos destinos, os rurais e o servio privado. Assim, os demais servios pblicos de telecomunicaes a que aludia o inciso XI do artigo 21 seriam os que constam das letras a e b do artigo 6a do Cdigo de Telecomunicaes e os demais servios de telecomunicaes (no qualificados cotno pblicos) previstos no inciso XII, a, do artigo 21 seriam os constantes na letra c do artigo 6a daquele Cdigo. No pretendemos contestar que o constituinte tenha se apoiado nessa legislao para estabelecer o tratamento diferenciado nas hipteses aqui examinadas, por certo atendendo a ponderaes dos setores tcnicos especializados. Mas inegvel a dificuldade que desnecessariamente criou para o intrprete, tomando seguramente misterioso o alcance do texto para o comum dos mortais a que se dirige a Constituio.

    Com a promulgao da Emenda Constitucional, nQ 8, de 15 de agosto de 1995, foi modificada a redao dos incisos XI e XII. Nos termos do inciso XI, compete Unio explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso, os servios de telecomunicao, nos termos da lei. Na conformidade do inciso X3I, a, cabe, igualmente Unio, explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso os servios de radiodifuso sonora e de sons e imagens. Como se constata, sob um mesmo regime e sem as distines sibilinas da redao original foi posta a explorao dos servios de telecomunicao em geral.

  • 7 2 Competncias na Constituio de 1988 Almeida

    Tambm em relao explorao da energia, o artigo 21 mais detaihlsta que o artigo 8e da antiga Constituio que previa a competncia da Unio para explorar os servios e instalaes de energia eltrica de qualquer origem ou natureza (inciso X\( b). Agora o inciso XII, alnea b, do artigo 21 prev a explorao direta ou indireta dos servios e instalaes de energia eltrica, especificando ainda o aproveitamento energtico dos cursos de gua, que se far em articulao com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergticos, E no inciso XIX incumbe-se a Unio de instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hdricos e de definir critrios de outorga de direitos de seu uso, o que, por certo, pressuposto para a explorao indireta dos potenciais hidroenergticos a que se refere o inciso XII, b.

    Fica expresso, ainda, nos termos do inciso XXIII, que Unio compete - e a sem intermediao, exceto nas hipteses da alnea b (sob regime de permisso, so autorizadas a comercializao e a utilizao de radioistopos para a pesquisa e usos mdicos, agrcolas e industriais) e da alnea c (sob regime de permisso, so autorizadas a produo, comercializao e utilizao de radioistopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas)3 - explorar os servios e instalaes nucleares de qualquer natureza e exercer monoplio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrializao e o comrcio de minrios nucleares e seus derivados, atendidos os princpios que se especificam nas alneas do referido dispositivo.

    Igualmente se esmiua, com mudana de enfoque, a previso do artigo 82, XV, d, da anterior Constituio sobre explorao de transportes entre portos martimos e fronteiras nacionais. Trata-se agora da explorao dos servios de transportes e no das vias de transportes como anteriormente. Especifica-se que se cuida de servios ferrovirios e aquavirios, restringindo-se, desta feita, a rea de atuao da Unio, j que na dico pretrita falava-se genericamente em vias de transporte, alcanando-se, portanto, tambm o transporte rodovirio.

    De transporte rodovirio se cuida, mas em outra situao. Fica expresso no inciso XII, alnea e, que compete Unio o transporte rodovirio de passageiros, quando interestadual ou internacional. Expressa tambm se toma a competncia federal quanto explorao dos portos (inciso XII, alnea f).

    Alguns incisos do artigo 21 traduzem o convencimento do constituinte no sentido da convenincia da fiscalizao federal, considerada a importncia da atividade (assim o caso da fiscalizao das operaes de previdncia privada a que alude o inciso VIII, in fine) ou o seu convencimento sobre a necessidade de uma uniformizao de dados ou de padres (assim na hiptese da organizao e manuteno dos servios oficiais de estatstica, geografia, geologia e cartografia de mbito nacional e na hiptese de classificao de diverses pblicas, para efeitos indicativos, conforme previso dos incisos XV e XVI).

    3 A redao das alneas b" e c transcritas foi dada pela Emenda Constitucional n 49, de 8 de fevereiro de 2006.

  • Das Competncias Privativas 73

    V

    Em outros pontos o artigo 21 acentua a tendncia de se dar destacado papel Unio em tema de planejamento. J era sua a competncia para elaborar planos nacionais e regionais de desenvolvimento econmico e o plano nacional de viao e para organizar a defesa permanente contra calamidades pblicas. Agora se lhe d mais a competncia de elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenao do territrio (inciso IX) e de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive quanto a habitao, saneamento bsico e transportes urbanos (inciso XX).

    Competncias ainda foram previstas, relativas organizao e manuteno do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico, da Defensoria Pblica e das polcias civil e militar e corpo de bombeiros militar dos Territrios e do Distrito Federal (incisos Xin e XIV). Os Territrios so meras circunscries administrativas da Unio e natural o tratamento previsto.4 * * * * O Distrito Federal, embora tenha tido sua autonomia acentuada nesta Constituio, no se equipara aos Estados ficando, sob certos aspectos, na dependncia da Unio, ente especial que , previsto exatamente para sediar a Capital, para ser a sede, portanto, dos poderes federais.

    Deve ser registrado que na redao original do inciso XTV tambm havia referncia organizao e manuteno da polcia federal e das polcias rodoviria e ferroviria federais, com atribuies especficas e taxativas, voltadas a se acautelarem interesses da segurana do Estado, assim a defesa das fronteiras e a apurao de infraes de repercusso interestadual ou internacional que exijam represso uniforme, como o caso do trfico de entorpecentes. A Emenda Constitucional n919, de 4 de junho de 1998, suprimiu a meno quelas organizaes policiais, que continuam, porm, previstas no art. 144, incisos I, II e III, com as respectivas competncias relacionadas nos Ia, 2a e 3a do mesmo artigo.

    De outra parte, continuou com a Unio a competncia de conceder anistia (inciso XV), j que em matria criminal a competncia legislativa da Unio e a regra que quem tem o poder de editar a lei punitiva ter o poder de anistiar. O alvo tradicional da anistia, como se sabe, so os crimes polticos.

    7,2.3 Outras competncias materiais da Unio

    Cumpre reiterar, por fim, que o artigo 21 no esgota o elenco das competncias materiais privativas da Unio. Como j se teve oportunidade de dizer, h desdobramentos delas, e mesmo a previso de outras, ao longo do texto constitucional.

    4 Foram transformados em Estados, pela Constituio de 1988, os Territrios de Roraima e doAmap e extinto o de Fernando de Noronha (arts. 14 e 15 do ADCT). Assim, no existe presentemente nenhum Territrio na organizao poltico-administrativa brasileira. No obstante, a Constituio manteve disposies voltadas aos Territrios, no sendo de descartar a hiptese, emboraremota, de criao de outros.

  • 7 4 Competncias na Constituio de 1983 Almeida

    A ttulo de exemplo, lembraramos que no artigo 164 e seus pargrafos volta-se a cuidar da competncia para emitir moeda, deferida com exclusividade ao. Banco Central, e no artigo 176 e seus pargrafos trata-se em detalhes da pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento de energia hidrulica.

    Por outro lado, nos termos do artigo 177, constituem monoplio da Unio a pesquisa e a lavra das jazidas de petrleo e gs natural e outros hidrocarbonetos, a refinao de petrleo nacional ou estrangeiro, a importao e exportao dos produtos derivados bsicos resultantes das atividades mencionadas, o transporte martimo do petrleo e seus derivados e a pesquisa, lavra, enriquecimento, processamento, industrializao e comrcio de minrios nucleares.

    Importantes competncias tem a Unio tambm nos setores de poltica, fundiria e agrcola. Assim que, nos termos do artigo 184, cabe autoridade federal a desapropriao por interesse social, para fins de reforma agrria, do imvel rural que no atender funo social da propriedade, sendo tambm do poder central o planejamento e a execuo da poltica agrcola, que deve ser compatvel com a poltica de reforma agrria.

    De ressaltar ainda a competncia da Unio para organizar a seguridade social, consoante o artigo 194, e para organizar o sistema nico de sade (art. 198), como j se referiu antes, em oportunidade em que tambm lembramos a previso de um plano nadonal de educao pelo artigo 214.

    Isto tudo sem contar as competncias da Unio como agente normativo e regulador da atividade econmica, condio de que lhe advm, mais do que de qualquer outra, a posio de proeminnda que ocupa no cenrio nacional. E no faz dvida que as funes de fiscalizao, incentivo e planejamento da atividade econmica, previstas no artigo 174, incumbem precipuamente Unio. o que deflui com dareza do l s daquele artigo, em que se cogita das diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual dever incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento, que, j vimos, incumbem Unio.

    7.2.4 Viso crtica das competncias materiais da Unio

    Ao longo do apanhado das competndas materiais da Unio fizemos, quando nos pareceu conveniente e oportuno, alguma breve apreciao crtica, sem a preocupao de comentar uma a uma as disposies pertinentes. Isto porque no estamos nos colocando na posio de comentarista da Constituio. O que se pretende tentar a anlise da repartio de competncias sob a tica da colaborao que possa ter trazido para o reequilbrio do federalismo brasileiro.

    E, sob este prisma, foroso partir da constatao de que no se reduziram, ao contrrio, at foram ampliadas as competndas federais.

  • Das Competncias Privativas 75

    Dificilmente se poder admitir que os constituintes premeditadamente quisessem esse resultado. A no ser que tenham sido absolutamente insinceros ao apregoar, tantas vezes, durante os trabalhos de elaborao da nova Carta Poltica, o propsito que os movia de buscar maior descentralizao de poderes.

    razovel supor ento que afinal se tenham convencido de que, em verdade, as competncias que a Unio j detinha deveram mesmo lhe pertencer, correspondendo a encargos que s o poder central pode desempenhar a contento.

    Isto demonstra que a recomposio do equilbrio federativo problema muito mais complicado do que se pode imaginar primeira vista.

    De fato, realisticamente, a preponderncia da Unio no federalismo contemporneo um dado com que se tem de aprender a conviver. O que preciso impedir uma hegemonia do poder federal que desnature o sistema.

    Se pensarmos principalmente em termos da interao federalismo/democra- cia, o Estado federal tanto mais propiciar a democracia quanto mais perto dos destinatrios estiver a sede do poder decisrio. Raciocinando nestes termos que CELSO BASTOS (1989:249) pondera que a regra de ouro (da Federao) podera ser a seguinte: nada ser exercido por um poder de nvel superior desde que possa ser cumprido pelo inferior.

    Se com base nessa regra se analisar o artigo 21, h que se reconhecer, no entanto, que a grande maioria dos poderes arrolados no podera deixar de ali estar, enquadrando-se eles naquela categoria de poderes que s podem ser bem exercidos por quem representa a unidade do Estado federal no plano das relaes exteriores e, no plano interno, pode articular as solues para problemas que afetam a mais de um ou a todos os Estados.

    Mesmo assim algumas competncias, a nosso vez; poderam com vantagem sair da esfera privativa da Unio, para integrar o rol das competndas comuns do artigo 23.

    Uma delas a competncia de planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades pblicas. Sabe-se que foi a que tudo comeou. Melhor explicando, foi a invocao, pelos Estados, do socorro da Unio, diante do flagelo das secas do Nordeste, que inaugurou entre ns o processo de interferncia federal em assuntos que antes diziam respeito economia interna dos Estados. A atuao da Unio no terreno das calamidades pblicas sem dvida muito importante. Mas no exime as demais autoridades pblicas de participarem e contriburem na debelao de problemas que so de todos. Trata-se, pois, de matria especialmente talhada para figurar entre as competncias comuns, que demandam ao conjugada e permanente dos integrantes da Federao.

    Outra competncia que podera deixar o rol privativo da Unio a de executar a inspeo do trabalho. certo que Unio cabe legislar sobre Direito do Trabalho e, portanto, estabelecer as normas sobre as condies de seu exerccio. Mas esse fato, por si s, no justifica que apenas a Unio fique encarregada da

  • 76 Competncias na Constituio de 1988 Almeida

    Q?T>VS>fiscalizao do trabalho. No rol de competncias comuns do artigo 23 figura, por exemplo, a de registrar, acompanhar e fiscalizar as concesses de direitos de pesquisa e explorao de recursos hdricos e minerais, quando certo ser da Unio a competncia de legislar sobre guas e energia. A fiscalizao das condies em que se desenvolve o trabalho, como aquelas relativas higiene e segurana, ao trabalho do menor, durao da jornada de trabalho, entre outras, tarefa das mais relevantes que recomendaria o entrosamento das Administraes federal, estaduais e municipais e, bem por isso, sua incluso, com proveito, entre as competncias materiais comuns.

    Competncia que merece ser analisada quanto oportunidade de sua excluso ou no do campo das competncias privativas da Unio a pertinente classificao, para efeito indicativo, das diverses pblicas e programas de rdio e televiso.

    Examinando a competncia em matria de censura na Constituio precedente, demonstrou ADA PELLEGRINI GRINOVER (1972: v. 2, 51) que o Brasil adotava ento o regime da descentralizao da atividade censria. Essa concluso foi firmada considerando-se, de um lado, que a Constituio no conferia Unio poderes expressos para legislar sobre a matria, includa no campo do Direito Administrativo, De fato, a censura uma manifestao do poder de polcia e este pertence a todas as esferas, podendo, segundo a matria, ser exclusivo ou concorrente. De outro lado, presume-se a competncia estadual, e no a federal, em caso de dvida. Nessa linha de raciocnio, entendia-se que, a par da polcia federal, a que a Constituio deferia competncia para exercer a censura, podera haver rgos censrios estaduais.

    A situao hoje outra, no s porque vedada qualquer censura de natureza poltica, ideolgica e artstica sobre a atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao (art. 52, DC c/c art. 220, 2Q), mas tambm porque expressa a Constituio em conferir lei federal a regulamentao de diverses e espetculos para efeitos classificatrios (art. 220, 3S, I), concentrando-se assim a matria na esfera da Unio.

    O que desejaramos, porm ressaltar o questionamento feito por ADA PEL- LEGR1NI GRINOVER (1972: v. 2, 51) em relao descentralizao da censura. Lembrava a ilustre publicista que em favor da descentralizao eram utilizados argumentos de ordem tica e pragmtica.

    Sem dvida - dizia, expondo a posio da corrente favorvel a esta tese - a censura deve atender moral do meio social em que exercida; e os usos e costumes variam, no tempo e no espao, provocando contnuas modificaes nos valores vigentes. Por tudo isso, afirma-se que somente atravs da descentralizao possvel levar em considerao usos e costumes locais, que fazem com que o mesmo espetculo seja recebido de forma diversa em regies distintas do mesmo pas.

  • Das Competncias Privativas 77

    Em contrapartida - aduzia, expondo a posio contrria - observa-se, porm, que por princpio tico o Estado deve prover a unidade nacional. No tocante aos princpios morais, deveria ser adotada a mdia das concepes regionais dominantes no pas, tentando uniformizar, e no fragmentar, os usos e costumes da nao. No seria concebvel um sistema federativo que no tivesse aptido de ditar a regra cogente geral, no interesse comum. Partindo desses conceitos, afirmou-se que a atribuio das autoridades estaduais e municipais em matria de censura, deve limitar-se garantia de exibio e projeo de espetculos, nos termos dos certificados dos censores federais.

    Lembrando que o mesmo tipo de questionamento se pode fazer em relao classificao dos espetculos e diverses prevista na atual Constituio, permiti- mo-nos aderir tese da centralizao.

    Isto fundamentalmente porque o que est em jogo no caso a liberdade de expresso do pensamento, direito fundamental da maior relevncia na pauta axiolgica da Constituio e que h de ser sempre prestigiado. Nesse sentido, parece-nos que mais preservado ficar aquele direito, na sua vertente da criao artstica, se no ficar exposto avaliao de autoridades dspares, segundo critrios variveis. A prtica anterior vem em abono desse entendimento, sendo certo que, na vigncia da Constituio revogada, vrios filmes liberados pela censura federal, para maiores de dezoito anos, tiveram sua exibio proibida em alguns Estados da Federao.5

    De outra parte, para efeito de classificao, principalmente das programaes de televiso, que no mais das vezes so transmitidas em rede nacional, seria muito complicado no padronizar, por exemplo, os horrios de exibio. Isto indica, por certo, a necessidade de uma orientao uniforme, nada impedindo, entretanto, que essa orientao se estabelea na considerao das j aludidas concepes morais mdias da sociedade brasileira, que podero ser melhor aferidas se, na composio do rgo federal competente, se fizerem representar setores diversificados dessa sociedade. uma questo a ser equacionada na lei que se editar nos termos e para os fins do artigo 220, 3a.

    Valria a pena discutir tambm o destaque dado no artigo 21 ao papel da Unio na rea do planejamento nacional e regional.

    A valorizao do planejamento j era bastante evidente na anterior Constituio e continua a ser na Constituio vigente, que o prev para todos os nveis da Federao, determinando que seja instrumentalizado por planos aprovados em lei para nortear a atividade administrativa, definindo diretrizes, polticas e objetivos a seguir. Assim, a utilizao do planejamento no campo da Administra

    s No trabalho de Ada Pellegrini Grinover, mencionado anterionnente, so lembrados, entre outros filmes que tiveram a exibio proibida em instncias locais, Os cafajestes, de Rui Guerra, e O padre e a moa, de Joaquim Pedro de Andrade, proibidos em Minas Gerais; meia-noite levarei sua alma, de Jos Mojica Marins, proibido no Rio Grande do Sul; e Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, proibido em So Lus do Maranho.

  • 78 Competncias na Constituio de 1988 * Almeida

    o Pblica configura uma imposio de ordem constitucional, demonstrando, por parte do constituinte, o reconhecimento da superioridade de uma atuao planejada no setor pblico.

    A verdade que o planejamento atualmente adotado por quase todos os Estados, qualquer que seja o regime ou a ideologia poltica, como consectrio do modelo intervencionista de Estado, em que o Poder Pblico chamado a uma intensa atividade social e econmica.

    De fato, como observa ALAOR CAFF ALVES (1975: v. 6, 108), em face da amplitude e profundidade da ao estatal, exigidas pela crescente complexidade do meio socioeconmico, postula-se quase como um princpio inarredvel a necessidade da alocao racional dos recursos pblicos e orientao adequada dos investimentos privados par o atendimento das necessidades sociais.

    E o planejamento est relacionado exatamente tomada de decises com o objetivo de racionalizar, de modo contnuo e permanente, a ao poltica global. A questo - pondera o citado autor - no mais se coloca na opo de planejar ou no planejar, mas sim em se determinar o modo de exercer o planejamento governamental, visando a necessria e adequada interveno no domnio econmico ou o asseguramento de maior velocidade no ritmo do seu desenvolvimento (ALVES, 1975: v. 6, 109).

    Considerando, porm, que o planejamento informado pelos princpios da unidade por integrao e da globalidade, coloca-se desde logo a dificuldade de sua conciliao com o princpio da autonomia das unidades federadas, da conciliao do processo de planejamento, que pressupe centralizao das decises polticas, com a estrutura, descentralizadora por definio, do modelo federativo.

    Como pondera JOS ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO (1982:243), o planejamento pode levar a confrontos com o federalismo se utilizar processos de centralizao autocrtica, o que no , no entanto, inevitvel, j que tambm pode utilizar medidas de coordenao compatveis com qualquer das formas federais existentes. E lembra que a planifcao no contrria aos princpios constitucionais de governo democrtico, desde que sobre a mesma existam processos de controle legislativo, administrativo e jurisdidonal.

    JOS AFONSO DA SILVA tambm se preocupa com o problema, admitindo que, se se reconhece aos Estados e aos Municpios capacidade autnoma, inclusive para planejar suas atividades, toma-se problemtico conseguir mecanismos que evitem entrechoques, contradio e incoerncia entre os planos nacionais, os estaduais e os municipais. Por outro lado, impor uniformidade de dma para baixo consistir em quebrar as autonomias das entidades, regionais e locais. Mostra que a atual Constituio abre perspectivas para um sistema integrado de planejamento harmnico (que seria o ideal, embora difcil de se alcanar), quando dedara que a lei estabelecer as diretrizes e bases de planejamento do desenvolvimento equilibrado, o qual incorporar e compatibilizar os planos na

  • Das Competncias Privadvas 79

    cionais e regionais de desenvolvimento (art. 174, l s). E termina por lembrar, como uma forma possvel, a integrao, por via de concertao entre Unio e Estados, de seus planos. (AFONSO DA SILVA, 1989:678).

    Detendo-se sobre o tema, chega a concluses paralelas ALAOR CAFF ALVES, parte ele da considerao de que a eficincia da ao pblica s alcanvel no atual estgio de desenvolvimento tecnolgico, a partir do inter-relacionamento dos rgos e entidades incumbidas de desempenh-la, convindo que esse relacionamento seja compulsrio, a fim de se criar, para os rgos envolvidos, segurana e certeza na fixao de seus programas de ao, tendo em vista os programas correspondentes dos outros rgos do sistema. Considerando, no entanto, que no Estado federal os sistemas pohtico-administrativos so autnomos, indaga como conciliar a necessidade do inter-relacionamento indicado com o princpio autonmico. Lembra ento que a complexidade e intensidade alcanadas no relacionamento das comunidades federadas implicam a diminuio progressiva das diferenas peculiares entre tais comunidades, mas no implicam necessariamente, antes pelo contrrio, o desaparecimento do empenho poltico dos grupos regionais e locais em fazer valer seus valores e interesses. Em verdade, continua, as peculiaridades regionais e locais, com o avano civilizatrio, aos poucos deixam de ser pitorescas para se transformarem em caractersticas mais universais, porm, suficientemente particularizadas pela concentrao dos grupos de interesse regionais e locais. De outro lado, o processo de expanso e diversificao dos interesses regionais e locais aponta para uma integrao entre eles e com os de outras regies e localidades, fazendo com que mecanismos institucionais vo se formando na conformidade com tais interesses, alimentando sua existncia no pelo isolamento de suas manifestaes, mas exatamente pela integrao de seus motivos e propsitos. Nessa ordem de consideraes mostra que a grande questo reside na coordenao institucionalmente aceita, pela qual se possa providenciar, de algum modo, a compatibilizao dos objetivos e programas de aplicao de recursos dos vrios setores da administrao pblica. E conclui que tal coordenao alcanar a eficincia desejada quando, e somente quando, as decises coordenadas forem suficientemente lastreadas pela informao contnua do que ocorre no meio onde sero tomadas, e de suas consequncias, e ainda pelo conhecimento tempestivo do contedo especfico dessas mesmas decises, enquanto devam ser reciprocamente alimentadas (ALVES, 1975:124-126).

    Nessa perspectiva, a crtica maior que cabe fazer Constituio vigente no se volta tanto para a nfase que se continuou a dar ao planejamento nacional e regional, a cargo da Unio. certo que, sem chegar ao extremo da antiga Constituio, que colocava inclusive entre as causas ensejadoras de interveno federal nos Estados a adoo de medidas ou a execuo de planos econmicos que contrariassem as diretrizes estabelecidas em lei federal, a Constituio de 1988 ainda reserva destacado papel Unio em relao ao planejamento. Na verdade at amplia significativamente sua atuao nessa rea ao atribuir-lhe competncia em tema de planejamento urbanstico. Como j referido, incumbe hoje Unio

  • 80 Competncias na Constituio de 1988 * AJmeida

    elaborar e executar planos nadonais e regionais de ordenao do territrio, instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive quanto a habitao, saneamento bsico e transportes urbanos e estabelecer princpios e diretrizes para o sistema nadonal de viao.6

    O que se lamenta, numa linha de democracia partidpativa, que se tenha perdido a oportunidade de tomar necessria a audincia dos Estados e dos organismos regionais ou munidpais interessados, quando da elaborao dos diversos planos nadonais e regionais. Nesse sentido constava, por exemplo, no anteprojeto da Comisso Afonso Arinos, que competia Unio planejar e promover o desenvolvimento nacional, ouvidos os Estados e os rgos interessados (art. 72, X).

    Parece, de fato, muito importante que sobre as diretrizes e princpios que lhes condicionaro o comportamento possam se manifestar os destinatrios, para que no se elaborem planos divordados da realidade, ambidosos ou sofisticados demais e por isso mesmo fadados ao insucesso, como se deu, por exemplo, com o Sistema Nadonal de Planejamento Local Integrado, idealizado pelo Servio Federal de Habitao e Urbanismo - SERFHAU (AFONSO DA SILVA, 1981:127).

    Como dever ser editada a lei a que alude o artigo 174, Ia, da Constituio sugere-se, pois de lege ferenda, que as entidades federadas sejam necessariamente ouvidas pelos rgos federais de planejamento, quando da elaborao dos planos que visem ao desenvolvimento nadonal equilibrado. O que no obsta, evidentemente, que se venha a introduzir na prpria Constituio determinao neste sentido, o que seria at mais apropriado.

    7.2.5 As competncias legislativas privativas da Unio.Consideraes de ordem geral

    Como j se frisou, o problema nudear da repartio de competncias na Federao reside na partilha da competncia legislativa, pois atravs dela que se expressa o poder poltico, cerne da autonomia das unidades federativas.

    De fato, na capacidade de estabelecer as leis que vo reger as suas prprias atividades, sem subordinao hierrquica e sem a intromisso das demais esferas de poder, que se traduz fundamentalmente a autonomia de cada uma dessas esferas. Autogovemar-se no significa outra coisa seno ditar-se as prprias regras.

    6 A necessidade de uma poltica nacional de desenvolvimento urbano, integrante da poltica nacional de desenvolvimento em geral, era encarecida, ao tempo da Constituio anteno por especialistas em Direito Urbanstico, como JOS AFONSO DA SILVA (1981:131), que defendia um sistema de planejamento urbanstico estrutural, englobando planos federais, estaduais e municipais, para cuja implantao se impunha, no entanto, alterar a Constituio. A Constituio de 1988 acolheu, com algumas alteraes, o que propunha o ilustre publicista, revelando-se a reflexos de sua profcua assessoria junto Assemblia Constituinte.

  • Das Competncias Privativas 81

    Ao tomar como critrio diferenciador entre democracia e autocracia a maior ou menor liberdade poltica existente, ensina KELSEN (1949:205 e 285) que o dimensionamento dessa liberdade deve ter por base a autonomia ou a heteronomia na elaborao das normas: democrticas so as formas de governo em que as leis so feitas pelos prprios destinatrios (da serem normas autnomas) e autocrticas as formas de governo em que as leis no provm daqueles a que se destinam (da serem heternomas).

    Est a bem ntida a idia que se quer transmitir: s haver autonomia onde houver a faculdade legislativa desvinculada da ingerncia de outro ente autnomo.

    Assim, guardada a subordinao apenas ao poder soberano - no caso o poder constituinte, manifestado atravs de sua obra, a Constituio cada centro de poder autnomo na Federao dever necessariamente ser dotado da competncia de criar o direito aplicvel respectiva rbita.

    E porque a Constituio que faz a partilha, tem-se como conseqncia lgica que a invaso, no importa por qual das entidades federadas, do campo da competncia legislativa de outra resultar sempre na inconstitudonalidade da lei editada pela autoridade incompetente. Isto tanto no caso de usurpao de competncia legislativa privativa, como no caso de inobservncia dos limites constitucionais postos atuao de cada entidade no campo da competncia legislativa concorrente. No mesmo sentido posidona-se ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRAZ (1989:69) ao concluir que em ambas as hipteses a questo se resolve pela regra da competncia constitudonal e no pela supremacia do direito federal".

    A Constituio de 1988 inova no trato da competncia legislativa em alguns pontos importantes que sero oportunamente analisados. Mas, como no poderia deixar de ser, reserva competndas prprias a cada um dos centros de poder.

    No momento, fixaremos a ateno nas competncias legislativas reservadas Unio, que se exercem sempre mediante a colaborao dos Poderes Legislativo e Executivo, chamados necessariamente a participar do processo de elaborao do ato complexo que, bem por isso, a lei (FERREIRA FILHO, 1990:164), podendo ainda registrar-se nesse processo a participao do Poder Judicirio, nas hipteses em que lhe for deferida a iniciativa legislativa.

    7.2.6 O elenco de competncias legislativas do artigo 22 da Constituio

    Como ocorre em relao s competndas materiais privativas da Unio, tambm o elenco de suas competndas legislativas no se esgota em um nico dispositivo constitucional,

    H uma maior concentrao delas no artigo 22, sendo outras tantas explid- tadas no artigo 48. Alm disso, numerosas disposies consttudonas carecem

  • 82 Competncias na Constituio de 1988 Airaeida

    de leis integradoras de sua eficcia, sendo muitas de tais leis, pela natureza dos temas versados, indubitavelmente de competncia da Unio.

    O exame do artigo 22 demonstra, como j referimos antes, uma ntima correlao com as competncias de execuo. Conhecidas estas, o que se acaba de reiterar fica comprovado quando se v atribuda Unio a competncia para legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalizao (inciso XIII); emigrao e imigrao, entrada, extradio e expulso de estrangeiros (inciso XV); defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa martima, defesa civil e mobilizao nacional (inciso XXVIII); requisies civis e militares, em casos de iminente perigo e em tempo de guerra (inciso III); comrcio exterior e interestadual (inciso VIII); sistema monetrio e de medidas, ttulos e garantias dos metais (inciso VI); poltica de crdito, cmbio, seguros e transferncia de valores (inciso VII); sistema de poupana, captao e garantia da poupana popular (inciso XIX); seguridade social (inciso XXIII); servio postal (inciso V); guas, energia, telecomunicaes (inciso IV); regime de portos (inciso X); trnsito e transporte (inciso XI); organizao judiciria, do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica do Distrito Federal e dos Territrios e organizao administrativa destes (inciso XVII); competncias das polcias federais (inciso XXII); sistema estatstico, cartogrfico e de geologia nacionais (inciso XVIII); atividades nucleares de qualquer natureza (inciso XXVI); diretrizes da poltica nacional de transportes (indso IX); organizao do sistema nacional de emprego e condies para o exerccio das profisses (inciso XVI); jazidas, minas e outros recursos naturais e metalurgia (inciso XII).

    Contudo, bvio que nem sempre o fato de se deferir privativamente Unio a competncia legislativa significa que s ela possa exercer a competncia material correspondente. Em muitas hipteses, cabe ao poder central editar a lei que disciplinar o exerccio de atividades pelas demais unidades de Federao e pelos particulares em geral. o que ocorre com a competncia da Unio para legislar sobre Direito Civil, Comercial, Penal, Processual, Eleitoral, Agrrio, Martimo, Aeronutico, Espacial e do Trabalho (art. 22, inciso I); desapropriao (inciso II); sistemas de consrcio e sorteios (inciso XX); propaganda comercial (inciso XXIX).

    De outra parte, feito o confronto entre o artigo 22 da atual Constituio e o artigo 8-, XVII e alneas, da Constituio revogada, verificam-se algumas alteraes.

    Passou para a esfera da legislao concorrente do artigo 24 a disciplina legal de florestas, caa e pesca, que antes era privativa da Unio. Ao contrrio, incluiu- se na competncia privativa da Unio e legislao sobre seguros, sendo que anteriormente o poder federal s estabelecia normas gerais sobre essa matria.

    Deixaram de figurar no rol do artigo 22, tambm no comparecendo entre as competncias concorrentes do artigo 24, a anterior competncia da Unio de legislar sobre tabelionatos, cumprimento da Constituio e smbolos nacionais e a de editar normas gerais sobre emolumentos dos registros pblicos e servios notariais.

  • Das Competncias Privativas 83

    No entanto, a competncia em relao a tabelionatos e fixao de normas gerais sobre emolumentos dos registros pblicos e servios notariais continua sendo da Unio nos termos do artigo 236, V e 2a, E a competncia para legislar sobre smbolos nacionais pode-se dizer que permanece como competncia implcita da Unio. Quanto competncia para legislar sobre o cumprimento da Constituio, realmente no aparece nesses termos. Preferiu o constituinte prever como competncia comum (no legislativa), no artigo 23, a de zelar pela guarda da Constituio, das leis e das instituies democrticas.

    Verifica-se, por fim, que o elenco do artigo 22 arrola competncias no previstas anteriormente, como a de legislar sobre informtica; diretrizes da poltica nacional de transportes; navegao area e aeroespacial; organizao do sistema nacional de emprego; sistema de geologia nacional; sistema de captao e garantia da poupana popular; sistema de consrcios e sorteios; seguridade social; atividades nucleares de qualquer natureza; normas gerais de licitao e contratao na Administrao pblica em geral; defesa territorial, aeroespacial, martima, area, defesa civil e mobilizao nacional; e propaganda comercial.

    7 .2.7 Outras competncias legislativas privativas da Unio

    Ao cuidar das atribuies do Congresso Nacional, o artigo 48, como se no bastasse dizer que lhe cabe dispor sobre todas as matrias de competncia da Unio, destaca algumas delas, notando-se, a tambm, pertinncia com o disposto no artigo 21.

    Confiram-se, a propsito, as seguintes matrias relacionadas no aludido artigo 48: operaes de crdito, dvida pblica e emisses de curso forado (inciso II); fixao e modificao do efetivo das Foras Armadas (inciso III); planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento (inciso IV); limites do territrio nacional, espao areo e martimo e bens do domnio da Unio (inciso V); concesso de anistia (inciso VIII); organizao administrativa, judiciria, do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica da Unio e dos Territrios e organizao judiciria, do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica do Distrito Federal (inciso DO; telecomunicaes e radiodifuso (inciso XII); matria financeira, cambial e monetria, instituies financeiras e suas operaes (inciso XIII); moeda, seus limites de emisso e montante da dvida mobiliria federal (inciso XIV).

    Deixando de mencionar competncias legislativas que obviamente so poderam ser da Unio, porque referentes estruturao de rgos e servios federais, cumpre ainda apontar, a ttulo ilustrativo, desdobramentos das competncias legislativas do poder central identificveis ao longo do texto constitucional.

    Assim, em tema de direitos e garantias fundamentais, caber lei federal fixar a prestao alternativa no caso de invocao de objeo de conscincia (art. 5e, VIII); as hipteses em que, para fins de investigao criminal ou instruo

  • 84 Competncias na Constituio de 1958 Almeida

    processual penal, ser possvel quebrar o sigilo das comunicaes telefnicas (art. 5a, XII); as condies para a criao de cooperativas (art 5a, XVIII); a definio da pequena propriedade rural para efeito de iseno de penhora (art. 52, XXVI); a definio dos atos necessrios ao exerccio da cidadania, para se caracterizar a sua gratuidade (art. 5a, LXXVIII); a definio dos servios ou atividades essenciais, para efeito de se estabelecer a forma de seu atendimento em caso de greve (art. 9B, I a).

    Em tema de tributao e oramento, cabe destacar a competncia privativa da Unio para, mediante lei complementar, dispor sobre conflitos de competncia em matria tributria e limitaes ao poder constitucional de tributar (art. 146); instituir contribuies sociais, de interveno no domnio econmico e de interesse das categorias profissionais ou econmicas (art. 149); dispor sobre finanas pblicas, dvida pblica interna e externa, concesso de garantia pelas entidades pblicas, emisso e resgate de ttulos da dvida pblica, fiscalizao das instituies financeiras, operaes de cmbio realizadas por rgos pblicos e compatibilizao das funes das instituies oficiais de crdito da Unio, resguardadas as caractersticas e condies operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional (art. 163).

    Quanto ordem econmica e financeira, cabe lei federal definir os imperativos de segurana nacional e os casos de relevante interesse coletivo que autorizam a explorao direta da atividade econmica pelo Estado (art. 173); estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado (art. 174, l 9); dispor sobre a ordenao dos transportes areo, aqutico e terrestre (art. 178 com a redao dada pela Emenda Constitucional na 7a, de 1995); estabelecer as diretrizes gerais da poltica de desenvolvimento urbano (art. 182); definir a pequena e a mdia propriedade com o fito de eximi- las de desapropriao para reforma agrria (art. 185,1); regular a aquisio ou o arrendamento de propriedade rural por estrangeiros (art. 190).

    E com relao ordem social, lei emanada da Unio dever organizar a seguridade social (art. 194, pargrafo nico); prever as competncias do sistema nico de sade, alm das previstas na prpria Constituio (art. 200), e instituir o Conselho de Comunicao Social (art. 224).

    7.2.8 Viso critica do elenco das competncias legislativas privativas da Vnio

    A vastido das matrias que se vem de indicar eloqiiente por si s. Evidencia o primado da Unio no campo da produo legislativa, que j vinha do direito anterior e que, em verdade, no fcil revertei; valendo aqui as consideraes que fizemos a este propsito quando da anlise das competncias materiais privativas do poder central.

  • Das Competncias Privativas 85

    Mas, como tambm nos pareceu naquela oportunidade, entendemos que no rateio das competncias legislativas, algumas poderiam ter sido transferidas com proveito para a rbita das competncias concorrentes ou para a rbita da competncia privativa dos outros entes federativos.

    Assim diriamos, por exemplo, que mais adequado teria sido partilhar entre os diversos centros de poder a legislao sobre matrias como sistemas de consrcios e sorteios e propaganda comercial.

    De fato, no vemos razes suficientemente fortes para se concentrar na Unio a disciplina normativa desses assuntos.

    Ter sido inteno do constituinte submeter ao controle do poder estatal certas atividades que podem lesar a economia popular ou levar a engano o pblico consumidoi; como as ligadas a consrcios e sorteios e propaganda comercial. No se questiona a necessidade de uma disciplina legal na espcie; Apenas parece no haver motivo para que o legislador estadual no possa ter participao nisso. A Constituio deixou no setor da legislao concorrente, por exemplo, a produo e o consumo, verificando-se, portanto, a participao legislativa em tema de profunda repercusso no domnio econmico. E neste domnio mesmo que ter de ceder algum terreno a Unio, se se quiser coloc-la em patamar mais compatvel com o equilbrio federativo. De outra parte, j consta da relao de matrias objeto de legislao concorrente a responsabilidade por dano ao consumidor, que pode advir tambm da propaganda enganosa. Assim, consrcios e sorteios e propaganda comercial tambm mereceram sair da esfera de competncia exclusiva da Unio.

    Em edies anteriores deste livro, foi includa tambm a seguridade social entre matrias de competncia legislativa privativa da Unio, que melhor se acomodariam no mbito da competncia legislativa concorrente. Repensando o assunto, parece-nos hoje que, no obstante no campo social continue a ser necessria uma soma de esforos dos Poderes Pblicos numa ao integrada, a gravidade dos problemas afetos sade, assistncia e previdncia social recomenda haver um comando legislativo uniforme no trato da seguridade social, que engloba os referidos setores. De fato, a crise que os acomete de ordem nacional, justificando a presena da Unio a estabelecer a respectiva disciplina normativa.

    Por outro lado, cabera indagar se todo o vasto elenco de ramos da cincia do Direito, atribudo ao legislador federal pelo inciso I do artigo 22, deveria competir Unio.

    Quanto ao direito substantivo ali capitulado, parece-nos adequado que provenha de fonte nica, pois a disparidade de ordenamentos provocaria a incerteza e a insegurana nas relaes jurdicas que se estabelecessem entre partes domiciliadas em Estados diversos, com conseqncias prejudiciais convivncia harmoniosa na Federao.

    J quanto ao direito adjetivo, so razoveis as seguintes ponderaes de MANOEL GONALVES FERREIRA FILHO (1990: v. I, 171): Ao tempo em que vigorava a Constituio de 1891, s era deferida Unio a competncia de elaborar o direito processual que regia a justia federal (art. 34, ne 23; depois das Emendas

  • 8 6 Competncia na Constituio de 1988 * Almeida

    de 1926, nfl 22). Desse modo, cabia aos Estados adotar as normas processuais aplicveis administrao da justia estadual. Tal soluo era sbia. Sem desdou-. ro para a sua qualificao cientfica, o direito processual naturalmente ancilar. Sua valia est em propiciar o cumprimento, nos casos contenciosos, do direito substantivo. Ora por essa razo, tem ele de ser adaptado s condies da regio, para que atenda sua finalidade. Sendo essas condies, no Brasil, extremamente dspares, tudo recomenda no ser uno o direito processual, mas sim variarem suas normas de Estado para Estado. Para limitar a excessiva disparidade, pode a Unio reservar-se a competncia de editar normas gerais.

    No chegou a ser seguido este conselho; mas registrou-se um avano ao se destacarem do Direito Processual, para incluso entre as matrias submetidas legislao concorrente, os procedimentos em matria processual e o processo do juizado de pequenas causas.

    Ponto em que decididamente errou o constituinte foi na outorga Unio, da competncia para editar normas gerais sobre licitao e contratao, em todas as modalidades, tendo por destinatria a Administrao Pblica de todas as esferas de governo. Invadiu-se a um dos ltimos redutos da competncia legislativa tra- dicionalmente reservada s ordens perifricas.

    Ao tempo da Constituio anterior muito se polemizou em tomo da competncia da Unio para editar normas gerais sobre licitao, que alguns autores pretendiam extrair do artigo 8a, XVII, c, que atribua Unio a edio de normas gerais de Direito Financeiro. Isso na suposio de que licitao fosse instituto prprio desse compartimento do Direito.7 Outros doutrinadores pendiam, acertadamente a nosso ve para soluo diversa, reconhecendo na licitao um instituto de Direito Administrativo e sustentando, conseqentemente, competir a cada esfera capacidade legislativa plena para dispor a respeito.8

    A Constituio de 1988 parece ter acompanhado o entendimento de que a licitao se situa no campo do Direito Administrativo. Se assim no fosse, no precisaria ter destacado, como fez, a competncia da Unio para editar normas gerais de licitao, uma vez que foi prevista sua competncia para normas gerais de Direito Financeiro (art. 2 4 ,1). Poder-se-ia dizer que no bem assim e que o constituinte, mesmo entendendo que a licitao instituto de Direito Financeiro, resolveu destacar a competncia que se est a discutir para acabar com a polmica doutrinria sobre o que antes se considerava uma competncia implcita da Unio. A nossa convico de que o contribuinte se convenceu de que se trata de matria de Direito Administrativo se refora, no entanto, diante do fato de se ter falado no mesmo artigo 22, inciso XXVII em normas gerais tanto de licitao como de contratao, sendo certo que ningum contesta a incluso dos contratos administrativos no mbito do Direito Administrativo.

    7 Entre os autores que defendiam a incluso do instituto da licitao no mbito do Direito Financeiro podem ser lembrados HELY LOPES MEIRELLES e CARLOS SCHMIDT DE BARROS JNIOR.8 Filiam a licitao ao campo do Direito Administrativo, entre outros, SEABRA FAGUNDES; CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO; JOS CRETELLA JNIOR; JOS AFONSO DA SILVA; FERNANDO MENDES DE ALMEIDA e ADILSON DE ABREU DALLARI.

  • Das Competncias Privativas 8 7

    Mas justamente por se cuidar de temas de Direito Administrativo que definitivamente no deveria a Unio ditar regras, ainda que gerais, para Estados e Municpios. J h um grande nmero de princpios e regras condicionadores da Administrao Pblica em geral, assentados pelo prprio constituinte nos artigos 37 a 41. Inclusive a submisso das contrataes prvia licitao uma exigncia do inciso XXI do artigo 37. Pode-se dizer, assim, que o norte j est na Constituio e a partir dele deveria cada entidade poltica cuidar dos seus assuntos administrativos, no tendo cabimento a interferncia do legislador federal nesse processo,

    Todas essas crticas e sugestes mostram que se podera ter avanado mais na descentralizao das competncias legislativas.

    7.2.9 Inadequao tcnica da incluso de competncias legislativas concorrentes entre as competncias legislativas privativas da Unio

    Em termos tcnicos, cabe fazer uma crtica quanto incluso, no artigo 22, de matrias que sero objeto de normas gerais ou de diretrizes estabelecidas pela Unio. o que ocorre nos incisos IX; XXI; XXIV e XXVII, em que se cuida, respectivamente, de diretrizes da poltica nacional de transportes; de normas gerais de organizao das polidas militares; de diretrizes e bases da educao nadonal e de normas gerais de lidtao e contratao na Administrao Pblica em geral.

    O constituinte houve por bem adotar a tcnica de separar, como j se sabe, as competndas legislativas privativas das competndas legislativas concorrentes.

    No caso das competndas privativas, a regra que seu exerccio seja conferido em plenitude respectiva esfera de poder Isto , o poder competente fica autorizado a normatizar todos os aspectos, gerais e especficos, das matrias submetidas sua competnda.

    J nas hipteses de competnda legislativa concorrente, a regra - que examinaremos melhor no momento certo - a de que Unio cabe editar normas gerais, ficando os Estados, o Distrito Federal e os Municpios com a legislao suplementar.

    Ora, se assim , deveram ter figurado entre as matrias objeto de competnda legislativa concorrente, arroladas no artigo 24, aquelas que, impropriamente, constaram nos incisos IX; XXI; XXIV e XXVII do artigo 22. Ter-se-ia ento num mesmo artigo todas as matrias em relao s quais cabe Unio editar normas gerais, e, em outro, todos os assuntos passveis de disdplina legislativa plena pelo poder central.

    A falha tcnica que registramos no isenta de conseqndas prticas, podendo levar, como j levou, a interpretao errnea da Constituio, em detrimento da competnda legislativa dos Estados.

  • 88 Competncias na Constituio de 193-8 Almeida

    Vale a pena referir problema concreto que se colocou, a propsito, no Estado de So Paulo, quando foi promulgada a Lei nfi 6.544, de 22 de novembro de 1989, dispondo sobre o estatuto jurdico das licitaes e contratos pertinentes a obras, servios, compras, alienaes, concesses e locaes, no mbito da Administrao centralizada e autrquica.

    O mencionado diploma legal, que veio substituir a antiga lei paulista de licitaes (Lei ne 89, de 27 de dezembro de 1972), amoldava-se s normas gerais de licitao ento vigentes, estabelecidas no Decreto-lei ns 2.300, de 21 de novembro de 1986 (com a redao que lhe foi dada pelo Decreto-lei n2 2.360, de 16 de setembro de 1987), e complementava a legislao federal, disciplinando os aspectos especficos do tema, em ateno s peculiaridades da referida Unidade da Federao.9

    No havera, pois, que se questionar, em face do sistema de repartio de competncias adotado na Constituio, a faculdade que tinha o legislador estadual de exercei; como exerceu, a sua competncia legislativa na espcie.

    Surpreendentemente, no entanto, o Tribunal de Contas do Estado de So Paulo, ao examinar a regularidade de contratos celebrados pela Administrao, passou a recomendar que no fossem eles firmados com base na Lei na 6.544/89, pois o Estado no estaria legitimado a legislar sobre licitao e contratao, diante da inexistncia de lei complementar federal que o autorizasse, como seria de rigor nos termos do pargrafo nico do artigo 22 da Constituio.

    Esta orientao foi reiterada em diversas deliberaes da Corte de Contas estadual, como a que, a ttulo ilustrativo, se transcreve:

    Considerados regulares o contrato, a concorrncia e legal a despesa decorrente, recomendando-se Origem que, de futuro, suprima no corpo de seus ajustes a meno Lei na 6.544/89, posto que no existe a Lei Complementar prevista no pargrafo nico, do artigo 22, da Constituio Federal, que autorize o Estado a legislar sobre a matria.10

    O equvoco do Tribunal de Contas patente e demonstra - o que imperdovel no intrprete - falta de viso sistemtica da