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Índice Contrato de Trabalho ....................................................................................................................... 4

VIII – Não Cumprimento ........................................................................................................... 4

Incumprimento das prestações contratuais .......................................................................... 4

Prescrição ................................................................................................................................. 17

IX – Acidentes de Trabalho ...................................................................................................... 19

Aspetos gerais .......................................................................................................................... 19

Responsabilidade civil objetiva e subjetiva ......................................................................... 22

X – Cessação ............................................................................................................................... 50

Aspetos gerais .......................................................................................................................... 50

Caducidade............................................................................................................................... 57

Revogação ................................................................................................................................ 72

Denúncia .................................................................................................................................. 77

Resolução ................................................................................................................................. 80

Direito Coletivo ............................................................................................................................. 120

I – Instrumentos negociais de regulamentação coletiva de trabalho................................. 120

Convenção coletiva de trabalho ......................................................................................... 120

Acordo de adesão ................................................................................................................. 134

II – Instrumentos não negociais de regulamentação coletiva de trabalho ....................... 135

Aspetos gerais ........................................................................................................................ 135

Portaria de extensão ............................................................................................................. 136

Portaria de condições de trabalho ...................................................................................... 138

Natureza jurídica das portarias de extensão e de condições de trabalho ...................... 139

III - Conflitos coletivos de trabalho ..................................................................................... 141

Aspetos gerais ........................................................................................................................ 141

Greve ...................................................................................................................................... 144

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Contrato de Trabalho1

VIII – Não Cumprimento

Incumprimento das prestações contratuais:

1. Noções comuns: como em qualquer contrato, uma das partes pode não realizar a

prestação a que se encontra adstrita, nos termos devidos, havendo, então,

incumprimento numa das suas modalidades. O incumprimento definitivo, a mora e

o cumprimento defeituoso das prestações laborais seguem o regime regra dos artigos

798.º e seguintes CC, solução reiterada no artigo 323.º, n.º1 CT. Não obstante valer

no regime regra, há toda a conveniência em fazer a transposição do mesmo para o

domínio do contrato de trabalho, até porque, por vezes, há certas especificidades e

surgem dúvidas de qualificação. O contrato de trabalho, tendo em conta a sua

estrutura complexa, com facilidade se apresenta como exemplo paradigmático em

que a tripartição das formas de incumprimento se concretiza. Encontram-se, assim,

situações de incumprimento definitivo, de mora na execução e de cumprimento

defeituoso da prestação. Importa salientar que, em qualquer destes casos, vale o

princípio geral da presunção de culpa, vigente no domínio da responsabilidade

contratual (artigo 799.º CC). Qualquer incumprimento de deveres emergentes do

contrato de trabalho, por parte do trabalhador ou do empregador, presume-se

culposo. O artigo 323.º, n.º1 CT, como princípio geral do incumprimento do

contrato de trabalho, dispõe que a parte que faltar culposamente ao cumprimento

dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte. Este artigo

estabelece a matriz base relativa ao incumprimento do contrato de trabalho. Este

artigo corresponde, portanto, a um mero esclarecimento no sentido que valem as

regras gerais do Direito das Obrigações (artigos 798.º e seguintes CC). Reitera-se,

assim, um princípio geral, esclarecendo dúvidas que se poderiam suscitar. Por outro

lado, do artigo 323.º, n.º1 CT sobressai a natureza sinalagmática do contrato de

trabalho. Cabe ainda acrescentar que da receção explícita do texto do artigo 798.º CC

– parcialmente transcrito no artigo 323.º, n.º1 CT – resulta a aplicação do regime

comum de incumprimento dos contratos em geral, constante dos artigos 798.º e

seguintes CC, designadamente da presunção de culpa (artigo 799.º, n.º1 CC).

2. Incumprimento definitivo e mora imputáveis ao empregador:

a. Indemnização: sempre que o empregador não cumpra atempadamente as

suas prestações, podendo estas realizar-se mais tarde, haverá mora. A

situação mais comum verificar-se-á com respeito ao pagamento da

retribuição. Não sendo esta paga na data do vencimento, o empregador

constitui-se em mora; em tal caso, a mora pressupõe o pagamento de juros

compensatórios (artigos 806.º e 559.º CC). Além do regime geral, em que o

empregador, por faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres, será

responsável pelo prejuízo causado ao trabalhador (artigos 323.º, n.º1 e 2 CT),

importa atender em especial à falta culposa de cumprimento das prestações

pecuniárias, concretamente da prestação retributiva. Se o empregador não

1 MARTINEZ, Pedro Romano; Direito do Trabalho; 7.ª Edição; Almedina Editores, S.A.; Coimbra, janeiro 2015.

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realiza a prestação no seu vencimento, há uma situação de incumprimento e

presume-se que a omissão do comportamento devido é culposa. Apesar de a

falta de pagamento da retribuição corresponder à situação mais usual de mora,

esta não se circunscreve a tal hipótese, pois abrange todas as prestações

pecuniárias, nomeadamente o pagamento de indemnizações. Como resulta

do artigo 323.º, n.º2 CT, a mora no pagamento da retribuição determina o

vencimento de juros de mora. Também o disposto neste preceito não

constitui uma novidade mas a solução que antes resultaria do artigo 806.º CC

(por vezes esquecida em tribunal). Do n.º1 do artigo decorre que, estando o

empregador em mora quanto ao pagamento de prestações pecuniárias, por

via de regra, sobre o valor da retribuição, a partir da data do vencimento da

prestação, passam a vencer-se juros de mora. Os juros de mora, não havendo

acordo em contrário, são fixados à taxa supletiva legal, ascendendo,

presentemente, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003, 8 abril). O ajuste

de juros de mora convencionais está condicionado aos limites decorrentes do

artigo 1146.º ex vi artigo 559.º-A CC. Sem descurar os juros de mora, que

correspondem a uma indemnização previamente fixada pela lei, o

empregador inadimplente deverá indemnizar o trabalhador pelos prejuízos

causados pelo incumprimento de deveres contratuais (artigo 323.º, n.º1 CT).

A indemnização será determinada pelas regras gerais de Direito Civil, em

particular atendendo ao regime constante dos artigos 562.º e seguintes CC. A

indemnização devida ao trabalhador em caso de incumprimento definitivo

de deveres do empregador sofre de uma limitação relativamente às regras

gerais. A determinação do montante indemnizatório pode não seguir

exatamente os parâmetros dos artigos 562.º e seguintes CC sempre que

encontra aplicação o disposto no artigo 391.º CT. Neste preceito, por um

motivo de certeza, fixa-se a indemnização a atribuir ao trabalhador atendendo

a um cálculo assente na retribuição de base, sem ter, portanto, em vista a

reconstituição da situação que existiria (artigo 562.º CC), na qual se poderiam

incluir outros valores.

b. Exceção de não cumprimento: a mora do empregador no pagamento da

retribuição não facultaria ao trabalhador o recurso à exceptio non adimpleti

contractus, podendo este suspender a execução da prestação de trabalho (artigo

428.º CC). O facto de o trabalhador ter de cumprir em primeiro lugar, antes

de receber a retribuição, não constitui obstáculo a que se invoque a exceção

de não cumprimento para o período seguinte àquele em que não foi

remunerado; esta solução não resulta diretamente do artigo 429.º CC, mas

decorre do regime geral da exceção, quando aplicado a contratos de execução

continuada. Assim, se o trabalhador, depois de desenvolver a sua atividade

durante um mês, não auferiu a respetiva retribuição, os princípios gerais

levariam a admitir que ele poderia licitamente recusar-se a trabalhar no mês

seguinte. O caráter sinalagmático das prestações laborais não opera só em

cada mês ou semana, consoante o tipo de remuneração. Esta é uma visão

parcelar que não parece correta. A relação laboral corresponde a um todo e

não a um mero somatório de dias, semanas ou meses de trabalho. Resta

referir que, em qualquer outro contrato de prestação de serviços, estando ou

não em causa a prossecução de um resultado, mesmo quando a retribuição

seja paga mensalmente depois de realizada a atividade, sendo o contrato de

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execução continuada, o prestador de serviços pode, ainda assim, recorrer à

exceção de não cumprimento. Em caso de mora, no n.º3 do artigo 323.º CT

(assim como no artigo 209.º, n.º3 CT) prescreve-se um regime especial de

exceção de não cumprimento. Havendo mora do empregador – e atendendo

ao caráter sinalagmático do contrato –, o trabalhador pode suspender a

execução da atividade, recorrendo ao instituto da exceção de não

cumprimento, previsto nos artigos 428.º e seguintes CC. Mas a suspensão da

atividade, tendo em conta a dinâmica empresarial, não poderia operar

imediatamente, motivo pelo qual o trabalhador deve aguardar quinze dias

para suspender o contrato de trabalho (artigo 325.º, n.º1 CT). Trata-se de um

prazo razoável para permitir à empresa com retribuições em atraso

regularizar – purgando a mora – antes de os trabalhadores suspenderem a

atividade, paralisando a empresa. É necessário reiterar que a mora, nos

termos gerais, pressupõe um comportamento culposo para que o

empregador se constitua na obrigação de pagar juros de mora (artigo 323.º,

n.º2 CT), mas, de modo diverso, não é necessário um comportamento

culposo do empregador para que o trabalhador possa recorrer à exceção de

não cumprimento. Esta solução – constante do artigo 323.º, n.º3 CT – resulta

da aplicação das regras gerais de Direito das Obrigações, pois o exercício da

exceção de não cumprimento não pressupõe culpa do devedor faltoso (artigo

428.º CC). Não obstante, o direito pode ser exercido pelo trabalhador sem

ter havido um comportamento culposo do empregador, não parece lícito que

a exceção seja invocada perante qualquer incumprimento, principalmente

quando a falta de pagamento respeita a uma parte reduzida da retribuição. O

regime da exceção de não cumprimento no âmbito laboral – designada por

suspensão do contrato de trabalho – consta dos artigos 325.º, 326.º e 327.º

CT. O trabalhador pode suspender a atividade, cumprindo as formalidades

impostas no artigo 325.º CT. Do artigo 295.º, n.º1 CT, resulta que o contrato

suspenso subsiste, mantendo-se direitos e deveres das partes que não

pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Na medida em que, durante a

suspensão o trabalhador não desempenha a atividade nem recebe a

correspondente retribuição, no artigo 325.º CT e no artigo 25.º Lei n.º

105/2009, 25 setembro, atribui-se ao credor (trabalhador) direito à prestação

de desemprego. Refira-se ainda que, durante a suspensão, o trabalhador pode

desempenhar outra atividade retribuída (artigo 326.º CT). A suspensão do

contrato será necessariamente transitória e cessa pelo retorno à atividade

(artigo 327.º CT) ou com a cessação do vínculo contratual. Recapitulando, o

trabalhador que não recebeu a retribuição na data do vencimento pode

suspender a execução da sua atividade, recorrendo à exceção de não

cumprimento do contrato. A referida suspensão não pode operar

imediatamente após a falta de pagamento, pelos motivos já indicados,

devendo o trabalhador aguardar quinze dias. Trata-se de um prazo razoável,

atentos os interesses em confronto, para que a empresa regularize a sua

situação financeira, pagando a retribuição ao trabalhador. Refira-se, ainda,

que a remissão para legislação especial se justifica, em particular, pela

necessidade de garantir, ao trabalhador que invoca a exceção, o pagamento

de subsídio idêntico ao de desemprego; o direito à prestação de desemprego

consta do artigo 25.º Lei n.º 205/2009. Neste ponto, cabe reiterar o facto de

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a mora depender de culpa para o empregador se constituir no dever de pagar

juros de mora (n.º1), mas não se requer um comportamento culposo para o

trabalhador suspender a prestação de trabalho ou resolver o contrato (n.º2).

De facto, nem a resolução do contrato depende sempre de culpa do

empregador (artigo 394.º, n.º3 CT) nem a exceção de não cumprimento

pressupõe falta de cumprimento culposo da parte que, por não afetar a sua

prestação, permite que a contraparte recorra à exceptio (artigo 428.º CT). No

n.º3 do artigo 323.º CT cabe distinguir a exceção de não cumprimento da

resolução do contrato. O trabalhador que não recebeu a retribuição na data

do vencimento pode suspender a execução da sua atividade, recorrendo à

exceção de não cumprimento do contrato. A referida suspensão não pode

operar imediatamente após a falta de pagamento, pelos motivos indicados no

ponto anterior, devendo o trabalhador aguardar 15 dias. Mas para invocar a

resolução do contrato, que não depende de culpa do empregador (artigo 394.º,

n.º3 CT), o prazo é de sessenta dias nos termos do n.º5 do artigo 394.º CT.

c. Garantias: relativamente à falta de pagamento de prestações pecuniárias –

tanto a retribuição como outras prestações –, haverá mora com a

consequente obrigação de pagar juros moratórios nos termos já indicados,

mas como garantia importa atender ao regime constante dos artigos 333.º e

seguintes CT. Na sequência do regime anterior, subsistem como garantias do

trabalhador:

i. Os privilégios creditórios (artigo 333.º CT);

ii. Fundo de Garantia Social (artigo 336.º CT).

Como novidade introduzida em 2003, cabe atender a duas soluções:

iii. A responsabilidade solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo

(artigo 334.º CT);

iv. A responsabilidade dos sócios (artigo 335.º CT).

Quanto aos meios de autotutela de créditos, estando admitida a exceção de

não cumprimento (artigos 294.º, n.º3 CT e 323.º, n.º3 CT), estabelece-se

solução oposta com respeito ao direito de retenção. O trabalhador a quem

tenham sido fornecidos instrumentos de trabalho e quaisquer outros objetos

que sejam pertença do empregador não goza, nos termos do artigo 754.º CC,

do direito de retenção dessas coisas por conta de crédito contra a entidade

patronal. Do disposto no artigo 342.º CT deduz-se que a falta do empregador

(discutível ou mesmo por ele reconhecida) de pagamento de quaisquer

quantias pagas ao trabalhador – mesmo tratando-se da retribuição –, em

princípio, não confere a este direito de retenção sobre os instrumentos de

trabalho ou outros objetos que sejam pertença daquele. A inexistência do

direito de retenção resulta de três razões:

i. Esta garantia real, conferindo uma situação de privilégio a certos credores,

constitui uma limitação que deve ser entendida de modo restritivo;

ii. Tendo em conta a previsão geral do artigo 754.º CC, para haver direito de

retenção será necessário que o crédito do trabalhador resulte de despesas feitas por

causa desses objetos do empregador ou de danos por ele causados.

Por via de regra, os montantes que o empregador tem a pagar ao trabalhador

aquando da cessação do contrato não se relacionam com essas duas hipóteses;

iii. Entre as situações especiais de direito de retenção (artigo 755.º CC) não se inclui

o trabalhador no elenco de credores privilegiados. Acresce que o artigo 342.º

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CT determina a devolução de instrumentos de trabalho, obrigação não

condicionada ao pagamento da retribuição ou de outras prestações a cargo do

empregador.

Outros mecanismos de autotutela do crédito do trabalhador – como a

compensação – seguem o regime geral.

d. Benefícios conferidos ao trabalhador: como pode ser problemática a

situação económica do trabalhador a quem não é paga a retribuição, além dos

mecanismos jurídicos, são-lhe conferidos certos benefícios:

i. Suspendem-se os processos de execução fiscal (artigo 26.º Lei n.º 105/2009);

ii. Suspendem-se igualmente a venda de determinados bens penhorados ao

trabalhador (artigo 27.º da mesma Lei);

iii. Suspende-se a ação de despejo que lhe tenha sido movida (artigo 28.º da mesma

Lei).

Em qualquer caso, não se “transfere” o risco do incumprimento da

retribuição para terceiros – credores do trabalhador –, mas estes veem

limitados os meios judiciais para efetivarem os seus direitos. Para a aplicação

deste regime basta que exista mora no pagamento de retribuições por período

superior a quinze dias, não sendo necessária a declaração de insolvência do

trabalhador, a que alude o artigo 113.º CIRE. Tal como foi referido, este

regime só se aplicará caso o empregador esteja em mora quanto ao

pagamento da retribuição – não de outras prestações patrimoniais sem

caráter retributivo –, e desde que o valor em causa seja relevante. De facto,

com base nas regras da boa fé, será desproporcionado o exercício de um

destes direitos se estiver em causa a falta de pagamento de uma parte irrisória

da retribuição. Tal desproporção contraria a boa fé e o fim social e económico

do direito, podendo integrar a figura do abuso do direito (artigo 334.º CC).

e. Consequências para o empregador: o empregador que não paga a

retribuição aos seus trabalhadores sujeita-se à inibição da prática dos atos

indicados no artigo 313.º CT, por remissão do artigo 324.º, n.º1 CT, podendo

incorrer em pena de prisão (artigo 324.º, n.º3 CT). Havendo mora no

pagamento da retribuição, independentemente do prazo por que esta tenha

durado, o empregador não pode realizar certas despesas nem contrair dívidas,

porque podem agravar a situação patrimonial da empresa. Por outro lado,

atendendo à mora no pagamento de retribuições, podem ser invalidados os

atos praticados pelo empregador que se encontram no elenco do artigo 313.º

CT, segundo o disposto nos artigos 324.º, n.º1 e 2 CT. Do artigo 324.º, n.º2

CT depreende-se que o legislador não atendeu à figura da impugnação

pauliana (artigos 610.º e seguintes CC). Contrariamente ao disposto no artigo

612.º CC, na hipótese de retribuições em atraso, a anulabilidade pode ser

pedida mesmo que o adquirente a título oneroso esteja de boa fé, o que

parece um exagero. A anulabilidade estabelecida no preceito em análise

implica a destruição do negócio, com a consequente reversão doo bem; ora,

no caso de impugnação pauliana, o bem alienado pode ser executado no

património do terceiro adquirente (artigo 615.º CC), que é mais vantajoso

para todos os intervenientes. Esta garantia concedida aos trabalhadores pode

ser contraproducente. Compreender-se-ia que os atos de disposição a título

gratuito fossem anuláveis (artigo 314.º, n.º1 CT), ou melhor impugnáveis nos

termos do Direito Civil; o mesmo não se pode dizer com respeito aos atos

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de disposição a título oneroso realizados com terceiro de boa fé (artigo 314.º,

n.º2 CT). Tal solução leva a que ninguém esteja disposto a adquirir bens a

uma empresa com retribuições em atraso, tendo em vista viabilizá-la

economicamente, pois corre o risco de ver o negócio jurídico anulado. Em

suma, o excesso de proteção do trabalhador facilita a insolvência do

empregador, como o consequente despedimento daquele. Estes mecanismos

– descurando as críticas apontadas – constituem meios dissuasores de uma

eventual dissipação de bens e, principalmente, de uma gestão empresarial

prejudicial para a cobrança dos créditos dos trabalhadores. Não obstante a

efetividade que alguns destes mecanismos possuem, que podem contribuir,

ainda que indiretamente, para proporcionar a rápida perceção da retribuição

por parte dos trabalhadores, não constituem uma verdadeira garantia, apesar

de se poderem enquadrar entre os meios conservatórios da garantia

patrimonial (artigos 605.º e seguintes CC).

f. Resolução do contrato: como já se indicou antes a propósito da exceção de

não cumprimento, no n.º3 do artigo 323.º CT importa distinguir a exceção

de não cumprimento da resolução de contratos. Em alternativa à exceção de

não cumprimento – independentemente de ter requerido a suspensão doo

contrato –, o trabalhador pode resolver o contrato com base na falta de

cumprimento de prestações contratuais, mormente em caso de não

pagamento da retribuição. Contudo, a mora, desde que não se transforme em

incumprimento definitivo, por impossibilidade de realização da prestação,

por perda de interesse do credor (no caso o trabalhador) ou após o decurso

do prazo admonitório (artigo 808.º CC), não dá azo à resolução do contrato.

Todavia, no artigo 394.º, n.º2, alínea a) CT estabelece-se que o não

cumprimento da retribuição constitui justa causa de resolução do contrato

por parte do trabalhador, mesmo que a falta de cumprimento não seja

culposa (artigo 394.º, n.º3, alínea c) CT). Como não se exige o

estabelecimento de um prazo admonitório, poder-se-ia entender, numa

leitura pouco atenta do preceito, que, se o empregador se atrasar um dia que

seja no pagamento da retribuição, por exemplo, imputável ao banco do

empregador ou mesmo ao banco do trabalhador, este poderia resolver o

contrato e pedir uma indemnização. Essa solução seria aberrante e não

corresponde ao espírito da lei, pois o artigo 394.º, n.º4 CT remete para a justa

causa como critério aferidor do poder de resolução do contrato de trabalho.

Por outro lado, tendo em conta o disposto no artigo 394.º, n.º5 CT,

independentemente de culpa do empregador, a resolução só pode ser

requerida depois de uma situação de mora que se prolongue por sessenta dias;

o preceito tem igualmente em vista a tutela da empresa, que não se verá, de

imediato, privada dos trabalhadores. No caso de a mora quanto ao

pagamento da retribuição se transformar em incumprimento definitivo por

decurso do prazo admonitório ou se houver incumprimento definitivo

relativamente a outra prestação do empregador, por exemplo, artigos 127.º,

n.º1, alínea a), 394.º, n.º2, alínea f) e 394.º, n.º2, alínea d) CT, o trabalhador

pode, em alternativa, pedir a resolução do contrato com indemnização ou

tão-só uma indemnização sendo, porém, esta determinada em moldes

diferentes daquela. A transformação da mora em incumprimento definitivo

suscita uma dificuldade na relação laboral, pois, nos termos do artigo 395.º,

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n.º1 CT, o trabalhador só pode resolver o contrato nos trinta dias

subsequentes ao conhecimento do incumprimento de deveres por parte do

empregador. Por isso, a mora só se transforma em incumprimento definitivo

para efeitos de permitir a resolução do contrato depois de decorrido esse

prazo. O incumprimento definitivo de prestações devidas pelo empregador

só permite a resolução do contrato se essas faltas forem consideradas graves.

São considerados comportamentos graves para efeito de resolução do

contrato de trabalho, exemplificativamente aqueles que vêm indicados no

artigo 394.º, n.º2 CT, os mesmos, porém, ainda têm de ser apreciados pelo

crivo da justa causa (artigo 394.º, n.º4 CT). É necessário, porém, conjugar o

disposto no artigo 323.º, n.º3 CT, com o regime constante do artigo 394.º,

n.º1 e 2 CT, de onde poderia retirar-se a existência de uma incompatibilidade,

que não se verifica. No artigo 394.º, n.º5 CT exige-se que a mora seja

prolongada: sessenta dias (60 dias); enquanto no artigo 394.º, n.º1 CT fala-se

em cessar imediatamente o contrato. Todavia, neste preceito, a resolução

imediata depende da prova da ocorrência de factos determinantes de justa

causa: será pressuposto que a falta de pagamento, por si, consubstancie justa

causa de resolução. Com base no disposto no artigo 394.º, n.º5 CT, ficciona-

se que existe justa causa de resolução se tiverem decorrido sessenta dias (60

dias) de mora; sendo o prazo inferior, o trabalhador terá de provar que a

mora constitui justa causa de resolução atendendo à gravidade da situação.

No mencionado preceito estabeleceu-se uma presunção iuris et iure de que o

trabalhador tem justa causa de resolução do contrato sempre que a

retribuição (na sua totalidade) não tiver sido paga depois de decorrer um

período de sessenta dias (60 dias) após o respetivo vencimento. Esta

presunção, além de não se aplicar no caso de mora quanto a prestações não

retributivas – por força da letra da lei –, não pode valer no caso de

incumprimento parcial da retribuição – atendendo ao espírito da lei. Com

base nos princípios gerais, nomeadamente da boa fé e da proporcionalidade,

não parece admissível que o trabalhador possa resolver o contrato pelo facto

de o empregador se encontrar em mora, por mais de sessenta dias (60 dias),

quanto ao pagamento de um subsídio que corresponde a 5% da retribuição

base, tendo esta e os demais complementos sido pontualmente cumpridos.

Cabe ainda esclarecer a relação entre o prazo de sessenta dias do artigo 394.º,

n.º5 CT e o prazo de trinta dias (30 dias) do artigo 395.º, n.º1 CT. O primeiro

é um prazo que permite concluir pela existência de justa causa; o segundo é

o período dentro do qual se deve resolver o contrato, que se inicia a partir do

momento em que exista justa causa. O prazo de trinta dias (30 dias) do n.º1

do artigo 395.º CT é de caducidade, fixando o período em que se pode

exercer o direito de resolução. Existindo justa causa – eventualmente antes

do decurso do prazo de sessenta dias (60 dias) do artigo 394.º, n.º5 CT –, o

trabalhador tem trinta dias (30 dias) para resolver o contrato. Importa

concretizar a mencionada necessidade de conjugação do artigo 323.º, n.º3 CT

com o disposto nos artigos 394.º, n.º1 e 2, alínea a), e 351.º, n.º2 CT. No n.º3

do artigo 323.º CT lê-se que a falta de pagamento pontual da retribuição

confere ao trabalhador a faculdade de fazer cessar o contrato, nos termos

previstos no Código de Trabalho, e no n.º1 do artigo 394.º CT, dispõe-se que

pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato. Os dois preceitos

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não são incompatíveis, pelo contrário, justificam-se numa leitura conjugada,

a que se aludiu, importando, contudo, precisar esta interpretação. A cessação

imediata do contrato advém do facto de ocorrer justa causa (n.º1 do artigo

394.º CT), nomeadamente em caso de falta culposa de pagamento da

retribuição (alínea d) do n.º2 do artigo 394.º CT); mas a justa causa deve ser

apreciada nos termos prescritos no n.º2 do artigo 351.º CT (ex vi artigo 394.º,

n.º4 CT). Ora, a lesão de interesses do trabalhador, no quadro geral da

empresa, e a perturbação no relacionamento entre as partes de modo a tornar

praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, normalmente

não ocorre no momento seguinte ao da falta de pagamento da retribuição.

Concluindo, dir-se-á que a justa causa presume-se se decorreram sessenta dias

após a falta de pagamento da retribuição; antes do decurso deste período, o

trabalhador terá de demonstrar que a falta de pagamento constitui justa causa

de resolução do contrato, isto é, tem de provar os pressupostos da justa causa

indicados. Os sessenta dias (60 dias) têm uma função de prazo admonitório

(legal), que permite transformar a mora no pagamento da retribuição em

incumprimento definitivo, viabilizando o pedido de resolução do contrato.

Importa ainda contrapor os prazos de sessenta dias (60 dias) do n.º2 e de

trinta dias (30 dias) do n.º1, ambos do artigo 395.º CT.:

i. 60 dias: é um prazo mínimo para se presumir a existência de justa

causa;

ii. 30 dias: é um prazo de caducidade para se exercer um direito.

Atendendo ao prazo do artigo 395.º, n.º1 CT o trabalhador pode, após o

conhecimento da situação e nos trinta dias imediatos, fazer valer os seus

direitos; ou seja, provando a justa causa pode resolver o contrato no dia

seguinte ao da violação contratual por parte do empregador. O prazo de

sessenta dias (60 dias) do n.º5 do artigo 394.º CT tem em conta uma situação

continuada de incumprimento, e pressupõe o exercício do direito de

resolução depois do seu decurso; decorridos os sessenta dias presume-se que

há justa causa e o trabalhador pode, então, resolver o contrato bastando a

prova do incumprimento continuado. Importa reiterar, como se afirmou, que

a falta de pagamento da retribuição, ainda que culposa, por via de regra não

determina a imediata impossibilidade de subsistência da relação de trabalho,

razão pela qual o trabalhador não pode, desde logo, resolver o contrato nos

termos do artigo 394.º CT; terá de aguardar pelo decurso do prazo de sessenta

dias ou pela verificação de outro facto que, associado à falta de pagamento,

consubstancie a justa causa de resolução. Para a resolução do contrato em

caso de mora prolongada cabe atender ao disposto no artigo 394.º, n.º5 CT.

A resolução não pressupõe a prévia suspensão do contrato, requerida pelo

trabalhador em consequência da falta de pagamento da retribuição (artigos

294.º, n.º4 e 323.º, n.º1 CT). O trabalhador que resolva o contrato em caso

de não cumprimento da prestação retributiva tem direito:

i. À indemnização prevista no artigo 396.º CT;

ii. À proteção social de desemprego e a facilidades no âmbito de formação profissional.

A resolução do contrato por parte do trabalhador pode ser requerida em caso

de outras situações de incumprimento de deveres obrigacionais do

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empregador, pois não está circunscrita à falta de pagamento de prestações

pecuniárias.

3. Cumprimento defeituoso imputável ao empregador: o cumprimento defeituoso

ocorrerá sempre que o empregador não cumprir corretamente alguns dos seus

deveres. Mesmo a retribuição, na parcela em que esta não seja pecuniária, pode ser

defeituosamente cumprida. Para além disso, há outros deveres do empregador

suscetíveis de serem defeituosamente cumpridos, designadamente o respeito de

regras de higiene e segurança no trabalho. O cumprimento defeituoso dos deveres

do empregador concede ao trabalhador o direito a exigir uma indemnização e

inclusive a resolução do contrato, se estiverem preenchidos os pressupostos de justa

causa. Na enumeração constante do n.º2 do artigo 351.º CT, de fazem parte seis

situações que constituem justa causa, quatro delas integram hipóteses de

cumprimento defeituoso (alíneas b), c), d) e e)). Nomeadamente, na violação das

garantias legais e convencionais do trabalhador (artigo 351.º, n.º2, alínea b) CT)

enquadram-se múltiplas hipóteses de deficiente cumprimento de deveres contratuais

por parte do empregador, como a atribuição de taregas não incluídas na categoria, a

alteração do local de trabalho fora do âmbito dos artigos 194.º e seguintes CT, o

recurso ao ius variandi em violação do artigo 120.º CT ou a exigência ilegal de trabalho

suplementar. De entre as situações de cumprimento defeituoso de deveres do

empregador, importa fazer especial alusão, pela relevância prática que implica, o mau

cumprimento das regras de segurança, causa de acidentes de trabalho e,

consequentemente, fonte de responsabilidade civil. Esta hipótese de

responsabilidade civil, afora a particularidade de poder existir independentemente de

culpa do empregador, segue o regime regra do Direito Civil.

4. Incumprimento imputável ao trabalhador:

a. Regras gerais: atendendo à sua natureza sinalagmática, o incumprimento de

prestações emergentes do contrato de trabalho pode ser imputável a qualquer

das partes, mas neste número far-se-á referência ao incumprimento de

prestações contratuais imputáveis ao trabalhador. O incumprimento de

deveres obrigacionais por parte do trabalhador segue o regime geral, em

termos idênticos aos anteriormente referidos em relação ao empregador.

b. Mora e incumprimento definitivo imputáveis ao trabalhador:

i. Mora do devedor: se o trabalhador faltar culposamente ao cumprimento

dos seus deveres poderá haver mora ou incumprimento definitivo.

Assim, uma falta injustificada implica a violação do dever de

comparecer ao serviço com assiduidade e poderá integrar uma

situação de mora ou de incumprimento definitivo parcial. Tendo o

trabalhador chegado atrasado, pode compensar o atraso trabalhando

mais tempo depois do horário; haverá teoricamente uma situação de

mora, tendo-se procedido à respetiva purgação (artigo 804.º CC). O

mesmo se passa na hipótese de falta injustificada, que pode ser

compensada, inclusive com dias de férias (artigo 257.º, n.º1 CT). Não

parece correto entender-se que, faltando o trabalhador, não possa

realizar a atividade devida mais tarde, porque se estaria perante uma

situação de impossibilidade de cumprimento. Por via de regra, não há

qualquer perda de interesse para o empregador e o trabalhador

poderá proceder à purgação da mora em horas fora do horário de

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trabalho; esta compensação não será considerada trabalho

suplementar se verificados os pressupostos do artigo 226.º, n.º2,

alínea b) CT. Por outro lado, admitir-se-ia que há impossibilidade de

realizar a prestação em outro dia ou outro horário corresponde a uma

visão parcelar da relação laboral; esta não deve ser entendida como o

somatório das várias horas e dias de trabalho, pois estes integram-se

num conjunto, como elementos indissociáveis. Além disso, não

parece que a tendencial imperatividade do regime das férias e faltas

impeça esta solução. Importa reiterar que a situação de mora depende

de um pressuposto relacionado com a vontade de ambas as partes: só

há purgação da mora se o credor (empregador) tiver interesse em

aceitar a prestação posteriormente e se o devedor (trabalhador)

estiver disposto a realizá-la; dito de outro modo, a mora na prestação

principal do trabalhador e a respetiva purgação assenta numa situação

de consenso. Esta necessidade de consenso, não exigida no Direito

das Obrigações, advém da particularidade do vínculo laboral. Se, pelo

contrário, perante a falta injustificada do trabalhador for feito o

respetivo desconto na retribuição mensal, a situação integrar-se-á

num incumprimento definitivo parcial. Para se determinar se a

situação concreta corresponde a um caso de mora ou de

incumprimento definitivo, ainda que parcial, importa determinar se,

do ponto de vista objetivo, a prestação incumprida pode ou não ser

realizada mais tarde. No caso de o trabalhador faltar ou se atrasar

injustificadamente, caberia determinar se a prestação pode ser

realizada mais tarde e se o empregador tem interesse, objetivamente

determinado, em que a atividade seja efetuada posteriormente, por

um lado, e se o trabalhador está interessado em realizá-la em

momento ulterior. Na eventualidade de uma situação de

incumprimento que, objetivamente, poderia enquadrar-se numa

hipótese de mora, mas que será qualificada como incumprimento

definitivo, porque o trabalhador se recusa a realizar a prestação mais

tarde, dever-se-á ponderar esta gravidade da conduta do trabalhador

na apreciação da sua culpa. Havendo mora por parte do trabalhador

este deverá cumprir a prestação mais tarde e, além disso, terá de

reparar os danos causados ao empregador. A determinação desses

prejuízos far-se-á nos termos gerais dos artigos 562.º e seguintes CC.

O empregador, com base na exceptio, poderá recusar a parte da

retribuição correspondente à atividade em mora.

ii. Mora do credor: o trabalhador, na qualidade de credor de uma prestação,

em particular da retribuição, pode entrar em mora. Haverá mora do

credor, nos termos dos artigos 813.º e seguintes CC, se o trabalhador,

sem motivo justificado, não aceitar a retribuição que lhe for oferecida.

Nesse caso, o trabalhador entra em mora, não se considerando que o

empregador esteja em incumprimento pelo facto de a retribuição não

ter sido paga na data do vencimento, podendo este recorrer à

consignação em depósito (artigo 841.º e seguintes CC). Havendo

mora do trabalhador, na qualidade de credor, deverá infrutífero da

prestação (artigo 816.º CC). O regime da mora do credor aplicável ao

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trabalhador não se circunscreve à recusa de aceitação do salário,

valendo em caso de qualquer crédito devido pelo empregador (ainda

que oferecido por terceiro, sendo a prestação fungível) que o credor

da atividade (trabalhador) recuse injustificadamente.

iii. Incumprimento definitivo: estar-se-á perante uma situação de

incumprimento definitivo se o trabalhador não puder realizar a

prestação mais tarde, porque isto é objetivamente impossível ou

porque o empregador não tem interesse, também determinado

objetivamente, em que a atividade seja realizada em momento

posterior (artigo 808.º CC). Acresce ainda que se o empregador

estabelecer um prazo admonitório para o trabalhador realizar a

prestação, não a tendo este feito, pode aquele considerar

definitivamente incumprida a prestação (artigo 808.º C). Por último,

como particularidade com especial relevância a nível laboral, importa

acrescentar que o incumprimento definitivo pode advir do facto de o

trabalhador se recusar a realizar a prestação em falta após o

incumprimento. Deste modo, se o trabalhador faltou

injustificadamente e a atividade não pode ser realizada mais tarde mas

o trabalhador não a efetua depois do decurso do prazo admonitório,

há incumprimento definitivo. O incumprimento definitivo, sendo

parcial, permite que o empregador reduza a retribuição na proporção

respetiva (artigo 802.º, n.º1 CC) e, sendo grave o incumprimento

definitivo parcial, o empregador pode resolver o contrato de trabalho

(artigo 802.º, n.º1 e 2 CC), que corresponde a uma justa causa de

despedimento (artigo 351.º CT). Em qualquer caso, o empregador

pode exigir uma indemnização. Em princípio, na primeira situação, a

indemnização só cobre o interesse contratual positivo, enquanto na

segunda, abrangeria o dano negativo ou de confiança; todavia, é

preciso ter em conta que o contrato de trabalho pressupõe a

existência de uma relação duradoura, cujos efeitos passados não são

postos em causa (artigo 434.º, n.º2 CC), pelo que esta repartição do

tipo de indemnizações pode não se ajustar completamente. De facto,

em particular nestes contratos, a resolução não faz desaparecer a

relação contratual, constituindo, antes, uma relação de liquidação.

Sendo o incumprimento definitivo total, ao empregador cabe optar

entre a resolução do contrato (artigo 801.º, n.º2 CC), ou seja proceder

ao despedimento nos termos do artigo 351.º CT, ou manter a relação

laboral, exigindo uma indemnização correspondente ao dano

positivo (artigo 801.º, n.º2 CC). É evidente que a opção só existe na

medida em que haja justa causa de despedimento (artigo 351.º, n.º1

CT). Em termos indemnizatórios, o incumprimento definitivo do

contrato de trabalho não apresenta diferenças fundamentais em

relação ao regime comum, determinando-se os prejuízos nos termos

dos artigos 562.º e seguintes CC. Por isso, é lícito estabelecer-se uma

cláusula penal determinando o montante da indemnização devida

pelo trabalhador na hipótese de falta de cumprimento de uma

prestação do contrato de trabalho. Há, porém, casos em que o valor

da indemnização opor incumprimento é fixado pela lei, como por

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exemplo, no artigo 137.º, n.º2, in fine, 399.º e 401.º CT. Todavia, por

motivos vários, não é frequente que os empregadores os demandem,

exigindo o pagamento de uma indemnização por incumprimento do

contrato de trabalho. Se o trabalhador não cumpre alguma das

obrigações a que se encontra adstrito no contrato de trabalho,

responde pelo prejuízo causado ao empregador, nos termos gerais

(artigo 323.º, n.º1 CT). Como regime particular importa atender ao

poder disciplinar (artigos 328.º e seguintes CT), que confere ao

empregador a possibilidade de aplicar sanções disciplinares ao

trabalhador. O recurso ao poder disciplinar relaciona-se com o

incumprimento de deveres por parte do trabalhador; tendo o

trabalhador faltado ao cumprimento de obrigações resultantes do

vínculo laboral, pode o empregador, com base no poder disciplinar,

aplicar uma das sanções constantes do elenco do artigo 328.º CT. De

entre essas sanções cabe indicar a resolução do contrato por facto

imputável ao trabalhador, prevista no artigo 328.º, n.º1, alínea f) CT,

cujo regime terá de ser analisado com base no artigo 351.º CT.

c. Cumprimento defeituoso da atividade: sempre que o trabalhador realiza

a atividade em desconformidade com o que era devido, estar-se-á perante um

cumprimento defeituoso. Haverá, nesse caso, um desvio entre a atividade

devida e a que foi realizada. Além da imperfeição referida, para haver

incumprimento defeituoso torna-se ainda necessário que o empregador não

tenha mostrado a sua concordância com aquela atuação, que o defeito seja

relevante e que daí derivem danos típicos. Estar-se-á perante uma

desconformidade se o trabalhador realiza a atividade em lugar diferente ou

de modo distinto do acordado, bem como quando, ao desempenhar a

atividade, viola deveres acessórios. Para além da desconformidade é

necessário que o empregador não tenha mostrado a sua concordância com a

atividade defeituosa. Relacionado com este aspeto importa igualmente que a

falta de conformidade não seja imputável ao próprio empregador, em razão,

nomeadamente, de ordens contraditórias ou desconexas. Em terceiro lugar,

só será de admitir um cumprimento defeituoso se o defeito for grave. Vale o

princípio de minimus non curat praetor. Não se justificaria que o empregador

demandasse o trabalhador por um defeito insignificante em relação à

atividade por este desenvolvida; esta é uma conclusão que deriva do bom

senso e que tem particular relevância no domínio laboral atento o facto de a

continuidade no exercício da atividade e a repetição de tarefas justificar uma

atenuação do cuidado que pode tornar irrelevantes pequenas falhas. A

importância do defeito deverá ser apreciada com base no princípio da boa fé,

perante cada situação concreta e à luz do interesse do empregador. Por último,

os danos têm de ser típicos, a atuação do trabalhador deverá acarretar

consequências que não estariam tuteladas pela mora nem pelo

incumprimento definitivo. O fundamento legal do cumprimento defeituoso

da atividade laboral encontra-se no artigo 128.º, alíneas b) e c) CT, onde se

impõe ao trabalhador o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e

pontualidade e realizar o trabalho com zelo e diligência. A assiduidade e o

zelo relacionam-se ambos com a diligência na execução da atividade. Se o

trabalhador efetua a atividade com falta de diligência há um cumprimento

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imperfeito do seu dever principal. A falta de assiduidade implica que o

trabalhador não comparece diariamente ao serviço ou chega atrasado com

habitualidade. Não se está perante a situação de uma única falta injustificada;

só se pode falar em falta de assiduidade se houver alguma continuidade, o

que não implica que tenham de ser faltas ou atrasos seguidos; basta que num

determinado período (normalmente num ano civil), o trabalhador, por

diversas vezes, tenha faltado ou chegado atrasado. Se se estiver perante uma

falta injustificada poder-se-á qualifica-la como mora ou incumprimento

definitivo parcial, nos termos referidos anteriormente. Porém, a falta de

assiduidade, pela sua repetição, leva à perda de confiança e, nesse caso, vista

a relação laboral no seu todo, há que encarar a atuação do trabalhador como

um cumprimento defeituoso. Mais uma vez, importa reiterar que a não

realização da atividade em certo dia não implica, por via de regra, uma

impossibilidade de cumprimento, entendimento que corresponderia a uma

visão parcelar da relação laboral, como um somatório de dias de trabalho,

quando, na realidade, ela deve ser vista numa perspetiva de conjunto. Na

realização da atividade com falta de zelo há igualmente uma situação de perda

de confiança, conformando esta atuação um cumprimento defeituoso por

parte do trabalhador. A falta de diligência é uma fórmula ampla onde se

incluem diversas falhas na realização da atividade laboral, em especial

relacionadas com o modo de prestar o trabalho. A propósito, resta relembrar

que o cumprimento defeituoso, como qualquer outra forma de não

cumprimento, funda-se na presunção de culpa do artigo 799.º CC. Porém, o

defeito terá de ser provado por quem o invoca, nos termos gerais do artigo

342.º, n.º1 CC; ou seja, cabe ao empregador provar que o trabalhador

desempenhou defeituosamente a atividade. Perante o cumprimento

defeituoso por parte de trabalhador cabe, em primeiro lugar, ao empregador

o direito de licitamente recusar a prestação desconforme. Relativamente a

atrasos injustificados do trabalhador, determina-se no artigo 256.º, n.º3 CT

que o empregador pode recusar-se a aceitar a presunção laboral, daí

decorrendo uma falta injustificada. Depois de realizada a prestação defeituosa,

o empregador poderá exigir, sendo isso possível, que o trabalhador, a

expensas suas, corrija o defeito ou realize nova prestação. Se o trabalhador,

fora do horário de trabalho, que não corresponde necessariamente a trabalho

suplementar (artigo 226.º, n.º3, alínea c) CT), vier a corrigir o defeito ou a

realizar outra prestação, a falta ficou sanada. Em caso de cumprimento

defeituoso, ao empregador é-lhe também facultado o recurso à exceção de

não cumprimento, que corresponderia a uma redução da retribuição; todavia,

não havendo recusa da prestação, como as situações geradoras de

cumprimento defeituoso não permitem a aplicação do regime das faltas, que

determina perda da retribuição, só seria admissível a exceção nos limites do

artigo 279.º CT. A exceção de não cumprimento por parte do empregador

está condicionada pelo princípio da irredutibilidade salarial. O legislador

rodeou de especiais cautelas a efetividade da remuneração, limitando,

designadamente, a possibilidade de se proceder à cessão, compensação e

penhora do salário (artigos 279.º e 280.º CT). Deste modo, o deficiente

cumprimento da prestação laboral não permite que o empregador proceda a

um desconto na remuneração, exceto nos termos do disposto no artigo 279.º,

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n.º2, alínea b) CT. Se o trabalhador, pela sua atuação, causar um prejuízo ao

empregador, só depois da indemnização se encontrar liquidada por decisão

judicial é que o seu valor pode ser descontado no salário, com os limites

constantes do artigo 279.º, n.º3 CT. O cumprimento defeituoso da atividade

laboral por parte do trabalhador é fonte de responsabilidade civil contratual,

podendo dar azo a um dever de indemnizar, bem como à resolução do

contrato, quando se integre numa justa causa de despedimento, situação que

ocorre, nomeadamente, nas hipóteses previstas nas alíneas d), e), h) e m) do

n.º2 do artigo 351.º CT; nestes casos, estar-se-á perante um cumprimento

defeituoso por parte do trabalhador. Ou seja, dos doze exemplos de situações

de justa causa de despedimento, quatro derivam de cumprimento defeituoso

da prestação laboral.

Prescrição: a prescrição de créditos laborais associa-se normalmente com a retribuição –

razão pela qual a matéria já foi referida no semestre anterior –, mas o regime especial de

prescrição estabelecido em sede laboral não se circunscreve ao crédito retributivo. A

prescrição foi estabelecida no artigo 337.º CT com caráter bilateral, valendo para ambas as

partes; tanto o trabalhador como o empregador estão sujeitos a um prazo de prescrição de

um ano para fazerem valer os respetivos direitos emergentes do contrato de trabalho. Esta

ideia, já defensável no âmbito da legislação anterior, tem maior justificação atendendo ao

elemento sistemático: a prescrição surgiu no Código do Trabalho autonomizada da

retribuição, em secção própria. A aplicação do regime prescricional, constante do artigo 337.º

CT, aos direitos do trabalhador e do empregador, decorre do texto da lei, mas não encontra

a mesma justificação quando está em causa um crédito do empregador, sobre o qual não

incide a mesma pressão psicológica; todavia, seria inadequado estabelecer prazos distintos,

que obstariam à aplicação do regime da compensação. Como já se mencionou, em sede

laboral foi consagrado um regime excecional de prescrição, diferente do regime comum,

estabelecido no Código Civil, que só vale no estrito âmbito de aplicação previsto na norma.

Por isso, nem todos os créditos do trabalhador ou do empregador estão sujeitos a este regime

excecional de prescrição. Quanto à prescrição do créditos resultantes do contrato de trabalho,

em que se inclui a retribuição e outros direitos emergentes do vínculo laboral, o artigo 337.º

CT afasta-se do regime instituído no Código Civil (artigos 300.º e seguintes CC), sob dois

aspetos, subdividindo-se o segundo em duas vertentes:

1. No artigo 337.º, n.º1 CT estabeleceu-se um prazo de prescrição de um ano. Tal

prazo não é conhecido no Código Civil.

2. Determinou-se que o prazo de prescrição começa a correr a partir do dia

seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, independentemente da

causa de cessação (caducidade, revogação ou resolução). A extinção do vínculo

deve entender-se em sentido factual, abrangendo a hipótese de despedimento ilícito.

Esta regra – justificada pelo facto de, na pendência da relação laboral, o trabalhador

poder encontrar-se constrangido a intentar uma ação judicial contra o empregador –

implica duas alterações em relação ao regime do Direito Civil:

a. Nos termos do artigo 306.º CC, por via de regra, a prescrição tem início

com o vencimento da obrigação, enquanto nos créditos resultantes da

retribuição ou de outra prestação devida pela execução do contrato de

trabalho, o início da prescrição relaciona-se com o termo do contrato.

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b. Nesta sequência, a prescrição não corre durante a vigência do contrato

de trabalho. Trata-se, no fundo, de uma suspensão da prescrição, tal como

vem previsto no artigo 318.º, alínea e) CC, apresentada com outras vestes

jurídicas.

Apesar de o regime da prescrição ser idêntico, independentemente do tipo de crédito,

determinados direitos do trabalhador, desde que vencidos há mais de cinco anos (5

anos) têm de ser provados por documento idóneo (artigo 337.º, n.º2 CT).

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IX – Acidentes de Trabalho

Aspetos gerais:

1. Ideia geral e evolução: a matéria dos acidentes de trabalho, na prática, ocupa talvez

50% das questões juslaborais suscitadas. A disciplina jurídica dos acidentes de

trabalho apresenta alguma especificidade com respeito às regras gerais da

responsabilidade civil aquiliana, constantes dos artigos 483.º e seguintes CC. Trata-

se, tão-só, de especificidades, porque a responsabilidade emergente de acidentes de

trabalho assenta nos pressupostos básicos da responsabilidade civil extracontratual.

Porém, atentas as particularidades, justifica-se o estudo desta matéria. Com efeito,

sendo o Direito do Trabalho Direito Privado especial, cabe aludir às especificidades

de regime, em particular, com respeito ao Direito comum que é, em grande parte, o

Direito das Obrigações. Do ponto de vista legislativo, a responsabilidade civil

objetiva emergente de acidentes de trabalho terá surgido na Alemanha, com a lei de

6 de julho 1884. Em Portugal, a primeira regulamentação aparece com a Lei n.º 83,

24 julho 1913, em que se estabelecia uma responsabilidade sem culpa, em particular,

quando os acidentes eram causados por máquinas, mas não abrangia as doenças

profissionais. Atualmente, desde 1 janeiro 2010, vigora a Lei n.º 98/2009, 4 setembro

(Lei dos Acidentes de Trabalho, LAT), que, com pequenas adaptações e resolução

de dúvidas, manteve quase inalterado o regime até então vigente. Nos termos da

legislação referida, vigora, com respeito aos acidentes de trabalho, um regime de

responsabilidade civil objetiva, pelo risco. Só que, contrariamente ao estabelecido no

Código Civil em termos de responsabilidade civil objetiva (artigos 499.º e seguintes

CC), em que, por via de regra, se determinam limites máximos do montante

indemnizatório, em sede de acidentes de trabalho os limites são determinados pela

tipificação dos danos – na Tabela Nacional de Incapacidades – e pelo

estabelecimento de regras para o apuramento da indemnização. Á proteção derivada

de acidente de trabalho ou doença profissional, após a revisão de 1997, foi conferida

dignidade constitucional. De facto, no artigo 59.º, n.º1 CRP acrescentou-se a alínea

f), nos termos da qual todos os trabalhadores têm direito a assistência e justa

reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Para

além dos diplomas referidos, importa tem em conta regras jurídicas provenientes de

fontes externas, em especial, convenções da OIR. Quanto às fontes externas em geral

há a referir a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 25.º), o Pacto

Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 7.º) e a Carta

Social Europeia (artigo 3.º). Relativamente às Convenções da OIT é de indicar a

Convenção n.º12, 1921, a Convenção n.º 17, de 1925 e a Convenção n.º 155, de 1981,

todas ratificadas por Portugal. Sobre este ponto é igualmente de aludir à Convenção

OIT n.º 121, de 1964, modificada em 1980, mas que não foi ratificada por Portugal.

Ainda com respeito às fontes externas cabe mencionar o Direito Comunitário, com

várias diretivas sobre segurança e saúde no trabalho.

2. Acidente de trabalho e doença profissional: no ordenamento jurídico português,

os acidentes de trabalho não se encontram integrados no sistema de proteção da

segurança social; solução que parece inteiramente correta. Há uma diferença entre a

proteção concedida ao trabalhador em caso de acidente de trabalho e a Segurança

Social. Como é sabido, a Segurança Social sofre de dois problemas graves:

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a. Excessiva burocratização, que não existe nos mesmos moldes num

esquema de seguro privado;

b. A sua falência económica.

A estes motivos acresce que o setor segurador passaria por graves dificuldades caso

se procedesse à mencionada transferência, derivado do peso significativo do ramo

acidentes de trabalho. Razões pelas quais, hoje, a tendência aponta no sentido de se

aliviar a segurança social de algumas das suas tarefas, transferindo-as para entidades

privadas, em princípio seguradoras. Tendo isto em conta, o legislador acabou por

não concretizar a substituição prometida, mantendo-se, quanto aos acidentes de

trabalho, o regime indemnizatório de Direito Privado, previsto na Lei dos Acidentes

de Trabalho. Mas esta conclusão vale somente para os acidentes de trabalho e não

quanto às doenças profissionais. Progressivamente, a partir de 1962, a

responsabilidade pelas doenças profissionais foi sendo transferida das entidades

patronais para a, então previdência social. Em 1981 as doenças profissionais foram

integradas num sistema de proteção público (Segurança Social), concretamente a

Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (substituída pelo Centro

Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais). Estando o regime fora do

domínio privado, não cabe neste estudo aludir às questões que lhe são inerentes.

Assim sendo, vai proceder-se unicamente ao estudo dos acidentes de trabalho, pois

só estes se encontram no âmbito do Direito Privado, sabendo-se que, contudo,

algumas das regras válidas neste regime continuam a encontrar aplicação em sede de

doenças profissionais. O acidente de trabalho pressupõe que seja súbito o seu

aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e

deriva de fatores exteriores. O acidente de trabalho é, normalmente, causa de uma

lesão corporal, física ou psíquica; mas, em determinados casos, pode estar na origem

de uma doença. Por seu turno, as doenças profissionais, que se encontram reguladas

nos artigos 93.º e seguintes LAT, resultam do exercício de uma atividade profissional.

Daí que, por via de regra, a doença profissional é de produção lenta e progressiva

surgindo de modo impercetível. Como afirma Emygdio da Silva,

«a doença profissional infiltra-se com insídia, mas não é facilmente reconhecida desde

logo».

Nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, para efeitos indemnizatórios, só se

consideram doenças profissionais as que constam de uma lista periodicamente

atualizada (artigo 94.º, n.º2 LAT e artigo 283.º, n.º2 e 3 CT). Posto isto, importa

estabelecer a seguinte distinção:

a. Doenças profissionais em sentido amplo: abrangem

i. Doenças profissionais em sentido restrito: as que constam da lista de doenças

profissionais (artigos 283.º, n.º2 CT e 94.º, n.º1 CT);

ii. Doenças de trabalho: são igualmente doenças profissionais, por

resultarem do exercício de uma atividade profissional, mas apesar de

não constarem da lista referida, são ainda assim ressarcíveis (artigos

283.º, n.º3 CT e 94.º, n.º2 LAT).

A responsabilidade derivada de doenças profissionais tem vindo, progressivamente,

a ser transferida de instituições privadas para instituições públicas; ou seja, foi

deixando de estar na órbita de imputabilidade dos empregadores e respetivas

seguradoras, passando para o setor público. Não obstante a figura das doenças

profissionais andar associada com a dos acidentes de trabalho, a sua forma de

ressarcimento esquadra-se em parâmetros diferentes, de Direito Público.

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3. Prevenção do acidente; regras de segurança no trabalho: a Lei dos Acidentes de

Trabalho, bem como os diplomas que a regulamentam, preocupam-se em disciplinar

dois aspetos:

a. A prevenção do acidente de trabalho: constitui um dever humanitário e

apresenta vantagens económicas para a empresa e respetiva seguradora –

com base na máxima mais vale prevenir do que remediar –, bem como para a

comunidade em geral. Para a prevenção do acidente de trabalho podem

intervir várias entidades com funções diversificadas.

i. A profilaxia do acidente de trabalho é uma incumbência do Estado: sobre o

Governo impende o dever de decretar medidas de segurança que,

postas em prática, evitem a ocorrência de acidentes. No que respeita

ao estabelecimento de regras de segurança no trabalho é de referir o

regime constante dos artigos 281.º e seguintes CT e o disposto na Lei

n.º 102/2009, 10 novembro;

ii. Ao Estado incumbe fiscalizar o cumprimento de tais regras: importa salientar

que as regras de segurança não têm só como destinatários os

empregadores, pois elas destinam-se também a ser cumpridas pelos

trabalhadores (artigo 17.º Lei n.º102/2009). O Estado tem

organismos competentes, em particular a Autoridade para as

Condições de Trabalho, para fiscalizar o cumprimento das regras de

Direito do Trabalho, entre as quais as que respeitam à prevenção de

acidentes.

1. Relacionado com a fiscalização, cabe aludir à punição de infrações às

regras de prevenção: além das contraordenações laborais

desenvolvidas e concretizadas na Lei n.º 107/2009, 14

setembro, com respeito a vários diplomas sobre proteção da

segurança e saúde dos trabalhadores, no artigo 152.º, n.º3 CP

foi estabelecido um crime de perigo comum por infração a

regras de segurança no trabalho;

iii. À fiscalização estadual, acresce que o cumprimento das regras de segurança e

saúde no trabalho pode igualmente ser verificado por parte das comissões de

trabalhadores e dos delegados singdicais, nos termos gerais, por representantes dos

trabalhadores (artigo 223.º Lei n.º102/2009), bem como dos serviços de

segurança e saúde no trabalho organizados pelo empregador (artigos 73.º e

seguintes Lei n.º 102/2009).

iv. A lei ainda admite que os empregadores possam estabelecer outras regras de

segurança para além daquelas que constam de diplomas legais: dentro da sua

empresa, tendo em conta o dever e proteger o trabalhador, cabe ao

empregador fixar regras mais pormenorizadas e concretas em função

da atividade desenvolvida. Essas normas internas não podem dispor

contra o que vem determinado em diplomas legais, mas servem para

desenvolver e concretizar as regras de segurança legais, atentas as

especificidades da atividade desenvolvida na empresa. As normas

internas de prevenção do acidente podem constar de regulamento de

empresa, de ordens de serviço ou de simples avisos afixados na

empresa e são vinculativas para os trabalhadores.

Na prevenção do acidente de trabalho deve igualmente ter-se em conta a

minimização dos seus efeitos. Pretende-se, não só evitar a verificação do

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acidente, como minimizar os respetivos efeitos. Daí a obrigação imposta aos

empregadores de manterem serviços de segurança e saúde no trabalho;

serviços internos, interempresas ou externos, que se relacionam com a

dimensão da empresa, nos termos prescritos nos artigos 73.º e seguintes Lei

n.º102/2009.

b. A reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.

Responsabilidade civil objetiva e subjetiva:

1. Generalidades:

a. Responsabilidade aquiliana comum: inicialmente, a figura dos acidentes

de trabalho não apresentava qualquer autonomia, pois estava integrada no

regime comum da responsabilidade civil extracontratual; era o que ocorria no

domínio do Código Civil de 1867 e legislação subsequente. Caberia ao

trabalhador lesado a prova dos factos constitutivos da responsabilidade

aquiliana, sendo, em muitos casos, particularmente difícil demonstrar a

existência de culpa por parte do empregador. Na realidade, o trabalhador,

sendo por via de regra a parte fraca na relação jurídica, teria dificuldade em

carrear elementos para provar a culpa do empregador, em especial em relação

à prova testemunhal a efetuar por colegas de trabalho. Na segunda metade

do século XX, a introdução da máquina no processo de laboração levou a

um aumento significativo dos acidentes de trabalho e um consequente

agravamento do risco na realização da atividade. A isto acrescia ainda o facto

de ser mais difícil a prova da culpa do empregador no caso de o acidente ter

sido causado por uma máquina; por um lado em que o mau funcionamento

do maquinismo não era facilmente provado, em particular por quem carecia

de conhecimentos técnicos e, por outro, porque seria difícil imputar a culpa

do mau funcionamento da máquina ao empregador que a tinha adquirido de

um terceiro. Em conclusão, proliferam os acidentes de trabalho e os lesados

não conseguiam obter qualquer indemnização.

b. Responsabilidade com culpa presumida: pensou-se em alterar esta

situação através da inserção do ónus da prova da culpa, por duas vias:

i. Conduzir os acidentes de trabalho ao regime da responsabilidade contratual;

ii. Admitir uma exceção no regime da responsabilidade aquiliana, estabelecendo uma

presunção de culpa.

Mas esta conceção assenta num vício: de que o acidente de trabalho resulta

do incumprimento de uma obrigação emergente do contrato de trabalho. E,

por outro lado, mesmo que se pudesse relacionar o acidente de trabalho com

o não cumprimento de deveres contratuais, o dano corporal causado ao

trabalhador, em princípio, estaria fora do domínio de proteção do contrato.

A responsabilidade contratual visa tão-só ressarcir os danos típicos que se

incluem no domínio de proteção do negócio jurídico em causa. Por isso,

sendo causados danos corporais à contraparte, não estando a proteção da

pessoa do contraente incluída no objeto do contrato, tais danos estarão fora

do domínio típico de proteção desse contrato. Não estando os danos

abrangidos no domínio da proteção contratual, só poderão ser ressarcidos

pela via da responsabilidade extracontratual. Esta é a conclusão a que se pode

chegar em sede de acidentes de trabalho. Assim sendo, admitir a presunção

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de culpa do empregador com base na aplicação do regime da

responsabilidade contratual não parece, do ponto de vista concetual, o

melhor caminho. A solução seria, pois, considerando a responsabilidade

emergente de acidentes de trabalho como extracontratual, admitir, nesta sede,

exceções à regra geral de a prova da culpa incumbir ao lesado (artigo 487.º,

n.º2 CC). Este seria um caminho ao qual não haveria objeções concetuais a

opor e resolveria alguns dos problemas que poderiam surgir derivados da

dificuldade da prova da culpa do empregador por parte do trabalhador lesado.

Acontece, porém, que, mesmo com recurso à culpa presumida do

empregador, ficavam em alguns casos os danos emergentes de acidentes de

trabalho por ressarcir, na medida em que a presunção era ilidível.

c. Responsabilidade objetiva: para, de algum modo, pôr cobro a estas

situações, em especial quando implicavam uma clamorosa injustiça para os

trabalhadores lesados que, por via da responsabilidade civil delitual, não

podiam ser ressarcidos, veio a admitir-se uma terceira via: a da

responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil objetiva, sem culpa,

tem o seu aparecimento relacionado com o ressarcimento dos danos

causados por acidentes de trabalho. A responsabilidade objetiva surge como

exceção à responsabilidade civil extracontratual tendo em vista resolver o

problema pontual dos acidentes de trabalho. Mais tarde, esta exceção foi

alargada a outras figuras, como os acidentes de viação e, mais recentemente,

a responsabilidade do produtor. Mas, de facto, foi para os acidentes de

trabalho que se pensou na criação de uma figura de responsabilidade civil

extracontratual sem culpa. Principalmente a partir da introdução da máquina

no processo produtivo, na medida em que esta aumentou o perigo de

sinistros e, na realidade, levou a um incremento de acidentes de trabalho. De

certo modo, esta ideia ainda hoje se encontra patente na Lei, quando o artigo

16.º, n.º2 Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) não se permite a exclusão da

reparação derivada de acidente de trabalho se este se tiver ficado a dever a

utilização de máquinas e de outros equipamentos de especial perigosidade. A

responsabilidade objetiva surge, assim, associada à periculosidade. O

fundamento da responsabilidade civil objetiva pode estar associado à teoria

do risco, em particular, no que respeita aos acidentes de trabalho, ao risco

profissional. Nestes termos, se a atividade profissional desenvolvida tinha,

em potência, um risco, bastava demonstrar que o acidente de trabalho

ocorrido se encontrava na órbita desse risco para que fosse devida a respetiva

indemnização. Seria, todavia, necessário demonstrar que o acidente era causa

normal do risco próprio daquela atividade. O empregador seria responsável

pelos danos causados aos trabalhadores pelo risco próprio da atividade por

estes desenvolvida, porque poderia retirar as vantagens dessa mesma

atividade; ou seja, ubi commoda ibi incommoda: atribui-se o risco a quem tem os

benefícios. A responsabilidade objetiva, para além da periculosidade, anda

associada à existência de benefícios, daí que, por exemplo, no artigo 16.º, n.º1

LAT se estabeleça que não é possível excluir do âmbito da lei as situações em

que haja exploração lucrativa. Depois de uma primeira justificação assente

tão-só no risco profissional, em alterações legislativas, denota-se que a

responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho também encontra

justificação no risco de integração empresarial, em que a inclusão de

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trabalhador na estrutura da empresa do empregador, sujeitando-o à

autoridade deste, constitui base de um alargamento desta responsabilidade

civil. No risco empresarial estariam igualmente abrangidas causas indiretas do

dano; ou, dito de outro modo, assentar-se-ia numa noção ampla de acidente

de trabalho. Nos termos do artigo 9.º, n.º1, alínea a) LAT, consideram-se

acidentes de trabalho aqueles que ocorram quando o trabalhador se desloca

no trajeto de ida e de regresso para o local de trabalho. Em tais casos, não se

pode considerar que a responsabilidade assente no risco de exercício da

atividade. O alargamento do conceito de acidente de trabalho permite que se

aluda a uma tendência de socialização do risco. Cabe, pois, concluir que a

responsabilidade objetiva emergente de acidentes de trabalho, não obstante

assentar no risco profissional, em certos casos tem sido alargada com base na

ideia de risco empresarial, também designado risco de autoridade. Trata-se

do risco de ter trabalhadores, que não deriva só da atividade desenvolvida.

Por último, apesar de os acidentes de trabalho serem ressarcidos no âmbito

do Direito Privado, o seu alargamento também se fica a dever a uma

específica socialização do risco (v.g., artigo 9.º, n.º1, alínea g) LAT). Cabe,

pois, concluir que a responsabilidade objetiva emergente de acidentes de

trabalho, não obstante assentar no risco profissional,, em certos casos tem

sido alargada com base na ideia de risco empresarial, também designado risco

de autoridade. Trata-se do risco de ter trabalhadores, que não deriva só da

atividade desenvolvida. Por último, apesar de os acidentes de trabalho serem

ressarcidos no âmbito do Direito Privado, o seu alargamento também se fica

a dever a uma específica socialização do risco. Mesmo quando a

responsabilidade objetiva assenta num pressuposto de risco empresarial ou

de socialização do risco, não está afastado o regime regra da responsabilidade

aquiliana; sendo uma responsabilidade civil pelo risco é necessário configurar

esse risco para responsabilizar o empregador. A responsabilidade civil

objetiva por acidentes de trabalho, não obstante consistir num ius singulare,

continua a assentar nos pressupostos básicos da responsabilidade civil

aquiliana (ius commune), cujas regras, quando não sejam especialmente

afastadas, encontram aplicação. Trata-se de um tipo de responsabilidade civil

em que a culpa não faz parte dos seus requisitos, mantendo-se, com as

necessárias adaptações, o esquema geral da responsabilidade aquiliana. É esta

a conclusão que se retira do disposto no Código Civil, em particular no artigo

499.º CC. Pode questionar-se, em termos de acidentes de trabalho, o regime

regra é o mesmo ou se, pelo contrário, com base num princípio de risco

empresarial e até de socialização do risco, os danos podem ser ressarcidos

segundo padrões diversos dos da responsabilidade civil. Admitir-se-ia, então,

que a reparação seria devida independentemente do risco da atividade ou da

empresa e dos demais pressupostos da responsabilidade civil. Com o

estabelecimento da responsabilidade civil objetiva não se pretende afastar a

aplicação das regras da responsabilidade civil subjetiva, sempre que haja culpa

do responsável. O legislador, na LAT, apesar de só fazer alusão à

responsabilidade civil subjetiva no artigo 18.º LAT, não afasta a sua aplicação

em termos gerais se houver culpa do empregador. A responsabilidade civil

objetiva do empregador foi estabelecida na lei de forma limitada, de certo

modo à imagem do que ocorre em sede de responsabilidade civil objetiva no

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Código Civil, onde, em certos casos, se estabeleceram limites máximos no

montante indemnizatório, por exemplo, com respeito aos acidentes de viação

no artigo 508.º CC: Só que a responsabilidade civil subjetiva por acidentes de

trabalho assenta numa conceção diferente:

i. A responsabilidade civil subjetiva por acidentes de trabalho não é ilimitada, mas

o limite é fixado com base em dois aspetos:

1. Na noção legal de acidente de trabalho, que é delimitada pelo legislador;

2. A reparação só abrange as despesas respeitantes ao restabelecimento do

estado de saúde, à recuperação da capacidade de trabalho e de ganho e,

em caso de incapacidade ou de morte, indemnizações correspondentes à

redução da capacidade, subsídios de readaptação, pensões aos familiares

e despesas de funeral.

Na Lei dos Acidentes de Trabalho, em vez de se estabelecer um montante

máximo da indemnização, delimitou-se o conceito de acidente de trabalho e

fixaram-se os danos ressarcíveis. Não estão, assim, cobertos outros danos

patrimoniais para além dos indicados no artigo 23.º LAT. Não são igualmente

indemnizáveis os danos não patrimoniais, pois tais prejuízos não fazem parte

do elenco constante do artigo 23.º LAT. Neste ponto também o regime desta

lei difere do que foi instituído no Código Civil, onde a responsabilidade

objetiva cobre os danos não patrimoniais.

d. Agravamento da responsabilidade: havendo culpa do empregador ou do

seu representante na ocorrência do acidente de trabalho, determinada nos

termos gerais, pode questionar-se da aplicação das regras comuns da

responsabilidade civil subjetiva. Deste regime resultaria que, havendo culpa

do empregador, este responderia nos termos gerais dos artigos 483.º e

seguintes CC; sendo a culpa do representante da entidade patronal – situação

mais comum – o representante seria responsável nos termos comuns (artigos

483.º e seguintes CC) e sobre o empregador impenderia uma

responsabilidade objetiva, na qualidade comitente, como dispõe o artigo

500.º CC. Nesta última hipótese, o empregador e o seu representante

responderiam solidariamente pelos danos causados ao trabalhador (artigo

497.º CC). As dúvidas quanto à aplicação do regime geral da responsabilidade

civil advêm do disposto no artigo 18.º LAT. Do artigo 18.º LAT, que alude à

atuação culposa do empregador, poder-se-ia concluir que, em caso de culpa

do empregador, haveria tão-só, por um lado, um agravamento da

indemnização e, por outro, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.

Esta interpretação tinha particular relevo relacionando o preceito em causa

com a noção de acidente de trabalho (artigo 8.º LAT), que subsiste no regime

vigente. Perante esta interpretação caberia perguntar se o legislador, na

hipótese de culpa do empregador, pretenderia excluir a indemnização por

outros danos não patrimoniais não previstos na lei. Perante esta interpretação

caberia perguntar se o legislador, na hipótese de culpa do empregador,

pretenderia excluir a indemnização por outros danos patrimoniais não

previstos na lei. Como se estabelecia só um agravamento da obrigação de

reparar, não era aumentado o elenco dos danos, que continuavam a ser os

fixados no artigo 23.º LAT e ficariam, assim, excluídos os restantes danos

patrimoniais. E estes últimos podem ser de importância considerável. Da

formulação atual do artigo 18.º LAT, pode concluir-se que, em caso de culpa

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do empregador, são indemnizáveis todos esses danos. A segunda dúvida que

o artigo 18.º LAT (nas versões anteriores à atual da Lei) suscitava

relacionavam-se com o facto de saber se o agravamento nele estabelecido

prescinde da determinação do montante do dano e da existência de nexo

causal. No preceito em análise dizia-se simplesmente que as prestações fixar-

se-ão, pelo que se poderia concluir no sentido de ser devida a indemnização

mesmo que o dano fosse de valor inferior. Assim, se o dano sofrido pelo

trabalhador, atenta as regras de fixação da indemnização, for ressarcido por

um determinado montante, em caso de culpa do empregador, acrescia a esse

valor o agravamento determinado nos termos do artigo 18.º LAT. Pareceria

que o legislador teria querido, havendo culpa do empregador, puni-lo,

pagando mais do que seria devido em razão do dano causado; ou seja, em tal

caso, a indemnização não teria somente um fim ressarcitório do dano,

estando nela incluída uma punição. A questão do nexo causal estaria

associada com este aspeto: sendo o agravamento devido como punição, não

haveria que apurar o nexo causal, pois, nesse ponto, ele não existiria. Não era

esse o sentido que se preconizava quanto ao preceito e, hoje, o artigo 18.º

LAT segue esse entendimento. De facto, com este agravamento pretende-se,

sim, ressarcir todo o dano, sem limite, diferentemente do que ocorre quando

não há culpa do empregador, em que a indemnização é fixada com base em

critérios percentuais (artigo 48.º LAT). Por isso se afirma que a indemnização

abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos

pelo trabalhador. Assim sendo, não havendo culpa do empregador, a

indemnização só cobre uma percentagem do dano sofrido pelo trabalhador;

em caso de culpa do empregador, o prejuízo (indemnizável) é ressarcido na

íntegra. Ainda quanto à questão de saber se em caso de culpa do empregador

não seriam ressarcidos outros danos, para além dos previstos na LAT, à

exceção do agravamento constante do artigo 18.º LAT, parece que não se

pretendeu resolver os problemas derivados da responsabilidade civil

subjetiva do empregador. Na realidade, a Lei dos Acidentes de Trabalho, na

sequência das que a precederam, pretendeu instituir uma responsabilidade

objetiva, sem, todavia, excluir as regras gerais da responsabilidade aquiliana,

para onde remete a parte final do n.º1 do artigo 18.º LAT. Deste modo, estão

preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está

vedado ao trabalhador a possibilidade de ser ressarcido nos termos gerais,

designadamente no que respeita a danos não cobertos pela Lei dos Acidentes

de Trabalho. Caso o trabalhador recorra ao regime geral da responsabilidade

civil subjetiva, a reparação não poderá ser efetuada nos termos fixados na Lei

dos Acidentes de Trabalho, não estando, nomeadamente coberta pelo seguro

obrigatório. Nesse caso, valem as regras gerais, nomeadamente os artigos

562.º e seguintes CC, quanto ao apuramento da indemnização.

e. Responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho e

autonomia privada: o recurso à responsabilidade civil comum para os danos

não cobertos nesta lei enquadra-se na autonomia privada, desde que se

encontrem preenchidos os pressupostos daquela responsabilidade. Mas os

danos constantes do elenco do regime da responsabilidade por acidentes de

trabalho serão obrigatoriamente ressarcidos nos termos desse regime; a

autonomia privada só confere liberdade de atuação nos termos comuns da

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responsabilidade civil com respeito aos danos não abrangidos na Lei dos

Acidentes de Trabalho. Nos termos do artigo 12.º, n.º1 LAT, é nula a

convenção contrária aos direitos ou garantias do trabalhador estabelecidas

para o caso de acidente de trabalho e doença profissional. São igualmente

nulos os atos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos ao

trabalhador acidentado (artigo 12.º, n.º2 LAT). O agravamento da

responsabilidade, ainda que não consagrado na lei com permitido, continua

a valer por via do princípio da liberdade contratual. Do disposto no artigo

12.º LAT parece poder deduzir-se que nada obsta quanto a ser acordado um

agravamento de tal responsabilidade; será, pois, válido um regime

convencional que exceda os limites legais, designadamente admitindo uma

indemnização fixada por parâmetros mais elevados do que a retribuição ou

abrangendo outros danos, como os lucros cessantes. Naquilo que o acordo

das partes exceda o regime estabelecido em termos de acidentes de trabalho

não se aplica o disposto na lei em apreço, devendo o trabalhador recorrer às

regras gerais da responsabilidade civil. Deste modo, o regime estatuído para

os acidentes de trabalho, que é imperativo, só pretende fixar as reparações

expressamente nele previstas; no demais, querendo o trabalhador ver

ressarcidos outros danos, encontra aplicação o regime comum da

responsabilidade aquiliana.

2. Facto gerador da responsabilidade; acidente de trabalho:

a. Aspetos gerais: um dos pressupostos básicos para a existência de

responsabilidade civil é o facto, que, no plano da responsabilidade delitual,

terá de ser um facto humano. Com respeito à responsabilidade objetiva, o

facto humano como requisito perde sentido. O facto humano, pressuposto

da responsabilidade civil delitual, poderá, na responsabilidade sem culpa, ser

substituído por uma situação jurídica objetiva que esteve na origem do dano.

Na realidade, como o facto gerador da responsabilidade não se baseia numa

atuação culposa e ilícita, basta que se identifique uma situação geradora de

danos. Na responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, o facto

gerador nem sempre corresponderá a uma conduta humana; sendo a

responsabilidade objetiva, o que desencadeia o dano é o acidente de trabalho.

Pode, assim, concluir-se que o facto gerador da responsabilidade objetiva do

empregador é o acidente de trabalho. Importa, por conseguinte, apresentar

uma noção de acidente de trabalho; para tal, deve partir-se do conceito

constante do artigo 8.º, n.º1 LAT. O legislador relaciona esta infortúnio com

o local e o tempo de trabalho, por um lado, e com a produção direta ou

indireta de lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças de que

resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, por

outro. É esta delimitação negativa constante da parte final do preceito que

justificava os entraves à aplicação do regime geral da responsabilidade civil,

como se indiciou anteriormente. O acidente de trabalho corresponde a uma

determinada situação jurídica, legalmente delimitada e geradora de

responsabilidade do empregador; a responsabilidade civil objetiva da

entidade patronal – bem como a situação especial de responsabilidade

baseada na culpa, prevista no artigo 18.º LAT – tem como único facto

gerador o acidente de trabalho, e só é acidente de trabalho aquele infortúnio

que corresponda à definição legal. Por outro lado, como decorre do artigo

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20.º LAT, são unicamente ressarcíveis em sede de responsabilidade por

acidentes de trabalho os danos constantes da Tabela Nacional de

Incapacidades (Decreto-Lei n.º 352/2007, 23 outubro).

b. Danos típicos: tendo em conta estes dados e o conceito do artigo 8.º LAT,

parece poder concluir-se que o legislador caracteriza o acidente de trabalho

em função dos danos. Assim, numa primeira delimitação do conceito de

acidente de trabalho, que não parece correta, este infortúnio corresponde ao

sinistro que causar algum dos danos taxativamente indicados na Tabela

Nacional de Incapacidades, nos termos previstos nos artigos 23.º e seguintes

LAT. Mas qualificar o acidente em função do dano causado implica uma

inversão concetual: o facto gerador não pode ser definido atendendo à

consequência. Nestes termos, a parte final do n.º1 do artigo 8.º LAT, ao

pretender definir o acidente de trabalho em função dos danos causados, tem

de ser corrigida por via interpretativa. Com esta referência, o legislador

pretendeu esclarecer que na responsabilidade emergente de acidentes de

trabalho os danos são típicos; não é que o prejuízo conforme a noção do

facto gerador da responsabilidade, mas como o dano corresponde a um dos

requisitos da responsabilidade, sendo eles típicos, fica delimitado o âmbito

do instituto.

c. Determinação do lesado:

i. Trabalhador dependente: na delimitação do conceito de acidente de

trabalho é relevante a determinação do lesado. Nos termos do artigo

3.º, n.º1 LAT, o lesado será um trabalhador, por conta de outrem, tal

como vem estabelecido no artigo 11.º CT. E tanto pode ser um

trabalhador português que desenvolva a sua atividade em Portugal,

como um trabalhador estrangeiro que preste serviço em Portugal

(artigo 5.º LAT) e ainda um trabalhador português (ou estrangeiro)

residente em Portugal, ao serviço de uma empresa portuguesa, que

trabalhe no estrangeiro (artigo 6.º LAT). Para efeitos de acidente de

trabalho não é sequer necessário que o lesado seja parte num contrato

de trabalho válido. Mesmo na hipótese de o contrato ser inválido, tal

como dispõe o artigo 122.º CT, basta que o trabalhador tenha

desenvolvido a sua atividade para que os efeitos emergentes da

relação laboral se produzam como se ela fosse válida; entre esses

efeitos incluem-se os relativos à responsabilidade do empregador por

acidentes de trabalho. De igual modo, apesar de ter havido suspensão

do contrato de trabalho com base em fundamento relacionado com

o empregador, como no caso de suspensão preventiva nos termos do

artigo 354.º CT, se ocorre um sinistro relacionado com o contrato de

trabalho é de qualificar como acidente de trabalho. Em princípio,

uma empresa não responde pelo acidente de trabalho ocorrido com

o trabalhador contratado por outra empresa ainda que se encontre a

desenvolver uma atividade de que a primeira beneficia. Por isso, é a

empresa de trabalho temporário que tem de transferir a

responsabilidade emergente de acidentes de trabalho dos

trabalhadores cedidos a uma empresa utilizadora mediante a

celebração de seguro (artigo 177.º, n.º3 CT e 79.º, n.º2 LAT).

Excecionalmente, a empresa beneficiária pode ser responsabilizada

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pelo acidente que ocorra no desempenho de uma atividade em seu

benefício, mormente se teve culpa no desrespeito de regras de

segurança. No artigo 3.º, n.º2 LAT alarga-se o conceito de acidente

de trabalho aos infortúnios que ocorram com quem não seja

trabalhador por conta de outrem, de modo a abranger aqueles que

tenham contratos equiparados (como o caso do trabalho no

domicílio), os praticantes, aprendizes e demais formandos, bem

como outros trabalhadores, sem contrato de trabalho, mas que

prestem uma atividade na dependência económica da pessoa servida.

O problema reside em saber quando se deve considerar que existe

dependência económica nos termos do artigo 3.º, n.º2 LAT. Por um

lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador

da atividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto

de a atividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro.

Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência

económica o facto de o prestador da atividade carecer da importância

auferida para o seu sustento ou o da sua família. A integração no

processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o fator

relevante para a existência de dependência económica, pode ser

coadjuvada com a continuidade no exercício da atividade, pois, por

via de regra, não haverá integração num processo produtivo

empresarial se a atividade é desenvolvida de forma esporádica. Não

sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar

serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência

económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de

algum modo, excluir do âmbito da LAT os acidentes ocorridos na

execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial

(artigo 16.º, n.º1 LAT). Por outro lado, a dependência económica

pressupõe que a atividade desenvolvida por quem presta o serviço só

aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir

quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o

trabalhador autónomo realizar certa atividade, cujo resultado, sendo

rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.

Na dúvida em relação a dada atividade, presume-se que o trabalhador

se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da

qual o serviço é prestado (artigo 3.º, n.º2 LAT). Esta noção de

acidente de trabalho leva a que o regime da responsabilidade objetiva

do empregador se aplique igualmente a relações jurídicas afins do

contrato de trabalho. Uma outra situação que pode suscitar

problemas de delimitação é o dos subempreiteiros que, apesar da

autonomia jurídica, podem estar na dependência económica do

empreiteiro. Não raras vezes, o subempreiteiro é uma pessoa singular

que executa tarefas determinadas, as quais poderiam ser realizadas

por um trabalhador empreiteiro. Por via da mencionada noção ampla,

poder-se-ia responsabilizar o empregador a quem o trabalhador foi

ocasionalmente cedido, bem como a empresa utilizadora em caso de

trabalho temporário. Porém, nos termos gerais e tendo em conta o

disposto no artigo 177.º, n.º3 CT, a responsabilidade por acidentes

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de trabalho ocorridos na empresa utilizadora é suportada pela

empresa de trabalho temporário, porque esta mantém a qualidade de

empregador mas o preceito citado não é extensível à cedência

ocasional (artigo 293.º CT). Este facto não impede a

responsabilização da empresa cedente, pois, não obstante a cedência

ocasional, ela mantém a qualidade de empregador; diferentemente, a

empresa cessionária (tal como a empresa utilizadora) não assume o

estatuto de entidade patronal. Todavia, pode questionar-se se a

empresa cedente e a Empresa de Trabalho Temporário, para além da

responsabilidade objetiva, também serão responsabilizadas por

atuação culposa da empresa cessionária ou da utilizadora, nos termos

do artigo 18.º, n.º1 LAT, até porque a responsabilidade subjetiva não

se transfere para a seguradora (artigo 79.º, n.º3, in fine LAT).

Rigorosamente, não sendo estas representantes daquelas não se lhes

aplicaria o agravamento da responsabilidade previsto na Lei dos

Acidentes de Trabalho, solução que pode ser iníqua; até porque no

artigo 186.º CT, impõem-se à empresa utilizadora e à cessionária

deveres relacionados com o risco para a segurança e saúde do

trabalhador utilizado. A questão solucionar-se-ia pela

responsabilidade direta da empresa a que se imputa o facto culposo

(cessionária ou utilizadora) que, contudo, só responde nos termos

gerais. Refira-se, ainda, que, quanto a lei o preveja, o regime dos

acidentes de trabalho pode aplicar-se a prestadores de atividade que

não se encontrem numa situação de dependência económica em

relação à pessoa servida. Tal ocorre no regime do voluntariado (artigo

7.º, n.º1, alínea f) Lei n.º 71/98, 3 novembro – regulamentada pelo

Decreto-Lei n.º 389/99, 30 setembro). Em caso de morte do

sinistrado, os lesados, para efeitos da LAT, são os familiares

indicados no artigo 57.º LAT:

1. Cônjuge;

2. Filhos;

3. Ascendentes; e

4. Outros parentes sucessíveis.

A enumeração e os ermos – designadamente o facto de os filhos só

receberem pensão até atingirem 18, 22 ou 25 anos de idade (artigo

60.º LAT) – são taxativos. Pretende-se que os familiares só tenham

direito a receber a pensão enquanto carecem do ganho auferido pela

vítima.

ii. Trabalhador independente: com a LAT, estabeleceu-se uma hipótese

atípica de acidente de trabalho, em que a potencial vítima, sendo

trabalhador independente, deve assegurar a própria reparação por via

de um seguro. Se o trabalhador exerce uma atividade por conta

própria é obrigado a efetuar um seguro de acidentes de trabalho

(artigo 1.º Decreto-Lei n.º 159/99, 11 maio), que se rege, com as

devidas adaptações, pela LAT (artigo 2.º do mesmo Decreto-Lei).

d. Local e tempo de trabalho: o segundo elemento delimitador do conceito

de acidente de trabalho consta do artigo 8.º, n.º1 LAT, ao esclarecer que o

infortúnio terá de ocorrer no local e tempo de trabalho. Mas as noções de

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local e de tempo de trabalho, para esta lei, não coincidem com o disposto no

Código de Trabalho.

i. Local de trabalho: local de trabalho é entendido num sentido amplo,

pois compreende, para além do sítio onde o trabalhador desenvolve

efetivamente a sua atividade, todo o lugar em que o trabalhador se

encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja

direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador (artigo 8.º,

n.º2, alínea a) LAT). Esta área geográfica de implantação ou de

exploração da empresa abrange não só espaços dessa mesma empresa,

nomeadamente o átrio ou a cantina, como também locais onde são

prestados serviços aos trabalhadores, ainda que fora da empresa,

como sejam serviços médicos numa clínica privada contratada pelo

empregador. Será, assim, local de trabalho qualquer sítio onde o

trabalhador tenha de ir relacionado com a realização da sua atividade,

desde que sujeito, direta ou indiretamente, ao controlo do

empregador:

1. O controlo direto verificar-se-á, em particular, na típica relação

laboral em que, durante o horário de trabalho, o trabalhador

está sujeito ao poder de direção do empregador.

2. O contro indireto poderá existir em relações extra laborais e com

respeito a trabalhadores com alguma independência na

execução da atividade laboral, nomeadamente aqueles que

desempenham as tarefas fora do espaço geográfico de

implantação da empresa.

Mas nem todo o sinistro verificado no local de trabalho é acidente de

trabalho; pois, além de se relacionar com o tempo de trabalho, torna-

se necessária a existência de uma causa adequada entre o acidente e o

trabalho. Sendo o infortúnio causado por uma brincadeira de mau

gosto de um colega, sem qualquer relação com a atividade, não é

acidente de trabalho. Tendo em conta que o acidente de trabalho,

ainda que ocorrido no local de trabalho, teria de se relacionar com o

tempo de trabalho e a atividade laboral, estendeu-se o conceito de

acidente de trabalho de modo a abarcar os infortúnios verificados na

empresa quando o trabalhador se encontre no exercício do direito de

reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores (artigo 9.º,

n.º1, alínea c) LAT) ou em frequência de curso de formação

profissional (artigo 9.º, n.º1, alínea d) LAT). Em qualquer dos casos

mantém-se a conexão espacial exigida na lei, pois o evento ocorrerá

num espaço geográfico controlado pelo empregador. Sendo a

atividade desenvolvida pelo trabalhador, por natureza, de execução

fora da empresa serão locais de trabalho os sítios onde as tarefas têm

de ser desempenhadas. Também estão abrangidos no conceito

aqueles acidentes que se verifiquem fora do local de trabalho se

ocorrerem na execução de serviços ordenados pelo empregador ou

por este consentidos (artigo 9.º, n.º1, alínea h) LAT). Mais complexas

são as situações da vida provada em que ocorrem durante a execução

da missão fora da empresa. Pode considerar-se que estes atos, sendo

da vida privada e corrente do trabalhador, não se deveriam, por

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princípio, enquadrar na noção de acidente de trabalho, que se

relaciona com os atos de execução da profissão, mas atendendo ao

risco empresarial e, principalmente, à socialização do risco nos

acidentes de trabalho, algumas destas situações podem

consubstanciar hipóteses de responsabilidade do empregador.

Compreende-se que tal suceda quando as condições de realização da

prestação debitória possam incrementar os riscos inerentes à normal

vida em sociedade. Esta perspetiva alargada é, todavia, condicionada

pela interpretação restritiva do artigo 9.º, n.º2, alínea b) LAT,

considerando que o acidente in itinere só terá lugar depois de o

trabalhador transpor a porta de acesso da sua residência para a área

comum do edifício ou para a via pública, devendo entender-se que,

até então, estar-se-á perante atos da vida privada, não enquadráveis

no regime dos acidentes de trabalho. Fora do local de trabalho, ainda

podem ser qualificados como acidentes de trabalho os que sejam

consequência direta da atividade desenvolvida, ou seja, cuja causa

teve a sua origem na atividade desenvolvida no local de trabalho.

Nestas hipóteses subsiste a conexão com o local de trabalho, ainda

que indireta, pois o infortúnio relaciona-se com factos aí verificados

e que se prendem com o desenvolvimento da relação laboral. Em

alargamento do conceito de acidente de trabalho, considerou-se que

também integra este desastre a ocorrência verificada fora do local de

trabalho na frequência de curso de formação profissional se existe

autorização do empregador (artigo 9.º, n.º1, alínea d) LAT), assim

como na hipótese de o trabalhador se encontrar em atividade de

procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido

(artigo 9.º, n.º1, alínea g) LAT). Verifica-se sempre uma conexão com

o normal desenvolvimento da relação laboral, estando em causa

infortúnios relacionados com o cumprimento de deveres ou o

exercício de direitos decorrentes do contrato de trabalho.

ii. Tempo de trabalho: o tempo de trabalho a que alude o artigo 8.º, n.º1

LAT abrange o período normal de trabalho (artigo 198.º CT), bem

como os espaços de tempo que o precedem e que se lhe seguem,

estando com ele relacionados tanto em atos de preparação como de

ultimação, e ainda as interrupções normais – os chamados intervalos

de descanso (artigo 213.º CT), por exemplo, a pausa para almoço –

ou forçosas de trabalho, como as que decorrem de uma avaria das

máquinas (artigo 8.º, n.º2, alínea b), in fine LAT). Não se enquadram

nas interrupções, as suspensões do contrato de trabalho, como a que

advém de uma situação de greve (artigo 536.º CT). Mas se durante a

suspensão do contrato, o trabalhador se tem de dirigir à empresa, o

sinistro então ocorrido pode ser qualificado como acidente de

trabalho. Os acidentes enquadrados nesta noção ampla de trabalho,

caso se verifiquem fora do local de trabalho não consubstanciam um

acidente para efeitos de aplicação desta lei.

e. Acidentes de percurso: relacionado com o tempo de trabalho, em particular

com os períodos que antecedem e que se seguem à efetiva laboração, há que

distinguir aos acidentes de percurso, também designados de trajeto ou in

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itinere, não obstante encontrar hoje regulamentação expressa, teve uma

origem jurisprudencial. Estão em causa os acidentes que ocorram, em

especial, quando o trabalhador se desloca para o local de trabalho ou regressa

a casa. Nos termos do artigo 9.º, n.º1, alínea a) e n.º2 LAT, retira-se que o

acidente in itinere tem de corresponder a um percurso normal, devendo

enquadrar-se num dos vários tipos de trajeto previstos na lei:

i. O percurso de ide e volta entre a residência do trabalhador e o local de trabalho;

ii. O trajeto de ida e volta entre a residência do trabalhador e o local de pagamento

da retribuição;

iii. O percurso de ida e volta entre o local de trabalho e o local de pagamento da

retribuição;

iv. O trajeto de ida e volta entre a residência do trabalhador e o local onde lhe deva

ser prestada assistência médica ou realizados quaisquer outros exames;

v. O percurso de ida e volta entre o local de trabalho e o local onde deva ser prestada

ao trabalhador assistência médica ou realizados quaisquer outros exames;

vi. O trajeto entre o local de trabalho e o local de refeição, de reunião, etc.;

vii. O percurso entre o local de trabalho habitual e o lugar onde o trabalhador tiver

de prestar uma atividade por determinação do empregador ou por ele consentida e

ainda de procura de emprego.

A residência habitual do trabalhador, como se refere o artigo 9.º, n.º2, alínea

b) LAT, tanto pode ser a habitual, como uma ocasional, mas o trajeto a partir

da residência só se conta depois da porta de acesso para as áreas comuns do

edifício ou para a via pública (Parecer da Procuradoria Geral da República n.º

38/76, 17/6/1976); a responsabilidade por acidentes de percurso não

abrange situações em que o trabalhador se encontra num espaço por ele

controlado, em particular na sua vida privada. Poder-se-á questionar se os

trajetos indicados nas alíneas do n.º1 do artigo 9.º LAT são taxativos ou

simplesmente indicativos. Numa interpretação extensiva do artigo 9.º, n.º2

LAT incluir-se-iam nos acidentes in itinere outros percursos, designadamente

o realizado pelo trabalhador para tomar café em qualquer pausa que lhe seja

concedida ou, tendo duas ocupações, quando se desloca de uma empresa

para outra. Esta interpretação extensiva tem de ser apreciada com a devida

prudência, pois está-se perante uma exceção introduzida num regime, já de

si, excecional; de facto, a responsabilidade objetiva corresponde a um regime

excecional (artigo 483.º, n.º2 CC) e os acidentes de percurso, também por via

de exceção, alargam o campo de aplicação desta responsabilidade. Para que

se esteja perante um acidente de trajeto torna-se necessário que se encontrem

preenchidos dois requisitos (artigo 9.º, n.º2 e 3 LAT):

i. É imperioso que o acidente se verifique no trajeto normalmente utilizado – o

designado percurso normal: será aquele que, objetivamente, for

considerado ideal, mesmo que não seja o mais curto. Considera-se

normal o percurso em que haja desvios determinados pela satisfação

de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de

força maior ou caso fortuito (artigo 9.º, n.º3 LAT). Os desvios

determinados por motivos de força maior ou caso fortuito não

carecem de maiores explicações. Mas os desvios ditados pela

satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador têm de ser

concretizados; se o trabalhador se afasta diariamente do caminho

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ideal para ir levar os filhos à escola ou, no incumprimento de uma

missão fora da empresa, se desvia do trajeto ideal para almoçar num

restaurante da sua predileção, não se pode considerar que a situação

esteja abrangida no conceito de percurso normal. Não obstante a letra

da lei, poder-se-á questionar do fundamento para responsabilizar o

empregador por um acidente ocorrido num trajeto desrazoável que o

trabalhador habitualmente percorre. Exige-se igualmente o caráter

consecutivo do percurso, de modo a que se o desastre ocorre depois

de uma interrupção do trajeto, o acidente não será ressarcido nos

termos da Lei dos Acidentes de Trabalho. Contudo, tal como os

desvios, aceitam-se interrupções do trajeto para satisfação de

necessidades atendíveis do trabalhador, bem como motivos de força

maior ou caso fortuito.

ii. Durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador.

f. Execução de serviços espontaneamente prestados: ainda com respeito

ao segundo elemento delimitador do acidente de trabalho, cabe igualmente

referir que, mesmo quando ocorre fora do tempo de trabalho, é considerado

acidente de trabalho se se verificar na execução de serviços espontaneamente

prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade

patronal (artigo 9.º, n.º1, alínea b) LAT). Mesmo que a atividade não tenha

sido realizada por ordem do empregador, desde que o pudesse beneficiar

economicamente, o infortúnio ocorrido é qualificado como acidente de

trabalho. Com esta regra, o legislador teve em vista proteger o trabalhador

diligente que realiza espontaneamente tarefas ou mesmo que cumpre ordens

que não pode provar terem-lhe sido dadas; estabelece, porém, como limite

que a atividade pudesse ter sido proveitosa, do ponto de vista económico,

para o empregador. Para efeito de aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho,

diferentemente do que ocorre no regime do trabalho suplementar, não é

necessário que o trabalhador receba uma ordem para executar a tarefa. Por

outro lado, não se exige que da atividade desenvolvida tenha efetivamente

resultado proveito económico para o empregador, que será em princípio de

difícil prova, basta a potencialidade do proveito económico.

g. Serviços eventuais e de curta duração: o terceiro elemento delimitador do

conceito de acidente de trabalho aponta, tendencialmente, para a realização

de forma prolongada e no seio empresarial. Não são considerados acidentes

de trabalho aqueles que ocorrerem na prestação de serviços eventuais ou

ocasionais, de curta duração, desde que a atividade não tenha por objeto a

exploração lucrativa (artigo 16.º, n.º1 LAT).

i. Em primeiro lugar, importa que se trate de uma atividade esporádica, que não

seja nem periódica, nem contínua. Integra, nomeadamente, a noção de

atividade fortuita o trabalho desenvolvido para impedir que a força

das águas, em caso de precipitação torrencial, destrua os diques de

proteção das casas de uma aldeia; mas já será uma prestação periódica,

não obstante poder ser de curta duração, apode das macieiras de um

pomar, pois trata-se de uma atividade a realizador todos os anos.

ii. O segundo elemento delimitador desta situação respeita à exploração

lucrativa, a qual se encontra definida, pela negativa, no artigo 4.º LAT.

É pressuposto que a produção se destine exclusivamente ao consumo

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ou utilização do agregado familiar do empregador, sendo este, por

imperativo legal (artigo 16.º, n.º1 LAT), uma pessoa singular. Mesmo

que se esteja perante uma atividade esporádica, sendo a expliração

lucrativa, o acidente será qualificado como sendo de trabalho. Assim,

estando a naufragar um barco que faz, de modo lucrativo, a travessia

de um rio, quem for contratado para evitar o naufrágio realiza uma

atividade esporádica, mas se sobrevier um infortúnio estar-se-á

perante um acidente de trabalho. Ainda que preenchidos estes

pressupostos, o acidente será de trabalho se resultar da utilização de

máquinas e de outros equipamentos de especial periculosidade (artigo

16.º, n.º2 LAT).

3. Dano: a produção de um dano é essencial em qualquer hipótese de responsabilidade

civil; só há responsabilidade civil se houver dano. Na responsabilidade por acidente

de trabalho a situação não se apresenta de modo diverso, mas a lei delimitou o

conceito de dano; nem todo o prejuízo sofrido pelo trabalhador dá origem à

responsabilidade civil por acidentes de trabalho. Só se enquadram no dano típico da

responsabilidade por acidentes de trabalho os casos de morte ou de impedimento ou

redução da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador. E ainda quanto às

situações de incapacidade de trabalhar, que pode ser total ou parcial, só é de incluir

os casos em que os danos, causadores da incapacidade, se encontram tipificados na

Tabela Nacional de Incapacidades (artigo 20.º LAT). Não são, assim, de admitir

quaisquer reduções na capacidade de trabalho, mas só aquelas que derivem de danos

previstos na lei (Decreto-Lei n.º 352/2007, 23 outubro). Na mencionada Tabela, o

legislador procedeu a uma tipificação taxativa – por oposição às situações de

tipicidade aberta –, indicando os tipos de danos com as correspondentes

incapacidades totais ou parciais. Deste modo, não havendo culpa, as pequenas lesões

que ocorram no decurso do desempenho da atividade laboral não são consideradas

dano para efeitos de responsabilidade por acidentes de trabalho. Estas pequenas

lesões, por não afetarem a capacidade de trabalho, seguem o regime comum da

responsabilidade aquiliana (artigos 483.º e seguintes CC) e não o regime especial da

responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho.

4. Nexo de causalidade entre o facto e o dano: a responsabilidade civil depende da

existência de um nexo causal entre o facto gerador e o dano. Não há o dever de

indemnizar caso falte a causalidade adequada entre o facto e o dano. Neste ponto, a

responsabilidade por acidentes de trabalho não apresenta particularidades com

respeito ao regime comum constante do artigo 563.º CC. A imputabilidade do

empregador depende de o acidente de trabalho ser causa adequada do dano sofrido

pelo trabalhador. Há, todavia, a ter em conta que se está no domínio de uma

responsabilidade objetiva, em que, como é regra, o nexo causal se encontra

simplificado. Mas o regime geral da causalidade adequada do artigo 563.º CC

encontra algumas particularidades na responsabilidade emergente de acidentes de

trabalho. Do artigo 10.º, n.º1 LAT consta uma presunção de causalidade, pois se a

lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente

presume-se consequência deste. Deste modo, tendo sido a lesão constatada no local

e no tempo de trabalho presume-se consequência do acidente de trabalho; ou seja,

presume-se a existência da causalidade adequada, cabendo ao empregador provar a

falta de nexo causal. Importa, porém, esclarecer que a observação ou o

reconhecimento da lesão só poderá constituir presunção de nexo causal no caso de

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ter sido feito pelo empregador ou por um seu representante – que poderá ser, por

exemplo, o médico da empresa –; em princípio, sendo a lesão constatada por

qualquer outra pessoa, mesmo a seguir a um acidente ocorrido no local e no tempo

de trabalho, não funcionará a presunção de causalidade. Não será curial, até

atendendo a regras de boa fé, que o trabalhador, tendo sofrido um acidente, não se

apresente de imediato junto da entidade competente da empresa, para que esta

verifique a situação e tome as providências necessárias, mormente ministrando os

primeiros socorros. Contudo, principalmente quando a atividade é desenvolvida fora

da empresa, a verificação da lesão poderá ser feita por pessoa inclusive estranha à

empresa. Nas demais situações não incluídas no artigo 10.º, n.º1 LAT, a determinação

da existência de nexo causal é feita nos termos gerais, cabendo a respetiva prova ao

sinistrado ou aos seus familiares (artigo 10.º, n.º2 LAT). O nexo causal na

responsabilidade derivada de acidentes de trabalho apresenta ainda dois tipos de

especificidades:

a. A primeira respeita às circunstâncias anteriores ao acidente que,

apesar de já afetarem o trabalhador, podem não ter qualquer

repercussão a nível da obrigação de indemnizar: de facto, nos termos do

artigo 11.º, n.º1 LAT, a predisposição patológica do sinistrado anterior ao

acidente não exclui o direito à reparação integral. Assim, se o trabalhador

padecia de uma doença ou de uma lesão e sofre um acidente, os danos dele

derivados, independentemente de terem sido agravados por força dessa

doença ou lesão anteriores, deverão ser indemnizados pelo empregador. Esta

solução apresenta-se como contrária ao regime regra do nexo de causalidade,

mas do próprio artigo 11.º LAT constam exceções:

i. A reparação integral será excluída no caso de o sinistrado ter ocultado a sua

situação anterior (artigo 11.º, n.º1, parte final LAT). Como a vítima ocultou

uma predisposição patológica anterior, poderá ter sido encarregado

de realizar atividades para as quais não estaria física ou psiquicamente

habilitada e, nessa medida, o agravamento do dano é-lhe imputável.

ii. A obrigação de indemnizar encontrar-se-á igualmente excluída se a doença ou

lesão anterior for a causa única do dano; hipótese em que tudo se ficou a dever à

situação patológica anterior e não ao acidente, pois, em tal caso, falta totalmente

o nexo causal;

iii. A responsabilidade por acidente de trabalho também não tem cabimento, pelo

menos na sua totalidade, no caso de o sinistrado se encontrar a receber uma pensão

ou tiver recebido capital respeitante à lesão ou doença de que padecia (artigo 12.º,

n.º2 LAT). Nesse caso a responsabilidade do empregador poderá ser

só pela diferença.

iv. Na hipótese de o sinistrado padecer de uma incapacidade permanente anterior ao

acidente, mesmo que esta não lhe conferisse qualquer direito à indemnização

(artigo 11.º, nº.3 LAT): neste caso, como já se encontrava

diagnosticada uma incapacidade permanente anterior ao acidente, a

responsabilidade do empregador fica circunscrita à diferença, em

termos idênticos aos referidos a propósito da terceira exceção.

b. A outra especificidade que respeita ao nexo causal tem a ver com o

agravamento posterior do dano: com alguma frequência, os danos

derivados de acidentes de trabalho podem agravar-se com o decorrente do

tempo e mesmo lesões que as consideram curadas, entretanto, reaparecem.

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Para os casos em que a lesão reaparece ou se agrava, o artigo 24.º LAT prevê

o direito à indemnização, podendo surgir, de novo, a obrigação de pagar em

espécie. Para além disso, tal como vem estabelecido no artigo 70.º LAT, o

agravamento do dano pode implicar uma revisão da pensão. Em ambas as

situações é necessário demonstrar a existência de um nexo causal entre o

acidente e o reaparecimento ou o agravamento do dano; ou seja, importa

comprovar se há a probabilidade de a lesão causada pelo acidente em questão

poder reaparecer ou agravar-se.

5. Indemnização:

a. Aspetos gerais: a indemnização estabelecida em sede de acidentes de

trabalho apresenta duas vertentes:

i. Respeitante à reparação física e psíquica do sinistrado: a recuperação do

sinistrado prende-se com o princípio geral da responsabilidade civil

da restauração natural (artigo 562.º CC), em que por via da obrigação

de indemnizar se pretende restabelecer a situação anterior.

ii. Respeitante ao pagamento de uma quantia pecuniária em função da morte ou

incapacidade de trabalho: a indemnização pecuniária em caso de morte

ou em função da incapacidade de trabalho determina-se, nos termos

gerais do Direito das Obrigações, por sucedâneo pecuniário (artigo

566.º CC), mas há algumas particularidades a ter em conta.

Nos termos gerais, o artigo 23.º LAT prescreve que a indemnização pode ser

em espécie ou dinheiro para cobrir os danos nela previstos. Porém, havendo

culpa do empregador (artigo 18.º LAT) acrescentam-se os danos não

patrimoniais, que passam a ser indemnizáveis, assim como os demais danos

patrimoniais não previstos na LAT. Denota-se uma clara preocupação do

legislador de, a todo o custo, indemnizar o trabalhador, pondo cobro aos

danos por ele sofridos; em especial, repondo a sua capacidade de trabalho,

seja mediante tratamentos, ou pela via da compensação pecuniária. No artigo

23.º LAT incluem-se só algumas prestações em espécie e em dinheiro; no

fundo, aquelas que correspondem ao tipo delimitado de dano, estabelecido

pelo legislador. A indemnização não foi estatuída para outros danos,

designadamente os não patrimoniais – à exceção da previsão constante do

artigo 18.º LAT – e os lucros cessantes de outras atividades. As situações não

prenunciadas no artigo 23.º LAT só serão ressarcíveis nos termos gerais da

responsabilidade civil extracontratual. Eventualmente, poder-se-ia pensar

que os danos não patrimoniais, mesmo na hipótese de falta de culpa do

empregador, estariam, de forma implícita, incluídos nas indemnizações

atribuídas ao trabalhador em caso de incapacidade ou aos seus familiares na

hipótese de morte do sinistrado. Tal ideia não parece correta, pois as

indemnizações atribuídas pretendem simplesmente repor a capacidade de

ganho, atendendo, por conseguinte, ao lucro cessante e não ao dano moral.

Nas duas últimas alíneas do artigo 23.º LAT distingue-se a reparação em

espécie (alínea a)) e em dinheiro (alínea b)). Mas esta distinção é, de certo

modo, incorreta, podendo não corresponder, verdadeiramente, à realidade.

b. Reparação em espécie: com respeito às reparações em espécie alude-se, na

alínea a) do artigo 23.º LAT, às prestações de natureza médica, cirúrgica,

farmacêutica e hospitalar e outras necessárias à recuperação do sinistrado,

elenco que encontra completado nas várias alíneas do artigo 25.º do mesmo

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diploma, a que acresce nomeadamente a prestação de primeiros socorros

(artigo 26º. LAT), bem como a obrigação de transporte do sinistrado e,

eventualmente, de um acompanhante (artigos 26.º, n.º2 e 39.º LAT) ou a

assistência permanente (artigo 53.º LAT). Estas prestações, apesar de em

regra serem satisfeitas em espécie, por restauração natural, nada obsta a que

possam ser realizadas por sucedâneo pecuniário. Com base em acordo, pode

o trabalhador optar por hospital da sua escolha, por exemplo, no estrangeiro

ou fazer-se transportar por sua conta. Não há imperatividade no que respeita

a estas prestações serem efetuadas em espécie; a vontade das partes pode

substituí-las por prestações pecuniárias, pois não está em causa uma renúncia

ao crédito (artigo 78.º LAT).

c. Reparação em dinheiro: na alínea b) do artigo 23.º LAT estão em causa as

prestações por sucedâneo pecuniário, as quais se destinam a reparar danos

que provêm da morte ou da incapacidade, parcial ou total, do trabalhador.

No caso de morte, pretende-se que os familiares recebam uma compensação

correspondente à perda do rendimento do falecido, bem como Às despesas

do funeral; nas situações de incapacidade, a indemnização visa repor a perda

da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador acidentado e pagar as

despesas necessárias à readaptação da sua habitação. Na grande maioria das

situações, estas prestações terão de ser realizadas por sucedâneo pecuniário,

pois não é possível proceder à restauração natural. Mas sendo viável, nada

obsta a que estas prestações sejam feitas em espécie; por exemplo, o

empregador pode providenciar o enterro do trabalhador, não sendo devidas

aos familiares deste as despesas do funeral.

d. Determinação do montante: o montante da indemnização está, em

primeiro lugar, dependente do dano sofrido pelo trabalhador; será, assim,

diferente o valor da reparação consoante se esteja perante um caso de morte

(artigos 56.º e seguintes LAT) ou de incapacidade e, neste último caso, ainda

importa distinguir se esta é permanente ou temporária e total ou parcial

(artigo 48.º LAT). Por outro lado, há que apurar, também para efeitos

indemnizatórios, o grau de incapacidade, que é determinado por coeficientes,

normalmente expressos de modo percentual, constantes da Tabela Nacional

de Incapacidades, que diferem, entre outros aspetos, da atividade que o

trabalhador tinha condições de desenvolver, devendo ponderar-se se o

sinistrado pode desempenhar ofício diferente daquele que realizava. A

mesma lesão pode constituir diferente grau de incapacidade consoante a

idade, a robustez, a profissão e a aptidão de cada trabalhador. Para além do

dano, o montante da indemnização é aferido pela retribuição do trabalhador

(artigo 48.º, n.º3 LAT). A noção de retribuição, a que alude este preceito, não

corresponde à que consta, nomeadamente do artigo 258.º CT. Considera-se

retribuição o salário normalmente auferido pelo trabalhador, onde se incluem

todas as prestações por ele recebidas com caráter regular, que não se destinem

a compensar custos aleatórios (artigo 71.º, n.º2 LAT); isto é, tanto as

prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que

correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de

transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e

pagamentos em espécie. Mas têm de corresponder a uma vantagem

económica do trabalhador. Deste modo, não integram a noção de retribuição

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para este efeito, as ajudas de custo, as despesas de representação ou o abono

para falhas. Como se determina o disposto no artigo 48.º LAT, a

indemnização, por via de regra, não é fixada pela totalidade da retribuição,

mas por uma percentagem desta; por exemplo, em caso de incapacidade

permanente absoluta, a pensão anual e vitalícia corresponderá a 80% da

retribuição (artigo 48.º, n.º3, alínea a) LAT). Tendo em conta estes dois

elementos – dano e retribuição –, a indemnização é fixada nos termos do

artigo 48.º LAT. Na hipótese de culpa do empregador, os montantes que

forem determinados nos termos das regras referidas são agravados, deixando

a indemnização de ser fixada em função de uma percentagem da retribuição,

mas pela sua totalidade ou pela efetiva redução de capacidade, acrescendo

ainda os danos não patrimoniais (artigo 18.º LAT). A indemnização em

dinheiro é normalmente paga em pensões anuais ou quinzenais (artigos 71.º,

72.º e 56.º, n.º1 LAT), podendo as pensões anuais ser remidas (artigos 75.º e

seguintes LAT), sendo, então, a indemnização paga em capital. Estas noções

correspondem à distinção feita no artigo 567.º CC entre indemnização paga

no todo ou sob a forma de renda, que pode ser vitalícia ou temporária.

e. Revisão do montante: em qualquer dos casos, a indemnização, depois de

arbitrada, pode ser revista, pois, não obstante ser fixada judicialmente,

considera-se sempre sujeita à condição rebus sic standibus. Tal ocorre com mais

frequência na indemnização em forma de renda (pensão), mas o artigo 70.º

LAT prevê a revisão das prestações devidas ao sinistrado, sem distinguir se o

pagamento é feito em forma de pensão ou capital. A modificação pode advir

de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, podendo,

em função da alteração verificada, a indemnização ser aumentada, reduzida

ou excluída. Para tal é necessária a interposição de um novo processo judicial,

nos termos dos artigos 147.º e seguintes CPT, nos prazos determinados no

n.º3 do artigo 70.º LAT. Há também a possibilidade de ser pedida uma

atualização da pensão, que não tem que ver com o agravamento da lesão, mas

sim com a inflação. Se o montante da renda, atenta a inflação, deixar de

corresponder à compensação devida, pode proceder-se à sua atualização, nos

termos constantes dos artigos 6.º e seguintes Decreto-Lei n.º 142/99, 30 abril,

diploma que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho.

f. Vencimento: a indemnização será devida ao trabalhador no momento em

que se dá o respetivo vencimento, nos termos gerais do Direito das

Obrigações. Mas caso se aplicasse o artigo 805.º, n.º3 CC, o vencimento dar-

se-ia aquando da citação do empregador; porém, em sede de responsabilidade

emergente de acidentes de trabalho, o legislador estabeleceu regimes diversos.

Quanto à pensão por morte, o artigo 56.º, n.º2 LAT determina que o

vencimento se dá no dia seguinte ao do falecimento; como nesse dia, por via

de regra, o empregador não teve ainda conhecimento da ocorrência e, em

princípio, não estariam já feitos os cálculos do montante a pagar, serão

devidos juros de mora nos termos gerais (artigo 806.º CC). Relativamente às

prestações por incapacidade temporária, o vencimento verifica-se no dia

seguinte ao do acidente e sendo a incapacidade permanente, o vencimento

ocorre no dia imediato ao da alta (artigo 126.º LAT). Para as restantes

hipóteses rege o princípio geral do artigo 805.º, n.º3 CC.

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g. Lugar do cumprimento: para determinar o lugar do cumprimento da

obrigação de indemnizar há que averiguar se ele é ou não determinado por

sua natureza. O lugar do cumprimento de certas obrigações está determinado

pela sua natureza, como acontece nas prestações de caráter hospitalar ou

cirúrgico; o local de cumprimento será onde devem ser feitos os tratamentos

(artigo 27.º LAT). O mesmo não se passa em outras obrigações, em particular

nas pecuniárias. No artigo 73.º, n.º1 LAT, ao determinar-se que o lugar do

cumprimento será na residência do sinistrado ou dos seus familiares, não se

alterou a regra geral (artigo 774.º CC) que aponta para o cumprimento no

domicílio do credor. Se as partes pretenderem alterar o lugar do cumprimento,

tal acordo tem de ser realizado por escrito (artigo 74.º, n.º2 LAT). Na

eventualidade de o sinistrado ou o beneficiário da prestação se ausentar para

o estrangeiro, o pagamento passa a ser efetuado em local acordado, sem

prejuízo das regras internacionais, nomeadamente acordo de reciprocidade

(artigo 73.º, n.º2 LAT). Esta regra, com particular interesse no caso de

indemnizações pagas em renda, encontra a sua justificação na maior

onerosidade em proceder a pagamentos internacionais, agravamento que, em

princípio, não se verificará se a alteração de domicílio for para um país

comunitário.

6. Garantia de cumprimento da indemnização:

a. Inalienabilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade da prestação:

no artigo 78.º LAT estipula-se que as prestações devidas ao sinistrado ou seus

beneficiários são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, mas há que

distinguir as

i. Prestações em espécie: as estabelecidas neste regime são naturalmente

inalienáveis, pois o trabalhador não pode, por exemplo, transferir o

crédito a tratamentos ou mesmo a transportes, porque se trata de

obrigações infungíveis, estabelecidas em função da pessoa do credor.

Pelas mesmas razões, tais prestações não são penhoráveis. Quanto à

irrenunciabilidade, o legislador, à imagem do que ocorre no artigo

809.º CC, não considera válida a renúncia antecipada ao direito,

designadamente por via de uma remissão; mas nada impede que o

sinistrado recuse os tratamentos ou quaisquer outras prestações em

espécie que lhe sejam devidas, só que, em tal caso, ele sofrerá as

consequências de um agravamento ou da falta de cura da lesão.

ii. Prestações em dinheiro: quanto às prestações pecuniárias, por sua

natureza, nada impediria que fossem alienadas, penhoradas ou

renunciadas. Contudo, no artigo 78.º LAT não se consideram válidos

os negócios jurídicos que impliquem a alienação ou a renúncia a tais

direitos, bem como a respetiva penhora. Mas estas limitações só têm

sentido enquanto as prestações são devidas ao trabalhador; depois de

lhe terem sido pagas, entram no seu património e seguem o regime

comum. Em relação à irrenunciabilidade ainda há que fazer um

esclarecimento; não será, designadamente, válido o negócio de

remissão de dívida, mas nada obsta a que o trabalhador se recuse a

receber a prestação – com a consequente mora do credor (artigos

813.º e seguintes CC) – ou que a deixe prescrever.

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b. Privilégio creditório: como garantia de cumprimento, no artigo 78.º LAT

alude-se à figura do privilégio creditório consagrado na lei geral,

concretamente no artigo 737.º CC. No artigo 78.º LAT diz-se que gozam das

garantias consignadas no Código do Trabalho, pelo que os acidentados

gozam do privilégio creditório conferido no artigo 333.º CT, sem descurar as

garantias decorrentes da responsabilidade solidária, prevista nos artigos 334.º

e 335.º CT.

7. Seguro: a forma de melhor garantir o pagamento das indemnizações devidas em caso

de acidente de trabalho foi estabelecida através da obrigatoriedade do seguro (artigo

79.º LAT). Mesmo com privilégio creditório, estando o empregador falido, o

pagamento das indemnizações inviabilizar-se-ia; acresce que, sendo as prestações

pagas mediante pensão, o trabalhador lesado ficaria na contingência das mudanças

de solvabilidade da entidade patronal. Por outro lado, um sinistro numa empresa

pode causar danos numa empresa pode causar danos numa pluralidade de

trabalhadores, com consequências económicas graves para o empregador, que o

poderão impossibilitar de pagar todas as indemnizações. Tais problemas não

ocorrem, por principio, com respeito a empresas de seguros. Pretende-se, portanto,

garantir a reparação do lesado sem pôr em causa o substrato económico da empresa.

No artigo 79.º, n.º1 LAT foi imposta a obrigação de transferência da responsabilidade

civil por acidentes de trabalho do empregador para um segurador autorizado a

realizar este grupo (Decreto-Lei n.º 94-B/98, 17 abril). Cabe ao Instituto de Seguros

de Portugal aprovar as apólices uniformes de seguro obrigatório; contudo, para o

seguro de acidentes de trabalho (artigo 81.º, n.º1 LAT) prescreve-se que a apólice

uniforme será aprovada por portaria conjunta dos ministros das finanças e do

trabalho, sob proposta do Instituo de Seguros de Portugal. A obrigação de ajustar

um seguro de acidentes de trabalho não abrange a administração central, local e as

demais entidades, desde que os respetivos funcionários estejam incluídos no regime

de acidentes em serviço (artigo 80.º LAT). Se o empregador não tiver celebrado o

contrato de seguro, violando a obrigatoriedade indicada, sujeita-se a uma

contraordenação laboral, prevista no artigo 171.º, n.º1 LAT, e responde diretamente

pelas indemnizações devidas em caso de acidente de trabalho. O contrato de seguro

é celebrado entre um segurador e o empregador (tomador do seguro) com vista à

cobertura dos prejuízos emergentes de acidente de trabalho. O seguro de acidentes

de trabalho, ainda que se pudesse discutir a qualificação, segue o regime dos seguros

de responsabilidade civil (artigo 138.º, n.º3 Lei Contrato de Seguro), tratando-se de

um seguro de responsabilidade civil obrigatório (artigos 146.º e seguintes Lei do

contrato de Seguro). Com a celebração do contrato de seguro, transferem-se para o

segurador as obrigações que impendem sobre o empregador com respeito a acidentes

de trabalho. Por isso, é frequente que as questões emergentes de acidentes de

trabalho sejam resolvidas diretamente entre o lesado e a empresa de seguros do

empregador. Não obstante a obrigatoriedade do seguro, o contrato de seguro de

acidentes de trabalho rege-se pelo princípio geral da liberdade contratual, podendo

ser ajustado com diferentes conteúdos desde que se respeitem os parâmetros legais

e os termos gerais da apólice uniforme. Tendo em conta a autonomia das partes, o

seguro pode ser com prémio fixo ou variável (por vezes, designado de folha de férias),

como ou sem prévia identificação dos trabalhadores, com valores mínimos ou

acréscimos, etc. A mesma autonomia contratual tem permitido a divulgação do

seguro de acidentes de trabalho – por vezes incorporado num pacote de seguros mais

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amplo – através do seguro de grupo, em que o empregador (tomador de seguro)

integra os vários trabalhadores no grupo, passando a segurados. Mediante o contrato

de seguro, o empregador só transfere para o segurador a responsabilidade objetiva

por acidentes de trabalho e não a responsabilidade subjetiva fundada no artigo 18.º

LAT (artigo 79.º, n.º3 LAT). Por isso, se o acidente tiver sido provocado pela

entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observância das

regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade daí decorrente será

suportada pelo empregador. Em caso de comportamento culposo do empregador, o

segurador satisfaz o pagamento ao lesado até ao limite dos danos cobertos pela

responsabilidade objetiva em acidentes de trabalho e, em regresso, exige esse valor

ao responsável. Como a responsabilidade por acidentes de trabalho pode não ter sido

transferida para uma companhia de seguros – por falta de seguro – ou tendo sido

transferida se não abranger todas as prestações – como na hipótese de agravamento

derivado de culpa do empregador ou por insuficiência da retribuição declarada (artigo

79.º, n.º3 e 4 LAT) –, sobre este impende a obrigação de reparar os danos. Admitindo

a possibilidade de insuficiência da entidade patronal – bem como a insuficiência

económica da própria seguradora – foi criado o Fundo de Acidentes de Trabalho

(Decreto-Lei n.º 142/99, 30 abril), que garante o pagamento das prestações devidas

em caso de acidente de trabalho. Como medida de garantia, também se prescreve a

obrigação de caucionamento de pensões por parte do empregador (artigo 84.º LAT).

8. Causas de exclusão e de redução da responsabilidade:

a. Cláusulas contratuais: com respeito à exclusão e redução da

responsabilidade emergente de acidentes de trabalho importa distinguir várias

situações. Podem as partes, por via negocial, pretender excluir ou reduzir a

responsabilidade. Por outro lado, a exclusão ou redução pode advir de causas

imputáveis à vítima, de caso de força maior ou de ato de terceiro. As cláusulas

contratuais mediante as quais se pretenda excluir ou reduzir a

responsabilidade derivada de acidentes de trabalho são nulas (artigo 12.º

LAT). O regime estabelecido na lei é imperativo e, nessa medida, não pode,

por vontade das partes ser alterado. Esta imperatividade, porém, parece não

obstar a que se estabeleça um agravamento da responsabilidade; só que, essa

situação mais gravosa, não prevista na lei, não poderá seguir o regime especial

estabelecido para os acidentes de trabalho, devendo-se recorrer às regras

gerais da responsabilidade civil. O regime estabelecido para a

responsabilidade por acidentes de trabalho é, pois, imperativo e taxativo, não

admitindo convenções das partes que o visem alterar.

b. Culpa do trabalhador: a exclusão ou a redução da responsabilidade por

acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima.

Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta.

No artigo 14.º LAT, apesar da terminologia utilizada, o legislador não

introduziu limites negativos à qualificação de acidente de trabalho,

determinando antes em que casos não há o dever de indemnizar. Nestas

situações que implicam o afastamento ou a redução da responsabilidade do

empregador inclui-se o comportamento culposo do trabalhador. De facto, a

designada descaracterização, numa linguagem pouco jurídica, determina a

redução ou exclusão da responsabilidade. Como a responsabilidade objetiva

do empregador assenta no risco profissional ou mesmo no risco empresarial,

não se justificaria que ela subsistisse no caso de o acidente se ter ficado a

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dever a uma falta do trabalhador. A própria socialização do risco, quando

limitada, como é o caso do presente regime, não compactua com

determinadas atuações culposas da vítima. Não é qualquer atuação menos

cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da

responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade. O

princípio de que a culpa do trabalhador afasta a responsabilidade do

empregador não é criticável no espirito do ordenamento; antes pelo contrário,

tem pleno cabimento. A solução oposta, no sentido de o empregador ter de

suportar todas as consequências de acidentes de trabalho, mesmo quando

estes fossem imputáveis ao trabalhador, estaria em contradição com os

princípios gerais da responsabilidade civil. A este propósito, é preciso não

esquecer que, com respeito aos acidentes de trabalho, o legislador instituiu

um regime de responsabilidade civil e não um sistema de segurança social. Á

várias situações em que a culpa do trabalhador afasta o direito à reparação,

que importa analisar.

i. Dolo: em primeiro lugar, quando o acidente tiver sido dolosamente

provocado pelo sinistrado não dá direito a reparação (artigo 14.º, n.º1,

alínea a) LAT). Na hipótese de dolo da vítima, poder-se-ia dizer que,

verdadeiramente, não se estaria perante um acidente e, por

conseguinte, também não poderia haver responsabilidade civil. De

facto, se, por exemplo, o trabalhador propositadamente amputar uma

mão, em princípio, não haveria acidente. Mas esta conclusão já não

será válida em caso de dolo eventual, em que o trabalhador previu a

possibilidade da ocorrência, mas quis correr o risco. Em caso de dolo

eventual do trabalhador, o infortúnio que lhe sobrevier poderá ser

qualificado como acidente de trabalho, só que estará excluída a

obrigação de indemnizar.

ii. Violação das condições de segurança sem causa justificativa: como segunda

situação prevê-se a hipótese de o acidente provir de ato ou omissão

do sinistrado que, sem causa justificativa, viole condições de

segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei (artigo

14.º, n.º1, alínea a) LAT). Neste caso, o legislador exige somente que

a violação careça de causa justificativa, pelo que a exigência dessa

culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A

diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo

14.º LAT tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado,

há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas.

Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-

se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa;

por isso, basta-se que o trabalhador conscientemente viole essas

regras. As condições de segurança, quando estabelecidas pela

entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa,

de ordem de serviço ou de aviso fixado em local apropriado na

empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar

previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança

no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros setores,

nomeadamente na circulação rodoviária. Se o trabalhador,

conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola

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conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho,

não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação

para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a

responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu

grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria

conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade

de as entender (artigo 14.º, n.º2 LAT).

iii. Negligência grosseira: em terceiro lugar, a negligência grosseira do lesado

constitui causa de exclusão ou de redução da responsabilidade do

empregador (artigo 14.º, n.º1, alínea b) LAT). Neste caso, exige-se

que a entidade patronal prove a existência de negligência grosseira do

trabalhador, pelo que não basta qualquer atuação negligente; além

disso, exige-se que a negligência grosseira seja exclusiva do sinistrado,

pelo que havendo concurso de culpas – com o empregador ou

colegas de trabalho – não é afastada a responsabilidade. Deste modo,

o direito à reparação mantém-se em caso de atuação ou omissão

culposa do trabalhador de reduzida gravidade, nomeadamente se

advém da habitualidade na realização de determinada tarefa, na

medida em que a rotina, o cansaço e o stress podem levar a um certo

relaxamento no respeito de regras de prudência. De acordo com o

artigo 14.º, n.º3 LAT estariam excluídos desta situação, por não

consubstanciarem negligência grosseira, os casos em que o acidente

se ficou a dever a um comportamento temerário resultante da

habitualidade ao perigo do trabalho, da confiança na experiência

profissional ou dos usos e costumes da profissão; admitindo-se que

o trabalhador, por ter demasiada confiança na sua experiência, ou

atentos os usos e costumes da profissão, possa legitimamente

negligenciar quanto ao cumprimento de certas regras de prudência.

Já não estaria afastado o direito à reparação quando o trabalhador

tenha sido excessivamente temerário na sua atuação, agindo com

clamorosa falta de cuidado. De modo diverso, a falta do trabalhador

imputável ao empregador ou em que este tenha sido conivente,

designadamente por conhecer a situação e não se opor a ela, não

afasta a responsabilidade por acidente de trabalho.

iv. Privação do uso da razão: a quarta situação é a que se verifica no caos de

o acidente derivar do facto de o sinistrado se encontrar privado do

uso da razão (artigo 14.º, n.º1, alínea c) LAT). A falta do uso da razão

é entendida nos termos gerais de Direito Civil, reconduzindo-se às

causas de interdição (artigo 138.º CC), de inabilitação (artigo 152.º

CC) e, em particular, às hipóteses de incapacidade acidental (artigo

257.º e seguintes CC). Porém, o direito à reparação subsiste, não

obstante a falta do uso da razão por parte do sinistrado, em três

situações:

1. No caso da privação do uso da razão derivar da própria prestação de

trabalho;

2. No caso da privação do uso da razão ser independente da vontade da

vítima: mas, neste caso, há que fazer uma distinção:

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a. Se a possibilidade de ocorrer essa falta do uso da

razão era do conhecimento do trabalhador:

i. se o trabalhador não tomar as precauções

adequadas, a responsabilidade do

empregador deverá ficar excluída;

ii. Se o trabalhador tomar as precauções

adequadas, esta responsabilidade do

empregador operará.

3. Se a entidade patronal, sabendo que o trabalhador estava privado do uso

da razão, mesmo assim o encarrega de realizar determinada atividade,

mantém-se o direito à reparação: não há qualquer impedimento

quanto a celebrar contratos de trabalho com interditos ou

inabilitados, mas é necessário que o empregador lhes atribua

tarefas compatíveis com a sua deficiência física ou psíquica,

de modo a evitar a ocorrência de acidentes. A solução é a

mesma no caso de se tratar de incapacidade acidental.

v. Facto ou omissão do lesado: por último, como quinta hipótese em que a

atuação do sinistrado afeta o direito à reparação é de incluir os casos

em que a lesão se agravou ou não teve a cura prevista, por facto ou

omissão do lesado. Se o trabalhador sinistrado não observou as

prescrições clínicas ou cirúrgicas necessárias ao seu tratamento, nos

termos do artigo 30.º, n.º2 LAT está excluída a obrigação de reparar

os danos ou seu agravamento que seja consequência dessa atuação

do lesado, bastando a simples negligência do trabalhador, nos termos

gerais do artigo 570.º CC. Estando o trabalhador, vítima de acidente

de trabalho, em desacordo com as prescrições médicas pode reclamar

para os peritos do tribunal (artigo 30.º, n.º1 LAT), respeitando os

trâmites estabelecidos nos artigos 28.º e seguintes LAT.

c. Força maior: se o acidente provier de caso de força maior também não dá

direito à reparação (artigo 15.º, n.º1 LAT). Diferentemente, o caso fortuito,

por exemplo, rebentamento de uma máquina por motivo inexplicável, não

constitui causa de exclusão da responsabilidade. Só se considera motivo de

força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis da natureza,

independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas

condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente

ordenado pelo empregador em condições de perigo evidente (artigo 15.º, n.º2

LAT). O legislador optou por dar uma noção legal de força maior,

relacionando-a com as forças da natureza, procedendo depois a uma restrição,

pois descaracteriza a figura quando constitua risco criado pelas condições de

trabalho ou se verifique ao executar serviço expressamente ordenado pelo

empregador em situação de perigo. Dito de outro modo, certos casos que

seriam de força maior, não o são para efeitos de acidentes de trabalho. Por

outro lado, situações normalmente incluídas entre as causas de força maior,

como os atos de guerra, estariam afastadas, atenta a noção legal que apela

para as forças da natureza, independentemente, portanto, de intervenções

humanas.

d. Obrigações não excluídas: mesmo quando a responsabilidade do

empregador estiver excluída, ele será sempre obrigado a prestar os primeiros

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socorros ao sinistrado e a transportá-lo para onde possa ser socorrido (artigo

26.º, n.º1 LAT). Esta, pode dizer-se, é uma situação de responsabilidade civil

objetiva que excede os parâmetros normais, porque existe mesmo em caso

de dolo do trabalhador. Mas neste caso imperam razões humanitárias e os

valores em causa não serão exorbitantes. A omissão de qualquer destes

deveres faz incorrer o empregador em responsabilidade civil (artigo 486.º C)

e penal (artigo 200.º CP).

e. Responsabilidade de terceiros; direito de regresso: para concluir quanto

às causas de exclusão e de limitação da responsabilidade emergente de

acidentes de trabalho, há que aludir às situações imputáveis, sejam eles outros

trabalhadores da empresa ou pessoas a ela estranhas. Nos termos gerais da

responsabilidade civil, ainda que objetiva, sendo o facto gerador imputável a

terceiro é afastado o dever de indemnizar (artigos 505.º e 570.º CC). Mas

interessa distinguir as duas hipóteses:

i. Se o dano sofrido pelo trabalhador foi causado por terceiro, o lesado pode

diretamente demandar o responsável, nos termos gerais da responsabilidade civil

extracontratual (artigos 483.º e seguintes CC), como preceitua o artigo 17.º, n.º1

LAT. E no caso de o terceiro responsável pelo acidente pagar a indemnização

correspondente aos danos causados, essa prestação será descontada na reparação

que incumbe ao empregador, o qual só suportará, então, a diferença (artigo 17.º,

n.º3 LAT). Tendo o sinistrado recebido a indemnização da entidade

patronal ainda lhe caberia demandar o terceiro pela diferença, na

medida em que o ressarcimento determinado em termos de

responsabilidade por acidentes de trabalho, como é regra, não

compense todo o dano sofrido. Se a indemnização recebida do

terceiro abranger todos os danos infligidos ao trabalhador, fica

excluída a responsabilidade do empregador (artigo 17.º, n.º2 LAT).

Pretende-se que o sinistrado não venha a receber duas indemnizações

as quais, na totalidade, ultrapassem o valor do dano sofrido. Se,

eventualmente, isso ocorrer, o lesado terá de reembolsar o

empregador naquilo que exceda a quantia correspondente ao dano

(artigo 17.º, n.º2 LAT).

ii. Na hipótese de o trabalhador lesado não demandar o terceiro responsável pela

ocorrência. Frequentemente, até por inércia, o sinistrado que já se

encontra ressarcido pelo empregador não reage contra o terceiro

causador do acidente; cabe, então, à entidade patronal – em regra à

seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade emergente

de acidentes de trabalho – demandar o terceiro, exigindo-lhe o que

deveria ter pago ao trabalhador (artigo 17.º, n.º4 LAT). Corresponde

a uma sub-rogação legal, nos termos do artigo 592.º CC, pois o

empregador ou a respetiva seguradora não é responsável solidário

com o terceiro lesante pelos danos causados ao sinistrado; de facto,

não se está perante uma hipótese de responsabilidade solidária, mas

de dualidade de responsabilidades com fundamentos distintos. Dito

de outro modo, não nasce um direito novo, como no direito de

regresso, estando-se perante uma sucessão no lado ativo, que

caracteriza a sub-rogação, nomeadamente legal.

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9. Ocupação e cessação do vínculo laboral de trabalhadores vítimas de acidentes

de trabalho: o acidente de trabalho, por si, não constitui causa de cessação do

contrato de trabalho, como, talvez desnecessariamente, se prescrevia na Base

XXXVI, n.º1, da Lei n.º 2127, e se o empregador despedir sem justa causa o

trabalhador sinistrado, este tem direito, se não optar pela reintegração, a uma

indemnização igual ao dobro do estabelecido no artigo 391.º, n.º1 CT (artigo 157.º,

n.º4 LAT). Mas o acidente de trabalho pode constituir causa indireta de cessação do

contrato, se porventura se encontrarem preenchidos outros pressupostos. O acidente

de trabalho pode corresponder a uma justa causa de despedimento quando se

enquadrar na previsão do artigo 351.º CT. O acidente de trabalho também pode

constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador,

nos termos do artigo 394.º. CT, na eventualidade de ser devido a culpa do

empregador. Para além destas situações, que se reconduzem às regras gerais da

cessação do contrato de trabalho, o que apresenta particularidades neste campo é o

facto de o acidente poder causar um dano ao trabalhador que implique a caducidade

do contrato, nos termos do artigo 343.º CT. Se o trabalhador morrer ou por qualquer

outra razão não puder cumprir a atividade para que foi contratado, o contrato caduca

(artigo 343.º, n.º1, alínea b) CT). A incapacidade temporária pode implicar a

suspensão do contrato de trabalho, pois uma das causas de suspensão corresponde à

impossibilidade temporária de realizar o trabalho (artigo 296.º, n.º1 CT). Por outro

lado, a incapacidade permite que sejam dadas faltas justificadas, sem perda da

retribuição, nos termos do artigo 255.º, n.º2, alínea b) CT. No artigo 155.º, n.º1 LAT

está prevista uma situação especial, ao admitir-se que em caso de incapacidade

temporária parcial, o empregador pode ser obrigado a manter o trabalhador ao

serviço, incumbindo-o de uma tarefa compatível com o seu estado. Está consagrada

nestes preceitos uma situação específica de dever de ocupação efetiva do empregador;

mas esta ocupação efetiva confere ao empregador, justificando-se, a possibilidade de

alterar o objeto do contrato, desde que não afete a retribuição do trabalhador. Daqui

se poderia concluir que, em tais situações, o empregador estaria sempre adstrito a

providenciar uma ocupação adequada ao trabalhador sinistrado; mas há que

distinguir. Importa averiguar se na empresa existem tarefas compatíveis com o estado

do trabalhador; havendo-as e estando as mesmas disponíveis o empregador está

adstrito a ocupar o lesado nessas atividades. Mas se não as houver, o empregador não

está obrigado a criá-las especialmente para o trabalhador incapacitado. Não parece

razoável nem tal dever parece que decorra do espírito da lei. A avaliação dos

pressupostos para a ocupação do trabalhador cabe ao Instituto do Emprego e

Formação Profissional (artigo 159.º LAT) e este serviço público pode ter dificuldades

em dar resposta ponderada e justificada às solicitações. É diferente da ocupação

obrigatória o mecanismo previsto pelo legislador quando, indiretamente, pressiona

os empregadores a contratarem trabalhadores com incapacidade definitiva parcial,

designadamente, mediante a concessão de benefícios às empresas que procedam

nesse sentido. Na mesma perspetiva de dever de ocupação efetiva, no artigo 155.º,

n.º1 LAT impõe-se à empresa onde ocorreu o acidente de trabalho que ocupe o

trabalhador com incapacidade permanente numa atividade compatível com o

respetivo estado. Associado a este dever, incumbe ao empregador dar formação

profissional ao sinistrado para adaptação ao novo posto de trabalho (artigo 155.º,

n.º2 LAT).

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10. Prazos de exercício dos direitos: no artigo 179.º LAT conjugam-se dois tipos de

prazos de exercício de direitos:

a. Prazos de caducidade;

b. Prazos de prescrição.

Deste modo, a solução estabelecida neste preceito é claramente mais gravosa do que

aquela que resulta do disposto no Direito Civil. Na responsabilidade civil

extracontratual comum, tanto objetiva como objetiva (artigo 499.º CC), o artigo 498.º

CC determina que o prazo de prescrição é de três anos a contar da data em que o

lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste, podendo o direito ser exercido

judicial ou extrajudicialmente. Depois de determinado o direito à indemnização, a

partir do vencimento dessa prestação começa a correr um prazo, também de

prescrição, que pode ser de vinte anos, regra geral (artigo 309º. CC) ou de cinco anos,

se a prestação for periódica, por exemplo em renda (artigo 310.º, alínea a) CC).

Relativamente ao acidente de trabalho, o legislador estabeleceu um regime diverso.

Primeiro, porque, para o exercício judicial dos direitos dos trabalhadores sinistrados,

determinou um prazo de caducidade de um ano a contar da alta clínica ou da morte

do lesado (artigo 179.º, n.º1 LAT). Ou seja, a ação tem de ser proposta no ano

imediato à morte ou à alta clínica do trabalhador. Em caso de agravamento não foi

estabelecido o prazo para a atualização da pensão. Esta questão apresenta alguma

especificidade relevante em sede de acidentes de trabalho de desportistas

profissionais. Com a decisão judicial que condene no pagamento da reparação, e a

partir do vencimento desta prestação, inicia-se um prazo de prescrição de cinco ano

s(artigo 179.º, n.º2 LAT). O prazo de prescrição de cinco anos corresponde ao regime

de prescrição dos créditos de vencimento periódico (artigo 310.º, alínea a) CC), mas

não encontra aplicação em outras prestações, em particular nas indemnizações em

capital. Não se vislumbram as razões que presidiram a esta tomada de posição por

parte do legislador, consagrando um regime mais gravoso para a vítima do que aquele

que decorre do Direito Civil. A existência de prazos de caducidade e de prescrição

em sede de responsabilidade por acidentes de trabalho não é, em si, criticável e não

corresponde a uma contradição com o disposto no artigo 12.º LAT. De facto, a

nulidade das estipulações que impliquem o afastamento das regras da

responsabilidade por acidentes de trabalho não é contrariada por se admitir que os

direitos emergentes dessa responsabilidade se extingam pelo decurso dos prazos de

caducidade de direitos, o que não é contraditório com o facto de, por um motivo de

segurança jurídica, se estabelecerem prazos de exercício de direitos, até porque nada

obsta a que o trabalhador recuse a separação que lhe é devida. A única crítica

justificável é a que respeita ao estabelecimento de prazos não curtos, inferiores aos

prescritos no Direito Civil.

11. Processo: verificada a existência de um acidente de trabalho há que proceder a

diversas comunicações:

a. O acidente tem de ser dado a conhecer ao empregador: o sinistrado ou

os beneficiários legais de pensões devem participar a ocorrência, desde que o

empregador não tenha dela tido conhecimento por qualquer meio (artigo 86.º

LAT).

b. O empregador, depois de ter tido conhecimento do acidente,

participa-lo-á à sua seguradora (artigo 87.º, n.º1, alínea a) LAT), dentro

do prazo fixado no contrato de seguro.

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c. A companhia de seguros, por sua vez, deverá fazer uma comunicação

ao tribunal de trabalho competente, sempre que do acidente decorra a

morte ou incapacidade para o trabalhador (artigo 90.º LAT). Têm a

faculdade de participar o acidente ao tribunal competente o próprio

sinistrado, seus familiares, o diretor do hospital onde o lesado esteve

internado, etc. (artigo 92.º LAT) comunicação por parte do diretor do

hospital é obrigatória em caso de morte da vítima (artigo 91.º LAT). Pode,

por isso, haver mais do que uma participação do mesmo acidente ao tribunal

competente.

O infortúnio causado ao trabalhador dá origem a um processo especial: processo

emergente de acidente de trabalho (artigo 21.º, nº.3 CPT), regulado nos artigos 99.º

e seguintes CPT. O processo corre oficiosamente (artigo 26.º, n.º3 CPT),

considerando-se a ação proposta quando é recebida a participação do acidente

(artigos 22.º, 27.º e 99.º, n.º1 CPT).

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X – Cessação

Aspetos gerais:

1. Regime comum: o contrato de trabalho, como qualquer negócio jurídico, extingue-

se nos termos comuns, aplicando-se as regras gerais de Direito Civil, em particular

de Direito das Obrigações anteriormente analisadas. Atendendo à atual terminologia

usada em Direito do Trabalho, a cessação do vínculo laboral, além da caducidade,

pode decorrer da revogação, da resolução ou da denúncia. No artigo 340.º CT,

indicando-se as modalidades de cessação do contrato de trabalho, incluem-se oito

alíneas:

a. A alínea a) faz referência à caducidade, depois desenvolvida na Secção II

(artigos 343.º e seguintes CT);

b. A alínea b) alude somente à revogação, constando a matéria dos artigos

349.º e seguintes CT (Secção III);

c. As alíneas c) a g) dividem a resolução no seu tratamento, abrangendo

várias modalidades:

i. O despedimento por facto imputável ao trabalhador, que se refere a alínea c),

regulado nos artigos 351.º e seguintes CT;

ii. O despedimento coletivo, alínea d), constante dos artigos 359.º e seguintes

CT;

iii. O despedimento por extinção do posto de trabalho, na alínea e) (artigos 367.º

e seguintes CT);

iv. O despedimento por inadaptação, na alínea f), que vem regulado nos artigos

373.º e seguintes CT;

v. A resolução pelo trabalhador, na alínea g), que surge nos artigos

394.º e seguintes CT.

d. A denúncia só se alude a que é invocada pelo trabalhador (alínea h)) –

omitindo-se a denúncia pelo empregador, como se não existisse – que vem

regulada nos artigos 400.º e seguintes CT.

2. Relevo da cessação do contrato no domínio laboral: a cessação do contrato de

trabalho tem particular relevo no domínio laboral, essencialmente, por duas razões:

a. O Direito do Trabalho é particularmente sensível no que tange à

proteção do trabalhador, e um dos aspetos em que a tutela do

prestador da atividade se apresenta de considerável relevância é o da

segurança no emprego, com previsão constitucional (artigo 53.º CRP).

Principalmente quando as estatísticas apresentam taxas elevadas de

desemprego, por motivos de vária ordem, em particular de índole social,

torna-se premente a defesa da manutenção do emprego. Mas a segurança no

empreso tem de ser ponderada atendendo à prossecução da finalidade da

empresa, designadamente à sua competitividade.

b. Com alguma frequência, as questões jurídicas relacionadas com a

aplicação de normas laborais de diferentes institutos, como o dever de

lealdade, o valor da retribuição ou o gozo das férias, surgem a

propósito da cessação do contrato; como causa de cessação ou como

problema lateral à cessação.

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As razões indicadas justificam, por um lado, as restrições legais à cessação do

contrato de trabalho da iniciativa do empregador e, por outro, a natureza imperativa

do regime (artigo 339.º CT), que constitui um entrave à autonomia contratual, em

particular no domínio do contrato de trabalho, mas também em sede de contratação

coletiva. No âmbito laboral, a cessação do vínculo assume uma relevância extrema e,

por isso, mais do que em qualquer outro contrato, além da extensão que lhe é dada

pela lei (artigos 338.º a 403.º CT), encontra-se um número muito elevado de decisões

jurisprudenciais, em especial no que respeita ao despedimento e a doutrina tem dado

um tratamento desenvolvido à matéria da extinção do contrato de trabalho. No

fundo, o contrato de trabalho atendendo à especial proteção conferida ao trabalhador,

assenta numa particular distribuição do risco – diferente da que existe noutros

vínculos – em que o empregador, entre outros aspetos, assume o risco da subsistência

do contrato quando não tem nisso interesse.

3. Regime geral da cessação do contrato de trabalho:

a. Segurança no emprego: no artigo 53.º CRP prescreve-se que são proibidos

os despedimentos sem justa causa. Com base nesta disposição, desde logo

encontra-se banida a denúncia discricionária, ad nutum, do contrato de

trabalho por parte do empregador; o contrato de trabalho, não obstante ser

de execução continuada, só pode cessar por vontade da entidade patronal se

existir um motivo atendível. Apesar de a previsão constitucional de segurança

no emprego constituir uma particularidade do regime português, a

consagração do princípio generalizou-se nos países da União Europeia,

sendo um postulado da OIT. Mesmo noutros espaços jurídicos, com

contornos algo distintos, é frequente a consagração do princípio de segurança

no emprego.

b. Solução legislativa: o regime da cessação do contrato de trabalho consta

dos artigos 338.º e seguintes CT e corresponde a uma solução de

compromisso entre o sistema tradicional da cessação do contrato de trabalho,

assente nos princípios de Direito Civil com ligeiras correções e a regra de

proteção da estabilidade do emprego. Atualmente, com o Código do

Trabalho, na sequência do regime precedente, subsiste uma solução de

compromisso. Estão proibidos os despedimentos sem justa causa (artigo

338.º CT), mas, por um lado, a justa causa pode ser subjetiva, por facto

imputável ao trabalhador (artigo 351.º CT), ou objetiva (v.g. artigo 359.º CT)

e, por outro lado, admite-se a inclusão de termo resolutivo em situações que

extravasam o sentido tradicional desta cláusula acessória.

c. Uniformidade e imperatividade do regime da cessação: as soluções

constantes dos artigos 338.º e seguintes CT aplicam-se aos contratos de

trabalho de regime comum, em que predomina uma relação laboral no seio

empresarial, assim como aos contratos de trabalho com regime especial,

sempre que das respetivas regras não constem preceitos particulares que

derroguem as regras gerais ou não exista incompatibilidade do regime geral

com as especificidades de tais contratos (artigo 9.º CT). Além do regime

comum de cessação do contrato, subsistem regras especiais estabelecidas em

determinados tipos negociais, como os artigos 10.º, n.º8 Portaria n.º

1497/2008, artigos 27.º e seguintes Decreto-Lei n.º 235/92 e os artigos 26.º

e seguintes Lei n.º28/98. O regime comum de cessação do contrato

propende para uma uniformidade, pois, por via de regra, não se estabelecem

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diferenças em função do tipo de trabalhador ou do género de empresa,

equiparando-se situações distintas. Quanto ao trabalhador, não obstante a

substancial diferença introduzida pelo Código, a nível indemnizatório, o

legislador não diferencia de modo relevante as situações culposas das isentas

de culpa, e identifica sob vários aspetos as diversas causas de cessação do

contrato. De facto, quanto aos valores a pagar em casos de cessação de

contrato, a indemnização por despedimento ilícito (artigo 389.º, n.º1, alínea

a) CT) pode ser inferior à compensação devida em caso de despedimento

coletivo (artigo 366.º CT), porque, neste, se atende à duração do contrato, o

que pode não ocorrer na hipótese de despedimento ilícito; esta discrepância,

é, porém, minimizada tendo em conta a previsão do artigo 391.º CT, onde se

confere ao trabalhador ilicitamente despedido o direito de optar por uma

indemnização que substitui a reintegração. Também das alterações

introduzidas em 2012m nos artigos 344.º e 361.º CT decorre a ideia de

uniformizar a compensação em caso de cessação do contrato com causas

objetivas. Além da diferença no plano da indemnização, importa aludir a

algumas distinções relativas ao tipo de trabalhador ou de empresa, que

contrariam a propensa uniformidade. A natureza injuntiva da cessação do

contrato de trabalho consta do artigo 339.º CT; situação que não é exclusiva

do âmbito laboral, pois, no arrendamento urbano, o disposto sobre cessação

do contrato também tem natureza imperativa (artigo 1080.º CC). A

mencionada imperatividade admite, contudo, exceções. Não se permite que,

por instrumento de regulamentação coletiva ou por contrato de trabalho, se

estatua qualquer alteração ao regime da cessação do contrato, ainda que mais

favorável ao trabalhador, mas há que atender a disposições legais que

permitem a sua derrogação e à previsão constante dos n.º2 e 3 do artigo 339.º

CT. De entre as normas que consubstanciam disposição legal (em contrário)

importa atender aos diplomas sobre contratos de trabalho com regime

especial, nomeadamente os já citados artigos 10.º, n.º8 Portaria n.º1497/2008

(contrato de aprendizagem), 27.º e seguintes Decreto-Lei n.º 235/92

(contrato de serviço doméstico) e artigos 26.º e seguintes Lei n.º 28/98

(contrato de praticante desportivo). Das exceções constantes dos n.º2 e 3 do

artigo 339.º CT resulta que a derrogação do regime pode unicamente constar

de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Tendo por base o

disposto no n.º2 conclui-se que podem ser regulados por instrumento de

regulamentação coletiva de trabalho os critérios de definição de

indemnizações, assim como os prazos de procedimento e de aviso prévio

constantes do Capítulo da cessação do contrato. Daqui se infere que a

convenção coletiva não poderá, por exemplo, restringir ou alargar a noção de

justa causa de despedimento ou modificar os fundamentos do despedimento

coletivo. Mas já será admissível que, em instrumento de regulamentação

coletiva, sejam regulados os valores das indemnizações devidas em caso de

cessação do contrato de trabalho (artigo 349.º, nº4 CT). Cabe ainda referir

que no artigo 349.º, n.º3 CT se admite que as partes, ao revogarem o contrato

de trabalho, acordem quanto a outros efeitos não previstos na lei. A

imperatividade do regime tem de ver com o facto de, no âmbito laboral, ser

problemática a garantia de uma vontade do trabalhador livre e esclarecida na

celebração de acordos com o empregador. Coloca-se, portanto, a dúvida

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quanto à vontade livre e esclarecida das partes para efeitos de formação de

diferentes acordos que alterem o regime especial de cessação do contrato. De

facto, o contrato de trabalho assenta numa estrutura de direção-subordinação

e o trabalhador exerce a sua atividade em regime de subordinação jurídica (e,

eventualmente, económica), designada heterodeterminação, enquanto ao

empregador são conferidos os poderes de direção e disciplinar. A relação

jurídica emergente do contrato de trabalho é tendencialmente desequilibrada,

quer no plano jurídico quer no plano económico. No âmbito laboral, há

alguns aspetos que podem indiciar uma posição de supremacia do

empregador: a possibilidade de determinação ou de conformação da

atividade por este exercida e, sobretudo, o exercício do poder disciplinar, que

faculta ao empregador a aplicação de sanções disciplinares sem necessidade

de recurso a intervenção judicial. No plano oposto, o trabalhador encontra-

se numa posição passiva, em particular resultante da subordinação jurídica,

de que resulta um dever de obediência em relação às ordens, regras ou

orientações emanadas do respetivo empregador, dentro dos limites do

contrato e das normas que o regem. Por outro lado, frequentemente a relação

laboral pressupõe a subordinação económica do trabalhador em dois

sentidos:

i. Os rendimentos do trabalho constituem o seu principal meio de subsistência;

ii. O processo produtivo para o qual o trabalhador contribui não é dominado pelo

próprio, mas sim pelo empregador, detentor dos meios de produção e do poder de

gestão da empresa.

Por isso, não raras vezes se afirma que a relação jurídica de trabalho é

desequilibrada, pois assenta num desnível jurídico e económico, por força do

qual o trabalhador, enquanto contraente mais débil, se coloca

contratualmente numa situação de inferioridade em relação ao empregador.

Mas a imperatividade tem um âmbito mais alargado, pois também não

confere aos instrumentos de regulamentação coletiva validade para

intervirem nesta questão, salvas as exceções indicadas.

d. Consequências da cessação: a cessação do vínculo extingue as obrigações

das pares que respeitam ao cumprimento do contrato de trabalho, mas

determina a constituição de certas prestações. Associado às questões formais

resultantes da extinção, neste contrato, de modo mais premente do que em

outros vínculos, atende-se frequentemente às consequências da extinção na

pessoa do trabalhador, por vezes relacionado com a perda do meio de

sustento. Importa referir que estas condicionantes foram tidas em conta na

previsão limitada de situações de cessação do contrato de trabalho, não

devendo ser ponderadas duas vezes; por isso, na apreciação dos pressupostos

das situações de cessação, ainda que esses dados pessoais possam estar

subjacentes, não são relevantes, sob pena de se introduzirem mais elementos

subjetivos na aplicação do Direito do Trabalho. Importa ainda referir que,

contrariamente ao que é preconizado por alguma doutrina, não há que

distinguir a cessação do contrato de trabalho da extinção da relação laboral,

porque o contrato é de execução continuada, não se podendo acantoná-lo ao

mero ato de celebração. Como dispõe o artigo 341.º CT, tendo cessado o

contrato de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador um

certificado de trabalho, do qual constarão as datas de admissão e de termo,

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bem como o cargo ou cargos desempenhados (n.º1, alínea a)), e outros

documentos destinados a fins oficiais, nomeadamente para a segurança social,

de modo a poder ser atribuído ao trabalhador subsídio de desemprego (n.º1,

alínea b)). Cessando o contrato de trabalho, impende sobre o trabalhador o

dever de devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho

e quaisquer outros objetos que sejam pertença deste (artigo 342.º CT).

Consagra-se um princípio geral, que decorre das regras comuns,

nomeadamente de Direito das Obrigações e de Direitos Reais. O

incumprimento deste dever de devolução determina a aplicação das regras

gerais de responsabilidade civil, concretamente dos artigos 483.º e seguintes

e 798.º e seguintes CC, por um lado, e dos artigos 563.º e seguintes CC, por

outro. Do disposto no artigo 342.º CT deduz-se que a falta do empregador

(discutível ou mesmo por ele reconhecida) de pagamento de quaisquer

quantias ao trabalhador, em princípio, não confere a este direito de retenção

sobre os instrumentos de trabalho ou outros objetos que sejam pertença

daquele. De facto, tendo em conta a previsão geral do artigo 754.º CC, para

haver direito de retenção será necessário que o crédito do trabalhador resulte

de despesas feitas por causa desses objetos do empregador ou de danos por

eles causados. Por sua de regra, os montantes que o empregador tem a pagar

ao trabalhador aquando da cessação do contrato não se relacionam com essas

duas hipóteses. Acresce que entre as situações especiais de direito de retenção

(artigo 755.º CC) não se inclui o trabalhador no elenco de credores

privilegiados. Por último, da cessação do contrato resulta a obrigação de

acerto de contas, pelo que se podem constituir prestações específicas próprias

da extinção. Nesse acerto de contas, além de se atender a prestações

vincendas, tem particular relevância aludir às obrigações que se vencem em

virtude da cessação do vínculo. Neste sentido importar referir o disposto no

artigo 245.º CT relativo aos efeitos da cessação do contrato de trabalho no

direito a férias e correspondente subsídio: o trabalhador tem direito a receber

uma quantia proporcional ao tempo de serviço prestado no ano em que cessa

o contrato e, não tendo ainda gozado as férias vencidas no dia 1 de janeiro

desse ano, tem direito a receber também a quantia referente a essas férias e

ao correspondente subsídio. Do mesmo modo, como prescreve a alínea b)

do n.º2 do artigo 263.º CT, cessando o contrato, o trabalhador tem direito a

receber o proporcional do subsídio de Natal correspondente ao tempo de

serviço prestado nesse ano. Qualquer das situações anteriormente indiciadas

corresponde a deveres de execução pós-contratual, que decorrem da cessação

do vínculo; vencendo-se, por isso, com a extinção do contrato, pelo que tais

obrigações serão cumpridas após a dissolução do contrato de trabalho. No

fundo, como ocorre em outros contratos, estar-se-á no âmbito do que se

pode designar por consequências da liquidação; a relação contratual extingue-

se e tem de se proceder à respetiva liquidação.

4. Causas de cessação: depois de se reiterar no artigo 338.º CT a proibição de

despedimento sem justa causa, mencionam-se no artigo 340.º CT as modalidades de

cessação do contrato de trabalho. Neste preceito, como formas de cessação, indica-

se:

a. Caducidade;

b. Revogação;

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c. Despedimento por facto imputável ao trabalhador;

d. Despedimento por extinção do posto de trabalho;

e. Despedimento por inadaptação;

f. Resolução pelo trabalhador;

g. Denúncia pelo trabalhador.

Não se trata de um elenco de causas, mas da indicação de diversas modalidades de

cessação, devendo proceder-se ao seu enquadramento dogmático nas tradicionais

causas de cessação do vínculo contratual. A evolução dogmática operada no Direito

do Trabalho não se encontra noutros espaços jurídicos, onde, frequentemente, a

cessação do contrato é estudada através do elenco (exaustivo) das várias causas de

extinção – morte, reforma, incapacidade, decisão do trabalhador, despedimento (por

causas subjetivas e objetivas), acordo, etc. –, surgindo, porém, determinadas

construções em que as formas de cessação se reconduzem a três tipos –

despedimento com justa causa, acordo e despedimento económicos. Mas, em alguns

manuais, a cessação do contrato de trabalho resume-se quase só ao despedimento,

sendo feitas referências a outras causas de modo disperso depois de um tratamento

exaustivo dos diferentes aspetos do despedimento. E, tal como na legislação

precedente, também noutras ordens jurídicas, por vezes, a mesma forma de cessação

do vínculo surge diversamente denominada, consoante seja exercida pelo trabalhador

ou pelo empregador; assim, a resolução por incumprimento surgia na LCCT como

rescisão ou despedimento com justa causa e, no Direito italiano, como dimissioni

(quando exercida pelo trabalhador) ou licenziamento (quando exercida pelo

empregador) e, no sistema francês, faz-se idêntica contraposição entre démission e

licenciament. Mais do que em outros contratos, a questão terminológica dos meios de

cessação do vínculo assume particular relevo no âmbito laboral, até por motivos de

ordem psicológica; o Código do Trabalho de 203 pretendeu evirar essa dispersão,

mas a mesma retornou com a revisão de 2009. O contrato de trabalho caduca nos

termos gerais (artigo 343.º e seguintes CT), pode ser revogado por acordo das partes

(artigos 349.º e seguintes CT) e, verificados determinados pressupostos, extingue-se

por decisão unilateral de uma das partes. Quanto à decisão unilateral, importa

distinguir três situações: a resolução, baseada no incumprimento da contraparte, a

resolução por causa alheias à atuação das partes e a denúncia. A resolução fundada

na conduta indevida de uma das partes distingue-se terminologicamente, consoante

o incumprimento seja imputável ao trabalhador, designadamente, consoante o

incumprimento seja imputável ao trabalhador, designada por justa causa de

despedimento (artigo 351.º CT), ou ao empregador, por justa causa de resolução

(artigo 394.º, n.º2 CT). A resolução por causas alheias à atuação das partes também

se diferencia em moldes idênticos. Sendo a resolução da iniciativa do empregador

designa-se despedimento e abrange três situações:

a. Despedimento coletivo (artigo 359.º CT);

b. Despedimento por extinção de posto de trabalho (artigo 367.º CT); e

c. Despedimento por inadaptação (artigo 373.º CT).

Estas três hipóteses, por contraposição à justa causa de despedimento (subjetiva), são

por vezes denominadas despedimento por justa causa objetiva. No caso de a

resolução ser da iniciativa do trabalhador, contrapõe-se a justa causa subjetiva, em

que há culpa do empregador (artigo 394.º, n.º2 CT), à justa causa objetiva, sem culpa

do empregador (artigo 394.º, n.º3 CT). Por último, a denúncia implica a cessação do

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contrato de trabalho por declaração unilateral de qualquer das partes, sem invocação

do motivo. Na sequência do regime geral, há a duas modalidades de denúncia:

a. Para obstar à renovação ou à conversão do contrato a termo (artigo

344.º CT);

b. Ou como modo de impedir a prossecução de uma relação jurídica

duradoura.

Nesta segunda modalidade cabe fazer referência a três situações:

a. Denúncia durante o período experimental (artigo 114.º CT);

b. Denúncia no regime de comissão de serviço (artigo 163.º CT);

c. Denúncia com aviso prévio por parte do trabalhador (artigo 400.º CT).

Das três situações de denúncia, a última é exclusiva do trabalhador, sendo as duas

outras hipóteses de denúncia invocáveis por ambas as partes. Poder-se-ia questionar

se, descurando a denúncia pelo empregador, omitida pelo legislador, há outras causas

de cessação além das previstas no artigo 340.º CT, ou se, pelo contrário, a indicação

legal é taxativa. A lei não pode prever todos os meios de cessação de um vínculo

contratual e encontram-se hipóteses de extinção do contrato de trabalho não

incluídas diretamente no elenco daquele preceito. Contudo, assentando numa noção

de caducidade em sentido amplo, como a que resulta do corpo do artigo 343.º CT,

pode concluir-se que as situações atípicas de cessação do contrato de trabalho que

não se reconduzem diretamente às hipóteses previstas no artigo 340.º CT se podem

enquadrar numa noção ampla de caducidade, que abrange diferentes situações. De

facto, pode concluir-se que a caducidade do contrato de trabalho também ocorrerá

na multiplicidade de hipóteses em que se inviabiliza a execução das prestações

contratuais; por outro lado, os vínculos contratuais cessam igualmente em razão de

causas de extinção das obrigações além do cumprimento; e, no caso, haveria que

atender à confusão (artigo 868.º CC). Deste elenco de causas de cessação do contrato

de trabalho resulta, como melhor se verá na exposição subsequente, que não há

paridade na posição das partes; dos mecanismos jurídicos conferidos ao empregador

e ao trabalhador, com vista à cessação do contrato, só em relação àquele se

estabeleceram condicionadas à liberdade de livre desvinculação. No Código do

Trabalho, não obstante o elenco incompleto do artigo 340.º CT, as modalidades de

cessação do contrato de trabalho reconduzem-se, assim, às quatro formas típicas de

extinção das relações obrigacionais, para além daquela que decorre do próprio

cumprimento das obrigações: a caducidade, a revogação e a denúncia. Nos termos

gerais, a resolução e a denúncia resultam ambas de declaração de vontade unilateral

de uma das partes, dirigida à contraparte, ainda que em termos não coincidentes: no

primeiro caso, trata-se de uma declaração fundamentada, no sentido em que depende

da invocação de um motivo legalmente atendível; no caso da denúncia, a declaração

de vontade é imotivada (ad nutum). A revogação resulta de um ajuste contratual levado

a efeito pelos contraentes com vista à cessação do contrato. A caducidade determina

a extinção do contrato em função do decurso do tempo ou da ocorrência de um facto

superveniente. A resolução do contrato de trabalho depende da existência de justa

causa. Assim sucede com o despedimento por facto imputável ao trabalhador (artigo

351.º CT) ou com base na designada justa causa objetiva (artigos 359.º e seguintes

CT), bem como com a cessação unilateral da iniciativa do trabalhador decorrente de

um comportamento culposo do empregador (artigo 394.º, n.º2 CT). A denúncia

consubstancia, também, uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho.

Todavia, ao contrário da resolução, a denúncia é ad libitum, tendencialmente de

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exercício discricionário, de facto, para a denúncia não se exige a invocação de um

motivo a tanto dirigido e pode, em regra, ser exercida de forma não condicionada.

No domínio laboral, a denúncia, além de discricionária, excecionalmente pode não

estar dependente de aviso prévio – é o que ocorre no caso da cessação durante o

período experimental (artigo 114.º, nº.1 CT); mas, por via de regra, na sequência do

regime geral, a boa fé impõe que a cessação do vínculo por denúncia seja antecedida

de um período de preparação, pelo que se exige aviso prévio. Assim, tendo o período

experimental durado mais de sessenta dias, o empregador, para fazer cessar o

contrato por denúncia, tem de dar um aviso prévio de sete dias (artigo 105.º, n.º2

CT); no regime da comissão de serviço, o aviso prévio é de trinta ou sessenta dias

(artigo 163.º CT) e, no caso da cessação do contrato de trabalho a termo certo, a

comunicação tem de ser enviada quinze ou oito dias antes de o prazo expirar (artigo

344.º CT). A revogação, ou distrate, consubstancia um negócio jurídico bilateral

destinado a fazer cessar um contrato de trabalho. Resulta da autonomia privada e

representa o exercício da liberdade contratual, que se manifesta, neste caso, na

celebração do contrato extintivo (artigo 406.º, n.º1 CC). Está, pois, em causa, na

revogação, a destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do

contrato, que se caracteriza por ser discricionária e por não ser, em princípio,

retroativa: as partes não necessitam de invocar qualquer fundamento (revogação ad

nutum ou ad libitum) e os efeitos da revogação, em regra, apenas valem para o futuro

(ex nunc). No âmbito laboral, a revogação do contrato consubstancia um negócio

jurídico formal, no sentido em que a lei exige a observância da forma escrita e de um

conjunto de formalidades destinadas a promover a proteção do trabalhador (artigos

349.º e 350.º CT).

Caducidade:

1. Noção e causas: Forma e formalidades: o contrato de trabalho pode cessar,

nomeadamente, por caducidade. Em caso de caducidade, o contrato cessa pela

ocorrência de um facto jurídico stricto sensu, por exemplo, na hipótese de extinção do

objeto ou pela verificação de qualquer facto ou evento superveniente a que se atribua

efeito extintivo da relação contratual. Assim, no domínio laboral, a caducidade

implica a extinção do contrato de trabalho sempre que as prestações devam ser

realizadas um determinado prazo, fixado por lei ou convenção das partes. Como

exemplo típico cabe indicar o contrato ao qual foi aposto um termo resolutivo (artigo

140.º CT). Por outro lado, também se estará perante uma hipótese de caducidade

quando se esgota o objeto do contrato ou ocorre um evento a que se atribui efeito

extintivo, como, por exemplo, a morte do trabalhador. Tal como em outros contratos,

a caducidade pode resultar da impossibilidade não imputável a uma das partes de

efetuar a sua prestação; de facto, num vínculo sinalagmático como o contrato de

trabalho, se uma das partes não pode realizar a sua prestação a contraparte fica

desobrigada da contraprestação (artigo 795.º, n.º1 CC). Esta extinção recíproca das

prestações contratuais designa-se por caducidade no artigo 343.º CT, que inclui, entre

as causas de caducidade do contrato de trabalho, a impossibilidade superveniente de

prestar ou de receber o trabalho. Não obstante se reconhecer a distinção entre as

duas situações; na sequência do que já foi feito anteriormente, incluir-se-á o estudo

da impossibilidade superveniente a propósito da caducidade. Deste modo, aludir-se-

á à caducidade em sentido amplo, como forma de cessação do contrato de trabalho

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que decorre de um facto a que a lei atribui o efeito extintivo. Até porque, em ambas

as situações, a cessação do contrato advém de um facto jurídico stricto sensu, não

dependente de uma declaração de vontade. No contrato de trabalho, por via de regra,

a caducidade também funciona automaticamente, não necessitando de ser invocada

por qualquer das partes. A caducidade opera pelo decurso do prazo para o qual o

contrato foi celebrado ou, noutras hipóteses, pela ocorrência de um facto a que a lei

atribui efeito extintivo. Por via de regra, a caducidade determina automaticamente a

extinção do vínculo. Noutros casos, porém, quando vigore, por lei depende de uma

denúncia prévia do contraente interessado em obstar à renovação automática do

contrato. É o que sucede no domínio laboral com a caducidade dos contratos de

trabalho a termo certo: o contrato caduca se a parte interessada comunicar a intenção

de não renovação do contrato à contraparte com a antecedência mínima de quinze

ou oito dias, sob pena de o contrato se renovar por período igual ao inicialmente

estabelecido (artigos 149.º, n.º2 e 344.º CT). O contrato de trabalho caduca também,

nos termos da lei, em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de

o trabalhador prestar o seu trabalho (artigo 343.º, alínea c) e 348.º CT) ou em caso

de morte do empregador e extinção ou encerramento da empresa (artigo 346.º CT).

Ainda que se admita, excecionalmente, que, por acordo em contrário, a caducidade

tenha eficácia retroativa, esta convenção é, contudo, de duvidosa legalidade no

âmbito laboral, atendendo aos limites impostos à autonomia privada no Código do

Trabalho (em particular, a regra da imperatividade do artigo 339.º CT). Em princípio,

se o contrato for celebrado por um determinado prazo, decorrido esse período de

tempo, o negócio jurídico caduca. Todavia, no domínio laboral, a regra aponta no

sentido de, não obstante o contrato ser celebrado por um determinado prazo, se

decorrer esse lapso, ocorre a renovação automática e o contrato não caduca (artigo

149.º, n.º2 CT). A renovação automática assenta no pressuposto de o contrato de

trabalho ter sido ajustado por certo prazo, pelo que não vale em caso de termo incerto.

Contudo, no domínio laboral, a aposição de uma condição está limitada,

relacionando-se a sua admissibilidade com algumas situações em que é viável ajustar

um contrato a termo incerto. Apesar de se ter esclarecido que a verificação da

condição resolutiva não determina a caducidade do contrato mas a sua resolução, em

razão da imperatividade do regime laboral, as eventuais hipóteses de condição

resolutiva admissíveis encontram-se previstas no regime do termo incerto. No caso

de termo incerto, o contrato produz os seus efeitos normais desde a data da

celebração, mas os efeitos cessam, porém, no caso de se verificar o facto extintivo.

Sendo o contrato de trabalho ajustado a termo incerto (artigos 140.º, n.º3 CT), a

caducidade não se encontra na dependência da comunicação do empregador ao

trabalhador (artigo 345.º, n.º1 CT), pois o contrato caduca independentemente dessa

informação. Mas a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto é atípica,

porque, apesar de verificados os seus pressupostos, permite a conversão da situação

jurídica temporária num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não

caduca se o trabalhador, decorrido o prazo de aviso ou depois de verificado o termo

ou a condição resolutiva, continuar ao serviço (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-

se-á, assim, que a caducidade do contrato é condicional, pois depende de o

trabalhador abandonar o serviço; deste modo, além dos pressupostos comuns, a

caducidade do contrato de trabalho a termo incerto está dependente da condição de

a atividade não continuar a ser desenvolvida. Em sentido amplo, a caducidade pode

decorrer do desaparecimento de certos pressupostos que serviram de base para a

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celebração do contrato de trabalho. Estas hipóteses em que deixam de existir os

pressupostos nos quais as partes se basearam para a celebração do contrato melhor

se enquadram na impossibilidade superveniente ou, eventualmente, na alteração das

circunstâncias; podendo, neste caso, constituir uma hipótese de resolução com causa

objetiva. É o que acontece nos termos do artigo 394.º, n.º3, alíneas a) e b) CT).

Importa esclarecer que a caducidade se distingue da resolução com causas objetivas

porque, nesta, a cessação do vínculo depende de uma declaração de vontade

justificada, distinta, portanto, de denúncia (ad nutum) que gera caducidade. No regime

geral, sempre que o contato caducar por impossibilidade superveniente, importa

averiguar se há ou não culpa de uma das partes. E, havendo culpa no que respeita à

produção do facto que desencadeou a caducidade, o responsável terá de indemnizar

a contraparte pelos danos decorrentes da cessação do vínculo. Mas esta

contraposição não vale no âmbito laboral, em que a caducidade se baseia em

postulados distintos. O trabalhador não responde pela caducidade do contrato, ainda

que tenha atuado culposamente. A responsabilidade pode advir, tão-só, do regime

geral de neminem laedere (artigo 483.º, n.º1 CC). Por seu turno, o empregador, ainda

que não tenha tido culpa no que respeita à causa de caducidade do contrato, pode ter

de compensar o trabalhador nos casos previstos na lei. Assim, no caso de caducidade

do contrato de trabalho por verificação do termo incerto (artigo 345.º, n.º4 CT) ou

motivada por morte do empregador e extinção ou encerramento da empresa (artigo

346.º, n.º5 CT) é devida uma compensação ao trabalhador. Não obstante a

caducidade do contrato, tal como noutras situações contratuais, a subsistência do

vínculo contratual pode pressupor o seu renascimento, ou seja, a renovação do

contrato. Esta renovação do contrato, porém, por motivos lógicos, não pode valer

para todas as hipóteses de caducidade do contrato de trabalho, pois em certos casos

em que a extinção da relação contratual opera ipso iure não se justifica o seu

renascimento. Assim, no caso de morte do trabalhador (artigo 343.º, alínea b) CT)

não faz sentido aludir-se à subsistência do vínculo contratual. Mas ainda que a

caducidade opere automaticamente – não havendo, pois, renovação do contrato – o

cumprimento das prestações depois de o negócio jurídico ter caducado determina a

sua subsistência. É isso que prescreve o artigo 147.º, n.º1 CT quanto ao contrato de

trabalho a termo incerto. Em tais casos, o cumprimento das prestações do contrato

caducado, durante mais de quinze dias após a ocorrência do termo, depreende-se que

há uma vontade das partes no sentido da manutenção do vínculo.

2. Regime específico; enunciação: no artigo 343.º CT, depois de se estabelecer que

o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, a título exemplificativo, indicam-se

três causas de caducidade:

a. Verificação do termo (alínea a));

b. Impossibilidade superveniente (alínea b));

c. Reforma do trabalhador (alínea c)).

A estes três exemplos poderia acrescentar-se a perda do título profissional (artigo

117.º n.º2 CT) ou o cancelamento da autorização de permanência em Portugal de

trabalhador estrangeiro, hipóteses que, todavia, se podem enquadrar na

impossibilidade superveniente, bem como em situações atípicas de cessação do

contrato, tais como no caso do trabalhador que, por ter adquirido uma percentagem

significativa das participações sociais da sociedade empregadora, se torna dono da

empresa em que trabalha. Incluem-se, assim, na mesma figura (caducidade) situações

bem diversas e com regimes distintos. A caducidade, correspondendo a uma forma

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ampla de cessação do contrato de trabalho, abrange várias hipóteses que

eventualmente poderiam ser integradas noutros modos de extinção do vínculo

laboral. Deste modo, a incapacidade do trabalhador para a execução da tarefa,

dependendo das circunstâncias, tanto pode corresponder a uma impossibilidade

superveniente, absoluta e definitiva de prestar o seu trabalho (artigo 343.º, alínea b)

CT), como a uma inadaptação do trabalhador, prevista no artigo 373.º CT. Do

mesmo modo, a proibição de exercício de uma atividade empresarial pode incluir-se

na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de

a. O empregador receber a prestação de trabalho (artigo 343.º, alínea b) CT);

b. No encerramento total e definitivo da empresa (artigo 346.º, n.º3 CT);

ou

c. No encerramento de uma secção por motivos de mercado (artigo 359.º

CT).

Nesta sequência, refira-se ainda que, como se aludirá infra, nem sempre é fácil

delimitar o âmbito de aplicação da caducidade e do despedimento coletivo, porque a

impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a empresa receber a prestação

de trabalho, muitas das vezes, encontra-se na dependência de uma decisão

empresarial que pode justificar um despedimento coletivo. Em qualquer destas

situações, não se pode concluir que a caducidade é a forma genérica e a inadaptação

ou o despedimento coletivo os meios específicos de cessação do contrato de trabalho;

e, em caso de conflito, preferem estas àquela. Por outro lado, também não parece

aceitável entender que se deve recorrer preferencialmente ao despedimento coletivo,

à extinção de postos de trabalho ou à inadaptação porque conferem melhor proteção

ao trabalhador do que a caducidade. A decisão terá de ser tomada perante a situação

concreta.

3. Verificação do termo: a primeira hipótese de caducidade (alínea a)) corresponde à

situação típica de extinção do negócio jurídico sempre que as prestações devam ser

realizadas num determinado prazo, fixado por lei ou convenção das partes, em que

o exemplo normalmente apontado é o do contrato ao qual foi aposto um termo

resolutivo, previsto no artigo 278.º CC. Contudo, no contrato de trabalho, atendendo

a uma limitação à liberdade contratual, o termo resolutivo só pode ser aposto desde

que respeitadas as condicionantes estabelecidas nos artigos 140.º e seguintes CT. No

contrato de trabalho a termo certo, diversamente o regime comum, a caducidade não

opera ipso iuris, pois estabeleceu-se a regra da renovação automática (artigo 149.º CT)

e da conversão (artigo 147.º CT), havendo, por isso, a necessidade de ser invocada

por qualquer das partes mediante denúncia. Nada obsta, porém, a que se celebre um

contrato de trabalho por um prazo determinado não renovável; nesse caso, decorrido

o prazo, o contrato caducará ipso facto; ou seja, a caducidade opera, então,

automaticamente, não carecendo de uma prévia denuncia, porque o negócio jurídico

deixou de estar sujeito a renovação automática. De facto, ainda que a renovação

automática decorra da lei, não se encontra inviabilizada a celebração de um contrato

de trabalho por um prazo determinado não renovável; em tal hipótese, decorrido o

período ajustado, o contrato caducará sem necessidade de uma prévia denúncia.

Deste modo, mesmo quando a renovação automática é imposta legalmente, não se

trata de norma imperativa, como resulta do n.º1 do artigo 149.º CT, que pode,

portanto, ser afastada por vontade das partes. Do mesmo modo, no contrato de

trabalho a termo incerto, a verificação do facto determina a automática extinção do

vínculo contratual (artigo 345.º, n.º1 e 3 CT), pelo que a comunicação imposta neste

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preceito decorre da boa fé negocial e a sua falta não determina a manutenção do

contrato, mas tão-só uma obrigação de indemnizar o trabalhador (artigo 345.º, n.º3

CT). Contudo, a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto, como se referiu

supra, encontra-se na dependência da condição de o trabalhador não permanecer ao

serviço após a data em que se produziria o efeito extintivo, ou seja, é uma caducidade

atípica, pois exige um pressuposto adicional para a produção de efeitos. A caducidade

por verificação do termo, embora na alínea a) do artigo 242.º CT não se distinga,

segue um regime diverso consoante se trate de:

a. Contrato a termo certo: se o empregador pretende fazer cessar o contrato

a termo certo, deverá enviar ao trabalhador uma declaração de vontade

demonstrando a intenção de não renovar o negócio jurídico; declaração essa

que tem de ser feita por escrito e com a antecedência mínima de quinze (15)

dias em relação ao prazo de vigência do contrato (artigo 344.º, n.º1 CT). Esta

declaração consubstancia uma denúncia, pois obsta à renovação do contrato

e, eventualmente, à sua conversão, pelo que a caducidade será uma

consequência da denúncia. Sendo o trabalhador que pretende pôr termo ao

contrato, é necessário igualmente manifestar a sua vontade; só que, neste caso,

a denúncia com pré-aviso impõe que seja feita por escrito com oito (8) dias

de antecedência. Neste caso, a caducidade também é uma consequência da

denúncia. Ainda quanto ao contrato de trabalho a termo certo, admitindo a

validade de uma cláusula de não renovação, a caducidade operará

automaticamente como o decurso do prazo, não sendo necessário proceder-

se à denúncia. Nesta hipótese, a caducidade apresenta autonomia em relação

à denúncia. Não caducando no fim do prazo, o contrato renova-se, em

princípio, por igual período (artigo 149.º, n.º2 CT), podendo converter-se em

contrato sem termo (artigo 147.º, n.º2 CT). Caducando o contrato a termo

certo por decisão do empregador, o trabalhador tem direito à compensação

prevista no n.º2 do artigo 344.º CT. Trata-se de uma situação excecional

resultante da precariedade do vínculo, pois, como se referiu, por via de regra,

a caducidade do contrato não determina a obrigação de pagar uma

compensação. Com a revisão de 2012, a compensação prevista no n.º2 do

artigo 344.º CT deixou de ter um regime especial de cálculo, sendo fixada nos

termos do despedimento coletivo, para cujo artigo 366.º CT.

b. Contrato a termo incerto: este contrato não se renova, caducando com a

verificação do termo, mas o empregador deverá comunicar ao trabalhador

que tal facto vai ocorrer com uma antecedência mínima de sete a sessenta (7-

70) dias (artigo 345.º, n.º1 CT), sob pena de incorrer no dever de indemnizar

(artigo 345.º, n.º3 CT). Não obstante a caducidade ser automática, admite-se

a conversão do contrato a termo incerto num contrato sem termo se o

trabalhador permanecer no desempenho da sua atividade decorrido o prazo

de comunicação ou, na falta desta, passados quinze (15) dias sobre a data em

que deveria cessar a relação laboral (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). A

possibilidade de conversão, principalmente no que respeita ao contrato de

trabalho a termo incerto, confere à caducidade uma certa atipicidade, pois,

nesse caso, a relação laboral caduca, mas não se extingue, transforma-se. A

caducidade do contrato de trabalho a termo incerto é atípica porque, apesar

de verificados os seus pressupostos, permite a conversão da situação jurídica

temporária num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não

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caduca se o trabalhador, decorrido o prazo de aviso prévio ou depois de

verificado o termo ou a condição resolutiva, continuar a desempenhar a sua

atividade (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-se-á, então, que a caducidade

do contrato é condicional, pois depende de o trabalhador abandonar o

serviço; pelo que, além dos pressupostos comuns, a caducidade do contrato

de trabalho a termo incerto está dependente da condição de a atividade não

continuar a ser desenvolvida. No caso de contrato de trabalho a termo incerto

(artigo 140.ºm n.º3 e seguintes CT), a atipicidade resulta de a caducidade não

se encontrar na dependência da comunicação que o empregador deve fazer

ao trabalhador (artigo 345.º, n.º1 CT), pois o contrato caduca

independentemente desta comunicação. De facto, no contrato de trabalho a

termo incerto, apesar de verificados os pressupostos necessários para a

caducidade operar, permite-se a conversão da situação jurídica temporária

num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não caduca se

o trabalhador, após a data da produção de efeitos da denúncia ou, na falta

desta, decorridos quinze (15) dias depois da verificação do facto a que se

associa o termo incerto ou a condição resolutiva, continuar a prestar a sua

atividade ao mesmo empregador (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-se-á,

assim, que a caducidade do contrato é condicional, pois depende de o

trabalhador abandonar o serviço; deste modo, além dos pressupostos

comuns, a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto está

dependente da condição de a atividade não continuar a ser desenvolvida. A

caducidade de contrato a termo incerto confere igualmente ao trabalhador o

direito a perceber uma compensação, como dispõe o artigo 345.º, n.º4 CT,

fixada, agora, nos termos gerais da extinção do contrato de trabalho por

causas objetivas, atenta a remissão para o artigo 366.º CT.

4. Impossibilidade superveniente:

a. Características da impossibilidade: como se referiu anteriormente, a

impossibilidade superveniente não constitui uma modalidade stricto sensu de

caducidade, apesar de frequentemente ser incluída num sentido amplo desta

figura. Na alínea b) do artigo 343.º CT estabeleceu-se a designada caducidade

em sentido impróprio, como forma de extinção do contrato de trabalho em

caso de impossibilidade, não imputável, de uma das partes efetuar a sua

prestação ou de a outra receber a contraprestação. Esta extinção recíproca

das prestações contratuais, nos termos do artigo 795.º CC, designa-se por

caducidade no preceito do Código do Trabalho em análise. Apesar da já

mencionada distinção entre as duas situações, tendo em conta a estrutura do

regime da cessação no Código do Trabalho, inclui-se a impossibilidade

geradora da extinção de prestações contratuais no âmbito da caducidade em

sentido amplo. A impossibilidade a que alude a alínea b) do artigo 343.º CT,

até pela qualificação constante do preceito, tem de ser enquadrada nos

parâmetros constantes dos artigos 790.º e seguintes CC; ou seja, a

impossibilidade de cumprimento de uma prestação emergente do contrato

de trabalho deverá ser entendida nos mesmos moldes dos contratos em geral.

De facto, no artigo 343.º, alínea b) CT, para caracterizar este modo de

cessação do contrato, alude-se a uma impossibilidade superveniente, absoluta

e definitiva. Esta tríade de características da impossibilidade é normalmente

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referida a propósito do disposto nos artigos 790.º e seguintes CC, devendo

ser entendida no Direito laboral em moldes idênticos.

i. A impossibilidade superveniente opõe-se à inicial, que gera a invalidade do

contrato; para a impossibilidade ser superveniente pressupõe-se que

o contrato de trabalho, aquando da sua celebração, podia ser

cumprido, tendo surgido, posteriormente, um impedimento que

obsta à realização da prestação laboral ou ao seu recebimento.

ii. A impossibilidade absoluta pressupõe que a prestação laboral não pode,

de todo, ser efetuada ou recebida, bastando uma dificultas praestandi.

Por isso, na hipótese de se verificar um agravamento ou uma

excessiva onerosidade para o trabalhador efetuar a prestação, esta não

se extingue, exceto quando se puder recorrer ao regime da alteração

das circunstâncias (artigo 437.º CC); do mesmo modo, a maior

onerosidade para o empregador receber a prestação de trabalho não

gera impossibilidade. A este propósito refira-se que, nos termos

gerais, não há impossibilidade de realização de prestações pecuniárias,

pelo que a dificuldade financeira do empregador de pagar a

retribuição não gera caducidade do contrato, podendo tão-somente

conduzir à insolvência, sendo esta o fundamento da caducidade

(artigo 347.º CT), ou permitir a dissolução do vínculo por

despedimento coletivo.

iii. A impossibilidade definitiva exige-se que a impossibilidade seja definitiva,

pois, sendo temporária, implica tão-só que a execução do contrato de

trabalho se suspenda.

Depois de caracterizar a impossibilidade que pode gerar a extinção do

contrato de trabalho, na mencionada alínea b) do artigo 345.º CT distingue-

se a impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho da

impossibilidade de o empregador receber a prestação daquele.

b. Impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho:

i. Aspetos comuns: se o trabalhador, depois de celebrar o contrato, deixar

totalmente de poder realizar a tarefa de que se incumbiu, há uma

impossibilidade que, nos termos do artigo 343.º, alínea b) CT, gera a

caducidade do negócio jurídico. Relativamente ao trabalhador, como

o negócio é celebrado intuitu personae, além da impossibilidade objetiva

de realização da prestação (artigo 790.º CC), também a

impossibilidade subjetiva – relativa à pessoa do trabalhador – conduz

à extinção do vínculo (artigo 791.º CC). Deste modo, o contrato de

trabalho caduca se a atividade que o trabalhador desempenha vem a

ser proibida por lei (impossibilidade objetiva). Em princípio, a

impossibilidade objetiva é bilateral, razão pela qual também haverá

impossibilidade de o empregador receber a prestação de trabalho. O

artigo 343.º, alínea b) CT encontra-se especialmente vocacionado

para as situações de impossibilidade subjetiva do trabalhador, que

abrangem a incapacidade absoluta e definitiva de prestar trabalho e a

morte do trabalhador. Como o contrato de trabalho é celebrado

intuitu personae, a morte ou a incapacidade absoluta e definitiva do

trabalhador determina a extinção ipso facto da relação jurídica laboral.

As características da impossibilidade superveniente (absoluta e

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definitiva) não devem ser analisadas num sentido puramente

naturalístico, pois há que atender ao conceito jurídico. Deste modo,

a impossibilidade absoluta pode decorrer da perda de interesse de

uma prestação realizada de modo diverso; advindo a impossibilidade

definitiva, tendo em conta o interesse do empregador, credor da

prestação de trabalho. Considerando estas características da

impossibilidade, a inadaptação do trabalhador (artigo 373.º CT) não

viabiliza a cessação do contrato por caducidade, permitindo, antes, o

recurso à resolução. Na realidade, o trabalhador inadaptado não

estará impossibilitado, definitiva e totalmente, de realizar a sua

atividade, ainda que estes conceitos se relativizem.

ii. Falta de título profissional: embora o critério seja jurídico, a

impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho abrange os

impedimentos de ordem material e de ordem legal. Se para o exercício

de uma determinada atividade passa a ser exigido um novo requisito,

a impossibilidade de o preencher por parte de um trabalhador implica

a caducidade do contrato. Do mesmo modo, se o trabalhador perder

a habilitação que lhe permite desempenhar uma atividade, o contrato

extingue-se. Em qualquer caso, é necessário que a impossibilidade

seja definitiva no sentido já enunciado. Assim,

1. Se a lei passa a exigir determinada habilitação para o desempenho de

uma atividade, em relação ao trabalhador que não possui tal habilitação

e não quer ou não pode obtê-la, o contrato caduca;

2. Se o trabalhador tem habilitação necessária e a perder definitivamente o

contrato também caduca. Neste caso prescreve o artigo 117.º, n.º2

CT que o contrato caduca se for retirada ao trabalhador o

título profissional por decisão que já não admita recurso. A

situação é controversa na eventualidade de o trabalhador ter

sido privado do título profissional por um determinado

período – não se verificando os pressupostos da suspensão

do contrato, nomeadamente por o impedimento ser

imputável ao trabalhador –, em que faltaria o caráter

definitivo da impossibilidade. Todavia, o caráter definitivo da

impossibilidade apresenta uma certa relatividade, pelo que a

mera eventualidade de o impedimento cessar não obsta à

caducidade.

A caducidade derivada da perda de título profissional (artigo 117.º,

n.º2 CT) vale igualmente para as situações em que o trabalhador é

privado da habilitação que lhe permite exercer uma dada atividade.

iii. Cancelamento da autorização de permanência em Portugal de trabalhador

estrangeiro: o trabalho a prestar por trabalhador estrangeiro, além das

previsões constantes dos artigos 4.º e seguintes CT, está

condicionado pelo regime jurídico da entrada, permanência, saída e

afastamento de estrangeiro do território nacional, regulado na Lei n.º

23/2008, 4 julho (alterada e republicada pela Lei n.º29/2012). Ora,

como as situações de caducidade indicadas no artigo 343.º CT são

exemplificativas, além das previsões legais, ainda que incluídas

noutros preceitos (v.g. artigo 117.º, n.º2 CT), poder-se-á atender

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igualmente a hipóteses não previstas expressamente pelo legislador.

Entre essas situações omissas pode indicar-se o cancelamento da

autorização de permanência em Portugal de trabalhador estrangeiro.

De facto, se o trabalhador não pode permanecer em Portugal e o local

de trabalho se situa em território nacional, não pode subsistir o

vínculo labora, que caduca.

iv. Incapacidade parcial e modificação do objeto negocial: não se encontrando o

trabalhador incapacitado para a realização de todo e qualquer

trabalho, poder-se-á questionar se, em tal caso, a impossibilidade é

absoluta. Frequentemente, na sequência de um acidente de trabalho,

o trabalhador fica com uma incapacidade parcial, que lhe permite

desempenhar determinadas tarefas, mas não aquelas para as quais foi

contratado. A jurisprudência tem interpretado a impossibilidade

absoluta do artigo 343.º CT no sentido de incapacidade absoluta para

todo o tipo de trabalho, pelo que se o trabalhador se encontra tão-só

incapacitado de desempenhar a sua atividade habitual, podendo

prestar outras tarefas, o contrato não caduca. É evidente que a

diminuição de rendimento ou a não obtenção de objetivos fixados

não se enquadram na caducidade do contrato, viabilizando, quando

muito, o recurso à resolução do contrato por inadaptação. Contudo,

tendo em conta que a impossibilidade prevista no artigo 343.º CT

deve ser analisada à luz do regime geral, concretamente das regras de

impossibilidade do Direito Civil, e que no âmbito laboral prevalece

também um princípio de autonomia das partes na conformação do

objeto do contrato de trabalho (artigo 115.º, n.º1 CT), dever-se-á

entender o disposto na alínea b) do artigo 343.º CT, no que respeita

à impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o

trabalhador prestar o seu trabalho, no sentido de estar em causa a

atividade para que este foi contratado ou que desempenha ao abrigo

da designada categoria real. Importa distinguir se as tarefas que o

trabalhador, apesar de incapacitado, pode desempenhar se incluem

ou não na sua categoria contratual. Estando o trabalhador impedido

de realizar parcialmente a sua atividade, continuará a prestar a que for

possível (artigo 793.º, n.º1 CC); e, em tal caso, tendo em conta que a

impossibilidade deverá ser absoluta e não relativa (artigo 343.º, alínea

b) CT), o empregador não pode resolver o contrato invocando perda

de interesse (artigo 793.º, n.º2 CT). Do mesmo modo, se o

trabalhador, em razão da incapacidade, passar a desempenhar a sua

atividade com menor produtividade, não está preenchido o

pressuposto da impossibilidade absoluta, pois a situação enquadrar-

se-ia no agravamento ou na maior onerosidade da prestação (dificultas

praestandi). Diferentemente, na eventualidade de a incapacidade do

trabalhador abranger todas as atividades compreendidas na sua

categoria, a subsistência da relação laboral pressuporia uma alteração

do objeto do contrato. Nada obsta a um acordo no sentido de se

proceder a uma requalificação do trabalhador incapacitado,

alterando-se o contrato de trabalho, de molde a permitir a

subsistência da relação laboral, mas sobre o empregador não impende

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o dever de modificar o objeto do contrato em função das limitações

do trabalhador. Como a impossibilidade absoluta se tem de reportar

às atividades contratualmente devidas, caso o trabalhador não se

encontre em condições de as executar, o contrato caduca, pois não

há um dever genérico de o empregador modificar o objeto negocial

em função das limitações do trabalhador.

c. Impossibilidade de o empregador receber o trabalhador:

i. Aspetos comuns: como o contrato de trabalho é sinalagmático e assenta

numa relação obrigacional complexa, a caducidade advém, não só da

eventualidade de o trabalhador não poder prestar a atividade, como

da hipótese de o empregador não poder receber o trabalho (artigo

343.º, alínea b) CT). Quanto ao dever principal do empregador –

pagamento da retribuição, pelo menos na parte em que é satisfeita em

dinheiro –, não há impossibilidade de cumprimento, pois a liquidação

de obrigações pecuniárias não se inviabiliza. Contudo, na panóplia de

deveres secundários e acessórios a cargo do empregador encontram-

se prestações em que se pode verificar uma impossibilidade de

cumprimento, impedindo a prossecução do contrato; em particular,

se a entidade patronal não puder cumprir o dever de ocupação efetiva,

porque a empresa encerrou definitivamente, há uma impossibilidade

de cumprimento que gera a caducidade do contrato.

ii. Morte ou extinção da pessoa coletiva: como resulta do artigo 346.º, n.º1 e

2 CT, importa contrapor o empregador pessoa singular ao

empregador pessoa coletiva. A morte da pessoa singular empregador

determina a caducidade do contrato de trabalho, salvo se os

sucessores continuarem a atividade do falecido relacionada com a

prestação de trabalho do trabalhador, ou se os sucessores

transmitirem a empresa do de cuius (artigo 346.º, n.º1 CT). No artigo

346.º CT, como hipótese de caducidade, indica-se a morte do

empregador, sendo pessoa singular, e a extinção da entidade

empregadora, no caso de se tratar de pessoa coletiva. Mas, em

qualquer destes casos, a caducidade relaciona-se com a extinção da

empresa em consequência da morte ou extinção do empregador. NA

eventualidade de a pessoa coletiva empregadora se extinguir, o

contrato de trabalho só caduca se não tiver havido prévia transmissão

do estabelecimento.

iii. Encerramento da empresa: tal como o impedimento relativamente à

pessoa do empregador, o encerramento total e definitivo da empresa

determina igualmente a impossibilidade de se receber o trabalho e,

portanto, a caducidade do contrato (artigo 346.º, n.º3 CT). O

encerramento pode advir de causas legais ou naturais. As situações

de encerramento definitivo a que se tem vindo fazer referência, e que

conduzem à caducidade do contrato, nem sempre se distinguem

facilmente de hipóteses que fundamentam o despedimento coletivo

(artigo 359.º CT). Diferentemente do regime anterior, passou a

admitir-se que o encerramento total e definitivo da empresa

determina a caducidade do contrato (artigo 346.º, n.º3 CT). Esta

alteração tem por base a diferença entre caducidade e resolução do

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contrato com fundamento objetivo, que suscitara acesa controvérsia

no confronto entre a caducidade e o despedimento coletivo. Apesar

de a modificação em causa poder sufragar a diferença entre

enceramento imprevisto e encerramento programado, não assenta

exatamente nesta contraposição. Há uma diferença de redação entre

o preceito em análise e o artigo 359.º CT à qual importa atender:

1. No n.º3 do artigo 346.º CT alude-se a encerramento total e

definitivo da empresa; enquanto;

2. No n.º1 do artigo 359.º CT se fala em encerramento de uma ou

várias secções ou estrutura equivalente.

Daqui resulta que o legislador, na difícil distinção entre a caducidade

motivada por impossibilidade e a resolução justificada por causas

objetivas, optou por um método formal: sendo o encerramento total

e definitivo há caducidade e no caso de encerramento parcial pode

recorrer-se à resolução com base em despedimento coletivo. No caso

de encerramento temporário, não previsto em nenhum dos preceitos

citados, está excluída a caducidade, mas, dependendo das

circunstâncias, pode justificar-se o despedimento coletivo. Não

obstante a diferente qualificação jurídica (caducidade e resolução por

despedimento coletivo), no plano das consequências as divergências

esbatem-se, pois, em caso de caducidade por encerramento total e

definitivo da empresa, remete-se para o procedimento próprio do

despedimento coletivo (artigo 346.º, n.º3, 2.ª parte CT), exceto

tratando-se de microempresa, em que o trabalhador tem de ser

informado com antecedência (artigo 346.º, n.º4 CT ex vi artigo 363.º,

n.º1 e 2 CT). Em qualquer caso, pretende-se que, não obstante a

verificação dos pressupostos da caducidade, o trabalhador não seja

confrontado de imediato com a cessação do vínculo. Nas situações

de extinção (morte ou extinção da pessoa coletiva) ou de

encerramento total e definitivo da empresa, a caducidade pressupõe

a não continuação da atividade empresarial por outra entidade.

Verificando-se a caducidade, o trabalhador tem direito a ser

compensado nos termos do artigo 346.º, n.º5 CT, pelo que, neste

aspeto, também há similitude co o despedimento coletivo, cuja

compensação (artigo 366.º CT) é fixada nos mesmos moldes. Poder-

se-á discutir se, além da mencionada compensação – que se enquadra

no âmbito da responsabilidade objetiva –, pode ser exigida ao

empregador uma indemnização fundada em responsabilidade

subjetiva sempre que a causa determinante da caducidade lhe for

imputável ou se não foi respeitado o procedimento exigido. Na

medida em que se encontrem preenchidos os pressupostos da

responsabilidade civil pode ser reclamada a correspondente

indemnização; assim, se o empregador praticou um facto ilícito e

culposo que constitui causa adequada de um dano verificado na

esfera jurídica do trabalhador, há o dever de indemnizar.

iv. Insolvência do empregador: a insolvência do empregador não acarreta a

imediata extinção dos contratos de trabalho vigentes. Os contratos

de trabalho que estiverem em vigor no momento em que a

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insolvência é decretada mantêm-se, como resulta do disposto no

artigo 111.º CIRE. Deste modo, a insolvência do empregador não

traz, imediatamente, como consequência a cessação do contrato de

trabalho, por caducidade, como ocorre em determinados contratos

de prestação de serviço (artigo 100.º CIRE), nem sequer a suspensão

do vínculo, que corresponde à regra geral (artigos 102.º e seguintes

CIRE); não obstante a declaração judicial de insolvência, o contrato

de trabalho subsiste, continuando a ser executado, mas pode ser

denunciado por qualquer das partes. Após a declaração de insolvência,

o administrador da insolvência pode denunciar o contrato com um

pré-aviso de sessenta (60) dias (artigo 108.º, n.º1, ex vi artigo 111.º,

n.º1 CIRE). A denúncia antecipada do contrato, efetuada pelo

administrador da insolvência, determina o pagamento de uma

compensação (n.º2 do artigo 111.º CIRE), mas a sua forma de cálculo,

constante do n.º3 do artigo 108.º CIRE, pode ser de difícil aplicação

no âmbito laboral. O disposto nos citados preceitos do CIRE tem de

ser conjugado com a correspondente norma do Código de Trabalho

(artigo 347.º CT), até porque, como dispõe o artigo 227.º CIRE, os

efeitos da insolvência regem-se pela lei aplicável ao contrato de

trabalho; claro que, deste último preceito não resulta a

inaplicabilidade do regime da insolvência, previsto no Código da

Insolvência, às relações laborais. Atendendo, contudo, a algumas

divergências, importa conjugar os regimes deste Código e do Código

do Trabalho (artigo 345.º CT): conclui-se que os contratos de

trabalho não cessam nem se suspendem. Mas a insolvência do

empregador, indiretamente, pode implicar a cessação de contratos de

trabalho. Em determinadas circunstâncias, como consequência da

insolvência do empregador, poderá o estabelecimento ser

definitivamente encerado (artigo 347.º, n.º1, in fine CT). Com o

encerramento definitivo do estabelecimento cessam os contratos de

trabalho. É o encerramento definitivo da empresa ou de um seu

estabelecimento, derivado da declaração de insolvência, que constitui

uma causa especial de cessação do contrato de trabalho. No fundo,

se a insolvência implica o encerramento do estabelecimento, com o

encerramento surge uma impossibilidade objetiva de manutenção da

relação laboral, concretamente uma impossibilidade superveniente,

absoluta ou definitiva de o empregador receber o trabalho (artigo

343.º, alínea b) CT). Conclui-se, assim, que o encerramento definitivo

do estabelecimento em razão da declaração de insolvência do

empregador determina a cessação do contrato de trabalho por

caducidade. Esta situação é idêntica à que se verifica aquando da

cessação de contratos de trabalho fundada em resolução por causas

objetivas, em especial, no caso de despedimento coletivo (artigo 359.º

CT). Tendo em conta a similitude, e na sequência do que já se indicou

a propósito do encerramento definitivo da empresa (artigo 346.º, n.º3

CT), apesar de serem figuras distintas – caducidade e resolução –,

remete-se para um regime procedimental idêntico: com exceção das

microempresas, a cessação do contrato de trabalho decorrente do

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encerramento justificado pela insolvência do empregador tem de ser

precedida do procedimento estabelecido para o despedimento

coletivo (artigo 347.º, n.º3 CT). Deste modo, diferentemente do que

poderia resultar do artigo 108.º, n.º1 ex vi artigo 111.º, n.º1 CIRE, a

cessação do contrato de trabalho não depende tão-só de um aviso

prévio (de quinze a setenta e cinco dias – 15 a 75 dias), mas também

da instauração do procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes

CT, pois o artigo 247.º CT constitui norma especial relativamente às

normas do Código da Insolvência, diploma que não regula

expressamente a questão da insolvência do empregador. Assim, no

caso de microempresa, em que não se impõe a instauração de um

procedimento idêntico ao estabelecido para o despedimento coletivo

(artigo 347.º, n.º3 CT), basta o aviso prévio de sessenta (60) dias

(artigo 108.º CIRE); nas outras empresas, a este aviso prévio acresce

o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes CT. Prevê-se,

igualmente, no n.º2 do artigo 347.º CT, que, antes do encerramento

definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência possa

fazer cessar os contratos de trabalho em relação aos trabalhadores

cuja colaboração não seja indispensável à manutenção do

funcionamento da empresa. A atribuição ao administrador da

insolvência do direito de fazer cessar os contratos em execução

decorre, nomeadamente, dos artigos 108.º e 111.º CIRE, mas a

previsão específica da insolvência do empregador consta somente do

Código de Trabalho, não se aplicando, quanto aos pressupostos da

cessação do contrato de trabalho, aquele diploma. A cessação do

contrato de trabalho requerida pelo administrador da insolvência, nos

termos do artigo 347.º, n.º2 CT, depende do preenchimento de

pressupostos substanciais e formais:

1. É necessário que a colaboração dos trabalhadores cujos contratos cessam

seja dispensável para a manutenção do funcionamento da empresa:

como a empresa não encerrou em consequência da

insolvência, terá de se averiguar de que trabalhadores carece

para continuar a funcionar; podendo admitir-se que continue

a laborar normalmente, precisando de todos os trabalhadores,

ou que tenha de reduzir a atividade, prescindindo de alguns

colaboradores;

2. Para a caducidade dos contratos, tal como na hipótese de encerramento

do estabelecimento, já analisada, remete-se para o regime procedimental

estabelecido para o despedimento coletivo (artigos 360.º e seguintes CT):

com exceção das microempresas, a cessação do contrato de

trabalho requerida pelo administrador da insolvência, nos

termos do n.º2 do artigo 347.º CT, tem de ser antecedida de

um procedimento (artigo 347.º, n.º3 CT).

Por conseguinte, a declaração de insolvência não constitui causa

direta de cessação do contrato de trabalho. Contudo, dela derivam

dois fundamentos de caducidade do vínculo laboral:

1. A impossibilidade de manutenção do contrato por encerramento

definitivo do estabelecimento;

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2. Desnecessidade da colaboração dos trabalhadores.

Independentemente do fundamento da caducidade, para a cessação

do vínculo laboral, exceto nas microempresas, é necessário recorrer

ao procedimento previsto para o despedimento coletivo. Além disso,

em qualquer dos casos, perante a cessação do contrato de trabalho,

ao trabalhador cabe o direito à compensação estabelecida no artigo

366.º CT; a dúvida ficou esclarecida com a inclusão de um n.º5 no

artigo 347.º CT, na revisão de 2012: o trabalhador tem direito à

compensação comum às situações de cessação do contrato com

causas objetivas. Não obstante a situação de insolvência –

impossibilidade de cumprir obrigações (artigo 3.º, n.º1 CIRE) –,

poder-se-á recorrer à recuperação da empresa depois do início do

processo de insolvência, na medida em que a atual alusão à

impossibilidade de cumprir obrigações vencidas não implica a

inviabilidade económica da empresa ou a irrecuperabilidade

financeira postuladas pela noção de falência. Situação diversa é aquela

que se verifica em relação a empresas em situação económica difícil:

aqui, podem os contratos de trabalho ser suspensos2.

5. Reforma do trabalhador: por último, a reforma do trabalhador (alínea c) do artigo

343.º CT) corresponde a uma situação de caducidade com uma qualificação híbrida.

Em princípio, a reforma por velhice ou invalidez poderia ser entendida como uma

hipótese de impossibilidade superveniente de o trabalhador prestar o seu trabalho

nos termos da alínea b) do mesmo preceito, mas, do disposto no artigo 348.º CT, a

reforma por velhice não determina a automática caducidade do negócio jurídico, na

medida em que se converte num contrato a termo certo, desde que não tenha sido

denunciado, por qualquer dos contraentes, nos trinta dias imediatos ao conhecimento

bilateral da situação de reforma. Não há, pois, uma caducidade automática, sendo a

situação idêntica à prevista na alínea a) do artigo 343.º CT em relação ao contrato de

trabalho a termo certo. Não assim quanto à invalidez do trabalhador, caso em que se

verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho, da qual resulta a

caducidade automática do contrato de trabalho. Como causas de caducidade, alude-

se a dois tipos de reforma (artigo 343.º, alínea c) CT):

a. Por velhice:

b. Por invalidez.

Mas só se autonomiza a reforma por idade (designada por velhice) no artigo 348.º

CT, não se fazendo neste diploma outra referência à reforma por invalidez, pois esta,

verdadeiramente, constitui uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva

de o trabalhador prestar o seu trabalho, situação analisada na alínea anterior. A

reforma por idade pressupõe uma situação atípica de caducidade, na medida em que

não opera automaticamente:

c. A situação de reforma depende de um requerimento do trabalhador à

segurança social – em relação à qual o empregador é alheio;

d. A extinção do vínculo só se verificará quando ambas as partes tomem

conhecimento da situação e não no momento em que o trabalhador se

reforma;

2 Artigos 1.ºa 5.º, n.º1, alínea c) Decreto-Lei n.º353-H/77, 29 agosto.

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e. Mesmo depois do conhecimento bilateral, a relação laboral pode

prosseguir durante os trinta dias seguintes, até que qualquer das partes

decida pôr termo ao vínculo, não cessando, portanto, imediatamente;

f. Estando o trabalhador na situação de reforma, a relação laboral não se

extingue ipso iure, pois se este permanecer ao serviço, por mais de trinta

dias após o mútuo consentimento da situação, a relação jurídica converte-se

num contrato a termo certo.

Tal como anteriormente se preconizava na LCCT, o contrato não caduca com a

situação de reforma do trabalhador, sendo ajustado em seu lugar um novo contrato

a termo certo; pelo contrário, a reforma do trabalhador determina a subsistência do

anterior vínculo, o qual, não caducando por via de declaração de qualquer das partes,

passa a conter, por força da lei, um termo certo. No período – até trinta dias (30 dias)

– que decorre entre o conhecimento mútuo da situação de reforma e a declaração de

cessação do vínculo, o contrato de trabalho subsiste como relação contratual de facto.

Esta situação, prolongando-se por mais de trinta dias (30 dias), determina a

conversão do vínculo existente num contrato a termo certo; isto é, o contrato subsiste

sendo-lhe aposto, automaticamente, um termo resolutivo. Tendo em conta o

automatismo da inclusão do termo, é dispensada a redução do contrato a escrito

(alínea a) do n.º2 do artigo 348.º CT). O trabalhador pode requerer a reforma a partir

dos sessenta e cinco anos de idade (artigo 20.º Decreto-Lei n.º187/2007, 10 maio),

mas o facto de se encontrar reformado não obsta a que continue a trabalhar; impõe-

se, em tal caso, que o vínculo laboral com a empresa, depois de o empregador saber

que o trabalhador se encontra reformado, se converta num contrato a termo certo

pelo prazo de seis meses, renovável sem limite (artigo 392.º, n.º2, alínea b) CT).

Depois de perfazer setenta anos (70 anos), independentemente de ter requerido a

reforma, o trabalhador pode continuar a desempenhar a sua atividade na empresa

empregadora, mas o contrato passa a estar sujeito a um termo certo de seis meses (6

meses); renovável ilimitadamente (artigo 348.º, n.º3 CT). A diferença relativamente à

situação analisada antes resulta do facto de a aposição automática do termo não se

encontrar na dependência do pedido de reforma do trabalhador e do conhecimento

da situação de reforma por parte do empregador; a aposição automática do termo

depende de um único pressuposto: o trabalhador ter atingido setenta anos (70 anos)

de idade. No Direito privado, diferentemente do funcionalismo público, não há um

limite de idade, a partir do qual não se possa continuar a prestar a atividade; enquanto

as partes desejarem a prossecução da relação laboral esta manter-se-á. Todavia,

independentemente de o trabalhador se reformar, quando atinja setenta anos (70

anos) de idade, o vínculo laboral fica sujeito a um termo resolutivo, por um prazo de

seis meses renovável sem limite (artigo 348.º, n.º2, alínea b) ex vi n.º3 CT). Na

primeira situação analisada, a caducidade depende da verificação do pressuposto de

aplicação do instituto – reforma do trabalhador com conhecimento pelo empregador

– associada a uma declaração da parte que pretende pôr termo ao contrato. Na falta

de declaração de qualquer das partes durante trinta dias (30 dias) após o mútuo

conhecimento da situação de reforma, o vínculo converte-se num contrato a termo

certo de seis meses (6 meses), que pode ser denunciado nos termos gerais. Contudo,

como dispõe a alínea c) do n.º2 do artigo 348.º CT, a caducidade do contrato fica

sujeita a aviso prévio de sessenta ou quinze dias (60 ou 15 dias), consoante a iniciativa

pertença ao empregador ou ao trabalhador. Tal como no contrato a termo, a

caducidade depende de denúncia de uma das partes, mas o aviso prévio é superior.

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Não tendo o contrato caducado nos primeiros trinta dias (30 dias) após o mútuo

conhecimento da situação de reforma, este converte-se em contrato a termo, cuja

caducidade depende do regime regra analisado na anterior alínea c), com as

especificidades constantes das várias alíneas do n.º2 do artigo 348.º CT: o aviso

prévio é superior e não há o pagamento de uma compensação. Na segunda hipótese

– em que o trabalhador completou setenta anos (70 anos) de idade –, a solução é

idêntica (artigo 348.º, n.º3 CT), com um esclarecimento. O contrato não caduca no

momento em que o trabalhador perfaz setenta anos (70 anos), mas só depois de ser

denunciado; a denúncia pode ser feita nos trinta dias (30 dias) imediatos à data em

que o trabalhador completou setenta anos (70 anos) de idade ou depois de decorrer

o termo resolutivo de seis meses (6 meses) que lhe foi aposto, nos termos gerais do

contrato a termo, com as especificidades indicadas no n.º2 do artigo 348.º CT. A

partir da data em que o trabalhador completa setenta anos (70 anos), correm trinta

dias (30 dias) para a denúncia, no termo dos quais o contrato se converte, passando

a ser a termo por seis meses e, para o termo do primeiro período, qualquer das partes

o pode denunciar. A caducidade do contrato nas situações indicadas não determina

o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador (artigo 348.º, n.º2, alínea d)

CT). Com esta alínea resolveu-se uma dúvida discutida no âmbito do regime anterior;

a inclusão da alínea d) só se justifica em razão da mencionada dúvida, pois a

compensação, em caso de exercício lícito de um direito tem caráter excecional, e a

falta da sua consagração determinaria que não seria devida. Assim, diferentemente

do que ocorre nos termos do artigo 344.º, n.º2 CRT, em que a caducidade resultante

de denúncia do empregador confere ao trabalhador o direito a perceber uma

compensação, neste caso, apesar de a cessação do vínculo advir do exercício lícito de

um direito, não é devida qualquer quantia. É necessário relembrar que a compensação

devida em caso de exercício lícito de um direito tem caráter excecional e o legislador

só a estabelece quando, no confronto dos interesses em análise, se justifica a sua

admissão; ora, relativamente a um trabalhador reformado ou que já tenha completado

setenta anos (70 anos), a proteção da segurança no emprego e a compensação de

instabilidade perdem relevância. O não pagamento de compensação abrange as três

situações referenciadas:

a. O trabalhador reformou-se com conhecimento de ambas as partes,

tendo uma delas emitido o aviso prévio constante da alínea c) do n.º2

do artigo 348.º CT;

b. O trabalhador atingiu setenta anos (70 anos) e, logo a seguir ou

decorridos quatro ou cinco meses e meio (4 ou 5 meses e 15 dias), uma

das partes emitiu o aviso prévio de caducidade (alínea c) do n.º2 do

artigo 348.º CT);

c. O trabalhador reformou-se sem ter havido caducidade e o contrato

passou a conter um termo resolutivo, pelo que uma das partes o

denunciou, nos termos do n.º1 do artigo 344.º CT, com as

especificidades constantes do artigo 348.º, n.º2, alínea c) CT.

Revogação:

1. Noção:

a. Aspetos gerais: o princípio da liberdade contratual, válido no domínio do

contrato de trabalho, confere aos sujeitos autonomia, não só para celebrar

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contratos, como também para os fazer cessar por mútuo consenso. O

empregador e o trabalhador têm liberdade para celebrar o contrato de

trabalho e igualmente para lhe pôr termo mediante um acordo revogatório.

A revogação do contrato de trabalhador segue o regime geral (artigo 349.º

CT), exceto quando à forma, em que se exige escrito com determinadas

menções (artigo 349.º, n.º2 e 3 CT). A isto acresce que se conferiu ao

trabalhador o direito de arrependimento, mediante o qual pode,

unilateralmente, fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho

até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração (artigo 350.º, n.º1

CT); em determinadas circunstâncias, pode obstar-se ao exercício do direito

de arrependimento se o acordo revogatório for celebrado com as assinaturas

reconhecidas presencialmente perante notário (artigo 350.º, n.º4 CT). A

revogação prevista nos artigos 349.º e seguintes CT é um negócio jurídico

bilateral, mediante o qual as partes acordam em fazer cessar um contrato de

trabalho válido. O consenso que tem em vista a extinção do vínculo laboral

é discricionário, pois as partes não precisam de invocar qualquer fundamento

e, em princípio, produz efeitos ex nunc, na medida em que só tem

repercussões para o futuro. A revogação pode ser ajustada a todo o tempo,

mesmo que, previamente, as partes tivessem acordado um prazo de duração

mínima do contrato (v.g. artigo 137.º CT) e, consoante o acordo, produz

efeitos imediatos ou em momento ulterior; pode ser acordado que o contrato

cessa imediatamente ou que cessa no fim do mês ou do ano. Sendo a

revogação um acordo, aplica-se-lhe o regime geral dos negócios jurídicos,

nomeadamente, quanto à formação, com exceção das regras respeitantes à

forma do negócio. Interessa, contudo, aludir a uma concretização dos

princípios gerais, constante do artigo 129.º, n.º1, alínea j) CT, em que se veda

o recurso à revogação do contrato de trabalho quando se pretende readmitir,

de seguida, o trabalhador, pois estará em causa uma prática em fraude à lei.

2. Forma e formalidades: tal como o contrato de trabalho é consensual, as regras

gerais de Direito Civil apontariam para a consensualidade da revogação; todavia,

pelas razões indicadas, a dificuldade de prova deste acordo e, principalmente, a

prevenção de pressões e fraudes que, mais facilmente, prejudicariam o trabalhador,

levaram a que se estabelecesse a exigência de forma escrita (artigo 349.º, n.º2 CT).

Além da forma escrita, prescrevem-se determinadas formalidades, relacionadas com

os fundamentos indicados. O acordo tem de ser feito em duplicado (artigo 349.º, n.º1

CT), devendo mencionar-se a data da sua celebração e o dia a partir do qual produz

efeitos (artigo 349.º, n.º3 CT). Estando afastado o princípio do consensualismo para

o distrate do contrato de trabalho, a inobservância da forma escrita gera a nulidade

do acordo revogatório, nos termos gerais do artigo 220.º CC. Sendo as formalidades

do acordo revogatório ad substantiam, a sua falta poderia ter idêntica consequência;

contudo, é discutível que todas as formalidades sejam de natureza substancial e que,

consequentemente, a sua falta implique necessariamente a nulidade do acordo. Este

regime de formalidades carece de ser completado com o disposto no artigo 350.º,

n.º4 CT, onde se impõe que as assinaturas apostas ao contrato sejam reconhecidas

presencialmente no notário, para obstar a que o trabalhador revogue o acordo.

3. Efeitos:

a. Cessação do vínculo: o acordo revogatório tem como efeito principal a

cessação do vínculo laboral por mútuo consenso. Tal como há liberdade para

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celebrar o contrato de trabalho, do mesmo modo, havendo acordo, as partes

podem, em qualquer momento, fazer cessar os efeitos do contrato que as

vincula. O contrato de trabalho deixa de produzir efeitos a partir da data

fixada no acordo, que pode ser a da sua celebração; neste caso, a produção

de efeitos é imediata, mas pode ser diferida para o dia ajustado pelas partes.

Em qualquer caso, no dia da celebração do acordo revogatório ou na data

escolhida pelas partes, o contrato de trabalho deixa de produzir efeitos. É,

todavia, discutível que a revogação, por vontade das partes, possa determinar

a dissolução do vínculo contratual com eficácia retroativa, porque, por um

lado, o contrato de trabalho é de execução continuada, por outro, a proteção

da posição jurídica do trabalhador pode colocar alguns entraves a uma

destruição retroativa do vínculo contratual, e, por último, a imperatividade

do regime (artigo 339.º CT) não viabiliza tais acordos.

b. Compensação: associado ao efeito extintivo do contrato de trabalho, as

partes podem acordar outras consequências (artigo 349.º, n.º4 CT). Estes

efeitos conexos com a cessação do contrato relacionam-se normalmente com

compensações pecuniárias devidas por qualquer das partes, mas também

podem depender de uma ponderação de consequências de negócios

coligados com o contrato de trabalho. Ao cessar o contrato de trabalho, há

certas prestações que o empregador deve efetuar ao trabalhador, i.e., que se

vencem com a cessação, como o direito a férias e respetivo subsidio (artigo

245.º CT). Por outro lado, se o empregador está em mora relativamente, por

exemplo, a retribuições vencidas, estas prestações deverão ser efetuadas

aquando da cessação do contrato (todavia, o artigo 337.º CT). Em

contrapartida, o trabalhador também pode ser devedor do empregador,

nomeadamente, em relação a adiamentos por conta da retribuição. Em

qualquer dessas hipóteses, ao ajustar-se um acordo revogatório é frequente

que se acertem as contas, estabelecendo outros efeitos para além da cessação

do contrato. Mas os efeitos associados à cessação não se resumem a uma

compensação de prestações derivadas do contrato de trabalho, pois as partes

podem ter-se vinculado a outros deveres, em contratos coligados com este.

Assim, se o empregador arrendou uma casa ao trabalhador ou lhe emprestou

dinheiro para adquirir um automóvel, ao revogar o contrato de trabalho, as

partes providenciarão as consequências da cessação nestes outros contratos,

que poderão subsistir. No acordo revogatório, atendendo à

discricionariedade dos motivos, as partes podem ajustar outros efeitos,

normalmente relacionados com o assentimento do trabalhador. De facto,

com alguma frequência, apesar de a revogação não implicar o pagamento de

qualquer indemnização, do acordo consta a obrigação de o empregador pagar

uma quantia ao trabalhador, que leva a denominar este ajuste de

despedimento negociado; sempre que o empregador pretende fazer cessar o

contrato, não tendo motivo, pode propor ao trabalhador a revogação do

negócio jurídico mediante o pagamento de uma quantia, que será livremente

negociada pelas partes. A liberdade contratual, neste âmbito, é por vezes

questionada atendendo à assimetria existente; contudo, nada permite que a

questão seja analisada dentro dos estritos contornos do regime dos vícios da

vontade, mormente o erro, a coação e a usura (artigos 240.º e seguintes e

282.º CC). A autonomia privada permite que o pagamento seja diferido ou

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pago em prestações; e o incumprimento dessa obrigação não invalida o

acordo revogatório (solução diversa em caso de despedimento coletivo:

artigo 383.º, alínea c) CT, pelo que a falta de pagamento determina a ilicitude

do despedimento), mas pode fundamentar a sua resolução nos termos do

artigo 801.º CC. Caso o acordo revogatório se funde numa relação

sinalagmática, tendo o assentimento do trabalhador sido obtido, ainda que

parcialmente, em razão de um valor que lhe iria ser pago, a falta de

cumprimento da quantia acordada, verificados os pressupostos do artigo

808.º CC, em particular o decurso do prazo admonitório, confere ao credor

(trabalhador) a possibilidade de resolver o contrato (artigo 801.º, n.º2 CC);

ou seja, o acordo revogatório. A compensação pecuniária ajustada no acordo

revogatório pode ter natureza global ou encontrar-se discriminada em função

das diferentes prestações de que uma parte é devedora à outra. Nesta,

segunda hipótese, o montante total a pagar determina-se pela soma das várias

parcelas – créditos vencidos, créditos exigíveis em virtude da cessação ou a

compensação paga em virtude de o contrato de trabalho cessar –, pelo que,

havendo um erro de cálculo, o mesmo deverá ser corrigido nos termos do

artigo 249.º CC. De modo diverso, se a compensação pecuniária tiver

natureza global, não se discriminando o valor dos diferentes créditos,

pressupõe-se que nesse montante global as partes incluíram todas as

prestações devidas (artigo 349.º, n.º5 CT). Nada obsta inclusive a que, no

acordo revogatório, ao fixar-se o valor da compensação, se tenha ajustado

uma remissão total ou parcial de determinada dívida (artigos 863.º e seguintes

CC). Deste modo, o montante fixado pode incluir diferentes créditos e

determinar a renúncia a outros direitos. A atual redação do preceito resolve

uma dúvida relativa à interpretação do anterior regime. O legislador

estabelece uma presunção iuris tantus, ilidível nos termos gerais (artigo 350.º,

n.º2 CC). Acresce que a presunção ilidível corresponde aos princípios

informadores da revogação do contrato de trabalho. Como se afirmou supra,

na tutela da genuinidade e da atualidade da vontade do trabalhador importa

garantir que, aquando da celebração do acordo revogatório, os créditos

laborais do trabalhador vencidos ou tornados exigíveis pela revogação do

contrato foram corretamente determinados. As preocupações neste âmbito

justificam-se em razão da potencial situação de desequilíbrio contratual, de

modo a evitar que o empregador pressione o trabalhador no sentido de este

renunciar, total ou parcialmente, a créditos já vencidos ou que decorram da

cessação do contrato de trabalho. É evidente que sempre se poderia recorrer

à anulabilidade, por usura, do distrate (artigo 282.º CC), mas a prova da usura,

que impenderia sobre o trabalhador, seria naturalmente difícil. Importa,

portanto, garantir a integralidade dos créditos laborais devidos ao trabalhador,

tanto os vencidos, como os que resultam diretamente da cessação do

contrato, e, ainda, eventualmente, aqueles que têm a sua causa no próprio

acordo de revogação do contrato de trabalho. Não obstante a revogação do

contrato de trabalho não acarretar, para o empregador, a obrigatoriedade de

pagamento de qualquer indemnização ou compensação, na maioria dos casos,

atendendo à rigidez do sistema quanto às formas de cessação do contrato de

trabalho e ao princípio constitucional da segurança no emprego, o acordo de

revogação assume-se como um despedimento negociado. De facto, não raras

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vezes, o empregador, para efeitos de obtenção do acordo do trabalhador,

ajusta o pagamento de uma compensação, de valor tendencialmente

equivalente ou ligeiramente superior ao das importâncias indemnizatórias

legalmente devidas em caso de despedimento ilícito ou por causas objetivas.

c. Cessação do acordo de revogação: em princípio, a revogação, como

qualquer negócio jurídico, vincula as partes e, excluindo a hipótese de vícios

da vontade, de incumprimento culposo ou de impossibilidade de

cumprimento de uma das partes, a contraparte não se pode desvincular do

acordo. Essencialmente, para prevenir fraudes, no artigo 350.º CT confere-

se ao trabalhador o poder de fazer cessar o acordo de revogação. Este direito

do trabalhador tem de ser exercido até ao sétimo dia seguinte à data da

celebração do acordo revogatório (n.º1 do artigo 350.º CT); o prazo de dois

dias foi alargado para sete dias, mas a contagem desse prazo tem data de início

diferente. Confere-se ao trabalhador a possibilidade de reponderar o acordo

de revogação ajustado. Para o combate a fraudes o trabalhador tem sempre

o recurso aos meios comuns, nomeadamente com fundamento na falta e

vícios da vontade, entre as quais, a falta de consciência da declaração (artigo

246.º CC), o erro na declaração (artigo 247.º CC), o dolo (artigo 253.º CC),

ou a coação moral (artigo 255.º CC). A existência de vícios na formação ou

na declaração da vontade pode determinar a invalidade do contrato (artigos

247.º e seguintes CC) e, tratando-se de um negócio (extintivo) usurário,

admite-se a sua anulação ou modificação segundo juízos de equidade (artigos

282.º e 283.º CC). Para que a cessação do acordo de revogação produza

efeitos torna-se necessário que o trabalhador entregue ou ponha à disposição

do empregador a totalidade do valor que lhe foi pago como compensação

pecuniária ajustada no acordo de revogação (artigo 250.º, n.º3 CT). Por outro

lado, o direito a fazer cessar o acordo de revogação não é atribuído ao

trabalhador se neste negócio jurídico, seguindo as exigências do artigo 349.º,

n.º3 e 4 CT, as assinaturas forem objeto de reconhecimento presencial no

notário (artigo 350.º, n.º4 CT). Resta acrescentar que a solução constante do

artigo 350.º CT é excecional, não se justificando aplicar este regime a outras

situações, salvo havendo específica previsão legal. Deste modo, o trabalhador

não poderá fazer cessar o acordo de pré-reforma (artigos 318.º e seguintes

CT), porque se trata de uma situação para a qual o arrependimento não foi

pensado e, principalmente, porque corresponde a um regime especial ao qual

não se aplica a norma geral. Concluindo, pode-se dizer que os pressupostos

desta revogação atípica são quatro:

i. A cessação em causa só se aplica no estrito âmbito da revogação prevista nos

artigos 349.º e 350.º CT;

ii. É necessário que o acordo revogatório tenha sido celebrado sem reconhecimento

presencial das assinaturas perante notário;

iii. O direito tem de ser exercido mediante declaração escrita a enviar no prazo de sete

dias (7 dias) a contar da data da celebração do acordo;

iv. O trabalhador, para exercer o direito, tem de devolver a compensação pecuniária

recebida no momento em que faz cessar o acordo de revogação.

Tendo em conta a atipicidade desta solução, importará discutir o fundamento

do direito de fazer cessar unilateralmente o acordo revogatório. Parece

indiscutível que se trata de um direito potestativo que tem em vista a proteção

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da parte mais fraca e a estabilidade do vínculo laboral. Juridicamente, o direito

potestativo em causa enquadra-se numa condição resolutiva; isto é, a

revogação do contrato de trabalho fica, por imperativo legal, sujeita a uma

condição resolutiva, nos termos da qual o trabalhador, no exercício de um

direito potestativo, pode destruir retroativamente os efeitos extintivos

ajustados relativamente a um contrato de trabalho, fazendo-o renascer. Mas

discute-se se este direito potestativo conferido ao trabalhador tem só em vista

combater atitudes fraudulentas dos empregadores ou se constitui um direito

de arrependimento. De iure constituendo poderá criticar-se a solução legal e

advogar-se a sua abolição, mas não seria correto interpretar a lei contra a sua

letra, de modo a concluir que o direito de revogação de determinadas

declarações negociais correspondia, antes, a uma presunção de fraude dos

empregadores, que a poderiam ilidir, provando que o trabalhador não fora

pressionado a pôr termo ao contrato de trabalho. A dúvida parece estar

sanada com o atual artigo 350.º CT, pois, como se indicou, por via da

alteração introduzida quanto o momento do início do prazo, pode concluir-

se que a norma só prossegue uma das finalidades indicadas: confere-se ao

trabalhador a possibilidade de reponderar o acordo de revogação ajustado,

não estando em causa o combate a eventuais fraudes, indiretamente, através

do regime da desvinculação do acordo de revogação. Em suma, está-se

perante o designado direito de arrependimento. A possibilidade conferida a

uma das partes de fazer cessar um acordo, apesar de excecional, não é

específica do domínio labora. O legislador consagrou o direito de

arrependimento em outros contratos quando está em causa uma justificada

tutela do contraente débil, conferindo a possibilidade de essa parte,

tradicionalmente desprotegida, poder, como se diz em linguagem popular,

dar o dito por não dito. Assim, o trabalhador, arrependendo-se de ter ajustado

um acordo de revogação do contrato de trabalho, poderá, nos sete dias

imediatos ao ajuste, sem necessitar de justificar a sua decisão, resolver tal

acordo. Resta acrescentar que a discussão em torno da eventual

inconstitucionalidade dos preceitos que admitem a cessação, por vontade de

uma das partes (trabalhador), do acordo de revogação – bem como da

resolução e denúncia do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador

(artigo 402.º CT) –, com base na violação do princípio da liberdade de

iniciativa privada (artigo 61.º CRP), não apresenta qualquer particularidade,

pois a questão coloca-se nos mesmos termos a propósito do direito de

arrependimento previsto noutros domínios. No confronto de interesses entre

a segurança contratual e a justiça resultante da especial proteção conferida a

um dos contraentes, em razão da sua maior debilidade, deu-se prevalência a

este segundo fator. E as regras jurídicas, ainda que com previsão

constitucional, não são de aplicação absoluta, admitindo exceções, como

neste caso.

Denúncia:

1. Regime geral: o contrato de trabalho, sendo um vínculo de execução continuada e,

normalmente, de duração indeterminada, pode cessar por via da denúncia ad libitum.

O princípio da denúncia livre do contrato mantém, na relação laboral, plena aplicação

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quando a iniciativa cabe ao trabalhador. O contrato de trabalho, sendo uma relação

duradoura, não implica uma vinculação perpétua do trabalhador, que a todo o tempo

se pode desvincular. Neste caso, estar-se-á perante a denúncia com aviso prévio

(artigo 400.º CT). A vinculação indefinida contraria a liberdade, nomeadamente

económica, mas, da ponderação entre a liberdade de desvinculação e a segurança no

emprego (artigo 53.º CRP), só se concedeu a denúncia livre ao trabalhador. O

trabalhador que pretenda pôr termo ao contrato pode recorrer à denúncia ad nutum e

não tem de indemnizar a contraparte se comunicar por escrito a sua intenção de se

desvincular com a antecedência estabelecida no artigo 400.º, n.º1 CT. A declaração

de denúncia do contrato de trabalho pode ser revogada pelo trabalhador até ao

sétimo dia seguinte à data em que chega ao poder ou ao conhecimento do

empregador (artigo 402.º, n.º1 CT). Trata-se de uma exceção à regra geral da

irrevogabilidade das declarações negociais (artigo 230.º CC), pois admite-se que o

trabalhador, num prazo limitado, revogue a declaração negocial de denúncia do

contrato de trabalho. De modo diverso, por via de regra, o empregador não pode

recorrer à denúncia como modo de fazer cessar o vínculo contratual. Contudo, em

situações pontuais, expressamente previstas, confere-se ao empregador a faculdade

de denunciar o contrato de trabalho; assim, durante o período experimental (artigo

114.º CT) ou num contrato a termo certo (artigo 344.º CT), o empregador pode

denunciar o contrato, fazendo cessar a relação laboral. Relativamente ao trabalhador,

não obstante a previsão genérica de denúncia imotivada do artigo 400.º CT, e além

das situações indicadas, em que a denúncia é conferida a ambas as partes (artigos

114.º, 163.º e 344.º CT), o legislador ainda alude à faculdade de denunciar o contrato

de trabalho no artigo 365.º CT, em caso de despedimento por causas objetivas.

2. Período experimental: como prescreve supletivamente o artigo 114.º, n.º1 CT,

durante o período experimental qualquer das partes pode denunciar o contrato de

trabalho. Trata-se de uma denúncia ad nutum, pois não é necessária a invocação de

justa causa. Por outro lado, contrariamente à regra geral, admite-se que a denúncia

possa ser feita valer sem aviso prévio; contudo, se o período experimental tiver

durado mais de sessenta dias (60 dias), o empregador tem de dar um aviso prévio de

sete dias (artigo 114.º, n.º2 CT). Resta aferir que a denúncia, correspondendo ao

exercício lícito de um direito, não pressupõe o pagamento de uma indemnização; a

parte que invoca a denúncia não tem de compensar os prejuízos causados à

contraparte pela cessação do vínculo.

3. Comissão de serviço: apesar de no artigo 163.º CT se aludir tão só, primeiro, à

cessação da comissão de serviço, e, depois, à possibilidade de pôr termo à comissão

de serviço, sem qualificar o modo de extinção, poderá entender-se que se trata de

uma denúncia. De facto, qualquer das partes, enviando uma declaração com um aviso

prévio de trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias), pode fazer cessar a relação laboral

em regime de comissão de serviço. A denúncia da comissão de serviço que implique

a cessação do contrato de trabalho, sendo requerida pelo empregador, apesar de lícita,

implica o pagamento de uma compensação ao trabalhador, nos termos prescritos na

alínea c) do n.º1 do artigo 164.º CT.

4. Denúncia com aviso prévio: atendendo ao já mencionado princípio da denúncia

ad nutum dos contratos duradouros, a lei confere ao trabalhador o direito de se

desvincular a todo o tempo, desde que comunique essa intenção ao empregador com

trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias)de antecedência, conforme a sua antiguidade

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seja inferior ou igual a dois anos (2 anos) ou superior a dois anos (2 anos) – artigo

400.º, n.º1 CT). Estes prazos podem ser alargados até seis meses (6 meses) por

instrumento de regulamentação coletiva ou contrato de trabalho, em relação a

trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direção ou que

desempenhem funções de representação ou de responsabilidade (artigo 400.º, n.º2

CT). A denúncia – a exercer só pelo trabalhador – pode ser feita valer na pendência

de um contrato de trabalho a termo, se o trabalhador pretender desvincular-se ante

tempus, caso em que o aviso prévio será de quinze dias (15 dias) ou de trinta dias (30

dias) – artigo 400.º, n.º3 CT). A declaração de denúncia com aviso prévio tem de ser

feita por escrito e endereçada ao empregador com a antecedência indicada, mas a

exigência de forma tem em vista a proteção do declarante, pois não foi estabelecida

para garantia da entidade patronal. Por isso se admite a possibilidade de ser revogada

a declaração de denúncia até ao sétimo dia seguinte à data em que chega ao poder do

empregador, se o documento escrito não tiver a assinatura do trabalhador com

reconhecimento presencial (artigo 402.º, n.º1 CT). A fim de impor ao trabalhador a

necessária ponderação e de obstar à revogação da denúncia, o empregador pode

exigir que a declaração de denúncia tenha a assinatura do emitente com

reconhecimento notarial presencial (artigo 402.º, n.º1 CT). Além do regime comum

de denúncia ad libitum a exercer pelo trabalhador, há que atender a uma previsão

específica em que se lhe confere também o direito de denunciar o contrato. No artigo

365.º CRT conferiu-se ao trabalhador a faculdade de denunciar o contrato de

trabalho em caso de despedimento por causas objetivas. Pelas razões já invocadas,

relacionadas com a segurança no emprego, a denúncia ad libitum só é conferida ao

trabalhador, não podendo o empregador, fora das situações especialmente previstas

e já mencionadas, denunciar o contrato de trabalho com aviso prévio. A denúncia

com aviso prévio invocada pelo trabalhador, correspondendo à efetivação de um

direito, não determina o pagamento de uma compensação. Contudo, no caso de o

menor ter denunciado o contrato de trabalho durante a formação, que lhe deve ser

assegurada pelo empregador (artigo 67.º CT), ou num período imediatamente

subsequente de duração igual àquela, deve compensar o empregador em valor

correspondente ao custo da formação (artigo 71.º, n.º1 CT)

5. Falta de aviso prévio; abandono do trabalho: se o trabalhador quiser fazer cessar

imediatamente o contrato de trabalho sem justa causa – não preenchendo, portanto,

os pressupostos da resolução – nem aviso prévio, em violação do disposto no n.º1

do artigo 400.º CT, a extinção do vínculo ocorre, sendo, todavia, responsabilizado

pelo facto. Como dispõe o artigo 401.º CT, em tal caso, o trabalhador fica obrigado

a pagar ao empregador uma indemnização pelos prejuízos causados, que não será

inferior ao valor total da retribuição base e das diuturnidades correspondentes ao

período de antecedência em falta. Em suma, não sendo respeitado o prazo de aviso

prévio, o contrato cessa, mas o trabalhador terá de indemnizar o empregador nos

termos previstos no artigo 401.º CT: sem prejuízo da responsabilidade decorrente da

violação de outros preceitos, em particular o artigo 137.º, n.º1 CT, o trabalhador fica

obrigado a pagar uma indemnização correspondente ao valor da retribuição base e

das diuturnidades correspondentes ao período de antecedência (trinta e sessenta dias

– 30 e 60 dias) em falta. Como hipótese específica de denúncia sem aviso prévio, o

legislador prevê a figura do abandono do trabalho (artigo 403.º, n.º3 CT). Se o

trabalhador se ausentar, deixando de comparecer na empresa, é necessário verificar

se há indícios de que, com toda a probabilidade, não pretende regressar ao serviço

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(artigo 403.º, n.º1 CT); assim, o trabalhador que faltou ao serviço porque foi trabalhar

para outra empresa revela que, com toda a probabilidade, não quer regressar às suas

anteriores funções. A lei estabelece uma presunção de abandono do trabalho sempre

que a ausência se prolongue, pelo menos, por dez dias úteis seguidos (artigo 403.º,

n.º2 CT); presunção essa que pode ser ilidida mediante prova de motivo de força

maior impeditivo da comunicação da ausência (artigo 403.º, n.º4 CT). O abandono

do trabalhão constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o

trabalhador, nos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio (artigo 403.º,

n.º3 CT). Neste caso, a denúncia manifesta-se mediante um comportamento

concludente: a ausência do trabalhador ao serviço. Está-se perante uma denúncia

tácita resultante da falta de comparência ao serviço. Refira-se, por último, que,

afastando-se dos parâmetros gerais, a cessação do contrato por abandono do trabalho

tem de ser declarada pelo empregador, mediante carta registada com aviso de receção

a enviar para a última morada conhecida do trabalhador (artigo 403.º, n.º3, in fine CT).

De facto, tratando-se de denúncia, ainda que tácita e resultante de um

comportamento concludente do trabalhador, bastaria essa declaração para produzir

o efeito extintivo; porém, por uma razão de segurança do emprego, exige-se esta

formalidade suplementar (carta registada do empregador). Apesar de não resultar

expressamente da norma, o contrato de trabalho cessa a partir da data do início do

abandono, pelo que a declaração do empregador é uma confirmação (imprescindível),

com eficácia retroativa, da extinção do vínculo.

Resolução:

1. Tipos: a resolução determina a cessação do contrato, mas importa averiguar a quem

coube a iniciativa, pois estabeleceu-se um regime diverso consoante a resolução seja

invocada pelo empregador, designada despedimento (artigos 351.º e seguintes CT),

ou pelo trabalhador (artigo 394.º e seguintes CT).

2. Resolução invocada pelo empregador:

a. Noções comuns:

i. Despedimento: o despedimento é uma forma de resolução do contrato

de trabalho em que a iniciativa cabe ao empregador. Exige-se uma

declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual

se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro, sem

eficácia retroativa. Esta declaração de vontade é receptícia (artigo

224.º CC), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica

depois de a mesma ser recebida pelo trabalhador e, a partir desse

momento, como qualquer declaração negocial, é irrevogável (artigo

230.º CC). Utiliza-se o termo despedimento, como modalidade de

resolução (artigos 351.º e seguintes CT), num sentido amplo, em que

se incluem várias figuras:

1. A resolução do contrato por facto imputável ao trabalhador (artigo

351.º CT);

2. A resolução do contrato por alteração das circunstâncias (v.g.,

despedimento coletivo – artigo 359.º CT);

3. A resolução por impossibilidade (relativa) de realizar a prestação (v.g.,

despedimento por inadaptação – artigo 373.º CT).

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Estas várias situações têm de comum que o contrato de trabalho

cessa por iniciativa do empregador. O despedimento é

necessariamente vinculado, não só por via do regime geral da

resolução dos contratos (artigo 432.º, n.º1 CC), mas, em particular,

atendendo ao princípio da segurança no emprego (artigo 53.º CRP).

Por isso, o despedimento não tem a função de denúncia do contrato,

que seria discricionária. Independentemente de o despedimento

corresponder a uma resolução por incumprimento ou por alteração

das circunstâncias ou fundar-se na impossibilidade (relativa) de

cumprimento é sempre necessário determinar um motivo que o

justifique; sem fundamento, o despedimento é ilícito. A declaração

de vontade emitida pelo empregador no sentido de pôr termo ao

contrato de trabalho, não só é receptícia, produzindo o efeito

extintivo logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida

(artigo 224.º, n.º1 CC), como é constitutiva. Tal como a resolução do

contrato opera por mera declaração à outra parte (artigo 436.º, n.º1

CC), o despedimento acarreta a cessação do contrato de trabalho sem

necessidade de recurso ao tribunal; o efeito extintivo produz-se no

momento em que o trabalhador recebe a declaração de despedimento.

Atendendo ao efeito constitutivo, a declaração de despedimento não

pode ser revogada pelo empregador depois de ter sido recebida pelo

trabalhador ou de ser dele conhecida (artigo 230.º, n.º1 CC). Na

medida em que a relação laboral é de execução continuada, o

despedimento implica a cessação do vínculo com eficácia ex nunc, não

tendo, pois, efeito retroativo (artigo 434.º, n.º2 CC).

ii. Espécies de despedimento: o termo despedimento engloba várias

situações jurídicas qualificáveis como resolução, em que o contrato

cessa por iniciativa do empregador:

1. Despedimento por facto imputável ao trabalhador (designado, justa

causa de despedimento – artigo 351.º CT): a cessação do contrato

abrange um só trabalhador, designando-se por despedimento

individual, e baseia-se num comportamento culposo. Dir-se-

á, então, que a justa causa é subjetiva, pois assenta no

incumprimento culposo do contrato por parte do trabalhador,

sendo o despedimento uma sanção disciplinar (artigo 328.º,

n.º1, alínea f) CT).

2. Despedimento coletivo (artigo 359.º CT): é um despedimento que

abrange vários trabalhadores e que se funda em motivos de

mercado, estruturais ou tecnológicos da empresa; dir-se-á,

por isso, que a justa causa é objetiva;

3. Despedimento por extinção do posto de trabalho (artigo 367.º CT):

corresponde, igualmente, a um despedimento, pois o vínculo

laboral resolve-se por iniciativa do empregador; é um

despedimento individual, na medida em que abrange um

trabalhador por cada posto de trabalho; tem uma justa causa

objetiva, relacionada com motivos de mercado, estruturais ou

económicos da empresa.

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4. Despedimento por inadaptação (artigo 33.º CT): mediante o qual o

empregador pode fazer cessar o posto de trabalho. O

despedimento é individual e funda-se numa justa causa

objetiva: a impossibilidade relativa de o trabalhador realizar a

prestação.

iii. Justa causa subjetiva e objetiva: sabendo-se que o despedimento tem de

se fundar numa justa causa (artigo 53.º CRP), das modalidades de

cessação do contrato de trabalho da iniciativa do empregador, deduz-

se que é necessário distinguir dois tipos de justa causa:

1. A justa causa subjetiva: que se funda num comportamento

culposo do trabalhador; e

2. A justa causa objetiva: dependente de motivos relacionados

com a empresa, que inviabilizam a prossecução da relação

laboral.

b. Despedimento por facto imputável ao trabalhador:

i. Noção de justa causa (subjetiva):

1. Comportamento culposo; ilicitude: o despedimento por facto

imputável ao trabalhador (artigo 351.º CT) corresponde a

uma resolução do contrato (artigos 432.º e seguintes CC)

fundada na lei (artigo 432.º, n.º1 CC), devendo ser apreciada

com base na justa causa. O despedimento com justa causa

(subjetiva) constitui um poder vinculado conferido ao

empregador no sentido de extinguir o contrato de trabalho

fundado no incumprimento de deveres obrigacionais por

parte do trabalhador. A eficácia retroativa da resolução (artigo

434.º, n.º1 CC) não se verifica no domínio do despedimento,

atendendo ao facto de o contrato de trabalho ser de execução

continuada, caso em que se mantêm as prestações efetuadas

até à data em que a resolução produz efeitos (artigo 434.º,

n.º2 CC). A resolução efetuada por via do despedimento é,

como na maioria das situações, extrajudicial, pois opera

mediante declaração do empregador ao trabalhador (artigo

436.º, n.º1 CC). Apesar de o não cumprimento do contrato

constituir fundamento legal de resolução, não se concede ao

lesado o direito de unilateralmente extinguir o contrato se o

dano causado pelo incumprimento for de escassa importância

(artigo 802.º, n.º2 CC); por outro lado, para além da hipótese

de estabelecimento de um prazo admonitório, a resolução do

contrato pressupõe a perda do interesse apreciado

objetivamente (artigo 808.º CC). É isso que ocorre no

domínio da cessação do contrato de trabalho, em que a lei só

confere ao empregador o poder de despedir o trabalhador

perante um incumprimento grave dos deveres obrigacionais,

que torne praticamente impossível a subsistência da relação

laboral (artigo 351.º, n.º1 CT). No artigo 351.º CT, o

legislador atendeu à justa causa de despedimento, fazendo

depender a resolução do contrato promovida pelo

empregador da existência de justa causa. Importa apreciar

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este conceito indeterminado à luz do Direito das Obrigações,

relacionando-o, em particular, com os pressupostos do

incumprimento contratual. A justa causa não é um conceito

específico de Direito do Trabalho, pois serve de fundamento

para a resolução de vários contratos de execução continuada.

Não obstante os contornes variarem, o conceito de justa

causa é o mesmo: em qualquer dos casos, a justa causa baseia-

se no incumprimento culposo ou em causas de força maior.

Acontece, porém, que no artigo 351.º CT restringe-se a justa

causa às situações em que se relacionam com o

comportamento culposo do trabalhador, enquadrando a

força maior nas chamadas causas objetivas, que permitem o

despedimento coletivo (artigo 359.º CT), a extinção do posto

de trabalho (artigo 367.º CT) e o despedimento por

inadaptação (artigo 373.º CT). Cabe, todavia, salientar que

esta noção restrita de justa causa é específica da legislação

laboral, sem correspondência (direta) no artigo 53.º CRP,

nem nos anteriores regimes da resolução do contrato de

trabalho. A situação não se alterou com o disposto no artigo

351.º CT, que manteve substancialmente o regime anterior: a

justa causa é em sentido restrito, não abrangendo as causas

objetivas. Mas ao lado da justa causa (subjetiva), sem fazer

referência a esta expressão, continua a subsistir uma justa

causa (objetiva) que permite o despedimento por motivos

não relacionados com o comportamento culposo do

trabalhador, v.g., no despedimento coletivo. Posto isto, cabe

indicar alguns vetores que possam facilitar a tarefa de

concretização do conceito indeterminado de justa causa

(subjetiva) de despedimento. Ao entender-se que a justa causa

pressupõe um comportamento culposo do trabalhador que,

pela sua gravidade e consequências, torne imediata e

praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho,

está a identificar-se a justa causa com o incumprimento

contratual. De facto, a noção legal assenta, em primeiro lugar,

num comportamento culposo do trabalhador. A culpa, no

plano da responsabilidade civil, não se pode dissociar da

ilicitude, em particular no domínio da responsabilidade

contratual (artigos 799.º e seguintes CC), pese embora a

diferenciação destes pressupostos, pois a falta culposa de

cumprimento é usada em sentido amplo, de molde a abranger

a ilicitude e a culpa. Assim sendo, o comportamento culposo

pressupõe um ato ilícito e censurável do trabalhador. Esse ato

ilícito culposo, que pode assentar em ação ou omissão do

prestador de trabalho, será necessariamente derivado da

violação de deveres legais ou obrigacionais; todavia, o

incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo

do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de

deveres principais – como seja a realização do trabalho com

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zelo e diligência (artigo 128.º, n.º1, alínea c) CT) –, como de

deveres secundários ou de deveres acessórios de conduta,

derivados de boa fé no cumprimento do contrato

(designadamente, tratar com urbanidade e probidade e

empregador – artigo 128.º, n.º1, alínea a) CT – e não divulgar

informações referentes à organização empresarial – artigo

128.º, n.º1, alínea f) CT, nos termos estabelecidos no artigo

762.º, n.º2 CC). O comportamento culposo do trabalhador

pode corresponder a qualquer das três modalidades de

incumprimento das obrigações: não cumprimento definitivo,

mora e cumprimento defeituoso. A culpa é apreciada, em

cada caso, por um critério objetivo: segundo a diligência

média exigível a um trabalhador daquele tipo, nos termos em

que se desenvolve a relação laboral e atendendo às

circunstâncias do caso (artigo 487.º, n.º2 CC). Assentando no

princípio de a justa causa corresponder a um incumprimento

grave de deveres contratuais (principais, secundários ou

acessórios) por parte do trabalhador, importa enquadrar o

conceito indeterminado de justa causa nos parâmetros da

responsabilidade contratual. Deste modo, o comportamento

do trabalhador terá de ser ilícito, por violar deveres legais ou

contratuais. Porém, esse comportamento, principalmente nos

casos de cumprimento defeituoso, pode advir da violação de

deveres acessórios e nem sempre se enquadrar, pelo menos

diretamente, no elenco das causas do n.º2 do artigo 351.º CT.

2. Insubsistência da relação de trabalho: para além do

comportamento culposo (e ilícito), a justa causa depende de

uma consequência grave: que torne imediata e praticamente

impossível a subsistência da relação de trabalho. Trata-se de

uma limitação ao exercício do direito de resolução do

contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do

artigo 808.º CC, de a resolução de qualquer contrato

depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso

do empregador), determinada objetivamente; princípio esse

reiterado, nomeadamente, em sede de empreitada ou de

arrendamento. Em sentido mais genérico, como regra de

empreitada ou de arrendamento. Em sentido mais genérico,

como regra de proporcionalidade, o mesmo princípio

encontra consagração no artigo 330.º, n.º1 CT. Perante o

comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma

ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente,

não seja razoável exigir do empregador a subsistência da

relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da

relação da confiança motivada pelo comportamento culposo.

Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode

advir da violação de deveres principais como de deveres

acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade

do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação

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laboral poder subsistir. É neste parâmetro que deve ser

avaliado o despedimento pelas chamadas causas externas ou

condutas extralaborais; o comportamento do trabalhador,

mesmo quando externo à empresa, pode consubstanciar uma

violação de deveres acessórios, que lhe eram impostos fora

do período normal e do local e trabalho. Por vezes, contesta-

se a possibilidade de se invocarem causas externas à relação

laboral considerando que a justa causa pressupõe a prática de

uma infração disciplinar; contudo, esta figura não tem um

significado preciso e, num sentido amplo, a infração

disciplinar resulta da violação de quaisquer deveres

contratuais, seja deveres principais, secundários ou acessórios

de conduta. Neste sentido amplo, que parece correto, a

mencionada controvérsia perde sentido. A violação de

deveres contratuais, ainda que acessórios, só poderá conduzir

à cessação do contrato de trabalho se se ponderar, para além

da impossibilidade de subsistência da relação laboral, as

consequências jurídicas do despedimento.

3. Exemplificação legal de comportamentos ilícitos: depois de

enunciado o critério geral para determinação da justa causa,

como meio auxiliar do intérprete da lei, indica-se, de modo

exemplificativo, comportamentos ilícitos do trabalhador que

podem constituir justa causa de despedimento (artigo 351.º,

n.º2 CT). São meros tendo a justa causa de ser sempre

apreciada à luz do critério geral do n.º1 do artigo 351.º CT.

Assim, não basta que esteja em causa uma atuação presente

nas alíneas do n.º2 do artigo 351.º CT, é necessário que a

violação se tenha ficado a dever a um comportamento

culposo do trabalhador que, como consequência do facto

(comportamento do trabalhador) e do dano, se torne

impossível a subsistência da relação laboral. A lesão de

interesses patrimoniais sérios da empresa é uma das situações

que, exemplificadamente, pode integrar o conceito de justa

causa de despedimento, como se prevê na alínea e) do n.º2

do artigo 351.º CT. Os interesses patrimoniais da empresa

afetados pelo ato culposo do trabalhador não têm de ser

invocados, pois o que releva é a quebra na confiança. Refira-

se, ainda, que, na concretização do conceito de justa causa, o

ato lesivo de interesses da empresa pode ser isolado. A

negligência do trabalhador, para determinar quebra de

confiança, não pressupõe que o ato seja reiterado, basta que

a intensidade da violação pelas consequências ou pela perda

de confiança, sejam suscetíveis de comprometer a relação de

trabalho. Os exemplos de comportamentos do trabalhador

que podem constituir justa causa de despedimento (artigo

351.º, n.º2 CT), apesar de terem de ser apreciados com base

na cláusula geral do n.º1 do artigo 351.º CT, exige uma

diferente ponderação. Como as situações indicadas no n.º2

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do artigo 351.º CT, constituem justa causa de despedimento,

a prova da sua existência indicia a verificação do pressuposto

geral (n.º1); mas ao trabalhador é facultada a prova negativa.

4. Violação de outros deveres contratuais: das doze alíneas do n.º2 do

artigo 351.º CT constam exemplos de situações em que, com

alguma probabilidade, pode haver justa causa de resolução;

ou seja, que, em princípio, constituem justa causa de

despedimento. Mas haverá outras hipóteses, não previstas

neste n.º3, que também podem consubstanciar justa causa de

despedimento; para além das já mencionadas causas externas,

a título do exemplo, cabe indicar a violação do dever de não

concorrência (artigo 128.º, alínea f) CT) ou o aproveitamento

da justificação da falta para fins diversos dos declarados, que,

em qualquer caso, não tenha implicado uma lesão patrimonial

ao empregador. Tendo o trabalhador violado qualquer dever

contratual, mesmo que acessório, se o comportamento for

culposo e grave a ponto de inviabilizar a prossecução do

vínculo contratual, estar-se-á perante uma justa causa de

despedimento, ainda que a situação factual não possa ser

subsumida em nenhuma das alíneas do n.º2 do artigo 351.º

CT.

ii. Procedimento disciplinar:

1. Identificação: como resulta do disposto na alínea f) do n.º1 do

artigo 328.º CT, o despedimento sem indemnização ou

compensação é a sanção disciplinar máxima que o

empregador pode aplicar. Toda a sanção disciplinar tem de

ser aplicada após um procedimento (artigo 329.º CT). O

poder disciplinar, para ser exercido, requer um determinado

procedimento, conduzido diretamente pelo empregador ou

pelos superiores hierárquicos do trabalhador (artigo 329.º,

n.º4 CT). Nada impede inclusive que o procedimento seja

conduzido por pessoa estranha à empresa – instrutor

nomeado (artigo 336.º, n.º1 CT) –, por exemplo um

advogado mandatado pela emprega, desde que a decisão de

despedimento seja tomada pelo empregador ou por superior

hierárquico do trabalhador.

2. Funcionamento: o procedimento disciplinar deverá ter início

nos sessenta dias (60 dias) subsequentes àquele em que o

empregador teve conhecimento da infração (artigo 329.º, n.º2

CT) e da identidade do infrator. Mas sendo o facto ilícito

continuado, este prazo só se inicia quando termina a infração.

Independentemente do conhecimento, a infração disciplinar

prescreve decorrido um ano a contar do momento da prática

do facto ilícito, salvo se os factos constituírem igualmente

crime, caso em que são aplicáveis os prazos de prescrição da

lei penal (artigo 329.º, n.º1 CT). Há que atender, pois, a dois

prazos:

a. Um de sessenta dias (60 dias); e

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b. Outro de um ano (1 ano).

Os mencionados prazos interrompem-se com a comunicação

da nota de culpa (artigo 353.º, n.º3 CT) e com a instauração

do procedimento prévio de inquérito (artigo 352.º CT).

Como o prazo se interrompe (artigo 323.º e seguintes CC) e

não se suspende (artigos 318.º e seguintes CC), verificada a

interrupção, mediante a comunicação da nota de culpa ou a

instauração do procedimento prévio, inutiliza-se todo o

tempo decorrido anteriormente (artigo 326.º CC). O prazo

mantém-se interrompido – não corre – durante o período a

que se refere o artigo 327.º CC. Instaurado o procedimento

disciplinar, não há um prazo para ser proferida a decisão –

exceção feita aos prazos a que se aludirá em seguida –, pelo

que, não fora os princípios de celeridade e de boa fé, daqui

resultaria a possibilidade de eternizar a ação disciplinar com

vista ao despedimento; todavia, como decorre do n.º3 do

artigo 329.º CT, o procedimento disciplinar não pode

perdurar por mais de um ano – entre as datas em que é

instaurado e a que o trabalhador é notificado da decisão final

– sob pena de prescrever. Desse procedimento, depois de

uma fase de instrução, constará a acusação seguida da defesa.

Na fase da instrução, que, salvo na hipótese de haver um

procedimento prévio de inquérito (artigo 352.º CT), não pode

exceder os sessenta dias (artigo 329.º, n.º2 CT), o empregador

averigua os factos indiciadores da ilicitude. Com base nos

factos investigados, o empregador acusa o trabalhador da

prática de uma infração disciplinar. A acusação é uma

declaração escrita, receptícia, a que se aplica o disposto no

artigo 224.º CC, e dela deve constar a intenção de se proceder

ao despedimento (artigo 353.º, n.º1 CT). Juntamente com a

acusação deve ser entregue ao trabalhador uma nota de culpa

por escrito, onde se descrevem circunstanciadamente os

factos imputados ao trabalhador (artigo 353.º, n.º1 CT); a

nota de culpa deve, assim, corresponder à fundamentação da

acusação. Recebida a acusação, o trabalhador tem de ser

ouvido para apresentar a sua defesa (artigo 329.º, n.º6 CT),

que deverá ser deduzida no prazo de dez dias (10 dias) úteis,

podendo, nesse período, consultar o processos (artigo 355.º,

n.º1 CT). A instrução do procedimento disciplinar passou a

ser facultativa após a revisão de 2009, pelo que, tendo por

base a acusação e a defesa, o empregador poderia, desde logo,

decidir. Com a nova redação do artigo 356.º CT (decorrente

da revisão de 2012), o empregador procede às diligências

probatórias para a averiguação dos factos alegados na

acusação e na defesa. Não foi estabelecido prazo para estas

diligências, que, contudo, só se poderão prolongar durante

um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa fé

e ao princípio da celeridade processual e dentro do limite do

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ano, estatuído no n.º3 do artigo 329.º CT. Terminadas as

diligências probatórias, o processo deve ser apresentado à

comissão de trabalhadores e ao sindicato respetivo, que, no

prazo de cinco dias (5 dias) úteis, podem juntar pareceres

fundamentados (artigo 356.º, n.º5 CT). No que respeita ao

despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante

ou de trabalhador no gozo da licença parental, além da

instrução comum a qualquer procedimento disciplinar, terá

de ser solicitado parecer à entidade que tenha competência na

área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,

concretamente a Comissão para a Igualdade no Trabalho e

no Emprego (CITE), como dispõe o artigo 63.º, n.º1 CT.

Este parecer não é vinculativo, porém, sendo desfavorável, a

trabalhadora só pode ser despedida após decisão judicial que

reconheça a existência de motivo justificativo (artigo 63.º,

n.º6 CT); neste caso, diferentemente do que ocorre em sede

de arrendamento, a resolução do contrato não é decretada

judicialmente, continua a ser um ato unilateral de uma das

partes (empregador), precedido de uma decisão judicial. Após

a conclusão das diligências probatórias e de recebidos os

pareceres ou de decorridos os cinco dias (5 dias) úteis

referidos no n.º5 do artigo 356.º CT, o empregador dispõe de

trinta dias (30 dias) para proferir uma decisão absolutória ou

condenatória (artigo 357.º, n.º1 CT). Em qualquer caso, o

empregador tem de ponderar as circunstâncias de facto, a

gravidade da infração e a culpa do trabalhador, assim como a

lesão de interesses da empresa (artigos 330.º, n.º1, 351.º, n.º3

e 357.º, n.º4 CT); a decisão de despedimento deve ser tomada

ponderando os factos provados que conduzem à ilicitude da

conduta do trabalhador, o seu grau de culpa e o nexo causal

entre esses factos e a impossibilidade de subsistência da

relação laboral. A decisão tem de ser comunicada por escrito

e deve ser fundamentada atendendo aos factos alegados na

acusação e na defesa que se considerem provados (artigo

357.º, n.º5 CT). A sanção disciplinar de despedimento deverá

ser motivada; impõe-se sempre o esclarecimento das razões

que justificaram a sua aplicação, para efeito de uma eventual

impugnação do despedimento.

a. Ónus da prova: nos termos do artigo 342.º CC,

pretendendo o empregador despedir o trabalhador,

no procedimento disciplinar deverá fazer-se a prova

dos factos que integram a justa causa; isto é, cabe ao

empregador a prova dos factos constitutivos do

despedimento. Por isso, não há qualquer presunção

de justa causa no despedimento; daí que as

preferências legais a uma presunção de que o

despedimento se fez sem justa causa (artigos 63.º, n.º2

e 410.º, n.º3 CT) só poderão ter algum sentido para

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se verificar se o motivo invocado não encobre um

fundamento persecutório. Não se faz prova da justa

causa, que é um conceito indeterminado; o

empregador tem de provar a conduta ilícita do

trabalhador, indicando o dever obrigacional por este

violado. Feita a prova da conduta ilícita do

trabalhador, presume-se que a sua atuação foi culposa,

nos termos do artigo 799.º CC. Sendo o trabalhador

devedor de uma prestação, que não cumpriu,

violando um dever principal, secundário ou acessório

da relação laboral, cabe-lhe provar que a falta de

cumprimento ou o cumprimento defeituoso da

obrigação não procede de culpa sua (artigo 799.º, n.º1

CC). O empregador fica dispensado de provar a culpa

do trabalhador se demonstrou que este praticou um

facto ilícito; o trabalhador pode defender-se

provando que não praticou o facto ilícito de que é

acusado ou que não teve culpa na atuação. Importa,

todavia, notar que a presunção legal é simplesmente

de culpa, no sentido de negligência, não se

presumindo a culpa grave e muito menos o dolo; a

culpa grave ou o dolo do trabalhador têm de ser

provados pelo empregador, nos termos gerais (artigo

342.º CC). Mas para a justa causa de despedimento,

excecionalmente, pode bastar a mera negligência do

trabalhador, que se presume; contudo, atendendo à

letra do n.º1 do artigo 351.º CT, resulta que o

comportamento culposo do trabalhador, por via de

regra, deverá ser aferido em razão da sua gravidade, e

esta nãos e presume. Depois de provado o

comportamento ilícito do trabalhador e verificada

(provada) a gravidade da sua culpa, o empregador terá

de fazer a prova do nexo causal entre a conduta do

trabalhador e a impossibilidade de subsistência da

relação de trabalho. Com base num critério de

normalidade, atendendo às circunstâncias concretas

do comportamento do trabalhador, cabe ao

empregador demonstrar que tais factos (conduta

ilícita e culposa) conduzem à impossibilidade de

manutenção do contrato de trabalho. Esta

causalidade tem de ser apreciada de harmonia com os

parâmetros do artigo 563.º CC, atendendo a um

critério de probabilidade normal.

b. Suspensão preventiva do trabalhador: tendo em

conta que o procedimento disciplinar conducente ao

despedimento do trabalhador pode ser moroso, com

a acusação, o empregador pode suspender o

trabalhador enquanto decorre a ação disciplinar,

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sempre que a sua presença se mostrar inconveniente,

continuando a pagar-lhe a retribuição (artigos 329.º,

n.º5 e 354.º CT).

c. Despedimento coletivo:

i. Noção: o despedimento coletivo determina a cessação de contratos de

trabalho de, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores (2 ou 5

trabalhadores), consoante a empresa tenha menos ou mais de

cinquenta (50) trabalhadores (artigo 359.º, n.º1 CT). Além do aspeto

quantitativo, o despedimento coletivo afere-se em função do motivo,

que pode ser de mercado, estrutural ou tecnológico, justificativo do

encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou

à redução do pessoal (artigo 359.º, n.º1 CT). O despedimento

coletivo, por oposição à cessação por extinção de posto de trabalho

(artigo 367.º CT), implica que seja abrangida uma pluralidade de

trabalhadores, não obstante ser necessariamente emitida uma

declaração a cada trabalhador cujo contrato cessa; há, contudo, um

motivo comum que determina a extinção individual de vários

vínculos laborais.

ii. Apreciação dos fundamentos: os motivos são económicos, mas o

legislador identifica-os com fatores de mercado, estruturais ou

tecnológicos, que têm de ser apreciados em função da empresa, no

contexto atual ou futuro da sua atuação. Daí a referência legal à

previsibilidade dos motivos, bastando um juízo de prognose

puramente empresarial, assente na liberdade de gestão da empresa.

Pelo artigo 359.º, n.º2 CT, o legislador pretende auxiliar o intérprete

dando uma noção de motivos de mercado (alínea a)), estruturais

(alínea b)) e tecnológicos (alínea c)); trata-se, todavia, de uma

indicação exemplificativa de aspetos integrantes dos referidos

motivos, que se reconduzem a um fundamento económico, pois

mesmo os motivos tecnológicos hão-de ter uma base económica. A

questão poderia ser discutível no âmbito da legislação anterior, mas,

atualmente, não há dúvida de que a indicação legal é exemplificativa,

podendo haver outros motivos de justificação do despedimento. O

recurso ao despedimento coletivo com base em motivos de mercado,

estruturais ou tecnológicos não será só admitido em situações limite,

como no caso de risco iminente de insolvência da empresa. Importará

salientar que se está perante uma decisão de gestão empresarial; é o

empresário que decide; não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais

decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho

ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir

em abuso do direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado. No

fundo, como se trata de uma resolução com causa objetiva, o

despedimento não é discricionário, tem de ser fundamentado, e a

motivação deve ser encontrada nos fatores de mercado, estruturais

ou tecnológicos. Para reiterar a posição assumida no sentido de não

caber ao tribunal apreciar o mérito da decisão empresarial, importa

atender ao facto de o Código de Trabalho (no artigo 359.º, n.º2 CT),

comparado com o precedente (LCCT), em relação aos motivos

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omitiu o adjetivo comprovada e acrescentou a previsibilidade da sua

ocorrência. Estas alterações modificam substancialmente a

apreciação dos motivos. Acresce ainda que a intromissão do juiz na

apreciação dos fundamentos que justificaram a decisão de gestão

empresarial é inconstitucional, por violação do artigo 61.º, n.º1 CRP,

contrariando o direito fundamental de propriedade privada, na sua

vertente de liberdade empresarial; de facto, a liberdade de iniciativa

empresarial, a que foi conferida tutela constitucional (artigos 61.º,

n.º1 e 62.º, n.º1 CRP), seria posta em causa se os critérios de gestão

empresarial fossem ponderados pelo julgador.

iii. Procedimento: depois de, internamente, o empregador, ponderadas as

circunstâncias, ter decidido recorrer ao despedimento coletivo,

determinando que os setores ou trabalhadores vão ser abrangidos,

deverá proceder-se às comunicações previstas no artigo 360.º CT.

Feitas as comunicações, segue-se a fase negocial (artigo 361.º CT), em

que se prestam informações, negociando o empregador com a

estrutura representativa dos trabalhadores a obtenção de um acordo

tendo em vista minorar o âmbito do despedimento coletivo,

nomeadamente por via de uma redução do trabalho ou de uma

reconversão profissional. Os serviços do Ministério do Trabalho

intervêm neste processo negocial para assegurar a regularidade da sua

instrução substantiva e procedimental, assim como para promover a

conciliação dos interesses do empregador e dos trabalhadores (artigo

362.º CT). Terminada a fase negocial, cabe a decisão ao empregador

(artigo 363.º CT); optando pelo despedimento, deverá comunicar por

escrito a cada trabalhador abrangido pela decisão, indicando o motivo

e a data da cessação do contrato (artigo 363.º, n.1º CT). O

despedimento só produzirá o efeito extintivo do vínculo laboral

decorrido o prazo de aviso prévio, que vai de quinze a setenta e cinco

dias (15 a 75 dias) sobre a comunicação (artigo 360.º, n.º1 CT),

admitindo-se, contudo, que, não sendo observado este aviso prévio,

o trabalhador tenha direito à retribuição correspondente ao período

em falta (artigo 363.º, n.º4 CT). A decisão deve ser tomada atendendo

aos critérios que servem de base para a seleção dos trabalhadores a

despedir, que o empregador deverá indicar na comunicação (artigo

360.º, n.º2, alínea c) CT).

iv. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento: nos artigos 364.º a

366.º CT enunciam-se os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo

despedimento coletivo. Estes direitos são atribuídos somente aos

trabalhadores despedidos e não àqueles que, no decurso do processo

negocial, tenham celebrado um acordo de revogação.

1. Durante o período de aviso prévio (15 a 75 dias), o trabalhador tem

direito a um crédito de horas, até dois dias por semana (2 dias por

semana), para procurar nova ocupação (artigo 364.º CT);

2. Nesse mesmo período, consoante os casos, é conferido ao trabalhador o

direito de denunciar o contrato com um aviso prévio de três dias úteis,

sem perda do direito à compensação (artigo 365.º CT);

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3. Tradicionalmente, a cessação do contrato implicava o pagamento de uma

compensação, determinada pela multiplicação do valor da retribuição

base mensal e diuturnidades pelo número de anos de antiguidade,

calculados proporcionalmente no caso de fração de ano, não podendo ser

inferior a três meses. No âmbito das compensações devidas pelo

empregador em caso de cessação do contrato de trabalho por

causas objetivas, na revisão de 2012, procedeu-se a uma

redefinição de valores, iniciando-se um processo de redução

da compensação. Do regime de 2012 (artigo 366.º CT), decorre um

novo cálculo da compensação devida em caso de cessação do contrato de

trabalho por motivos objetivos: passa-se a calcular o valor com base em

20 dias por cada ano de antiguidade, aplicável a todos os trabalhadores

cujos contratos cessem depois da entrada em vigor deste regime.

Posteriormente, em 2013, a compensação prevista no artigo 366.º CT

foi reduzida para 12 dias por cada ano de antiguidade. Manteve-se a

dicotomia entre trabalhadores contratados antes ou depois de 1 de

novembro 2011. Em relação aos trabalhadores com contratos antigos

aplicam-se três regimes de compensação:

a. Até 31 outubro 2012: a compensação é calculada com

base no mês por ano de antiguidade;

b. Entre 1 novembro 2012 e 30 setembro 2013:

pondera-se no cálculo o valor de 20 dias por cada ano

de antiguidade;

c. A partir de 1 outubro 2013: há que atender a duas

valorações (artigo 5.º, n.º1 Lei n.º69/2013):

i. 18 dias de retribuição nos três primeiros anos

de duração do contrato;

ii. 12 dias de retribuição nos demais.

Complexidade similar surge com respeito aos novos

contratos de trabalho, ajustados depois de 1 novembro 2011.

Esta compensação e os créditos vencidos têm de ser pagos até à data do

termo do aviso prévio (artigo 383.º, n.º1, alínea c) CT), tendo deixado

de se aludir à exceção para a hipótese de insolvência ou recuperação e

reestruturação económica da empresa. Pese embora a redução operada

desde 2011, tendo em vista a dificuldade económica de alguns

empregadores de arcar com o valor da compensação instituíram-se dois

fundos: o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia

de Compensação do Trabalho. Relativamente à compensação, o Código

de Trabalho, no n.º4 do artigo 366.º CT, repristina a norma constante

da LCCT passando a presumir que o trabalhador aceitou o

despedimento se recebeu a compensação correspondente; há, todavia, uma

diferença na medida em que a expressão vale como foi substituída por

presume-se, para superar as dúvidas de interpretação suscitadas. A

presunção constante do n.º4 do artigo 366.º CT, sendo iuris tantum,

pode ser ilidida por prova em contrário (artigo 350.º, n.º2 CC). A

compensação é devida em razão de o empregador, no exercício do seu

direito, fazer cessar o contrato; concretamente, por recorrer à resolução do

contrato com fundamento em motivos objetivos. Trata-se, pois, de

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compensação resultante de uma responsabilidade civil por intervenções

lícitas.

d. Despedimento por extinção do posto de trabalho:

i. Noção: o despedimento por extinção de posto de trabalho equipara-

se ao despedimento coletivo, com a particularidade de ter natureza

individual. Dito de outro modo, os requisitos para o recurso a estas

duas formas de despedimento coincidem, exceto no que respeita ao

número de trabalhadores a abranger pela cessação do contrato. A

extinção de posto de trabalho determina um despedimento individual

fundado em motivos objetivos relacionados com a empresa.

ii. Apreciação dos motivos: os motivos para a extinção do posto de trabalho

coincidem com os fixados para o despedimento coletivo; são motivos

de mercado, estruturais ou tecnológicos (artigo 367.º CT); no fundo,

motivos económicos relacionados com a empresa. Associados a estes

motivos há que atender aos requisitos para o recurso a esta figura

(artigo 368.º CT). Em primeiro lugar, como resulta da alínea a) do

n.º1 do artigo 368.º CT, não será lícito proceder à extinção do posto

de trabalho quando a situação se subsuma ao despedimento por justa

causa em razão de um comportamento culposo do trabalhador; assim,

o despedimento por extinção do posto de trabalho é também

subsidiário relativamente ao despedimento por facto imputável ao

trabalhador. Do mesmo modo, a culpa do empregador inviabiliza

este despedimento. Quanto a este último aspeto, cabe esclarecer que

está em causa uma negligência na ponderação dos motivos, e não no

seu surgimento; por isso, não obsta ao despedimento por extinção do

posto de trabalho a gestão desastrosa que tenha levado a uma redução

da atividade da empresa. Em face da alínea b) do n.º1 do preceito em

análise, impõe-se que o motivo justificativo do despedimento

implique a insubsistência da relação de trabalho. A impossibilidade

de subsistência da relação de trabalho (alínea b)) não se identifica com

um dos elementos da justa causa subjetiva (artigo 351.º, n.º1 CT), pois

encontra-se objetivada no n.º4 do artigo 368.º CT. Em 2012, passou

a ser um critério empresarial não discriminatório (artigo 368.º, n.º4

CT). Em terceiro lugar, não se pode extinguir um posto de trabalho

quando a tarefa correspondente passou a ser exercida por

trabalhadores contratados a termo (alínea c) do n.º1), com vista a

evitar situações fraudulentas. Por último, com o mesmo intuito de

evitar fraudes, não será despedido o trabalhador cujo posto de

trabalho tenha sido extinto, se o ocupava há menos de três meses por

via de uma transferência; nesse caso, ele tem direito a reocupar o

antigo posto de trabalho, exceto se também este foi extinto, caso em

que será despedido (artigo 368.º, n.º3 CT). Na eventualidade de haver

uma pluralidade de postos de trabalho com um conteúdo funcional

idêntico, estabelecia-se um critério de preferência, em que era

preterido o trabalhador com menor antiguidade; todavia, com a

revisão de 212, a escolha passou a ser feita com base num critério

empresarial, devendo o empregador definir critérios relevantes e não

discriminatórios (artigo 368.º, n.º2 CT). Todavia, a solução

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consagrada foi ferida de inconstitucionalidade (Ac. TC n.º602/2013),

essencialmente por falta de um critério objetivo. Nessa sequência

surgiu a nova redação do artigo 368.º CT; no n.º2 do preceito passou

a constar um elenco de critérios, desde o desempenho e habilitações

do trabalhador até à antiguidade, que orientam e justificam a decisão

do empregador. Em suma, com a revisão de 2012, e no seguimento

do que se dispunha no Memorandum de entendimento, eliminaram-

se alguns dos pressupostos deste regime, concretamente relacionados

com a seleção do posto de trabalho a extinguir, definição do

trabalhador atingido pela extinção do posto de trabalho e a

verificação de existência de posto de trabalho compatível.

Particularmente a eliminação deste último requisito da colocação do

trabalhador abrangido pela extinção do posto de trabalho noutro

posto compatível evitaria muitas impugnações desta modalidade de

despedimento, tornando a extinção de posto de trabalho menos

exigente. Contudo, também a eliminação deste requisito foi

considerada inconstitucional. Ainda que a justificação da

inconstitucionalidade assente em premissas questionáveis,

introduzindo-se no artigo 368.º CT o requisito da inexistência de

posto compatível (n.º4).

iii. Procedimento: como é comum a várias formas de despedimento, o

empregador tem de organizar um processo com vista à extinção do

posto de trabalho, o qual é similar ao estabelecido a propósito do

despedimento coletivo. O procedimento inicia-se com uma

comunicação à estrutura representativa dos trabalhadores e ao

trabalhador a despedir (artigo 369.º CT), podendo tanto a estrutura

representativa como o trabalhador deduzir uma oposição, através de

parecer fundamentado, e solicitar a intervenção dos serviços

competentes do Ministério do Trabalho (artigo 370.º CT). Cinco dias

(5 dias) após a emissão do parecer, o empregador, querendo recorrer

à extinção do posto de trabalho, proferirá decisão fundamentada por

escrito (artigo 371.º CT). O contrato de trabalho cessa decorridos

quinze a setenta e cinco (15 a 75 dias) após a comunicação recebida

pelo trabalhador no sentido do despedimento por extinção do posto

de trabalho (artigo 371.º, n.º3 CT).

iv. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento: os trabalhadores

abrangidos pelo despedimento individual por extinção do posto de

trabalho têm os mesmos direitos que a lei atribui àqueles que forem

objeto de um despedimento coletivo (artigo 372.º CT); conferiu-se-

lhes, por isso, o crédito de horas, o direito a denunciar

antecipadamente o contrato e o direito à compensação fixada no

artigo 366.º CT, que deve ser satisfeita até ao termo do prazo de aviso

prévio (artigos 371.º, n.º4 e 384.º, alínea d) CT).

e. Despedimento por inadaptação:

i. Noção: o despedimento por inadaptação do trabalhador foi

reintroduzido na ordem jurídica em 1991, mantendo-se nos artigos

373.º e seguintes CT. Através do despedimento por inadaptação

permite-se que o empregador faça cessar o contrato de trabalho

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sempre que se determine a incapacidade do trabalhador para o

exercício das suas funções, tornando praticamente impossível a

subsistência da relação de trabalho. A inadaptação assenta numa

impossibilidade relativa de o trabalhador realizar a sua prestação, pois,

sendo a incapacidade absoluta e definitiva, o contrato de trabalho

caduca. No artigo 374.º CT concretiza-se a inadaptação,

determinando-se que esta se verifica no caso de redução continuada

e reiterada de produtividade ou de qualidade, de avarias reiteradas nos

meios afetos ao posto de trabalho e de riscos para a segurança e a

saúde do próprio trabalhador, dos restantes trabalhadores ou de

terceiros. No que respeita a trabalhadores que ocupam cargos de

complexidade técnica ou de direção, a inadaptação pode ser

determinada em função de objetivos previamente fixados e

formalmente aceites (artigo 374.º, n.º2 CT). Em qualquer dos casos,

o despedimento funda-se numa impossibilidade superveniente e

relativa de boa execução da prestação. Porém, na segunda hipótese,

essa impossibilidade é determinada por uma condição aposta ao

contrato; condição que não é, por si, resolutiva, mas que funciona

como requisito da inadaptação. Após a revisão de 212, passa a haver

dois tipos de inadaptação:

1. A situação tradicional, em que a inadaptação decorre de terem sido

introduzidas modificações no posto de trabalho: relativamente a esta

e para a generalidade dos trabalhadores (excluindo os cargos

de complexidade técnica ou de direção), o despedimento por

inadaptação depende dos requisitos enunciados no artigo

375.º, n.º1 CT, concretamente, nas alíneas a) a c). A este

propósito, mesmo quanto ao regime tradicional de

inadaptação e à imagem do prescrito em sede de

despedimento, a inexistência na empresa de posto de trabalho,

deixou de se exigir, como requisito, a inexistência na empresa

de posto de trabalho compatível bem como a ausência de

culpa do empregador na falta de condições de segurança e

saúde no trabalho, tendo sido revogadas as alíneas d) e e) do

n.º1 do artigo 375.º CT. Para esta modalidade de inadaptação

(dita tradicional) seria necessário que, nos seis meses (6 meses)

anteriores, tenham sido introduzidas modificações no posto

de trabalho resultantes de alterações nos processos de fabrico,

de novas tecnologias ou de equipamentos baseados em

diferente ou mais complexa tecnologia (alínea a)). Em

segundo lugar, exige-se que tenha sido ministrada ao

trabalhador ação de formação profissional adequada às

modificações introduzidas no posto de trabalho (alínea b)).

Depois de ministrada a formação, tem de ser facultado ao

trabalhador um período de adaptação não inferior a trinta

dias (30 dias – alínea c)). Com a Lei n.º27/2014, repristinou-

se o requisito da inexistência de posto compatível com a

categoria do trabalhador (alínea d)). Os mencionados

requisitos para a determinação da inadaptação do trabalhador,

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em razão da sua especial exigência, têm levado a que as

empresas não recorrerem a esta forma de despedimento. Por

último, se o trabalhador inadaptado tiver sido colocado há

menos de três meses num novo posto de trabalho no qual se

verifique a inadaptação, não pode ser despedido, tendo

direito a reocupar o anterior posto de trabalho, salvo se este

tiver sido extinto ou definitivamente ocupado por outrem

(n.º6 do artigo 375.º CT).

2. E a nova inadaptação, em que há uma modificação substancial da

prestação do trabalhador, nomeadamente uma redução continuada da

produtividade ou da qualidade, independentemente de terem sido

introduzidas alterações do posto de trabalho. Nesta segunda

modalidade, não se exige que tenha havido modificações no

posto de trabalho (artigo 375.º, n.º2 CT). Basta que ser

verifiquem os pressupostos indicados nas alíneas deste

número, concretamente que tenha havido uma modificação

substancial da prestação laboral da qual resulte uma redução

continuada de produtividade ou de qualidade, avarias

repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para

a segurança e saúde do trabalhador de outros trabalhadores

ou terceiros com caráter definitivo, devendo seguir-se um

procedimento complexo no apuramento desta factualidade.

Os pressupostos constantes das alíneas b) e c) do n.º1 –

formação profissional e adaptação – são comuns às duas

modalidades de inadaptação. Quanto aos trabalhadores que

desempenhem cargos de complexidade técnica ou de direção,

se tiverem sido formalmente fixados os objetivos a atingir,

para haver despedimento por inadaptação tornava-se

também necessário, por um lado, que tivessem sido

introduzidos novos processos de fabrico, novas tecnologias

ou equipamentos baseados em diferente ou mais complexa

tecnologia, que implicassem modificação das funções

relativas ao posto de trabalho que ocupem, e, por outro, que

a inadaptação não derivasse de falta de condições de

segurança e saúde no trabalho imputável ao empregador. Este

regime veio a ser alterado na revisão de 2012 e, atento o

disposto no n.º3 do artigo 375.º CT, tal como na segunda

modalidade de inadaptação, não é necessário que tenha

havido introdução de alterações de fabrico, tecnológicas, etc.,

é suficiente que o objetivo não tenha sido atingido e essa

factualidade se apure por via procedimental. Apesar de não

constituir verdadeiramente uma novidade de 2012, no que

respeita à inadaptação de trabalhadores em cargos de

complexidade técnica ou de direção cabe atender à

inadaptação por incumprimento de objetivos previamente

acordados, que passa a ter maior relevo, pois deixa de estar

dependente da introdução de modificações no posto de

trabalho.

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Por último, tal como nas duas modalidades de despedimento por

inadaptação, exige-se que seja colocada à disposição do trabalhador a

compensação devida (n.º7 do artigo 374º CT).

ii. Procedimento: relativamente ao procedimento, imposta distinguir as

duas modalidades de despedimento por inadaptação, pese embora

haver um regime comum constante dos artigos 376.º e 378.º CT.

1. À imagem do que ocorre a nível do despedimento coletivo e

do despedimento individual por extinção do posto de

trabalho, o despedimento por inadaptação carece de um

procedimento que se inicia com a comunicação por escrito

ao trabalhador inadaptado e à estrutura representativa dos

trabalhadores (artigo 376.º CT). No prazo de dez dias (10 dias)

a contar da comunicação, o trabalhador pode opor-se à

pretensão de despedimento por inadaptação, e a estrutura

representativa dos trabalhadores deve emitir, sobre o caso,

parecer fundamentado (artigo 377.º CT). Recebidos os

pareceres ou terminado o prazo referido, o empregador tem

30 dias para proferir, por escrito, decisão fundamentada de

despedimento, com as indicações constantes das alíneas do

1.º do artigo 375.º CT.

2. Na nova modalidade de despedimento por inadaptação – em

que não tenha havido modificações do posto de trabalho –,

antes de ser manifestada a intenção de proceder ao

despedimento tem de ser comunicada ao trabalhador a

descrição circunstanciada de factos demonstrativos da

redução continuada de produtividade ou de qualidade, de

avarias, riscos, etc. (artigo 375.º, n.º2, alínea b) CT); tendo o

trabalhador direito a pronunciar-se por escrito, no prazo de

cinco dias (5 dias), quanto a tais factos. Seguidamente, o

empregador deverá dar ordens adequadas tendo em vista a

correção das apontadas deficiências da prestação laboral

(artigo 375.º, n.º2, alínea c) CT). Só depois deste

procedimento prévio e provando-se a factualidade indicada

pelo empregador é que se segue o procedimento comum,

constante dos artigos 376.º e seguintes CT.

O contrato cessa decorridos quinze a setenta e cinco dias (15 a 75

dias) sobre a data em que a decisão de despedimento foi comunicada

ao trabalhador (artigo 378.º, n.º2 CT), devendo, até ao momento da

cessação, ser-lhe paga a compensação prevista no artigo 366.º ex vi

artigo 379.º CT. Cessando o contrato por inadaptação, no prazo de

noventa dias (90 dias), a empresa deve assegurar a manutenção do

nível de emprego, nomeadamente pela contratação de outro

trabalhador (artigo 380.º CT).

iii. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento:

1. O trabalhador despedido por inadaptação tem os mesmos

direitos de um trabalhador que tenha sido abrangido por um

despedimento coletivo (artigo 379.º CT). É-lhe atribuído o

crédito de horas para procura de outro emprego, pode

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denunciar antecipadamente o contrato sem perda da

compensação e tem direito a perceber o montante

determinado nos termos do artigo 366.º CT.

2. Na segunda modalidade de despedimento por inadaptação,

admite-se que o trabalhador denuncie o contrato logo após

ter recebido a comunicação da qual consta a descrição

circunstanciada de factos demonstrativos da redução

continuada de produtividade ou de qualidade, de avarias,

riscos, etc. (artigo 379.º, n.º2, ex vi artigo 375.º, n.º2, alínea b)

CT).

f. Despedimento ilícito:

i. Aspetos gerais: os quatro tipos de despedimento referidos serão ilícitos,

para além de hipóteses específicas, em três casos:

1. Se o despedimento não tiver sido precedido de um procedimento ou este

for nulo;

2. Se o despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou

religiosos;

3. Se forem declarados improcedentes os motivos de justificação invocados

para o despedimento (artigo 381.º, alínea b) CT).

A estas três situações comuns importa acrescentar as causas de

ilicitude específicas dos diferentes tipos de despedimento.

1. O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito em

duas situações indicadas no artigo 382.º, n.º1 CT:

a. Se tiverem decorrido os prazos de prescrição

previstos no artigo 329.º, n.º1 e 2 CT, concretamente,

o prazo de sessenta dias e de um ano (60 dias e 1 ano);

ou

b. Se o procedimento disciplinar for inválido, sendo a

invalidade determinada nos termos constantes das

alíneas do n.º2 do artigo 382.º CT.

De facto, as invalidades processuais vêm taxativamente

mencionadas, pois nem todas as falhas geram a invalidade do

procedimento; assim, prescreve-se, como causas de

invalidade, a elaboração desajustada da nota de culpa, o

desrespeito do princípio do contraditório e a falta de decisão

escrita e fundamentada de despedimento.

2. Nas modalidades de despedimento por motivos objetivos –

despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho e

por inadaptação – a ilicitude pode igualmente advir da

verificação de qualquer uma das seguintes duas situações:

a. Não terem sido feitas as comunicações (artigos 383.º,

alínea a), 384.º, alínea c) e 385.º, alínea b) CT); ou

b. Não ter sido disponibilizada a quantia devida como

compensação (artigos 383.º, alínea c), 384.º, alínea d)

e 385.º , alínea c) CT).

3. Por outro lado, no despedimento coletivo constitui uma causa

específica de ilicitude o facto de o empregador não ter

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promovido a negociação prevista no n.º1 do artigo 361.º CT

(artigo 383.º, alínea a), 2.ª parte CT);

4. Nos despedimentos por extinção do posto de trabalho e por inadaptação

constitui ilicitude o desrespeito dos respetivos requisitos

(artigos 384.º, alínea a) e 385.º, alínea a) CT).

5. Por último, falta referir a situação de ilicitude específica do

despedimento por extinção do posto de trabalho derivada de não

terem sido respeitados os critérios de determinação do posto

de trabalho a extinguir (artigo 384.º, alínea b) CT); é claro que

este requisito, após a revisão de 2012, tem um relevo

diminuto, porquanto os critérios são empresariais, definidos

pelo empregador, não podendo ser discriminatórios.

ii. Suspensão preventiva: sabendo-se que a ação de impugnação do

despedimento pode tardar alguns meses, ou até anos, a ser decidida,

e não pretendendo o trabalhador permanecer durante esse lapso

privado da retribuição, pode intentar uma providência cautelar de

suspensão do despedimento (artigo 386.º CT). Sendo uma

providência cautelar, a decisão, ainda que provisória, será

naturalmente célere. O trabalhador terá de requerer a suspensão do

despedimento no prazo de cinco dias (5 dias) úteis a contar da data

em que lhe foi comunicado o despedimento (artigo 386.º CT). Nos

termos dos artigos 39.º e seguintes CPT, a suspensão do

despedimento será decretada se o empregador não tiver organizado

o respetivo procedimento, se este padecer de falhas que o invalidem

e ainda quando o processo não for apresentado no prazo fixado; além

disso, a suspensão também será decretada no caso de o empregador

faltar injustificadamente à audiência e na medida em que o tribunal

conclua pela probabilidade séria de inexistência de justa causa. Como

qualquer providência cautelar, a suspensão do despedimento caduca

se não for intentada a ação de impugnação do despedimento no prazo

de trinta dias (30 dias – artigo 373.º, n.º1, alínea a) CPC). Tendo sido

decretada a suspensão do despedimento, entre a data que medeia a

decisão da providência cautelar e a sentença judicial, o contrato de

trabalho subsiste, sendo devida a retribuição ao trabalhador.

iii. Impugnação judicial: a ilicitude do despedimento só pode ser declarada

pelo tribunal em ação intentada pelo trabalhador (artigo 387.º, n.º1

CT), entendendo-se que esta matéria terá necessariamente de ser

dirimida em tribunal judicial e não, por exemplo, por via arbitral, com

exceção da relação laboral desportiva. Se o despedimento for

impugnado com base em invalidade do procedimento, o tribunal tem

somente de verificar se foi instaurado o procedimento e, em caso

afirmativo, se o empregador respeitou os trâmites essenciais a que a

lei alude no n.º2 do artigo 382.º CT. A preterição de outras

formalidades gera o dever de pagar uma indemnização

correspondente a metade do valor que seria devido (artigo 389.º, n.º2

CT); ou seja, essas outras irregularidades procedimentais não geram

a invalidade do despedimento, mas só o direito de o trabalhador ser

indemnizado. No caso de o despedimento ser impugnado com base

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na improcedência do motivo justificativo invocado, importa

distinguir se a cessação se funda em justa causa subjetiva ou num

motivo objetivo:

1. Em caso de impugnação judicial do despedimento com justa causa

subjetiva: cabe ao tribunal valorar os factos provados pelo

empregador e determinar se, no caso concreto, a conduta do

trabalhador é ilícita, culposa, e não permitindo a manutenção

do contrato de trabalho. Esta valoração, em termos jurídicos,

não é diversa daquela que o tribunal tem de fazer quando uma

das partes, num qualquer contrato, impugna judicialmente a

resolução requerida pela contraparte.

2. Relativamente às causas objetivas: o tribunal tem de verificar da

sua existência e se o motivo não é abusivo ou

fraudulentamente invocado, sem tomar partido quanto à

bondade da gestão empresarial.

Só o trabalhador tem legitimidade para impugnar o despedimento,

invocando a ilicitude. Mesmo no caso de despedimento coletivo, a

impugnação é individual – não estando excluído o litisconsórcio – e,

apesar de os fundamentos poderem ser comuns a vários

trabalhadores, a decisão judicial de ilicitude do despedimento só

aproveita ao trabalhador que tenha intentado a ação de impugnação.

Para contrariar as consequências da cessação do contrato por

iniciativa do empregador, é necessário que o trabalhador impugne

judicialmente o despedimento, ainda que este se fundamente em

causas objetivas, não se tendo admitido a possibilidade de as

controvérsias neste âmbito serem dirimidas por via arbitral (artigo

387.º, n.º1 CT); quanto ao fundamento do despedimento, não em

relação às consequências, mormente indemnizatórias, em que a

arbitrariedade não se encontra vedada. Refira-se ainda que o direito

de ação é conferido individualmente ao trabalhador atingido e não às

estruturas representativas dos trabalhadores (artigo 387.º, n.º2 CT).

Por outro lado, tendo o trabalhador impugnado o despedimento,

para justificar a cessação do vínculo, o empregador apenas pode

invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento

comunicada ao trabalhador (artigo 387.º, n.º3 CT). À exceção da

impugnação de despedimento coletivo, em que se estabelece um

prazo de seis meses (6 meses) para ser intentada a respetiva ação

(artigo 388.º, n.º2 CT), consagrou-se um prazo regra de sessenta dias

(60 dias) a contar da data da cessação do contrato para o trabalhador

impugnar o despedimento (artigo 387.º, n.º2 CT). Diferentemente do

prazo de prescrição estabelecido no artigo 337.º CT, os prazos de

impugnação do despedimento (artigos 387.º, n.º2 e 388.º, n.º2 CT),

na falta da respetiva qualificação, conclui-se que são prazos de

caducidade (artigo 298.º, n.º2 CC). Coloca-se, porém, a dúvida de

saber se, além destes dois prazos, para determinados tipos de

despedimento, mormente do despedimento verbal, se não continua

a valer o regime anterior nos termos do qual o prazo seria de um ano

(1 ano). Além da alteração do prazo, há uma diferença, enquanto no

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regime anterior se atendia à ilicitude do despedimento, no artigo 387.º,

n.º1 CT alude-se à licitude do despedimento. No artigo 388.º CT

continua a fazer-se menção à ilicitude do despedimento. A diferença

entre licitude e ilicitude do despedimento não é puramente

terminológica. Quanto aos prazos de impugnação do despedimento

serem de caducidade, a questão não carecia de mais esclarecimentos

não fora as dúvidas suscitadas em várias decisões judiciais, que vieram

a ser resolvidas no sentido correto pelo Ac. STJ 7 fevereiro 2007. O

Código de Trabalho, no artigo 337.º continua a prescrever um prazo

de prescrição nos termos que eram pacificamente aceites pela

jurisprudência, mas limitou-se o âmbito de aplicação deste preceito.

Diferentemente do que poderia ser defensável no domínio da

legislação revogada, a prescrição prevista no artigo 337.º CT não se

aplica à impugnação do despedimento, pois para esta dispõe (agora)

uma norma especial: os artigos 337.º, n.º2 e 338.º, n.º2 CT. Mas

subsiste a dúvida quanto a saber se estes dois preceitos abarcam todas

as situações de impugnação do despedimento. O artigo n.º2 do artigo

387.º CT, ao estabelecer um prazo de caducidade para intentar ação

de impugnação do despedimento, é uma norma especial

relativamente á regra geral de prescrição dos créditos laborais (artigo

337.º, n.º1 CT). De facto, no citado preceito, mantendo o princípio

de que os direitos devem ser exercidos num prazo curto de um ano,

adapta-se a solução a uma situação especial – a impugnação do

despedimento – determinando um regime especial de contagem do

prazo. Sendo o n.º2 do artigo 387.º CT (assim como o artigo 388.º,

n.º2 CT) uma norma especial em relação ao disposto no artigo 337.º

CT, prevalece no âmbito específico de aplicação. Assim, a norma

geral (artigo 337.º CT) aplica-se às diferentes situações de créditos

resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação,

exceto quando estes respeitarem á impugnação do despedimento, em

que prevalece a norma especial. No concurso entre regra geral (artigo

337.º, n.º1 CT) e regra especial (artigo 387.º, n.º2 e 388.º, n.º2 CT)

tem de se concluir que, em caso de impugnação do despedimento e

no que respeita às pretensões relacionadas com a sobredita

impugnação, só encontram aplicação estes últimos preceitos. Mas na

medida me que o n.º2 do artigo 337.º CT alude a créditos resultantes

da cessação do contrato, estaria abrangido o despedimento ilícito não

incluído nos artigos 387.º e 388.º CT. Assim, o artigo 337.º, n.º1 CT,

mantém a sua aplicação em casos de créditos resultantes da cessação

do contrato de trabalho. Esta dicotomia implica diferenças

substanciais, pois os prazos são de sessenta dias a um ano com início

na mesma data. Poder-se-á entender que o prazo de um ano

constante do artigo 337.º, n.º1 CT é demasiado longo, pondo em

causa a celeridade que se impõe na vida hodierna, mas para

determinado tipo de despedimento acaba por ser a solução mais

consentânea. À complexidade (com redução) de prazos para

impugnação do despedimento, na revisão de 2009 instituiu-se um

regime substancialmente diverso. O trabalhador que impugna o

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despedimento, com exceção do despedimento coletivo, limita-se a

apresentar um formulário (artigo 98.º-D CPT) em que contesta o

despedimento de que foi alvo. Com base nesse formulário, o tribunal

convoca a audiência das partes (artigo 98.º-F CPT) e, sendo esta

infrutífera, cabe ao empregador apresentar o primeiro articulado

(artigo 98.º-J CPT). Inverte-se, pois, a ordem normal de intervenção

processual, com dificuldades acrescidas de funcionamento deste

novo processo.

iv. Efeitos da ilicitude:

1. Aspetos gerais: o despedimento ilícito não é inválido, pelo que,

mesmo injustificado, produz efeitos; ou seja, determina a

imediata cessação do contrato de trabalho, podendo, contudo,

em determinados casos, restabelecer-se retroativamente o

vínculo. Poder-se-ia entender que o despedimento ilícito, por

ser contrário à lei, seria nulo (artigo 280.º, n.º1 CC), inválido,

portanto. Mas o despedimento, ainda que ilícito, integra-se na

estrutura complexa do contrato a que pretende pôr fim,

carecendo de autonomia; deste modo, os atos relacionados

com a execução ou a inexecução do contrato de trabalho –

em que se inclui o despedimento –, ainda que qualificáveis

como atos jurídicos, têm de ser analisados como modos de

cumprimento ou de incumprimento desse contrato. Por isso,

o despedimento ilícito não é inválido: representa o

incumprimento do contrato de trabalho por parte do

empregador. Razão pela qual no n.º3 do artigo 382.º CT se

alude à invalidade do procedimento, não do despedimento.

Em caso de despedimento ilícito, o trabalhador pode

contestar (judicialmente) os motivos da resolução, cabendo

ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo o

despedimento injustificado, e portanto ilícito, o empregador

responde pelo prejuízo causado ao trabalhador; como o

princípio geral da obrigação de indemnizar determina que

deve ser reconstituída a situação que existia (artigo 562.º CC),

não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artigo

566.º, nº.1 CC, sendo declarado ilícito o despedimento e a

consequente obrigação de restituir a situação que existiria

implica a manutenção do contrato de trabalho. A subsistência

do vínculo laboral ilicitamente resolvido pelo empregador

depende do preenchimento, alternativo, de três pressupostos:

a. O cumprimento das prestações contratuais ainda ser

possível: sendo impossível a realização da prestação

laboral ou o seu recebimento, ainda que a

impossibilidade decorra do despedimento ilícito, o

contrato de trabalho cessou e a resolução, apesar de

ilícita, produziu o efeito extintivo;

b. O trabalhador manter interesse na execução do

contrato: na eventualidade de o trabalhador perder o

interesse na execução do contrato, a declaração

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judicial de ilicitude do despedimento não implica a

subsistência do vínculo, que cessou por efeito da

resolução, ainda que ilícita;

c. A execução do contrato não ser excessivamente

onerosa para o empregador: se a posterior execução

do contrato de trabalho for excessivamente onerosa

para o empregador, mesmo que essa maior

onerosidade possa indiretamente resultado do

despedimento ilícito, ponderando as circunstâncias,

admitir-se-á que o contrato não subsiste. Pelo facto

de o contrato ter sido resolvido, a relação pessoal

entre empregador e trabalhador pode ter ficado

degradada e a subsistência do vínculo implicar uma

solução inaceitável para o empregador.

Como a resolução é um ato jurídico unilateral e receptício, o

efeito extintivo verificou-se no momento em que foi

comunicada à contraparte, e, se esta não reagir judicialmente

no prazo que a lei lhe confere, a cessação do vínculo, ainda

que ilícita, consolida-se. Por isso, o despedimento ilícito não

impugnado determina a cessação irreversível do contrato de

trabalho. Contudo, se o trabalhador impugnar o

despedimento e o tribunal se pronunciar pela ilicitude da

resolução importa salvaguardar os efeitos do contrato. Poder-

se-ia entender que este renasceria com a sentença; mas, de

facto, a decisão judicial declara a ilicitude do despedimento e,

sendo requerida, a consequente restauração natural (artigo

562.º CC). Deste modo, da ilicitude do despedimento pode

resultar que o contrato não cessou, tendo continuado em

vigor, apesar de, durante um certo lapso, não ter sido

cumprido. Assim, o despedimento ilícito não sendo

impugnado no prazo legal – que vai de sessenta dias a um ano

(60 dias a 1 ano) –, determina a extinção do vínculo laboral

desde a data em que a declaração do empregador produziu

efeitos. Todavia, se, na sequência da impugnação feita pelo

trabalhador, o tribunal se pronunciar pela ilicitude do

despedimento, o efeito extintivo pode não se verificar, pelo

que o contrato, apesar de não ter sido executado, se mantém

em vigor. Não tendo o contrato cessado com a resolução

(despedimento ilícito), pode extinguir-se por outro meio, por

exemplo a caducidade ou a denúncia feita pelo trabalhador.

Às situações tradicionais importa acrescentar a cessação do

contrato resultante da opção do trabalhador pela

indemnização substitutiva da reintegração (artigo 391.º CT).

2. Indemnização:

a. Danos patrimoniais: o trabalhador ilicitamente

despedido tem direito a receber uma indemnização,

tendo em vista ressarcir todos os prejuízos sofridos,

como prescreve a alínea a) do n.º1 do artigo 389.º CT.

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Esta solução resulta do regime geral da obrigação de

indemnizar, constante dos artigos 562.º e seguintes

CC. Nos termos gerais, cabe ao lesado (trabalhador)

provar os prejuízos sofridos e o nexo causal destes

com o facto ilícito praticado pelo lesante. Provada a

ilicitude do despedimento – que pressupõe a prática

de um facto ilícito e culposo por parte do empregador

–, nem sempre será fácil para o trabalhador fazer a

prova dos restantes dois pressupostos da

responsabilidade civil: a existência de danos e o nexo

causal entre o facto (despedimento) e o prejuízo

sofrido. Tendo em conta esta dificuldade, entende-se

que a perda de retribuições resulta necessariamente

do despedimento ilícito; são lucros cessantes, pelo

que o correspondente dano e o nexo de causalidade

não têm de ser provados. Os demais prejuízos

sofridos pelo trabalhador, desde que ele consiga

demonstrar a sua existência e o nexo causal

relativamente ao despedimento ilícito, serão

indemnizados pelo empregador, nos termos gerais

(artigo 389.º, n.º1, alínea a) CT). Sendo o

despedimento um ato ilícito e culposo praticado pelo

empregador, que determina o não cumprimento do

contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a que

lhe seja pago o prejuízo derivado desse

incumprimento (artigo 798.º CC). Por isso, além dos

salários intercalares, vendidos entre a data do

despedimento e a da sentença, que se encontravam

em mora, são devidos juros (artigo 806.º CC),

cabendo igualmente ao empregador a obrigação de

pagar uma indemnização por outros prejuízos

decorrentes do incumprimento, nomeadamente

rendimentos que o trabalhador deixou de auferir por

ter sido despedido. Da redação do n.º1 do artigo 390.º

CT, ao remeter para a alínea a) do n.º1 do artigo 389.º

CT, infere-se que a indemnização abrange não só os

salários intercalares como igualmente todos os

prejuízos causados.

b. Salários intercalares: no caso de despedimento ilícito,

se o efeito extintivo não se verificar, o contrato de

trabalho manteve-se em vigor e não foi cumprido por

culpa do empregador, em princípio desde o momento

em que o despedimento foi comunicado ao

trabalhador até à data da sentença que determina a

ilicitude do ato. Assim sendo, a entidade

empregadora será condenada a pagar ao trabalhador

as retribuições que deixar de auferir desde o

despedimento até ao trânsito em julgado da decisão

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do tribunal (artigo 390.º, n.º1 CT), que se podem

designar por salários intercalares ou de tramitação.

Há, todavia, duas exceções ao princípio do

pagamento integral das retribuições perdidas pelo

trabalhador entre a data do despedimento e a da

decisão do tribunal:

i. Se o trabalhador tardar mais de trinta dias (30

dias) a intentar a ação judicial de impugnação

do despedimento, não lhe são devidas as

retribuições vencidas entre a data do

despedimento e trinta dias (30 dias) antes da

proposição da ação (artigo 390.º, n.º2, alínea

b) CT). Esta regra, que funciona como

estímulo ao recurso célere à via judicial,

constitui uma limitação à integral reparação

do prejuízo, de modo a punir a inércia do

trabalhador. A regra, contudo, justificava-se

quando o prazo de impugnação do

despedimento era normalmente de um ano,

perdendo sentido quando, agora, vale o prazo

regra de sessenta dias (60 dias – artigo 287.º,

n.º2 CT). Ainda que com menor justificação,

mantém-se a solução.

ii. Se o trabalhador, em consequência de ter sido

ilicitamente despedido, passar a auferir

determinada importância, nomeadamente o

subsídio de desemprego, esse valor deduz-se

ao montante dos salários intercalares (artigo

390.º, n.º2, alíneas a) e c) CT). Assim, se o

trabalhador por ter sido despedido

(ilicitamente) iniciar outra atividade

remunerada, ser-lhe-á descontado no valor

das retribuições intercalares o montante

auferido no exercício dessa outra atividade3.

3 A dedução do aliunde perceptum, que já constava da LCCT, tem sido contestada pelo facto de ser injusta, pois estar-se-ia a punir o trabalhador diligente que, em vez de aguardar pelo resultado da sentença na ociosidade, vai procurar outro meio de rendimento; até porque a decisão judicial pode tardar meses ou anos e, não sendo concedida a suspensão do despedimento (artigo 386.º CT), o trabalhador ficaria privado da sua fonte de rendimento durante um largo período. Além disso, ainda se tem acrescentado que não se justificaria o benefício concedido ao empregador – pagando uma indemnização mais baixa – no caso de o trabalhador ter iniciado outra atividade remunerada, pois daqui não resulta uma justificação para atenuar a responsabilidade da entidade patronal. Como terceiro argumento, ainda se poderia aduzir que o despedimento é um ato ilícito não subsumível ao regime do risco; ou seja, não se aplicaria o regime constante do artigo 795.º, n.º2 CC, na medida em que o benefício a que alude este preceito tem de resultar do vínculo sinalagmático, não podendo ser uma consequência externa à qual a contraparte é alheia. Acresce que, se houvesse impossibilidade, o vínculo cessaria por caducidade (artigo 387.º, alínea b) CT), pelo que não seriam devidos os salários intercalares; mas nem sequer há impossibilidade, trata-se da falta de realização da atividade por ato do credor (empregador). De facto, estabelece-se claramente a relação causal entre o recebimento de determinadas importâncias por parte do trabalhador e a cessação do vínculo; a dedução só se verifica na eventualidade de se concluir que o montante a deduzir não teria sido recebido pelo trabalhador se tivesse continuado a cumprir o contrato de trabalho. Contudo, a solução legal explica-se pela contraposição entre o dever de indemnizar e a obrigação de cumprir

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c. Danos não patrimoniais: a indemnização por danos

não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito

era controversa no domínio da legislação anterior.

Por isso, importa verificar se os danos não

patrimoniais sofridos pelo trabalhador em

consequência do despedimento são suficientemente

graves para merecerem a tutela do direito (artigo 496.º,

n.º1 CC). Tendencialmente, a jurisprudência dos

tribunais de trabalho não arbitrava indemnizações

por danos não patrimoniais em caso de despedimento

ilícito do trabalhador, por duas razões:

i. Tendo em conta que a previsão de

indemnização por danos mais, constante da

LCT, foi omitida nos diplomas de 1975 e

1989.

ii. Atendendo ao facto de a previsão de danos

não patrimoniais se encontrar numa

subsecção do Código Civil onde se regula a

responsabilidade por factos ilícitos (artigos

483.º e seguintes CC), na sequência de alguma

doutrina (Pires de Lima/Antunes Varela),

defendeu-se que a indemnização por danos

morais não era extensível à responsabilidade

contratual, prevista nos artigos 798.º e

seguintes CC. Ora, sendo a indemnização

pontualmente o contrato. O empregador que despediu ilicitamente um trabalhador deve indemniza-lo de todos os prejuízos causados (artigo 389.º, n.º1, alínea a) CT) e, cumulativamente, tem de cumprir a prestação compensando o trabalhador de proventos que obteria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido. Mas a realização tardia da prestação (cumulada com a indemnização) não pode colocar o lesado (trabalhador) numa situação mais vantajosa do que aquela em que estaria se o contrato de trabalho tivesse sido atempadamente executado; a mesma ideia, com as necessárias adaptações – porque, como já se esclareceu, não há impossibilidade da prestação de trabalho –, resulta do n.º3 do artigo 795.º CC. O trabalhador ilicitamente despedido que recebe a indemnização pelos danos sofridos, caso tenha desempenhado outra atividade remunerada retira algum benefício com a exoneração, pelo que, se recebesse integralmente os salários intercalares, obteria um ganho superior ao que lhe era devido caso não tivesse havido despedimento; importa esclarecer que a indemnização, como o próprio nome indica, não é um instituto que confira ao beneficiário a possibilidade de enriquecer, visando antes eliminar os danos. Dito de outro modo, a solução legal pode ser explicada com recurso à figura da compensatio lucri cum dano: desde que verificada a devida relação causal – enunciada na parte final do n.º2 do artigo 390.º CT – o lesado (trabalhador ilicitamente despedido) não pode lucrar com o dano. No fundo, está-se perante o instituto da responsabilidade civil que tem em vista ressarcir danos e não punir condutas. Concluindo, dir-se-á que a solução não é injusta, pois conduz ao integral ressarcimento do dano sem conceder benefícios injustificados ao lesado; em segundo lugar, não se premeia a ociosidade, porque o subsídio de desemprego também é descontado; por último, ainda que o lesante (empregador) beneficie da diligência do lesado, a responsabilidade civil tem em vista primordialmente ressarcir danos, pelo que o lesado (trabalhador) não tem direito a receber uma quantia que exceda o seu prejuízo. Por motivo de justiça, e tendo em conta a razão de ser do disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 390.º CT, dever-se-á entender que a mesma dedução será devida sempre que o trabalhador não tenha auferido tais importâncias em virtude de uma recusa manifestamente injustificada – não aceitou uma oferta de emprego compatível ou não se inscreveu para receber o subsídio de desemprego –; perante tal recusa manifestamente injustificada, a pretensão de perceber o valor total das retribuições que deixou de auferir integra a figura do abuso de direito (artigo 334.º CC). A situação indicada corresponde a uma hipótese de culpa do lesado, constante do artigo 570.º, n.º1 CC, pois há um agravamento do dano derivado de facto culposo do trabalhador ilicitamente despedido, que viabiliza a redução da indemnização.

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derivada da cessação lícita do contrato

integrada na responsabilidade contratual não

se lhe aplicaria a previsão de danos não

patrimoniais.

Os dois argumentos são refutáveis e trata-se, como se

referiu, de uma tendência não generalizada, sendo

vários os acórdão sem que os tribunais de trabalho se

pronunciam pela admissibilidade de o trabalhador ser

indemnizado por danos não patrimoniais em caso de

cessação do contrato. O facto de não haver uma

remissão expressa para a lei geral não inviabiliza que

as regras de Direito Civil se apliquem no foro laboral,

porque no Direito do Trabalho, como Direito

privado, valem subsidiariamente as regras de Direito

Civil. O segundo argumento foi amplamente

rejeitado pela doutrina e jurisprudência, por motivos

óbvios, nomeadamente atendendo à unidade da

responsabilidade civil, extracontratual e contratual,

no que respeita à admissibilidade de danos morais. A

dúvida foi claramente solucionada em 2003 no

sentido preconizado, estabelecendo a alínea a) do n.º1

do artigo 389.º CT que o trabalhador será

indemnizado por todos os danos não patrimoniais

causados pelo despedimento ilícito. Pois, com

respeito à cessação do contrato de trabalho, nada

justifica um tratamento diferenciado relativamente

aos demais contratos, devendo atender-se igualmente

a prejuízos não patrimoniais sofridos pelo

trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela

do direito, como prescreve o artigo 496.º, n.º1 CC. O

dano não patrimonial, além de ser qualificado como

grave para merecer tutela do Direito, está sujeito ao

regime geral de prova. Deste modo, cabe ao

trabalhador o ónus da prova da sua existência, assim

como da relação causal com o despedimento ilícito.

3. Reintegração: como se afirmou, o contrato de trabalho cessa de

modo irreversível, não obstante o despedimento ser ilícito, se

o trabalhador não reagir judicialmente no prazo que a lei lhe

confere. Por isso, o despedimento ilícito não impugnado

determina a cessação incontroversa do contrato de trabalho.

Mas se o trabalhador impugnar o despedimento e o tribunal

se pronunciar pela ilicitude da resolução, importa

salvaguardar os efeitos do contrato. Assim sendo, tendo o

tribunal concluído no sentido da ilicitude do despedimento, a

cessação do contrato não produz efeitos e, atendendo ao

efeito retroativo, o vínculo, apesar de não ter sido executado,

subsistiu em vigor. A subsistência do contrato não é, portanto,

uma consequência da ilicitude do despedimento, pois decorre

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do princípio geral da obrigação de indemnizar (artigo 562.º

CC). Esta obrigação de indemnizar funda-se na

responsabilidade civil justificada pelo despedimento ilícito.

Dito de outro modo, a manutenção em vigor do contrato não

é uma consequência direta da ilicitude do despedimento, mas

sim da obrigação de indemnizar, reconstituindo a situação

que existiria, baseada na responsabilidade civil decorrente do

despedimento ilícito. Assim se justifica a opção constante da

alínea b) do n.º1 do artigo 389.º e do n.º1 do artigo 391.º CT,

nos termos da qual o trabalhador pode optar pela

reintegração na empresa ou pela indemnização em

substituição da reintegração. Caso o trabalhador se limite a

pedir que o tribunal declare a ilicitude do despedimento, a

solução será a restauração natural (reintegração), sendo a

indemnização sucedânea (em substituição da reintegração) a

alternativa que o lesado terá de pedir (artigo 391.º, n.º1 CT).

Este pedido indemnizatório, em alternativa, pode ser

formulado até ao termo de discussão em audiência final de

julgamento (artigo 391.º, n.º1, 1.ª parte CT). No fundo, a

declaração de ilicitude do despedimento corresponde a um

pedido de reintegração, sendo a indemnização a alternativa,

apesar de ambos advirem de um pedido de condenação.

Também poe haver esta alternativa do trabalhador, se

percebe o direito de oposição à reintegração atribuído ao

empregador (artigo 392.º CT). Na alínea b) do n.º1 do artigo

389.º CT confere-se ao trabalhador o direito à reintegração

na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (dá

maior amplitude ao empregador no cumprimento da

reintegração em que for condenado). Por outro lado,

determina-se que a reintegração é sem prejuízo da sua

categoria e antiguidade, pois, mantendo-se o contrato de

trabalho em vigor, o trabalhador ilicitamente despedido tem

direito á reintegração na sua categoria e, no período em que

esteve afastado da empresa, não perdeu a antiguidade; assim

resulta do que foi anteriormente afirmado quanto ao

significado da reintegração na empresa, que é uma forma de

realizar a obrigação de indemnizar, reconstituindo a situação

que existiria se não tivesse havido despedimento ilícito. Por

isso, o direito á reintegração tem efeito retroativo e cumula-

se com o pagamento dos designados salários intercalares. Tal

como referido, independentemente da expressão sem

prejuízo da sua categoria e antiguidade, o direito à

reintegração determina o regresso do trabalhador à empresa,

mantendo-se a respetiva categoria. O retorno à categoria não

implica desempenhar atividades compatíveis. Está em causa

tanto a designada categoria real, correspondente ao conjunto

de atividades que, de facto, o trabalhador desenvolve na

empresa, quanto a categoria definida como posição

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hierárquica que o trabalhador ocupa na empresa, no, por

vezes, chamado organigrama da empresa. Não tendo o

empregador, depois da sentença que declara o despedimento

ilícito e o condena a reintegrar o trabalhador, cumprindo as

obrigações decorrentes do contrato de trabalho, em particular

o dever de ocupar o trabalhador na sua categoria, estar-se-á

perante uma violação do dever de ocupação efetiva (artigo

129.º, n.º1, alínea b) CT). Além das consequências normais

do incumprimento (artigo 323.º CT), nomeadamente a mora

quanto ao pagamento da retribuição (artigo 323.º, n.º2 CT), a

recusa de integração do trabalhador na empresa,

consubstancia uma situação de falta de cumprimento de

deveres contratuais, permitindo ao trabalhador intentar uma

ação com o pedido de sanção pecuniária compulsória (artigo

829.º-A CC). Principalmente em microempresas ou em casos

de especiais relações de confiança, a reintegração de um

trabalhador ilicitamente despedido pode tornar-se difícil,

razão pela qual, no artigo 392.º CT, se prevê a possibilidade

de o empregador se opor à reintegração. A recusa de

reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido, além

de limitada quanto aos pressupostos, não depende da vontade

do empregador, pois assenta numa decisão do tribunal; há

uma certa similitude com o despedimento por facto

imputável a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou no

gozo de licença parental contra o parecer da CITE, em que a

resolução do contrato por parte do empregador está

condicionada por uma prévia decisão judicial (artigo 63.º, n.º6

CT). Como resulta do artigo 392.º CT, o juiz só pode decidir

a não reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido

se, cumulativamente, se verificarem os seguintes

pressupostos:

a. Tratar-se de trabalhador de microempresa (menos de

10 trabalhadores) ou que desempenhe cargo de

administração ou de direção (n.º1, 1.ª parte);

b. O despedimento não tiver por fundamento um ato

discriminatório, nomeadamente relacionado com a

discriminação em função do sexo ou da origem étnica

(n.º2);

c. Tendo em conta as manifestações da figura do abuso

do direito, o empregador não tiver culposamente

criado o fundamento justificativo de tal direito (n.º2,

2.ª parte);

d. A reintegração, segundo o juízo do julgador, for

inconveniente para a prossecução da atividade

empresarial (n.º1, 2.ª parte).

e. Acresce que a figura da não reintegração não se aplica

a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou no

gozo de licença parental (artigo 63.º, n.º8 CT); apesar

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de esta exceção não constar do artigo em análise,

parece necessário, ao apreciar o regime, interpretar a

eventualidade de não reintegração no plano global do

Código do Trabalho.

Tendo o juiz considerado que, naquele caso, o trabalhador

não deve ser reintegrado, arbitrará uma indemnização, entre

trinta e sessenta dias (30 e 60 dias) por cada ano de

antiguidade; assim, em caso de oposição à reintegração do

trabalhador ilicitamente despedido que o tribunal considere

procedente, a indemnização substitutiva da reintegração é

elevada, nos ermos previstos no n.º3 do artigo 392.º CT.

Importa esclarecer que a obrigatoriedade plena da

reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos só

existe em Portugal. No que respeita aos requisitos para o

exercício deste direito, importa distinguir os pressupostos

positivos dos negativos, que correspondem, respetivamente,

a elementos constitutivos e impeditivos da oposição à

reintegração. Em qualquer caso, os pressupostos, como

resulta do disposto no n.º1 do artigo 391.º CT, têm de ser

apreciados, pelo tribunal, cabendo ao julgador decidir se a

oposição à reintegração encontra fundamento. Cabe

esclarecer que o juiz não pode proceder ao despedimento do

trabalhador; caso considere justificada a oposição à

reintegração valida a decisão empresarial de cessação do

vínculo laboral.

a. Os pressupostos positivos (elementos constitutivos,

portanto, da oposição à reintegração) constantes do

n.º1 do artigo 392.º CT, são dois:

i. A oposição à reintegração só pode ser feita

valer em relação a trabalhador de

microempresa (menos de 10 trabalhadores)

ou que desempenhe cargo de administração

ou de direção (n.º1, 1.ª parte);

ii. Por outro lado, será necessário que a

reintegração, segundo o juízo do julgador,

seja gravemente prejudicial e perturbador

para a prossecução da atividade empresarial

(n.º1, 2.ª parte);

b. Como pressupostos negativos (portanto, elementos

impeditivos da reintegração) resultantes do n.º2 do

artigo 392.º, assim, como do n.º8 do artigo 63.º CT,

importa atender a três:

i. Em primeiro lugar, será necessário que o

despedimento, apesar de ilícito, não tenha por

fundamento um ato persecutório,

nomeadamente relacionado com a

discriminação em função de motivos

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políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos

(n.º2, 1.ª parte);

ii. Tendo em conta a proibição geral de abuso

do direito, não pode opor-se à reintegração o

empregador que tiver culposamente criado o

fundamento justificativo de tal direito (n.º2,

2.ª parte);

iii. Por último, a oposição à reintegração está

excluída relativamente a trabalhadora grávida,

puérpera ou lactante ou em gozo de licença

parental (artigo 63.º, n.º8 CT). Apesar de esta

exceção não constar do artigo em análise

(392.º CT), parece necessário, ao apreciar o

regime, interpretar a eventualidade de não

reintegração no plano global do Código do

Trabalho.

No que respeita ao primeiro requisito (artigo 392.º, n.º1, 1.ª

parte CT), estão em causa dados objetivos quanto à aplicação

do instituto: ter-se-á de verificar se a empresa que efetuou um

despedimento ilícito é uma microempresa ou se,

independentemente da dimensão da empresa, o trabalhador

afetado pelo despedimento ilícito ocupa um cargo de

administração ou de direção. Para determinar se a empresa se

enquadra na noção de microempresa basta verificar se

emprega menos de dez trabalhadores (artigo 100.º, n.º1,

alínea a) CT). Este valor é aferido pela média anual de

trabalhadores contratados na empresa, sendo necessário que,

em média, não se tenha excedido o valor máximo (10) para

se estar perante uma microempresa. O segundo elemento –

ocupar o trabalhador despedido um cargo de administração

ou de direção – é igualmente um dado objetivo e corresponde

a uma situação perfeitamente justificável. De facto, a

oposição à reintegração tem o seu campo natural de aplicação

no que respeita a trabalhadores que ocupam cargos de

administração ou direção. É relativamente a estes que tem

particular relevo prático a quebra na relação de confiança, que

inviabiliza a reintegração. No que respeita a este pressuposto

não é imprescindível que o trabalhador em questão tenha

nominalmente um cargo de administração ou de direção,

basta que o cargo por ele desempenhado –

independentemente do nomen usado na empresa –

corresponde a funções de administração ou de direção. A

demonstração de que o regresso do trabalhador é gravemente

prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade

empresarial (artigo 392.º, n.º1, 2.ª parte CT) carece de uma

análise dos factos justificativos deste pressupostos. No plano

teórico, importa referir que essa perturbação grave tanto

pode advir de factos ocorridos antes do despedimento, como

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resultar de comportamentos do trabalhador perpetrados

depois da cessação do vínculo. Em qualquer caso, serão os

factos que não terão estado na base da decisão de

despedimento, sendo independentes deste. Refira-se, ainda,

que os factos justificativos da oposição podem ter sido

praticados pelo trabalhador sem culpa ou, até, não resultarem

de um comportamento deste. Não é pressuposto deste

instituto que o trabalhador tenha agido culposamente; exige-

se unicamente que o regresso do trabalhador seja gravemente

prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade

empresarial. Este prejuízo para a empresa pode decorrer de

circunstâncias externas. Inclusive, a dificuldade prática de

reintegração pode constituir mais um indício de perturbação

grave da prossecução da atividade empresarial. A perturbação

grave da atividade empresarial é o pressuposto central do

instituto, para cuja concretização cabe análise exemplificativa.

O prejuízo grave e perturbação da atividade empresarial,

ainda que com contornos diversos, pode ser entendido em

sentido similar à justa causa (subjetiva), prevista no n.º1 do

artigo 351.º CT. É necessário que os factos invocados pelo

empregador indiciem a existência de um prejuízo grave e

perturbador da atividade empresarial, caso o trabalhador seja

reintegrado. Porém, diferentemente do que ocorre na justa

causa de despedimento, os factos não têm de corresponder a

comportamentos culposos do trabalhador, basta que deles

resulte a insustentabilidade de manter a relação contratual.

Também de modo diverso do que prescreve o n.º1 do artigo

351.º CT, não se impõe a impossibilidade de subsistência da

relação de trabalho, sendo suficiente o prejuízo grave e

perturbação da atividade empresarial. Em suma, assentando

numa base similar – de quebra da relação de confiança –, dir-

se-á que os termos prescritos no n.º1 do artigo 392.º CT são

francamente menos exigentes do que os constantes da justa

causa de despedimento (artigo 351.º, n.º1 CT). Em suma:

qualquer facto perpetrado pelo trabalhador que, pela sua

gravidade, comprometa a relação de confiança, inviabilizando

a sã prossecução da atividade empresarial pode justificar o

preenchimento deste pressuposto. Como resulta do que se

afirmou, trata-se de um conceito indeterminado que tem de

ser preenchido perante o caso concreto. Ainda assim, sempre

se dirá que o prejuízo grave associado com a perturbação da

atividade empresarial ao ponto de justificar a oposição à

reintegração será relativamente fácil de ocorrer no que

respeita a trabalhadores que ocupam cargos de administração

ou de direção, porque, quanto a estes, verifica-se amiúde a

perda total da relação de confiança que perturba a

prossecução da atividade. O primeiro dos requisitos

negativos determina que não será admissível a oposição à

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reintegração sempre que a ilicitude do despedimento se

fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou

religiosos (artigo 392.º, n.º2, 1.ª parte CT). Este requisito

(negativo) remete para o princípio geral da ilicitude do

despedimento, constante da alínea b) do artigo 381.º CT. No

fundo, importa determinar se o desempenho se fundou em

motivos políticos, ideológicos, étnicos e religiosos, ou em

qualquer forma inadmissível de discriminação. Perante uma

ilicitude gravíssima não se admite a oposição à reintegração.

Os factos que justificam a oposição à reintegração, dos quais

resulta que o regresso do trabalhador é gravemente

prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade

empresarial podem ter sido praticados pelo trabalhador ou

resultar de circunstâncias alheias à sua atuação. Em qualquer

caso, os motivos da oposição à reintegração não podem ter

sido culposamente criados pelo empregador. De facto, estar-

se-ia perante uma hipótese de abuso do direito, na

modalidade de tu quoque, se o empregador invocasse a

oposição à reintegração tendo ele próprio criado as condições

de prejuízo grave para a prossecução da atividade empresarial.

Importará, todavia, esclarecer que a culpa do empregador na

criação do fundamento justificativo da oposição à

reintegração (parte final do n.º2) não se confunde com a culpa

do empregador no despedimento ilícito, que é irrelevante

nesta sede. Por outro lado, ainda que tenha sido perturbada a

prossecução da atividade empresarial por causa do

despedimento ilícito, imputável ao empregador, se este não

criou o motivo justificativo da oposição à reintegração, a

opção do trabalhador pode ser negada. O terceiro e último

requisito negativo do instituto da oposição à reintegração

determina a inaplicabilidade da figura no caso de se tratar de

uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou em gozo

de licença parental (artigo 63.º, n.º8 CT). Além da proteção

especial conferida às trabalhadoras grávidas puérperas e

lactantes ou em gozo de licença parental no que respeita à

proteção no despedimento (artigo 63.º CT) – e como

corolário natural dessa proteção –, prescreve-se que o

empregador não se pode opor à reintegração de trabalhadora

que se encontre numa dessas três situações. A justificação é

óbvia e relaciona-se com a particular tutela conferida às

trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes. Concluindo,

refira-se que a hipótese de não reintegração prevista no artigo

392.º CT tem contornos bem mais limitados do que noutros

casos em que se admite a não reintegração, cuja

constitucionalidade, repita-se, não tem sido questionada.

Assentando-se no pressuposto de que a solução não contraria

o artigo 53.º CRP, resta verificar se a não reintegração de

determinados trabalhadores – que trabalhem em

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microempresas ou desempenhem cargos de administração ou

de direção – viola o princípio da igualdade. As empresas com

menos de dez trabalhadores correspondem a 80% do tecido

empresarial português, empregando aproximadamente 30%

dos trabalhadores; quanto aos trabalhadores que ocupam

cargos de administração ou de direção, é difícil determinar em

relação aos, aproximadamente, três milhões de trabalhadores

subordinados. A distinção entre pequenas e grandes

empresas é realista e razoável, não pondo, por isso, em causa

o princípio da igualdade. De facto, a igualdade de tratamento

determina apenas que não haja diferenciações

discriminatórias; não porá em causa a licitude de estatutos

distintos com justificação objetiva. No caso concreto, a

distinção entre trabalhadores de pequenas, médias ou grandes

empresas e trabalhadores de microempresas ou que ocupem

cargos de administração ou de direção justifica-se tendo em

conta a confiança e proximidade relevantes na subsistência da

relação de trabalho.

4. Indemnização em substituição da reintegração: não pretendendo o

trabalhador ser reintegrado, poderá optar pela indemnização

prevista no artigo 391.º CT. Nesta indemnização,

diferentemente do que ocorre quanto às retribuições a que

alude o n.º1 do artigo 390.º CT, só se atende à retribuição e

às diuturnidades (excluindo, portanto, nomeadamente os

subsídios e outros complementos salariais – artigo 262.º, n.º2,

alínea a) CT); por outro lado, importa ainda ter em conta a

antiguidade do trabalhador e o grau de ilicitude da conduta

do empregador. Na LCCT referia-se a ano de antiguidade ou

fração, levando a que a doutrina e a jurisprudência

entendessem que um dia de trabalho equivaleria a um ano.

De tal modo, recebia a mesma indemnização o trabalhador

que tivesse uma antiguidade de quatro anos ou de três anos e

um dia; solução que não era, evidentemente, equitativa.

Tendo isso em conta, propugnava-se uma interpretação

corretiva do preceito, no sentido de a fração ser contada em

termos proporcionais. Esta interpretação foi expressamente

seguida no Código de Trabalho de 2003 e mantida em 2009,

nomeadamente nos artigos 164.º, n.º1, alínea c), 344.º, n.º3,

366.º, n.º2 e 396.º, n.º2 CT, não se lhe fazendo alusão

expressa no artigo 391.º CT. A falta de tomada de posição

explícita neste preceito não permite uma interpretação

contrária, porquanto se pode concluir que a regra é a de

atender à fração de ano proporcionalmente e, por outro lado,

a omissão justifica-se na medida em que o legislador optou

por fixar uma moldura para a indemnização, em vez de um

valor fixo. Ainda quanto á contagem da antiguidade, por via

do n.º2 do artigo 391.º CT esclareceu-se outra dúvida. Na

legislação anterior determinava-se que se contava o tempo

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decorrido até à data da sentença, não se indicando se era a

decisão em primeira instância ou a decisão judicial com

trânsito em julgado. Da atual redação não resultam dúvidas:

conta-se o tempo decorrido desde o despedimento até ao

trânsito em julgado da decisão judicial. Contrapondo com a

interpretação da norma revogada normalmente seguida pelos

tribunais, resulta um agravamento da indemnização no caso

de haver recurso. Daqui advém, porém, uma dificuldade (ou

contratempo) na aplicação do Direito, pois, havendo recurso,

a indemnização só pode ser quantificada a final, pelo que,

como o crédito é ilíquido, não vencerá juros de mora (artigo

805.º, n.º3 CC). Como resulta do disposto na 2.ª parte do n.º1

do artigo 391.º CT, na determinação do valor da

indemnização o juiz deverá atender a três aspetos:

a. Ao valor da retribuição base e das diuturnidades

auferidas pelo trabalhador à data do despedimento;

b. À antiguidade do trabalhador:

c. Ao tipo de ilicitude do despedimento: quanto a esta,

remete-se (desnecessariamente) para as situações

previstas nas três alíneas do artigo 381.º CT, sem que

daí resulte qualquer hierarquia de ilicitudes. Contudo,

por via de regra, será mais grave um despedimento

fundado em motivos políticos ou étnicos, do que por

falta de procedimento disciplinar; nesta ponderação

dever-se-á ainda atender ao grau de culpa do

empregador, nomeadamente na apreciação do

motivo justificativo invocado.

Com base nesses três elementos, o juiz, em vez de proceder

a uma simples operação aritmética, fixará a indemnização

segundo uma moldura: entre quinze e quarenta e cinco dias

(15 e 45 dias) de retribuição base e diuturnidades. A

indemnização não pode, porém, ser inferior a três meses de

retribuição base e de diuturnidades (artigo 391.º, n.º3 CT).

Mantendo-se, por isso, a regra de uma indemnização por

valor mínimo, sempre que a antiguidade não perfizer três

anos. A indemnização será agravada como contrapartida da

oposição à reintegração do trabalhador julgada procedente

(artigo 392.º, n.º3 CT). Seguindo os mesmos critérios

enunciados no n.º1 do citado preceito, a moldura de quinze a

quarenta e cinco dias (15 a 45 dias) é elevada para trinta a

sessenta dias (30 a 60 dias). Acresce que, no caso de oposição

à reintegração julgada procedente, o valor mínimo não

poderá ser inferior a seis meses, colocando em pé de

igualdade os trabalhadores que tenham antiguidade até seis

anos (artigo 392.º, n.º3 CT).

3. Resolução invocada pelo trabalhador:

a. Noção: o trabalhador tanto pode recorrer à resolução do contrato como

reação a um incumprimento culposo do empregador – resolução com justa

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causa subjetiva (artigo 394.º, n.º2 CT) –, como na hipótese de alteração das

circunstâncias ou de atuações não culposas do empregador – resolução com

justa causa objetiva (artigo 394.º, n.º3 CT). A resolução determina a cessação

do vínculo contratual, podendo a extinção dos efeitos do contrato ser

imediata ou indeferida. A cessação do contrato é imediata no caso de se estar

perante uma resolução com justa causa (artigo 394.º, n.º1 CT); pelo contrário,

a dissolução do vínculo poderá ser diferida na eventualidade de o trabalhador

antever a verificação de determinadas situações, por exemplo da necessidade

previsível de cumprimento de obrigações legais (artigo 394.º, n.º3, alínea a)

CT). O trabalhador que pretende fazer cessar o contrato de trabalho tem de

emitir uma declaração nos termos prescritos no artigo 395.º, n.º1 CT. Quanto

ao prazo, a declaração de resolução do contrato de trabalho deverá ser

prestada nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos que

integram a justa causa. Em relação à forma, exige-se que a declaração seja

escrita com indicação sucinta dos factos que a justificam. A declaração de

resolução é receptícia fazendo cessar o contrato de trabalho aquando da sua

receção (artigo 224.º CC). Como é regra nas relações duradouras, o efeito

externo só se verifica em relação ao futuro; a resolução não tem eficácia

retroativa, só produzindo efeitos ex nunc. Contrariamente às regras gerais, a

declaração de resolução do contrato pode ser revogável. Não sendo a

resolução feita por escrito, com a assinatura do trabalhador reconhecida

notarialmente, permite-se que este a revogue até ao sétimo dia seguinte à data

em que chegue ao poder do empregador (artigo 379.º, n.º1 CT). Tal como

em relação à revogação do contrato de trabalho, essencialmente para permitir

a ponderação do trabalhador, impõe-se esta formalidade na declaração de

resolução do contrato. Trata-se de uma exceção à regra geral do arrigo 230.º

CC, que prescreve a irrevogabilidade da declaração negocial; de facto, do n.º1

do artigo 397.º CT resulta a livre revogabilidade da declaração negocial da

resolução do contrato. A fim de impor ao trabalhador a necessária reflexão e

de obstar à revogação da declaração de resolução do contrato, o empregador

pode exigir que o documento tenha a assinatura do emitente com

reconhecimento notarial presencial (artigo 395.º, n.º4 CT). A revogação pode

ser invocada tanto em caso de resolução como no de denúncia invocadas

pelo trabalhador (artigos 397.º e 402.º CT).

b. Resolução com justa causa:

i. Comportamento ilícito do empregador: sempre que o empregador falta

culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato

estar-se-á perante uma situação de responsabilidade contratual; e,

sendo grave a atuação do empregador, confere-se ao trabalhador o

direito de resolver o contrato. O trabalhador só pode resolver o

contrato se do comportamento do empregador resultar uma justa

causa da desvinculação. Deste modo, nem toda a violação de

obrigações contratuais por parte do empregador confere ao

trabalhador o direito se resolver o contrato; é necessário que o

comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade,

implique a insubsistência da relação laboral. Dito de outro modo, a

justa causa a que alude o artigo 394.º, n.º1 CT deve ser entendida nos

termos da idêntica locução constante do artigo 351.º, n.º1 CT, até

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porque, como determina o artigo 394.º, n.º4 CT, a justa causa

imputável ao empregador é apreciada nos moldes estabelecidos para

o despedimento por facto imputável ao trabalhador; remetendo-se

para o correspondente preceito. A lei indica os comportamentos que

constituem justa causa nas várias alíneas do n.º2 do artigo 394.º CT,

explicitando que a enumeração é exemplificativa. Atendendo ao

disposto na LCCT havia quem apontasse para o caráter taxativo da

indicação, mas já então se preconizava o caráter exemplificativo da

disposição, entendendo-se que o elenco legal não era redutor e,

consequentemente, podendo outras violações do contrato ou o

desrespeito da lei consubstancial justa causa de rescisão. Foi esta a

interpretação que vingou na redação do corpo do n.º2 do artigo 394.º

CT, ao inclui-se o termo nomeadamente. De entre as previsões legais de

situações que constituem justa causa importa aludir á falta culposa de

pagamento pontual da retribuição (alínea a)) Esta previsão tem de ser

conjugada com o disposto no artigo 323.º, n.º2 CT, relativo á mora

no cumprimento de obrigações pecuniárias. Nas restantes alíneas do

n.º2 do artigo 394.º CT faz-se referência a várias situações

relacionadas com os deveres do empregador (artigo 127.º CT), apesar

de não haver coincidência, pois deste último elenco constam

obrigações do empregador cuja violação não está prevista naquele

preceito. Contudo, tendo em conta que o elenco do artigo 394.º, n.º2

CT é exemplificativo concluir-se-á no sentido de que o desrespeito

de deveres do empregador não indicados neste preceito também

pode consubstanciar motivo de justa causa da resolução do contrato.

Cumulativamente com o direito de resolver o contrato, ao

trabalhador é conferida uma indemnização determinada nos termos

do artigo 396.º CT. Segundo as regras gerais, a indemnização

abrangeria todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes

para o trabalhador da atuação ilícita perpetrada pelo empregador,

contudo, no artigo 396.º, n.º1 CT, não obstante o princípio geral,

surge uma limitação enquadrável nos parâmetros gerais; prescreve-se

que a indemnização se deve fixar entre quinze e quarenta e cinco dias

de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de

antiguidade. Esta regra, paralela com o disposto no n.º1 do artigo

391.º CT para a indemnização em substituição da reintegração, perde

sentido neste âmbito e contraria o princípio geral em sede de

indemnização. Em sentido idêntico ao que se prescreve no n.º3 do

artigo 391.º CT, para a indemnização em substituição da reintegração,

sendo a resolução requerida pelo trabalhador, a indemnização,

independentemente dos danos sofridos e da antiguidade, não poderá

ser inferior a três meses (3 meses) de retribuição base e de

diuturnidades (artigo 396.º, n.º1, 2.ª parte CT). Mais uma vez, a

solução não é consentânea com os privilégios gerais em sede

indemnizatória, pois não se atende aos danos sofridos para fixar o

valor da indemnização.

ii. Causas objetivas: as hipóteses de resolução com base em justa causa

objetiva vêm previstas nas três alíneas do n.º3 do artigo 394.º CT,

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devendo entender-se que o elenco é taxativo. De facto, tendo em

conta que no n.º2 o legislador resolveu a dívida, indicando que o

elenco é exemplificativo, não fazendo qualquer referência neste n.º3,

será de entender, atendendo especialmente ao elemento literal e ao

elemento histórico da interpretação, que as causas de resolução são

taxativas. Assim, quanto às causas objetivas, tal como ocorre

relativamente à responsabilidade objetiva (artigos 483.º, n.º2 e 798.º

CC), prevalece um princípio de numerus clausus, esta regra de tipicidade

é patente no que concerne ao despedimento por causas objetivas e

deve valer igualmente nesta hipótese de resolução. O trabalhador

pode resolver o contrato sempre que o cumprimento de obrigações

legais não lhe permita continuar ao serviço (alínea a)), desde que não

opte pela suspensão do contrato. Por outro lado, quando o

empregador, no exercício do seu direito, altere substancialmente e de

modo duradouro as condições de trabalho confere-se ao trabalhador

o direito de resolver o contrato. Convirá esclarecer que nos exemplos

referidos, com exceção da mudança de local de trabalho, que tem

uma previsão legal concreta, a resolução do contrato não depende só

da situação factual (alteração de horário, transmissão da empresa),

mas, em especial, da verificação de um requisito específico: alteração

substancial (e duradoura) das condições de trabalho. A modificação

do horário de trabalho ou a transmissão da empresa não implicam

necessariamente uma alteração substancia (e duradoura) das

condições de trabalho. Por último, a falta de pagamento pontual da

retribuição, quando não seja imputável ao empregador, permite que

o trabalhador resolva o contrato; o princípio geral da boa fé impõe

que, nesta hipótese, o montante em dívida seja de algum modo

relevante, pois se o empregador não tiver pago um subsídio por via

de uma deficiente programação informática, não será lícito que o

trabalhador possa resolver o contrato. Por via de regra, a resolução

com base em justa causa objetiva, nos termos gerais, não confere ao

trabalhador o direito a perceber uma compensação (artigo 396.º, n.º1

CT, a contrario). Todavia, no caso de a resolução se fundar na mudança

de local de trabalho (artigo 194.º, n.º5 CT), a indemnização é devida,

apesar de a justa causa ser objetiva.

iii. Ausência de justa causa: na eventualidade de, em tribunal, se concluir

pela inexistência do motivo invocado pelo trabalhador para resolver

o contrato, mantém-se a cessação do vínculo nos mesmos termos,

mas o trabalhador deverá ressarcir os danos causados ao empregador,

como se estabelece no artigo 399.º CT. A falta de justa causa de

resolução, contrariamente ao que pode ocorrer em caso de

despedimento, não invalida a cessação do vínculo, mas, como é ilícita,

determina a responsabilização do trabalhador. A indemnização

corresponde a trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias) de retribuição

base e de diuturnidades, consoante o contrato tenha durado até dois

anos ou mais de dois anos (artigo 401.º ex vi artigo 399.º CT).

Contudo, para conferir ao trabalhador um tratamento idêntico ao que

era estabelecido no CT de 2003, no artigo 398.º, n.º4 do atual CT,

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continua a permitir-se que, sendo a resolução ilícita por desrespeito

do procedimento exigido no artigo 395.º CT, permite-se que o

trabalhador corrija o vício até ao termo do prazo para contestar. O

disposto no artigo 398.º, n.º4 CT não encontra fundamento nas

dificuldades procedimentais do despedimento movido pelo

empregador e já não tem paralelo em direitos do empregador. Por

outro lado, este regime não é facilmente explicável no plano

concetual.

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Direito Coletivo

I – Instrumentos negociais de regulamentação coletiva de trabalho

Convenção coletiva de trabalho:

1. Aspetos gerais:

a. Noção: a convenção coletiva de trabalho inclui-se entre as fontes coletivas

de Direito do Trabalho, e integra-se num fenómeno de autorregulamentação

de interesses, assimilável a um contrato, tendo, portanto, pontos de contacto

com os negócios jurídicos. Daí que à Convenção coletiva de trabalho se

chame, por vezes, contrato coletivo, pois há, de facto, uma certa analogia

com a estrutura do negócio jurídico de Direito privado. A perspetiva de

enquadrar a contratação coletiva na órbita estadual tem sido, em grande parte,

abandonada. A convenção coletiva, pelo menos nos países ocidentais, tendo

sido entregue à autonomia privada das associações sindicais e de

empregadores, bem como dos empresários. A intromissão de poderes

públicos na celebração de convenções coletivas de trabalho deixou de ser

aceite e estes instrumentos coletivos surgem como modo de intervenção na

vida jurídica laboral dos sindicatos, das associações de empregadores e dos

empresários; trata-se de uma intervenção de entidades privadas determinada

por regras de liberdade. A intervenção do Estado neste domínio relaciona-se

com a intromissão dos poderes públicos na atividade sindical e empresarial,

bem como na resolução de conflitos laborais. A maior ou menor intervenção

dos poderes públicos no que respeita ao ajuste de convenções coletivas de

trabalho tem sido cíclica. A posição atual é a de regresso ao sistema inicial da

não intervenção estadual, deixando à autonomia privada dos parceiros sociais

a celebração de convenções coletivas de trabalho. A convenção coletiva de

trabalho pode definir-se como o contrato celebrado entre sindicatos e

associações de empregadores ou empregadores com vista a estabelecer regras

relativas às condições de trabalho de uma determinada profissão ou conjunto

de profissões análogas ou com determinadas interligações. Nesta matéria,

regem os artigos 485.º e seguintes CT.

b. Enquadramento contratual: as convenções coletivas de trabalho

enquadram-se no esquema de Direito privado, com algumas particularidades,

que importa apreciar. Assentando no pressuposto de que a convenção

coletiva de trabalho é um contrato subsumível à figura do negócio jurídico

de Direito privado, será com base no disposto nos artigo 217.º e seguintes

CC que importa analisar esta figura e as suas particularidades. É claro que,

neste pressuposto, está a omitir-se uma especificidade das convenções

coletivas de trabalho, alheia à figura do negócio jurídico de Direito privado,

concretamente a portaria de extensão, mediante a qual aquele instrumento de

regulamentação coletiva se passa a aplicar a entidades que não a celebram,

nem estão filiadas nas associações signatárias (artigos 514.º e seguintes CT).

No demais, as convenções coletivas de trabalho enquadram-se no domínio

do Direito privado. Na realidade, tendo em conta o princípio da filiação

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(artigo 496.º CT), a convenção coletiva de trabalho só encontra aplicação

relativamente aos associados nas entidades signatárias; isto é, aos

trabalhadores filiados no sindicato e aos empregadores inscritos na

associação de empregadores que celebraram a convenção coletiva. Se,

eventualmente, a convenção coletiva de trabalho foi negociada e celebrada

por uniões, federações ou por confederações, tanto de sindicatos como de

associações de empregadores, a representação pode ser em escala; e, assim, o

instrumento coletivo vale em relação aos filiados nas associações sindicais ou

de empregadores associadas naquelas uniões, federações ou confederações.

Em suma, com base no princípio da filiação, as convenções coletivas só

valem em relação a quem esteja, direta ou indiretamente, representado pelos

negociadores. A convenção coletiva de trabalho, sendo ajustada por

entidades diferentes daquelas a que se aplica, pressupõe a filiação destas

últimas nas associações signatárias. Esta construção jurídica não acarreta

problemas de justificação relativamente ao Direito privado, com base na

aplicação do princípio geral da representação; o ser-se filiado numa

associação implica a concessão de poderes de representação, por força dos

quais se permite às associações sindicais e de empregadores celebrarem

convenções coletivas que produzem efeitos na esfera jurídica dos filiados.

c. Tipos: nos termos do artigo 2.º, n.º3 CT, a convenção coletiva pode revestir

três formas:

i. Contrato coletivo: é a convenção coletiva celebrada entre sindicatos e

associações de empregadores, constituindo uma forma de

contratação coletiva generalizada em Portugal em razão da

pulverização das pequenas e médias empresas;

ii. Acordo coletivo: são partes as associações sindicais e vários

empregadores individualmente considerados;

iii. Acordo de empresa: também é uma convenção coletiva, mas celebrada

entre sindicatos e um empregador para vigorar numa determinada

empresa.

Estas distinções, além da determinação do âmbito pessoal – pelo lado do

empregador – de aplicação da convenção coletiva, têm especial relevância no

que respeita hipóteses de concurso entre convenções coletivas, na medida em

que, atento um princípio da especialidade, prevalece o acordo de empresa

sobre o acordo coletivo e este sobre o contrato coletivo (artigo 482.º, n.º1,

alíneas a) e b) CT). Também no que respeita ao âmbito de aplicação, mas

atendendo ao tipo de trabalhadores, distinguem-se:

iv. As convenções horizontais: destinam-se a regular as relações laborais de

trabalhadores que desempenham a mesma atividade;

v. As convenções verticais: têm em vista aplicar-se a trabalhadores de um

dado setor que realizam tarefas afins.

Por último, as convenções coletivas podem distinguir-se tendo em conta o

seu âmbito geográfico de aplicação e, nesse caso, omitindo a eventualidade

de convenções comunitárias, contrapõem-se convenções nacionais e

regionais ou sectoriais.

2. Negociação:

a. Legitimidade: a negociação de uma convenção coletiva de trabalho deverá

ser feita por quem tenha capacidade para a celebrar. Têm capacidade para

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celebrar convenções coletivas de trabalho as associações sindicais, os

empregadores e as associações de empregadores. Acresce que se permite, em

casos limitados, a celebração de convenções coletivas por comissões de

trabalhadores (artigo 491.º, n.º3 CT), discutindo-se, porém, se as comissões

de trabalhadores, em tal caso, apesar de celebrarem a convenção coletiva, são

parte nesse instrumento, pois, como dispõe a norma, o sindicato pode

conferir poderes para contratar com a empresa, indiciando que,

originariamente, os poderes são da associação sindical. Todavia, a negociação

e celebração de convenções coletivas não será feita diretamente por estas

entidades, pois são pessoas coletivas, cabendo às pessoas individuais,

representantes dessas entidades (sindicatos, associações de empregadores e

empregadores). Os legítimos representantes são os que vêm indicados nas

várias alíneas do n.º2 do artigo 491.º CT, e desta indicação conclui-se que os

titulares da direção das pessoas coletivas e os que tenham procuração

conferida por aqueles órgãos são os legítimos representantes dessas entidades

na negociação e na celebração da convenção coletiva. O artigo 491.º, n.º2 CT

concretiza tão-só o princípio geral de representatividade das pessoas coletivas

do Direito Civil. Tendo em conta o pluralismo sindical, a negociação poderá

ser levada a cabo por todos os sindicatos do setor; podendo haver

negociações separadas que deem origem a várias convenções coletivas. No

primeiro caso, em que vários sindicatos formam uma frente comum, há uma

negociação conjunta e, na segunda, a negociação é individual. A pluralidade

ou individualidade negocial também se pode verificar no plano dos

empregadores, sendo a negociação feita com vários empregadores (acordo

coletivo) ou com diversas associações de empregadores ou, individualmente,

com um empregador ou com uma associação de empregadores. A negociação

de uma convenção coletiva não se encontra na dependência da

representatividade do sindicato, pelo que a associação sindical na qual se

encontre filiada uma minoria de trabalhadores de um setor ou de uma

empresa tem a mesma legitimidade (jurídica) para negociar uma convenção

coletiva do que o sindicato que representa a maioria desses trabalhadores. E

ainda que a maioria dos trabalhadores do setor ou da empresa não esteja

sindicalizada, a associação sindical tem legitimidade para celebrar uma

convenção coletiva. A situação é a mesma no que respeita a uma associação

de empregadores, em que a respetiva representatividade não é requisito para

ter legitimidade na negociação coletiva.

b. Processo: o processo de negociação vem regulado nos artigos 486.º e

seguintes CT. Importa, desde logo, fazer uma distinção entre:

i. A negociação em sentido amplo: a negociação inicia-se com uma

proposta, normalmente oriunda de um sindicato, elaborada com vista

à celebração de uma convenção coletiva, porque não existe nenhuma

outra naquele âmbito, ou para rever uma já existente, que se pretende

substituir.

ii. Aquilo que a lei chama negociação: porque o legislador, no artigo

490.º CT, adotou uma noção restrita de negociação.

A proposta deverá revestir a forma escrita e importa que estejam justificadas

todas as pretensões nela contidas (artigo 486.º, n.º2 CT). Terá de ser enviada

em duplicado, sendo o original para o destinatário e a cópia dirigida ao

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Ministério do Trabalho (artigo 490.º, n.º2 CT). No artigo 486.º CT chama-se

proposta a uma figura que pode corresponder ao que na Teoria Geral do

Direito Civil se denomina tanto proposta como convite a contratar. O convite a

contratar é uma declaração com vista a iniciar futuras negociações e a

convenção coletiva de trabalho, tendo em conta a LRCT, não se formava

pelo mero encontro entre a proposta e resposta a essa proposta. Contudo,

no artigo 486.º CT tem-se em conta uma proposta com determinados

elementos (artigo 486.º, n.º2 CT) que, sendo aceite na resposta (artigo 487.º,

n.º3 CT), determina a celebração da convenção coletiva. Nem sempre assim

ocorrerá. Apesar de o IRCT se poder formar pelo mero encontro entre

proposta e resposta, por via de regra, a proposta prevista no artigo 486.º CT,

que deve ser respondida (artigo 487.º, n.º1 CT), dá origem a negociações.

Como resulta do n.º3 do artigo 487.º CT, a entidade destinatária da proposta,

na resposta pode recusá-lo ou apresentar uma contraproposta; em qualquer

destas hipóteses (em especial na segunda), estas declarações – a proposta e a

resposta – são meras impulsionadoras da negociação (convites a negociar), a

qual só tem início, como vem previsto no artigo 490.º, n.º1 CT, depois da

proposta e da resposta. No artigo 490.º, n.º1 CT, o termo negociação é

utilizado pelo legislador em sentido restrito, relacionando as negociações com

os contactos diretos, ou seja, com as situações em que as partes se sentam à

mesma mesa a discutir os termos da futura convenção coletiva. Os contactos

indiretos, verificados através da proposta e da resposta, para o legislador,

não são negociações, em sentido estrito, mas processo de negociação (artigo

486.º, n.º1 CT). Admite-se, porém, à revelia da lei, mesmo neste domínio,

falar em negociações num sentido amplo, que é, no fundo, o sentido comum

do termo. A proposta, sendo uma declaração recipienda que produz os seus

efeitos quando for recebida pelo destinatário, não pode, contudo, ser

entendida nos termos dos artigos 217.º e seguintes CC, como proposta de

um negócio jurídico, mas como proposta para iniciar negociações com vista

à celebração de um negócio jurídico. O destinatário da proposta tem trinta

dias (30 dias) para responder, contados da data da receção da proposta (artigo

487.º, n.º1 CT). A resposta tem igualmente de ser feita por escrito, sendo

enviada uma cópia para o Ministério do Trabalho (artigo 487.º, n.º1 CT).

Relativamente aos pontos em que o destinatário esteja em desacordo com a

proposta, deve formular contrapropostas (artigo 487.º, n.º2 CT). Tanto a

resposta como as contrapropostas que sejam eventualmente apresentadas

têm de ser escritas e fundamentadas nos mesmos termos da proposta (artigo

487.º n.º1 CT). A resposta é uma declaração recipienda. No artigo 487.º, n.º1

CT infere-se a existência de uma obrigação de resposta e de formulação de

contrapropostas, contrariamente ao que acontece nos termos gerais de

Direito Civil. Todavia, se o destinatário da proposta não lhe der resposta, há

a possibilidade de recurso à conciliação, prevista nos artigos 523.º e seguintes

CT, com vista a solucionar aquele conflito (artigo 487.º, n.º4 CT). Depois da

proposta e resposta e antes das negociações diretas, as partes podem ajustar

um protocolo negocial nos termos do qual aceitam, nomeadamente um

calendário e determinadas regras processuais que nortearão as negociações

(artigo 489.º, n.º1 CT). Nas designadas negociações diretas, as partes devem

proceder de boa fé, como dispõe o artigo 489.º, n.º1 CT que representa uma

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consagração do princípio geral da culpa in contrahendo do artigo 227.º CC.

Estando em causa a discussão de vários pontos, o que normalmente acontece,

o artigo 488.º CT determina que se deve dar prioridade à negociação de

matéria respeitante à retribuição e ao tempo de trabalho. Não obstante esta

prioridade legal, as partes têm total liberdade no que respeita à determinação

das matérias a discutir e à condução das negociações, pois está-se no domínio

da autonomia privada. Ou seja, há liberdade de celebração e de estipulação

no que respeita às convenções coletivas. A negociação, uma vez iniciada,

pode ser suspensa por qualquer das partes. A autonomia privada, que não

está sujeita a limitações neste plano, permite a ambas as partes estabelecer

objeções quanto à continuação das negociações e, se assim acontecer, cabe

recurso a conciliação, a mediação ou a arbitragem, nos termos dos artigos

526.º e seguintes CT, como formas específicas de resolução do conflito. Não

há qualquer dever de negociar, não obstante o eventual recurso à arbitragem

obrigatória, só que, iniciada a negociação, as partes devem proceder de boa

fé.

3. Celebração e depósito: se as negociações chegarem a bom termo, ou seja se as

partes obtiverem acordo quanto aos pontos em discussão, os representantes dos

sindicatos, das associações de empregadores ou dos empregadores, indicados no

artigo 491.º CT, podem celebrar a convenção coletiva de trabalho. A convenção

coletiva tem de ser celebrada por escrito e assinada pelos outorgantes (artigos 477.º

e 491.º, n.º1 CT). Para além desta exigência de forma, a lei impõe que, da convenção

coletiva, constem os elementos indicados no artigo 492.º CT, ou seja: a indicação de

que foram as entidades celebrantes, para se saber a quem é que se aplica; a menção

da área geográfica da sua aplicação, igualmente para determinar quem são os

destinatários da mesma; a indicação do âmbito de aplicação, isto é, a que profissão,

por exemplo, se destina a convenção coletiva de trabalho; e a indicação da data da

sua celebração. Há outras menções no extenso n.º1 do artigo 492.º CT, tendo sido

acrescentada a alínea h), onde se alude à indicação de critérios de preferência entre

IRCT. Além disso, impõe-se que haja uma previsão relativamente à constituição de

comissões paritárias, que têm por função interpretar a convenção coletiva de trabalho

(artigo 492.º, n.º3 CT). Depois de celebrada a convecção coletiva dever-se-á proceder

ao seu depósito nos serviços competentes do Ministério do Trabalho (artigo 494.º,

n.º1 CT), concretamente na Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.

Este depósito tem por finalidade da convenção, podendo o Estado exercer essa

verificação por via da recusa do registo (artigo 494.º, n.º4, 5 e 6 CT). Mas esta

apreciação efetuada pelos serviços do Ministério do Trabalho é meramente formal,

pois não pode incidir sobre aspetos substanciais da convenção. De facto, nos termos

do artigo 494.º, n.º4 CT, o depósito da decisão arbitral será recusado desde que não

se encontre preenchida qualquer uma das cinco exigências seguintes:

a. Não obedecer ao disposto no artigo 492.º, n.º1 CT (conteúdo);

b. Não ser acompanhada dos títulos de representação exigidos no artigo

491.º, n.º2, alínea d) CT;

c. Haver falta de capacidade dos outorgantes para a celebração do

instrumento;

d. Não ter sido entregue em documento eletrónico;

e. Não ser acompanhada do texto consolidado se tiver havido três

alterações ou modificações em mais de dez cláusulas.

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Como resulta da indicada remissão para o artigo 492.º CT, na convenção coletiva

dever-se-á atender obrigatoriamente ao conteúdo obrigatório indicado no preceito.

A falta de resposta dos serviços do Ministério durante quinze duas após a receção do

instrumento determina a aceitação tácita do depósito (artigo 494.º, n.º5 CT). Após o

depósito da convenção coletiva, ela deve ser publicada no Boletim do Trabalho e

Emprego, e só depois de publicada entra em vigor (artigo 519.º, n.º1 CT). Pese

embora a apreciação de conteúdo da convenção coletiva por parte dos serviços do

Ministério responsável ser somente formal, quanto à matéria da igualdade e não

discriminação cabe averiguar da legalidade do IRC (artigo 479.º CT).

4. Conteúdo:

a. Objeto da regulamentação coletiva: com respeito ao conteúdo das

convenções coletivas, atento o disposto nos artigos 492.º e seguintes CT é

necessário referir que o legislador, além de aludir ao conteúdo mais

programático da convenção coletiva (artigo 492.º, n.º2 CT), em que a

autonomia privada não é coartada, estabelece aspetos em que se impõem às

partes:

i. A existência da comissão paritária (artigo 492.º CT); e

ii. Elementos de conteúdo obrigatório (artigo 492.º CT).

Por outro lado, tendo em conta o disposto no artigo 492.º CT, é frequente

fazer-se uma distinção entre as cláusulas de natureza obrigacional e as de cariz

regulativo, podendo, ainda, estas últimas subdividir-se em cláusulas de

aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização. Estas

contraposições, tendencialmente lógicas, correspondem a uma forma de

encarar as obrigações emergentes das convenções coletivas que, além de

superável, pode ter dificuldade de explicar todos os tipos de cláusulas que se

inserem nestes documentos. Contudo, estas classificações facilitam a

perceção do objeto dos instrumentos de regulamentação coletiva, razão pela

qual se lhes faz alusão nas alíneas seguintes.

b. Cláusulas de conteúdo obrigacional: o conteúdo obrigacional de

convenção coletiva respeita às regras que disciplinam as relações entre as

partes signatárias, como vem previsto no artigo 492.º, n.º2, alínea a) CT.

Neste preceito, exemplificam-se situações de conteúdo obrigacional,

aludindo às cláusulas que respeitam à verificação do cumprimento da

convenção, à resolução dos conflitos derivados da sua aplicação e à revisão

da própria convenção coletiva. São regras que têm por destinatários ou

outorgantes, por exemplo, associações sindicais e de empregadores. Ainda

quanto à natureza obrigacional, pode aludir-se à vigência e efeitos da extinção

(artigo 492.º, n.º2, alínea h) CT) e a definição de serviços mínimos em caso

de greve (artigo 492.º, n.º2, alínea g) CT). A propósito do conteúdo

obrigacional é costume fazer-se alusão à chamada cláusula de paz social

(artigo 542.º CT). Esta cláusula impõe às partes – concretamente ao sindicato

– a obrigação de não intentar formas de luta coletiva num período

determinado, em princípio, naquele em que a convenção estiver em vigor; já

que, tendo-se chegado àquele consenso, se deveria manter a paz social nele

estabelecida.

c. Cláusulas de conteúdo regulativo:

i. Conceito e exemplificação: as cláusulas de cariz regulativo correspondem

às normas típicas das convenções coletivas. Numa convenção

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coletiva estas são as cláusulas de maior relevância, pois têm em vista

regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre

trabalhadores e empregadores filiados nas associações outorgantes.

Estas cláusulas, como se esclarece, aplicam-se diretamente aos

contratos de trabalho em vigor. Nas normas regulativas são de incluir

as regras que disciplinam as condições de trabalho com aplicação nos

contratos individuais. De entre estas cláusulas é costume dar relevo

às que respeitam às tabelas retributivas, sendo talvez este o aspeto em

que, de início, foi dado maior peso nas convenções coletivas. Apesar

de a questão salarial nas convenções coletivas não ter perdido

importância, deverá ser tratada em conjunto com outras. Todavia, a

lei estabelece que, nas negociações, devem as partes dar prioridade à

resolução dos problemas retributivos e de tempo de trabalho (artigo

488.º CT). Além das cláusulas relacionadas com matéria retributiva, é

frequente deparar-se com regras que respeitam à duração do trabalho,

aos descansos semanais, às férias, à determinação das categorias

profissionais, à promoção dos trabalhadores, etc. São muitos os

temas regulados nas convenções coletivas notando-se, cada vez mais,

um crescente aumento de matérias nelas incluídas. Apesar de terem

uma natureza híbrida, também se podem incluir no âmbito do

conteúdo normativo as cláusulas que respeitam à institucionalização

dos processos de resolução pacífica de conflitos emergentes de

contratos individuais de trabalho. Frequentemente, em convenções

coletivas incluem-se cláusulas que respeitam a formas de resolução

pacífica de conflitos laborais (artigo 492.º, n.º2, alínea f) CT). Tais

cláusulas não impõem uma paz social no domínio das relações

individuais, pois não impedem qualquer forma de luta coletiva, sendo,

por conseguinte, válidas. Importa distinguir as cláusulas que visam

resolver conflitos derivados da aplicação e revisão de convenções

coletivas, que vinculam as partes, das cláusulas que têm em vista a

resolução de conflitos laborais, que opõem os trabalhadores às

empresas. Estas últimas, constituindo uma quase terceira categoria,

podem incluir-se entre as cláusulas de conteúdo regulativo, na medida

em que têm por destinatários não outorgantes.

ii. Cláusulas de aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização futura:

as cláusulas das convenções coletivas que compõem o conteúdo

regulativo, também designado por normativo, podem ser de dois

tipos. Na maioria das situações são cláusulas de aplicação imediata

em relação aos contratos de trabalho em vigor. Admite-se uma

segunda situação em que as cláusulas constantes de uma convenção

coletiva não sejam de exequibilidade imediata, pois necessitam de

uma concretização futura a efetuar, em princípio, pelo empregador.

Enquanto não se verificar a concretização não pode ser exigido o seu

cumprimento. As normas de convenções coletivas mais relevantes

são as de aplicação imediata, como, por exemplo, o estabelecimento

de nova tabela salarial, a qual se aplicará a partir do momento em que

a convenção coletiva entre em vigor, muitas vezes, neste caso, com

eficácia retroativa. Mas para além destas cláusulas surgem outras que

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têm de ser postas em prática, em princípio, por atos do empregador,

por exemplo, as regras respeitantes a questões sociais, indiretamente

relacionadas com a prestação de trabalho, tais como a abertura de

uma cantina para trabalhadores ou de uma creche para os filhos dos

trabalhadores, ou regras respeitantes ao fornecimento de transporte

para os trabalhadores. Tais cláusulas necessitam de concretização, há

que fazer obras, comprar autocarros, etc. Se o empregador não

procede à concretização de tais cláusulas, viola a convenção coletiva

e haverá uma obrigação de indemnizar os trabalhadores, para além

de sujeição às sanções previstas no artigo 521.º CT, porque a violação

de normas de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho

constitui uma contraordenação leve ou grave, consoante as

circunstâncias (artigos 521.º, n.º1 ou 2 CT). Não parece viável, no

entanto, o recurso à execução específica dessas cláusulas. Deriva do

facto de, por um lado, em Direito do Trabalho, não ser esse recurso

normal perante o incumprimento de obrigações, como ocorre em

sede de contrato-promessa de trabalho (artigo 103.º., n.º3 CT). Por

outro lado, a execução específica, em determinados casos, implicaria

uma intromissão inadmissível na atividade empresarial. Contudo, por

vezes, em relação à violação de cláusulas que impõem prestações da

coisa ou de facto fungível, eventualmente, pode defender-se o

recurso às regras gerais da execução específica nos termos dos artigos

827.º e seguintes CC.

d. Limites: no artigo 492.º CT estabelece-se o que pode ser regulado numa

convenção coletiva, impondo-se aspetos que devem ser incluídos, mas é

necessário atender aos limites aplicáveis a todos os instrumentos, constantes

do artigo 478.º CT, onde se coarta a autonomia privada.

5. Interpretação e integração: quanto às convenções coletivas de trabalho, como foi

indicado anteriormente, na parte obrigacional dever-se-ão aplicar os artigos 235.º e

seguintes CC. Partindo do pressuposto de que as convenções coletivas de trabalho,

na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se aproximam da

lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao artigo 9.º CC. Mas é preciso ter

em conta que a convenção coletiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as

normas características, por outro lado, as normas de uma convenção coletiva provêm

de negociações entre sujeitos privados (associações sindicais e associações de

empregadores ou empregadores), não emanando unilateralmente do poder central

ou regional. Porém, das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se

elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção

coletiva de trabalho. A interpretação e a integração das convenções coletivas seguem

as regras gerais, não valendo, neste ponto, qualquer particularidade digna de menção.

Há, todavia, dois regimes especiais:

a. O constante do artigo 493.º CT: prevê-se a criação de comissões paritárias

de interpretação, devendo das convenções coletivas constar regras quanto á

constituição de tais comissões. As comissões deverão ser compostas por

número igual de representantes das entidades signatárias (artigo 493.º, n.º1

CT). Se a comissão paritária, por unanimidade, interpretar ou integrar uma

norma da convenção coletiva num determinado sentido, essa deliberação

considera-se como regulamentação do instrumento e deverá ser depositada e

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publicada nos mesmos termos prescritos para a convenção coletiva (artigo

493.º, n.º3 CT). Pretende-se que a interpretação feita por unanimidade tenha

o valor de uma norma da convenção coletiva num determinado sentido, essa

deliberação considera-se como regulamentação do instrumento e deverá ser

depositada e publicada nos mesmos termos prescritos para a convenção

coletiva (artigo 493.º. n.º3 CT). Pretende-se que a interpretação feita por

unanimidade tenha o valor de uma norma da convenção coletiva, aplicável

imediatamente após o depósito e a publicação, podendo ser objeto de

regulamento de extensão (artigo 493.º, n.º4 CT). A norma da convenção

coletiva passará, assim, a valor com a interpretação feita pela comissão. É,

porém, discutível que esta interpretação feita pela comissão tenha o valor de

uma interpretação autêntica, nos termos do artigo 13.º CC, a interpretação

autêntica, em princípio, produz efeitos retroativos, a lei interpretada valerá

com esse sentido desde o momento da sua entrada me vigor. Mas, quanto à

interpretação feita pela comissão paritária, é discutível que assim seja. Em

primeiro lugar, as convenções coletivas não se enquadram na noção de lei,

pelo que não se justifica a aplicação do artigo 13.º, n.º1 CC. Segundo é preciso

ter em conta que o artigo 478.º, n.º1, alínea c) CT restringe a eficácia

retroativa das regras constantes de uma convenção, exceção feita para as

questões emergentes da aplicação das cláusulas de natureza pecuniária.

b. A hipótese de acórdãos interpretativos com valor de uniformização

jurisprudencial, previstos nos artigos 183.º e 186.º CPT: esta segunda

exceção quanto à interpretação respeita ao facto de o Acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça que interprete uma convenção coletiva ter o valor

ampliado de revista. Trata-se de uma situação especial no domínio laboral,

em que se prevê a possibilidade de existir um Acórdão de uniformização de

jurisprudência – ainda que não haja decisões contrárias – no qual o Supremo

Tribunal de Justiça faz a interpretação de cláusulas de uma convenção (artigo

183.º e 186.º CPT).

6. Aplicação:

a. Início de vigência: por via de regra, as convenções coletivas entram em

vigor decorrido o prazo de vacatio, de cinco dias a partir da data da sua

publicação, valendo o regime geral aplicável aos diplomas legais (artigo 519.º,

n.º1 CT). A convenção entra em vigor numa determinada data e só produz

efeitos para o futuro (artigo 478.º, n.º1, alínea c) CT), nos termos gerais do

artigo 12.º CC. Todo o regime que vigorou até essa data não é afetado, exceto

no que respeita às cláusulas de natureza retributiva, em que a eficácia

retroativa se justifica para evitar a perda do salário real do trabalhador,

principalmente em caso de inflação. Entrando em vigor, a convenção coletiva

é de eficácia imediata quanto aos contratos de trabalho em vigor e as normas

destes, que eventualmente estejam em condição com aquela, deixam de valer,

não podendo subsistir na relação inter partes (artigo 476.º CT). Não quer isto

dizer que a convenção coletiva passe a integrar o próprio contrato de trabalho,

só que deste não podem constar cláusulas que contrariem regras de caráter

superior, que é o caso das constantes de uma convenção coletiva, salvo

quando disponham em sentido mais favorável para o trabalhador.

b. Princípio da filiação: nos termos do disposto no artigo 496.º CT, vale o

princípio da filiação, pelo que as regras de uma convenção coletiva só têm

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aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas

nas organizações signatárias. Assim, é necessário, por um lado, que o

empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou

tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, o trabalhador esteja

filiado na associação sindical signatária (artigo 496.º, n.º1 CT). Admite-se

também a aplicação no caso de uma filiação em cadeia, isto é, se a convenção

coletiva foi negociada por uma confederação, união ou federação, aplica-se

às associações nela filiadas e, por sua vez, aos filiados nestas associações

(artigo 496.º, n.º2 CT). Para efeito da aplicação da convenção coletiva,

consideram-se filiados nas associações outorgantes os trabalhadores e

empregadores que tinham o estatuto de membros do início do processo

negocial e os que se filiarem durante o período de vigência da convenção

(artigo 496.º. n.º3 CT), admitindo-se, pois, que a convenção coletiva, em

casos pontuais, se aplique a não filiados. Nesta sequência, admite-se também

que a convenção coletiva se aplique, durante um período determinado,

àqueles que se desfiliarem das entidades outorgantes (artigo 496.º, n.º4 CT).

Na prática ocorre, por vezes, que as convenções coletivas se aplicam também

a quem não esteja filiado nas organizações signatárias. É frequente o

empregador aplicar a convenção coletiva a todos os trabalhadores, não só aos

filiados no sindicato outorgante, mas também a outros trabalhadores que não

estão nele filiados. Justifica-se a aplicação da convenção coletiva a

trabalhadores não sindicalizados ou mesmo filiados em outro sindicato não

com base no princípio da igualdade, mas porque o empregador tem interesse

em que todos os trabalhadores da empresa tenham um estatuto semelhante.

A aplicação da convenção coletiva a trabalhadores não filiados no sindicato

outorgante só é possível na medida em que estes deem o seu consentimento,

ainda que tácito. Para além das situações referidas, há duas exceções ao

princípio da filiação:

i. Como dispõe o artigo 497.º CT permite-se que um trabalhador não filiado possa

escolher qual dos instrumentos de regulamentação coletiva vigentes na empresa se

lhe aplica: atento o disposto neste preceito permite-se que possa haver

escolha de convenção coletiva por parte de trabalhadores não filiados

no sindicato outorgante (artigo 497.º CT), mediante um pagamento à

associação signatária (artigo 492.º n.º4 CT).

ii. O artigo 498.º CT preceitua que a convenção coletiva se aplica à entidade

adquirente de estabelecimento ou empresa onde vigora um instrumento de

regulamentação coletiva até ao termo da respetiva vigência: além da filiação, a

aplicação da convenção coletiva está na dependência do seu âmbito,

e só se aplica aos trabalhadores cujas profissões ou categorias

profissionais estejam nela previstas.

c. Termo da vigência; caducidade: a convenção coletiva destina-se a vigorar

durante o período que nela foi estipulado, que é supletivamente de um ano

(artigo 499.º CT), renovando-se no fim do prazo, se nenhuma das partes

denunciar (artigo 500.º CT). A convenção coletiva pode vigorar depois de

denunciada – verificando-se a sua sobrevigência – se as partes, entretanto,

entabularem negociações ou decorrem processos de conciliação, mediação

ou arbitragem com vista à sua substituição (artigo 500.º, n.º2 e 3 CT).

Pretendendo-se, assim, evitar um vazio regulamentar caso a negociação se

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prolongue para além da data de cessação do instrumento. O problema está

em saber se se pode protelar a vigência da convenção coletiva

indefinidamente. Perante um impasse nas negociações pode recorrer-se à

conciliação, mediação e arbitragem, mas não parece viável manter uma

convenção coletiva indefinidamente em vigor. Celebrada a convenção

coletiva, em princípio, qualquer das partes pode livremente denunciá-la

(artigo 500.º, n.º1 CT), mas a denúncia não implica automaticamente a

extinção dos efeitos de convenção coletiva, pois tem necessariamente de ser

acompanhada de uma proposta (artigo 500.º, n.º1 CT). A denúncia funciona

como meio de se proceder a novas negociações com vista a substituir a

convenção coletiva em vigor, mas não implica que, naquele momento, os

seus efeitos se extingam, pois a convenção coletiva denunciada mantém-se

em vigor durante o período em que decorrem as negociações com vista à sua

substituição. A sobrevigência, contudo, não pode ser indefinida; só se

justificaria durante o período negocial, mas a questão assume particular

complexidade atento o disposto no artigo 501.º, n.º2 e seguintes CT.

Havendo denúncia e verificados os pressupostos para a sua caducidade, a

convenção mantém-se em regime de sobrevigência, pelo menos durante 12

meses, tendo em vista a negociação, mediação, conciliação ou arbitragem

(artigo 501.º, n.º3 CT). Além da caducidade, verificados os pressupostos do

n.º2 do artigo 502.º CT, nomeadamente em caso de crise empresarial, pode

haver suspensão temporária de aplicação de uma convenção coletiva. A

convenção coletiva também deixa de vigorar se for substituída por outra (ou

por uma decisão arbitral) e ainda em caso de revogação ou de resolução por

alteração das circunstâncias. A matéria relativa ao concurso entre convenções

coletivas, que vem prevista nos artigos 481.º e seguintes CT, já foi referida a

propósito da hierarquia das fontes, para onde se remete. Ainda que não surja

novo instrumento, se a convenção denunciada fizer depender a sua cessação

de vigência da substituição por outro instrumento, caduca decorridos três

anos após a verificação de qualquer das situações indicadas nas alíneas do

n.º1 do artigo 501.º CT. Caducando, nos termos do n.º8 do artigo 501.º CT,

a convenção coletiva mantém-se, até à entrada em vigor de outra convenção

ou decisão arbitral, os efeitos acordados pelas partes ou , na sua falta, os já

produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita a

retribuição do trabalhador, categoria e respetiva definição, duração do tempo

de trabalho e regimes de proteção social. Da regra constante do n.º8 do artigo

501.º CT, parece poder depreender-se que determinadas soluções prescritas

numa convenção coletiva continuarão a aplicar-se mesmo depois de esta ter

caducado; solução que, no plano jurídico, é pouco razoável. Tendo a

convenção caducado em consequência da denúncia, cabe aos serviços do

Ministério responsável pela área laboral proceder à publicação no Boletim do

Trabalho e Emprego de avisos sobre a data da cessação da vigência do IRC

(artigo 502.º, n.º6 CT). Os mencionados serviços não podem recursar a

publicação do aviso; na realidade, o controlo feito pelos serviços do

Ministério do Trabalho é de mera conformidade formal, estando, assim,

vedada qualquer apreciação respeitante ao fundamento da denúncia ou à

validade da caducidade da convenção coletiva. O controlo material da

denúncia e dos respetivos efeitos está a cargo dos tribunais (artigo 183.º e

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seguintes CPT). Assim sendo, a falta de publicação do aviso da cessação não

afeta a validade nem eficácia da denúncia. Na eventualidade de a declaração

negocial de denúncia ser válida, produz de modo inexorável os seus efeitos:

a caducidade da convenção coletiva, independentemente de ter havido

publicação do aviso.

7. Natureza jurídica:

a. Teses em confronto: em torno da natureza jurídica das convenções

coletivas têm-se debatido fundamentalmente duas posições:

i. As teorias contratualistas: a convenção coletiva encontra a sua plena

justificação nos princípios de Direito Privado, enquadrando-se nas

regras do negócio jurídico, tendo naturalmente as suas

particularidades. Para explicar a natureza jurídica da convenção

coletiva, o regime de negócio jurídico terá de ser coadjuvado com

outros institutos de Direito Privado, como a representação, a gestão

de negócios ou o contrato a favor de terceiro. Nestes termos, as

convenções coletivas assentam no princípio da liberdade contratual,

são celebradas por entidades de Direito Privado com base na sua

autonomia privada e as eventuais especificidades enquadram-se na

panóplia de soluções que o Direito Privado oferece. As posições

contratualistas têm sido criticadas com base no facto de as regras de

Direito Privado não conseguirem explicação a aplicação de cláusulas

de uma convenção coletiva a pessoas (trabalhadores ou

empregadores) que não a celebrarem. Por outro lado, a tese negocial

também não explicaria o papel que os organismos públicos têm no

que respeita À celebração e aplicação das convenções coletivas; ou

seja, a intervenção e controlo estadual não se justificariam em moldes

de Direito Privado.

ii. As teorias publicistas: relacionam a convenção coletiva com as normas

emanadas do Estado, equiparando-a à lei, com a qual teria alguns

pontos de contacto. Numa perspetiva publicista, o facto de serem

entidades privadas que negoceiam e celebram as convenções

coletivas, não afeta a sua natureza de Direito Público, porque elas

fazem-no na base de uma delegação de poderes efetuada pelo Estado.

Partindo do pressuposto de que só ao Estado e algumas entidades

públicas, como as autarquias, foi dada competência para produzir

normas cujos destinatários não sejam as pessoas das quais elas

emanam, chegar-se-á à conclusão de que a convenção coletiva se

enquadra no domínio de uma situação similar à que se verifica no

caso de produção legislativa. Além disso, só partindo de uma

conceção publicista se poderia justificar a intervenção dos poderes

públicos no controlo da celebração e aplicação da convenção coletiva.

As teorias publicistas criticam-se na medida em que não há qualquer

similitude entre a produção de normas jurídicas conferida, em

particular, ao Estado e a celebração de convenções coletivas. A

convenção coletiva, mesmo no que respeita aos efeitos regulativos,

não tem de ter as características da generalidade e abstração, próprias

da Lei. Numa convenção coletiva pode resolver-se o problema

pontual de um grupo determinado de trabalhadores de certa empresa.

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Por outro lado, a convenção coletiva assenta num princípio de

liberdade contratual. As entidades das quais ela emana têm liberdade

de celebração e de estipulação e a convenção coletiva destina-se a

resolver problemas nas relações laborais, que são de Direito Privado.

Por último, no Direito português, atualmente, não há qualquer

intervenção dos poderes públicos no que respeita à celebração das

convenções coletivas. O estado limitou-se a estabelecer, com algum

pormenor, as diretrizes da atuação das entidades privadas, mas não

interfere nem nas negociações nem na sua celebração. O único

controlo que o Estado exerce respeita à recusa de depósito das

convenções coletivas (artigo 494.º, n.º4 e seguintes CT), mas tal

recusa só se verifica quando faltam elementos formais. Não há recusa

com base em aspetos substanciais. No plano substancial, exceção

feita à apreciação de discriminação (artigo 479.º CT), a incumbência

é dos tribunais.

iii. As teorias ecléticas podem ainda ser referidas: pretendem estabelecer

um ponto de ligação entre as teses contratualistas e publicistas. Para

as teorias ecléticas, a convenção coletiva pode apresentar-se como

um híbrido, entre o contrato e a lei, na medida em que tem

simultaneamente aspetos contratuais e publicistas. Noutros casos, as

teorias ecléticas baseiam-se em pressupostos institucionais e

corporativas, pelo que partem do princípio de que a convenção

coletiva foi celebrada por corpos intermédios, diferentes dos sujeitos

de Direito Privado. Tendo em conta a atual realidade política, não se

afigura sustentável admitir a existência de corpos intermédios e não

parece haver qualquer dúvida no sentido de as associações de

empregadores e as associações sindicais serem pessoas de Direito

Privado, sem qualquer particularidade relativamente a outros sujeitos

privados. Considerar-se a convenção coletiva como um híbrido entre

o contrato e a lei implica partir do seguinte pressuposto: a convenção

coletiva tem normalmente dois tipos de regras:

1. A parte obrigacional: a convenção é um puro contrato;

2. A parte regulativa: entrar-se-ia, aqui, no campo do Direito

Público, em razão da similitude com a lei.

Todas as críticas feitas ás teorias publicistas valem também, neste ponto, para as

conceções híbridas.

b. Posição adotada: tendo em conta este panorama e considerando que a

natureza jurídica da convenção coletiva se infere do regime estabelecido na

lei, com base no disposto na Constituição e no Código do Trabalho, parece

poder concluir-se que a convenção coletiva se deve enquadrar na noção de

negócio jurídico, pelas seguintes razões:

i. Há liberdade de constituição quer de associações sindicais quer de

associações de empregadores, assim como liberdade de filiação em

qualquer dessas associações;

ii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores são pessoas

coletivas de Direito Privado, e é nesta categoria que atuam ao celebrar

convenções coletivas;

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iii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores, ao ajustar

convenções coletivas, têm liberdade de celebração e liberdade de estipulação, tal

como ocorre com qualquer privado quando negoceia um contrato;

iv. A aplicação das convenções coletivas na sua parte regulativa baseia-se no princípio

da filiação. De facto, a aplicação das regras da convenção coletiva aos

filiados nas associações signatárias justifica-se com base no instituto

da representação. Os membros das associações sindicais e de

empregadores são representados por essas entidades na negociação

coletiva; a representação mantém-se enquanto durar a filiação. O

facto de, por vezes, os empregadores aplicarem as regras de

convenções coletivas a trabalhadores não sindicalizados ou não

filiados nos sindicatos outorgantes, justifica-se por motivos de ordem

prática, mas essa aplicação só vale na medida em que os trabalhadores

a tenham aceite. Se, efetivamente, a situação que emerge da aplicação

da convenção coletiva for mais benéfica do que aquela que advém do

contrato de trabalho é razoável que os trabalhadores não

sindicalizados ou filiados em sindicatos não outorgantes aceitem a

aplicação de soluções idênticas às da convenção coletiva. A

representação coletiva, que terá tido início com as convenções

coletivas, generalizou-se noutros domínios, como no caso das

associações de proteção do consumidor, que pretendem intervir,

representando igualmente os consumidores nelas filiados;

v. Relativamente à intervenção dos poderes públicos, pode dizer-se que, no nosso

sistema jurídico, está circunscrita à recusa de depósito de convenções coletivas.

Recusa essa que só pode ser feita tendo em conta a falta de elementos

formais e não com base em aspetos substanciais. Trata-se de um

mero controlo administrativo de aspetos formais, porventura menos

exigente do que aquele que os notários exercem em relação a outros

negócios jurídicos de Direito Privado. Relativamente às diretrizes

estabelecidas na lei, em particular no que respeita à celebração de

convenções coletivas, não se trata de uma forma de as afastar do

domínio do Direito Privado, porque o legislador também tem

estabelecido limites à contratação noutros contratos. Talvez em

relação às convenções coletivas haja um número mais elevado de

normas imperativas, mas trata-se tão só de uma maior limitação da

autonomia privada, frequente em sede de Direito do Trabalho. Para

além das diretrizes legais, há ainda a ter em conta as orientações

estabelecidas na concertação social. Mas estas são meras coordenadas

de atuação, não sendo imperativas, pelo que as entidades que vierem

a celebrar convenções coletivas podem tomar por modelo as

orientações da concertação social.

vi. O facto de no artigo 521.º CRT se estabelecerem contraordenações para o caso de

os empregadores não cumprirem as regras constantes de convenções coletivas, as

quais implicam o pagamento de coimas cujo produto reverte para organismo

públicos também não afeta a natureza privada da convenção coletiva. Realmente,

no domínio do Direito Privado não é normal a imposição de coimas

nos termos previstos no preceito citado; podendo as partes

estabelecer cláusulas penais, cujo produto reverte para o não faltoso.

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Mas esta particularidade não é relevante para desvirtuar a natureza

privada da convenção coletiva, porque, por exemplo, nos artigos 17.º,

n.º5, 19.º, n.º4, 20.º, n.º5, 29.º, n.º4, 37.º, n.º5, etc., CT, estabelece-se

igualmente que o empregador fica sujeito a coimas por infração aos

direitos dos trabalhadores. Além disso, cada vez é mais frequente

impor penas pela violação de contratos de Direito Privado, cujo

produto não se destina, pelo menos na totalidade, à contraparte

lesada. Isto verificasse, nomeadamente, nos termos do artigo 829.º-A

CC, que regula a sanção pecuniária compulsória. Para além desta

regra geral, em termos exemplificativos, no arrendamento rural e

florestal o legislador estabeleceu uma coima pelo não envio da cópia

do contrato para as finanças, que remeterá à correspondente Direção

Geral e no regime de direito real de habituação periódica foi

estabelecida uma multiplicidade de contraordenações puníveis com

coima (artigo 54.º Decreto-Lei n.º 275/93, 5 agosto). Há um único

aspeto em que a aplicação da convenção coletiva extravasa o domínio

do Direito Privado. Tal ocorre quando, mediante uma Portaria de

extensão, se alarga o âmbito de aplicação da convenção, passando a

valer relativamente a pessoas não filiadas nas entidades outorgantes

(artigo 514.º CT). Todavia, neste caso, os preceitos da convenção

coletiva aplicam-se a terceiros com base no poder regulativo do

Estado, ou seja, por força de um regulamento que emana de um

órgão político.

Acordo de adesão:

1. Noção: acordo de adesão, previsto no artigo 504.º CT, é o contrato celebrado por

uma entidade (associação sindical associação de empregadores ou empregador) que

não foi outorgante na convenção coletiva e que pretende que esta se lhe aplique. A

entidade interessada celebra o acordo de adesão para obter a extensão do âmbito de

aplicação da convenção coletiva. Só podem celebrar um acordo de adesão aquelas

entidades com capacidade negocial para ajustar convenções coletivas; ou seja, as

associações sindicais, as associações de empregadores e os empregadores. O acordo

de adesão será celebrado entre quem não é parte na convenção coletiva e uma das

entidades outorgantes, concretamente aquela que ocupa a posição contrária à do

interessado. Como esclarece o artigo 504.º, n.º2 CT, a entidade que pretende ser parte

no instrumento de regulamentação coletiva em vigor deverá celebrar o acordo de

adesão com o outorgante que na convenção coletiva se lhe contraporia, caso a tivesse

celebrado. O processo negocial, salvo as particularidades indicadas, segue o regime

geral estabelecido para as convenções coletivas.

2. Regime: por via do acordo de adesão, o aderente passa a sujeitar-se às regras da

convenção coletiva a que aderiu. O acordo de adesão é, deste modo, uma forma de

estender o campo de aplicação de uma convenção coletiva a quem não a tenha

celebrado, mas esteja interessado em que ela se lhe aplique. Celebrado o acordo de

adesão, o aderente fica em situação idêntica à que estaria se tivesse ajustado a

convenção coletiva, aplicando-se-lhe o respetivo regime, nomeadamente no que

respeita ao depósito e à publicação (artigo 504.º, n.º4 CT). Ao acordo de adesão

aplicam-se as regras gerais estabelecidas para as convenções coletivas,

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nomeadamente quanto ao depósito e publicação. O acordo de adesão será depositado

no Ministério do Trabalho (na Direção Geral do Emprego e das Relações de

Trabalho) e, depois, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, entrado em vigor

decorrida a vacatio (artigo 581º, n.º1 CT). Tendo em conta o disposto no n.º3 do artigo

504.º CT, coloca-se a dúvida de saber se o acordo pressupõe a receção de todas as

cláusulas da convenção coletiva ou se pode haver uma adesão parcial. Do preceito

citado resulta que, por via da adesão, não pode haver modificação do conteúdo da

convenção coletiva, mas nada impede que, existindo partes autonomizáveis, a adesão

seja parcial, sem abranger situações que não se adaptem ao aderente. Como se insere

deste preceito, não há liberdade de estipulação, pois as partes não podem modificar

o conteúdo da convenção coletiva em vigor, mas se o interessado não pretende a

extensão dos efeitos da convenção coletiva na totalidade, é possível proceder a uma

adesão parcial, sem alterar o respetivo conteúdo. Nada obsta, no entanto, a que se

proceda a alterações numa convenção coletiva, ajustando-a às especificidades dos

interessados, com vista celebrar outra convenção coletiva; não se trata, então, de um

acordo de adesão. Por outro lado, apesar de a adesão poder determinar a aplicação

de cláusulas de caráter obrigacional constantes da convenção coletiva, parece

razoável que, não se justificando a sua aplicação atendendo às condições particulares

dos outorgantes iniciais e do aderente, da adesão resulte a inaplicabilidade ao aderente

de cláusulas de natureza obrigacional incluídas na convenção coletiva.

3. Natureza jurídica: quanto à natureza jurídica, o acordo de adesão tem natureza

contratual e assenta na liberdade de celebração. Pressupõe a existência de duas

declarações de vontade:

a. Uma da entidade que pretende a extensão da convenção coletiva;

b. Uma da entidade outorgante da dita convenção coletiva.

Neste acordo há liberdade de celebração, mas não há liberdade de estipulação.

II – Instrumentos não negociais de regulamentação coletiva de trabalho

Aspetos gerais: a convenção coletiva, com base no princípio da filiação (artigo 496.º CT),

só encontra aplicação aos filiados (trabalhadores e empregadores) nas associações signatárias;

mais concretamente, aplica-se às entidades signatárias bem como aos trabalhadores e

empregadores nelas filiados. Quanto às entidades signatárias vale a parte obrigacional e aos

filiados nestas a parte regulamentar da convenção coletiva; exceto no que respeita aos

empregadores que, podendo ser outorgantes, também serão destinatários da parte

regulamentar da convenção coletiva. O princípio da filiação vigora igualmente em relação às

decisões arbitrais, que se aplicam às partes que aceitaram o compromisso arbitral, assim como

aos que se encontram nelas filiados. Deste modo, é com base no princípio da filiação que os

instrumentos autónomos da regulamentação coletiva de trabalho encontram a sua aplicação

em relação aos filiados nas associações outorgantes. Há, todavia, a exceção relativamente à

arbitragem obrigatória ou necessária, na medida em que esta pressupõe uma decisão arbitral,

que vale relativamente a quem não aceitou voluntariamente a arbitragem. Nesta hipótese, o

instrumento proveniente da decisão arbitral aplica-se a quem não a tenha pretendido. À

exceção da arbitragem obrigatória e necessária, os instrumentos de regulamentação coletiva

até agora analisados baseiam-se na autonomia contratual. Todavia, a lei prevê que, em

determinadas circunstâncias, superando o princípio da filiação, por via legislativa,

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concretamente mediante portaria de extensão, as convenções coletivas e as decisões arbitrais

podem valer relativamente a quem não esteja filiado nas associações signatárias. Em tal caso,

deixar-se-á de estar perante instrumentos autónomos, mas antes de instrumentos normativos

de regulamentação coletiva de trabalho. Por via de uma portaria de extensão pode

estabelecer-se que a convenção coletiva ou a decisão arbitral em vigor estenda a sua aplicação

a não filiados, como prescreve o artigo 514.º CT. Além disso, não existindo nenhuma

convenção coletiva ou decisão arbitral possível de extensão, pode constituir-se ex novo um

instrumento, designado por portaria de condições de trabalho (artigos 517.º e seguintes CT).

Portaria de extensão:

1. Noção: por portaria de extensão – publicada em portaria do ministério responsável

pela área do trabalho – pode ser alargado o âmbito de aplicação de uma convenção

coletiva ou de uma decisão arbitral. Mas a mencionada extensão só vale no que

respeita à parte regulativa da convenção coletiva ou da decisão arbitral e não em

relação à parte obrigacional. Por via da extensão, uma convenção coletiva ou uma

decisão arbitral passa a aplicar-se a trabalhadores não sindicalizados na associação

sindical, assim como a empregadores não filiados na associação de empregadores

vinculadas pelo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho em questão. Sem

dúvida que, mediante uma portaria de extensão, os referidos instrumentos coletivos

estendem a sua aplicação a trabalhadores não sindicalizados e a empregadores não

filiados em associações de empregadores, mas poder-se-ia discutir se, eventualmente,

se poderá alargar o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva a trabalhadores

filiados em outro sindicato ou a empregadores membros de outra associação de

empregadores, distintos das entidades outorgantes do mencionado instrumento de

regulamentação coletiva.

2. Pressupostos: como prescreve o artigo 514.º CT, a emissão de uma portaria de

extensão depende de certos pressupostos. O alargamento do âmbito da convenção

coletiva por portaria de extensão está limitado a empregadores e a trabalhadores

integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido no instrumento

cuja aplicação se estende (artigo 514.º, n.º1 CT). Como dispõe o n.º2 do artigo 514.º

CT, a extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e

económicas que a justifiquem. Dito de outro modo por via da portaria de extensão,

o instrumento coletivo, no que respeita a empregadores, só pode encontrar aplicação

do mesmo setor de atividade e, quanto a trabalhadores, ao mesmo setor profissional

(artigo 514.º, n.º1 e 2 CT). Não se pode, pois, estender a aplicação de uma convenção

coletiva ou de uma decisão arbitral a um setor económico ou a uma profissão

distintos; isto é, a situações diversas e se não houver circunstâncias económicas e

sociais que justifiquem (artigo 514.º., n.º2, 1.ª parte CT). A portaria de extensão tem

por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores

signatárias da convenção coletiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão

arbitral. Cabe acrescentar também que não parece razoável aplicar-se, por via da

extensão, um instrumento autónomo de regulamentação coletiva a trabalhadores

sindicalizados em outros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações

de empregadores, pois estar-se-á a pôr em causa o princípio da autonomia privada.

A isto acresce que, segundo a regra de subsidiariedade do artigo 515.º CT, a portaria

de extensão só pode ser emitido na falta de convenção coletiva, pelo que se dá

preferência à autonomia da vontade. A portaria de extensão aparece, assim, como

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forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais

ou de empregadores existentes ou, na falta destas, não pretenderam constituir

associações sindicais ou de empregadores representativas da atividade ou setor.

3. Regime: a portaria de extensão poderia ser emitida pelo Ministro do Trabalho ou

conjuntamente por este e pelo Ministro responsável pelo setor da atividade em causa

à qual se pretende estender o instrumento de regulamentação coletiva, se tiver havido

oposição à extensão por parte dos interessados no processos (artigo 516.º, n.º1 CT).

Antes de ser emitida a portaria de extensão impõe a lei que haja uma prévia

publicação no Boletim de Trabalho e Emprego de um projeto, indicando qual o

âmbito de aplicação do regulamento que se pretende publicar (artigo 516.º, n.º2 CT).

Este aviso prévio serve, não só para que os interessados possam deduzir oposição

fundamentada a essa extensão, como também para que se dê a conhecer aos

interessados o seu conteúdo, de modo a poderem apreciar a sua justificação. Se não

houver oposição ou se esta for considerada infundada e cumpridas as regras

procedimentais, o Ministro responsável pela área do trabalho emitirá a portaria de

extensão, mandá-la-á publicar, nos termos gerais, no Boletim do Trabalho e Emprego,

que também é publicado em portaria do Diário da República, entrando em vigor nos

moldes estabelecidos para as convenções coletivas de trabalho (artigo 519.º, n.º1 e 2

CT).

4. Âmbito de aplicação: a portaria de extensão a que se alude no artigo 514.º CT não

deverá abranger o alargamento do âmbito de aplicação de uma convenção coletiva

ou de uma decisão arbitral aos trabalhadores de um sindicato não signatário do

acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores. Por via da

extensão, a convenção coletiva ou a decisão arbitral passa a aplicar-se a trabalhadores

não sindicalizados, assim como a empregadores não filiados numa associação de

empregadores. Mas, como se referiu, não se poderá estender a aplicação de uma

convenção coletiva a trabalhadores filiados em outro sindicato ou a empregadores

membros de outra associação de empregadores, distintos das entidades outorgantes

da mencionada convenção coletiva. Admitindo-se que a extensão do instrumento

autónomo pode abranger trabalhadores filiados em outra associação sindical, estar-

se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial

ficaria coartada. Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela

convenção coletiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a esse

instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objeção relativa a essa convenção

coletiva. Assim sendo, se a associação sindical tem uma objeção quanto àquela

convenção coletiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de uma portaria

de extensão, os filiados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento

coletivo, pressupõe que se coarta a autonomia contratual das associações sindicais no

que respeita à negociação e celebração de convenções coletivas. O mesmo se diga

relativamente às associações de empregadores; se a associação de empregadores não

quis celebrar ou aderir àquela convenção coletiva ou decisão arbitral, parece que não

poderá depois, por via de uma portaria de extensão, aplicar-se o sobredito

instrumento coletivo aos seus membros. Pelas razões invocadas, a extensão só deverá

valer relativamente a quem não esteja sindicalizado ou a quem não esteja filiado em

nenhuma associação de empregadores, porque de outra forma, mediante a portaria

de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de

empregadores, que não queriam determinada convenção coletiva, a, indiretamente,

aceitá-la. Esta tomada de posição pode ser coadjuvada com um argumento

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suplementar no caso de o sindicato ou a associação de empregadores, a cujos filiados

se pretende aplicar o instrumento autónomo por portaria de extensão, serem mais

representativos do que as associações signatárias do acordo que se pretende alargar.

Caso em que as associações mais representativas veriam a sua influência ser

suplantada por um instrumento celebrado por associações menos representativas.

Contudo, atendendo à liberdade no que respeita à constituição de associações

sindicais, não será raro surgirem sindicatos e mesmo associações de empregadores

com reduzida representatividade que, relativamente a um número diminuto de

associados, conseguiriam que não se aplicasse um determinado instrumento de

regulamentação coletiva, com as consequentes iniquidades que daí poderiam advir.

Só que este eventual inconveniente não deve ser resolvido por via de uma limitação

da autonomia privada sem apoio na lei. Acresce que a portaria de extensão é supletiva,

não devendo sobrepor-se à autonomia privada, principalmente quando se ajustou

outro instrumento coletivo; de facto, como resulta da regra da supletividade do artigo

515.º CT, deve dar-se preferência aos instrumentos negociais em detrimento dos

instrumentos não negociais. Por via de regra, até com base nos respetivos

pressupostos, a portaria de extensão não pode ser emitida no caso de já existir

regulamentação coletiva negocial; na hipótese contrária – pouco consentânea com o

princípio da liberdade contratual e dificilmente sustentável face à nova redação da lei

– e noutras situações em que seja emitido uma portaria de extensão, podem suscitar-

se questões de concurso, caso em que se devem aplicar as regras comuns

estabelecidas em sede de convenções coletivas.

Portaria de condições de trabalho:

1. Noção: a matéria relativa à portaria de condições de trabalho vem prevista nos

artigos 517.º e 518.º CT, que era anteriormente designado por portaria de

regulamentação do trabalho (LRCT) e depois regulamento de condições mínimas. A

portaria de condições de trabalho tem um caráter excecional como se depreende do

disposto nos correspondentes artigos, e são cada vez menos as situações em que o

legislador recorre a estas portarias, embora existam ainda algumas em vigor,

designadamente uma portaria de regulamentação de trabalho para a agricultura

(Portaria 8 junho 1979).

2. Pressupostos: só se recorre aos regulamentos de condições mínimas se não for

viável emitir uma portaria de extensão, não existirem associações sindicais ou de

empregadores e estiverem em causa circunstâncias sociais e económicas que o

justifiquem (artigo 517.º CT).

a. Primeiro, se não houver convenção coletiva de trabalho ou decisão

arbitral a lacuna será resolvida por via de uma portaria de extensão;

b. Não sendo possível, então poder recorrer-se à portaria de condições de

trabalho.

O caráter excecional da portaria de condições de trabalho também deriva do facto

de, tendo sido celebrada uma convenção coletiva ou proferida uma decisão arbitral

com vista à resolução do mesmo problema, nos termos do artigo 515.ºCT, a portaria

de condições de trabalho deixa de vigorar. Esta portaria serve somente para suprir

lacunas, enquanto não existirem outros instrumentos de regulamentação coletiva

fundados na autonomia das partes. A emissão da portaria de condições de trabalho

deve ser precedida de um estudo a efetuar por uma comissão, que poderá ser

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integrada também por representantes dos trabalhadores daquela profissão e de

empregadores daquele setor económico (artigo 518.º CT).

3. Regime: a portaria de condições de trabalho é emitida pelo Ministro do Trabalho e

deverá ser publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego e no Diário da República,

entrando em vigor nos termos gerais (artigo 519.º CT). A portaria de condições de

trabalho aplica-se o regime comum estabelecido para os instrumentos de

regulamentação coletiva, sabendo-se, contudo, de entre estes, que tem uma origem

não negocial.

Natureza jurídica das portarias de extensão e de condições de trabalho:

1. Regulamentos administrativos: a referência não negocial a estes instrumentos

precisa de uma justificação, que se prende com a natureza jurídica de tais

regulamentos, mais propriamente dos instrumentos coletivos criados por

regulamento. Normalmente, relacionam-se as portarias de extensão e de condições

de trabalho com formas de regulamentação laboral de índole administrativa,

considerando-as instrumentos administradores de regulamentação coletiva de

trabalho. Havendo mesmo quem qualifique a portaria de extensão como um ato

administrativo. É indiscutível que estas portarias se englobam na atividade

regulamentar da administração estadual, entendida num sentido amplo, de

intervenção no domínio laboral. Mas o problema está em saber se esta intervenção,

por via das referidas portarias, tem natureza administrativa ou se, pelo contrário, tais

atos conformam uma natureza normativa. O ato administrativo pressupõe uma

estatuição relativa a um caso concreto, que visa solucionar; por conseguinte, tem em

vista uma situação delimitada, perfeitamente definida. Por via de regra, através de um

ato administrativo resolve-se o problema pontual de um indivíduo, de uma empresa,

etc., faltando-lhe, pois, a generalidade e a abstração. Tanto a portaria de extensão

como a portaria de condições de trabalho; por princípio, não têm em vista resolver

casos concretos; elas destinam-se a solucionar questões de um determinado grupo de

trabalhadores ou de determinadas empresas, aplicando-se, normalmente, para o

futuro, nas situações a constituir, pelo que tem as características da generalidade e da

abstração. Mas, no Direito Administrativo (alemão), fala-se, também, nos chamados

atos administrativos gerais, que têm por destinatário uma generalidade de pessoas.

Todavia, no nosso sistema jurídico português, é duvidoso que tais atos

administrativos gerais tenham a natureza de atos administrativos. Considerando que

tais atos têm natureza normativa, qualificam-se como regulamentos administrativos.

Mas mesmo que se conferisse natureza de ato administrativo aos chamados atos

administrativos gerais, continuaria a ser discutível que a portaria de extensão e, em

especial, a portaria de condições de trabalho tivessem tal natureza. De facto, tais

regulamentos, mormente a portaria de condições de trabalho, gozam da característica

da generalidade, pois aplicam-se a uma pluralidade de destinatários, a um

determinado grupo de trabalhadores. Além disso, os mencionados regulamentos

(portarias) gozam igualmente da característica da abstração, pois têm em vista regular

situações a constituir, ou seja, vale em relação a contratos futuros. Há um último

aspeto a considerar. Relativamente à portaria de condições de trabalho não parecem

subsistir dúvidas quanto à sua natureza normativa, na medida em que ela não tem

por base qualquer acordo das partes. Trata-se, por conseguinte, de normas emanadas

do Ministério responsável pela área do trabalho sem qualquer base contratual,

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diferentemente do que ocorre com as portarias de extensão, que alargam o campo de

aplicação de um acordo das partes. Mas, quanto aos efeitos, não há diferenças

substanciais entre uma portaria de extensão e uma portaria de condições de trabalho

e, no que concerne à respetiva natureza jurídica, os dois tipos de regulamentos devem

ter um tratamento unitário, porque pretendem as mesmas situações; a isto acresce

que a portaria de condições de trabalho é subsidiária da portaria de extensão. Ora,

como não se põe em causa a natureza normativa da portaria de condições de trabalho,

parece que também não se deve questionar a natureza normativa da portaria de

extensão; ambas se englobam no poder regulamentar do Estado. Perante isto, talvez

se possa concluir que as portarias de extensão e de condições de trabalho devem ser

qualificadas como regulamentos administrativos; daí a alteração terminológica

introduzida pelo Código do Trabalho, que passou a designar as portarias de extensão

por regulamentos de extensão e as portarias de regulamentação de trabalho por

regulamentos de condições mínimas. Não obstante a alteração terminológica, em

2009, que voltou a apelidá-las de portaria, a natureza jurídica regulamentar persiste.

Destes regulamentos constam normas jurídicas emanadas de uma autoridade

administrativa – Ministério responsável pela área do trabalho e, no caso de portaria

conjunta, Ministério do Trabalho e outro Ministério. Sendo normas jurídicas, nelas

encontram-se as características da generalidade e abstração. Por outro lado, tais

portarias também se devem incluir na figura do regulamento administrativo porque

estão subordinadas à lei, podendo delas constar regras, tão só na medida em que não

contrariem o disposto na lei e, mais do que isso, estas portarias só podem ser emitidas

quando expressamente a lei as prevê e nas condições nela determinadas. As regras

constantes das referidas portarias não podem desrespeitar a lei sob pena de serem

impugnadas contenciosamente.

2. Competência jurisdicional: qualificadas como regulamentos administrativos, tal

portarias não podem ser impugnadas contenciosamente com base em ilegalidade, nos

termos gerais, em que se admitem que as normas regulamentares, em que se incluem

os regulamentos administrativos, sejam impugnadas contenciosamente, invocando a

sua ilegalidade. Esta impugnação pode contrariedade à lei é diversa daquela a que

estão sujeitos os atos administrativos. Em termos gerais, sempre se poderá dizer que

a impugnação baseada em ilegalidade dos regulamentos administrativos e a respetiva

declaração de ilegalidade segue um regime muito simular ao da declaração de

inconstitucionalidade das leis, sendo a competência jurisdicional diferente. A

declaração de ilegalidade com força obrigatória geral dos regulamentos

administrativos é da competência de um tribunal administrativo, enquanto para

idêntica declaração de inconstitucionalidade das leis a competência foi atribuída ao

Tribunal Constitucional. Estabeleceu-se, por conseguinte, um sistema de ilegalidade

para os regulamentos administrativos, distinto do regime instituído para a

impugnação dos atos administrativos, designadamente porque, mesmo depois de

declarada a ilegalidade (sem força obrigatória geral) de um regulamento

administrativo, este pode continuar a aplicar-se, enquanto não for declarada a

ilegalidade com força obrigatória geral. O mesmo ocorre em relação às leis. Tendo

concluído que as portarias de extensão e de condições de trabalho se enquadrem na

figura dos regulamentos administrativos, e sabendo que estes são impugnados

perante o Tribunal Administrativo, poder-se-ia, então, deduzir que as questões

emergentes da aplicação de normas destas portarias deveriam ser suscitadas perante

os tribunais administrativos. Mas não parece que esta conclusão seja de acompanhar.

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Tais questões devem, antes, ser suscitadas perante o tribunal de trabalho; cabendo

aos tribunais administrativos a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral

das normas constantes de regulamentos. São os tribunais de trabalho que têm de

verificar se numa portaria de extensão ou de condições de trabalho foi respeitada a

lei, ao menos tempo que lhes cabe determinar como devem tais portarias ser

interpretadas perante as situações concretas. O respeito da lei a que se aludiu reporta-

se, em particular, à relação com a lei geral do trabalho; sendo os tribunais do trabalho

que deverão apreciar da compatibilidade de uma solução que decorre da portaria com

as regras gerais; por exemplo, cabe aos tribunais de trabalho verificar se não foi

violada uma norma imperativa, como a que prescreve o regime da caducidade do

contrato de trabalho ou o regime do tempo de trabalho, fixando o período máximo

de trabalho. Assim sendo, para as questões relativas à anulação e interpretação de

cláusulas de portarias de extensão ou de condições de trabalho e a declaração de

ilegalidade de tais regulamentos (portarias) ou de normas dele constantes com força

obrigatória geral. Esta última declaração de ilegalidade tem lugar depois de os

tribunais de trabalho terem julgado ilegal, em três casos concretos, uma determinada

norma de tais portarias. O tribunal administrativo declara com força obrigatória geral

a ilegalidade da portaria de extensão ou de condições de trabalho ou de normas deles

constantes em termos idênticos àqueles em que o Tribunal Constitucional declara a

inconstitucionalidade das leis. Por conseguinte, a portaria de extensão bem como a

portaria de condições de trabalho inserem-se na atividade administrativa estadual,

mas têm uma natureza normativa. As questões delas emergentes são dirimidas

perante os tribunais de trabalho.

III - Conflitos coletivos de trabalho

Aspetos gerais:

1. Conflito coletivo; noção: o conflito de trabalho assenta numa reivindicação

apresentada pelos trabalhadores, em princípio representados pelos respetivos

sindicatos ou comissões de trabalhadores. Na eventualidade de o empregador,

individualmente considerado ou representado pela respetiva associação de

empregadores, não ter aceitado a reivindicação estão lançadas as bases para o conflito

coletivo. O conflito coletivo tem estado no cerne do desenvolvimento do Direito do

Trabalho, pois a intervenção coletiva na vida jurídica trouxe particularidades a este

ramo do Direito. A relação laboral autonomizou-se de outras relações jurídicas

obrigacionais, em grande parte como consequência do conflito coletivo. Nas demais

relações jurídicas obrigacionais, os problemas são suscitados e resolvidos inter partes,

ou seja, surgem conflitos, mas estes resumem-se a uma relação entre dois sujeitos, as

partes na relação jurídica. Diferentemente, na relação jurídica laboral, o eventual

conflito que venha a ser suscitado entre o trabalhador e o empregador, para além do

cariz individual, pode assumir a natureza de um conflito coletivo. De facto, foi por

via do conflito coletivo que, paulatinamente, foram sendo introduzidas

particularidades no Direito do Trabalho, em especial dos conflitos coletivos tem

resultado uma melhoria das condições de trabalho. Na relação individual, pode estar

em causa a interpretação e aplicação de cláusulas que vinculam as partes. Mas, na

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hipótese de conflito coletivo, as mais das vezes, o problema não se resume a uma

deficiente aplicação de regras em vigor, mas à sua modificação ou substituição por

outras mais favoráveis ao trabalhador. Pretende-se, no fundo, alterar o status quo

vigente naquelas relações laborais. Assim, o conflito coletivo supera os conflitos

individuais entre empregador e trabalhador, levando-os para um campo alargado. Os

conflitos individuais continuam a existir no domínio laboral, mas não têm o mesmo

peso nem a amplitude dos conflitos coletivos. O conflito individual, na maioria das

relações laborais, teria poucas possibilidades de vir a ser bem sucedido pelo lado do

trabalhador. Pode-se dizer que, em determinada medida, o conflito coletivo de

trabalho será um tipo de dissídio coletivo social. Porém, a base do conflito coletivo

de trabalho nem sempre é social, só que no Direito do Trabalho, muitas das vezes,

tem sido estudado e desenvolvido partindo de um ponto de vista social, até porque,

frequentemente, se verifica uma certa indissociação entre as matérias

verdadeiramente laborais e as questões sociais genéricas. É habitual que os conflitos

coletivos de trabalho tenham na sua génese problemas laborais concretos, os quais,

em certa medida, estão também interligados com aspetos sociais, mas estes nem

sempre se encontram diretamente relacionados com questões laborais.

Consequentemente, não é raro que os conflitos coletivos de trabalho tenham

interferência em aspetos sociais, económicos e inclusive políticos, tendo em conta a

frequente conexão entre as questões laborais, sociais, económicas e políticas. Os

conflitos coletivos de trabalho têm, assim, uma relevância económica e social, daí que

a posição inicial dos governos desde os regimes liberais fosse a de os contrariar,

ilegalizando-os. Atualmente, nos regimes não autoritários tem-se entendido que os

conflitos coletivos não põem em causa a autoridade do Estado, desde que estejam

delimitados e se forem exercidos de forma disciplinada e de boa fé. Dentro de certos

parâmetros, são admitidos os conflitos coletivos, porque, desde que estejam

delimitados, o Estado poderá continuar a exercer a sua autoridade. O problema reside

em disciplinar os conflitos coletivos. Além disso, tem-se entendido que os conflitos

coletivos apresentam aspetos vantajosos. Pode definir-se o conflito coletivo de

trabalho como a divergência sobre questões laborais determinadas entre vários

trabalhadores, representados ou não por sindicatos, e um ou mais representados ou

não por associações de empregadores.

2. Tipos: tradicionalmente, quando se alude a conflitos coletivos de trabalho

pressupõe-se que está só em causa a discussão de aspetos laborais, o que nem sempre

é verdadeiro. Por via de regra, tais conflitos advêm de divergências em questões

laborais, as quais indiretamente podem repercutir-se noutros domínios, inclusive fora

do Direito do Trabalho. A divergência que dá aso ao conflito coletivo pode não advir

necessariamente de uma perturbação na relação laboral. Nos conflitos coletivos

distinguem-se aqueles que:

a. Têm base jurídica: conflitos de Direito, pois respeitam à interpretação e

aplicação de normas jurídicas constantes de contratos de trabalho,

instrumentos coletivos de regulamentação do trabalho ou leis aplicáveis à

relação laboral. Estes conflitos coletivos jurídicos poderão encontrar uma

solução por via jurisdicional. Em princípio, são os tribunais que verificam se

a aplicação das normas está a ser feita de forma correta. Os conflitos de

direitos ou jurídicos, mesmo quando assumem um caráter coletivo, podem

ser resolvidos de modo individual, eventualmente com recurso aos tribunais.

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b. Têm base índole económico-social: os conflitos laborais, também

designados conflitos de interesses, respeitam à substituição das regras

jurídicas vigentes. Estando em causa um conflito coletivo do tipo

económico-social, os trabalhadores pretendem não uma diversa aplicação das

normas em vigor, mas sim que estas sejam substituídas por outras, pois

consideram-nas inadequadas. Normalmente, quando se fala em conflitos

coletivos de trabalho estão em causa os conflitos de índole económico-social.

Nos conflitos coletivos laborais do tipo económico social, pretende-se a

alteração de regras jurídicas em vigor; o aumento da retribuição, a redução

do horário de trabalho, uma maior segurança no trabalho, etc. Estes conflitos

não poder ser dirimidos por via jurisdicional, pois os tribunais de trabalho

não têm competência para os resolver. Os tribunais de trabalho têm

competência para determinar se aquele conflito é lícito ou ilícito, mas não

para decidir acerca das reivindicações dos trabalhadores. Quando não está

em causa a interpretação e aplicação de normas existentes, mas sim a sua

substituição, será de excluir a competência da jurisdição laboral. Os conflitos

coletivos de tipo económico-social, por vezes, só indiretamente se

repercutem na relação laboral. Por isso, na noção de conflito laboral não se

fez propositadamente menção à relação laboral, mas sim a questões laborais.

O conflito coletivo não está necessariamente associado com problemas que

derivam de relações laborais. Ou seja, o conflito coletivo pode não advir de

uma divergência que respeite às relações laborais dos trabalhadores em causa,

basta que se relacionem, direta ou indiretamente, com questões laborais.

De entre os conflitos coletivos, o mais importante é a greve, com maior repercussão

prática e desenvolvimento jurídico. Para além da greve pode fazer-se alusão a outras

formas coletivas de luta dos trabalhadores. Por exemplo, o boicote a um empregador

relativamente à celebração de contratos de trabalho. Os conflitos coletivos podem

ser:

c. Lícitos; ou

d. Ilícitos.

A ilicitude advém da contrariedade a regras ou princípios jurídicos. Os conflitos

coletivos ilícitos põem em causa a aplicação de normas gerais de convivência.

Teoricamente, aos empregadores também caberia exercer forma de luta coletiva.

Poderiam desencadear uma luta coletiva para fazer face ao conflito coletivo já

desencadeado pelos trabalhadores, ou seja, em resposta a este último. Esta resposta

dos empregadores seria, designadamente, o encerramento das empresas, chamado

lock out. O lock out foi admitido em Portugal durante a primeira República e ainda o é

em alguns países. Estando encerrada a empresa, o empregador não pagaria as

retribuições a todos os trabalhadores e estes acabariam por ceder, na medida em que

necessitavam da remuneração. A outra forma de luta coletiva de empregadores

poderia ser a da procederem a despedimentos coletivos, isto é, aplicarem sanções aos

trabalhadores que tivessem desencadeado um conflito coletivo. Tais formas de luta

não estão permitidas no sistema jurídico português. Não é uma situação generalizada,

pois há sistemas jurídicos onde se admitem, em determinada medida, formas de luta

coletiva a desencadear pelos empregadores.

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Greve:

1. Considerações preliminares:

a. Admissibilidade e limites: a greve, de entre os conflitos coletivos,

apresenta-se como a luta paradigmática dos trabalhadores em que se pretende

pôr em causa as regras vigentes. A greve permite que, sendo satisfeitas as

reivindicações dos trabalhadores, se atinja um maior equilíbrio na relação

contratual. Por via da pressão exercida pela greve com respeito aos

empregadores pode vir a estabelecer-se uma situação de maior justiça na

relação laboral. Parece paradoxal, mediante o desencadear de uma luta onde

se põem em causa regras jurídicas, que se possa atingir a justiça; ou seja, que

a justiça se obtenha mediante o incumprimento dos contratos de trabalho e,

consequentemente, pelo desrespeito de normas jurídicas4. Daí que a greve

tenha tido alguma dificuldade de explicação e enquadramento jurídico. Do

ponto de vista terminológico, em português, usa-se a expressão greve, de

origem francesa (grève – do nome da praça de Paris, junto ao rio Sena, onde

se reuniam os trabalhadores à procura de trabalho. Bernardo Xavier alude a

expressões portuguesas sinónimo de greve, anteriormente utilizados, como

coalizão e parece), verificando-se, nas línguas latinas uma grande diferença

vocabular: assim, em castelhano5 utiliza-se o termo huelga e em italiano6 a

expressão sciopero. A greve encontra-se hoje regulada nos artigos 530.º a 543.º

CT, regime que se aplica aos trabalhadores com contrato de trabalho, assim

como àqueles que desempenham funções públicas nos serviços de

administração direta e indireta do Estado, nos termos do disposto nos artigos

392.º e seguintes do regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

A admissibilidade da greve não é hoje contestada nos países que adotaram

sistemas políticos pluralistas e de economia de mercado – perspetivas que

costumam encontrar-se associadas –, pois o direito à greve é incontestável

como instrumento corretor de desequilíbrios. Não obstante o direito de greve

ser incontestável, há que ponderar certos limites na sua atuação, apesar do

disposto no artigo 57.º, n.º2 CRP. Importa, por um lado, disciplinar a greve

– que tem de ser exercida de boa fé (artigo 522.º CT) – e, por outro lado,

determinar quais são as greves lícitas. Há, de facto, uma proibição

constitucional de limitar o âmbito da greve, mas o direito não pode admitir

situações ilícitas sob o manto da greve. Importa ter em conta que o Estado

também estabeleceu limites à greve; concretamente, o regime instituído não

se aplica às forças militares e militarizadas. Com base no disposto no artigo

4 大象城堡 diz: não vos deixeis enganar: o autor está aqui também a pôr em causa a questão da dialética (como processo onde

a tese e a antítese são o caminho para a síntese) para a compreensão da verdade (também histórica e) atual.[como quem diz, rejeitar e demonstrar distanciamento – ou será mesmo aversão? – à realidade socialista/comunista da base de luta laboral destes conflitos] 5 Idem: O autor utiliza o termo espanhol, corrigimos porque a normalização do emprego deste termo deixa a crença de que a unidade da “Espanha” está na matriz castelhana de ser comum a todas as realidades culturais (mas não serão nacionais??) dos povos peninsulares o que é falso e deve ser negada para que, se é que verdadeiramente se queira que a península o seja, as Espanhas se possam ser. [Se a Senhora do Almurtão virou costas a Castela, não há porque agora não o fazer também, ainda para mais quando o que nos resta será Castela, querendo, ela também, a “união” hegemónica sempre em seu enlace]. 6 Idem: Antes de nos acusarem de não termos a mesma postura para com o italiano: Roma não nos está à porta culturalmente querendo fazer do nosso quintal a pérola da sua ganância ou mitificação de Império (ainda que possamos ter de ter, em coerência, uma mesma necessidade de precisão – desculpai-nos venezianos, sul-tiroleses e todos os “oprimidos” de Vitor Emanuel.

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270.º CRP, admite-se que, nesses casos, pode haver limites quanto ao

exercício do direito de greve. É certo que o legislador viabilizou a greve na

função pública, que, em muitos países, se encontra proibida. A isto acresce

que, como se referiu, na revisão constitucional de 1997, incluiu-se um n.º3 ao

artigo 57.º CRP, do qual resulta uma limitação constitucional ao exercício do

direito de greve, nomeadamente no que respeita à determinação de serviços

mínimos.

2. Noção:

a. Determinação: nem na Constituição nem nos artigos 530.º e seguintes CT

se encontra uma definição deste instituto. O legislador não apresentou uma

noção de greve não tanto por ter presente a máxima omis definitio in iuris

periculosa est, mas porque qualquer definição seria redutora e poderia conduzir

a uma limitação inadmissível do direito à greve. Não obstante se ter omitido

a definição de greve, a jurisprudência e a doutrina têm-se baseado num

conceito de greve para poder discutir este instituto; em particular, cabe

determinar os seus contornos e efeitos bem como importa determinar em

que medida a greve é lícita ou ilícita. Pode começar por se definir a greve

como a abstenção concertada da prestação de trabalho a efetuar por uma

pluralidade de trabalhadores com vista à obtenção de fins comuns. Importa

explicitar os vários termos desta definição.

b. Abstenção de trabalhar: a abstenção de trabalhar pode ser entendida num

sentido restrito ou numa aceção ampla.

i. Em sentido restrito: na abstenção de trabalhar pressupõe-se que o

trabalhador deixe de efetuar a atividade; trata-se de uma total

paralisação.

ii. Em sentido amplo: poderá entender-se que a abstenção abrange, para

além da paralisação, um refrear na execução da atividade laboral, ou

seja, nela se incluem também as perturbações na relação laboral que

não impliquem paragem na execução do trabalho.

A posição tradicional preconiza a aceção restrita. A abstenção será, assim,

entendida como paralisação total. O trabalhador só estará em greve se não

realiza qualquer prestação relacionada com a atividade laboral, exceto se

estiver a cumprir serviços mínimos. Esta noção de greve total paralisação é a

dominante nos países da Europa do Norte e nos Estados Unidos da América,

nos quais o poder económico dos sindicatos permite manter situações de

greve em que as associações sindicais compensam os prejuízos sofridos pelos

trabalhadores, em especial a perda de salário. Nos países latinos, e

concretamente em Portugal, tal não ocorre. Por um lado, os sindicatos, em

geral, têm um poder económico bastante reduzido e, por outro, as

dificuldades financeiras de grande parte dos trabalhadores não permitem que

sejam desencadeadas greves prolongadas, pelo que se tem recorrido também

a formas de luta em que não há uma verdadeira paralisação, mas apenas uma

perturbação na relação laboral. Não obstante a complexidade do problema e

de as soluções globais terem de ser sempre ponderadas perante casos

concretos, é sustentável, por via de regra, que a abstenção, para efeitos de

greve, deva ser entendida como inatividade, como paralisação propriamente

dita, não devendo as perturbações na relação de trabalho ser incluídas no

conceito de abstenção.

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c. Concertação entre trabalhadores: como segundo elemento da noção

apresentada é de indicar que a greve constitui uma abstenção concertada da

atividade laboral, ou, como tradicionalmente se dizia, a greve é uma coalizão

de trabalhadores que suspendem a prestação da atividade laboral. Deste

modo, a abstenção tem de ser combinada, previamente ajustada pelos

trabalhadores, normalmente com intermediação sindical, e comunicada essa

intenção ao empregador.

d. Pluralidade de trabalhadores: em terceiro lugar, a greve pressupõe que a

paralisação seja efetuada por uma pluralidade de trabalhadores; pelo menos,

tem de haver vários trabalhadores que possam aderir à greve, mesmo que,

depois, o não façam. Não é que, perante uma situação concreta tenham de

estar em greve vários trabalhadores. Se for decretada greve numa dada

empresa e no dia marcado só um trabalhador a ela adere, este trabalhador,

apesar de o fazer isoladamente, está a exercer licitamente o seu direito à greve.

Faz parte da noção de greve, e por isso ela se inclui entre os conflitos

coletivos, a possibilidade de aderirem vários trabalhadores. Levantam-se,

contudo, problemas quando num determinado setor ou numa dada empresa

só laborem dois trabalhadores ou mesmo um só. Não é o facto de se trabalhar

isoladamente que pode constituir obstáculo ao exercício do direito de greve.

Pelo que, apesar de não ser habitual, o único trabalhador de uma empresa

pode fazer greve, mas, havendo vários trabalhadores da mesma categoria, a

paralisação pode ser efetuada por todos.

e. Fins: por último, a greve tem em vista a obtenção de fins comuns por parte

dos trabalhadores. O que deva entender-se por fins comuns é igualmente

polémico.

i. Em sentido restrito: os fins comuns relacionam-se com a situação

laboral; mas

ii. Em sentido amplo: podem abranger também interesses políticos,

económicos, de solidariedade, etc.

Parece não haver dúvidas de que a greve é um direito dos trabalhadores, ou

seja, daqueles que se integram numa relação jurídica laboral, não sendo um

direito dos chamados trabalhadores independentes. A dúvida poderia surgir

com base no disposto no n.º1 do artigo 57.º CRP, onde se fala no direito de

greve sem relacionar com os trabalhadores. Mas no n.º2 do mesmo preceito,

vem estabelecer-se os termos em que os trabalhadores podem definir o

âmbito da greve; logo, deve entender-se que a greve só existe em relação a

trabalhadores. O mesmo se depreende do disposto no n.º1 do artigo 530.º

CT, ao relacionar-se a greve com um direito dos trabalhadores. A greve

pressupõe, assim, a existência de uma relação jurídica de subordinação com

o empregador. Nestes termos, não integram o conceito técnico de greve as

chamadas greves de estudantes ou de consumidores ou qualquer paralisação

decretada por trabalhadores independentes. Quanto às finalidades que os

trabalhadores podem prosseguir com a greve, questiona-se acerca da

legalidade de greves com fins não laborais. Através da greve, os trabalhadores

fazem reivindicações com vista a ver satisfeitas certas pretensões de ordem

laboral, pelo que nos casos referidos, juridicamente, parece que não haverá

greve. Na medida em que a greve funciona como meio de pressão para atingir

certos fins, se as pretensões não podem ser satisfeitas pelo empregador, não

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se pode qualificar a situação como verdadeira greve. Os fins comuns que se

reivindicam devem estar na disponibilidade de satisfação por parte do

empregador. Até porque é a entidade patronal quem suporta o risco inerente

à greve, designadamente devendo pagar o salário aos trabalhadores não

grevistas e as indemnizações por incumprimento de obrigações para com

terceiros. Só será justo que o empregador suporte tal risco se tiver a

possibilidade de satisfazer as pretensões dos trabalhadores. Esta posição,

porém, de iure condito não será fácil de justificar, já que a Constituição (artigo

57.º) estabelece que a lei não pode impor limitações à greve e, em termos

literais, as normas legais admitem-na em sentido amplo. Mas tal interpretação

literal não parece conformar-se com as razões que levaram ao surgimento da

greve como direito, pelo que o sentido restritivo proposto se impõe.

3. Modalidades: a propósito da noção já se fez alusão a algumas modalidades de greve.

A indicação destas será sempre exemplificativa, mas importa referir alguns casos.

a. A greve geral opõe-se à greve parcial ou sectorial:

i. A greve geral:

1. Num sentido amplo: pressupõe a paralisação de todos os

trabalhadores do país. Trata-se de uma greve, essencialmente

com conotações políticas, muitas das vezes associada a

finalidades revolucionárias, pouco frequente nos dias de hoje7.

2. Num sentido restrito: falar-se-á em greve geral quando implica a

paralisação de todos os trabalhadores de uma profissão ou

empresa.

ii. A greve sectorial: pelo contrário, reporta-se à paralisação de alguns

trabalhadores de determinada profissão ou de um núcleo da empresa;

a greve é circunscrita a um grupo de profissionais delimitado ou a um

núcleo de empresa. A distinção é importante porque se a uma greve

sectorial aderirem trabalhadores de outros núcleos, haverá ilicitude.

b. A greve típica ou própria opõe-se à greve atípica ou imprópria:

i. A greve típica: corresponde à paralisação total dos trabalhadores;

ii. A greve atípica: não está em causa uma verdadeira abstenção do

trabalho, mas uma perturbação da relação laboral. Em muitos casos,

estas greves são ilícitas, o que não quer dizer que o sejam

necessariamente.

Esta distinção reporta-se, pois, à diferença entre greve no sentido tradicional

(típica) e as novas modalidades de greve (atípica) em que não haverá sempre

uma paralisação absoluta da atividade laboral.

c. A greve lícita opõe-se à greve ilícita:

i. A greve lícita: é a greve permitida pelo Direito;

ii. A greve ilícita: é a greve que contraria o Direito. Que podem ser

enquadradas numa de três situações:

1. Não obstante terem sido desencadeadas dentro dos pressupostos gerais

deste instituto, prosseguem fins ilícitos.

7 E vêm como ele lança o preconceito contra certos institutos ao lançar fundamentação de pudor ou certa repulsa a orientações políticas mas sem fundamentar estas afirmações – se forem a ver no manual, NEM UMA referência bibliográfica de estudos estatísticos ou sociológicos se encontram. Repito…. N E M U M A ! ! !

Cientificidade, ó!, 😗👌

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2. Sendo a greve desencadeada e desrespeito de regras jurídicas;

3. Impliquem a utilização de meios que não se coadunam com os princípios

e regras gerais do ordenamento jurídico; nomeadamente, as greves

que causem um prejuízo exorbitante ao empregador em

relação às pretensões exigidas pelos trabalhadores.

Quanto aos objetivos a prosseguir,

d. A greve laboral opõe-se à greve não laboral:

i. A greve laboral: tem em vista reivindicações no domínio das situações

laborais, as quais podem ser satisfeitas pelo empregador em concreto.

ii. A greve não laboral: prosseguem outras finalidades, como sejam

políticas, económicas ou de solidariedade. As greves não laborais

dificilmente se enquadram no conceito técnico de greve. Pese embora

da letra da lei se possa concluir que quaisquer paralisações de

enquadram na ideia da greve, parece que o espírito do ordenamento

não permite a sua qualificação jurídica como verdadeira greve.

As classificações de greve são inúmeras, dependendo da perspetiva em que se

enquadram, podendo se falar de greves ofensivas e defensivas, greves para simples

pressão negocial, etc.

4. Legitimidade para declarar e fazer a greve:

a. Oportunidade: apesar de, por vezes, se aludir à greve como a ultima ratio em

dado conflito coletivo, não é necessário que, previamente, se recorra a um

processo negocial e, chegando a um impasse, seja declarada a greve. A greve

não corresponde ao culminar de um processo negocial fracassado; pode

surgir antes, durante ou depois das negociações, até como forma de

pressionar o empregador em determinado sentido. A greve depende apenas

de um juízo de oportunidade, que cabe aos trabalhadores. Ou seja, a greve

pode ser declarada, não por se ter chegado a um impasse nas negociações,

mas porque se julgou oportuna esta forma de luta. Mesmo que as partes

interessadas estejam a negociar, os trabalhadores podem recorrer à greve

como forma de pressionar o empregador a ceder às suas pretensões, sem que

isso constitua necessariamente uma violação da boa fé (artigo 522.º CT). Se

os trabalhadores consideram oportuno o recurso à greve, há que fazer a

declaração de greve, a qual, em princípio, cabe às associações sindicais (artigo

531.º , n.º1 CT). Excecionalmente, admite-se que a greve possa ser declarada

pelas assembleias de trabalhadores (artigo 531.º, n.º2 CT) que, na prática, em

razão das limitações legais quanto a essa forma de declaração de greve, leva a

que se possa falar na existência de um monopólio sindical nesta matéria. A

decisão de greve está na dependência de um juízo de oportunidade, mas

depois terá de haver uma subsequente formalidade da qual resulta a intenção

de os trabalhadores recorrerem à greve. A distinção entre o juízo de

oportunidade quanto ao recurso à greve, que compete aos trabalhadores, e a

declaração de greve tomada, em princípio, pelos sindicatos, é teórica. Na

prática, há uma competência quase total dos sindicatos quanto à

determinação do juízo de oportunidade e à declaração de greve. O facto de a

decisão de greve ser um quase monopólio sindica, tem uma justificação.

i. Porque cabe às associações sindicais a defesa e promoção dos direitos e interesses

dos trabalhadores (artigo 56.º, n.º1 CRP), e a greve tem exatamente essa função

de promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores;

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ii. Na medida em que, normalmente, a greve é uma forma de pressionar o empregador

ou empregadores com vista à celebração de uma convenção coletiva de trabalho ou

para alterar um instrumento em vigor. Ora, como a celebração de

convenções coletivas é da competência das associações sindicais

(artigo 56.º, n.º3 CRP), justifica-se também que sejam os sindicatos a

determinar se se deve ou não recorrer à greve e, por conseguinte, a

decretá-la.

Não obstante as justificações quanto ao monopólio sindical, podem suscitar-

se algumas dúvidas. No artigo 531.º, n.º1 CT foi atribuída aos sindicatos

competência para declarar a greve, mas não se estabelece qualquer limite,

designadamente em função da respetiva representatividade. Trata-se de uma

norma relativamente aberta que estabelece uma competência genérica. Assim

sendo, um sindicato, não obstante ter representatividade mínima numa

empresa, não está impedido de declarar uma greve nessa unidade empresarial.

Permitindo-se que uma associação sindical minoritária numa empresa possa

declarar a greve contra a vontade dos sindicatos maioritários representados

na mesma. E pode mesmo chegar-se à seguinte situação, algo caricata, de

numa determinada empresa que tenha, por exemplo, 500 trabalhadores, estes

sem apoio sindical, terem dificuldade em declarar a greve em função das

restrições estabelecidas no artigo 531.º, n.º2 CT, mas um sindicato que

representa, por exemplo, dois ou três trabalhadores dessa empresa, pode

declarar greve na mesma. Mas ainda que não resulte diretamente do n.º1 do

artigo 531.º CT, a competência dos sindicatos para declarar a greve tem

limites. Em primeiro lugar, não pode um sindicato declarar a greve num setor

diverso daquele que representa. Por outro lado, para declarar a greve, o

sindicato deve ter uma representação, ainda que diminuta, na empresa. Em

princípio, quem declara greve são os sindicatos, mas quem faz a greve são os

trabalhadores; há que distinguir a declaração de greve do exercício da greve.

A greve, por via de regra, efetiva-se mediante a paralisação dos trabalhadores

numa determinada empresa, mas, não obstante a natureza coletiva da greve,

o seu exercício pressupõe sempre uma manifestação da vontade individual

de cada trabalhador. A greve efetiva-se mediante a paralisação dos vários

trabalhadores, mas nessa paralisação, para além do aspeto coletivo, assenta

na liberdade de cada trabalhador aderir ou não à greve. A adesão é um ato

individual de cada trabalhador, não pressupondo qualquer manifestação

coletiva. A ideia de que a adesão é individual relaciona-se com o facto de os

trabalhadores terem liberdade de trabalhar, mesmo quando tenha sido

declarada uma greve na empresa pelo respetivo sindicato. O exercício do

direito de greve não pode ser imposto nem pelos demais trabalhadores nem

pelo sindicato. A adesão à greve pode ser feita por todos os trabalhadores

sindicalizados e não sindicalizados. Para a adesão à greve não é necessário

que o trabalhador esteja inscrito num sindicato nem muito menos que se

encontre filiado na associação sindical que declarou a greve; os trabalhadores

não sindicalizados bem como os sindicalizados em outros sindicatos que não

declararam a greve, também podem aderir. A adesão à greve é um direito de

todos os trabalhadores, tendo tão-só de se verificar se aqueles trabalhadores,

em razão da atividade que exercem e do local onde a prestam, estão ou não

compreendidos no âmbito da greve. Tendo aderido à greve,

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independentemente da sua filiação, o trabalhador passa a ser representado

pela associação sindical que declarou a greve ou pela comissão sindical no

caso de a greve ter sido declarada pela assembleia de trabalhadores (artigo

532.º, n.º1 CT). Esta representação legal, que pode ser delegada (artigo 532.º,

n.º2 CT), respeita unicamente a este conflito coletivo, isto é, à negociação

com vista a alcançar a reivindicação e à cessação da greve. É discutível que

na representação a que se refere o artigo 532.º CT se inclua um poder de

direção atribuído ao sindicato, mediante o qual a este caberia dirigir a

atividade dos trabalhadores que integram o piquete de greve e,

principalmente, ordenar ou orientar a prestação de serviços mínimos.

b. Princípio da boa fé: no artigo 522.º CT, como princípio geral de atuação

nos conflitos coletivos, reitera-se a obrigação de as partes agirem de acordo

com ditames de boa fé. Daqui decorre, em especial, que os trabalhadores

devem exercer o direito de greve segundo padrões de boa fé e não,

nomeadamente, com o intuito de causar o maior prejuízo possível ao

empregador ou de beneficiar terceiro; em contrapartida, o empregador, não

obstante lhe ser lícito minimizar os danos, não deverá atuar de molde a

inviabilizar o exercício do direito de greve.

c. Responsabilidade civil: em vários preceitos do Código do Trabalho,

acentua-se o princípio da responsabilidade civil, que não impende só sobre

os empregadores, mas igualmente sobre os trabalhadores e associações

sindicais. Importa atender ao artigo 520.º, n.º3 CT, relativo à

responsabilidade civil por incumprimento culposo de obrigações contratuais,

nomeadamente resultantes de convenção coletiva, e, em particular, ao artigo

541.º, n.º2 CT, quando remete para os princípios gerais em matéria de

responsabilidade civil, em caso de declaração ou execução da greve de forma

contrária à lei. Nos termos dos artigos 483.º e seguintes CC, a

responsabilidade dos sindicatos existirá sempre que a sua atuação se integrar

nos pressupostos do n.º1 do artigo 483.º CT. Em tal caso, o lesado, credor

da indemnização, tanto pode ser o empregador, como o trabalhador a quem

foram prestadas falsas informações e, eventualmente, terceiros, em particular

credores de prestações da empresa, se se admitir a eficácia externa das

obrigações. Em relação ao empregador, a responsabilidade do sindicato não

depende sequer da admissibilidade da eficácia externa das obrigações, pois

não está só em causa a violação de contratos de trabalho induzida pelo

sindicato, mas também o desrespeito de deveres emergentes da relação

coletiva entre sindicato e empresa, independentemente da existência de

qualquer cláusula de paz social. Idêntica responsabilidade pode impender

sobre o trabalhador que aderiu a uma greve ilícita, com consciência da

ilicitude, desde que se encontrem preenchidos os restantes pressupostos do

artigo 483.º, n.º1 CC. Além da responsabilidade civil, a adesão a uma greve

ilícita pode determinar a omissão de deveres que consubstanciam um crime,

caso em que o trabalhador pode ser responsabilizado penalmente.

5. Cláusula de paz social: quanto à legitimidade de um sindicato declarar greve, pode

questionar-se se, tendo ele subscrito uma convenção coletiva de trabalho da qual

consta uma cláusula de paz social, está impedido de declarar uma greve na empresa.

A cláusula de paz social não obsta à realização de greves, porque, como estabelece o

artigo 530.º, n.º3 CT, a greve é um direito irrenunciável e, por isso, não pode impedir-

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se o seu exercício. Tendo em conta o disposto no artigo 542.º CT, importa saber se

o sindicato, parte naquela convenção coletiva, pode decretar a greve. Ou seja, se o

sindicato, ao declarar a greve, tendo subscrito uma convenção coletiva da qual consta

a cláusula de paz social, não está a violar esse acordo. A cláusula de paz social, sendo

admitida, integra a parte obrigacional da convenção coletiva de trabalho, vinculando

os outorgantes e, nessa medida, obrigaria o sindicato a não decretar a greve, mas não

impedindo os trabalhadores de a ela aderirem; inclusivamente os trabalhadores

sindicalizados naquele sindicato poderiam aderir a uma greve, decretada por um

outro sindicato. O sindicato que subscreveu a dita cláusula está impedido de declarar

a greve dentro do período de vigência da cláusula de paz social inserta naquela

convenção coletiva. A cláusula de paz social é válida no domínio das relações

obrigacionais, entre as associações de empregadores ou empregadores e as

associações e leva a que o sindicato não possa declarar a greve, mas não pode impedir

os trabalhadores sindicalizados de aderirem a uma greve. Dito de outro modo, a

cláusula de paz social vincula o sindicato mas não os filiados nessa associação.

Quando um sindicato é parte em certa convenção coletiva de onde consta uma

cláusula de paz social, nos termos da qual a associação sindical se compromete a não

recorrer à greve, põe-se o problema de saber se os filiados naquele sindicato,

representados por ele nas relações coletivas de trabalho, estão também vinculados a

essa cláusula de paz social. Não parece aceitável que, mediante a representação

exercida pelo sindicato se possa impedir os trabalhadores de exercerem o seu direito

de greve. A não ser assim, a cláusula de paz social levaria a que o sindicato, em

representação dos seus filiados, estivesse a negociar direitos dos trabalhadores os

quais, nos termos do artigo 530.º, n.º3 CT, são irrenunciáveis. Tal cláusula, com

respeito aos filiados, seria nula nos termos do artigo 280.º CC, pois poria em causa

direitos indisponíveis. No artigo 542.º CT, depois de aceso o debate, consagrou

explicitamente a possibilidade de em convenção coletiva ser estabelecida uma

cláusula de paz social relativa. Na versão primeiramente aprovada do Código do

Trabalho, constava somente que para além das matérias referidas no n.º1 do artigo

599.º CT, pode a contratação coletiva estabelecer normas especiais relativas a

procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis de determinar o recurso à greve,

assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação

coletiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por

motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção. Contudo, pelo Ac. TC n.º

306/2003, 25 junho, foi declarada a inconstitucionalidade da 2.ª parte do artigo com

base em dois motivos:

a. Na expressão motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção,

não obstante o disposto no artigo 561.º, n.º3 CT2003 – atual 520.º, n.º1

–, incluir-se-ia igualmente a greve decretada com invocação da

superveniência de alteração anormal de circunstâncias que tornaria

injusto ou excessivamente oneroso o clausulado acordado ou parte

dele (negando os empregadores ou as associações a ocorrência dessa

alteração normal).

b. Por outro lado, sem fazer alusão ao regime geral de exceção de não

cumprimento (artigos 428.º e seguintes CC), o Tribunal Constitucional

entendeu que a já transcrita expressão a motivos relacionados com o

conteúdo dessa convenção abrangeria ainda a greve decretada para

protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do

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lado empresarial, invocação essa que poderá estribar-se em diferentes

interpretações do mesmo clausulado. A estes dois argumentos, o

Tribunal aduz o facto de as consequências, para os trabalhadores de

eventual quebra desse compromisso resultarem no facto de estes

poderem ser responsabilizados pelos prejuízos causados, incorrendo

os trabalhadores grevistas no regime das faltas injustificadas.

Tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade, a parte final do corpo do

artigo 606.º CT2003 – que passou a ser n.º1 – foi alterada e incluíram-se dois números.

Ficaram esclarecidas quatro dúvidas:

a. A cláusula de paz social só implica limitações à declaração de greve

que tenha por finalidade modificar o conteúdo da convenção coletiva

em que foi inserida.

b. A limitação resultante da cláusula não obsta a que o sindicato

outorgante declare a greve em caso de alteração anormal das

circunstâncias, conforme já decorria do disposto no artigo 520.º, n.º2 CT e

473.º CC.

c. Do mesmo modo, a limitação não abrange uma declaração de greve

justificada pelo facto de a contrapartida (associação de empregadores

ou empregador) tem incumprido deveres resultantes da convenção

coletiva onde foi incluída a cláusula, nos termos gerais da exceptio non

adimpleti contractus (artigos 428.º e seguintes CC).

d. A cláusula de paz social, fazendo parte do conteúdo obrigacional da

convenção coletiva, só vincula as partes outorgantes, mormente as

associações sindicais, não sendo os trabalhadores responsáveis pelo

seu incumprimento. A cláusula de paz social, que tem de ser acordada entre

sindicatos e associações de empregadores ou empregadores, não limita o

exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores. Durante a vigência

da convenção coletiva, o sindicato outorgante, por ter aceite uma cláusula de

paz social, está impedido de decretar uma greve se o(s) empregador(es)

cumpre(m) o disposto no instrumento de regulamentação coletiva, sob pena

de responsabilidade civil por incumprimento do acordo. Todavia, os

trabalhadores, ainda que filiados no sindicato outorgante, durante o período

de vigência da cláusula de paz social, podem aderir a uma greve decretada por

outro sindicato ou decretada pela assembleia de trabalhadores.

A solução encontrada em 2003, após a alteração decorrente da declaração de

inconstitucionalidade, manteve-se na revisão de 2009, no artigo 542.º CT, onde se

dispõe que a convenção coletiva pode regular, além das matérias referidas na alínea

g) do n.º2 do artigo 492.º CT, procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis

de determinar o recurso à greve, bem como limitar o recurso à greve por parte de

associação sindical celebrante, durante a vigência daquela, com a finalidade de

modificar o seu conteúdo. Depois da enunciação no n.º1, dos n.º2 e 3 do artigo 542.º

CT constam as mencionadas limitações do âmbito de cláusula de paz social.

6. Declaração de greve; o aviso prévio:

a. Tomada de posição; razões e conteúdo da declaração: a declaração de

greve, quando feita a nível sindical, que é a regra, será tomada, em princípio,

pela direção do sindicato. Muitas das vezes, a direção da associação sindical

encontra-se mandatada pela respetiva assembleia geral para declarar a greve.

Nada impede que a declaração de greve seja tomada por diferentes sindicatos;

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ocorre com alguma frequência que as várias associações sindicais com

representação numa empresa, de forma concertada, declaram a greve nessa

mesma empresa. É normal que isso ocorra, até porque tal acordo entre os

sindicatos tem vantagem para efeitos de prever uma maior adesão a greve.

Mas a declaração de greve pode igualmente ser tomada pela assembleia da

trabalhadores. Para que a assembleia de trabalhadores reúna com vista à

declaração de greve torna-se necessário, como dispõe o artigo 531.º, n.º2 CT,

que estejam preenchidos dois pressupostos:

i. Importa que naquela empresa, a maioria dos trabalhadores não

esteja representada por associações sindicais, isto é, que a

maior parte dos trabalhadores não esteja em sindicatos;

ii. A assembleia terá de ser expressamente convocada para o efeito

por 20% ou por 200 trabalhadores da empresa em questão

(artigo 531.º, n.º2 CT).

Reunida a assembleia de trabalhadores, para ser decidida a greve, torna-se

necessário que nesta participe a maioria dos trabalhadores da empresa; por

conseguinte, se, não obstante o quórum de convocação, não se conseguir que

a maioria dos trabalhadores se apresente na referida assembleia, esta não

pode tomar deliberações. Estando reunida a maioria dos trabalhadores, a

votação será feita por voto secreto e por maioria (artigo 531.º, n.º2 CT). Estas

limitações, estabelecidas no artigo 531.º, n.º2 CT, levam a que dificilmente a

assembleia de trabalhadores de uma empresa possa reunir e declarar uma

greve. Daí que, na realidade, as greves acabam por ser sempre declaradas

pelos sindicatos, nos termos do artigo 531.º, n.º1 CT e se aluda a um

monopólio sindical neste âmbito. Da declaração de greve deve constar o fim

a atingir por essa luta coletiva; no fundo, a razão que levou a ser desencadeada

uma greve se não houvesse objetivos a prosseguir, ou seja, sem nenhuma

finalidade conhecida. A lei não exige que, ao ser declarada a greve, se

estabeleçam os objetivos a atingir. Deste modo, sem reivindicações

apresentadas, uma greve não tem qualquer sentido; apesar de a lei o não exigir,

torna-se necessário que se apresentem os objetivos a atingir, ou seja, as

reivindicações pretendidas, porque a atuação tem de ser nos ditamos da boa

fé (artigo 522.º CT). Não só é necessário que as reivindicações constem da

declaração de greve, como também devem ser dadas a conhecer aos

interessados, isto é, aos potenciais grevistas e aos empregadores. É necessário

saber qual a razão de ser de uma determinada greve, até porque ela pode ser

evitada por meio de negociações, desde que se saibam quais os seus objetivos.

E atendendo ao princípio da boa fé, não podem ser prosseguidas, com a

greve, finalidades diversas das reivindicações apresentadas. Quando se

decreta uma greve deve também ser determinada qual a data em que ela vai

ter lugar, bem como a sua duração. Importa, pois, fixar a data de início da

greve, indicando se é por tempo determinado, devendo, então, constar a data

do seu termo, ou por tempo indeterminado; neste último caso, basta a

indicação da data de início, pois ela terminará quando ocorrer algum facto

justificativo.

b. Aviso prévio: declarada a greve, terá a mesma de ser comunicada. Depois de

o sindicato ou, eventualmente, a assembleia de trabalhadores, ter declarado a

greve deve tal facto ser comunicado. A lei impõe que as entidades que

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decretam a greve façam um aviso prévio (artigo 534.º CT). Esse pré-aviso

tem de ser feito com uma antecedência mínima e deverá ser dirigido, por um

lado, ao empregador ou à associação de empregadores, no caso de ser uma

greve que abrange vários empregadores, e, por outro lado, ao Ministério do

Trabalho (artigo 534.º CT). Discutiu-se se a obrigatoriedade de aviso prévio

seria constitucional. Poder-se-ia considerar que a lei, no artigo 534.º CT, ao

estabelecer a obrigatoriedade de aviso prévio, estaria a violar a Constituição,

pois essa exigência contrariaria o disposto no n.º2 do artigo 57.º CRP, na

medida em que seria uma forma de limitar o âmbito da greve. Todavia, a

opinião predominante na doutrina, e que veio a ser aceite pelo Tribunal

Constitucional, vai no sentido de a existência do aviso prévio não colidir com

a referida norma da Constituição. A constitucionalidade do pré-aviso baseia-

se no facto de o prazo estabelecido não pôr em causa o direito à greve, nem

constituir um verdadeiro limite a esta forma de luta. Tendo por base o

princípio da boa fé, o aviso prévio serve tão-só para dar conhecimento aos

interessados – empregadores e Ministério do Trabalho – de que vai eclodir

uma greve, e não limita o seu exercício o facto de, com uma certa

antecedência, ser prestada essa informação. Nem os próprios prazos do aviso

prévio se poderão dizer que constituem um limite ao direito de greve; de

facto, dar a conhecer, com uma antecedência de cinco ou de dez dias úteis, a

realização da greve, não limita o direito dos trabalhadores. Trata-se, antes,

não de um limite ao direito dos trabalhadores, mas de uma forma de

disciplinar a greve. Importa que as greves não sejam feitas de surpresa,

porque a surpresa pode ter inconvenientes nefastos de vária ordem. A

obrigatoriedade do aviso prévio justifica-se por algumas razões:

i. O aviso prévio pode constituir e muitas das vezes representa uma forma de evitar

a greve: através do pré-aviso, conhecendo-se as reivindicações dos

trabalhadores, o empregador, na iminência da greve, pode não estar

disposto a correr o risco de uma paralisação e, nessa medida, para a

evitar pode aceder a certas pretensões dos trabalhadores; perante a

cedência do empregador, a greve será desconvocada.

ii. A obtenção do consenso consegue-se, frequentemente, por força desse aviso prévio.

Este constitui, até, em numerosas situações, uma forma de pressionar

a contraparte na negociação; sabendo-se que com o aviso prévio o

empregador fica numa posição menos vantajosa para negociar, atento

o risco de uma greve e das eventuais consequências nefastas da

mesma, é natural que o empregador se manifeste mais predisposto a

ceder para a obtenção do consenso e, nessa medida, o pré-aviso serve

para evitar o conflito.

iii. Também ocorre que, em muitas greves, os prejuízos podem ser minimizados por

força do aviso prévio. Interessa minimizar os danos, principalmente em

certas greves em que os prejuízos são essencialmente ocasionados

não tanto aos empregadores, mas à comunidade. Estas situações são

frequentes e, no fundo, são as greves mais conhecidas aquelas que

causam prejuízos à população, danos estes muito superiores àqueles

que vêm a ser infligidos aos empregadores.

iv. É um facto que a greve visa prejudicar o empregador, mas o aviso prévio tem

razões justificativas para, em certa medida, também minimizar os prejuízos em

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relação à entidade patronal. O empregador, sabendo antecipadamente da

existência da greve, pode precaver-se de forma a reduzir os seus

danos, pois se a greve fosse feita de surpresa poderiam os prejuízos

ser mais elevados. Em qualquer atuação das partes, mesmo em

situações de greve, a atuação segundo regras de boa fé nas suas

relações manter-se (artigo 522.º CT). O aviso prévio constitui a

consagração de regras de boa fé nessas relações, pois mesmo as

formas de luta têm de ser leais.

O aviso prévio tem de ser feito com um prazo mínimo de cinco ou de dez

dias úteis em relação à data de início da greve. A regra é a de que o aviso

prévio deve ser emitido com a antecedência mínima de cinco dias úteis, mas

quando se trata de empresas que se destinam à satisfação de necessidades

sociais impreteríveis, o legislador estabeleceu que o prazo deverá ser de dez

dias úteis (artigo 534.º, n.º1 CT). No artigo 537.º, n.º2 CT, enumeram-se, de

forma exemplificativa, os setores da economia que se destinam à satisfação

de necessidades impreteríveis da comunidade. E, assim, faz-se alusão a

correios, serviços médicos, abastecimentos públicos, transportes, etc. Nestes

casos, está precisamente em causa a tutela do público, pretendendo-se

minimizar os seus prejuízos, em especial mediante o estabelecimento

atempado de serviços mínimos. O aviso prévio deverá ser efetuado pela

entidade que declarou a greve, em regra o sindicato ou os sindicatos que a

declararam. Se a greve for declarada por uma assembleia de trabalhadores,

caberá a esta fazer o pré-aviso. Na hipótese, relativamente frequente, de a

greve ser declarada por vários sindicatos, o aviso prévio poderá ser subscrito

conjuntamente pelas associações sindicais que declaram a greve. O aviso

prévio e a declaração de greve correspondem a duas realidades diferentes,

pois é distinto declarar a greve e informar da sua realização (pré-aviso).

Acontece, porém, que, as mais das vezes, a declaração de greve e o aviso

prévio constam de um mesmo documento. Não é necessário que assim

ocorra, mas é frequente a indissociação formal entre as duas situações.

Quanto à forma do aviso prévio estabelece o artigo 534.º, n.º2 CT que tem

de ser feito por meios idóneos, nomeadamente, por escrito ou através dos

meios de comunicação social. O aviso prévio deve ser feito de modo a poder

ser conhecido pelo empregador e pelo Ministério do Trabalho. O legislador

não impôs requisitos de forma, seguindo o disposto no artigo 219.º CC. Com

respeito ao conteúdo, o pré-aviso funciona como meio de informação,

devendo atender a certos aspetos. Serve para dar a conhecer ao empregador

(ou empregador) e ao Ministério do Trabalho que vai ter lugar uma greve em

determinada data. Dessa informação deve constar a indicação da greve e do

seu âmbito (quais os trabalhadores por ela abrangidos, se é geral, sectorial,

profissional, etc.), assim como a data em que a greve vai ter lugar e a sua

duração. Importa, pois, fixar a data de início da greve, indicando se é por

tempo determinado, devendo, então, constar a data do seu termo, ou por

tempo indeterminado; neste último caso basta a indicação da data de início,

pois ela terminará quando ocorrer algum facto justificativo. Além disso, terá

de ser mencionada a data da greve; sendo esta prolongada, há que distinguir

a paralisação de duração determinada, em que têm de ser indicadas as datas

de início e termo, da de duração indeterminada, em que basta mencionar a

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data de início. A grebe pode ser declarada por tempo determinado e, findo o

prazo, nada obsta a que este seja prorrogado, mas em tal caso torna-se

necessário que se faça um novo aviso dentro do prazo legal do artigo 534.º

CT. Do aviso prévio não têm necessariamente de constar as reivindicações

dos trabalhadores. É sabido que as greves devem ser declaradas com

indicação dos objetivos a atingir, mas não se torna necessário que os mesmos

constem do pré-aviso. Contudo, como as referidas finalidades têm de ser

dadas a conhecer também ao empregador, ode ocorrer que isso se faça por

via do aviso prévio. Não existe nenhuma obrigatoriedade nesse sentido e

desde que o empregador conheça, por qualquer outro meio, as reivindicações

dos trabalhadores, não será necessário que, depois, no aviso prévio se

especifiquem essas mesmas pretensões. Mas o ónus da prova quanto ao

conhecimento das reivindicações cabe a quem declara a greve. Nos termos

do disposto no n.º3 do artigo 534.º CT, juntamente com o aviso prévio deve

ser feita uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e

manutenção do equipamento e instalações da empresa ou para garantir o

funcionamento de serviços mínimos em benefício da comunidade. Em caso

de incumprimento do dever de apresentar uma proposta de serviços mínimos

aplica-se o disposto no artigo 541.º CT, relativo à responsabilidade por

violação das regras da greve. Se do aviso prévio, enviado com a devida

antecedência, faltar a proposta (séria) de definição dos mínimos ou dos

necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, a greve

é ilícita, com as consequências constantes do artigo 541.º CT.

7. Exercício do direito à greve:

a. Adesão à greve: se a greve; depois de ter sido decretada, não for

desconvocada, os trabalhadores abrangidos podem a ela aderir na data em

que foi marcada. A adesão corresponde a uma liberdade no exercício deste

direito dos trabalhadores, ninguém podendo ser obrigado a aderir a uma

greve, nem impedido de o fazer. Para que um trabalhador possa aderir à greve

é necessário que a atividade por ele exercida esteja abrangida no âmbito

daquela forma de luta. Desde que a greve tenha sido decretada e que no

respetivo âmbito esteja abrangida a atividade do trabalhador, ele pode aderir

à greve. A adesão a determinada greve é um direito potestativo de todos os

trabalhadores por ela abrangidos, mesmo não sindicalizados, não estando

limitado aos trabalhadores filiados no sindicato que a declarou. A adesão à

greve corresponde a uma liberdade da qual não pode advir qualquer

discriminação para o trabalhador (artigo 540.º, n.º1 CT). Tendo em conta o

disposto no artigo 540.º, n.º1 CT, têm sido considerados discriminatórios os

designados prémios anti-greve. Estes prémios correspondem, normalmente,

a quantias monetárias oferecidas aos trabalhadores em razão da sua

assiduidade. Estabelece-se, assim, que se o trabalhador não der faltas receberá

um prémio de assiduidade, mas na hipótese de o trabalhador ter dado, nem

que seja uma falta, perderá o referido prémio de assiduidade. Não é que os

prémios de assiduidade sejam ilícitos, pois o empregador pode estabelecer

tais prémios para incentivar os trabalhadores a não faltarem. O problema que

se põe nestes casos advém do facto de o trabalhador perder o prémio de

assiduidade por ter faltado, na medida em que aderiu a uma greve, podendo,

por isso, tais incentivos ao trabalho ser considerados discriminatórios e, nessa

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medida, violadores do artigo 540.º, n.º1 CT; não sendo válidos na medida em

que correspondem também a prémios anti-greve. A adesão à greve é um ato

unilateral de cada trabalhador, que se consubstancia numa declaração de

vontade. Depois de ter sido declarada, cada trabalhador individualmente

adere ou não à greve. A adesão à greve corresponde a uma declaração

negocial que não carece de fora, basta que resulte da atitude do trabalhador.

Normalmente, a própria atitude do trabalhador é esclarecedora quanto à sua

adesão ou não adesão à greve. Se o trabalhador no dia da greve não

comparece no local do trabalho, em princípio, presume-se que aderiu. A mera

atuação do trabalhador, por factos exteriores, indicia a adesão à greve, mas a

presunção é ilidível. Podem suscitar-se dúvidas no caso de a atuação do

trabalhador não ser concludente ou quando os factos exteriores levam a

concluir que o trabalhador aderiu à greve e ele, de facto, não está em greve

ou vice-versa. A presunção de ter aderido à greve já não valerá se o

trabalhador, antes da greve, informar o empregador de que se encontra

doente e a doença prolongou-se para além do dia de greve. Da mesma forma,

mas no sentido oposto, como o seu local de trabalho não é a empresa,

dificilmente se pode determinar se está ou não em greve. Em tal caso, para

se entender que este trabalhador está em greve, ele deverá fazer uma

declaração concludente, pois a simples falta de comparência nas instalações

não poderia ser entendida como adesão à greve. O trabalhador pode aderir

ou não a uma greve, mas tal declaração de vontade é livremente revogável. O

trabalhador pode aderir à greve no próprio dia marcado para a paralisação,

que é, aliás, o que acontece na maioria das situações, ou mesmo antes do dia

marcado para a greve. Tem-se entendido que, em qualquer dos casos, o

trabalhador pode revogar estas declarações, admitindo-se que ele é livre de

mudar de ideias. A adesão à greve só produz efeitos a partir do momento em

que o trabalhador, no próprio dia da greve, não comparece no local de

trabalho; é, pois, necessário um comportamento de abstenção. As

declarações anteriores que o trabalhador tenha feito não o vinculam, na

medida em que, até ao momento de iniciar o trabalho, ele pode mudar de

opinião. Em tais casos, deve entender-se que se o comportamento do

trabalhador com respeito a aderir ou não à greve for contrário à sua

declaração de vontade poder-se-á estar perante um venire contra factum proprium.

Não há declaração de vontade. O problema está em saber se esta contradição

implica uma responsabilização do trabalhador. Torna-se difícil

responsabilizar o trabalhador pela sua mudança de posição. Admitindo-se

que o trabalhador pode ponderar a sua adesão até ao dia da greve, em

princípio, o seu comportamento contraditório não tem em vista prejudicar

outrem (empregador ou colegas de trabalho) e, deste modo, não se justifica

que seja penalizado, apenas porque mudou de opinião. Da mesma forma, se

o trabalhador comunicou que não aderia e, posteriormente, persuadido pelos

seus colegas de trabalho, acabou por aderir à greve, não parece aceitável que

o empregador possa pedir uma indemnização por esta atuação contratidória.

A adesão à greve é um direito a exercer pelo trabalhador, na base de uma

total liberdade e sem vinculação a qualquer declaração prévia. Assim,

qualquer declaração que o trabalhador faça previamente não o vincula. A sua

liberdade de aderir ou não à greve manter-se-á até ao dia desta. É evidente

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que poderá haver uma declaração, sabendo que, dessa forma, vai atingir

determinado objetivo e, depois, revoga a sua declaração, prejudicando

terceiros. Esta situação limite pode acarretar responsabilidade civil por culpa

in contrahendo.

b. Piquetes de greve: sabendo-se que se uma greve tiver um grau de adesão

elevado será um sucesso, mas se, pelo contrário, a adesão dos trabalhadores

for reduzida, será um fracasso, torna-se relevante persuadir os trabalhadores

a participar na greve. Por um lado, em particular os sindicatos e os respetivos

delegados, tentam persuadir o maior número de trabalhadores a aderirem à

geve apresentando as razões de sua justeza. Por outro lado, o empregador

tenta que a greve seja um fracasso, persuadindo os trabalhadores a não

aderirem, mostrando que ela é injustificada. Esta luta de persuasão apresenta-

se com uma relevância extrema, visto que o nível de adesão a uma greve é

um dos fatores com maior peso. Para efeito desta persuasão, permite-se a

criação de piquetes de greve; ou seja, institucionalizou-se uma forma de

persuadir os trabalhadores a aderirem à greve. Nos termos constantes do

artigo 533.º CT parece poder concluir-se que quem organiza os piquetes de

greve deverá ser a entidade que declara a greve. De facto, neste artigo fala-se

em associação sindical, no singular. Daqui pode depreender-se que a

organização dos piquetes de greve não é um direito dos sindicatos em geral,

mas sim da associação sindical que declarou a greve É evidente que se forem

várias associações sindicais a declarar a greve todas elas poderão organizar os

piquetes de greve. Há, pois, uma relação entre declarar a greve e organizar o

piquete de greve. Admitindo a situação excecional em que a greve é declarada,

não por um sindicato, mas sim pela assembleia de trabalhadores, o piquete

de greve, nesse caso, será organizado pela comissão de greve. Se a greve foi

declarada por uma assembleia de trabalhadores, essa mesma assembleia, no

momento em que se reúne para declarar a greve, também delibera quanto à

eleição de uma comissão de greve (artigo 532.º, n.º1 CT), que representa os

trabalhadores durante o período de paralisação. No caso de a greve ter sido

declarada por um sindicato, será este que representa os trabalhadores em

greve, ainda que não sindicalizados. Ao abrigo do princípio da liberdade de

associação, qualquer pessoa poderia organizar um piquete de greve à revelia

do sindicato ou da comissão de greve. No entanto, do artigo 533.º CT deduz-

se que a organização dos piquetes de greve cabe à associação sindical, que

declarou essa paralisação, ou à comissão de greve. Apesar do disposto no

artigo 533.º CT, nada obsta a que quaisquer pessoas se reúnam e constituam

um piquete de greve com vista a persuadir os trabalhadores a aderirem à

paralisação. Porém, um piquete de greve, no sentido técnico, tem de ser

organizado pelo sindicato ou pela comissão de greve, mas, na prática, torna-

se difícil controlar a situação. Os piquetes de greve constituídos legalmente,

nos termos do artigo 533.º CT, têm liberdade de atuação, em particular no

seio das empesas, diferentemente dos piquetes ad hoc, que, em princípio, não

a têm. No que respeita à composição, os piquetes de greve, em sentido

técnico – organizados pela associação sindical ou pela comissão de greve –,

deverão ser compostos por trabalhadores a abranger por aquela greve. No

caso de a greve ter sido convocada por um sindicato, a composição do

piquete nada tem que ver com a filiação. A filiação sindical é irrelevante em

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termos de greve e, deste modo, mesmo que a paralisação tenha sido declarada

por um determinado sindicato, os membros do piquete não têm de ser

necessariamente filiados nessa associação sindical. A lei não dispõe quanto à

composição dos piquetes de greve, pois, neste ponto, o artigo 533.º CT é

omisso. Está-se no domínio da liberdade de atuação e, por conseguinte,

qualquer pessoa pode livremente, fora da empresa, sem ter uma relação

laboral com ela, convencer os respetivos trabalhadores a aderirem a uma

greve. No exterior da empresa, mesmo nas suas imediações, não há qualquer

limite quanto á atuação de grupos organizados que tentam convencer os

trabalhadores a aderirem a uma greve. O problema reside em saber em que

medida os piquetes de greve podem exercer a sua tarefa de persuasão dentro

da própria empresa. No seio da empresa põe-se o problema de saber se o

empregador pode impedir a atuação dos piquetes de greve. A lei nada

estabelece quanto ao desempenho de funções por parte dos piquetes de greve

dentro da empresa. Da parte do empregador pode haver interesse em opor-

se à entrada do piquete de greve na empresa, visto que, se alguns

trabalhadores não aderiram à greve, a entidade patronal, em princípio, não

pretende que eles sejam persuadidos a abandonarem o trabalho. É evidente

que o empregador pode sempre opor-se à entrada de pessoas estranhas na

empresa. Deste modo, quando o piquete de greve não for composto por

trabalhadores da empresa, o empregador pode licitamente impedir a entrada

dessas pessoas na empresa. Relativamente às empresas com serviços abertos

ao público, haverá áreas reservadas aos funcionários e, pelo menos, nesses

espaços, o empregador poderá não permitir a entrada de pessoas estranhas.

Além disso, o que está proibido aos empregadores é o lock out, ou seja,

encerrar a empresa com efeitos relativamente aos trabalhadores, mas não há

qualquer impedimento quanto a fechar a empresa ao público; pelo que o

empregador pode, quando muito bem entender, fechar as portas da empresa

ao público, e, deste modo, impedir a entrada de estranhos na empresa.

Quanto aos piquetes de greve compostos por trabalhadores da empresa, o

problema é mais complicado. Se o empregador poderia, em condições

normais, impedir o acesso de trabalhadores da empresa a determinadas zonas

quando não estejam em efetividade de funções, também pode obstar a que

os trabalhadores grevistas que compõem o piquete de greve permaneçam

nesses locais da empresa. Mas se os trabalhadores têm livre acesso à cantina,

a uma sala de convívio, à sala de comissão de trabalhadores, etc., mesmo fora

do período normal de trabalho, parece que o empregador não pode vedar a

entrada do piquete de greve nesses locais. Deste modo, o piquete de greve,

composto por trabalhadores da empresa, pode realizar os seus objetivos nas

zonas de acesso livre. Põe-se seguidamente o problema de saber se o

empregador pode vedar a entrada do piquete de greve nos locais de trabalho.

O empregador, na sua função de direção da empresa, tem a possibilidade de

determinar e regulamentar o modo de funcionamento da mesma. Pode, por

isso, impedir que haja perturbações nos locais de trabalho, até por motivos

de segurança. Se há trabalhadores que não aderiram à greve, parece lícito que

o empregador possa impedir que os piquetes de greve permaneçam nos locais

de trabalho, persuadindo os trabalhadores não aderentes a aderirem à greve.

Deve, assim, partir-se do pressuposto de que os piquetes de greve,

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compostos por trabalhadores da empresa, podem atuar no interior desta, mas

dentro dos limites apresentados. Nomeadamente, é-lhe vedado prejudicar o

trabalho daqueles que não quiserem aderir à greve. Os piquetes de greve têm

por função persuadir os trabalhadores, potenciais grevistas, a aderirem a uma

greve. Justifica-se a existência dos piquetes de greve para esclarecer os

trabalhadores acerca das razões que presidiram à realização daquela greve.

No fundo, o esclarecimento serve para que os trabalhadores, potenciais

grevistas, saibam quais são os problemas inerentes às relações de trabalho e

quais as reivindicações apresentadas, podendo, depois, esclarecidos e de

forma livre, aderir ou não à greve. A atuação dos piquetes de greve, como

refere o artigo 533.º CT, tem de ser feita por meios pacíficos, não podendo

constituir uma forma de prejudicar a atuação dos trabalhadores não grevistas.

Mas mesmo quando não se chegue a situações extremas e ilícitas, verificadas

com alguma frequência, por exemplo, espancamento de trabalhadores não

grevistas, os piquetes de greve acabam sempre por exercer alguma coação

moral sobre os trabalhadores. Normalmente, o piquete de greve encontra-se

colocado na porte de entrada da empresa, de forma a poder controlar os

trabalhadores que não aderem à greve, tentando convencê-los a aderir,

invocando, muitas das vezes, razões de solidariedade profissional. Na prática,

os piquetes de greve acabam igualmente por ter como função identificar os

trabalhadores não grevistas. A função de persuasão dos piquetes de greve,

nem sempre se limita às formas pacíficas de mero esclarecimento. Não raras

vezes chega mesmo a haver coação moral. Sabendo-se que a adesão à greve

é uma declaração de vontade unilateral do trabalhador, cabe perguntar se,

havendo coação moral, ele não poderá recorrer, em determinadas

circunstâncias, às regras dos artigos 255.º e 256.º CC. Trata-se, no fundo, de

saber se um trabalhador que aderiu a uma greve, pode, em determinadas

circunstâncias, arguir a anulabilidade da sua declaração de vontade com

fundamento em coação moral. Estando preenchidos os pressupostos do

artigo 255.º CC, o trabalhador poderá pedir a anulabilidade da sua declaração,

nos termos do artigo 256.º CC. Trata-se, no fundo, de saber se um

trabalhador que aderiu a uma greve, pode, em determinadas circunstâncias,

arguir a anulabilidade da sua declaração de vontade com fundamento em

coação moral. Estando preenchidos os pressupostos do artigo 255.º CC, o

trabalhador poderá pedir a anulabilidade da sua declaração, nos termos do

artigo 256.º CC. A declaração negocial será anulável mesmo que a coação não

provenha do destinatário daquela. Neste caso, o destinatário da declaração é

o empregador, mas a coação não foi exercida por ele; aliás, o empregador,

por via de regra, não tem qualquer interesse nessa coação. A coação terá sido

exercida por terceiro (membros do piquete de greve), mas, nos termos do

artigo 256.º CC, não obsta à anulação o facto de a coação ter sido exercida

por outrem que não o destinatário da declaração negocial, desde que seja

grave o mal e justificado o receio da sua consumação. Se o trabalhador

conseguir anular a sua declaração de adesão à greve, a anulabilidade tem

efeitos retroativos (artigo 289.º CC), levando a que deixem de se produzir os

efeitos emergentes daquela adesão, designadamente o não pagamento da

retribuição. O trabalhador, em tal caso, será considerado, para todos os

efeitos, como não grevista. Admitindo-se esta solução, ao empregador

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caberia demandar os elementos que compunham o piquete de greve e a

associação sindical que o organizou, com base em responsabilidade civil. A

única função que o artigo 533.º CT estabelece em relação aos piquetes de

greve é a de persuadir os trabalhadores a aderirem à greve. Resta averiguar se,

perante a omissão da lei, os piquetes de greve não poderão ser incumbidos

de outras funções. Discute-se se os piquetes têm uma função de fiscalização

da greve. Tal função não lhes foi atribuída pelo legislador. Porém, os piquetes

de greve são, frequentemente, constituídos por trabalhadores que, para além

disso, também são cidadãos e qualquer cidadão tem a possibilidade (e o dever)

de denunciar violações da lei. Daí que denunciar as violações praticadas pelo

empregador no período de greve não seja uma incumbência específica do

piquete de greve, tratando-se apenas de uma faculdade de qualquer cidadão.

A atividade de fiscalização deve, deste modo, considerar-se ilícita. Existem

outras atividades exercidas normalmente pelos piquetes de greve que devem

ser consideradas ilícitas, nomeadamente situações em que os piquetes de

greve procedem ao bloqueio dos acessos às empresas, ou seja, aos locais de

trabalho. A atuação ilícita dos piquetes de greve do género das descritas leva

à aplicação das regras de responsabilidade civil (artigos 483.º e seguintes CC),

para além da responsabilidade penal que daí possa advir. Em tais casos, a

responsabilidade não é coletiva, devendo ser responsabilizados

individualmente cada um dos sujeitos que integram o piquete de greve. Caso

o piquete de greve tenha sido organizado por uma associação sindical, o

empregador poderá eventualmente também demandar o sindicato com base

em responsabilidade do comitente, nos termos do artigo 500.º CC. Caso se

admita que o piquete de greve funciona como uma entidade organizada pelo

sindicato e age dentro de competências que lhe foram atribuídas por este,

então, para além da responsabilidade individual dos membros do piquete de

greve, pode responsabilizar-se quem o organizou, ou seja, o sindicato, como

comitente.

8. Efeitos da greve:

a. Suspensão dos efeitos principais do contrato: nos termos do artigo 536.º,

n.º1 CT, em relação aos trabalhadores que tenham aderido à greve verifica-

se a suspensão das relações laborais; isto é, as obrigações emergentes do

contrato de trabalho ficam suspensas. No mesmo preceito exemplifica-se,

determinando que ficam suspensos o direito à retribuição e os deveres de

subordinação e de assiduidade. Apesar de os exemplos serem apresentados

tendo em conta a posição jurídica do trabalhador, como o contrato de

trabalho é sinalagmático, os correspondentes direitos e deveres do

empregador também se suspendem. Perante a adesão a uma greve tem sido

debatida a questão de saber como se explica a manutenção do contrato de

trabalho. Quando se considerava que a greve era ilícita, se o trabalhador

aderisse a uma greve haveria tão-só um incumprimento do contrato de

trabalho e, como tal, sujeitava-se às consequências do incumprimento desse

mesmo contrato, mormente à resolução (despedimento). Deixando de se

considerar a greve como um facto ilícito surgem várias explicações para

admitir que uma das partes, apesar de estar em greve, mesmo assim, não se

encontre numa situação de incumprimento do contrato de trabalho. Mas,

parece preferível, e é a ideia hoje predominante, que o contrato de trabalho

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se mantém, só ficando suspensos alguns dos seus efeitos. Concretamente,

ficam suspensos os efeitos principais do contrato, como se deduz do n.º1 do

artigo 536.º CT. Haverá outros efeitos do contrato, que subsistem mesmo

durante o período de greve. Em primeiro lugar, a greve pressupõe a

abstenção do trabalho e, portanto, um dos efeitos principais do contrato de

trabalho, que é a prestação de uma atividade, deixa de ser devida. O

trabalhador, durante a greve, não fica vinculado à realização de uma atividade,

exceto se tiver de cumprir serviços mínimos. E, como não realiza a atividade,

o trabalhador fica também desvinculado dos deveres de assiduidade e de

subordinação. Dito de outro modo, o trabalhador, durante o período de

greve, deixa de estar sujeito aos deveres que constam das alíneas b) e c) do

n.º1 do artigo 128.º CT. Tendo em conta o elenco de deveres do trabalhador

constante do artigo 128.º, n.º1 CT, importa averiguar quais deles se devem

manter durante o período de greve. O trabalhador que aderiu à greve deixa

de estar adstrito a promover ou a executar atos tendentes à melhoria da

produtividade da empresa (artigo 128.º, n.º1, alínea h) CT), apesar de o artigo

536.º CT não o dizer. Os restantes deveres constantes do artigo 128.º, n.º1

CT parece que se deverão manter, não se justificando a sua suspensão

durante a greve. Para além destes deveres poderia ainda justificar-se,

eventualmente, a subsistência de outros deveres acessórios que existem numa

relação laboral. Na eventualidade de o trabalhador, durante o período de

greve, violar qualquer dos deveres indicados ou outros deveres acessórios,

haverá um incumprimento que permite ao empregador agir, designadamente

por via de um processo disciplinar. No polo oposto, o empregador não fica

vinculado ao dever de pagar a retribuição ao trabalhador em greve (artigo

536.º, n.º1 CT). A obrigação principal do empregador, que é o pagamento do

salário, não se mantém relativamente a trabalhadores grevistas, os quais

perdem o direito à remuneração na proporção em que a atividade não tenha

sido exercida. Ou seja, o empregador deixará de pagar a retribuição

correspondente ao tempo em que o trabalhador esteve em greve. Esta perda

de retribuição tem sido entendida como afetando tão-só a retribuição daquele

mês, sem quaisquer repercussões nas restantes retribuições, designadamente

não acarretando redução nos subsídios de Natal e de férias, que se mantêm

por inteiro. Relativamente aos complementos retributivos, a redução terá de

ser vista em função da situação concreta, tendo em conta se esse

complemento salarial está ou não relacionado com a atividade. As formas de

retribuição indireta que o empregador fornece ao trabalhador de molde a

facilitar o exercício da sua atividade não serão devidas se ele, por estar em

greve, não prestar essa atividade. Há, todavia, certos complementos da

retribuição que não se justifica a sua redução em caso de greve. A suspensão

do dever de retribuir o trabalhador não implica que não subsistam outros

deveres do empregador durante o período de greve. Com base no disposto

no artigo 127.º, n.º1 CT, importa verificar se no elenco de deveres da entidade

patronal de justifica a manutenção de alguns deles numa situação de greve.

Parece poder concluir-se que o empregador, em relação ao trabalhador

grevista, e durante a paralisação, deixa de estar obrigado a pagar-lhe a

retribuição (artigo 127.º, n.º1, alínea b) CT), a proporcionar-lhe boas

condições de trabalho (artigo 127.º, n.º1, alínea c) CT) e a contribuir para a

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elevação do seu nível de produtividade, nomeadamente dando-lhe formação

profissional (artigo 127.º, n.º1, alínea d) CT). Mas, em contrapartida, manter-

se-ão os deveres do empregador de tratar e respeitar o trabalhador com

urbanidade e probidade (artigo 127.º, n.º1, alínea a) CT), de indemniza-lo

relativamente a prejuízos resultantes de acidentes de trabalho e doenças

profissionais (artigo 127.º, n.º1, alínea g) e artigo 536.º, n.º2 CT) e de facilitar-

lhe o exercício de cargos que exerce em entidades relacionadas com a

atividade laboral (artigo 127.º, n.º1, alínea f) CT). Importa esclarecer que o

mencionado dever de indemnizar o trabalhador previsto no artigo 536.º, n.º2

CT relaciona-se com os acidentes de trabalho ou doenças profissionais que

ocorreram ou foram contraídas em tempo de trabalho e não ocasionados

durante a greve. Quanto aos acidentes de trabalho que tenham lugar durante

a greve em relação aos trabalhadores que a ela aderiram não há

responsabilidade do empregador. Concluindo, pode dizer-se que os deveres

do empregador, constantes do artigo 127.º, n.º1 CT, manter-se-ão desde que

não se relacionem com a prestação da atividade naquele momento. Para além

disso, podem ainda subsistir deveres que advêm de regras de boa fé, no fundo,

deveres acessórios da relação laboral que impendem sobre o empregador,

independentemente de o trabalhador ter aderido à greve. Tendo em conta

que, da parte do trabalhador em greve, subsistem certos deveres,

designadamente deveres acessórios, é de concluir que, mesmo durante a

greve, se mantém, relativamente ao empregador, o poder de disciplinar no

que respeita às violações desses deveres. O mesmo se passa relativamente ao

poder de direção; na medida em que subsistam deveres do trabalhador,

também se mantém o correspondente poder de direção do empregador.

Resta referir que a suspensão do contrato de trabalho durante a greve não

prejudica a antiguidade do trabalhador e os efeitos dela decorrentes, como

estabelece o artigo 536.º, n.º3 CT.

b. Dever de não substituição dos trabalhadores grevistas: para impedir o

sucesso de uma greve, o empregador poderia contratar a termo pessoas que

estivessem desempregadas, com vista à substituição dos trabalhadores

grevistas. Com base no aviso prévio o empregador é informado da existência

da greve com alguma antecedência e avalia a probabilidade de os

trabalhadores a ela aderirem; em função disso, poderia contratar a termo

desempregados, para ocuparem, durante o período de greve, o posto de

trabalho dos grevistas. Esta possibilidade foi inviabilizada no nosso

ordenamento jurídico na medida em que o artigo 535.º CT impede que sejam

substituídos os trabalhadores grevistas por pessoas que não trabalhavam no

estabelecimento ou serviço onde foi declarada a greve, mas interessa fazer

algumas explicações. A proibição de celebrar novos contratos de trabalho

relativamente àquele estabelecimento ou serviço, que não foi consagrada em

muitos sistemas jurídicos, não visa só a defesa do direito dos trabalhadores

em greve, de molde a não serem os seus postos de trabalho ocupados por

outrem. Esta limitação também tem em vista proteger a própria empresa, os

eventuais trabalhadores contratados a termo, bem como o público em geral.

De facto, caso se admitisse a substituição de trabalhadores grevistas por

pessoas estranhas à empresa, tal permuta seria, em primeiro lugar, fonte de

conflitos, possibilitando a existência de confrontos entre os trabalhadores

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grevistas e aqueles outros que fossem contratados especialmente para os

substituir. Conflitos esses bem conhecidos historicamente, em particular

noutros países. Além disso, os trabalhadores contratados para substituir os

grevistas, em princípio, não teriam a necessária experiência, sobretudo

quando se tratasse de funções relativamente às quais fosse imprescindível

uma determinada preparação técnica, sendo muitas das vezes difícil encontrar

rapidamente trabalhadores desempregados com a preparação técnica

adequada para assegurar a normal prossecução das atividades em causa.

Nestes termos, tal substituição poderia acarretar prejuízos ao próprio

empregador, pois o funcionamento da empresa não seria idêntico e, além

disso, constituiria uma eventual fonte de prejuízos para os próprios

trabalhadores contratados a termo, designadamente por facilitar acidentes de

trabalho, dado que eles não teriam a preparação técnica adequada para

desempenhar a atividade, podendo também prejudicar terceiros,

particularmente o público consumidor. Noutro plano, importa esclarecer que

esta limitação respeita só ao âmbito da greve, pelo que nada impede que o

empregador contrate novos trabalhadores para um estabelecimento ou

secção da empresa onde não há greve, desde que por via desta contratação

não se viabilize a substituição dos trabalhadores grevistas. Mas a regra

constante do artigo 535.º CT não proíbe que o empregador faça adaptações

na própria empresa, permitindo-lhe que mude trabalhadores de atividade e

de local dentro do próprio estabelecimento ou setor da empresa. Perante uma

determinada situação de greve, tendo em conta o número de trabalhadores

não grevistas, o empregador pode utilizá-los noutra atividade, determinando

o exercício de funções idênticas (artigo 118.º CT) ou recorrendo ao ius variandi

(artigo 120º. CT). É necessário que essa atuação do empregador esteja no

âmbito do poder de direção e caiba na atividade devida – contratada ou afim

– (artigo 118.º, n.º1 e 2 CT) ou no ius variandi (artigo 120.º CT); deste modo,

relativamente a um trabalhador que desempenha determinada atividade, o

empregador, como ele não aderiu à greve, pode coloca-lo a realizar outra

atividade diversa da habitual, desde que este trabalhador não grevista tenha a

preparação técnica adequada para o exercício daquela atividade e a mudança

se inclua na atividade devida ou não implique uma alteração substancial da

sua posição. Esta adaptação depende, por conseguinte, da inclusão na

atividade contratada no sentido amplo do artigo 118.º, n.º2 CT, ou do

preenchimento dos pressupostos do ius variandi. Assim, se numa secção todos

os trabalhadores fizeram greve e noutra nenhuma a ela aderiu, o empregador

poderá deslocar alguns trabalhadores desta última secção para a primeira, de

modo a que esta possa funcionar. Mas a mencionada adaptação tem limites.

O empregador não pode deslocar trabalhadores de uma empresa para outra,

nem sequer, dentro da mesma empresa, pode afetar trabalhadores de um

estabelecimento ou serviço a realizarem a atividade de outro estabelecimento

ou serviço. A dificuldade pode estar em determinar quando é que, numa

empresa, as unidades constituem estabelecimentos ou serviços diferentes; é

de pressupor que isso só ocorra se, pelo menos, existir uma autonomia

económica e administrativa entre eles. Estes limites não podem constituir

entrave a que, não existindo diferenciação de estabelecimento, o empregador

recorra à modalidade geográfica. Além disso, o artigo 535.º CT não obsta à

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contratação de serviços alternativos. O que o artigo 535.º CT proíbe é a

substituição de trabalhadores grevistas mediante a celebração de contratos de

trabalho. Mas importa explicar a regra constante do n.º2 do artigo 535.º CT.

A norma incluída no n.º2 do citado preceito tem em vista evitar que a

previsão do n.º1 seja defraudada por via indireta. Assim, o resultado da

atividade pode ser substituído em caso de greve. Ou seja, não seria permitida

a substituição na efetiva atividade desempenhada pelo trabalhador grevista,

mas seria lícita a substituição quanto ao resultado da sua prestação. O limite

constante do mencionado n.º2 deixa de ser atendido em caso de

incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação das

necessidades sociais impreteríveis ou à segurança e manutenção de

equipamento e instalações e na estrita medida necessária à prestação desses

serviços. Pelo que, verificada qualquer das situações previstas nesta norma,

os trabalhadores grevistas podem ser substituídos, mesmo do desempenho

da sua tarefa, pelo serviço prestado por uma empresa especialmente

contratada para esse fim. Não há qualquer impedimento quanto a contratar

empresas para realizar a mesma tarefa que os trabalhadores grevistas

desempenhavam. É até frequente e vantajoso para o público utente. Nos

termos do artigo 535.º CT podem ajustar-se contratos de prestação de serviço,

mas não contratos de trabalho. O problema pode residir na difícil delimitação

e distinção entre contratos de prestação de serviço e de trabalho.

c. Dever de retribuir os trabalhadores não aderentes à greve: durante uma

greve pode haver trabalhadores que a ela não aderiram e se apresentam a

trabalhar, permitindo que a empresa continue a laborar, mesmo que a menor

ritmo. Porém, pode acontecer que, como consequência da greve, a falta de

alguns trabalhadores impeça completamente a laboração na empresa e, nesse

caso, os não grevistas estão materialmente impedidos de realizar qualquer

tarefa. Põe-se, então, o problema de saber se, quando a atividade dos não

grevistas deixa de poder der realizada, se justifica que continuem a receber a

retribuição; de facto, eles apresentam-se para trabalhar mas não realizam

qualquer atividade, porque é impossível o desempenho da prestação laboral.

Em tal hipótese, há uma impossibilidade objetiva de realização da prestação.

Os trabalhadores que não aderiram à greve, estando na sua disponibilidade

de realizar a sua atividade, têm direito a receber a retribuição, pois o

empregador suporta o risco contratual, devendo pagar a remuneração, desde

que o trabalhador esteja na disponibilidade de efetuar a tarefa. Dito de outra

forma, o dever de pagar a retribuição não é devido pela tarefa exercida, mas

pela disponibilidade de a realizar. Esta asserção não é, contudo, totalmente

certa. Apesar de no contrato de trabalho não haver uma obrigação de

resultado, nem sempre a mera disponibilidade do trabalhador implica a

obrigação de pagar a retribuição. A justificação do dever de pagar a

retribuição aos trabalhadores não grevistas não pode ser explicada sem

atender a algumas exceções à regra de que o risco contratual é suportado pelo

empregador, principalmente tendo em conta o regime do lay off (artigo 298.º

e seguintes CT). Como resulta do regime da suspensão do contrato, na

relação laboral, nem sempre o empregador suporta o risco, pelo menos na

sua totalidade. Quando uma empresa não pode laboral em razão do número

de trabalhadores que aderiram à greve e estando outros trabalhadores

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dispostos a trabalhar, o empregador pode não lhes dar trabalho, porque há

uma impossibilidade, objetivamente determinada, de estes prestarem a

atividade. Em tal caso, não se pode aceitar que haja uma transferência do

risco, nos termos do artigo 815.º CC, pois, apesar de o trabalhador não

grevista estar disposto a trabalhar, se o empregador não aceitar a prestação,

não há uma transferência do risco nos termos do artigo 815.º CC, porque,

nesta hipótese, o empregador não se pode qualificar como credor em mora,

que passa a suportar o risco e, nessa medida, devendo pagar a retribuição aos

trabalhadores. Na realidade, não há uma transferência do risco, porque o

empregador não aceita a prestação de trabalho por haver uma

impossibilidade de a receber e o artigo 815.º CC só se aplica na eventualidade

de o credor sem motivo justificado não aceitar a prestação (artigo 813.º CC).

Neste caso, o empregador tem um motivo justificado – a empresa não pode

laborar por razões objetivas (greve) – não se verificando, por isso, a previsão

do artigo 813.º CC, isto é, não existe mora do credor (empregador). Esta

situação enquadra-se numa hipótese de impossibilidade de cumprimento não

imputável a qualquer das partes; trata-se de uma impossibilidade não

imputável, mas depende de fatores que dizem respeito ao empregador. O

empregador suspende a laboração na empresa, pois, perante aquela greve,

considera que não há condições para laborar; portanto, os fatores que

determinam a impossibilidade não se baseiam na culpa do empresário, mas

estão na esfera de influência, ou seja, dizem respeito ao empregador. Há, por

isso, similitudes com a figura da suspensão do contrato de trabalho do lay off,

mais concretamente com a figura da suspensão do contrato de trabalho por

facto respeitante ao empregador. Como dispõe o artigo 298.º, n.º1 CT, o

empregador pode recorrer à suspensão dos contratos de trabalho em quatro

hipóteses:

i. Razões conjunturais de mercado;

ii. Motivos económicos e tecnológicos;

iii. Catástrofes;

iv. Outras ocorrências que tenham gravemente afetado a atividade normal da empresa.

A greve poder-se-ia incluir nesta última, pois ela pode afetar gravemente a

atividade normal da empresa. Caso se enquadrasse a greve na última das

hipóteses previstas no artigo 298.º, n.º1 CT, então o empregador, justificando

que a empresa não estava em condições de laborar normalmente, poderia

recorrer à suspensão do contrato de trabalho, reduzindo a contraprestação a

pagar aos trabalhadores não grevistas, nos termos do artigo 305.º, n.º1, alínea

a) CT, preceito que permite reduzir a retribuição acordada ao montante do

salário mínimo estabelecido para aquele setor. Não obstante subsistir o

pressuposto de que o risco na relação de trabalho é suportado pelo

empregador, em caso de suspensão do contrato (artigos 298.º e seguintes CT)

admite-se uma atenuação desse risco, possibilitando a redução da retribuição.

Cabe perguntar se uma situação de greve se pode enquadrar no regime da

suspensão do contrato de trabalho, designado lay off. Apesar do disposto no

artigo 298.º, n.º1 CT, não parece que a greve se possa incluir na parte da

norma que alude às outras ocorrências que tenham afetado gravemente a

atividade normal da empresa. Em primeiro lugar, na formulação ampla do

n.º1 do artigo 298.º CT, não se pode incluir a greve entre as causas que

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permitem o recurso à figura do lay off. Subjacente à suspensão do contrato de

trabalho, parecem estar as ocorrências que tenham afetado gravemente a

atividade normal, prejudicando o funcionamento da empresa com

continuidade. A suspensão do contrato de trabalho justifica-se dentro de uma

lógica de perturbações que se protelam no tempo e, em princípio, não é isso

que ocorre com a greve. A greve, normalmente, não ocasiona perturbações

que se protelam no tempo; pressuposto em que assenta a suspensão do

contrato de trabalho, relativamente moroso, com alguns entraves

burocráticos, sendo difícil recorrer a esse processo em caso de alguns

entraves na empresa, principalmente atento o curto período de aviso prévio

(artigo 534.º CT). Não parece que o regime do lay off vise aplicar-se a situações

esporádicas como a greve. Como o regime da suspensão do contrato de

trabalho constitui uma exceção à assunção do risco por parte do empregador,

admitindo uma redução do salário, e não sendo de incluir a greve nas

hipóteses previstas no artigo 298.º, n.º1 CT, deve concluir-se que o

empregador assume, na totalidade, o risco da retribuição dos trabalhadores

não grevistas, os quais deverá receber os seus ordenados por inteiro. Todavia,

não havendo laboração, a contrapartida usualmente percebida pelos

trabalhadores não grevistas pode sofrer um decréscimo quando, em parte, a

retribuição esteja relacionada com a produtividade, que será reduzida ou nula

durante o período de greve.

d. Serviços mínimos:

i. Razão de ser: em relação às empresas que se destinem à satisfação de

necessidades sociais impreteríveis deve ser assegurada a prestação de

serviços mínimos (artigo 537.º, n.º1 CT), o mesmo ocorrendo, em

qualquer empresa, no que respeita aos serviços essenciais para

segurança e manutenção do equipamento e instalações (artigo 537.º,

n.º3 CT). O estabelecimento de serviços mínimos tem levantado

vários problemas. Em primeiro lugar, aquando da aprovação da lei da

greve original (1977) e, depois, com a revisão em 1992 e o

alargamento dos serviços mínimos, levantou-se o problema da

constitucionalidade dos mesmos. Alguma doutrina considerava

inconstitucional impor serviços mínimos em determinadas empresas,

porque isso violaria o artigo 57.º, n.º2 CRP. Esta tomada de posição

baseava-se no facto de os serviços mínimos implicarem limites ao

âmbito da greve, coartando os direitos dos trabalhadores no exercício

do seu direito de greve e, nessa medida, haveria uma

inconstitucionalidade. A opinião dominante, aceite pelo Tribunal

Constitucional e reiterada na revisão constitucional de 1997 ao incluir

o n.º3 no artigo 57.º CRP, não corrobora a opinião de

inconstitucionalidade, essencialmente com base no argumento de se

justificar a imposição de serviços mínimos, porque a greve não é um

direito absoluto e o seu exercício deve ser conjugado com o de outros

direitos, também consagrados na Constituição. Concretamente, do

conflito entre o exercício do direito de greve e a satisfação de

necessidades essenciais de uma comunidade, prevalece este último

direito, admitindo-se, por isso, limites àquele exercício.

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ii. Fixação: tendo em conta o disposto no artigo 537.º, n.º1 CT importa,

primeiro, determinar quais as empresas que prestam atividade com

vista à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; sendo este um

conceito indeterminado importa concretizá-lo, explicitando-o. O

legislador, no artigo 537.º, n.º2 CT, exemplifica alguns dos setores

onde considera que existam empresas prestando serviços para a

satisfação de necessidades sociais impreteríveis. O caráter não

taxativo da enumeração significa que, nos vários setores indicados,

nem todas as empresas prestam serviços ou fornecem bens que se

destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Admite-

se que nesses setores, por vezes, haja empresas que não têm por

finalidade a satisfação de tais necessidades. Por outro lado, não sendo

a indicação taxativa, leva a que se possa admitir a existência de outros

setores, não indicados no elenco do artigo 537.º, n.º2 CT,

relativamente aos quais seja justificável o estabelecimento de serviços

mínimos. Tendo-se mantido, quase inalterado, o elenco

exemplificativo dos setores em que as empresas desenvolvem

atividades que se destinam à satisfação de necessidades sociais

impreteríveis, continua a não se estabelecer uma total identificação

entre estes setores e aqueles que podem ser objeto de requisição civil

(artigo 3.º Decreto-Lei n.º 637/74, 20 novembro). Com os serviços

mínimos não se pretende assegurar, em princípio, a regularidade da

atividade, mas tão-só as necessidades essenciais. É normalmente

polémica a determinação de quais sejam as necessidades essenciais

que têm de ser garantidas ao público. Há casos que não suscitam

grandes dúvidas; mas, por vezes, torna-se extremamente difícil

determinar quais os serviços mínimos que devem ser assegurados e,

em certos casos, a prestação dos serviços mínimos implica que se

assegure a atividade na sua totalidade. Por outro lado, a determinação

do que sejam necessidades essenciais é, sem dúvida, complexo e

depende de pressupostos subjetivos; levantam-se, por conseguinte,

dúvidas relativamente a saber que serviços mínimos estabelecer e

quantos trabalhadores têm de laborar para assegurar os ditos serviços

de molde a manter o nível imposto. Daí a existência de uma certa

margem de casuísmo na determinação dos serviços mínimos, que

conduz, naturalmente, a polémicas e a uma frequente falta de

consenso na sua determinação perante casos concretos. Mas o

casuísmo é indispensável já que, em termos abstratos, dificilmente se

pode determinar quais os serviços mínimos para todos os setores que

se encontram indicados no artigo 537.º, n.º2 CT. Por isso, a expressão

serviços mínimos, constante do artigo 537.º, n.º1 CT, corresponde a um

conceito indeterminado, que carece de concretização perante cada

situação real. Essa concretização é feita em dois planos:

1. Na determinação de indispensabilidade do serviço;

2. Na fixação do montante de serviços mínimos.

O princípio geral é o de a definição dos serviços mínimos depender

de acordo; acordo esse que pode ser geral, para a eventualidade de

uma hipotética greve, previsto em instrumento de regulamentação

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coletiva de trabalho, ou um acordo específico, negociado entre os

representantes dos trabalhadores e a empresa perante o conflito de

interesses (n.º1). O referido acordo poderá ter tido por base a

proposta constante do aviso prévio, a que alude o n.º3 do artigo 534.º

CT. Na negociação de serviços mínimos deve ter-se em conta quais

as soluções em anteriores greves e, tendo sido fixados em arbitragem

para duas greves anteriores de igual conteúdo devem manter-se para

a paralisação seguinte (artigo 538.º, n.º3 CT). Não havendo acordo,

previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou

anterior ao aviso prévio, o representante governamental com

competência na área convoca os representantes dos trabalhadores e

dos empregadores para negociarem um acordo quanto aos serviços

mínimos até ao termo do terceiro dia subsequente ao aviso prévio

(artigo 538.º, n.º2 CT). Não tendo sido possível chegar a acordo, a

definição dos serviços mínimos é feita em despacho conjunto dos

ministros responsáveis pela área laboral e pelo setor de atividade onde

vai ser desencadeada a greve (artigo 538.º, n.º4, alínea a) CT),

devendo nessa definição ser respeitados os princípios da necessidade,

da adequação e da proporcionalidade (n.º5 do mesmo preceito).

Tratando-se de greve em serviço da administração direta ou indireta

do Estado, de serviço de autarquia local ou em empresa incluída no

setor empresarial do Estado, estabelece-se um regime excecional

(artigo 538.º, n.º4, alínea b) CT). Todavia, esta norma, tal como

definida na revisão de 2009, veio a ser alterada com eficácia retroativa

pela Lei n.º 105/2009, restringindo a sua aplicação ao setor

empresarial do Estado. Na falta de acordo, não pareceria adequado

que fosse o Governo, através de dois dos seus ministros, a fixar os

serviços mínimos, pelo que essa definição caberá a um tribunal

arbitral, nos termos constantes do n.º6. A regulamentação desse

tribunal arbitral consta da Lei n.º259/2009, onde se indica,

nomeadamente, o modo de designação de árbitros e o

funcionamento da arbitragem. Definidos os serviços mínimos, por

acordo, por despacho ministerial ou por decisão arbitral, devem os

representantes dos trabalhadores designar aqueles que ficam adstritos

à prestação dos serviços mínimos com, pelo menos, vinte e quarto

horas de antecedência relativamente ao início da greve (n.º7, 1.ª parte

do artigo 538.º CT). Fica, deste modo, resolvida uma dúvida quanto

à indicação dos trabalhadores vinculados a cumprir serviços mínimos;

um trabalhador, ainda que não sindicalizado, se adere a uma greve,

deve cumprir o serviço mínimo para que foi designado pelo seu

representante (normalmente, a associação sindical que declarou a

greve). Contudo, se os representantes dos trabalhadores (por via de

regra o sindicato que declarou a greve) não designarem, nas vinte e

quatro horas anteriores ao início da greve, os trabalhadores adstritos

à prestação de serviços mínimos, cabe ao empregador proceder a essa

designação (n.º7, in fine). Deste modo, ultrapassa-se o obstáculo a

que conduzia determinada interpretação da lei da greve. As

considerações anteriormente tecidas em relação aos serviços

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mínimos valem igualmente no que respeita aos serviços necessários à

segurança e manutenção do equipamento e instalações, como resulta

da remissão constante da 1.ª parte do n.º1 do artigo 538.º CT. Da

letra do preceito (n.º2), ao falar-se em serviços mínimos previstos no

n.º1 do artigo anterior, poder-se-ia concluir que o regime enunciado

nos n.º2 e seguintes do artigo 538.º CT não se aplicaria em caso de

serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e

instalações (n.º3 do artigo 537.º CT), mas não há motivo para tal

restrição, podendo afirmar-se que, atendendo ao elemento

sistemático da interpretação, o regime valerá para qualquer tipo de

serviço mínimo.

iii. Requisição civil: o não cumprimento dos serviços mínimos permite ao

Governo recorrer à requisição civil. A requisição civil vem prevista

no artigo 541.º, n.º3 CT, e encontra-se regulada no Decreto-Lei n.º

637/74, 20 novembro. A constitucionalidade da requisição civil

continua a ser bastante discutida, mas a polémica está hoje, em parte,

ultrapassada. A requisição civil justifica-se na medida em que o

estabelecimento de serviços mínimos também é constitucional; ou

seja, para assegurar os serviços mínimos, de indiscutível

constitucionalidade (artigo 57.º, n.º3 CRP), pode recorrer-se à

requisição civil. A requisição civil é um ato administrativo emanado

do Conselho de Ministros, mediante uma portaria conjunta dos

ministros com pelouro na matéria, sendo normalmente um deles o

Ministro do Trabalho. Como ato administrativo, a requisição civil

pode ser impugnada contenciosamente. Ainda que a requisição civil

se relacione com o incumprimento de serviços mínimos em caso de

greve, tal como a figura se apresente no diploma de 1974,

nomeadamente no artigo 1.º, tem um âmbito de aplicação mais vasto.

Com efeito, a requisição civil pode ser determinada ainda que não

exista greve, bastando a verificação de circunstâncias particularmente

graves e que seja necessário assegurar o funcionamento de serviços

essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia

nacional. Pode, pois, concluir-se que há uma requisição civil genérica

e outra específica, esta última para o caso de incumprimento de

serviços mínimos. Apesar de, para assegurar os serviços mínimos, se

pressupor a execução de prestações do contrato de trabalho, o

incumprimento do dever de prestar serviços mínimos não

corresponde a uma forma de violação do contrato de trabalho. Se

determinado trabalhador foi escalonado para a realização de serviços

mínimos e não comparece, o empregador não pode mover um

processo disciplinar, porque, estando o trabalhador em greve, não

tinha de trabalhador. Em tal caso, admite-se uma intervenção pública,

a nível administrativo (a requisição civil), mas não no plano da relação

privada de trabalho.

iv. Situação jurídica do trabalhador grevista que cumpre serviços mínimos: em

relação aos trabalhadores que prestem serviços mínimos, não

obstante estarem em greve, não veem o seu contrato suspenso nos

mesmos moldes dos restantes grevistas. Os trabalhadores que

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aderirem à greve, mas que prestam trabalho para assegurar os serviços

mínimos ou serviços de segurança e manutenção, mantêm a sua

situação laboral, designadamente ficam sujeitos ao poder de direção

do empregador e têm direito ao salário correspondente ao trabalho

efetuado para assegurar os serviços mínimos. Os serviços mínimos

ou serviços de segurança e manutenção serão retribuídos como se de

laboração normal se tratasse (artigo 537.º, n.º4 CT). Seria dificilmente

sustentável que na execução de serviços mínimos os trabalhadores

não cumprissem ordens do empregador – circunscritas ao contexto

desses serviços – e atuassem por sua conta ou sob ordens do

sindicato que declarou a greve ou da comissão de greve. Nem o

sindicato nem a comissão de greve têm poder de direção sobre os

trabalhadores mesmo durante a greve, e não têm competência,

nomeadamente técnica, para determinar quanto ao modo de

exercício de tarefas. Por outro lado, admitir que durante a greve as

ordens quanto ao modo de realizar a prestação laboral seriam dadas

pelo sindicato ou pela comissão de greve pressuporia uma

intromissão na vida empresarial inadequada ao princípio de liberdade

de iniciativa privada. Em suma, os trabalhadores grevistas, enquando

desempenham serviços mínimos, só se consideram em greve para

efeitos estatísticos, pois incluem-se no número dos que aderiram à

greve, mas a relação laboral no que respeita à estrita execução dos

serviços mínimos mantêm-se. As duvidas que existiam com base na

Lei da Greve, ficaram solucionadas no artigo 537.º, n.º4 CT. Tendo

em conta a omissão da legislação anterior, havia quem considerasse

que o trabalhador, ao cumprir serviços mínimos, não se encontrava a

executar o contrato de trabalho, mas no Código do Trabalho

prevaleceu a posição contrária, no sentido de se manter a relação

laboral, ficando o trabalhador grevista, que cumpre serviços mínimos,

na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e

direção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.

e. Consequências nas relações do empregador com terceiros: a greve

numa empresa pode implicar consequências nas relações jurídicas que o

empregador tenha com outros sujeitos que não os trabalhadores, como seja

contratos de fornecimento de bens. A existência de greve frequentemente

afeta o cumprimento pontual dos contratos a que a empresa se vinculou com

os seus clientes e importa determinar como deve ser resolvida a questão do

inadimplemento desses contratos, ou seja, em que medida o empregador

pode ser responsabilizado por esse incumprimento. Trata-se de averiguar se

há responsabilidade contratual do empregador pelo incumprimento desses

contratos, sabendo que tal inadimplemento se ficou a dever a uma atuação

de terceiros, isto é a uma situação de greve. O empregador não cumpre o

contrato porque terceiros – os trabalhadores – fizeram greve e, por isso, as

mercadorias não estavam prontas a tempo para serem entregues. Em

princípio, a culpa, apesar de presumida (artigo 799.º, n.º1 CC), é um dos

pressupostos da responsabilidade contratual; assim, se o empregador não

entrega a mercadoria na data acordada, presume-se que teve culpa e, como

tal, tem de indemnizar o cliente. Poder-se-ia questionar se, neste caso,

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deixaria de haver responsabilidade contratual, tendo em conta que se estaria

perante uma situação de impossibilidade não culposa, prevista nos artigos

790.º e seguintes CC, pois, são terceiros que, ao realizarem a greve, obstam

ao cumprimento da relação contratual. Estar-se-ia perante uma causa não

imputável ao devedor (empregador), mas sim a terceiros, excluindo-se a

responsabilidade. Esta não parece ser uma solução aceitável. Não se pode

perentoriamente afirmar que a greve constitui uma causa de exclusão da culpa

relativamente ao empregador em caso de incumprimento dos contratos por

ele celebrados. Quando o artigo 790.º, n.º1 CC fala em causa não imputável

ao devedor, pressupõe-se que o fundamento desse incumprimento não

estava na esfera jurídica deste; ou seja, que estava fora do seu controlo de

atuação. Causa não imputável é a que não se encontra na esfera de influência

do devedor, e não se pode concluir que a greve esteja sempre fora do controlo

de atuação do empregador. Ainda que a greve seja ilícita, com a consequente

responsabilidade de trabalhadores grevistas e sindicatos que a tenham

declarado, a responsabilidade por incumprimento dos contratos com clientes

da empresa dificilmente seria excluída, atenta a responsabilidade objetiva

estabelecida no artigo 800.º CC, em sede de incumprimento contratual. A

greve justifica-se na medida em que haja reivindicação dos trabalhadores que

poderiam ter sido satisfeitas pelo empregador; mesmo que as reclamações

não fossem razoáveis, o empregador tinha a possibilidade de evitar a greve.

Por isso, nas greves não laborais é justo que o empregador não suporte o

respetivo risco. Além disso, também é preciso ter em conta que o empregador,

sendo o gestor da sua empresa, tem de prever as consequências da sua

administração e, na iminência de uma greve, deve ponderar as vantagens e os

inconvenientes da sua postura, nomeadamente nas relações jurídicas com

terceiros. Assim, na medida em que se preveja uma situação de greve, perante

os contratos em vigor, o empregador terá de ponderar se se justifica manter

a sua posição inflexível ou se, pelo contrário, é preferível ceder. Tendo isto

em conta, muitas das vezes, as greves são marcadas para datas importantes

na entrega de mercadorias, altura em que causam maior prejuízo ao

empregador. O risco empresarial abrange situações com os trabalhadores e

com outros sujeitos, terceiros em relação à empresa, pelo que o empregador

tem de ponderar as consequências que da greve advenham nessas relações

contratuais com terceiros. Quando se fala em risco empresarial não é no

mesmo sentido de risco contratual, estudado em Direito das Obrigações,

mais propriamente, o risco empresarial não é uma forma de repartição do

risco no contrato. A expressão risco empresarial não tem uma verdadeira

conotação jurídica e coloca-se a questão de saber se, nos contratos celebrados

com clientes da empresa, pode haver uma repartição do risco contratual. Dito

de outro modo, importa determinar se nos contratos que o empregador

ajustou com os seus fornecedores, compradores, etc., se justifica a aplicação

do regime de repartição do risco, designadamente a regra do artigo 795.º CC.

Não parece que as regras de repartição do risco contratual, em particular a

estabelecida no artigo 795.º CC, se devam aplicar linearmente às situações de

greve na empresa. Imaginando que um determinado empregador se obrigou

a fornecer uma encomenda a algum dos seus clientes e que essa encomenda

não pode ser entregue na data acordada, na medida em que os trabalhadores

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estiveram em greve, não seria aceitável que o empregador nesse contrato de

fornecimento, que, em princípio, corresponde a um contrato de compra e

venda, pudesse invocar a repartição do risco contratual,

desresponsabilizando-se pela não entrega da mercadoria, com base na greve

dos seus trabalhadores. Se assim fosse, chegar-se-ia à conclusão de que o

atraso na entrega da mercadoria não constituía uma situação de mora,

devendo, então, aplicar-se o artigo 792.º CC. Seguindo este raciocínio, o

empregador não entregaria licitamente a mercadoria na data acordada e,

podendo, realizaria a prestação mais tarde, estando o cliente obrigado a

recebê-la, sem que desse atraso adviesse o dever de indemnizar. Isto levaria

a que a greve desencadeada numa determinada empresa não acarretaria

consequências para o empregador, e quem iria suportar os prejuízos inerentes

a essa greve seriam os clientes do empregador, os quais receberiam as

mercadorias mais tarde, sem direito a qualquer indemnização. Dito de outro

modo, o prejuízo do empregador inerente à greve repercutia-se nos clientes

deste. Esta solução parece insustentável. As vicissitudes ocorridas numa

empresa em razão de uma greve não devem repercutir-se nos seus clientes.

Por isso, em caso de greve, o consequente incumprimento dos contratos por

parte do empregador presume-se culposo (artigo 799.º, n.º1 CC), e a greve

não constitui fundamento para afastar a referida presunção, porque os

trabalhadores integram-se na estrutura empresarial e não se podem

considerar como terceiros em relação aos vínculos assumidos pela empresa.

Se o empregador não cumpre os contratos será responsável perante os seus

clientes sob pena de, em cadeia, a greve constituir um passar de culpas. A

existência de uma greve seria, pois, uma forma de desresponsabilizar todos

os intervenientes numa cadeia de prestação de serviços ou de fornecimento

de bens, com a consequente insegurança jurídica, o que não parece aceitável.

9. Greves ilícitas:

a. Limitações ao exercício do direito de greve:

i. Colisão de direitos: a greve não é um direito ilimitado dos trabalhadores,

e, além da disciplina estabelecida no artigo 57.º CRP e nos artigos

530.º e seguintes CT, há a ter em conta que a greve tem de ser

disciplinada, no sentido de o correspondente direito só poder ser

exercido desde que não ponha em causa outros direitos. O direito de

greve não pode colidir com outros direitos e, em caso de conflito,

deve atender-se ao disposto no artigo 335.º CC e às regras de boa fé

(artigo 522.º CT). A licitude da greve tem de ser, não raras vezes,

ponderada tendo em conta o disposto no artigo 355.º CC, pois o

direito de greve deve ceder sempre que a existência de outro direito

o justifique, e será considerada ilícita a greve exercida em

desconformidade com os parâmetros de conflito de direitos,

estabelecidos no artigo 335.º CC e em desacordo com os ditamos da

boa fé (artigo 522.º CT).

ii. Causas de ilicitude da greve: a propósito das modalidades de greves

aludiu-se a greves atípicas, algumas das quais constituem situações

ilícitas. Poder-se-á dizer, em termos sintéticos e para efeitos de

classificação, que as greves serão ilícitas com base em cinco

fundamentos:

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1. Será ilícita a greve que prosseguir fins ilícitos.

2. Será igualmente ilícita a greve desencadeada em desrespeito das normas

jurídicas que a disciplinam constantes dos artigos 530.º e seguintes CT:

se, nomeadamente, forem desrespeitadas as regras relativas à

competência para declarara a greve, ao aviso prévio de greve,

etc., estar-se-á perante uma greve ilícita.

3. Poderão ser ilícitas as greves em cujo exercício se violem princípios

fundamentais do Direito, como seja os princípios da proporcionalidade,

da adequação e da boa fé. Poderão, assim, ser consideradas ilícitas

as greves que causem prejuízos exorbitantes ao empregador,

ou seja, as que não são justificáveis em termos de ponderação

da proporcionalidade entre o prejuízo causado ao

empregador, por um lado, e a reivindicação apresentada e o

prejuízo causado ao empregador, por um lado, e a

reivindicação apresentada e o prejuízo sofrido pelos

trabalhadores em razão do exercício do direito de greve, por

outro. Se houver uma diferença substancial entre os prejuízos

a causar e os danos sofridos bem como as vantagens a obter,

poderá a greve ser considera ilícita.

4. São normalmente ilícitas as situações de greve que impliquem um

deficiente cumprimento da atividade laboral. Quando tenha sido

declarada uma greve que implique não a paralisação do

trabalho mas um mau cumprimento da atividade, há, em

princípio, ilicitude. Se o trabalhador, em vez de paralisar,

passa a cumprir mal, está a violar deveres acessórios da

relação laboral e essa violação enquadra-se na figura do

cumprimento defeituoso da prestação. A greve não pode ser

uma forma de admitir como válido um cumprimento

defeituoso da prestação. Assim, as greves de zelo, de trato

urbano aos clientes e de rendimento são exemplos de

situações, em princípio ilícitas. Será ilícita a realização da

atividade de forma defeituosa, ou seja, as situações que

impliquem a realização da atividade de modo a o empregador

não a poder aproveitar no seu todo. Há uma violação do

dever laboral, que implica um incumprimento do contrato.

Além disso, o trabalhador em greve que realizava a atividade

deficientemente não está eximido do poder de direção. Ele

continua adstrito a acatar ordens do empregador e, nesse caso,

não se pode dizer que, por força da greve, deixa de subsistir

o poder de direção. Se o trabalhador está a desempenhar a

sua atividade tem de receber ordens do empregador e, se não

obedecer, ficará sujeito ao poder disciplinar, com as

consequentes sanções, máxime o despedimento. De igual

modo, há um deficiente cumprimento não enquadrável na

noção de greve, se ficou acordado que os trabalhadores só

não prestam determinado tipo de atividades.

5. Poderá ser ilícita a greve não motivada por questões laborais, em

particular a greve política. Nas greves não laborais é de aceitar

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que o empregador não suporte o risco a elas inerente como o

pagamento de salários a não grevistas ou a responsabilidade

pelo não cumprimento de contratos. É, contudo, discutível

perante a fórmula legal do artigo 57.º CRP e do artigo 530.º

CT excluir as greves não laborais da noção técnica de greve,

no entanto, justifica-se esta limitação, pois importa distinguir

o exercício do direito de greve – que pressupõe um conflito

com o empregador – do direito de manifestação política. Este

último, não havendo qualquer litígio com o empregador, não

pode ser feito valer mediante uma greve. Apesar de as

reivindicações dos trabalhadores grevistas não se

encontrarem dependentes de um critério rígido de

razoabilidade têm de, juridicamente, poder ser satisfeitas pelo

empregador. São, por isso, inadmissíveis reivindicações que

não se encontram na disponibilidade de o empregador

satisfazer. Por isso a greve geral, no sentido da paralisação de

todos os trabalhadores que prestam a sua atividade em

Portugal, não tem em vista reivindicar, perante os

empregadores, melhores condições de trabalho. Trata-se,

antes, de uma forma de contestar a política de um dado

Governo. A manifestação contra a política seguida pelo

Governo, em democracia, é livre, mas importa averiguar se

pode ser feita mediante recurso à greve. A greve determina a

paralisação de trabalhadores em diferentes empresas, mas não

está nas mãos dos empresários impedir a votação do projeto

na Assembleia da República ou a aplicação da lei no país.

Deste modo, a satisfação das reivindicações dos

trabalhadores (não aprovação de um projeto ou não aplicação

de uma lei) não pode juridicamente ser satisfeita pelos

empregadores e são estes que sofrem os prejuízos da

paralisação. O direito de greve só é atribuído aos

trabalhadores por conta de outrem, não podendo os

trabalhadores independentes recorrer à greve. Sendo a greve

geral lícita, os trabalhadores por conta de outrem poderiam

paralisar a atividade nas empresas para pressionar uma

mudança política do Governo, ficando os trabalhadores

independentes numa situação menos protegida, porque não

lhes seria conferido esse meio de pressão sobre o Governo.

Daqui decorreria uma inadmissível desigualdade entre

trabalhadores. Na greve geral, os trabalhadores deixam de

cumprir os contratos de trabalho, reivindicando aos

empregadores uma alteração da política laboral do Governo,

pretensão que aqueles, juridicamente, não podem satisfazer.

A greve geral advém de uma confusão entre o dirieto de greve

e o direito de manifestação. Os trabalhadores (por conta de

outrem ou independentes) podem manifestar-se contra a

política laboral do Governo, para pressionar os deputados a

não votar um projeto legislativo ou a rever uma lei já

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aprovada; essa manifestação é lícita, podendo efetivar-se por

diferentes meios, nomeadamente através de desfiles na rua.

Mas o direito de manifestação contra a política laboral do

Governo não pode concretizar-se mediante greves que

paralisem o trabalho em diversas empresas do setor privado,

determinando o não cumprimento de contratos de trabalho,

pois serão os empresários a suportar os prejuízos de uma

política governamental que não podem impedir. Em suma, os

empresários, que sofrem o prejuízo da paralisação, não

podem juridicamente satisfazer as reivindicações dos

trabalhadores. Resta, assim, concluir que a greve não pode ser

entendida como um direito de livremente prejudicar outrem

(empregadores, utentes de serviços, etc.), similar a um

bloqueio de estrada ou uma manifestação acompanhada de

atos de vandalismo, devendo circunscrever-se a uma

reivindicação laboral no seio de cada empresa.

iii. Greves atípicas: a propósito de situações atípicas de greve, em que se

verifica uma violação de princípios fundamentais de direito, fala-se

nas greves de maior prejuízo, que costumam ser exemplificadas com

as greves retroativas, rotativas, trombose e intermitentes. A este

elenco pode acrescentar-se a designada greve self-service. De modo

sintético, pode dizer-se que estas formas de luta caracterizam-se por,

preenchendo embora os elementos do conceito de greve (paralisação

da prestação do trabalho, na sua globalidade, por um grupo de

trabalhadores, para pressionar no sentido da consecução de fins

coletivos), serem levadas a efeito de modo particularmente lesivo

para as empresas onde ocorrem, seguindo um plano de paralisação

da produção com perdas mínimas de salários para os grevistas

implicados no processo. Pode, assim, dizer-se que estas greves têm

em comum o serem executadas através de um planeamento de

paralisações parceladas (parcelamento por setores ou por tempos) de

modo a conseguir uma grande economia de custos para os

trabalhadores em greve (pois cada um deles paralisa durante pouco

tempo) e ocasionar ao empregador danos iguais ou aproximados ao

infligidos por uma longa greve. Trata-se de uma série de paralisações

articuladas com a intenção de desorganizar a capacidade produtiva

das empresas onde incidem.

1. Na greve retroativa: a paralisação dos trabalhadores implica a

destruição de um processo produtivo efetuado anteriormente.

Quando, por exemplo, os trabalhadores paralisam um dia e

com isso perde-se toda a produção realizada num período

anterior, há uma retroatividade dos efeitos da greve. Em tais

casos, há uma desproporção entre o exercício do direito da

greve e o dano causado ao empregador.

2. Nas greves rotativas: os trabalhadores paralisam por setores, de

molde a que toda a empresa deixe de laborar, a paralisação de

cada setor, sendo concertada, impede que os setores

subsequentes possam laborar. Normalmente, as greves

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iniciam-se no setor primário da empresa e vão,

sucessivamente, paralisando os vários setores. A paralisação

vai percorrendo sucessivamente os vários setores da empresa

(categorias profissionais ou fases do processo produtivo), ou

seja, todos os trabalhadores aderentes se abstêm de trabalhar

mas em momentos diferentes. Trata-se de um tipo de greve

que é levado a cabo em vários setores de modo sucessivo ou

alternativo em termos de desorganizar completamente a

produção. Em cada dia serão poucos os trabalhadores em

greve, mas a empresa ficará paralisada durante um lapso

longo.

3. A greve trombose: normalmente só afeta um setor da empresa

que é o setor chave da mesma. Na greve trombose ou de

estrangulamento a paralisação limita-se a incidir em setores

estratégicos da empresa, conduzindo a uma quebra completa

da produção. Tendo em conta que determinados

trabalhadores são fundamentais para o funcionamento da

empresa, se estes entram em greve isso implica a paralisação

total da empresa. Muitas das vezes, nestes casos, é feito um

acordo no sentido de os trabalhadores não aderentes à greve

compensarem economicamente os grevistas que ocupam o

tal setor chave. Ou seja, os não aderentes recebem a

retribuição e compensam os grevistas. Trata-se igualmente de

uma forma de conseguir um prejuízo elevado para o

empregador com uma perda mínima para os trabalhadores.

Nada obsta a que haja uma greve dos trabalhadores do setor

estratégico da empresa; a ilicitude advém da mencionada

concertação.

4. A greve intermitente: pressupõe que a paralisação seja por

pequenos períodos, tendo em vista afetar a atividade

anteriormente realizada; ou seja, envolve uma série de curtas

interrupções do trabalho, que provocam uma baixa de

rendimento tão elevada como a decorrente de uma única

paragem do trabalho durante o mesmo tempo total, ou, pelo

menos, desorganizarem a produção. Será o caso em que os

trabalhadores suspendem a atividade várias vezes por dia

durante curtos períodos de tempo, que pode pôr em causa

toda a produção desse dia.

5. Na greve self-service: os trabalhadores grevistas interrompem o

trabalho quando acharem oportuno e pelo tempo que

entenderem. Trata-se de uma greve prolongada em que não

se sabe quando se irá dar a paralisação do trabalho e, havendo

paralisação, não se sabe quantos trabalhadores grevistas vão

suspender a atividade, nem, principalmente, durante quanto

tempo haverá paragem da laboração. Dir-se-ia que, apesar de

haver aviso prévio, tendo em conta a incerteza quanto à

paralisação sob vários aspetos, esta greve aproxima-se de uma

greve suspensa, imprevista, que é ilícita.

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Estas cinco formas de greve não serão necessariamente abusivas. Em

determinados casos, pode-se considerar estas greves, tendo em conta

a proporcionalidade entre os danos causados ao empregador e o

prejuízo dos trabalhadores como não abusivas. Tudo depende das

circunstâncias concretas. Em princípio, a greve só será ilícita se a

violação for substancial.

b. Consequências da ilicitude: tendo em conta as consequências da greve, tais

como o facto de o empregador suportar o risco, continuando a pagar o salário

aos trabalhadores não grevistas e indemnizados os clientes pelo

incumprimento de contratos, poder-se-ia não justificar essas implicações no

caos de a greve ser ilícita. Mas são questões distintas. Os trabalhadores não

grevistas e os clientes da empresa não podem ser prejudicados no caso de a

greve ser lícita. A ilicitude da greve pode determinar a responsabilidade de

sindicatos e trabalhadores, mas não desresponsabiliza o empregador no

cumprimento dos contratos de trabalho (com os não grevistas) e com os

clientes da empresa. A greve declara em inobservância do disposto nos artigo

530.º e seguintes CT faz incorrer os grevistas no regime de faltas injustificadas

(artigo 541.º, n.º1 CT). O artigo 541.º CT – na sequência do regime disposto

em 2003 e na Lei da Greve – não pode ser interpretado em sentido restrito,

de só estarem incluídas as violações correspondentes a irregularidades

formais, como a falta de aviso prévio. A formulação do preceito é ampla

(greve declarada ou executada de forma contrária à lei), pelo que abrange

quaisquer irregularidades, tanto formais como substanciais. De facto, não

seria aceitável que as irregularidades substanciais ficassem desprovidas de

sanção. Em caso de greve ilícita, o artigo 541.º, n.º1 CT manda aplicar o

regime das faltas injustificadas. O artigo 256.º CT estabelece que as faltas

injustificadas, além de constituírem violação do dever de assiduidade,

implicam a perda de retribuição e da antiguidade. A perda da retribuição já

advém da adesão à greve (artigo 536.º, n.º1 CT), o mesmo não se pode dizer

com respeito à perda da antiguidade. A violação do dever de assiduidade é

uma infração disciplinar que pode constituir justa causa de despedimento, em

particular se as faltas não justificadas determinarem prejuízos ou riscos graves

para a empresa ou se o número de faltas atingir cinco seguidas ou dez

interpoladas em cada ano (artigo 351.º, n.º2, alínea g) CT). Além disso, como

consequência da adesão a uma greve ilícita, pela sua gravidade e consequência,

pode tornar-se imediata e praticamente impossível a subsistência da relação

de trabalho (artigo 351.º, n.º1 CT). Porém, mesmo no caso de greve ilícita,

em determinadas circunstâncias, admite-se que os trabalhadores tenham

aderido na ignorância da ilicitude da mesma, e essa ignorância deve ser

tutelada. Nem sempre se pode exigir por parte do trabalhador grevista um

conhecimento efetivo da situação real; ele pode não saber se o pré-aviso foi

feito com antecedência devida ou não ter consciência da ilicitude. Provando-

se o desconhecimento da ilicitude da greve, a respetiva adesão não devera ser

caracterizada como ilícita, não ficando o trabalhador sujeito ao regime das

faltas injustificadas. O regime das faltas injustificadas só encontraria aplicação

relativamente a trabalhadores que aderissem à greve com conhecimento da

ilicitude da mesma, mas se o trabalhador aderiu à greve em desconhecimento

da ilicitude, mormente porque não terá sido convenientemente informado

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pelo sindicato, não deve suportar as consequências da ilicitude da greve. Não

deve, contudo, relevar o desconhecimento negligente. Tal como foi referido

supra, com base no artigo 520.º, n.º3 CT, relativo à responsabilidade civil por

incumprimento culposo de obrigações contratuais, nomeadamente

resultantes de convenção coletiva, e, em particular, tendo em conta o

disposto no artigo 541.º, n.º2 CT, que remete para os princípios gerais em

matéria de responsabilidade civil, em caso de declaração ou execução da greve

de forma contrária à lei, valem as regras gerais de responsabilidade civil, e

cabe indagar em que medida poderão ser responsabilizados os sindicatos que

tenham decretado uma greve ilícita ou que prestem informações erradas aos

trabalhadores.

10. Proibição de lock out: o artigo 57.º, n.º4 CRP estabelece a proibição de lock-out, a

qual vem reproduzida no artigo 544.º, n.º2 CT. Poder-se-ia discutir a

constitucionalidade deste preceito constitucional, considerando que a proibição do

lock out seria uma forma de violar o princípio da igualdade e, nessa medida, estariam

feridos de inconstitucionalidade o artigo 544.º, n.º2 CT, bem como o artigo 57.º, n.º4

CRP, mas esta discussão parece estar ultrapassada. A proibição do lock out é

constitucionalmente justificável na medida em que o artigo 13.º CRP, ao estabelecer

o princípio da igualdade, admite tratamentos diferenciados que se aceitam dentro de

determinados parâmetros; do artigo 13.º CRP resulta que não se permitem

discriminações, e na relação laboral admite-se que não sejam usadas pelas duas partes

as mesmas formas de luta. Há razões para se aceitar a desigualdade, tendo em conta

que a greve é entendida como meio para se tentar estabelecer o equilíbrio numa

relação contratual que tem alguma tendência para se encontrar desequilibrada.

Depois de o n.º2 do artigo 544.º CT se proibir o lock-out, no n.º1 do mesmo preceito

apresenta-se uma noção de lock out ampla, a qual importa interpretar de forma

restritiva. Para tal torna-se necessário proceder a uma análise dos vários elementos

da definição legal:

a. O lock out advém de uma decisão unilateral do empregador:

entendendo-se, por conseguinte, que não está abrangido nesta figura o

encerramento da empresa que venha a dever-se a um acordo entre o

empregador e os trabalhadores ou entre o empregador e os sindicatos. Mas

acresce que a decisão unilateral do empregador de encerrar não é lock out se

o fundamento de relacionar com um conflito laboral, nomeadamente é lícito

o encerramento em caso de insolvência e bem assim nas hipóteses previstas

nos artigos 309.º e seguintes CT (encerramento temporário do

estabelecimento).

b. O lock out traduz-se na paralisação total ou parcial da empresa: mas

pode haver paralisações totais numa empresa que não constituem lock out.

Mesmo em situações de greve, não há lock out quando se justifica a paralisação

da empresa por motivos de segurança. Em tal caso, o empregador pode

decidir paralisar parcial ou totalmente a empresa. Estas paralisações que se

devem a razões técnicas, de segurança, etc., são aceitáveis e não constituem

lock out. Se o empregador decidir por esta paralisação tem de pagar as

retribuições aos trabalhadores não grevistas, apesar de eles também não

trabalharem nesses dias em que a empresa esteve encerrada por motivos

técnicos. Em suma, o empregador não pode ser obrigado a manter a

laboração se houver riscos para a atividade. Nestes termos, a noção do artigo

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544.º, n.º1 CT tem de ser restringida, só se admitindo a existência de lock out

quando o empregador encerra a empresa como represália pela greve.

c. Considera-se lock out a interdição de acesso aos locais de trabalho a

alguns trabalhadores ou à totalidade dos trabalhadores: também aqui

tem de ser feita uma interpretação restritiva. De facto, o empregador, numa

situação de greve, não pode impedir o acesso dos trabalhadores aos locais de

trabalho, mas é preciso distinguir entre trabalhadores grevistas e não grevistas.

i. Aos trabalhadores grevistas: em determinadas circunstâncias, o

empregador pode vedar o acesso ao local de trabalho, até porque a

sua presença poderia prejudicar a laboração daqueles que não

aderiram à greve e constituir um risco para todas as pessoas que

estivessem nesses locais. Assim, em particular por motivos de

segurança, justifica-se tal atitude do empregador. Tal como o

empregador pode impedir o acesso dos piquetes de greve a

determinadas zonas da empresa, também, nos mesmos moldes, tem

direito de vedar o acesso de trabalhadores grevistas a certas zonas da

empresa e inclusive aos seus próprios locais de trabalho.

ii. Aos trabalhadores não grevistas: já em relação aos trabalhadores não

grevistas poderia ser considerado lock out o facto de o empregador

lhes impedir o acesso ao local de trabalho, mas, ainda assim, a

restrição será lícita se, por motivos de segurança, etc., o empregador

decidir encerrar a empresa no dia de greve.

d. Considera-se lock out a recusa em fornecer trabalho, condições e

instrumentos de trabalho: tal recusa só será inválida em relação aos

trabalhadores que não aderiram à greve. Quanto aos trabalhadores grevistas,

o empregador não tem de lhes dar trabalho, nem condições e instrumentos

de trabalho. Mas mesmo em relação aos não grevistas há casos em que o

empregador pode recursar-se a fornecer-lhes trabalho, porque, numa

situação de greve e perante a falta de determinados trabalhadores, não

estando a empresa em condições de laborar, pode não fornecer trabalho nem

sequer aos trabalhadores não grevistas, o que não deve ser considerado lock

out. Objetivamente, o empregador não pode fornecer trabalho. Torna-se é

necessário averiguar se se justifica o encerramento por motivos de segurança,

etc. Nestes casos, o empregador tem de lhes pagar a retribuição referente a

esse período, mas não está obrigado a dar-lhes trabalho. E daqui não advém

qualquer violação da lei.

Há, no fundo, que distinguir o lock out de situações em que a empresa encerra em

situações de greve, por motivos técnicos ou económicos ou por motivo de força

maior. O lock out só existe nos encerramentos de empresa desde que isso constitua

uma represália perante a greve.

11. Cessação: a greve pode terminar por acordo entre as partes ou por deliberação das

entidades que a tiverem declarado (artigo 539.º CT). É evidente que se as

reivindicações apresentadas pelos trabalhadores forem satisfeitas e se eles chegarem

a um acordo com o empregador a greve terminará. Além disso, se a entidade que

declarou a greve, por exemplo, um sindicato, decidir suspender a greve, esta também

cessará. Para além destas duas situações que vêm previstas na lei, ainda é possível

admitir a cessação da greve quando foi decretada por períodos determinados; em tal

caso, a greve cessa, não em virtude de uma das causas previstas na lei, mas porque

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foi fixada por um determinado período, de um, dois ou três dias, decorrido o qual a

greve cessa. Esta é talvez a situação mais comum de cessação em que a greve é

declarada por um período certo, normalmente curto. Naqueles casos, hoje não muito

frequentes, de greve declarada por tempo indeterminado, a greve termina ou com a

aceitação das reivindicações por parte dos empregadores ou perante a exaustão dos

trabalhadores. Na prática, não é vulgar que uma greve termine por acordo entre as

partes. Teoricamente, pode admitir-se que trabalhadores e empregadores cheguem a

um consenso durante o período da greve e prevê-se a possibilidade de os

trabalhadores em greve serem representados (artigo 532.º CT), para efeitos de se

chegar a um acordo com vista à sua cessação. Mas não é frequente que isto ocorra

sob pressão direta da greve, principalmente porque hoje são raras as greves

prolongadas. Contudo, as mais das vezes, depois da greve terminar, as partes

chegaram a acordo, mas não é normal que isso ocorra durante o período em que

decorre a greve, porque este é, regra geral, demasiado curto. Porém, a referência no

artigo 539.º CT ao termo da greve por acordo, tem normalmente que ver com um

acordo de cessação e não com um acordo sobre o litígio.

12. Natureza jurídica: a greve é um direito subjetivo complexo no que respeita, por um

lado, à titularidade e, por outro, ao exercício. O direito da greve funda-se no princípio

da alteração das circunstâncias, mediante o qual se pretende modificar a situação

contratual, tendo em conta a modificação de circunstâncias entretanto verificada.

Perante uma alteração de circunstâncias atribui-se, individualmente, aos

trabalhadores o direito de, em conjunto, recorrerem à greve. É neste ponto que surge

a complexidade do exercício deste direito, porque corresponde a uma reivindicação

individual, de cada trabalhador, mas a exercer em conjunto pelos vários trabalhadores.

Para exercerem o seu direito de greve, os trabalhadores carecem de uma

intermediação, porque não podem diretamente exercê-lo. Há uma entidade, que não

é parte na relação contratual de trabalho, normalmente uma associação sindical e,

eventualmente, uma assembleia de trabalhadores, sem cuja intervenção a greve não

pode ser declarada. Há, pois, uma íntima conexão entre a dimensão individual e

coletiva deste direito. Em suma, a greve é um direito subjetivo dos trabalhadores

individualmente consideradas, mas a exercer coletivamente, fundado na alteração das

circunstâncias ocorrida na relação laboral, que para ser exercido carece de uma prévia

intermediação.