direito humano ao consumo como fator de interaÇÃo entre o … · articulam e interagem com a...

16
DIREITO HUMANO AO CONSUMO COMO FATOR DE INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO BRASILEIRO Luiz Eduardo Lemos de Almeida [email protected] Resumo O consumo para suprimento das necessidades do homem é comezinho e esse traço da humanidade acompanha toda a evolução da história sem ter se perdido nos dias atuais. Na perspectiva de tratar-se de necessidade essencial de todas as pessoas no interior de uma sociedade de consumo, forjada com a revolução industrial como o lado da demanda e a exigir regramentos, o consumo caracteriza-se como direito humano, a partir da segunda metade do século XX, com a tutela do consumidor nos planos internacional (ONU) e nacional (países da Europa e da América Latina). O trabalho tem por objetivo apontar a natureza de direito humano do direito do consumidor e analisar a interação entre o direito internacional e o direito interno do Estado brasileiro, com atenção específica à relação entre normas internacionais, normas constitucionais nacionais e Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). Nessa interação, o estudo trata do pluralismo jurídico coordenação das normas no sistema jurídico como um todo (nacional e internacional) numa perspectiva hermenêutica para, na sequência, verificar a aplicação dessa teoria ao caso de prisão civil de consumidor depositário infiel, textualmente admitida na ordem jurídica brasileira (Constituição Federal e Decreto-lei n. 911/69), mas não no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966) nem na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), ambos ratificados pelo Brasil e incorporados ao nosso ordenamento jurídico em 1992. Palavras-chave: Direito humano ao consumo; Pluralismo jurídico; Prisão civil de depositário infiel.

Upload: lydung

Post on 23-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

DIREITO HUMANO AO CONSUMO COMO FATOR DE INTERAÇÃO

ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO

BRASILEIRO

Luiz Eduardo Lemos de Almeida

[email protected]

Resumo

O consumo para suprimento das necessidades do homem é comezinho e esse traço da

humanidade acompanha toda a evolução da história sem ter se perdido nos dias atuais. Na

perspectiva de tratar-se de necessidade essencial de todas as pessoas no interior de uma

sociedade de consumo, forjada com a revolução industrial como o lado da demanda e a exigir

regramentos, o consumo caracteriza-se como direito humano, a partir da segunda metade do

século XX, com a tutela do consumidor nos planos internacional (ONU) e nacional (países da

Europa e da América Latina). O trabalho tem por objetivo apontar a natureza de direito

humano do direito do consumidor e analisar a interação entre o direito internacional e o

direito interno do Estado brasileiro, com atenção específica à relação entre normas

internacionais, normas constitucionais nacionais e Código de Defesa do Consumidor (Lei n.

8.078/90). Nessa interação, o estudo trata do pluralismo jurídico – coordenação das normas no

sistema jurídico como um todo (nacional e internacional) – numa perspectiva hermenêutica

para, na sequência, verificar a aplicação dessa teoria ao caso de prisão civil de consumidor

depositário infiel, textualmente admitida na ordem jurídica brasileira (Constituição Federal e

Decreto-lei n. 911/69), mas não no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

(1966) nem na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), ambos ratificados pelo

Brasil e incorporados ao nosso ordenamento jurídico em 1992.

Palavras-chave: Direito humano ao consumo; Pluralismo jurídico; Prisão civil de depositário

infiel.

Introdução

É lugar comum, diante de um mundo globalizado e de uma sociedade complexa a

reclamar uma gama considerável de regramentos legais em busca de organizar os mais

variados assuntos e questões de interesse em geral, dizer que no direito há e ocorre conflito

entre normas ou ordenamentos jurídicos.

No Brasil, conflito desse jaez se deu especificamente na questão atinente à prisão

civil de depositário infiel. A possibilidade de prisão civil por dívida está na Constituição

Federal (art. 5º, inc. LXVII) e no Decreto-Lei n. 911/69. E sua impossibilidade no Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e na Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (1969), ambos ratificados pelo Brasil e incorporados ao nosso ordenamento

jurídico em 1992.

Esse problema já recebeu tratamento pelo Supremo Tribunal Federal, que o

resolveu com base no critério hierárquico entre normas jurídicas. Disse a Excelsa Corte que

os tratados internacionais de direitos humanos são supralegais, porém infraconstitucionais.

Assim, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (1969) foram capazes de derrogar a prisão civil do

Decreto-Lei n. 911/69, deixando o art. 5º, inc. LXVII, CF/88 acéfalo, sem regulamentação e

ineficaz.

A retomada do assunto por meio deste trabalho se justifica, no nosso entender, na

medida em que o conflito é analisado não sob a perspectiva da hierarquia dos tratados de

direitos humanos no nosso ordenamento jurídico, questão já decidida pelo Supremo Tribunal

Federal, mas sim sob a perspectiva da hermenêutica jurídica que considera o pluralismo

normativo. É esse novo olhar que se busca neste trabalho, como uma tentativa de jogar luzes

sobre questão cuja inteligência pode ser útil, de alguma forma, para outros casos similares.

Por se voltar para a hermenêutica jurídica, o presente artigo tem por objetivo

apontar que o direito do consumidor, no processo de afirmação, especificação e multiplicação

dos direitos humanos, cuida-se de um direito próprio e específico dentre outros que integram

o chamado “direito das gentes”. Desse objetivo decorre o seguinte, que é considerá-lo como

passível de se valer da teoria do pluralismo normativo enquanto ideia de que a relação entre o

direito internacional dos direitos humanos e o direito doméstico deve voltar-se para a proteção

pro homine, numa interação entre os distintos ordenamentos jurídicos que permita o

acoplamento.

Nessa senda, sempre interpretativa e hermenêutica, o objetivo derradeiro deste

trabalho é averiguar como a Resolução n. 39/248 da ONU, o Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) se

articulam e interagem com a Constituição Federal de 1988 e com o Código de Defesa do

Consumidor no caso específico de prisão civil de depositário infiel.

1. Afirmação, especificação e multiplicação dos direitos humanos

Ao longo da história, os direitos humanos se afirmam de forma mais nítida e mais

sólida somente na modernidade. É bem verdade que é possível remontar até a ideia estoica,

forjada com a concepção de uma sociedade universal dos homens racionais (Cf. BOBBIO,

2004, p. 28), para tratar dos direitos do homem. Aliás, foi na Antiguidade que o “[...] ser

humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e

razão”, afirma Fábio Konder Comparato (2010, p. 23-24), complementando esse mesmo

autor, na sequência, que em razão disso projetam-se “[...] os fundamentos intelectuais para a

compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais,

porque a ela inerentes.” (2010, p. 24).

Nada obstante a possibilidade de regressão à filosofia estoica e a pensamentos da

Antiguidade para tratar sobre direitos humanos, é realmente na modernidade que tais direitos

se afirmam de forma mais nítida e com maior solidez. Primeiramente são estudados e tratados

por filósofos modernos – especialmente por John Locke – para, em seguida, serem acolhidos

e positivados por órgãos legiferantes, culminando com as Declarações de Direitos dos Estados

Norte-americanos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (BOBBIO, 2004, p.

28-29). Dos estudos filosóficos para as Declarações de Direitos, o que há é a “[...] passagem

da teoria à prática, do direito somente pensado para o direito realizado.” (BOBBIO, 2004, p.

29).

Devido ao que foi denominado de “Era de Catástrofe”, período histórico

beligerante “[...] que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial [...]”

(HOBSBAWN, 1995, p. 15), mas principalmente devido às atrocidades cometidas sob a

batuta de Hitler, que fez dos seres humanos supérfluos e descartáveis, surge a necessidade de

reconstrução dos direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p. 190). Disso adveio a criação da

Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 e em seguida, em 1948, a aprovação e

adoção, pela Assembleia Geral da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

É justamente com a Carta de 1948 que se dá o fenômeno da universalização dos

direitos do homem (BOBBIO, 2004, p. 29-30). Só a partir desse documento oriundo da

Organização das Nações Unidas é que todos os seres humanos passam realmente a contar com

uma pauta de princípios e direitos. Mas a universalização dos direitos humanos não

completou nem completará a potencialidade dos direitos do homem no tocante a novos

horizontes, a novas pautas e a novos objetos de proteção jurídica. Bobbio (2004, p. 30) é claro

ao dizer que “[...] a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo, cuja

realização final ainda não somos capazes de ver.”

Um dos fenômenos decorrentes desse processo foi justamente a preocupação e os

esforços em fazer com que os direitos do homem deixassem de ter destinatários genéricos e

passassem a tratar as especificidades das pessoas, voltando-se para “[...] o ser em situação – o

idoso, a mulher, a criança, o deficiente.” (LAFER. In: BOBBIO, 2004, XI). Surge, então, a

especificação dos direitos humanos, que “[...] ocorreu com relação seja ao gênero, seja às

várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência

humana” (BOBBIO, 2004, p. 59).

A par da especificação, veio também a multiplicação dos direitos do homem,

ocasionada devido (i) ao incremento de bens a serem tutelados, (ii) à titularidade de certos

direitos para sujeitos que não propriamente o homem, e, por fim, (iii) à própria perspectiva de

o homem ser tomado e tratado em suas particularidades e realidades, causa igualmente da

especificação dos direitos do homem (BOBBIO, 2004, p. 63).

Tem-se que a especificação e a multiplicação dos direitos do homem não

encontram limites certos e definidos. O que exigem é o que na doutrina se denomina de

processo da dinamogenesis, que significa, partindo da teoria tridimensional de Recasens e de

Reale (fato, valor e norma), o processo que se inicia com a valoração de certos fatos sociais

por parte da comunidade e se finda com sua proteção e garantia via positivação, via inscrição

desses valores – sentidos e reconhecidos comunitariamente – na ordem jurídica (SILVEIRA;

ROCASOLANO, 2010, p. 184-202).

2. Direito ao consumo como uma das especificações dos direitos humanos. Direito

humano ao consumo

É óbvia a necessidade humana de consumir. Considerando ao menos as exigências

biológicas, o homem tem de consumir e absorver alimentos para sua sobrevivência,

exatamente como tem também de respirar ar puro e ingerir água potável. Sem o consumo

desses bens básicos, o homem perece. “Se reduzido à forma arquetípica do ciclo metabólico

de ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente e

irremovível, sem limites temporais ou históricos [...]”. (BAUMAN, 2008, p. 37).

Quer nos parecer que essa trivialidade não autoriza, por si só, considerar o

consumo como direito com status de direito humano. Isso só é possível, no nosso entender, se

houver normas jurídicas e/ou princípios básicos voltados para o consumidor numa sociedade

classificada como de consumo, formada a partir da revolução industrial. Normas jurídicas

e/ou princípios básicos como condição de existência digna do homem consumidor no interior

dessa sociedade (MIRAGEM, 2008, p. 30). Mais do que isso, o consumo enquanto direito tem

de ser considerado em documento(s) internacional(ais) que vise(em) garantir o exercício dos

direitos da pessoa humana e que encontre(m) ressonância em variados países. Somente com a

identificação dessas condições é que possível se torna, no nosso entender, tratar o consumo,

ou mais apropriadamente, a proteção do consumidor, como direito humano específico.

Historicamente, a proteção do consumidor, a exemplo dos direitos humanos,

também admite digressões que permitem contatos com a ordem legal da Antiguidade. Ainda

que de forma indireta, a proteção do consumidor pode ser vislumbrada, por exemplo, tanto no

Código de Hamurabi quanto na Constituição de Atenas. De igual maneira, essa proteção

indireta pode ser apurada também no medievo (Cf. FILOMENO, 2007, p. 2-3).

Mas é somente na modernidade, no entanto, que a preocupação direta com a

proteção do consumidor exsurge. Isso se dá em decorrência da denominada sociedade de

consumo dos séculos XVIII e XIX, sociedade que advém como um dos lados da revolução

industrial, i.e., o lado da demanda. (Cf. SODRÉ, 2009, p. 9 e 10).

A revolução do consumidor ocorreu na Inglaterra do século XVIII junto com

a revolução industrial. A revolução de consumo foi o lado da demanda análogo ao da oferta proporcionada pela revolução industrial. Todas as

classes participaram desta revolução, caracterizada por uma nova

prosperidade e novas técnicas de produção e de marketing. A revolução do

consumidor é decisiva na história da experiência humana. (MCKENDRICK, Apud SODRÉ, p. 10, tradução do autor).

A sociedade de consumo surgida com a revolução industrial só fez crescer. O

Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano do ano de 1998,

denominado Consumo para o Desenvolvimento Humano, demonstrou que o século XX foi o

século do consumo. Naquele documento consta o consumo mundial cresceu ao longo do

século XX, “[...] com despesas de consumo privado e público atingindo US $ 24 trilhões em

1998, o dobro do nível de 1975 e seis vezes o de 1950.” (Disponível em:

<http://hdr.undp.org/sites/default/files/reports/259/hdr_1998_en_complete_nostats.pdf>.

Acesso em: 12 de outubro de 2016. Tradução livre).

O crescimento da sociedade de consumo e de despesas de consumo está ligado ao

crescimento populacional no mundo inteiro. Dados do século passado, considerado o século

do consumo, indicam que a população mundial era em torno de 2,5 bilhões de pessoas em

1950 e de 6.615,9 bilhões em 2007. (Disponível em:

<http://unfpa.org.br/Arquivos/swop2007.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2016). Neste

século, a população mundial atingiu o número de 7.349 bilhões de pessoas em 2015.

(Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/swop2015.pdf. Acesso em: 12 de outubro

de 2016).

Se sociedade de consumo dos séculos XVIII e XIX advém como um dos lados da

revolução industrial, ou seja, o lado da demanda, a sociedade de consumo do século XX, que

experimenta verdadeiro boom populacional e aumento na aquisição de produtos e serviços,

com o incremento exponencial de gastos, pode ser associada ao fenômeno do consumismo,

impulsionado por ações e estratégias de fornecedores que colocam ao largo o almejado

consumo sustentável, mas também pelo modo de ser da sociedade atual. O fenômeno do

consumismo e o modo de ser da sociedade atual, aliás, de certo modo podem ser vistos na

seguinte notícia jornalística, que retrata o extremo a que pode chegar o ser humano na busca

de obtenção de bens de consumo:

Chinês vendeu rim para comprar iPad 2 – Um estudante de 17 anos contou

que decidiu vender um rim para poder comprar o novo tablet. Embora a

operação tenha sido bem-sucedida, agora sua saúde está em perigo, informou ontem o site NetEase. Ele diz ter tomado a decisão depois de ler um anúncio

que oferecia US$ 3.000 pelo órgão. (Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 jun.

2011. Folha Mercado, Caderno B, p. B-18).

Diante dessa sociedade de consumo, em razão dela e no interior dela, começa a

ser forjada uma pauta jurídica voltada para a proteção do consumidor, a parte mais fraca na

relação de consumo. Tem início o processo da dinamogenesis antes referido (vide item 1) que

culmina com o reconhecimento de valores comunitários em forma de novos direitos como

rendição a estímulos e incitações de necessidades humanas (SILVEIRA; ROCASOLANO,

2010, p. 188-189). No caso, o reconhecimento do direito do consumidor como rendição a

estímulos e incitações de necessidades humanas identificados na sociedade de consumo.

Entidades de defesa dos consumidores surgiram antes da criação de um direito do

consumidor, exatamente em busca deste. Na década de 60 do século passado, tais entidades se

voltaram para a organização de um movimento internacional, culminando com a criação da

International Organization of Consumers Union (IOCU), atual Consumers International (CI)1.

Na mesma época, precisamente em 15 de março de 1962, o presidente dos Estados Unidos

John Kennedy se dirigiu ao Congresso Nacional de seu país reivindicando a criação de

direitos básicos dos consumidores (Cf. SODRÉ, 2009, p. 22-23). “Surge na história, assim, a

primeira enunciação politicamente significativa da ideia de direitos básicos dos

consumidores.” (SODRÉ, 2009, p. 23).

Esses estímulos e incitações de necessidades humanas, captados primeiramente

por entidades de defesa dos consumidores e por enunciações políticas, acabaram por

repercutir tanto na Organização das Nações Unidas como no interior de vários países,

inclusive no Brasil, que passaram a editar normas voltadas para o consumidor,

reconhecidamente vulnerável e carente de proteção num mercado falho e nem sempre

próximo da ética e da justiça equitativa.

Com efeito, na ONU houve uma série de consultas, a partir da década de 70 do

século passado, com vistas a estabelecer princípios gerais das relações de consumo,

culminando, no ano de 1985, com a Resolução n. 39/248, que trouxe a indicação expressa de

tais princípios e tracejou as Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção dos Consumidores.

Esse documento, o mais importante da proteção internacional do consumidor, repercutiu em

vários países na formulação de suas leis consumeristas (Cf. SODRÉ, 2009, p. 36-37),

1 A International Organization of Consumers Union (IOCU) foi fundada por cinco entidades de defesa do

consumidor estabelecidas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Holanda, na Bélgica e na Austrália (SODRÉ,

2009, p. 24), sendo que atualmente, denominada Consumers International (CI), conta “com mais de 240

organizações membro em 120 países”. (Disponível em: <http://www.consumersinternational.org/who-we-

are/about-us/>. Acesso em: 13 de outubro de 2016. Tradução livre).

sobretudo aqueles em desenvolvimento, porque nos desenvolvidos “a defesa do consumidor já

era uma realidade” (SODRÉ, 2009, p. 94).

A propósito, tanto países da Europa quanto da América Latina formularam

previsões constitucionais com o desiderato de proteger o consumidor e criaram também leis

infraconstitucionais com esse mesmo fim. Portugal e Espanha, para ficarmos apenas nesses

dois exemplos do ocorrido na Europa, trataram da proteção dos consumidores em suas

Constituições, respectivamente de 1976 e de 1978, e depois aprovaram Leis de Defesa do

Consumidor, sendo em Portugal a Lei n. 29/81 (revogada pela Lei n. 24, de 31/7/96,

legislação de defesa dos consumidores contendo novidades e internalizando diretrizes da

Comunidade Europeia) e na Espanha a Lei n. 26/84 (revogada pelo Real Decreto Legislativo

n. 1/2007, que introduziu modificações e assimilou diretrizes da Comunidade Europeia).

Outros países Europeus seguiram pela mesma senda (Cf. SODRÉ, 2009, p. 162 e ss.).

Na América Latina, por sua vez, também ocorreu algo similar. O México, por

exemplo, foi o primeiro país a dispor de lei de defesa do consumidor, isso em 1976. À

exceção do ocorrido naquele país, na América Latina “[...] todas as leis principiológicas de

defesa do consumidor surgem nos anos próximos a 1990 para frente.” (SODRÉ, 2009, p.

191), sendo o caso do Brasil, que em 1990 promulgou, e até hoje experimenta, a Lei n. 8.078,

conhecida como Código de Defesa do Consumidor, de modo a dar concretude ao art. 5º, inc.

XXXII, da CF/88 e ao art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Seja como for, as linhas acima parecem indicar o suficiente para se ter presente

que: (i) o consumo se dá inexoravelmente no interior do que é considerado como sociedade de

consumo; (ii) princípios básicos de proteção do consumidor são claramente considerados e

defendidos em documento internacional da ONU com vistas a garantir o exercício dos direitos

da pessoa humana; (iii) o direito do consumidor é edificado em normas jurídicas

constitucionais e infraconstitucionais, em países da Europa e da América Latina, com o

propósito de fazer frente à vulnerabilidade do consumidor, equiparar as partes na relação de

consumo e garantir a existência digna do homem no interior da sociedade. Assim,

considerando tais fatores, temos como possível tratar e considerar o consumo, ou mais

apropriadamente, a proteção do consumidor, como direito humano específico.

3. Pluralismo jurídico

Com o presente tópico intenta-se, ainda que em rápidas considerações, deixar

marcado que a relação entre o direito internacional dos direitos humanos e o direito doméstico

experimenta, na atualidade, o pluralismo jurídico, cuja aplicação acaba voltando-se para a

proteção pro homine.

O pluralismo jurídico promove a ideia de que existe uma interação entre os

distintos ordenamentos jurídicos. Nenhuma constituição é um universo em si mesma e, por

isso, deve estar aberta à ordem jurídica internacional, permitindo o “acoplamento entre

ordenamentos jurídicos” (Cf. BOGDANDY, 2011, p. 26). Em verdade, há uma tendência de

adoção dos princípios do ordenamento de direito internacional nas próprias constituições, com

as altas cortes nacionais contando com o direito internacional humanitário como parte de sua

ordem constitucional (bloco de constitucionalidade) e fazendo das regras internacionais uma

medida para a legislação e para a ação estatal em geral (HERDEGEN, 2010, p. 73-74).

O pluralismo jurídico parte da ideia de que podem coexistir diferentes e genuínas

ordens jurídicas normativas, que podem gerar diferentes respostas a uma mesma questão

(QUEIROZ, 2009, item 3.4.1, não paginado). Para os propósitos deste trabalho, esses rápidos

apontamentos parecem bastar para a compreensão do significado do pluralismo jurídico e

nenhum outro se faz necessário para que possamos passar para o próximo item, que acaba por

retomar a teoria do pluralismo normativo e com ela trabalhar.

4. A questão do consumidor “depositário infiel” e o pluralismo jurídico

A Constituição Federal do Brasil (1988) prevê expressamente, em seu art. 5º, inc.

LXVII, que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento

voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Além disso, o

Decreto-Lei n. 911/69 contempla a prisão civil para o caso de inadimplemento de contrato de

alienação fiduciária em garantia.

Acontece que, a par dessas previsões normativas que autorizam a prisão civil do

depositário infiel, há outras, na ordem internacional, que as desautorizam. Realmente, tanto o

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) quanto a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos (1969), ambos os documentos ratificados pelo Brasil e incorporados

ao ordenamento jurídico doméstico em 1992, preveem a vedação de prisão civil por

descumprimento contratual ou por dívidas, exceto as decorrentes de obrigação alimentar.

Assim são as disposições desses tratados internacionais de direitos humanos:

Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação

contratual (Art. 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigação alimentar. (Art. 7º, n. 7, da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos).

No Brasil, a questão da prisão civil de depositário infiel chegou ao Supremo

Tribunal Federal. Em 1995, ao julgar o HC 72.131-RJ, a Excelsa Corte reputou permanecer

constitucional a prisão civil de depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária. Em

razão do critério da especialidade, o Decreto-Lei 911/69 foi considerado prevalente sobre

normas internacionais, tidas sem qualquer privilégio hierárquico sobre o direito interno

brasileiro.

Em 2000, no julgamento do RHC 79.785/RJ, o Supremo Tribunal Federal deu um

passo adiante na discussão da questão e, alterando seu entendimento, considerou que os

tratados de direitos humanos possuíam privilégio hierárquico sobre o direito interno

brasileiro, sendo supralegais, embora ainda abaixo da Constituição Federal. Isso foi

reafirmado em 2006 no julgamento do RE 466.343-1/SP, que versava exatamente sobre prisão

civil por dívidas decorrentes de contratos de alienação fiduciária em garantia.

Em 2009, ao julgar o RE 349703/RS, o RE 466343/SP e o HC 87585/TO, o

Supremo Tribunal Federal não se apartou do entendimento acima referido, mas deliberou no

sentido de que o conflito entre o Decreto-Lei n. 911/69 e o Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos da ONU e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos deveria ser

resolvido em favor destes, porque supralegais e, assim, derrogadores de normas legais, tudo

numa perspectiva de hierarquia entre normas. Com a saída de cena da prisão civil do Decreto-

Lei n. 911/69 em razão da força dos diplomas internacionais de direitos humanos antes

referidos, o art. 5º, inc. LXVII, da CF/88 passou a não dispor de qualquer regulamentação no

tocante à prisão civil de depositário infiel, tornando esta, assim, inaplicável em nosso país.

Seja como for, e indenpentemente da localização hierárquica dos tratados

internacionais de direitos humanos, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, pondo uma pá

de cal sobre a questão, editou a Súmula Vinculante n. 25 com o seguinte verbete: “É ilícita a

prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.”

O intento aqui não é discutir se há ou não hierarquia entre tratados de direitos

humanos e o direito interno brasileiro. O fim deste tópico não é analisar o disposto nos §§ 2º e

3º do art. 5º da Constituição Federal brasileira nem o art. 27 da Convenção de Viena sobre o

Direito dos Tratados (que diz que uma parte “não pode invocar as disposições de seu direito

interno para justificar o inadimplemento de um tratado”) para, então, tomar-se posição sobre a

correção ou não das decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo a legislação pátria e

tratados sobre direitos humanos. O estudo acerca disso tudo e todos os aclaramentos a seu

respeito podem ser vistos na obra Direitos humanos e o direito internacional constitucional,

de Flávia Piovesan (2013, p. 113 e ss.), autora que deve ser consultada por quem busca

detalhes sobre a questão.

O que se quer aqui, em verdade, é simplesmente trabalhar a ideia de pluralismo

normativo. Não de um pluralismo formal no sentido de que o impacto de normas

internacionais sobre a Constituição Federal e a legislação brasileira possa ou não fazer com

que estas sejam modificadas/alteradas/rompidas. Mas de um pluralismo substancial que tem o

homem e a proteção do consumidor como centro da questão, de modo a interferir na

hermenêutica e aplicação das normas pertinentes, que, adianta-se, sempre serão as mais

protetivas e benéficas ao ser humano e ao consumidor, atendendo-se a regra pro homine ou

favor debilis. A tomada dessa posição pode começar com a seguinte reflexão acerca do nosso

ordenamento jurídico:

[...] abstraindo-se referência aos tratados internacionais, o texto

constitucional dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem outros “decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados”. Um dos princípios constitucionais expressamente consagrados

pela Magna Carta, o qual, inclusive, é norteador da República Federativa do Brasil, é o princípio da “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II, CF).

Ora, se é princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos

direitos humanos, a outro entendimento não se pode chegar, senão o de que todo tratado internacional de direitos humanos terá prevalência, no que for

mais benéfico, às normas constitucionais em vigor. (MARQUES;

MAZZUOLI, 2011, p. 69. Destaques do original).

Além disso, a Constituição Federal do Brasil tem a dignidade da pessoa humana

como um de seus fundamentos (art. 1º, inc. III), o que deve ser considerado na exegese para

se estabelecer em definitivo a seguinte inteligência: “[...] a primazia é a norma que, no caso,

mais protege os direitos da pessoa humana. Se esta norma mais protetora for a própria

Constituição, ótimo. Se não for, abandona-se sua aplicação momentaneamente para utilizar-se

a norma mais favorável à pessoa humana [...]”. (MARQUES; MAZZUOLI, 2011, p. 70.

Destaque do original).

Estabelecidos esses marcos e critérios, voltam-se as atenções agora, então, aos

diplomas normativos que podem melhor cumprir a tarefa de se observar a regra pro homine

ou favor debilis.

A Resolução 39/248 da ONU, de 1985, que na nossa ótica foi importante ao

menos para o início da caracterização e do reconhecimento do direito do consumidor como

direito humano específico, não se trata exatamente de um diploma normativo ou de um texto

legal, mas sim de um conjunto de propostas destinadas aos países membros que não

dispunham de leis de defesa dos direitos dos consumidores, sobretudo aqueles em

desenvolvimento. As diretivas iniciais, revistas e atualizadas pelas Nações Unidas em 2015,

foram o pontapé inicial de adoção de medidas protetivas aos consumidores.

Embora o documento da ONU não seja dotado de imperatividade, a rigor não

sendo possível falar em pluralismo normativo como interação entre ordenamentos jurídicos

distintos, tem-se que as diretivas, propostas e princípios básicos nele reunidos podem servir

para consulta e interpretação da lei nacional, numa migração e empréstimo de ideias em busca

da integração de posturas jurídicas, como algo que já ocorre no diálogo constitucional

transnacional. Nesse sentido, a perspectiva humanitária e o favor debilis da Resolução 39/248

da ONU, em consonância com a nossa Lei Maior que tem por fundamento a dignidade da

pessoa humana (art. 1º, III) e por princípio a “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II),

teriam de ser considerados pelo exegeta na questão da prisão civil do depositário infiel no

caso brasileiro e integrar o plano discursivo e argumentativo de sua hermenêutica.

Já o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (1969), ratificados pelo Brasil e incorporados ao

ordenamento jurídico doméstico em 1992, são vinculativos e dotados de imperatividade,

donde já tem lugar o pluralismo jurídico enquanto ideia de que podem coexistir diferentes e

genuínas ordens jurídicas normativas, operando ele em busca do “acoplamento entre

ordenamentos jurídicos” (Cf. BOGDANDY, 2011, p. 26).

Se tais documentos internacionais de direitos humanos, vinculativos e imperativos

que são, desautorizam a prisão civil por dívidas, como visto acima, como alinhá-los com a

legislação brasileira que autoriza a prisão civil por dívidas? A questão hierárquica de tais

tratados em relação ao ordenamento jurídico pátrio já está posta pelo Supremo Tribunal

Federal, estando certa ou não a Excelsa Corte. Mas, para além dessa questão, como integrar os

ordenamentos no plano hermenêutico?

No pensamento de Cláudia Lima Marques parece estar a resposta adequada para

os questionamentos acima lançados. Referida autora chama a atenção para o fato de que o

Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 7º, é capaz de abrigar o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (1969) como disposições de um novo direito do consumidor (Cf. MARQUES;

MAZZUOLI, 2011, p. 69). É que nesse mencionado artigo de lei assim está normatizado: “Os

direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções

internacionais de que o Brasil seja signatário [...]”.

Essa cláusula de abertura do Código de Defesa do Consumidor permite que as

disposições da lei consumerista pátria sejam reforçadas por novas normas protetivas

constantes em tratados internacionais, estes expressamente referidos no dispositivo legal

como fontes de outros direitos do consumidor. Isso acaba por importar em mais eco ao

mandamento constitucional de o Estado promover a proteção do consumidor (art. 5º, XXXII,

CF). Isso tudo parece importar em um conjunto ou em um todo normativo muito mais forte e

muito mais sólido do que apenas a leitura conjunta do art. 5º, inc. LXVII, da CF/88 e do

Decreto-Lei n. 911/69, “permissivos” da prisão civil para o caso de inadimplemento de

contrato de alienação fiduciária em garantia.

Tudo considerado em um pluralismo jurídico capaz de superar o tratamento

provinciano de problemas constitucionais e de direitos humanos, o entrelaçamento de normas

jurídicas e a consideração da sof law que é Resolução 39/248 da ONU levam à interpretação

de não ser possível a prisão civil de depositário infiel no Brasil, independentemente a posição

hierárquica dos tratados internacionais estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Considerações finais

Os direitos humanos, afirmados somente na modernidade, sobretudo com as

Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos (1776) e a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789), num primeiro momento, e com a Declaração Universal sobre

Direitos Humanos (1948), num segundo momento, passaram por processos de especificação e

multiplicação, voltando-se as atenções para o ser em situação, como o ser humano idoso, o ser

humano criança, o ser humano deficiente e outros mais. A comunidade internacional valora

certas situações sociais e busca protegê-las via positivação na ordem jurídica.

O ser humano consumidor passou a ser objeto de atenção e valoração na

sociedade de consumo surgida com a revolução industrial como o lado da demanda. Nessa

sociedade, que cresceu exponencialmente no século XX, o mercado falho e a falta de

equidade e de justiça nas relações de consumo foram captados por entidades de defesa dos

consumidores e depois pela Organização das Nações Unidas, que acabou promovendo uma

série de consultas que culminaram com a Resolução 38/245, documento com princípios

básicos de proteção aos consumidores e diretrizes para os países membros criarem suas leis

consumeristas. Com esses fenômenos e com a positivação dos direitos do consumidor se

tornando fato em vários países da Europa e da América Latina, o entendimento de que há

direito humano ao consumo se mostra plenamente plausível e defensável.

Tendo-se o direito do consumidor como direito humano em espécie, possível se

faz trabalhar e aplicar a teoria do pluralismo jurídico às questões dessa área quando houver

conflito aparente de normas do direito internacional e do direito doméstico, isso com vistas à

harmonização e ao acoplamento dessas normas com vistas à proteção pro homine.

O pluralismo jurídico permite, assim, resolver o conflito entre a ordem jurídica

interna do Brasil que autoriza a prisão civil por dívida e a ordem internacional que a veda. A

possibilidade de prisão civil por dívida está na Constituição Federal (art. 5º, inc. LXVII) e no

Decreto-Lei n. 911/69. E sua impossibilidade no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos (1966) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), ambos

ratificados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento jurídico doméstico em 1992.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha se valido do critério hierárquico para

resolver a questão no Brasil, dizendo que os tratados internacionais de direitos humanos

acima referidos são supralegais, porém infraconstitucionais, o que os torna capazes de

derrogar o Decreto-Lei n. 911/69 na parte alusiva à prisão civil por dívida, mas não o art. 5º,

inc. LXVII, da CF/88, que passou a ficar sem regulamentação e sem eficácia no que diz com a

prisão de depositário infiel depois das decisões da Excelsa Corte proferidas em 2009, tem-se

que ainda sim, numa perspectiva hermenêutica, o pluralismo se presta para reclamar sempre a

aplicação das normas mais protetivas e benéficas ao ser humano e ao consumidor, atendendo-

se a regra pro homine ou favor debilis.

Com a Constituição Federal do Brasil contemplando a primazia dos direitos

humanos, tendo por fundamento a dignidade da pessoa humana e prescrevendo ser a defesa

do consumidor pelo Estado um direito fundamental, todo entendimento que for ao encontro

desses três direcionamentos constitucionais deve ser privilegiado e acolhido. Em sentido

oposto, todo entendimento que for de encontro a tais direcionamentos constitucionais deve,

por conseguinte, ser desacolhido e afastado.

A perspectiva humanitária e o favor debilis da Resolução 39/248 da ONU; os

direitos humanos encerrados tanto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

quanto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos; e a teologia protetiva do Código

de Defesa do Consumidor e seu art. 7º de abertura do sistema para incorporar outros direitos

consumeristas e humanitários previstos em tratados de que o Brasil seja signatário; tudo isso

joga do lado da CF/88 e contra a prisão do depositário infiel. De outro vértice, o Decreto-Lei

911/69 e a parte do inc. LXVII do art. 5º da nossa Lei Maior que prevê a prisão civil por

dívida jogam contra o princípio da prevalência dos direitos humanos e do fundamento da

dignidade da pessoa humana da CF/88. Logo, num pluralismo normativo de perspectiva

hermenêutica, o primeiro conjunto de diplomas normativos aponta para harmonia e

acoplamento de disposições legais com vistas à proteção pro homine, enquanto que o segundo

não.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.

Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2004.

BOGDANDY, Armin Von. Del paradigma de la soberania al paradigma de pluralismo

normativo. Uma nueva perspectiva (mirada) de la relación entre el derecho internacional y los

ordenamientos jurídicos nacionales. In: Internacionalización del derecho constitucional,

constitucionalización del derecho internacional. CAPALDO, Griselda; SIECKMANN, Jan;

CLERICO, Laura. (Directores). Editora Eudeba, 2011.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:

Saraiva, 2010.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 9. ed. São Paulo: Atlas,

2007.

FOLHA DE S. PAULO. São Paulo, 4 jun. 2011. Folha Mercado, Caderno B, p. B-18.

HERDEGEN, Mathias. La internacionalización del orden constitucional. In: Anuario de

derecho constitucional latinoamericano – 16º año. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer,

2010.

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. Tradução de Marcos Santarrita.

São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

MARQUES, Claudia Lima; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O consumidor-depositário

infiel, os tratados de direitos humanos e o necessário diálogo das fontes nacionais e

internacionais. Proteção internacional dos direitos humanos. PIOVESAN, Flávia; GARCIA,

Maria (orgs.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção doutrinas essenciais; v. 6).

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito

material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do

consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito internacional constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2013.

QUEIROZ, Cristina. Direito internacional e relações internacionais. Coimbra: Coimbra

Editora, 2009.

SILVEIRA, Vladimir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos:

conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens

das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.