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Índice Contrato de Trabalho ....................................................................................................................... 4
VIII – Não Cumprimento ........................................................................................................... 4
Incumprimento das prestações contratuais .......................................................................... 4
Prescrição ................................................................................................................................. 17
IX – Acidentes de Trabalho ...................................................................................................... 19
Aspetos gerais .......................................................................................................................... 19
Responsabilidade civil objetiva e subjetiva ......................................................................... 22
X – Cessação ............................................................................................................................... 50
Aspetos gerais .......................................................................................................................... 50
Caducidade............................................................................................................................... 57
Revogação ................................................................................................................................ 72
Denúncia .................................................................................................................................. 77
Resolução ................................................................................................................................. 80
Direito Coletivo ............................................................................................................................. 120
I – Instrumentos negociais de regulamentação coletiva de trabalho................................. 120
Convenção coletiva de trabalho ......................................................................................... 120
Acordo de adesão ................................................................................................................. 134
II – Instrumentos não negociais de regulamentação coletiva de trabalho ....................... 135
Aspetos gerais ........................................................................................................................ 135
Portaria de extensão ............................................................................................................. 136
Portaria de condições de trabalho ...................................................................................... 138
Natureza jurídica das portarias de extensão e de condições de trabalho ...................... 139
III - Conflitos coletivos de trabalho ..................................................................................... 141
Aspetos gerais ........................................................................................................................ 141
Greve ...................................................................................................................................... 144
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Contrato de Trabalho1
VIII – Não Cumprimento
Incumprimento das prestações contratuais:
1. Noções comuns: como em qualquer contrato, uma das partes pode não realizar a
prestação a que se encontra adstrita, nos termos devidos, havendo, então,
incumprimento numa das suas modalidades. O incumprimento definitivo, a mora e
o cumprimento defeituoso das prestações laborais seguem o regime regra dos artigos
798.º e seguintes CC, solução reiterada no artigo 323.º, n.º1 CT. Não obstante valer
no regime regra, há toda a conveniência em fazer a transposição do mesmo para o
domínio do contrato de trabalho, até porque, por vezes, há certas especificidades e
surgem dúvidas de qualificação. O contrato de trabalho, tendo em conta a sua
estrutura complexa, com facilidade se apresenta como exemplo paradigmático em
que a tripartição das formas de incumprimento se concretiza. Encontram-se, assim,
situações de incumprimento definitivo, de mora na execução e de cumprimento
defeituoso da prestação. Importa salientar que, em qualquer destes casos, vale o
princípio geral da presunção de culpa, vigente no domínio da responsabilidade
contratual (artigo 799.º CC). Qualquer incumprimento de deveres emergentes do
contrato de trabalho, por parte do trabalhador ou do empregador, presume-se
culposo. O artigo 323.º, n.º1 CT, como princípio geral do incumprimento do
contrato de trabalho, dispõe que a parte que faltar culposamente ao cumprimento
dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte. Este artigo
estabelece a matriz base relativa ao incumprimento do contrato de trabalho. Este
artigo corresponde, portanto, a um mero esclarecimento no sentido que valem as
regras gerais do Direito das Obrigações (artigos 798.º e seguintes CC). Reitera-se,
assim, um princípio geral, esclarecendo dúvidas que se poderiam suscitar. Por outro
lado, do artigo 323.º, n.º1 CT sobressai a natureza sinalagmática do contrato de
trabalho. Cabe ainda acrescentar que da receção explícita do texto do artigo 798.º CC
– parcialmente transcrito no artigo 323.º, n.º1 CT – resulta a aplicação do regime
comum de incumprimento dos contratos em geral, constante dos artigos 798.º e
seguintes CC, designadamente da presunção de culpa (artigo 799.º, n.º1 CC).
2. Incumprimento definitivo e mora imputáveis ao empregador:
a. Indemnização: sempre que o empregador não cumpra atempadamente as
suas prestações, podendo estas realizar-se mais tarde, haverá mora. A
situação mais comum verificar-se-á com respeito ao pagamento da
retribuição. Não sendo esta paga na data do vencimento, o empregador
constitui-se em mora; em tal caso, a mora pressupõe o pagamento de juros
compensatórios (artigos 806.º e 559.º CC). Além do regime geral, em que o
empregador, por faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres, será
responsável pelo prejuízo causado ao trabalhador (artigos 323.º, n.º1 e 2 CT),
importa atender em especial à falta culposa de cumprimento das prestações
pecuniárias, concretamente da prestação retributiva. Se o empregador não
1 MARTINEZ, Pedro Romano; Direito do Trabalho; 7.ª Edição; Almedina Editores, S.A.; Coimbra, janeiro 2015.
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realiza a prestação no seu vencimento, há uma situação de incumprimento e
presume-se que a omissão do comportamento devido é culposa. Apesar de a
falta de pagamento da retribuição corresponder à situação mais usual de mora,
esta não se circunscreve a tal hipótese, pois abrange todas as prestações
pecuniárias, nomeadamente o pagamento de indemnizações. Como resulta
do artigo 323.º, n.º2 CT, a mora no pagamento da retribuição determina o
vencimento de juros de mora. Também o disposto neste preceito não
constitui uma novidade mas a solução que antes resultaria do artigo 806.º CC
(por vezes esquecida em tribunal). Do n.º1 do artigo decorre que, estando o
empregador em mora quanto ao pagamento de prestações pecuniárias, por
via de regra, sobre o valor da retribuição, a partir da data do vencimento da
prestação, passam a vencer-se juros de mora. Os juros de mora, não havendo
acordo em contrário, são fixados à taxa supletiva legal, ascendendo,
presentemente, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003, 8 abril). O ajuste
de juros de mora convencionais está condicionado aos limites decorrentes do
artigo 1146.º ex vi artigo 559.º-A CC. Sem descurar os juros de mora, que
correspondem a uma indemnização previamente fixada pela lei, o
empregador inadimplente deverá indemnizar o trabalhador pelos prejuízos
causados pelo incumprimento de deveres contratuais (artigo 323.º, n.º1 CT).
A indemnização será determinada pelas regras gerais de Direito Civil, em
particular atendendo ao regime constante dos artigos 562.º e seguintes CC. A
indemnização devida ao trabalhador em caso de incumprimento definitivo
de deveres do empregador sofre de uma limitação relativamente às regras
gerais. A determinação do montante indemnizatório pode não seguir
exatamente os parâmetros dos artigos 562.º e seguintes CC sempre que
encontra aplicação o disposto no artigo 391.º CT. Neste preceito, por um
motivo de certeza, fixa-se a indemnização a atribuir ao trabalhador atendendo
a um cálculo assente na retribuição de base, sem ter, portanto, em vista a
reconstituição da situação que existiria (artigo 562.º CC), na qual se poderiam
incluir outros valores.
b. Exceção de não cumprimento: a mora do empregador no pagamento da
retribuição não facultaria ao trabalhador o recurso à exceptio non adimpleti
contractus, podendo este suspender a execução da prestação de trabalho (artigo
428.º CC). O facto de o trabalhador ter de cumprir em primeiro lugar, antes
de receber a retribuição, não constitui obstáculo a que se invoque a exceção
de não cumprimento para o período seguinte àquele em que não foi
remunerado; esta solução não resulta diretamente do artigo 429.º CC, mas
decorre do regime geral da exceção, quando aplicado a contratos de execução
continuada. Assim, se o trabalhador, depois de desenvolver a sua atividade
durante um mês, não auferiu a respetiva retribuição, os princípios gerais
levariam a admitir que ele poderia licitamente recusar-se a trabalhar no mês
seguinte. O caráter sinalagmático das prestações laborais não opera só em
cada mês ou semana, consoante o tipo de remuneração. Esta é uma visão
parcelar que não parece correta. A relação laboral corresponde a um todo e
não a um mero somatório de dias, semanas ou meses de trabalho. Resta
referir que, em qualquer outro contrato de prestação de serviços, estando ou
não em causa a prossecução de um resultado, mesmo quando a retribuição
seja paga mensalmente depois de realizada a atividade, sendo o contrato de
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execução continuada, o prestador de serviços pode, ainda assim, recorrer à
exceção de não cumprimento. Em caso de mora, no n.º3 do artigo 323.º CT
(assim como no artigo 209.º, n.º3 CT) prescreve-se um regime especial de
exceção de não cumprimento. Havendo mora do empregador – e atendendo
ao caráter sinalagmático do contrato –, o trabalhador pode suspender a
execução da atividade, recorrendo ao instituto da exceção de não
cumprimento, previsto nos artigos 428.º e seguintes CC. Mas a suspensão da
atividade, tendo em conta a dinâmica empresarial, não poderia operar
imediatamente, motivo pelo qual o trabalhador deve aguardar quinze dias
para suspender o contrato de trabalho (artigo 325.º, n.º1 CT). Trata-se de um
prazo razoável para permitir à empresa com retribuições em atraso
regularizar – purgando a mora – antes de os trabalhadores suspenderem a
atividade, paralisando a empresa. É necessário reiterar que a mora, nos
termos gerais, pressupõe um comportamento culposo para que o
empregador se constitua na obrigação de pagar juros de mora (artigo 323.º,
n.º2 CT), mas, de modo diverso, não é necessário um comportamento
culposo do empregador para que o trabalhador possa recorrer à exceção de
não cumprimento. Esta solução – constante do artigo 323.º, n.º3 CT – resulta
da aplicação das regras gerais de Direito das Obrigações, pois o exercício da
exceção de não cumprimento não pressupõe culpa do devedor faltoso (artigo
428.º CC). Não obstante, o direito pode ser exercido pelo trabalhador sem
ter havido um comportamento culposo do empregador, não parece lícito que
a exceção seja invocada perante qualquer incumprimento, principalmente
quando a falta de pagamento respeita a uma parte reduzida da retribuição. O
regime da exceção de não cumprimento no âmbito laboral – designada por
suspensão do contrato de trabalho – consta dos artigos 325.º, 326.º e 327.º
CT. O trabalhador pode suspender a atividade, cumprindo as formalidades
impostas no artigo 325.º CT. Do artigo 295.º, n.º1 CT, resulta que o contrato
suspenso subsiste, mantendo-se direitos e deveres das partes que não
pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Na medida em que, durante a
suspensão o trabalhador não desempenha a atividade nem recebe a
correspondente retribuição, no artigo 325.º CT e no artigo 25.º Lei n.º
105/2009, 25 setembro, atribui-se ao credor (trabalhador) direito à prestação
de desemprego. Refira-se ainda que, durante a suspensão, o trabalhador pode
desempenhar outra atividade retribuída (artigo 326.º CT). A suspensão do
contrato será necessariamente transitória e cessa pelo retorno à atividade
(artigo 327.º CT) ou com a cessação do vínculo contratual. Recapitulando, o
trabalhador que não recebeu a retribuição na data do vencimento pode
suspender a execução da sua atividade, recorrendo à exceção de não
cumprimento do contrato. A referida suspensão não pode operar
imediatamente após a falta de pagamento, pelos motivos já indicados,
devendo o trabalhador aguardar quinze dias. Trata-se de um prazo razoável,
atentos os interesses em confronto, para que a empresa regularize a sua
situação financeira, pagando a retribuição ao trabalhador. Refira-se, ainda,
que a remissão para legislação especial se justifica, em particular, pela
necessidade de garantir, ao trabalhador que invoca a exceção, o pagamento
de subsídio idêntico ao de desemprego; o direito à prestação de desemprego
consta do artigo 25.º Lei n.º 205/2009. Neste ponto, cabe reiterar o facto de
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a mora depender de culpa para o empregador se constituir no dever de pagar
juros de mora (n.º1), mas não se requer um comportamento culposo para o
trabalhador suspender a prestação de trabalho ou resolver o contrato (n.º2).
De facto, nem a resolução do contrato depende sempre de culpa do
empregador (artigo 394.º, n.º3 CT) nem a exceção de não cumprimento
pressupõe falta de cumprimento culposo da parte que, por não afetar a sua
prestação, permite que a contraparte recorra à exceptio (artigo 428.º CT). No
n.º3 do artigo 323.º CT cabe distinguir a exceção de não cumprimento da
resolução do contrato. O trabalhador que não recebeu a retribuição na data
do vencimento pode suspender a execução da sua atividade, recorrendo à
exceção de não cumprimento do contrato. A referida suspensão não pode
operar imediatamente após a falta de pagamento, pelos motivos indicados no
ponto anterior, devendo o trabalhador aguardar 15 dias. Mas para invocar a
resolução do contrato, que não depende de culpa do empregador (artigo 394.º,
n.º3 CT), o prazo é de sessenta dias nos termos do n.º5 do artigo 394.º CT.
c. Garantias: relativamente à falta de pagamento de prestações pecuniárias –
tanto a retribuição como outras prestações –, haverá mora com a
consequente obrigação de pagar juros moratórios nos termos já indicados,
mas como garantia importa atender ao regime constante dos artigos 333.º e
seguintes CT. Na sequência do regime anterior, subsistem como garantias do
trabalhador:
i. Os privilégios creditórios (artigo 333.º CT);
ii. Fundo de Garantia Social (artigo 336.º CT).
Como novidade introduzida em 2003, cabe atender a duas soluções:
iii. A responsabilidade solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo
(artigo 334.º CT);
iv. A responsabilidade dos sócios (artigo 335.º CT).
Quanto aos meios de autotutela de créditos, estando admitida a exceção de
não cumprimento (artigos 294.º, n.º3 CT e 323.º, n.º3 CT), estabelece-se
solução oposta com respeito ao direito de retenção. O trabalhador a quem
tenham sido fornecidos instrumentos de trabalho e quaisquer outros objetos
que sejam pertença do empregador não goza, nos termos do artigo 754.º CC,
do direito de retenção dessas coisas por conta de crédito contra a entidade
patronal. Do disposto no artigo 342.º CT deduz-se que a falta do empregador
(discutível ou mesmo por ele reconhecida) de pagamento de quaisquer
quantias pagas ao trabalhador – mesmo tratando-se da retribuição –, em
princípio, não confere a este direito de retenção sobre os instrumentos de
trabalho ou outros objetos que sejam pertença daquele. A inexistência do
direito de retenção resulta de três razões:
i. Esta garantia real, conferindo uma situação de privilégio a certos credores,
constitui uma limitação que deve ser entendida de modo restritivo;
ii. Tendo em conta a previsão geral do artigo 754.º CC, para haver direito de
retenção será necessário que o crédito do trabalhador resulte de despesas feitas por
causa desses objetos do empregador ou de danos por ele causados.
Por via de regra, os montantes que o empregador tem a pagar ao trabalhador
aquando da cessação do contrato não se relacionam com essas duas hipóteses;
iii. Entre as situações especiais de direito de retenção (artigo 755.º CC) não se inclui
o trabalhador no elenco de credores privilegiados. Acresce que o artigo 342.º
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CT determina a devolução de instrumentos de trabalho, obrigação não
condicionada ao pagamento da retribuição ou de outras prestações a cargo do
empregador.
Outros mecanismos de autotutela do crédito do trabalhador – como a
compensação – seguem o regime geral.
d. Benefícios conferidos ao trabalhador: como pode ser problemática a
situação económica do trabalhador a quem não é paga a retribuição, além dos
mecanismos jurídicos, são-lhe conferidos certos benefícios:
i. Suspendem-se os processos de execução fiscal (artigo 26.º Lei n.º 105/2009);
ii. Suspendem-se igualmente a venda de determinados bens penhorados ao
trabalhador (artigo 27.º da mesma Lei);
iii. Suspende-se a ação de despejo que lhe tenha sido movida (artigo 28.º da mesma
Lei).
Em qualquer caso, não se “transfere” o risco do incumprimento da
retribuição para terceiros – credores do trabalhador –, mas estes veem
limitados os meios judiciais para efetivarem os seus direitos. Para a aplicação
deste regime basta que exista mora no pagamento de retribuições por período
superior a quinze dias, não sendo necessária a declaração de insolvência do
trabalhador, a que alude o artigo 113.º CIRE. Tal como foi referido, este
regime só se aplicará caso o empregador esteja em mora quanto ao
pagamento da retribuição – não de outras prestações patrimoniais sem
caráter retributivo –, e desde que o valor em causa seja relevante. De facto,
com base nas regras da boa fé, será desproporcionado o exercício de um
destes direitos se estiver em causa a falta de pagamento de uma parte irrisória
da retribuição. Tal desproporção contraria a boa fé e o fim social e económico
do direito, podendo integrar a figura do abuso do direito (artigo 334.º CC).
e. Consequências para o empregador: o empregador que não paga a
retribuição aos seus trabalhadores sujeita-se à inibição da prática dos atos
indicados no artigo 313.º CT, por remissão do artigo 324.º, n.º1 CT, podendo
incorrer em pena de prisão (artigo 324.º, n.º3 CT). Havendo mora no
pagamento da retribuição, independentemente do prazo por que esta tenha
durado, o empregador não pode realizar certas despesas nem contrair dívidas,
porque podem agravar a situação patrimonial da empresa. Por outro lado,
atendendo à mora no pagamento de retribuições, podem ser invalidados os
atos praticados pelo empregador que se encontram no elenco do artigo 313.º
CT, segundo o disposto nos artigos 324.º, n.º1 e 2 CT. Do artigo 324.º, n.º2
CT depreende-se que o legislador não atendeu à figura da impugnação
pauliana (artigos 610.º e seguintes CC). Contrariamente ao disposto no artigo
612.º CC, na hipótese de retribuições em atraso, a anulabilidade pode ser
pedida mesmo que o adquirente a título oneroso esteja de boa fé, o que
parece um exagero. A anulabilidade estabelecida no preceito em análise
implica a destruição do negócio, com a consequente reversão doo bem; ora,
no caso de impugnação pauliana, o bem alienado pode ser executado no
património do terceiro adquirente (artigo 615.º CC), que é mais vantajoso
para todos os intervenientes. Esta garantia concedida aos trabalhadores pode
ser contraproducente. Compreender-se-ia que os atos de disposição a título
gratuito fossem anuláveis (artigo 314.º, n.º1 CT), ou melhor impugnáveis nos
termos do Direito Civil; o mesmo não se pode dizer com respeito aos atos
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de disposição a título oneroso realizados com terceiro de boa fé (artigo 314.º,
n.º2 CT). Tal solução leva a que ninguém esteja disposto a adquirir bens a
uma empresa com retribuições em atraso, tendo em vista viabilizá-la
economicamente, pois corre o risco de ver o negócio jurídico anulado. Em
suma, o excesso de proteção do trabalhador facilita a insolvência do
empregador, como o consequente despedimento daquele. Estes mecanismos
– descurando as críticas apontadas – constituem meios dissuasores de uma
eventual dissipação de bens e, principalmente, de uma gestão empresarial
prejudicial para a cobrança dos créditos dos trabalhadores. Não obstante a
efetividade que alguns destes mecanismos possuem, que podem contribuir,
ainda que indiretamente, para proporcionar a rápida perceção da retribuição
por parte dos trabalhadores, não constituem uma verdadeira garantia, apesar
de se poderem enquadrar entre os meios conservatórios da garantia
patrimonial (artigos 605.º e seguintes CC).
f. Resolução do contrato: como já se indicou antes a propósito da exceção de
não cumprimento, no n.º3 do artigo 323.º CT importa distinguir a exceção
de não cumprimento da resolução de contratos. Em alternativa à exceção de
não cumprimento – independentemente de ter requerido a suspensão doo
contrato –, o trabalhador pode resolver o contrato com base na falta de
cumprimento de prestações contratuais, mormente em caso de não
pagamento da retribuição. Contudo, a mora, desde que não se transforme em
incumprimento definitivo, por impossibilidade de realização da prestação,
por perda de interesse do credor (no caso o trabalhador) ou após o decurso
do prazo admonitório (artigo 808.º CC), não dá azo à resolução do contrato.
Todavia, no artigo 394.º, n.º2, alínea a) CT estabelece-se que o não
cumprimento da retribuição constitui justa causa de resolução do contrato
por parte do trabalhador, mesmo que a falta de cumprimento não seja
culposa (artigo 394.º, n.º3, alínea c) CT). Como não se exige o
estabelecimento de um prazo admonitório, poder-se-ia entender, numa
leitura pouco atenta do preceito, que, se o empregador se atrasar um dia que
seja no pagamento da retribuição, por exemplo, imputável ao banco do
empregador ou mesmo ao banco do trabalhador, este poderia resolver o
contrato e pedir uma indemnização. Essa solução seria aberrante e não
corresponde ao espírito da lei, pois o artigo 394.º, n.º4 CT remete para a justa
causa como critério aferidor do poder de resolução do contrato de trabalho.
Por outro lado, tendo em conta o disposto no artigo 394.º, n.º5 CT,
independentemente de culpa do empregador, a resolução só pode ser
requerida depois de uma situação de mora que se prolongue por sessenta dias;
o preceito tem igualmente em vista a tutela da empresa, que não se verá, de
imediato, privada dos trabalhadores. No caso de a mora quanto ao
pagamento da retribuição se transformar em incumprimento definitivo por
decurso do prazo admonitório ou se houver incumprimento definitivo
relativamente a outra prestação do empregador, por exemplo, artigos 127.º,
n.º1, alínea a), 394.º, n.º2, alínea f) e 394.º, n.º2, alínea d) CT, o trabalhador
pode, em alternativa, pedir a resolução do contrato com indemnização ou
tão-só uma indemnização sendo, porém, esta determinada em moldes
diferentes daquela. A transformação da mora em incumprimento definitivo
suscita uma dificuldade na relação laboral, pois, nos termos do artigo 395.º,
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n.º1 CT, o trabalhador só pode resolver o contrato nos trinta dias
subsequentes ao conhecimento do incumprimento de deveres por parte do
empregador. Por isso, a mora só se transforma em incumprimento definitivo
para efeitos de permitir a resolução do contrato depois de decorrido esse
prazo. O incumprimento definitivo de prestações devidas pelo empregador
só permite a resolução do contrato se essas faltas forem consideradas graves.
São considerados comportamentos graves para efeito de resolução do
contrato de trabalho, exemplificativamente aqueles que vêm indicados no
artigo 394.º, n.º2 CT, os mesmos, porém, ainda têm de ser apreciados pelo
crivo da justa causa (artigo 394.º, n.º4 CT). É necessário, porém, conjugar o
disposto no artigo 323.º, n.º3 CT, com o regime constante do artigo 394.º,
n.º1 e 2 CT, de onde poderia retirar-se a existência de uma incompatibilidade,
que não se verifica. No artigo 394.º, n.º5 CT exige-se que a mora seja
prolongada: sessenta dias (60 dias); enquanto no artigo 394.º, n.º1 CT fala-se
em cessar imediatamente o contrato. Todavia, neste preceito, a resolução
imediata depende da prova da ocorrência de factos determinantes de justa
causa: será pressuposto que a falta de pagamento, por si, consubstancie justa
causa de resolução. Com base no disposto no artigo 394.º, n.º5 CT, ficciona-
se que existe justa causa de resolução se tiverem decorrido sessenta dias (60
dias) de mora; sendo o prazo inferior, o trabalhador terá de provar que a
mora constitui justa causa de resolução atendendo à gravidade da situação.
No mencionado preceito estabeleceu-se uma presunção iuris et iure de que o
trabalhador tem justa causa de resolução do contrato sempre que a
retribuição (na sua totalidade) não tiver sido paga depois de decorrer um
período de sessenta dias (60 dias) após o respetivo vencimento. Esta
presunção, além de não se aplicar no caso de mora quanto a prestações não
retributivas – por força da letra da lei –, não pode valer no caso de
incumprimento parcial da retribuição – atendendo ao espírito da lei. Com
base nos princípios gerais, nomeadamente da boa fé e da proporcionalidade,
não parece admissível que o trabalhador possa resolver o contrato pelo facto
de o empregador se encontrar em mora, por mais de sessenta dias (60 dias),
quanto ao pagamento de um subsídio que corresponde a 5% da retribuição
base, tendo esta e os demais complementos sido pontualmente cumpridos.
Cabe ainda esclarecer a relação entre o prazo de sessenta dias do artigo 394.º,
n.º5 CT e o prazo de trinta dias (30 dias) do artigo 395.º, n.º1 CT. O primeiro
é um prazo que permite concluir pela existência de justa causa; o segundo é
o período dentro do qual se deve resolver o contrato, que se inicia a partir do
momento em que exista justa causa. O prazo de trinta dias (30 dias) do n.º1
do artigo 395.º CT é de caducidade, fixando o período em que se pode
exercer o direito de resolução. Existindo justa causa – eventualmente antes
do decurso do prazo de sessenta dias (60 dias) do artigo 394.º, n.º5 CT –, o
trabalhador tem trinta dias (30 dias) para resolver o contrato. Importa
concretizar a mencionada necessidade de conjugação do artigo 323.º, n.º3 CT
com o disposto nos artigos 394.º, n.º1 e 2, alínea a), e 351.º, n.º2 CT. No n.º3
do artigo 323.º CT lê-se que a falta de pagamento pontual da retribuição
confere ao trabalhador a faculdade de fazer cessar o contrato, nos termos
previstos no Código de Trabalho, e no n.º1 do artigo 394.º CT, dispõe-se que
pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato. Os dois preceitos
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não são incompatíveis, pelo contrário, justificam-se numa leitura conjugada,
a que se aludiu, importando, contudo, precisar esta interpretação. A cessação
imediata do contrato advém do facto de ocorrer justa causa (n.º1 do artigo
394.º CT), nomeadamente em caso de falta culposa de pagamento da
retribuição (alínea d) do n.º2 do artigo 394.º CT); mas a justa causa deve ser
apreciada nos termos prescritos no n.º2 do artigo 351.º CT (ex vi artigo 394.º,
n.º4 CT). Ora, a lesão de interesses do trabalhador, no quadro geral da
empresa, e a perturbação no relacionamento entre as partes de modo a tornar
praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, normalmente
não ocorre no momento seguinte ao da falta de pagamento da retribuição.
Concluindo, dir-se-á que a justa causa presume-se se decorreram sessenta dias
após a falta de pagamento da retribuição; antes do decurso deste período, o
trabalhador terá de demonstrar que a falta de pagamento constitui justa causa
de resolução do contrato, isto é, tem de provar os pressupostos da justa causa
indicados. Os sessenta dias (60 dias) têm uma função de prazo admonitório
(legal), que permite transformar a mora no pagamento da retribuição em
incumprimento definitivo, viabilizando o pedido de resolução do contrato.
Importa ainda contrapor os prazos de sessenta dias (60 dias) do n.º2 e de
trinta dias (30 dias) do n.º1, ambos do artigo 395.º CT.:
i. 60 dias: é um prazo mínimo para se presumir a existência de justa
causa;
ii. 30 dias: é um prazo de caducidade para se exercer um direito.
Atendendo ao prazo do artigo 395.º, n.º1 CT o trabalhador pode, após o
conhecimento da situação e nos trinta dias imediatos, fazer valer os seus
direitos; ou seja, provando a justa causa pode resolver o contrato no dia
seguinte ao da violação contratual por parte do empregador. O prazo de
sessenta dias (60 dias) do n.º5 do artigo 394.º CT tem em conta uma situação
continuada de incumprimento, e pressupõe o exercício do direito de
resolução depois do seu decurso; decorridos os sessenta dias presume-se que
há justa causa e o trabalhador pode, então, resolver o contrato bastando a
prova do incumprimento continuado. Importa reiterar, como se afirmou, que
a falta de pagamento da retribuição, ainda que culposa, por via de regra não
determina a imediata impossibilidade de subsistência da relação de trabalho,
razão pela qual o trabalhador não pode, desde logo, resolver o contrato nos
termos do artigo 394.º CT; terá de aguardar pelo decurso do prazo de sessenta
dias ou pela verificação de outro facto que, associado à falta de pagamento,
consubstancie a justa causa de resolução. Para a resolução do contrato em
caso de mora prolongada cabe atender ao disposto no artigo 394.º, n.º5 CT.
A resolução não pressupõe a prévia suspensão do contrato, requerida pelo
trabalhador em consequência da falta de pagamento da retribuição (artigos
294.º, n.º4 e 323.º, n.º1 CT). O trabalhador que resolva o contrato em caso
de não cumprimento da prestação retributiva tem direito:
i. À indemnização prevista no artigo 396.º CT;
ii. À proteção social de desemprego e a facilidades no âmbito de formação profissional.
A resolução do contrato por parte do trabalhador pode ser requerida em caso
de outras situações de incumprimento de deveres obrigacionais do
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empregador, pois não está circunscrita à falta de pagamento de prestações
pecuniárias.
3. Cumprimento defeituoso imputável ao empregador: o cumprimento defeituoso
ocorrerá sempre que o empregador não cumprir corretamente alguns dos seus
deveres. Mesmo a retribuição, na parcela em que esta não seja pecuniária, pode ser
defeituosamente cumprida. Para além disso, há outros deveres do empregador
suscetíveis de serem defeituosamente cumpridos, designadamente o respeito de
regras de higiene e segurança no trabalho. O cumprimento defeituoso dos deveres
do empregador concede ao trabalhador o direito a exigir uma indemnização e
inclusive a resolução do contrato, se estiverem preenchidos os pressupostos de justa
causa. Na enumeração constante do n.º2 do artigo 351.º CT, de fazem parte seis
situações que constituem justa causa, quatro delas integram hipóteses de
cumprimento defeituoso (alíneas b), c), d) e e)). Nomeadamente, na violação das
garantias legais e convencionais do trabalhador (artigo 351.º, n.º2, alínea b) CT)
enquadram-se múltiplas hipóteses de deficiente cumprimento de deveres contratuais
por parte do empregador, como a atribuição de taregas não incluídas na categoria, a
alteração do local de trabalho fora do âmbito dos artigos 194.º e seguintes CT, o
recurso ao ius variandi em violação do artigo 120.º CT ou a exigência ilegal de trabalho
suplementar. De entre as situações de cumprimento defeituoso de deveres do
empregador, importa fazer especial alusão, pela relevância prática que implica, o mau
cumprimento das regras de segurança, causa de acidentes de trabalho e,
consequentemente, fonte de responsabilidade civil. Esta hipótese de
responsabilidade civil, afora a particularidade de poder existir independentemente de
culpa do empregador, segue o regime regra do Direito Civil.
4. Incumprimento imputável ao trabalhador:
a. Regras gerais: atendendo à sua natureza sinalagmática, o incumprimento de
prestações emergentes do contrato de trabalho pode ser imputável a qualquer
das partes, mas neste número far-se-á referência ao incumprimento de
prestações contratuais imputáveis ao trabalhador. O incumprimento de
deveres obrigacionais por parte do trabalhador segue o regime geral, em
termos idênticos aos anteriormente referidos em relação ao empregador.
b. Mora e incumprimento definitivo imputáveis ao trabalhador:
i. Mora do devedor: se o trabalhador faltar culposamente ao cumprimento
dos seus deveres poderá haver mora ou incumprimento definitivo.
Assim, uma falta injustificada implica a violação do dever de
comparecer ao serviço com assiduidade e poderá integrar uma
situação de mora ou de incumprimento definitivo parcial. Tendo o
trabalhador chegado atrasado, pode compensar o atraso trabalhando
mais tempo depois do horário; haverá teoricamente uma situação de
mora, tendo-se procedido à respetiva purgação (artigo 804.º CC). O
mesmo se passa na hipótese de falta injustificada, que pode ser
compensada, inclusive com dias de férias (artigo 257.º, n.º1 CT). Não
parece correto entender-se que, faltando o trabalhador, não possa
realizar a atividade devida mais tarde, porque se estaria perante uma
situação de impossibilidade de cumprimento. Por via de regra, não há
qualquer perda de interesse para o empregador e o trabalhador
poderá proceder à purgação da mora em horas fora do horário de
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trabalho; esta compensação não será considerada trabalho
suplementar se verificados os pressupostos do artigo 226.º, n.º2,
alínea b) CT. Por outro lado, admitir-se-ia que há impossibilidade de
realizar a prestação em outro dia ou outro horário corresponde a uma
visão parcelar da relação laboral; esta não deve ser entendida como o
somatório das várias horas e dias de trabalho, pois estes integram-se
num conjunto, como elementos indissociáveis. Além disso, não
parece que a tendencial imperatividade do regime das férias e faltas
impeça esta solução. Importa reiterar que a situação de mora depende
de um pressuposto relacionado com a vontade de ambas as partes: só
há purgação da mora se o credor (empregador) tiver interesse em
aceitar a prestação posteriormente e se o devedor (trabalhador)
estiver disposto a realizá-la; dito de outro modo, a mora na prestação
principal do trabalhador e a respetiva purgação assenta numa situação
de consenso. Esta necessidade de consenso, não exigida no Direito
das Obrigações, advém da particularidade do vínculo laboral. Se, pelo
contrário, perante a falta injustificada do trabalhador for feito o
respetivo desconto na retribuição mensal, a situação integrar-se-á
num incumprimento definitivo parcial. Para se determinar se a
situação concreta corresponde a um caso de mora ou de
incumprimento definitivo, ainda que parcial, importa determinar se,
do ponto de vista objetivo, a prestação incumprida pode ou não ser
realizada mais tarde. No caso de o trabalhador faltar ou se atrasar
injustificadamente, caberia determinar se a prestação pode ser
realizada mais tarde e se o empregador tem interesse, objetivamente
determinado, em que a atividade seja efetuada posteriormente, por
um lado, e se o trabalhador está interessado em realizá-la em
momento ulterior. Na eventualidade de uma situação de
incumprimento que, objetivamente, poderia enquadrar-se numa
hipótese de mora, mas que será qualificada como incumprimento
definitivo, porque o trabalhador se recusa a realizar a prestação mais
tarde, dever-se-á ponderar esta gravidade da conduta do trabalhador
na apreciação da sua culpa. Havendo mora por parte do trabalhador
este deverá cumprir a prestação mais tarde e, além disso, terá de
reparar os danos causados ao empregador. A determinação desses
prejuízos far-se-á nos termos gerais dos artigos 562.º e seguintes CC.
O empregador, com base na exceptio, poderá recusar a parte da
retribuição correspondente à atividade em mora.
ii. Mora do credor: o trabalhador, na qualidade de credor de uma prestação,
em particular da retribuição, pode entrar em mora. Haverá mora do
credor, nos termos dos artigos 813.º e seguintes CC, se o trabalhador,
sem motivo justificado, não aceitar a retribuição que lhe for oferecida.
Nesse caso, o trabalhador entra em mora, não se considerando que o
empregador esteja em incumprimento pelo facto de a retribuição não
ter sido paga na data do vencimento, podendo este recorrer à
consignação em depósito (artigo 841.º e seguintes CC). Havendo
mora do trabalhador, na qualidade de credor, deverá infrutífero da
prestação (artigo 816.º CC). O regime da mora do credor aplicável ao
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trabalhador não se circunscreve à recusa de aceitação do salário,
valendo em caso de qualquer crédito devido pelo empregador (ainda
que oferecido por terceiro, sendo a prestação fungível) que o credor
da atividade (trabalhador) recuse injustificadamente.
iii. Incumprimento definitivo: estar-se-á perante uma situação de
incumprimento definitivo se o trabalhador não puder realizar a
prestação mais tarde, porque isto é objetivamente impossível ou
porque o empregador não tem interesse, também determinado
objetivamente, em que a atividade seja realizada em momento
posterior (artigo 808.º CC). Acresce ainda que se o empregador
estabelecer um prazo admonitório para o trabalhador realizar a
prestação, não a tendo este feito, pode aquele considerar
definitivamente incumprida a prestação (artigo 808.º C). Por último,
como particularidade com especial relevância a nível laboral, importa
acrescentar que o incumprimento definitivo pode advir do facto de o
trabalhador se recusar a realizar a prestação em falta após o
incumprimento. Deste modo, se o trabalhador faltou
injustificadamente e a atividade não pode ser realizada mais tarde mas
o trabalhador não a efetua depois do decurso do prazo admonitório,
há incumprimento definitivo. O incumprimento definitivo, sendo
parcial, permite que o empregador reduza a retribuição na proporção
respetiva (artigo 802.º, n.º1 CC) e, sendo grave o incumprimento
definitivo parcial, o empregador pode resolver o contrato de trabalho
(artigo 802.º, n.º1 e 2 CC), que corresponde a uma justa causa de
despedimento (artigo 351.º CT). Em qualquer caso, o empregador
pode exigir uma indemnização. Em princípio, na primeira situação, a
indemnização só cobre o interesse contratual positivo, enquanto na
segunda, abrangeria o dano negativo ou de confiança; todavia, é
preciso ter em conta que o contrato de trabalho pressupõe a
existência de uma relação duradoura, cujos efeitos passados não são
postos em causa (artigo 434.º, n.º2 CC), pelo que esta repartição do
tipo de indemnizações pode não se ajustar completamente. De facto,
em particular nestes contratos, a resolução não faz desaparecer a
relação contratual, constituindo, antes, uma relação de liquidação.
Sendo o incumprimento definitivo total, ao empregador cabe optar
entre a resolução do contrato (artigo 801.º, n.º2 CC), ou seja proceder
ao despedimento nos termos do artigo 351.º CT, ou manter a relação
laboral, exigindo uma indemnização correspondente ao dano
positivo (artigo 801.º, n.º2 CC). É evidente que a opção só existe na
medida em que haja justa causa de despedimento (artigo 351.º, n.º1
CT). Em termos indemnizatórios, o incumprimento definitivo do
contrato de trabalho não apresenta diferenças fundamentais em
relação ao regime comum, determinando-se os prejuízos nos termos
dos artigos 562.º e seguintes CC. Por isso, é lícito estabelecer-se uma
cláusula penal determinando o montante da indemnização devida
pelo trabalhador na hipótese de falta de cumprimento de uma
prestação do contrato de trabalho. Há, porém, casos em que o valor
da indemnização opor incumprimento é fixado pela lei, como por
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exemplo, no artigo 137.º, n.º2, in fine, 399.º e 401.º CT. Todavia, por
motivos vários, não é frequente que os empregadores os demandem,
exigindo o pagamento de uma indemnização por incumprimento do
contrato de trabalho. Se o trabalhador não cumpre alguma das
obrigações a que se encontra adstrito no contrato de trabalho,
responde pelo prejuízo causado ao empregador, nos termos gerais
(artigo 323.º, n.º1 CT). Como regime particular importa atender ao
poder disciplinar (artigos 328.º e seguintes CT), que confere ao
empregador a possibilidade de aplicar sanções disciplinares ao
trabalhador. O recurso ao poder disciplinar relaciona-se com o
incumprimento de deveres por parte do trabalhador; tendo o
trabalhador faltado ao cumprimento de obrigações resultantes do
vínculo laboral, pode o empregador, com base no poder disciplinar,
aplicar uma das sanções constantes do elenco do artigo 328.º CT. De
entre essas sanções cabe indicar a resolução do contrato por facto
imputável ao trabalhador, prevista no artigo 328.º, n.º1, alínea f) CT,
cujo regime terá de ser analisado com base no artigo 351.º CT.
c. Cumprimento defeituoso da atividade: sempre que o trabalhador realiza
a atividade em desconformidade com o que era devido, estar-se-á perante um
cumprimento defeituoso. Haverá, nesse caso, um desvio entre a atividade
devida e a que foi realizada. Além da imperfeição referida, para haver
incumprimento defeituoso torna-se ainda necessário que o empregador não
tenha mostrado a sua concordância com aquela atuação, que o defeito seja
relevante e que daí derivem danos típicos. Estar-se-á perante uma
desconformidade se o trabalhador realiza a atividade em lugar diferente ou
de modo distinto do acordado, bem como quando, ao desempenhar a
atividade, viola deveres acessórios. Para além da desconformidade é
necessário que o empregador não tenha mostrado a sua concordância com a
atividade defeituosa. Relacionado com este aspeto importa igualmente que a
falta de conformidade não seja imputável ao próprio empregador, em razão,
nomeadamente, de ordens contraditórias ou desconexas. Em terceiro lugar,
só será de admitir um cumprimento defeituoso se o defeito for grave. Vale o
princípio de minimus non curat praetor. Não se justificaria que o empregador
demandasse o trabalhador por um defeito insignificante em relação à
atividade por este desenvolvida; esta é uma conclusão que deriva do bom
senso e que tem particular relevância no domínio laboral atento o facto de a
continuidade no exercício da atividade e a repetição de tarefas justificar uma
atenuação do cuidado que pode tornar irrelevantes pequenas falhas. A
importância do defeito deverá ser apreciada com base no princípio da boa fé,
perante cada situação concreta e à luz do interesse do empregador. Por último,
os danos têm de ser típicos, a atuação do trabalhador deverá acarretar
consequências que não estariam tuteladas pela mora nem pelo
incumprimento definitivo. O fundamento legal do cumprimento defeituoso
da atividade laboral encontra-se no artigo 128.º, alíneas b) e c) CT, onde se
impõe ao trabalhador o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e
pontualidade e realizar o trabalho com zelo e diligência. A assiduidade e o
zelo relacionam-se ambos com a diligência na execução da atividade. Se o
trabalhador efetua a atividade com falta de diligência há um cumprimento
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imperfeito do seu dever principal. A falta de assiduidade implica que o
trabalhador não comparece diariamente ao serviço ou chega atrasado com
habitualidade. Não se está perante a situação de uma única falta injustificada;
só se pode falar em falta de assiduidade se houver alguma continuidade, o
que não implica que tenham de ser faltas ou atrasos seguidos; basta que num
determinado período (normalmente num ano civil), o trabalhador, por
diversas vezes, tenha faltado ou chegado atrasado. Se se estiver perante uma
falta injustificada poder-se-á qualifica-la como mora ou incumprimento
definitivo parcial, nos termos referidos anteriormente. Porém, a falta de
assiduidade, pela sua repetição, leva à perda de confiança e, nesse caso, vista
a relação laboral no seu todo, há que encarar a atuação do trabalhador como
um cumprimento defeituoso. Mais uma vez, importa reiterar que a não
realização da atividade em certo dia não implica, por via de regra, uma
impossibilidade de cumprimento, entendimento que corresponderia a uma
visão parcelar da relação laboral, como um somatório de dias de trabalho,
quando, na realidade, ela deve ser vista numa perspetiva de conjunto. Na
realização da atividade com falta de zelo há igualmente uma situação de perda
de confiança, conformando esta atuação um cumprimento defeituoso por
parte do trabalhador. A falta de diligência é uma fórmula ampla onde se
incluem diversas falhas na realização da atividade laboral, em especial
relacionadas com o modo de prestar o trabalho. A propósito, resta relembrar
que o cumprimento defeituoso, como qualquer outra forma de não
cumprimento, funda-se na presunção de culpa do artigo 799.º CC. Porém, o
defeito terá de ser provado por quem o invoca, nos termos gerais do artigo
342.º, n.º1 CC; ou seja, cabe ao empregador provar que o trabalhador
desempenhou defeituosamente a atividade. Perante o cumprimento
defeituoso por parte de trabalhador cabe, em primeiro lugar, ao empregador
o direito de licitamente recusar a prestação desconforme. Relativamente a
atrasos injustificados do trabalhador, determina-se no artigo 256.º, n.º3 CT
que o empregador pode recusar-se a aceitar a presunção laboral, daí
decorrendo uma falta injustificada. Depois de realizada a prestação defeituosa,
o empregador poderá exigir, sendo isso possível, que o trabalhador, a
expensas suas, corrija o defeito ou realize nova prestação. Se o trabalhador,
fora do horário de trabalho, que não corresponde necessariamente a trabalho
suplementar (artigo 226.º, n.º3, alínea c) CT), vier a corrigir o defeito ou a
realizar outra prestação, a falta ficou sanada. Em caso de cumprimento
defeituoso, ao empregador é-lhe também facultado o recurso à exceção de
não cumprimento, que corresponderia a uma redução da retribuição; todavia,
não havendo recusa da prestação, como as situações geradoras de
cumprimento defeituoso não permitem a aplicação do regime das faltas, que
determina perda da retribuição, só seria admissível a exceção nos limites do
artigo 279.º CT. A exceção de não cumprimento por parte do empregador
está condicionada pelo princípio da irredutibilidade salarial. O legislador
rodeou de especiais cautelas a efetividade da remuneração, limitando,
designadamente, a possibilidade de se proceder à cessão, compensação e
penhora do salário (artigos 279.º e 280.º CT). Deste modo, o deficiente
cumprimento da prestação laboral não permite que o empregador proceda a
um desconto na remuneração, exceto nos termos do disposto no artigo 279.º,
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n.º2, alínea b) CT. Se o trabalhador, pela sua atuação, causar um prejuízo ao
empregador, só depois da indemnização se encontrar liquidada por decisão
judicial é que o seu valor pode ser descontado no salário, com os limites
constantes do artigo 279.º, n.º3 CT. O cumprimento defeituoso da atividade
laboral por parte do trabalhador é fonte de responsabilidade civil contratual,
podendo dar azo a um dever de indemnizar, bem como à resolução do
contrato, quando se integre numa justa causa de despedimento, situação que
ocorre, nomeadamente, nas hipóteses previstas nas alíneas d), e), h) e m) do
n.º2 do artigo 351.º CT; nestes casos, estar-se-á perante um cumprimento
defeituoso por parte do trabalhador. Ou seja, dos doze exemplos de situações
de justa causa de despedimento, quatro derivam de cumprimento defeituoso
da prestação laboral.
Prescrição: a prescrição de créditos laborais associa-se normalmente com a retribuição –
razão pela qual a matéria já foi referida no semestre anterior –, mas o regime especial de
prescrição estabelecido em sede laboral não se circunscreve ao crédito retributivo. A
prescrição foi estabelecida no artigo 337.º CT com caráter bilateral, valendo para ambas as
partes; tanto o trabalhador como o empregador estão sujeitos a um prazo de prescrição de
um ano para fazerem valer os respetivos direitos emergentes do contrato de trabalho. Esta
ideia, já defensável no âmbito da legislação anterior, tem maior justificação atendendo ao
elemento sistemático: a prescrição surgiu no Código do Trabalho autonomizada da
retribuição, em secção própria. A aplicação do regime prescricional, constante do artigo 337.º
CT, aos direitos do trabalhador e do empregador, decorre do texto da lei, mas não encontra
a mesma justificação quando está em causa um crédito do empregador, sobre o qual não
incide a mesma pressão psicológica; todavia, seria inadequado estabelecer prazos distintos,
que obstariam à aplicação do regime da compensação. Como já se mencionou, em sede
laboral foi consagrado um regime excecional de prescrição, diferente do regime comum,
estabelecido no Código Civil, que só vale no estrito âmbito de aplicação previsto na norma.
Por isso, nem todos os créditos do trabalhador ou do empregador estão sujeitos a este regime
excecional de prescrição. Quanto à prescrição do créditos resultantes do contrato de trabalho,
em que se inclui a retribuição e outros direitos emergentes do vínculo laboral, o artigo 337.º
CT afasta-se do regime instituído no Código Civil (artigos 300.º e seguintes CC), sob dois
aspetos, subdividindo-se o segundo em duas vertentes:
1. No artigo 337.º, n.º1 CT estabeleceu-se um prazo de prescrição de um ano. Tal
prazo não é conhecido no Código Civil.
2. Determinou-se que o prazo de prescrição começa a correr a partir do dia
seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, independentemente da
causa de cessação (caducidade, revogação ou resolução). A extinção do vínculo
deve entender-se em sentido factual, abrangendo a hipótese de despedimento ilícito.
Esta regra – justificada pelo facto de, na pendência da relação laboral, o trabalhador
poder encontrar-se constrangido a intentar uma ação judicial contra o empregador –
implica duas alterações em relação ao regime do Direito Civil:
a. Nos termos do artigo 306.º CC, por via de regra, a prescrição tem início
com o vencimento da obrigação, enquanto nos créditos resultantes da
retribuição ou de outra prestação devida pela execução do contrato de
trabalho, o início da prescrição relaciona-se com o termo do contrato.
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b. Nesta sequência, a prescrição não corre durante a vigência do contrato
de trabalho. Trata-se, no fundo, de uma suspensão da prescrição, tal como
vem previsto no artigo 318.º, alínea e) CC, apresentada com outras vestes
jurídicas.
Apesar de o regime da prescrição ser idêntico, independentemente do tipo de crédito,
determinados direitos do trabalhador, desde que vencidos há mais de cinco anos (5
anos) têm de ser provados por documento idóneo (artigo 337.º, n.º2 CT).
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IX – Acidentes de Trabalho
Aspetos gerais:
1. Ideia geral e evolução: a matéria dos acidentes de trabalho, na prática, ocupa talvez
50% das questões juslaborais suscitadas. A disciplina jurídica dos acidentes de
trabalho apresenta alguma especificidade com respeito às regras gerais da
responsabilidade civil aquiliana, constantes dos artigos 483.º e seguintes CC. Trata-
se, tão-só, de especificidades, porque a responsabilidade emergente de acidentes de
trabalho assenta nos pressupostos básicos da responsabilidade civil extracontratual.
Porém, atentas as particularidades, justifica-se o estudo desta matéria. Com efeito,
sendo o Direito do Trabalho Direito Privado especial, cabe aludir às especificidades
de regime, em particular, com respeito ao Direito comum que é, em grande parte, o
Direito das Obrigações. Do ponto de vista legislativo, a responsabilidade civil
objetiva emergente de acidentes de trabalho terá surgido na Alemanha, com a lei de
6 de julho 1884. Em Portugal, a primeira regulamentação aparece com a Lei n.º 83,
24 julho 1913, em que se estabelecia uma responsabilidade sem culpa, em particular,
quando os acidentes eram causados por máquinas, mas não abrangia as doenças
profissionais. Atualmente, desde 1 janeiro 2010, vigora a Lei n.º 98/2009, 4 setembro
(Lei dos Acidentes de Trabalho, LAT), que, com pequenas adaptações e resolução
de dúvidas, manteve quase inalterado o regime até então vigente. Nos termos da
legislação referida, vigora, com respeito aos acidentes de trabalho, um regime de
responsabilidade civil objetiva, pelo risco. Só que, contrariamente ao estabelecido no
Código Civil em termos de responsabilidade civil objetiva (artigos 499.º e seguintes
CC), em que, por via de regra, se determinam limites máximos do montante
indemnizatório, em sede de acidentes de trabalho os limites são determinados pela
tipificação dos danos – na Tabela Nacional de Incapacidades – e pelo
estabelecimento de regras para o apuramento da indemnização. Á proteção derivada
de acidente de trabalho ou doença profissional, após a revisão de 1997, foi conferida
dignidade constitucional. De facto, no artigo 59.º, n.º1 CRP acrescentou-se a alínea
f), nos termos da qual todos os trabalhadores têm direito a assistência e justa
reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Para
além dos diplomas referidos, importa tem em conta regras jurídicas provenientes de
fontes externas, em especial, convenções da OIR. Quanto às fontes externas em geral
há a referir a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 25.º), o Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 7.º) e a Carta
Social Europeia (artigo 3.º). Relativamente às Convenções da OIT é de indicar a
Convenção n.º12, 1921, a Convenção n.º 17, de 1925 e a Convenção n.º 155, de 1981,
todas ratificadas por Portugal. Sobre este ponto é igualmente de aludir à Convenção
OIT n.º 121, de 1964, modificada em 1980, mas que não foi ratificada por Portugal.
Ainda com respeito às fontes externas cabe mencionar o Direito Comunitário, com
várias diretivas sobre segurança e saúde no trabalho.
2. Acidente de trabalho e doença profissional: no ordenamento jurídico português,
os acidentes de trabalho não se encontram integrados no sistema de proteção da
segurança social; solução que parece inteiramente correta. Há uma diferença entre a
proteção concedida ao trabalhador em caso de acidente de trabalho e a Segurança
Social. Como é sabido, a Segurança Social sofre de dois problemas graves:
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a. Excessiva burocratização, que não existe nos mesmos moldes num
esquema de seguro privado;
b. A sua falência económica.
A estes motivos acresce que o setor segurador passaria por graves dificuldades caso
se procedesse à mencionada transferência, derivado do peso significativo do ramo
acidentes de trabalho. Razões pelas quais, hoje, a tendência aponta no sentido de se
aliviar a segurança social de algumas das suas tarefas, transferindo-as para entidades
privadas, em princípio seguradoras. Tendo isto em conta, o legislador acabou por
não concretizar a substituição prometida, mantendo-se, quanto aos acidentes de
trabalho, o regime indemnizatório de Direito Privado, previsto na Lei dos Acidentes
de Trabalho. Mas esta conclusão vale somente para os acidentes de trabalho e não
quanto às doenças profissionais. Progressivamente, a partir de 1962, a
responsabilidade pelas doenças profissionais foi sendo transferida das entidades
patronais para a, então previdência social. Em 1981 as doenças profissionais foram
integradas num sistema de proteção público (Segurança Social), concretamente a
Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (substituída pelo Centro
Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais). Estando o regime fora do
domínio privado, não cabe neste estudo aludir às questões que lhe são inerentes.
Assim sendo, vai proceder-se unicamente ao estudo dos acidentes de trabalho, pois
só estes se encontram no âmbito do Direito Privado, sabendo-se que, contudo,
algumas das regras válidas neste regime continuam a encontrar aplicação em sede de
doenças profissionais. O acidente de trabalho pressupõe que seja súbito o seu
aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e
deriva de fatores exteriores. O acidente de trabalho é, normalmente, causa de uma
lesão corporal, física ou psíquica; mas, em determinados casos, pode estar na origem
de uma doença. Por seu turno, as doenças profissionais, que se encontram reguladas
nos artigos 93.º e seguintes LAT, resultam do exercício de uma atividade profissional.
Daí que, por via de regra, a doença profissional é de produção lenta e progressiva
surgindo de modo impercetível. Como afirma Emygdio da Silva,
«a doença profissional infiltra-se com insídia, mas não é facilmente reconhecida desde
logo».
Nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, para efeitos indemnizatórios, só se
consideram doenças profissionais as que constam de uma lista periodicamente
atualizada (artigo 94.º, n.º2 LAT e artigo 283.º, n.º2 e 3 CT). Posto isto, importa
estabelecer a seguinte distinção:
a. Doenças profissionais em sentido amplo: abrangem
i. Doenças profissionais em sentido restrito: as que constam da lista de doenças
profissionais (artigos 283.º, n.º2 CT e 94.º, n.º1 CT);
ii. Doenças de trabalho: são igualmente doenças profissionais, por
resultarem do exercício de uma atividade profissional, mas apesar de
não constarem da lista referida, são ainda assim ressarcíveis (artigos
283.º, n.º3 CT e 94.º, n.º2 LAT).
A responsabilidade derivada de doenças profissionais tem vindo, progressivamente,
a ser transferida de instituições privadas para instituições públicas; ou seja, foi
deixando de estar na órbita de imputabilidade dos empregadores e respetivas
seguradoras, passando para o setor público. Não obstante a figura das doenças
profissionais andar associada com a dos acidentes de trabalho, a sua forma de
ressarcimento esquadra-se em parâmetros diferentes, de Direito Público.
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3. Prevenção do acidente; regras de segurança no trabalho: a Lei dos Acidentes de
Trabalho, bem como os diplomas que a regulamentam, preocupam-se em disciplinar
dois aspetos:
a. A prevenção do acidente de trabalho: constitui um dever humanitário e
apresenta vantagens económicas para a empresa e respetiva seguradora –
com base na máxima mais vale prevenir do que remediar –, bem como para a
comunidade em geral. Para a prevenção do acidente de trabalho podem
intervir várias entidades com funções diversificadas.
i. A profilaxia do acidente de trabalho é uma incumbência do Estado: sobre o
Governo impende o dever de decretar medidas de segurança que,
postas em prática, evitem a ocorrência de acidentes. No que respeita
ao estabelecimento de regras de segurança no trabalho é de referir o
regime constante dos artigos 281.º e seguintes CT e o disposto na Lei
n.º 102/2009, 10 novembro;
ii. Ao Estado incumbe fiscalizar o cumprimento de tais regras: importa salientar
que as regras de segurança não têm só como destinatários os
empregadores, pois elas destinam-se também a ser cumpridas pelos
trabalhadores (artigo 17.º Lei n.º102/2009). O Estado tem
organismos competentes, em particular a Autoridade para as
Condições de Trabalho, para fiscalizar o cumprimento das regras de
Direito do Trabalho, entre as quais as que respeitam à prevenção de
acidentes.
1. Relacionado com a fiscalização, cabe aludir à punição de infrações às
regras de prevenção: além das contraordenações laborais
desenvolvidas e concretizadas na Lei n.º 107/2009, 14
setembro, com respeito a vários diplomas sobre proteção da
segurança e saúde dos trabalhadores, no artigo 152.º, n.º3 CP
foi estabelecido um crime de perigo comum por infração a
regras de segurança no trabalho;
iii. À fiscalização estadual, acresce que o cumprimento das regras de segurança e
saúde no trabalho pode igualmente ser verificado por parte das comissões de
trabalhadores e dos delegados singdicais, nos termos gerais, por representantes dos
trabalhadores (artigo 223.º Lei n.º102/2009), bem como dos serviços de
segurança e saúde no trabalho organizados pelo empregador (artigos 73.º e
seguintes Lei n.º 102/2009).
iv. A lei ainda admite que os empregadores possam estabelecer outras regras de
segurança para além daquelas que constam de diplomas legais: dentro da sua
empresa, tendo em conta o dever e proteger o trabalhador, cabe ao
empregador fixar regras mais pormenorizadas e concretas em função
da atividade desenvolvida. Essas normas internas não podem dispor
contra o que vem determinado em diplomas legais, mas servem para
desenvolver e concretizar as regras de segurança legais, atentas as
especificidades da atividade desenvolvida na empresa. As normas
internas de prevenção do acidente podem constar de regulamento de
empresa, de ordens de serviço ou de simples avisos afixados na
empresa e são vinculativas para os trabalhadores.
Na prevenção do acidente de trabalho deve igualmente ter-se em conta a
minimização dos seus efeitos. Pretende-se, não só evitar a verificação do
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acidente, como minimizar os respetivos efeitos. Daí a obrigação imposta aos
empregadores de manterem serviços de segurança e saúde no trabalho;
serviços internos, interempresas ou externos, que se relacionam com a
dimensão da empresa, nos termos prescritos nos artigos 73.º e seguintes Lei
n.º102/2009.
b. A reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.
Responsabilidade civil objetiva e subjetiva:
1. Generalidades:
a. Responsabilidade aquiliana comum: inicialmente, a figura dos acidentes
de trabalho não apresentava qualquer autonomia, pois estava integrada no
regime comum da responsabilidade civil extracontratual; era o que ocorria no
domínio do Código Civil de 1867 e legislação subsequente. Caberia ao
trabalhador lesado a prova dos factos constitutivos da responsabilidade
aquiliana, sendo, em muitos casos, particularmente difícil demonstrar a
existência de culpa por parte do empregador. Na realidade, o trabalhador,
sendo por via de regra a parte fraca na relação jurídica, teria dificuldade em
carrear elementos para provar a culpa do empregador, em especial em relação
à prova testemunhal a efetuar por colegas de trabalho. Na segunda metade
do século XX, a introdução da máquina no processo de laboração levou a
um aumento significativo dos acidentes de trabalho e um consequente
agravamento do risco na realização da atividade. A isto acrescia ainda o facto
de ser mais difícil a prova da culpa do empregador no caso de o acidente ter
sido causado por uma máquina; por um lado em que o mau funcionamento
do maquinismo não era facilmente provado, em particular por quem carecia
de conhecimentos técnicos e, por outro, porque seria difícil imputar a culpa
do mau funcionamento da máquina ao empregador que a tinha adquirido de
um terceiro. Em conclusão, proliferam os acidentes de trabalho e os lesados
não conseguiam obter qualquer indemnização.
b. Responsabilidade com culpa presumida: pensou-se em alterar esta
situação através da inserção do ónus da prova da culpa, por duas vias:
i. Conduzir os acidentes de trabalho ao regime da responsabilidade contratual;
ii. Admitir uma exceção no regime da responsabilidade aquiliana, estabelecendo uma
presunção de culpa.
Mas esta conceção assenta num vício: de que o acidente de trabalho resulta
do incumprimento de uma obrigação emergente do contrato de trabalho. E,
por outro lado, mesmo que se pudesse relacionar o acidente de trabalho com
o não cumprimento de deveres contratuais, o dano corporal causado ao
trabalhador, em princípio, estaria fora do domínio de proteção do contrato.
A responsabilidade contratual visa tão-só ressarcir os danos típicos que se
incluem no domínio de proteção do negócio jurídico em causa. Por isso,
sendo causados danos corporais à contraparte, não estando a proteção da
pessoa do contraente incluída no objeto do contrato, tais danos estarão fora
do domínio típico de proteção desse contrato. Não estando os danos
abrangidos no domínio da proteção contratual, só poderão ser ressarcidos
pela via da responsabilidade extracontratual. Esta é a conclusão a que se pode
chegar em sede de acidentes de trabalho. Assim sendo, admitir a presunção
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de culpa do empregador com base na aplicação do regime da
responsabilidade contratual não parece, do ponto de vista concetual, o
melhor caminho. A solução seria, pois, considerando a responsabilidade
emergente de acidentes de trabalho como extracontratual, admitir, nesta sede,
exceções à regra geral de a prova da culpa incumbir ao lesado (artigo 487.º,
n.º2 CC). Este seria um caminho ao qual não haveria objeções concetuais a
opor e resolveria alguns dos problemas que poderiam surgir derivados da
dificuldade da prova da culpa do empregador por parte do trabalhador lesado.
Acontece, porém, que, mesmo com recurso à culpa presumida do
empregador, ficavam em alguns casos os danos emergentes de acidentes de
trabalho por ressarcir, na medida em que a presunção era ilidível.
c. Responsabilidade objetiva: para, de algum modo, pôr cobro a estas
situações, em especial quando implicavam uma clamorosa injustiça para os
trabalhadores lesados que, por via da responsabilidade civil delitual, não
podiam ser ressarcidos, veio a admitir-se uma terceira via: a da
responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil objetiva, sem culpa,
tem o seu aparecimento relacionado com o ressarcimento dos danos
causados por acidentes de trabalho. A responsabilidade objetiva surge como
exceção à responsabilidade civil extracontratual tendo em vista resolver o
problema pontual dos acidentes de trabalho. Mais tarde, esta exceção foi
alargada a outras figuras, como os acidentes de viação e, mais recentemente,
a responsabilidade do produtor. Mas, de facto, foi para os acidentes de
trabalho que se pensou na criação de uma figura de responsabilidade civil
extracontratual sem culpa. Principalmente a partir da introdução da máquina
no processo produtivo, na medida em que esta aumentou o perigo de
sinistros e, na realidade, levou a um incremento de acidentes de trabalho. De
certo modo, esta ideia ainda hoje se encontra patente na Lei, quando o artigo
16.º, n.º2 Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) não se permite a exclusão da
reparação derivada de acidente de trabalho se este se tiver ficado a dever a
utilização de máquinas e de outros equipamentos de especial perigosidade. A
responsabilidade objetiva surge, assim, associada à periculosidade. O
fundamento da responsabilidade civil objetiva pode estar associado à teoria
do risco, em particular, no que respeita aos acidentes de trabalho, ao risco
profissional. Nestes termos, se a atividade profissional desenvolvida tinha,
em potência, um risco, bastava demonstrar que o acidente de trabalho
ocorrido se encontrava na órbita desse risco para que fosse devida a respetiva
indemnização. Seria, todavia, necessário demonstrar que o acidente era causa
normal do risco próprio daquela atividade. O empregador seria responsável
pelos danos causados aos trabalhadores pelo risco próprio da atividade por
estes desenvolvida, porque poderia retirar as vantagens dessa mesma
atividade; ou seja, ubi commoda ibi incommoda: atribui-se o risco a quem tem os
benefícios. A responsabilidade objetiva, para além da periculosidade, anda
associada à existência de benefícios, daí que, por exemplo, no artigo 16.º, n.º1
LAT se estabeleça que não é possível excluir do âmbito da lei as situações em
que haja exploração lucrativa. Depois de uma primeira justificação assente
tão-só no risco profissional, em alterações legislativas, denota-se que a
responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho também encontra
justificação no risco de integração empresarial, em que a inclusão de
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trabalhador na estrutura da empresa do empregador, sujeitando-o à
autoridade deste, constitui base de um alargamento desta responsabilidade
civil. No risco empresarial estariam igualmente abrangidas causas indiretas do
dano; ou, dito de outro modo, assentar-se-ia numa noção ampla de acidente
de trabalho. Nos termos do artigo 9.º, n.º1, alínea a) LAT, consideram-se
acidentes de trabalho aqueles que ocorram quando o trabalhador se desloca
no trajeto de ida e de regresso para o local de trabalho. Em tais casos, não se
pode considerar que a responsabilidade assente no risco de exercício da
atividade. O alargamento do conceito de acidente de trabalho permite que se
aluda a uma tendência de socialização do risco. Cabe, pois, concluir que a
responsabilidade objetiva emergente de acidentes de trabalho, não obstante
assentar no risco profissional, em certos casos tem sido alargada com base na
ideia de risco empresarial, também designado risco de autoridade. Trata-se
do risco de ter trabalhadores, que não deriva só da atividade desenvolvida.
Por último, apesar de os acidentes de trabalho serem ressarcidos no âmbito
do Direito Privado, o seu alargamento também se fica a dever a uma
específica socialização do risco (v.g., artigo 9.º, n.º1, alínea g) LAT). Cabe,
pois, concluir que a responsabilidade objetiva emergente de acidentes de
trabalho, não obstante assentar no risco profissional,, em certos casos tem
sido alargada com base na ideia de risco empresarial, também designado risco
de autoridade. Trata-se do risco de ter trabalhadores, que não deriva só da
atividade desenvolvida. Por último, apesar de os acidentes de trabalho serem
ressarcidos no âmbito do Direito Privado, o seu alargamento também se fica
a dever a uma específica socialização do risco. Mesmo quando a
responsabilidade objetiva assenta num pressuposto de risco empresarial ou
de socialização do risco, não está afastado o regime regra da responsabilidade
aquiliana; sendo uma responsabilidade civil pelo risco é necessário configurar
esse risco para responsabilizar o empregador. A responsabilidade civil
objetiva por acidentes de trabalho, não obstante consistir num ius singulare,
continua a assentar nos pressupostos básicos da responsabilidade civil
aquiliana (ius commune), cujas regras, quando não sejam especialmente
afastadas, encontram aplicação. Trata-se de um tipo de responsabilidade civil
em que a culpa não faz parte dos seus requisitos, mantendo-se, com as
necessárias adaptações, o esquema geral da responsabilidade aquiliana. É esta
a conclusão que se retira do disposto no Código Civil, em particular no artigo
499.º CC. Pode questionar-se, em termos de acidentes de trabalho, o regime
regra é o mesmo ou se, pelo contrário, com base num princípio de risco
empresarial e até de socialização do risco, os danos podem ser ressarcidos
segundo padrões diversos dos da responsabilidade civil. Admitir-se-ia, então,
que a reparação seria devida independentemente do risco da atividade ou da
empresa e dos demais pressupostos da responsabilidade civil. Com o
estabelecimento da responsabilidade civil objetiva não se pretende afastar a
aplicação das regras da responsabilidade civil subjetiva, sempre que haja culpa
do responsável. O legislador, na LAT, apesar de só fazer alusão à
responsabilidade civil subjetiva no artigo 18.º LAT, não afasta a sua aplicação
em termos gerais se houver culpa do empregador. A responsabilidade civil
objetiva do empregador foi estabelecida na lei de forma limitada, de certo
modo à imagem do que ocorre em sede de responsabilidade civil objetiva no
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Código Civil, onde, em certos casos, se estabeleceram limites máximos no
montante indemnizatório, por exemplo, com respeito aos acidentes de viação
no artigo 508.º CC: Só que a responsabilidade civil subjetiva por acidentes de
trabalho assenta numa conceção diferente:
i. A responsabilidade civil subjetiva por acidentes de trabalho não é ilimitada, mas
o limite é fixado com base em dois aspetos:
1. Na noção legal de acidente de trabalho, que é delimitada pelo legislador;
2. A reparação só abrange as despesas respeitantes ao restabelecimento do
estado de saúde, à recuperação da capacidade de trabalho e de ganho e,
em caso de incapacidade ou de morte, indemnizações correspondentes à
redução da capacidade, subsídios de readaptação, pensões aos familiares
e despesas de funeral.
Na Lei dos Acidentes de Trabalho, em vez de se estabelecer um montante
máximo da indemnização, delimitou-se o conceito de acidente de trabalho e
fixaram-se os danos ressarcíveis. Não estão, assim, cobertos outros danos
patrimoniais para além dos indicados no artigo 23.º LAT. Não são igualmente
indemnizáveis os danos não patrimoniais, pois tais prejuízos não fazem parte
do elenco constante do artigo 23.º LAT. Neste ponto também o regime desta
lei difere do que foi instituído no Código Civil, onde a responsabilidade
objetiva cobre os danos não patrimoniais.
d. Agravamento da responsabilidade: havendo culpa do empregador ou do
seu representante na ocorrência do acidente de trabalho, determinada nos
termos gerais, pode questionar-se da aplicação das regras comuns da
responsabilidade civil subjetiva. Deste regime resultaria que, havendo culpa
do empregador, este responderia nos termos gerais dos artigos 483.º e
seguintes CC; sendo a culpa do representante da entidade patronal – situação
mais comum – o representante seria responsável nos termos comuns (artigos
483.º e seguintes CC) e sobre o empregador impenderia uma
responsabilidade objetiva, na qualidade comitente, como dispõe o artigo
500.º CC. Nesta última hipótese, o empregador e o seu representante
responderiam solidariamente pelos danos causados ao trabalhador (artigo
497.º CC). As dúvidas quanto à aplicação do regime geral da responsabilidade
civil advêm do disposto no artigo 18.º LAT. Do artigo 18.º LAT, que alude à
atuação culposa do empregador, poder-se-ia concluir que, em caso de culpa
do empregador, haveria tão-só, por um lado, um agravamento da
indemnização e, por outro, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.
Esta interpretação tinha particular relevo relacionando o preceito em causa
com a noção de acidente de trabalho (artigo 8.º LAT), que subsiste no regime
vigente. Perante esta interpretação caberia perguntar se o legislador, na
hipótese de culpa do empregador, pretenderia excluir a indemnização por
outros danos não patrimoniais não previstos na lei. Perante esta interpretação
caberia perguntar se o legislador, na hipótese de culpa do empregador,
pretenderia excluir a indemnização por outros danos patrimoniais não
previstos na lei. Como se estabelecia só um agravamento da obrigação de
reparar, não era aumentado o elenco dos danos, que continuavam a ser os
fixados no artigo 23.º LAT e ficariam, assim, excluídos os restantes danos
patrimoniais. E estes últimos podem ser de importância considerável. Da
formulação atual do artigo 18.º LAT, pode concluir-se que, em caso de culpa
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do empregador, são indemnizáveis todos esses danos. A segunda dúvida que
o artigo 18.º LAT (nas versões anteriores à atual da Lei) suscitava
relacionavam-se com o facto de saber se o agravamento nele estabelecido
prescinde da determinação do montante do dano e da existência de nexo
causal. No preceito em análise dizia-se simplesmente que as prestações fixar-
se-ão, pelo que se poderia concluir no sentido de ser devida a indemnização
mesmo que o dano fosse de valor inferior. Assim, se o dano sofrido pelo
trabalhador, atenta as regras de fixação da indemnização, for ressarcido por
um determinado montante, em caso de culpa do empregador, acrescia a esse
valor o agravamento determinado nos termos do artigo 18.º LAT. Pareceria
que o legislador teria querido, havendo culpa do empregador, puni-lo,
pagando mais do que seria devido em razão do dano causado; ou seja, em tal
caso, a indemnização não teria somente um fim ressarcitório do dano,
estando nela incluída uma punição. A questão do nexo causal estaria
associada com este aspeto: sendo o agravamento devido como punição, não
haveria que apurar o nexo causal, pois, nesse ponto, ele não existiria. Não era
esse o sentido que se preconizava quanto ao preceito e, hoje, o artigo 18.º
LAT segue esse entendimento. De facto, com este agravamento pretende-se,
sim, ressarcir todo o dano, sem limite, diferentemente do que ocorre quando
não há culpa do empregador, em que a indemnização é fixada com base em
critérios percentuais (artigo 48.º LAT). Por isso se afirma que a indemnização
abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos
pelo trabalhador. Assim sendo, não havendo culpa do empregador, a
indemnização só cobre uma percentagem do dano sofrido pelo trabalhador;
em caso de culpa do empregador, o prejuízo (indemnizável) é ressarcido na
íntegra. Ainda quanto à questão de saber se em caso de culpa do empregador
não seriam ressarcidos outros danos, para além dos previstos na LAT, à
exceção do agravamento constante do artigo 18.º LAT, parece que não se
pretendeu resolver os problemas derivados da responsabilidade civil
subjetiva do empregador. Na realidade, a Lei dos Acidentes de Trabalho, na
sequência das que a precederam, pretendeu instituir uma responsabilidade
objetiva, sem, todavia, excluir as regras gerais da responsabilidade aquiliana,
para onde remete a parte final do n.º1 do artigo 18.º LAT. Deste modo, estão
preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está
vedado ao trabalhador a possibilidade de ser ressarcido nos termos gerais,
designadamente no que respeita a danos não cobertos pela Lei dos Acidentes
de Trabalho. Caso o trabalhador recorra ao regime geral da responsabilidade
civil subjetiva, a reparação não poderá ser efetuada nos termos fixados na Lei
dos Acidentes de Trabalho, não estando, nomeadamente coberta pelo seguro
obrigatório. Nesse caso, valem as regras gerais, nomeadamente os artigos
562.º e seguintes CC, quanto ao apuramento da indemnização.
e. Responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho e
autonomia privada: o recurso à responsabilidade civil comum para os danos
não cobertos nesta lei enquadra-se na autonomia privada, desde que se
encontrem preenchidos os pressupostos daquela responsabilidade. Mas os
danos constantes do elenco do regime da responsabilidade por acidentes de
trabalho serão obrigatoriamente ressarcidos nos termos desse regime; a
autonomia privada só confere liberdade de atuação nos termos comuns da
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responsabilidade civil com respeito aos danos não abrangidos na Lei dos
Acidentes de Trabalho. Nos termos do artigo 12.º, n.º1 LAT, é nula a
convenção contrária aos direitos ou garantias do trabalhador estabelecidas
para o caso de acidente de trabalho e doença profissional. São igualmente
nulos os atos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos ao
trabalhador acidentado (artigo 12.º, n.º2 LAT). O agravamento da
responsabilidade, ainda que não consagrado na lei com permitido, continua
a valer por via do princípio da liberdade contratual. Do disposto no artigo
12.º LAT parece poder deduzir-se que nada obsta quanto a ser acordado um
agravamento de tal responsabilidade; será, pois, válido um regime
convencional que exceda os limites legais, designadamente admitindo uma
indemnização fixada por parâmetros mais elevados do que a retribuição ou
abrangendo outros danos, como os lucros cessantes. Naquilo que o acordo
das partes exceda o regime estabelecido em termos de acidentes de trabalho
não se aplica o disposto na lei em apreço, devendo o trabalhador recorrer às
regras gerais da responsabilidade civil. Deste modo, o regime estatuído para
os acidentes de trabalho, que é imperativo, só pretende fixar as reparações
expressamente nele previstas; no demais, querendo o trabalhador ver
ressarcidos outros danos, encontra aplicação o regime comum da
responsabilidade aquiliana.
2. Facto gerador da responsabilidade; acidente de trabalho:
a. Aspetos gerais: um dos pressupostos básicos para a existência de
responsabilidade civil é o facto, que, no plano da responsabilidade delitual,
terá de ser um facto humano. Com respeito à responsabilidade objetiva, o
facto humano como requisito perde sentido. O facto humano, pressuposto
da responsabilidade civil delitual, poderá, na responsabilidade sem culpa, ser
substituído por uma situação jurídica objetiva que esteve na origem do dano.
Na realidade, como o facto gerador da responsabilidade não se baseia numa
atuação culposa e ilícita, basta que se identifique uma situação geradora de
danos. Na responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, o facto
gerador nem sempre corresponderá a uma conduta humana; sendo a
responsabilidade objetiva, o que desencadeia o dano é o acidente de trabalho.
Pode, assim, concluir-se que o facto gerador da responsabilidade objetiva do
empregador é o acidente de trabalho. Importa, por conseguinte, apresentar
uma noção de acidente de trabalho; para tal, deve partir-se do conceito
constante do artigo 8.º, n.º1 LAT. O legislador relaciona esta infortúnio com
o local e o tempo de trabalho, por um lado, e com a produção direta ou
indireta de lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças de que
resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, por
outro. É esta delimitação negativa constante da parte final do preceito que
justificava os entraves à aplicação do regime geral da responsabilidade civil,
como se indiciou anteriormente. O acidente de trabalho corresponde a uma
determinada situação jurídica, legalmente delimitada e geradora de
responsabilidade do empregador; a responsabilidade civil objetiva da
entidade patronal – bem como a situação especial de responsabilidade
baseada na culpa, prevista no artigo 18.º LAT – tem como único facto
gerador o acidente de trabalho, e só é acidente de trabalho aquele infortúnio
que corresponda à definição legal. Por outro lado, como decorre do artigo
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20.º LAT, são unicamente ressarcíveis em sede de responsabilidade por
acidentes de trabalho os danos constantes da Tabela Nacional de
Incapacidades (Decreto-Lei n.º 352/2007, 23 outubro).
b. Danos típicos: tendo em conta estes dados e o conceito do artigo 8.º LAT,
parece poder concluir-se que o legislador caracteriza o acidente de trabalho
em função dos danos. Assim, numa primeira delimitação do conceito de
acidente de trabalho, que não parece correta, este infortúnio corresponde ao
sinistro que causar algum dos danos taxativamente indicados na Tabela
Nacional de Incapacidades, nos termos previstos nos artigos 23.º e seguintes
LAT. Mas qualificar o acidente em função do dano causado implica uma
inversão concetual: o facto gerador não pode ser definido atendendo à
consequência. Nestes termos, a parte final do n.º1 do artigo 8.º LAT, ao
pretender definir o acidente de trabalho em função dos danos causados, tem
de ser corrigida por via interpretativa. Com esta referência, o legislador
pretendeu esclarecer que na responsabilidade emergente de acidentes de
trabalho os danos são típicos; não é que o prejuízo conforme a noção do
facto gerador da responsabilidade, mas como o dano corresponde a um dos
requisitos da responsabilidade, sendo eles típicos, fica delimitado o âmbito
do instituto.
c. Determinação do lesado:
i. Trabalhador dependente: na delimitação do conceito de acidente de
trabalho é relevante a determinação do lesado. Nos termos do artigo
3.º, n.º1 LAT, o lesado será um trabalhador, por conta de outrem, tal
como vem estabelecido no artigo 11.º CT. E tanto pode ser um
trabalhador português que desenvolva a sua atividade em Portugal,
como um trabalhador estrangeiro que preste serviço em Portugal
(artigo 5.º LAT) e ainda um trabalhador português (ou estrangeiro)
residente em Portugal, ao serviço de uma empresa portuguesa, que
trabalhe no estrangeiro (artigo 6.º LAT). Para efeitos de acidente de
trabalho não é sequer necessário que o lesado seja parte num contrato
de trabalho válido. Mesmo na hipótese de o contrato ser inválido, tal
como dispõe o artigo 122.º CT, basta que o trabalhador tenha
desenvolvido a sua atividade para que os efeitos emergentes da
relação laboral se produzam como se ela fosse válida; entre esses
efeitos incluem-se os relativos à responsabilidade do empregador por
acidentes de trabalho. De igual modo, apesar de ter havido suspensão
do contrato de trabalho com base em fundamento relacionado com
o empregador, como no caso de suspensão preventiva nos termos do
artigo 354.º CT, se ocorre um sinistro relacionado com o contrato de
trabalho é de qualificar como acidente de trabalho. Em princípio,
uma empresa não responde pelo acidente de trabalho ocorrido com
o trabalhador contratado por outra empresa ainda que se encontre a
desenvolver uma atividade de que a primeira beneficia. Por isso, é a
empresa de trabalho temporário que tem de transferir a
responsabilidade emergente de acidentes de trabalho dos
trabalhadores cedidos a uma empresa utilizadora mediante a
celebração de seguro (artigo 177.º, n.º3 CT e 79.º, n.º2 LAT).
Excecionalmente, a empresa beneficiária pode ser responsabilizada
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pelo acidente que ocorra no desempenho de uma atividade em seu
benefício, mormente se teve culpa no desrespeito de regras de
segurança. No artigo 3.º, n.º2 LAT alarga-se o conceito de acidente
de trabalho aos infortúnios que ocorram com quem não seja
trabalhador por conta de outrem, de modo a abranger aqueles que
tenham contratos equiparados (como o caso do trabalho no
domicílio), os praticantes, aprendizes e demais formandos, bem
como outros trabalhadores, sem contrato de trabalho, mas que
prestem uma atividade na dependência económica da pessoa servida.
O problema reside em saber quando se deve considerar que existe
dependência económica nos termos do artigo 3.º, n.º2 LAT. Por um
lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador
da atividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto
de a atividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro.
Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência
económica o facto de o prestador da atividade carecer da importância
auferida para o seu sustento ou o da sua família. A integração no
processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o fator
relevante para a existência de dependência económica, pode ser
coadjuvada com a continuidade no exercício da atividade, pois, por
via de regra, não haverá integração num processo produtivo
empresarial se a atividade é desenvolvida de forma esporádica. Não
sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar
serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência
económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de
algum modo, excluir do âmbito da LAT os acidentes ocorridos na
execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial
(artigo 16.º, n.º1 LAT). Por outro lado, a dependência económica
pressupõe que a atividade desenvolvida por quem presta o serviço só
aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir
quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o
trabalhador autónomo realizar certa atividade, cujo resultado, sendo
rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.
Na dúvida em relação a dada atividade, presume-se que o trabalhador
se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da
qual o serviço é prestado (artigo 3.º, n.º2 LAT). Esta noção de
acidente de trabalho leva a que o regime da responsabilidade objetiva
do empregador se aplique igualmente a relações jurídicas afins do
contrato de trabalho. Uma outra situação que pode suscitar
problemas de delimitação é o dos subempreiteiros que, apesar da
autonomia jurídica, podem estar na dependência económica do
empreiteiro. Não raras vezes, o subempreiteiro é uma pessoa singular
que executa tarefas determinadas, as quais poderiam ser realizadas
por um trabalhador empreiteiro. Por via da mencionada noção ampla,
poder-se-ia responsabilizar o empregador a quem o trabalhador foi
ocasionalmente cedido, bem como a empresa utilizadora em caso de
trabalho temporário. Porém, nos termos gerais e tendo em conta o
disposto no artigo 177.º, n.º3 CT, a responsabilidade por acidentes
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de trabalho ocorridos na empresa utilizadora é suportada pela
empresa de trabalho temporário, porque esta mantém a qualidade de
empregador mas o preceito citado não é extensível à cedência
ocasional (artigo 293.º CT). Este facto não impede a
responsabilização da empresa cedente, pois, não obstante a cedência
ocasional, ela mantém a qualidade de empregador; diferentemente, a
empresa cessionária (tal como a empresa utilizadora) não assume o
estatuto de entidade patronal. Todavia, pode questionar-se se a
empresa cedente e a Empresa de Trabalho Temporário, para além da
responsabilidade objetiva, também serão responsabilizadas por
atuação culposa da empresa cessionária ou da utilizadora, nos termos
do artigo 18.º, n.º1 LAT, até porque a responsabilidade subjetiva não
se transfere para a seguradora (artigo 79.º, n.º3, in fine LAT).
Rigorosamente, não sendo estas representantes daquelas não se lhes
aplicaria o agravamento da responsabilidade previsto na Lei dos
Acidentes de Trabalho, solução que pode ser iníqua; até porque no
artigo 186.º CT, impõem-se à empresa utilizadora e à cessionária
deveres relacionados com o risco para a segurança e saúde do
trabalhador utilizado. A questão solucionar-se-ia pela
responsabilidade direta da empresa a que se imputa o facto culposo
(cessionária ou utilizadora) que, contudo, só responde nos termos
gerais. Refira-se, ainda, que, quanto a lei o preveja, o regime dos
acidentes de trabalho pode aplicar-se a prestadores de atividade que
não se encontrem numa situação de dependência económica em
relação à pessoa servida. Tal ocorre no regime do voluntariado (artigo
7.º, n.º1, alínea f) Lei n.º 71/98, 3 novembro – regulamentada pelo
Decreto-Lei n.º 389/99, 30 setembro). Em caso de morte do
sinistrado, os lesados, para efeitos da LAT, são os familiares
indicados no artigo 57.º LAT:
1. Cônjuge;
2. Filhos;
3. Ascendentes; e
4. Outros parentes sucessíveis.
A enumeração e os ermos – designadamente o facto de os filhos só
receberem pensão até atingirem 18, 22 ou 25 anos de idade (artigo
60.º LAT) – são taxativos. Pretende-se que os familiares só tenham
direito a receber a pensão enquanto carecem do ganho auferido pela
vítima.
ii. Trabalhador independente: com a LAT, estabeleceu-se uma hipótese
atípica de acidente de trabalho, em que a potencial vítima, sendo
trabalhador independente, deve assegurar a própria reparação por via
de um seguro. Se o trabalhador exerce uma atividade por conta
própria é obrigado a efetuar um seguro de acidentes de trabalho
(artigo 1.º Decreto-Lei n.º 159/99, 11 maio), que se rege, com as
devidas adaptações, pela LAT (artigo 2.º do mesmo Decreto-Lei).
d. Local e tempo de trabalho: o segundo elemento delimitador do conceito
de acidente de trabalho consta do artigo 8.º, n.º1 LAT, ao esclarecer que o
infortúnio terá de ocorrer no local e tempo de trabalho. Mas as noções de
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local e de tempo de trabalho, para esta lei, não coincidem com o disposto no
Código de Trabalho.
i. Local de trabalho: local de trabalho é entendido num sentido amplo,
pois compreende, para além do sítio onde o trabalhador desenvolve
efetivamente a sua atividade, todo o lugar em que o trabalhador se
encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja
direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador (artigo 8.º,
n.º2, alínea a) LAT). Esta área geográfica de implantação ou de
exploração da empresa abrange não só espaços dessa mesma empresa,
nomeadamente o átrio ou a cantina, como também locais onde são
prestados serviços aos trabalhadores, ainda que fora da empresa,
como sejam serviços médicos numa clínica privada contratada pelo
empregador. Será, assim, local de trabalho qualquer sítio onde o
trabalhador tenha de ir relacionado com a realização da sua atividade,
desde que sujeito, direta ou indiretamente, ao controlo do
empregador:
1. O controlo direto verificar-se-á, em particular, na típica relação
laboral em que, durante o horário de trabalho, o trabalhador
está sujeito ao poder de direção do empregador.
2. O contro indireto poderá existir em relações extra laborais e com
respeito a trabalhadores com alguma independência na
execução da atividade laboral, nomeadamente aqueles que
desempenham as tarefas fora do espaço geográfico de
implantação da empresa.
Mas nem todo o sinistro verificado no local de trabalho é acidente de
trabalho; pois, além de se relacionar com o tempo de trabalho, torna-
se necessária a existência de uma causa adequada entre o acidente e o
trabalho. Sendo o infortúnio causado por uma brincadeira de mau
gosto de um colega, sem qualquer relação com a atividade, não é
acidente de trabalho. Tendo em conta que o acidente de trabalho,
ainda que ocorrido no local de trabalho, teria de se relacionar com o
tempo de trabalho e a atividade laboral, estendeu-se o conceito de
acidente de trabalho de modo a abarcar os infortúnios verificados na
empresa quando o trabalhador se encontre no exercício do direito de
reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores (artigo 9.º,
n.º1, alínea c) LAT) ou em frequência de curso de formação
profissional (artigo 9.º, n.º1, alínea d) LAT). Em qualquer dos casos
mantém-se a conexão espacial exigida na lei, pois o evento ocorrerá
num espaço geográfico controlado pelo empregador. Sendo a
atividade desenvolvida pelo trabalhador, por natureza, de execução
fora da empresa serão locais de trabalho os sítios onde as tarefas têm
de ser desempenhadas. Também estão abrangidos no conceito
aqueles acidentes que se verifiquem fora do local de trabalho se
ocorrerem na execução de serviços ordenados pelo empregador ou
por este consentidos (artigo 9.º, n.º1, alínea h) LAT). Mais complexas
são as situações da vida provada em que ocorrem durante a execução
da missão fora da empresa. Pode considerar-se que estes atos, sendo
da vida privada e corrente do trabalhador, não se deveriam, por
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princípio, enquadrar na noção de acidente de trabalho, que se
relaciona com os atos de execução da profissão, mas atendendo ao
risco empresarial e, principalmente, à socialização do risco nos
acidentes de trabalho, algumas destas situações podem
consubstanciar hipóteses de responsabilidade do empregador.
Compreende-se que tal suceda quando as condições de realização da
prestação debitória possam incrementar os riscos inerentes à normal
vida em sociedade. Esta perspetiva alargada é, todavia, condicionada
pela interpretação restritiva do artigo 9.º, n.º2, alínea b) LAT,
considerando que o acidente in itinere só terá lugar depois de o
trabalhador transpor a porta de acesso da sua residência para a área
comum do edifício ou para a via pública, devendo entender-se que,
até então, estar-se-á perante atos da vida privada, não enquadráveis
no regime dos acidentes de trabalho. Fora do local de trabalho, ainda
podem ser qualificados como acidentes de trabalho os que sejam
consequência direta da atividade desenvolvida, ou seja, cuja causa
teve a sua origem na atividade desenvolvida no local de trabalho.
Nestas hipóteses subsiste a conexão com o local de trabalho, ainda
que indireta, pois o infortúnio relaciona-se com factos aí verificados
e que se prendem com o desenvolvimento da relação laboral. Em
alargamento do conceito de acidente de trabalho, considerou-se que
também integra este desastre a ocorrência verificada fora do local de
trabalho na frequência de curso de formação profissional se existe
autorização do empregador (artigo 9.º, n.º1, alínea d) LAT), assim
como na hipótese de o trabalhador se encontrar em atividade de
procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido
(artigo 9.º, n.º1, alínea g) LAT). Verifica-se sempre uma conexão com
o normal desenvolvimento da relação laboral, estando em causa
infortúnios relacionados com o cumprimento de deveres ou o
exercício de direitos decorrentes do contrato de trabalho.
ii. Tempo de trabalho: o tempo de trabalho a que alude o artigo 8.º, n.º1
LAT abrange o período normal de trabalho (artigo 198.º CT), bem
como os espaços de tempo que o precedem e que se lhe seguem,
estando com ele relacionados tanto em atos de preparação como de
ultimação, e ainda as interrupções normais – os chamados intervalos
de descanso (artigo 213.º CT), por exemplo, a pausa para almoço –
ou forçosas de trabalho, como as que decorrem de uma avaria das
máquinas (artigo 8.º, n.º2, alínea b), in fine LAT). Não se enquadram
nas interrupções, as suspensões do contrato de trabalho, como a que
advém de uma situação de greve (artigo 536.º CT). Mas se durante a
suspensão do contrato, o trabalhador se tem de dirigir à empresa, o
sinistro então ocorrido pode ser qualificado como acidente de
trabalho. Os acidentes enquadrados nesta noção ampla de trabalho,
caso se verifiquem fora do local de trabalho não consubstanciam um
acidente para efeitos de aplicação desta lei.
e. Acidentes de percurso: relacionado com o tempo de trabalho, em particular
com os períodos que antecedem e que se seguem à efetiva laboração, há que
distinguir aos acidentes de percurso, também designados de trajeto ou in
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itinere, não obstante encontrar hoje regulamentação expressa, teve uma
origem jurisprudencial. Estão em causa os acidentes que ocorram, em
especial, quando o trabalhador se desloca para o local de trabalho ou regressa
a casa. Nos termos do artigo 9.º, n.º1, alínea a) e n.º2 LAT, retira-se que o
acidente in itinere tem de corresponder a um percurso normal, devendo
enquadrar-se num dos vários tipos de trajeto previstos na lei:
i. O percurso de ide e volta entre a residência do trabalhador e o local de trabalho;
ii. O trajeto de ida e volta entre a residência do trabalhador e o local de pagamento
da retribuição;
iii. O percurso de ida e volta entre o local de trabalho e o local de pagamento da
retribuição;
iv. O trajeto de ida e volta entre a residência do trabalhador e o local onde lhe deva
ser prestada assistência médica ou realizados quaisquer outros exames;
v. O percurso de ida e volta entre o local de trabalho e o local onde deva ser prestada
ao trabalhador assistência médica ou realizados quaisquer outros exames;
vi. O trajeto entre o local de trabalho e o local de refeição, de reunião, etc.;
vii. O percurso entre o local de trabalho habitual e o lugar onde o trabalhador tiver
de prestar uma atividade por determinação do empregador ou por ele consentida e
ainda de procura de emprego.
A residência habitual do trabalhador, como se refere o artigo 9.º, n.º2, alínea
b) LAT, tanto pode ser a habitual, como uma ocasional, mas o trajeto a partir
da residência só se conta depois da porta de acesso para as áreas comuns do
edifício ou para a via pública (Parecer da Procuradoria Geral da República n.º
38/76, 17/6/1976); a responsabilidade por acidentes de percurso não
abrange situações em que o trabalhador se encontra num espaço por ele
controlado, em particular na sua vida privada. Poder-se-á questionar se os
trajetos indicados nas alíneas do n.º1 do artigo 9.º LAT são taxativos ou
simplesmente indicativos. Numa interpretação extensiva do artigo 9.º, n.º2
LAT incluir-se-iam nos acidentes in itinere outros percursos, designadamente
o realizado pelo trabalhador para tomar café em qualquer pausa que lhe seja
concedida ou, tendo duas ocupações, quando se desloca de uma empresa
para outra. Esta interpretação extensiva tem de ser apreciada com a devida
prudência, pois está-se perante uma exceção introduzida num regime, já de
si, excecional; de facto, a responsabilidade objetiva corresponde a um regime
excecional (artigo 483.º, n.º2 CC) e os acidentes de percurso, também por via
de exceção, alargam o campo de aplicação desta responsabilidade. Para que
se esteja perante um acidente de trajeto torna-se necessário que se encontrem
preenchidos dois requisitos (artigo 9.º, n.º2 e 3 LAT):
i. É imperioso que o acidente se verifique no trajeto normalmente utilizado – o
designado percurso normal: será aquele que, objetivamente, for
considerado ideal, mesmo que não seja o mais curto. Considera-se
normal o percurso em que haja desvios determinados pela satisfação
de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de
força maior ou caso fortuito (artigo 9.º, n.º3 LAT). Os desvios
determinados por motivos de força maior ou caso fortuito não
carecem de maiores explicações. Mas os desvios ditados pela
satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador têm de ser
concretizados; se o trabalhador se afasta diariamente do caminho
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ideal para ir levar os filhos à escola ou, no incumprimento de uma
missão fora da empresa, se desvia do trajeto ideal para almoçar num
restaurante da sua predileção, não se pode considerar que a situação
esteja abrangida no conceito de percurso normal. Não obstante a letra
da lei, poder-se-á questionar do fundamento para responsabilizar o
empregador por um acidente ocorrido num trajeto desrazoável que o
trabalhador habitualmente percorre. Exige-se igualmente o caráter
consecutivo do percurso, de modo a que se o desastre ocorre depois
de uma interrupção do trajeto, o acidente não será ressarcido nos
termos da Lei dos Acidentes de Trabalho. Contudo, tal como os
desvios, aceitam-se interrupções do trajeto para satisfação de
necessidades atendíveis do trabalhador, bem como motivos de força
maior ou caso fortuito.
ii. Durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador.
f. Execução de serviços espontaneamente prestados: ainda com respeito
ao segundo elemento delimitador do acidente de trabalho, cabe igualmente
referir que, mesmo quando ocorre fora do tempo de trabalho, é considerado
acidente de trabalho se se verificar na execução de serviços espontaneamente
prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade
patronal (artigo 9.º, n.º1, alínea b) LAT). Mesmo que a atividade não tenha
sido realizada por ordem do empregador, desde que o pudesse beneficiar
economicamente, o infortúnio ocorrido é qualificado como acidente de
trabalho. Com esta regra, o legislador teve em vista proteger o trabalhador
diligente que realiza espontaneamente tarefas ou mesmo que cumpre ordens
que não pode provar terem-lhe sido dadas; estabelece, porém, como limite
que a atividade pudesse ter sido proveitosa, do ponto de vista económico,
para o empregador. Para efeito de aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho,
diferentemente do que ocorre no regime do trabalho suplementar, não é
necessário que o trabalhador receba uma ordem para executar a tarefa. Por
outro lado, não se exige que da atividade desenvolvida tenha efetivamente
resultado proveito económico para o empregador, que será em princípio de
difícil prova, basta a potencialidade do proveito económico.
g. Serviços eventuais e de curta duração: o terceiro elemento delimitador do
conceito de acidente de trabalho aponta, tendencialmente, para a realização
de forma prolongada e no seio empresarial. Não são considerados acidentes
de trabalho aqueles que ocorrerem na prestação de serviços eventuais ou
ocasionais, de curta duração, desde que a atividade não tenha por objeto a
exploração lucrativa (artigo 16.º, n.º1 LAT).
i. Em primeiro lugar, importa que se trate de uma atividade esporádica, que não
seja nem periódica, nem contínua. Integra, nomeadamente, a noção de
atividade fortuita o trabalho desenvolvido para impedir que a força
das águas, em caso de precipitação torrencial, destrua os diques de
proteção das casas de uma aldeia; mas já será uma prestação periódica,
não obstante poder ser de curta duração, apode das macieiras de um
pomar, pois trata-se de uma atividade a realizador todos os anos.
ii. O segundo elemento delimitador desta situação respeita à exploração
lucrativa, a qual se encontra definida, pela negativa, no artigo 4.º LAT.
É pressuposto que a produção se destine exclusivamente ao consumo
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ou utilização do agregado familiar do empregador, sendo este, por
imperativo legal (artigo 16.º, n.º1 LAT), uma pessoa singular. Mesmo
que se esteja perante uma atividade esporádica, sendo a expliração
lucrativa, o acidente será qualificado como sendo de trabalho. Assim,
estando a naufragar um barco que faz, de modo lucrativo, a travessia
de um rio, quem for contratado para evitar o naufrágio realiza uma
atividade esporádica, mas se sobrevier um infortúnio estar-se-á
perante um acidente de trabalho. Ainda que preenchidos estes
pressupostos, o acidente será de trabalho se resultar da utilização de
máquinas e de outros equipamentos de especial periculosidade (artigo
16.º, n.º2 LAT).
3. Dano: a produção de um dano é essencial em qualquer hipótese de responsabilidade
civil; só há responsabilidade civil se houver dano. Na responsabilidade por acidente
de trabalho a situação não se apresenta de modo diverso, mas a lei delimitou o
conceito de dano; nem todo o prejuízo sofrido pelo trabalhador dá origem à
responsabilidade civil por acidentes de trabalho. Só se enquadram no dano típico da
responsabilidade por acidentes de trabalho os casos de morte ou de impedimento ou
redução da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador. E ainda quanto às
situações de incapacidade de trabalhar, que pode ser total ou parcial, só é de incluir
os casos em que os danos, causadores da incapacidade, se encontram tipificados na
Tabela Nacional de Incapacidades (artigo 20.º LAT). Não são, assim, de admitir
quaisquer reduções na capacidade de trabalho, mas só aquelas que derivem de danos
previstos na lei (Decreto-Lei n.º 352/2007, 23 outubro). Na mencionada Tabela, o
legislador procedeu a uma tipificação taxativa – por oposição às situações de
tipicidade aberta –, indicando os tipos de danos com as correspondentes
incapacidades totais ou parciais. Deste modo, não havendo culpa, as pequenas lesões
que ocorram no decurso do desempenho da atividade laboral não são consideradas
dano para efeitos de responsabilidade por acidentes de trabalho. Estas pequenas
lesões, por não afetarem a capacidade de trabalho, seguem o regime comum da
responsabilidade aquiliana (artigos 483.º e seguintes CC) e não o regime especial da
responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho.
4. Nexo de causalidade entre o facto e o dano: a responsabilidade civil depende da
existência de um nexo causal entre o facto gerador e o dano. Não há o dever de
indemnizar caso falte a causalidade adequada entre o facto e o dano. Neste ponto, a
responsabilidade por acidentes de trabalho não apresenta particularidades com
respeito ao regime comum constante do artigo 563.º CC. A imputabilidade do
empregador depende de o acidente de trabalho ser causa adequada do dano sofrido
pelo trabalhador. Há, todavia, a ter em conta que se está no domínio de uma
responsabilidade objetiva, em que, como é regra, o nexo causal se encontra
simplificado. Mas o regime geral da causalidade adequada do artigo 563.º CC
encontra algumas particularidades na responsabilidade emergente de acidentes de
trabalho. Do artigo 10.º, n.º1 LAT consta uma presunção de causalidade, pois se a
lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente
presume-se consequência deste. Deste modo, tendo sido a lesão constatada no local
e no tempo de trabalho presume-se consequência do acidente de trabalho; ou seja,
presume-se a existência da causalidade adequada, cabendo ao empregador provar a
falta de nexo causal. Importa, porém, esclarecer que a observação ou o
reconhecimento da lesão só poderá constituir presunção de nexo causal no caso de
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ter sido feito pelo empregador ou por um seu representante – que poderá ser, por
exemplo, o médico da empresa –; em princípio, sendo a lesão constatada por
qualquer outra pessoa, mesmo a seguir a um acidente ocorrido no local e no tempo
de trabalho, não funcionará a presunção de causalidade. Não será curial, até
atendendo a regras de boa fé, que o trabalhador, tendo sofrido um acidente, não se
apresente de imediato junto da entidade competente da empresa, para que esta
verifique a situação e tome as providências necessárias, mormente ministrando os
primeiros socorros. Contudo, principalmente quando a atividade é desenvolvida fora
da empresa, a verificação da lesão poderá ser feita por pessoa inclusive estranha à
empresa. Nas demais situações não incluídas no artigo 10.º, n.º1 LAT, a determinação
da existência de nexo causal é feita nos termos gerais, cabendo a respetiva prova ao
sinistrado ou aos seus familiares (artigo 10.º, n.º2 LAT). O nexo causal na
responsabilidade derivada de acidentes de trabalho apresenta ainda dois tipos de
especificidades:
a. A primeira respeita às circunstâncias anteriores ao acidente que,
apesar de já afetarem o trabalhador, podem não ter qualquer
repercussão a nível da obrigação de indemnizar: de facto, nos termos do
artigo 11.º, n.º1 LAT, a predisposição patológica do sinistrado anterior ao
acidente não exclui o direito à reparação integral. Assim, se o trabalhador
padecia de uma doença ou de uma lesão e sofre um acidente, os danos dele
derivados, independentemente de terem sido agravados por força dessa
doença ou lesão anteriores, deverão ser indemnizados pelo empregador. Esta
solução apresenta-se como contrária ao regime regra do nexo de causalidade,
mas do próprio artigo 11.º LAT constam exceções:
i. A reparação integral será excluída no caso de o sinistrado ter ocultado a sua
situação anterior (artigo 11.º, n.º1, parte final LAT). Como a vítima ocultou
uma predisposição patológica anterior, poderá ter sido encarregado
de realizar atividades para as quais não estaria física ou psiquicamente
habilitada e, nessa medida, o agravamento do dano é-lhe imputável.
ii. A obrigação de indemnizar encontrar-se-á igualmente excluída se a doença ou
lesão anterior for a causa única do dano; hipótese em que tudo se ficou a dever à
situação patológica anterior e não ao acidente, pois, em tal caso, falta totalmente
o nexo causal;
iii. A responsabilidade por acidente de trabalho também não tem cabimento, pelo
menos na sua totalidade, no caso de o sinistrado se encontrar a receber uma pensão
ou tiver recebido capital respeitante à lesão ou doença de que padecia (artigo 12.º,
n.º2 LAT). Nesse caso a responsabilidade do empregador poderá ser
só pela diferença.
iv. Na hipótese de o sinistrado padecer de uma incapacidade permanente anterior ao
acidente, mesmo que esta não lhe conferisse qualquer direito à indemnização
(artigo 11.º, nº.3 LAT): neste caso, como já se encontrava
diagnosticada uma incapacidade permanente anterior ao acidente, a
responsabilidade do empregador fica circunscrita à diferença, em
termos idênticos aos referidos a propósito da terceira exceção.
b. A outra especificidade que respeita ao nexo causal tem a ver com o
agravamento posterior do dano: com alguma frequência, os danos
derivados de acidentes de trabalho podem agravar-se com o decorrente do
tempo e mesmo lesões que as consideram curadas, entretanto, reaparecem.
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Para os casos em que a lesão reaparece ou se agrava, o artigo 24.º LAT prevê
o direito à indemnização, podendo surgir, de novo, a obrigação de pagar em
espécie. Para além disso, tal como vem estabelecido no artigo 70.º LAT, o
agravamento do dano pode implicar uma revisão da pensão. Em ambas as
situações é necessário demonstrar a existência de um nexo causal entre o
acidente e o reaparecimento ou o agravamento do dano; ou seja, importa
comprovar se há a probabilidade de a lesão causada pelo acidente em questão
poder reaparecer ou agravar-se.
5. Indemnização:
a. Aspetos gerais: a indemnização estabelecida em sede de acidentes de
trabalho apresenta duas vertentes:
i. Respeitante à reparação física e psíquica do sinistrado: a recuperação do
sinistrado prende-se com o princípio geral da responsabilidade civil
da restauração natural (artigo 562.º CC), em que por via da obrigação
de indemnizar se pretende restabelecer a situação anterior.
ii. Respeitante ao pagamento de uma quantia pecuniária em função da morte ou
incapacidade de trabalho: a indemnização pecuniária em caso de morte
ou em função da incapacidade de trabalho determina-se, nos termos
gerais do Direito das Obrigações, por sucedâneo pecuniário (artigo
566.º CC), mas há algumas particularidades a ter em conta.
Nos termos gerais, o artigo 23.º LAT prescreve que a indemnização pode ser
em espécie ou dinheiro para cobrir os danos nela previstos. Porém, havendo
culpa do empregador (artigo 18.º LAT) acrescentam-se os danos não
patrimoniais, que passam a ser indemnizáveis, assim como os demais danos
patrimoniais não previstos na LAT. Denota-se uma clara preocupação do
legislador de, a todo o custo, indemnizar o trabalhador, pondo cobro aos
danos por ele sofridos; em especial, repondo a sua capacidade de trabalho,
seja mediante tratamentos, ou pela via da compensação pecuniária. No artigo
23.º LAT incluem-se só algumas prestações em espécie e em dinheiro; no
fundo, aquelas que correspondem ao tipo delimitado de dano, estabelecido
pelo legislador. A indemnização não foi estatuída para outros danos,
designadamente os não patrimoniais – à exceção da previsão constante do
artigo 18.º LAT – e os lucros cessantes de outras atividades. As situações não
prenunciadas no artigo 23.º LAT só serão ressarcíveis nos termos gerais da
responsabilidade civil extracontratual. Eventualmente, poder-se-ia pensar
que os danos não patrimoniais, mesmo na hipótese de falta de culpa do
empregador, estariam, de forma implícita, incluídos nas indemnizações
atribuídas ao trabalhador em caso de incapacidade ou aos seus familiares na
hipótese de morte do sinistrado. Tal ideia não parece correta, pois as
indemnizações atribuídas pretendem simplesmente repor a capacidade de
ganho, atendendo, por conseguinte, ao lucro cessante e não ao dano moral.
Nas duas últimas alíneas do artigo 23.º LAT distingue-se a reparação em
espécie (alínea a)) e em dinheiro (alínea b)). Mas esta distinção é, de certo
modo, incorreta, podendo não corresponder, verdadeiramente, à realidade.
b. Reparação em espécie: com respeito às reparações em espécie alude-se, na
alínea a) do artigo 23.º LAT, às prestações de natureza médica, cirúrgica,
farmacêutica e hospitalar e outras necessárias à recuperação do sinistrado,
elenco que encontra completado nas várias alíneas do artigo 25.º do mesmo
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diploma, a que acresce nomeadamente a prestação de primeiros socorros
(artigo 26º. LAT), bem como a obrigação de transporte do sinistrado e,
eventualmente, de um acompanhante (artigos 26.º, n.º2 e 39.º LAT) ou a
assistência permanente (artigo 53.º LAT). Estas prestações, apesar de em
regra serem satisfeitas em espécie, por restauração natural, nada obsta a que
possam ser realizadas por sucedâneo pecuniário. Com base em acordo, pode
o trabalhador optar por hospital da sua escolha, por exemplo, no estrangeiro
ou fazer-se transportar por sua conta. Não há imperatividade no que respeita
a estas prestações serem efetuadas em espécie; a vontade das partes pode
substituí-las por prestações pecuniárias, pois não está em causa uma renúncia
ao crédito (artigo 78.º LAT).
c. Reparação em dinheiro: na alínea b) do artigo 23.º LAT estão em causa as
prestações por sucedâneo pecuniário, as quais se destinam a reparar danos
que provêm da morte ou da incapacidade, parcial ou total, do trabalhador.
No caso de morte, pretende-se que os familiares recebam uma compensação
correspondente à perda do rendimento do falecido, bem como Às despesas
do funeral; nas situações de incapacidade, a indemnização visa repor a perda
da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador acidentado e pagar as
despesas necessárias à readaptação da sua habitação. Na grande maioria das
situações, estas prestações terão de ser realizadas por sucedâneo pecuniário,
pois não é possível proceder à restauração natural. Mas sendo viável, nada
obsta a que estas prestações sejam feitas em espécie; por exemplo, o
empregador pode providenciar o enterro do trabalhador, não sendo devidas
aos familiares deste as despesas do funeral.
d. Determinação do montante: o montante da indemnização está, em
primeiro lugar, dependente do dano sofrido pelo trabalhador; será, assim,
diferente o valor da reparação consoante se esteja perante um caso de morte
(artigos 56.º e seguintes LAT) ou de incapacidade e, neste último caso, ainda
importa distinguir se esta é permanente ou temporária e total ou parcial
(artigo 48.º LAT). Por outro lado, há que apurar, também para efeitos
indemnizatórios, o grau de incapacidade, que é determinado por coeficientes,
normalmente expressos de modo percentual, constantes da Tabela Nacional
de Incapacidades, que diferem, entre outros aspetos, da atividade que o
trabalhador tinha condições de desenvolver, devendo ponderar-se se o
sinistrado pode desempenhar ofício diferente daquele que realizava. A
mesma lesão pode constituir diferente grau de incapacidade consoante a
idade, a robustez, a profissão e a aptidão de cada trabalhador. Para além do
dano, o montante da indemnização é aferido pela retribuição do trabalhador
(artigo 48.º, n.º3 LAT). A noção de retribuição, a que alude este preceito, não
corresponde à que consta, nomeadamente do artigo 258.º CT. Considera-se
retribuição o salário normalmente auferido pelo trabalhador, onde se incluem
todas as prestações por ele recebidas com caráter regular, que não se destinem
a compensar custos aleatórios (artigo 71.º, n.º2 LAT); isto é, tanto as
prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que
correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de
transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e
pagamentos em espécie. Mas têm de corresponder a uma vantagem
económica do trabalhador. Deste modo, não integram a noção de retribuição
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para este efeito, as ajudas de custo, as despesas de representação ou o abono
para falhas. Como se determina o disposto no artigo 48.º LAT, a
indemnização, por via de regra, não é fixada pela totalidade da retribuição,
mas por uma percentagem desta; por exemplo, em caso de incapacidade
permanente absoluta, a pensão anual e vitalícia corresponderá a 80% da
retribuição (artigo 48.º, n.º3, alínea a) LAT). Tendo em conta estes dois
elementos – dano e retribuição –, a indemnização é fixada nos termos do
artigo 48.º LAT. Na hipótese de culpa do empregador, os montantes que
forem determinados nos termos das regras referidas são agravados, deixando
a indemnização de ser fixada em função de uma percentagem da retribuição,
mas pela sua totalidade ou pela efetiva redução de capacidade, acrescendo
ainda os danos não patrimoniais (artigo 18.º LAT). A indemnização em
dinheiro é normalmente paga em pensões anuais ou quinzenais (artigos 71.º,
72.º e 56.º, n.º1 LAT), podendo as pensões anuais ser remidas (artigos 75.º e
seguintes LAT), sendo, então, a indemnização paga em capital. Estas noções
correspondem à distinção feita no artigo 567.º CC entre indemnização paga
no todo ou sob a forma de renda, que pode ser vitalícia ou temporária.
e. Revisão do montante: em qualquer dos casos, a indemnização, depois de
arbitrada, pode ser revista, pois, não obstante ser fixada judicialmente,
considera-se sempre sujeita à condição rebus sic standibus. Tal ocorre com mais
frequência na indemnização em forma de renda (pensão), mas o artigo 70.º
LAT prevê a revisão das prestações devidas ao sinistrado, sem distinguir se o
pagamento é feito em forma de pensão ou capital. A modificação pode advir
de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, podendo,
em função da alteração verificada, a indemnização ser aumentada, reduzida
ou excluída. Para tal é necessária a interposição de um novo processo judicial,
nos termos dos artigos 147.º e seguintes CPT, nos prazos determinados no
n.º3 do artigo 70.º LAT. Há também a possibilidade de ser pedida uma
atualização da pensão, que não tem que ver com o agravamento da lesão, mas
sim com a inflação. Se o montante da renda, atenta a inflação, deixar de
corresponder à compensação devida, pode proceder-se à sua atualização, nos
termos constantes dos artigos 6.º e seguintes Decreto-Lei n.º 142/99, 30 abril,
diploma que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho.
f. Vencimento: a indemnização será devida ao trabalhador no momento em
que se dá o respetivo vencimento, nos termos gerais do Direito das
Obrigações. Mas caso se aplicasse o artigo 805.º, n.º3 CC, o vencimento dar-
se-ia aquando da citação do empregador; porém, em sede de responsabilidade
emergente de acidentes de trabalho, o legislador estabeleceu regimes diversos.
Quanto à pensão por morte, o artigo 56.º, n.º2 LAT determina que o
vencimento se dá no dia seguinte ao do falecimento; como nesse dia, por via
de regra, o empregador não teve ainda conhecimento da ocorrência e, em
princípio, não estariam já feitos os cálculos do montante a pagar, serão
devidos juros de mora nos termos gerais (artigo 806.º CC). Relativamente às
prestações por incapacidade temporária, o vencimento verifica-se no dia
seguinte ao do acidente e sendo a incapacidade permanente, o vencimento
ocorre no dia imediato ao da alta (artigo 126.º LAT). Para as restantes
hipóteses rege o princípio geral do artigo 805.º, n.º3 CC.
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g. Lugar do cumprimento: para determinar o lugar do cumprimento da
obrigação de indemnizar há que averiguar se ele é ou não determinado por
sua natureza. O lugar do cumprimento de certas obrigações está determinado
pela sua natureza, como acontece nas prestações de caráter hospitalar ou
cirúrgico; o local de cumprimento será onde devem ser feitos os tratamentos
(artigo 27.º LAT). O mesmo não se passa em outras obrigações, em particular
nas pecuniárias. No artigo 73.º, n.º1 LAT, ao determinar-se que o lugar do
cumprimento será na residência do sinistrado ou dos seus familiares, não se
alterou a regra geral (artigo 774.º CC) que aponta para o cumprimento no
domicílio do credor. Se as partes pretenderem alterar o lugar do cumprimento,
tal acordo tem de ser realizado por escrito (artigo 74.º, n.º2 LAT). Na
eventualidade de o sinistrado ou o beneficiário da prestação se ausentar para
o estrangeiro, o pagamento passa a ser efetuado em local acordado, sem
prejuízo das regras internacionais, nomeadamente acordo de reciprocidade
(artigo 73.º, n.º2 LAT). Esta regra, com particular interesse no caso de
indemnizações pagas em renda, encontra a sua justificação na maior
onerosidade em proceder a pagamentos internacionais, agravamento que, em
princípio, não se verificará se a alteração de domicílio for para um país
comunitário.
6. Garantia de cumprimento da indemnização:
a. Inalienabilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade da prestação:
no artigo 78.º LAT estipula-se que as prestações devidas ao sinistrado ou seus
beneficiários são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, mas há que
distinguir as
i. Prestações em espécie: as estabelecidas neste regime são naturalmente
inalienáveis, pois o trabalhador não pode, por exemplo, transferir o
crédito a tratamentos ou mesmo a transportes, porque se trata de
obrigações infungíveis, estabelecidas em função da pessoa do credor.
Pelas mesmas razões, tais prestações não são penhoráveis. Quanto à
irrenunciabilidade, o legislador, à imagem do que ocorre no artigo
809.º CC, não considera válida a renúncia antecipada ao direito,
designadamente por via de uma remissão; mas nada impede que o
sinistrado recuse os tratamentos ou quaisquer outras prestações em
espécie que lhe sejam devidas, só que, em tal caso, ele sofrerá as
consequências de um agravamento ou da falta de cura da lesão.
ii. Prestações em dinheiro: quanto às prestações pecuniárias, por sua
natureza, nada impediria que fossem alienadas, penhoradas ou
renunciadas. Contudo, no artigo 78.º LAT não se consideram válidos
os negócios jurídicos que impliquem a alienação ou a renúncia a tais
direitos, bem como a respetiva penhora. Mas estas limitações só têm
sentido enquanto as prestações são devidas ao trabalhador; depois de
lhe terem sido pagas, entram no seu património e seguem o regime
comum. Em relação à irrenunciabilidade ainda há que fazer um
esclarecimento; não será, designadamente, válido o negócio de
remissão de dívida, mas nada obsta a que o trabalhador se recuse a
receber a prestação – com a consequente mora do credor (artigos
813.º e seguintes CC) – ou que a deixe prescrever.
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b. Privilégio creditório: como garantia de cumprimento, no artigo 78.º LAT
alude-se à figura do privilégio creditório consagrado na lei geral,
concretamente no artigo 737.º CC. No artigo 78.º LAT diz-se que gozam das
garantias consignadas no Código do Trabalho, pelo que os acidentados
gozam do privilégio creditório conferido no artigo 333.º CT, sem descurar as
garantias decorrentes da responsabilidade solidária, prevista nos artigos 334.º
e 335.º CT.
7. Seguro: a forma de melhor garantir o pagamento das indemnizações devidas em caso
de acidente de trabalho foi estabelecida através da obrigatoriedade do seguro (artigo
79.º LAT). Mesmo com privilégio creditório, estando o empregador falido, o
pagamento das indemnizações inviabilizar-se-ia; acresce que, sendo as prestações
pagas mediante pensão, o trabalhador lesado ficaria na contingência das mudanças
de solvabilidade da entidade patronal. Por outro lado, um sinistro numa empresa
pode causar danos numa empresa pode causar danos numa pluralidade de
trabalhadores, com consequências económicas graves para o empregador, que o
poderão impossibilitar de pagar todas as indemnizações. Tais problemas não
ocorrem, por principio, com respeito a empresas de seguros. Pretende-se, portanto,
garantir a reparação do lesado sem pôr em causa o substrato económico da empresa.
No artigo 79.º, n.º1 LAT foi imposta a obrigação de transferência da responsabilidade
civil por acidentes de trabalho do empregador para um segurador autorizado a
realizar este grupo (Decreto-Lei n.º 94-B/98, 17 abril). Cabe ao Instituto de Seguros
de Portugal aprovar as apólices uniformes de seguro obrigatório; contudo, para o
seguro de acidentes de trabalho (artigo 81.º, n.º1 LAT) prescreve-se que a apólice
uniforme será aprovada por portaria conjunta dos ministros das finanças e do
trabalho, sob proposta do Instituo de Seguros de Portugal. A obrigação de ajustar
um seguro de acidentes de trabalho não abrange a administração central, local e as
demais entidades, desde que os respetivos funcionários estejam incluídos no regime
de acidentes em serviço (artigo 80.º LAT). Se o empregador não tiver celebrado o
contrato de seguro, violando a obrigatoriedade indicada, sujeita-se a uma
contraordenação laboral, prevista no artigo 171.º, n.º1 LAT, e responde diretamente
pelas indemnizações devidas em caso de acidente de trabalho. O contrato de seguro
é celebrado entre um segurador e o empregador (tomador do seguro) com vista à
cobertura dos prejuízos emergentes de acidente de trabalho. O seguro de acidentes
de trabalho, ainda que se pudesse discutir a qualificação, segue o regime dos seguros
de responsabilidade civil (artigo 138.º, n.º3 Lei Contrato de Seguro), tratando-se de
um seguro de responsabilidade civil obrigatório (artigos 146.º e seguintes Lei do
contrato de Seguro). Com a celebração do contrato de seguro, transferem-se para o
segurador as obrigações que impendem sobre o empregador com respeito a acidentes
de trabalho. Por isso, é frequente que as questões emergentes de acidentes de
trabalho sejam resolvidas diretamente entre o lesado e a empresa de seguros do
empregador. Não obstante a obrigatoriedade do seguro, o contrato de seguro de
acidentes de trabalho rege-se pelo princípio geral da liberdade contratual, podendo
ser ajustado com diferentes conteúdos desde que se respeitem os parâmetros legais
e os termos gerais da apólice uniforme. Tendo em conta a autonomia das partes, o
seguro pode ser com prémio fixo ou variável (por vezes, designado de folha de férias),
como ou sem prévia identificação dos trabalhadores, com valores mínimos ou
acréscimos, etc. A mesma autonomia contratual tem permitido a divulgação do
seguro de acidentes de trabalho – por vezes incorporado num pacote de seguros mais
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amplo – através do seguro de grupo, em que o empregador (tomador de seguro)
integra os vários trabalhadores no grupo, passando a segurados. Mediante o contrato
de seguro, o empregador só transfere para o segurador a responsabilidade objetiva
por acidentes de trabalho e não a responsabilidade subjetiva fundada no artigo 18.º
LAT (artigo 79.º, n.º3 LAT). Por isso, se o acidente tiver sido provocado pela
entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observância das
regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade daí decorrente será
suportada pelo empregador. Em caso de comportamento culposo do empregador, o
segurador satisfaz o pagamento ao lesado até ao limite dos danos cobertos pela
responsabilidade objetiva em acidentes de trabalho e, em regresso, exige esse valor
ao responsável. Como a responsabilidade por acidentes de trabalho pode não ter sido
transferida para uma companhia de seguros – por falta de seguro – ou tendo sido
transferida se não abranger todas as prestações – como na hipótese de agravamento
derivado de culpa do empregador ou por insuficiência da retribuição declarada (artigo
79.º, n.º3 e 4 LAT) –, sobre este impende a obrigação de reparar os danos. Admitindo
a possibilidade de insuficiência da entidade patronal – bem como a insuficiência
económica da própria seguradora – foi criado o Fundo de Acidentes de Trabalho
(Decreto-Lei n.º 142/99, 30 abril), que garante o pagamento das prestações devidas
em caso de acidente de trabalho. Como medida de garantia, também se prescreve a
obrigação de caucionamento de pensões por parte do empregador (artigo 84.º LAT).
8. Causas de exclusão e de redução da responsabilidade:
a. Cláusulas contratuais: com respeito à exclusão e redução da
responsabilidade emergente de acidentes de trabalho importa distinguir várias
situações. Podem as partes, por via negocial, pretender excluir ou reduzir a
responsabilidade. Por outro lado, a exclusão ou redução pode advir de causas
imputáveis à vítima, de caso de força maior ou de ato de terceiro. As cláusulas
contratuais mediante as quais se pretenda excluir ou reduzir a
responsabilidade derivada de acidentes de trabalho são nulas (artigo 12.º
LAT). O regime estabelecido na lei é imperativo e, nessa medida, não pode,
por vontade das partes ser alterado. Esta imperatividade, porém, parece não
obstar a que se estabeleça um agravamento da responsabilidade; só que, essa
situação mais gravosa, não prevista na lei, não poderá seguir o regime especial
estabelecido para os acidentes de trabalho, devendo-se recorrer às regras
gerais da responsabilidade civil. O regime estabelecido para a
responsabilidade por acidentes de trabalho é, pois, imperativo e taxativo, não
admitindo convenções das partes que o visem alterar.
b. Culpa do trabalhador: a exclusão ou a redução da responsabilidade por
acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima.
Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta.
No artigo 14.º LAT, apesar da terminologia utilizada, o legislador não
introduziu limites negativos à qualificação de acidente de trabalho,
determinando antes em que casos não há o dever de indemnizar. Nestas
situações que implicam o afastamento ou a redução da responsabilidade do
empregador inclui-se o comportamento culposo do trabalhador. De facto, a
designada descaracterização, numa linguagem pouco jurídica, determina a
redução ou exclusão da responsabilidade. Como a responsabilidade objetiva
do empregador assenta no risco profissional ou mesmo no risco empresarial,
não se justificaria que ela subsistisse no caso de o acidente se ter ficado a
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dever a uma falta do trabalhador. A própria socialização do risco, quando
limitada, como é o caso do presente regime, não compactua com
determinadas atuações culposas da vítima. Não é qualquer atuação menos
cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da
responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade. O
princípio de que a culpa do trabalhador afasta a responsabilidade do
empregador não é criticável no espirito do ordenamento; antes pelo contrário,
tem pleno cabimento. A solução oposta, no sentido de o empregador ter de
suportar todas as consequências de acidentes de trabalho, mesmo quando
estes fossem imputáveis ao trabalhador, estaria em contradição com os
princípios gerais da responsabilidade civil. A este propósito, é preciso não
esquecer que, com respeito aos acidentes de trabalho, o legislador instituiu
um regime de responsabilidade civil e não um sistema de segurança social. Á
várias situações em que a culpa do trabalhador afasta o direito à reparação,
que importa analisar.
i. Dolo: em primeiro lugar, quando o acidente tiver sido dolosamente
provocado pelo sinistrado não dá direito a reparação (artigo 14.º, n.º1,
alínea a) LAT). Na hipótese de dolo da vítima, poder-se-ia dizer que,
verdadeiramente, não se estaria perante um acidente e, por
conseguinte, também não poderia haver responsabilidade civil. De
facto, se, por exemplo, o trabalhador propositadamente amputar uma
mão, em princípio, não haveria acidente. Mas esta conclusão já não
será válida em caso de dolo eventual, em que o trabalhador previu a
possibilidade da ocorrência, mas quis correr o risco. Em caso de dolo
eventual do trabalhador, o infortúnio que lhe sobrevier poderá ser
qualificado como acidente de trabalho, só que estará excluída a
obrigação de indemnizar.
ii. Violação das condições de segurança sem causa justificativa: como segunda
situação prevê-se a hipótese de o acidente provir de ato ou omissão
do sinistrado que, sem causa justificativa, viole condições de
segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei (artigo
14.º, n.º1, alínea a) LAT). Neste caso, o legislador exige somente que
a violação careça de causa justificativa, pelo que a exigência dessa
culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A
diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo
14.º LAT tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado,
há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas.
Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-
se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa;
por isso, basta-se que o trabalhador conscientemente viole essas
regras. As condições de segurança, quando estabelecidas pela
entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa,
de ordem de serviço ou de aviso fixado em local apropriado na
empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar
previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança
no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros setores,
nomeadamente na circulação rodoviária. Se o trabalhador,
conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola
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conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho,
não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação
para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a
responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu
grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria
conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade
de as entender (artigo 14.º, n.º2 LAT).
iii. Negligência grosseira: em terceiro lugar, a negligência grosseira do lesado
constitui causa de exclusão ou de redução da responsabilidade do
empregador (artigo 14.º, n.º1, alínea b) LAT). Neste caso, exige-se
que a entidade patronal prove a existência de negligência grosseira do
trabalhador, pelo que não basta qualquer atuação negligente; além
disso, exige-se que a negligência grosseira seja exclusiva do sinistrado,
pelo que havendo concurso de culpas – com o empregador ou
colegas de trabalho – não é afastada a responsabilidade. Deste modo,
o direito à reparação mantém-se em caso de atuação ou omissão
culposa do trabalhador de reduzida gravidade, nomeadamente se
advém da habitualidade na realização de determinada tarefa, na
medida em que a rotina, o cansaço e o stress podem levar a um certo
relaxamento no respeito de regras de prudência. De acordo com o
artigo 14.º, n.º3 LAT estariam excluídos desta situação, por não
consubstanciarem negligência grosseira, os casos em que o acidente
se ficou a dever a um comportamento temerário resultante da
habitualidade ao perigo do trabalho, da confiança na experiência
profissional ou dos usos e costumes da profissão; admitindo-se que
o trabalhador, por ter demasiada confiança na sua experiência, ou
atentos os usos e costumes da profissão, possa legitimamente
negligenciar quanto ao cumprimento de certas regras de prudência.
Já não estaria afastado o direito à reparação quando o trabalhador
tenha sido excessivamente temerário na sua atuação, agindo com
clamorosa falta de cuidado. De modo diverso, a falta do trabalhador
imputável ao empregador ou em que este tenha sido conivente,
designadamente por conhecer a situação e não se opor a ela, não
afasta a responsabilidade por acidente de trabalho.
iv. Privação do uso da razão: a quarta situação é a que se verifica no caos de
o acidente derivar do facto de o sinistrado se encontrar privado do
uso da razão (artigo 14.º, n.º1, alínea c) LAT). A falta do uso da razão
é entendida nos termos gerais de Direito Civil, reconduzindo-se às
causas de interdição (artigo 138.º CC), de inabilitação (artigo 152.º
CC) e, em particular, às hipóteses de incapacidade acidental (artigo
257.º e seguintes CC). Porém, o direito à reparação subsiste, não
obstante a falta do uso da razão por parte do sinistrado, em três
situações:
1. No caso da privação do uso da razão derivar da própria prestação de
trabalho;
2. No caso da privação do uso da razão ser independente da vontade da
vítima: mas, neste caso, há que fazer uma distinção:
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a. Se a possibilidade de ocorrer essa falta do uso da
razão era do conhecimento do trabalhador:
i. se o trabalhador não tomar as precauções
adequadas, a responsabilidade do
empregador deverá ficar excluída;
ii. Se o trabalhador tomar as precauções
adequadas, esta responsabilidade do
empregador operará.
3. Se a entidade patronal, sabendo que o trabalhador estava privado do uso
da razão, mesmo assim o encarrega de realizar determinada atividade,
mantém-se o direito à reparação: não há qualquer impedimento
quanto a celebrar contratos de trabalho com interditos ou
inabilitados, mas é necessário que o empregador lhes atribua
tarefas compatíveis com a sua deficiência física ou psíquica,
de modo a evitar a ocorrência de acidentes. A solução é a
mesma no caso de se tratar de incapacidade acidental.
v. Facto ou omissão do lesado: por último, como quinta hipótese em que a
atuação do sinistrado afeta o direito à reparação é de incluir os casos
em que a lesão se agravou ou não teve a cura prevista, por facto ou
omissão do lesado. Se o trabalhador sinistrado não observou as
prescrições clínicas ou cirúrgicas necessárias ao seu tratamento, nos
termos do artigo 30.º, n.º2 LAT está excluída a obrigação de reparar
os danos ou seu agravamento que seja consequência dessa atuação
do lesado, bastando a simples negligência do trabalhador, nos termos
gerais do artigo 570.º CC. Estando o trabalhador, vítima de acidente
de trabalho, em desacordo com as prescrições médicas pode reclamar
para os peritos do tribunal (artigo 30.º, n.º1 LAT), respeitando os
trâmites estabelecidos nos artigos 28.º e seguintes LAT.
c. Força maior: se o acidente provier de caso de força maior também não dá
direito à reparação (artigo 15.º, n.º1 LAT). Diferentemente, o caso fortuito,
por exemplo, rebentamento de uma máquina por motivo inexplicável, não
constitui causa de exclusão da responsabilidade. Só se considera motivo de
força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis da natureza,
independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas
condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente
ordenado pelo empregador em condições de perigo evidente (artigo 15.º, n.º2
LAT). O legislador optou por dar uma noção legal de força maior,
relacionando-a com as forças da natureza, procedendo depois a uma restrição,
pois descaracteriza a figura quando constitua risco criado pelas condições de
trabalho ou se verifique ao executar serviço expressamente ordenado pelo
empregador em situação de perigo. Dito de outro modo, certos casos que
seriam de força maior, não o são para efeitos de acidentes de trabalho. Por
outro lado, situações normalmente incluídas entre as causas de força maior,
como os atos de guerra, estariam afastadas, atenta a noção legal que apela
para as forças da natureza, independentemente, portanto, de intervenções
humanas.
d. Obrigações não excluídas: mesmo quando a responsabilidade do
empregador estiver excluída, ele será sempre obrigado a prestar os primeiros
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socorros ao sinistrado e a transportá-lo para onde possa ser socorrido (artigo
26.º, n.º1 LAT). Esta, pode dizer-se, é uma situação de responsabilidade civil
objetiva que excede os parâmetros normais, porque existe mesmo em caso
de dolo do trabalhador. Mas neste caso imperam razões humanitárias e os
valores em causa não serão exorbitantes. A omissão de qualquer destes
deveres faz incorrer o empregador em responsabilidade civil (artigo 486.º C)
e penal (artigo 200.º CP).
e. Responsabilidade de terceiros; direito de regresso: para concluir quanto
às causas de exclusão e de limitação da responsabilidade emergente de
acidentes de trabalho, há que aludir às situações imputáveis, sejam eles outros
trabalhadores da empresa ou pessoas a ela estranhas. Nos termos gerais da
responsabilidade civil, ainda que objetiva, sendo o facto gerador imputável a
terceiro é afastado o dever de indemnizar (artigos 505.º e 570.º CC). Mas
interessa distinguir as duas hipóteses:
i. Se o dano sofrido pelo trabalhador foi causado por terceiro, o lesado pode
diretamente demandar o responsável, nos termos gerais da responsabilidade civil
extracontratual (artigos 483.º e seguintes CC), como preceitua o artigo 17.º, n.º1
LAT. E no caso de o terceiro responsável pelo acidente pagar a indemnização
correspondente aos danos causados, essa prestação será descontada na reparação
que incumbe ao empregador, o qual só suportará, então, a diferença (artigo 17.º,
n.º3 LAT). Tendo o sinistrado recebido a indemnização da entidade
patronal ainda lhe caberia demandar o terceiro pela diferença, na
medida em que o ressarcimento determinado em termos de
responsabilidade por acidentes de trabalho, como é regra, não
compense todo o dano sofrido. Se a indemnização recebida do
terceiro abranger todos os danos infligidos ao trabalhador, fica
excluída a responsabilidade do empregador (artigo 17.º, n.º2 LAT).
Pretende-se que o sinistrado não venha a receber duas indemnizações
as quais, na totalidade, ultrapassem o valor do dano sofrido. Se,
eventualmente, isso ocorrer, o lesado terá de reembolsar o
empregador naquilo que exceda a quantia correspondente ao dano
(artigo 17.º, n.º2 LAT).
ii. Na hipótese de o trabalhador lesado não demandar o terceiro responsável pela
ocorrência. Frequentemente, até por inércia, o sinistrado que já se
encontra ressarcido pelo empregador não reage contra o terceiro
causador do acidente; cabe, então, à entidade patronal – em regra à
seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade emergente
de acidentes de trabalho – demandar o terceiro, exigindo-lhe o que
deveria ter pago ao trabalhador (artigo 17.º, n.º4 LAT). Corresponde
a uma sub-rogação legal, nos termos do artigo 592.º CC, pois o
empregador ou a respetiva seguradora não é responsável solidário
com o terceiro lesante pelos danos causados ao sinistrado; de facto,
não se está perante uma hipótese de responsabilidade solidária, mas
de dualidade de responsabilidades com fundamentos distintos. Dito
de outro modo, não nasce um direito novo, como no direito de
regresso, estando-se perante uma sucessão no lado ativo, que
caracteriza a sub-rogação, nomeadamente legal.
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9. Ocupação e cessação do vínculo laboral de trabalhadores vítimas de acidentes
de trabalho: o acidente de trabalho, por si, não constitui causa de cessação do
contrato de trabalho, como, talvez desnecessariamente, se prescrevia na Base
XXXVI, n.º1, da Lei n.º 2127, e se o empregador despedir sem justa causa o
trabalhador sinistrado, este tem direito, se não optar pela reintegração, a uma
indemnização igual ao dobro do estabelecido no artigo 391.º, n.º1 CT (artigo 157.º,
n.º4 LAT). Mas o acidente de trabalho pode constituir causa indireta de cessação do
contrato, se porventura se encontrarem preenchidos outros pressupostos. O acidente
de trabalho pode corresponder a uma justa causa de despedimento quando se
enquadrar na previsão do artigo 351.º CT. O acidente de trabalho também pode
constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador,
nos termos do artigo 394.º. CT, na eventualidade de ser devido a culpa do
empregador. Para além destas situações, que se reconduzem às regras gerais da
cessação do contrato de trabalho, o que apresenta particularidades neste campo é o
facto de o acidente poder causar um dano ao trabalhador que implique a caducidade
do contrato, nos termos do artigo 343.º CT. Se o trabalhador morrer ou por qualquer
outra razão não puder cumprir a atividade para que foi contratado, o contrato caduca
(artigo 343.º, n.º1, alínea b) CT). A incapacidade temporária pode implicar a
suspensão do contrato de trabalho, pois uma das causas de suspensão corresponde à
impossibilidade temporária de realizar o trabalho (artigo 296.º, n.º1 CT). Por outro
lado, a incapacidade permite que sejam dadas faltas justificadas, sem perda da
retribuição, nos termos do artigo 255.º, n.º2, alínea b) CT. No artigo 155.º, n.º1 LAT
está prevista uma situação especial, ao admitir-se que em caso de incapacidade
temporária parcial, o empregador pode ser obrigado a manter o trabalhador ao
serviço, incumbindo-o de uma tarefa compatível com o seu estado. Está consagrada
nestes preceitos uma situação específica de dever de ocupação efetiva do empregador;
mas esta ocupação efetiva confere ao empregador, justificando-se, a possibilidade de
alterar o objeto do contrato, desde que não afete a retribuição do trabalhador. Daqui
se poderia concluir que, em tais situações, o empregador estaria sempre adstrito a
providenciar uma ocupação adequada ao trabalhador sinistrado; mas há que
distinguir. Importa averiguar se na empresa existem tarefas compatíveis com o estado
do trabalhador; havendo-as e estando as mesmas disponíveis o empregador está
adstrito a ocupar o lesado nessas atividades. Mas se não as houver, o empregador não
está obrigado a criá-las especialmente para o trabalhador incapacitado. Não parece
razoável nem tal dever parece que decorra do espírito da lei. A avaliação dos
pressupostos para a ocupação do trabalhador cabe ao Instituto do Emprego e
Formação Profissional (artigo 159.º LAT) e este serviço público pode ter dificuldades
em dar resposta ponderada e justificada às solicitações. É diferente da ocupação
obrigatória o mecanismo previsto pelo legislador quando, indiretamente, pressiona
os empregadores a contratarem trabalhadores com incapacidade definitiva parcial,
designadamente, mediante a concessão de benefícios às empresas que procedam
nesse sentido. Na mesma perspetiva de dever de ocupação efetiva, no artigo 155.º,
n.º1 LAT impõe-se à empresa onde ocorreu o acidente de trabalho que ocupe o
trabalhador com incapacidade permanente numa atividade compatível com o
respetivo estado. Associado a este dever, incumbe ao empregador dar formação
profissional ao sinistrado para adaptação ao novo posto de trabalho (artigo 155.º,
n.º2 LAT).
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10. Prazos de exercício dos direitos: no artigo 179.º LAT conjugam-se dois tipos de
prazos de exercício de direitos:
a. Prazos de caducidade;
b. Prazos de prescrição.
Deste modo, a solução estabelecida neste preceito é claramente mais gravosa do que
aquela que resulta do disposto no Direito Civil. Na responsabilidade civil
extracontratual comum, tanto objetiva como objetiva (artigo 499.º CC), o artigo 498.º
CC determina que o prazo de prescrição é de três anos a contar da data em que o
lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste, podendo o direito ser exercido
judicial ou extrajudicialmente. Depois de determinado o direito à indemnização, a
partir do vencimento dessa prestação começa a correr um prazo, também de
prescrição, que pode ser de vinte anos, regra geral (artigo 309º. CC) ou de cinco anos,
se a prestação for periódica, por exemplo em renda (artigo 310.º, alínea a) CC).
Relativamente ao acidente de trabalho, o legislador estabeleceu um regime diverso.
Primeiro, porque, para o exercício judicial dos direitos dos trabalhadores sinistrados,
determinou um prazo de caducidade de um ano a contar da alta clínica ou da morte
do lesado (artigo 179.º, n.º1 LAT). Ou seja, a ação tem de ser proposta no ano
imediato à morte ou à alta clínica do trabalhador. Em caso de agravamento não foi
estabelecido o prazo para a atualização da pensão. Esta questão apresenta alguma
especificidade relevante em sede de acidentes de trabalho de desportistas
profissionais. Com a decisão judicial que condene no pagamento da reparação, e a
partir do vencimento desta prestação, inicia-se um prazo de prescrição de cinco ano
s(artigo 179.º, n.º2 LAT). O prazo de prescrição de cinco anos corresponde ao regime
de prescrição dos créditos de vencimento periódico (artigo 310.º, alínea a) CC), mas
não encontra aplicação em outras prestações, em particular nas indemnizações em
capital. Não se vislumbram as razões que presidiram a esta tomada de posição por
parte do legislador, consagrando um regime mais gravoso para a vítima do que aquele
que decorre do Direito Civil. A existência de prazos de caducidade e de prescrição
em sede de responsabilidade por acidentes de trabalho não é, em si, criticável e não
corresponde a uma contradição com o disposto no artigo 12.º LAT. De facto, a
nulidade das estipulações que impliquem o afastamento das regras da
responsabilidade por acidentes de trabalho não é contrariada por se admitir que os
direitos emergentes dessa responsabilidade se extingam pelo decurso dos prazos de
caducidade de direitos, o que não é contraditório com o facto de, por um motivo de
segurança jurídica, se estabelecerem prazos de exercício de direitos, até porque nada
obsta a que o trabalhador recuse a separação que lhe é devida. A única crítica
justificável é a que respeita ao estabelecimento de prazos não curtos, inferiores aos
prescritos no Direito Civil.
11. Processo: verificada a existência de um acidente de trabalho há que proceder a
diversas comunicações:
a. O acidente tem de ser dado a conhecer ao empregador: o sinistrado ou
os beneficiários legais de pensões devem participar a ocorrência, desde que o
empregador não tenha dela tido conhecimento por qualquer meio (artigo 86.º
LAT).
b. O empregador, depois de ter tido conhecimento do acidente,
participa-lo-á à sua seguradora (artigo 87.º, n.º1, alínea a) LAT), dentro
do prazo fixado no contrato de seguro.
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c. A companhia de seguros, por sua vez, deverá fazer uma comunicação
ao tribunal de trabalho competente, sempre que do acidente decorra a
morte ou incapacidade para o trabalhador (artigo 90.º LAT). Têm a
faculdade de participar o acidente ao tribunal competente o próprio
sinistrado, seus familiares, o diretor do hospital onde o lesado esteve
internado, etc. (artigo 92.º LAT) comunicação por parte do diretor do
hospital é obrigatória em caso de morte da vítima (artigo 91.º LAT). Pode,
por isso, haver mais do que uma participação do mesmo acidente ao tribunal
competente.
O infortúnio causado ao trabalhador dá origem a um processo especial: processo
emergente de acidente de trabalho (artigo 21.º, nº.3 CPT), regulado nos artigos 99.º
e seguintes CPT. O processo corre oficiosamente (artigo 26.º, n.º3 CPT),
considerando-se a ação proposta quando é recebida a participação do acidente
(artigos 22.º, 27.º e 99.º, n.º1 CPT).
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X – Cessação
Aspetos gerais:
1. Regime comum: o contrato de trabalho, como qualquer negócio jurídico, extingue-
se nos termos comuns, aplicando-se as regras gerais de Direito Civil, em particular
de Direito das Obrigações anteriormente analisadas. Atendendo à atual terminologia
usada em Direito do Trabalho, a cessação do vínculo laboral, além da caducidade,
pode decorrer da revogação, da resolução ou da denúncia. No artigo 340.º CT,
indicando-se as modalidades de cessação do contrato de trabalho, incluem-se oito
alíneas:
a. A alínea a) faz referência à caducidade, depois desenvolvida na Secção II
(artigos 343.º e seguintes CT);
b. A alínea b) alude somente à revogação, constando a matéria dos artigos
349.º e seguintes CT (Secção III);
c. As alíneas c) a g) dividem a resolução no seu tratamento, abrangendo
várias modalidades:
i. O despedimento por facto imputável ao trabalhador, que se refere a alínea c),
regulado nos artigos 351.º e seguintes CT;
ii. O despedimento coletivo, alínea d), constante dos artigos 359.º e seguintes
CT;
iii. O despedimento por extinção do posto de trabalho, na alínea e) (artigos 367.º
e seguintes CT);
iv. O despedimento por inadaptação, na alínea f), que vem regulado nos artigos
373.º e seguintes CT;
v. A resolução pelo trabalhador, na alínea g), que surge nos artigos
394.º e seguintes CT.
d. A denúncia só se alude a que é invocada pelo trabalhador (alínea h)) –
omitindo-se a denúncia pelo empregador, como se não existisse – que vem
regulada nos artigos 400.º e seguintes CT.
2. Relevo da cessação do contrato no domínio laboral: a cessação do contrato de
trabalho tem particular relevo no domínio laboral, essencialmente, por duas razões:
a. O Direito do Trabalho é particularmente sensível no que tange à
proteção do trabalhador, e um dos aspetos em que a tutela do
prestador da atividade se apresenta de considerável relevância é o da
segurança no emprego, com previsão constitucional (artigo 53.º CRP).
Principalmente quando as estatísticas apresentam taxas elevadas de
desemprego, por motivos de vária ordem, em particular de índole social,
torna-se premente a defesa da manutenção do emprego. Mas a segurança no
empreso tem de ser ponderada atendendo à prossecução da finalidade da
empresa, designadamente à sua competitividade.
b. Com alguma frequência, as questões jurídicas relacionadas com a
aplicação de normas laborais de diferentes institutos, como o dever de
lealdade, o valor da retribuição ou o gozo das férias, surgem a
propósito da cessação do contrato; como causa de cessação ou como
problema lateral à cessação.
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As razões indicadas justificam, por um lado, as restrições legais à cessação do
contrato de trabalho da iniciativa do empregador e, por outro, a natureza imperativa
do regime (artigo 339.º CT), que constitui um entrave à autonomia contratual, em
particular no domínio do contrato de trabalho, mas também em sede de contratação
coletiva. No âmbito laboral, a cessação do vínculo assume uma relevância extrema e,
por isso, mais do que em qualquer outro contrato, além da extensão que lhe é dada
pela lei (artigos 338.º a 403.º CT), encontra-se um número muito elevado de decisões
jurisprudenciais, em especial no que respeita ao despedimento e a doutrina tem dado
um tratamento desenvolvido à matéria da extinção do contrato de trabalho. No
fundo, o contrato de trabalho atendendo à especial proteção conferida ao trabalhador,
assenta numa particular distribuição do risco – diferente da que existe noutros
vínculos – em que o empregador, entre outros aspetos, assume o risco da subsistência
do contrato quando não tem nisso interesse.
3. Regime geral da cessação do contrato de trabalho:
a. Segurança no emprego: no artigo 53.º CRP prescreve-se que são proibidos
os despedimentos sem justa causa. Com base nesta disposição, desde logo
encontra-se banida a denúncia discricionária, ad nutum, do contrato de
trabalho por parte do empregador; o contrato de trabalho, não obstante ser
de execução continuada, só pode cessar por vontade da entidade patronal se
existir um motivo atendível. Apesar de a previsão constitucional de segurança
no emprego constituir uma particularidade do regime português, a
consagração do princípio generalizou-se nos países da União Europeia,
sendo um postulado da OIT. Mesmo noutros espaços jurídicos, com
contornos algo distintos, é frequente a consagração do princípio de segurança
no emprego.
b. Solução legislativa: o regime da cessação do contrato de trabalho consta
dos artigos 338.º e seguintes CT e corresponde a uma solução de
compromisso entre o sistema tradicional da cessação do contrato de trabalho,
assente nos princípios de Direito Civil com ligeiras correções e a regra de
proteção da estabilidade do emprego. Atualmente, com o Código do
Trabalho, na sequência do regime precedente, subsiste uma solução de
compromisso. Estão proibidos os despedimentos sem justa causa (artigo
338.º CT), mas, por um lado, a justa causa pode ser subjetiva, por facto
imputável ao trabalhador (artigo 351.º CT), ou objetiva (v.g. artigo 359.º CT)
e, por outro lado, admite-se a inclusão de termo resolutivo em situações que
extravasam o sentido tradicional desta cláusula acessória.
c. Uniformidade e imperatividade do regime da cessação: as soluções
constantes dos artigos 338.º e seguintes CT aplicam-se aos contratos de
trabalho de regime comum, em que predomina uma relação laboral no seio
empresarial, assim como aos contratos de trabalho com regime especial,
sempre que das respetivas regras não constem preceitos particulares que
derroguem as regras gerais ou não exista incompatibilidade do regime geral
com as especificidades de tais contratos (artigo 9.º CT). Além do regime
comum de cessação do contrato, subsistem regras especiais estabelecidas em
determinados tipos negociais, como os artigos 10.º, n.º8 Portaria n.º
1497/2008, artigos 27.º e seguintes Decreto-Lei n.º 235/92 e os artigos 26.º
e seguintes Lei n.º28/98. O regime comum de cessação do contrato
propende para uma uniformidade, pois, por via de regra, não se estabelecem
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diferenças em função do tipo de trabalhador ou do género de empresa,
equiparando-se situações distintas. Quanto ao trabalhador, não obstante a
substancial diferença introduzida pelo Código, a nível indemnizatório, o
legislador não diferencia de modo relevante as situações culposas das isentas
de culpa, e identifica sob vários aspetos as diversas causas de cessação do
contrato. De facto, quanto aos valores a pagar em casos de cessação de
contrato, a indemnização por despedimento ilícito (artigo 389.º, n.º1, alínea
a) CT) pode ser inferior à compensação devida em caso de despedimento
coletivo (artigo 366.º CT), porque, neste, se atende à duração do contrato, o
que pode não ocorrer na hipótese de despedimento ilícito; esta discrepância,
é, porém, minimizada tendo em conta a previsão do artigo 391.º CT, onde se
confere ao trabalhador ilicitamente despedido o direito de optar por uma
indemnização que substitui a reintegração. Também das alterações
introduzidas em 2012m nos artigos 344.º e 361.º CT decorre a ideia de
uniformizar a compensação em caso de cessação do contrato com causas
objetivas. Além da diferença no plano da indemnização, importa aludir a
algumas distinções relativas ao tipo de trabalhador ou de empresa, que
contrariam a propensa uniformidade. A natureza injuntiva da cessação do
contrato de trabalho consta do artigo 339.º CT; situação que não é exclusiva
do âmbito laboral, pois, no arrendamento urbano, o disposto sobre cessação
do contrato também tem natureza imperativa (artigo 1080.º CC). A
mencionada imperatividade admite, contudo, exceções. Não se permite que,
por instrumento de regulamentação coletiva ou por contrato de trabalho, se
estatua qualquer alteração ao regime da cessação do contrato, ainda que mais
favorável ao trabalhador, mas há que atender a disposições legais que
permitem a sua derrogação e à previsão constante dos n.º2 e 3 do artigo 339.º
CT. De entre as normas que consubstanciam disposição legal (em contrário)
importa atender aos diplomas sobre contratos de trabalho com regime
especial, nomeadamente os já citados artigos 10.º, n.º8 Portaria n.º1497/2008
(contrato de aprendizagem), 27.º e seguintes Decreto-Lei n.º 235/92
(contrato de serviço doméstico) e artigos 26.º e seguintes Lei n.º 28/98
(contrato de praticante desportivo). Das exceções constantes dos n.º2 e 3 do
artigo 339.º CT resulta que a derrogação do regime pode unicamente constar
de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Tendo por base o
disposto no n.º2 conclui-se que podem ser regulados por instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho os critérios de definição de
indemnizações, assim como os prazos de procedimento e de aviso prévio
constantes do Capítulo da cessação do contrato. Daqui se infere que a
convenção coletiva não poderá, por exemplo, restringir ou alargar a noção de
justa causa de despedimento ou modificar os fundamentos do despedimento
coletivo. Mas já será admissível que, em instrumento de regulamentação
coletiva, sejam regulados os valores das indemnizações devidas em caso de
cessação do contrato de trabalho (artigo 349.º, nº4 CT). Cabe ainda referir
que no artigo 349.º, n.º3 CT se admite que as partes, ao revogarem o contrato
de trabalho, acordem quanto a outros efeitos não previstos na lei. A
imperatividade do regime tem de ver com o facto de, no âmbito laboral, ser
problemática a garantia de uma vontade do trabalhador livre e esclarecida na
celebração de acordos com o empregador. Coloca-se, portanto, a dúvida
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quanto à vontade livre e esclarecida das partes para efeitos de formação de
diferentes acordos que alterem o regime especial de cessação do contrato. De
facto, o contrato de trabalho assenta numa estrutura de direção-subordinação
e o trabalhador exerce a sua atividade em regime de subordinação jurídica (e,
eventualmente, económica), designada heterodeterminação, enquanto ao
empregador são conferidos os poderes de direção e disciplinar. A relação
jurídica emergente do contrato de trabalho é tendencialmente desequilibrada,
quer no plano jurídico quer no plano económico. No âmbito laboral, há
alguns aspetos que podem indiciar uma posição de supremacia do
empregador: a possibilidade de determinação ou de conformação da
atividade por este exercida e, sobretudo, o exercício do poder disciplinar, que
faculta ao empregador a aplicação de sanções disciplinares sem necessidade
de recurso a intervenção judicial. No plano oposto, o trabalhador encontra-
se numa posição passiva, em particular resultante da subordinação jurídica,
de que resulta um dever de obediência em relação às ordens, regras ou
orientações emanadas do respetivo empregador, dentro dos limites do
contrato e das normas que o regem. Por outro lado, frequentemente a relação
laboral pressupõe a subordinação económica do trabalhador em dois
sentidos:
i. Os rendimentos do trabalho constituem o seu principal meio de subsistência;
ii. O processo produtivo para o qual o trabalhador contribui não é dominado pelo
próprio, mas sim pelo empregador, detentor dos meios de produção e do poder de
gestão da empresa.
Por isso, não raras vezes se afirma que a relação jurídica de trabalho é
desequilibrada, pois assenta num desnível jurídico e económico, por força do
qual o trabalhador, enquanto contraente mais débil, se coloca
contratualmente numa situação de inferioridade em relação ao empregador.
Mas a imperatividade tem um âmbito mais alargado, pois também não
confere aos instrumentos de regulamentação coletiva validade para
intervirem nesta questão, salvas as exceções indicadas.
d. Consequências da cessação: a cessação do vínculo extingue as obrigações
das pares que respeitam ao cumprimento do contrato de trabalho, mas
determina a constituição de certas prestações. Associado às questões formais
resultantes da extinção, neste contrato, de modo mais premente do que em
outros vínculos, atende-se frequentemente às consequências da extinção na
pessoa do trabalhador, por vezes relacionado com a perda do meio de
sustento. Importa referir que estas condicionantes foram tidas em conta na
previsão limitada de situações de cessação do contrato de trabalho, não
devendo ser ponderadas duas vezes; por isso, na apreciação dos pressupostos
das situações de cessação, ainda que esses dados pessoais possam estar
subjacentes, não são relevantes, sob pena de se introduzirem mais elementos
subjetivos na aplicação do Direito do Trabalho. Importa ainda referir que,
contrariamente ao que é preconizado por alguma doutrina, não há que
distinguir a cessação do contrato de trabalho da extinção da relação laboral,
porque o contrato é de execução continuada, não se podendo acantoná-lo ao
mero ato de celebração. Como dispõe o artigo 341.º CT, tendo cessado o
contrato de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador um
certificado de trabalho, do qual constarão as datas de admissão e de termo,
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bem como o cargo ou cargos desempenhados (n.º1, alínea a)), e outros
documentos destinados a fins oficiais, nomeadamente para a segurança social,
de modo a poder ser atribuído ao trabalhador subsídio de desemprego (n.º1,
alínea b)). Cessando o contrato de trabalho, impende sobre o trabalhador o
dever de devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho
e quaisquer outros objetos que sejam pertença deste (artigo 342.º CT).
Consagra-se um princípio geral, que decorre das regras comuns,
nomeadamente de Direito das Obrigações e de Direitos Reais. O
incumprimento deste dever de devolução determina a aplicação das regras
gerais de responsabilidade civil, concretamente dos artigos 483.º e seguintes
e 798.º e seguintes CC, por um lado, e dos artigos 563.º e seguintes CC, por
outro. Do disposto no artigo 342.º CT deduz-se que a falta do empregador
(discutível ou mesmo por ele reconhecida) de pagamento de quaisquer
quantias ao trabalhador, em princípio, não confere a este direito de retenção
sobre os instrumentos de trabalho ou outros objetos que sejam pertença
daquele. De facto, tendo em conta a previsão geral do artigo 754.º CC, para
haver direito de retenção será necessário que o crédito do trabalhador resulte
de despesas feitas por causa desses objetos do empregador ou de danos por
eles causados. Por sua de regra, os montantes que o empregador tem a pagar
ao trabalhador aquando da cessação do contrato não se relacionam com essas
duas hipóteses. Acresce que entre as situações especiais de direito de retenção
(artigo 755.º CC) não se inclui o trabalhador no elenco de credores
privilegiados. Por último, da cessação do contrato resulta a obrigação de
acerto de contas, pelo que se podem constituir prestações específicas próprias
da extinção. Nesse acerto de contas, além de se atender a prestações
vincendas, tem particular relevância aludir às obrigações que se vencem em
virtude da cessação do vínculo. Neste sentido importar referir o disposto no
artigo 245.º CT relativo aos efeitos da cessação do contrato de trabalho no
direito a férias e correspondente subsídio: o trabalhador tem direito a receber
uma quantia proporcional ao tempo de serviço prestado no ano em que cessa
o contrato e, não tendo ainda gozado as férias vencidas no dia 1 de janeiro
desse ano, tem direito a receber também a quantia referente a essas férias e
ao correspondente subsídio. Do mesmo modo, como prescreve a alínea b)
do n.º2 do artigo 263.º CT, cessando o contrato, o trabalhador tem direito a
receber o proporcional do subsídio de Natal correspondente ao tempo de
serviço prestado nesse ano. Qualquer das situações anteriormente indiciadas
corresponde a deveres de execução pós-contratual, que decorrem da cessação
do vínculo; vencendo-se, por isso, com a extinção do contrato, pelo que tais
obrigações serão cumpridas após a dissolução do contrato de trabalho. No
fundo, como ocorre em outros contratos, estar-se-á no âmbito do que se
pode designar por consequências da liquidação; a relação contratual extingue-
se e tem de se proceder à respetiva liquidação.
4. Causas de cessação: depois de se reiterar no artigo 338.º CT a proibição de
despedimento sem justa causa, mencionam-se no artigo 340.º CT as modalidades de
cessação do contrato de trabalho. Neste preceito, como formas de cessação, indica-
se:
a. Caducidade;
b. Revogação;
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c. Despedimento por facto imputável ao trabalhador;
d. Despedimento por extinção do posto de trabalho;
e. Despedimento por inadaptação;
f. Resolução pelo trabalhador;
g. Denúncia pelo trabalhador.
Não se trata de um elenco de causas, mas da indicação de diversas modalidades de
cessação, devendo proceder-se ao seu enquadramento dogmático nas tradicionais
causas de cessação do vínculo contratual. A evolução dogmática operada no Direito
do Trabalho não se encontra noutros espaços jurídicos, onde, frequentemente, a
cessação do contrato é estudada através do elenco (exaustivo) das várias causas de
extinção – morte, reforma, incapacidade, decisão do trabalhador, despedimento (por
causas subjetivas e objetivas), acordo, etc. –, surgindo, porém, determinadas
construções em que as formas de cessação se reconduzem a três tipos –
despedimento com justa causa, acordo e despedimento económicos. Mas, em alguns
manuais, a cessação do contrato de trabalho resume-se quase só ao despedimento,
sendo feitas referências a outras causas de modo disperso depois de um tratamento
exaustivo dos diferentes aspetos do despedimento. E, tal como na legislação
precedente, também noutras ordens jurídicas, por vezes, a mesma forma de cessação
do vínculo surge diversamente denominada, consoante seja exercida pelo trabalhador
ou pelo empregador; assim, a resolução por incumprimento surgia na LCCT como
rescisão ou despedimento com justa causa e, no Direito italiano, como dimissioni
(quando exercida pelo trabalhador) ou licenziamento (quando exercida pelo
empregador) e, no sistema francês, faz-se idêntica contraposição entre démission e
licenciament. Mais do que em outros contratos, a questão terminológica dos meios de
cessação do vínculo assume particular relevo no âmbito laboral, até por motivos de
ordem psicológica; o Código do Trabalho de 203 pretendeu evirar essa dispersão,
mas a mesma retornou com a revisão de 2009. O contrato de trabalho caduca nos
termos gerais (artigo 343.º e seguintes CT), pode ser revogado por acordo das partes
(artigos 349.º e seguintes CT) e, verificados determinados pressupostos, extingue-se
por decisão unilateral de uma das partes. Quanto à decisão unilateral, importa
distinguir três situações: a resolução, baseada no incumprimento da contraparte, a
resolução por causa alheias à atuação das partes e a denúncia. A resolução fundada
na conduta indevida de uma das partes distingue-se terminologicamente, consoante
o incumprimento seja imputável ao trabalhador, designadamente, consoante o
incumprimento seja imputável ao trabalhador, designada por justa causa de
despedimento (artigo 351.º CT), ou ao empregador, por justa causa de resolução
(artigo 394.º, n.º2 CT). A resolução por causas alheias à atuação das partes também
se diferencia em moldes idênticos. Sendo a resolução da iniciativa do empregador
designa-se despedimento e abrange três situações:
a. Despedimento coletivo (artigo 359.º CT);
b. Despedimento por extinção de posto de trabalho (artigo 367.º CT); e
c. Despedimento por inadaptação (artigo 373.º CT).
Estas três hipóteses, por contraposição à justa causa de despedimento (subjetiva), são
por vezes denominadas despedimento por justa causa objetiva. No caso de a
resolução ser da iniciativa do trabalhador, contrapõe-se a justa causa subjetiva, em
que há culpa do empregador (artigo 394.º, n.º2 CT), à justa causa objetiva, sem culpa
do empregador (artigo 394.º, n.º3 CT). Por último, a denúncia implica a cessação do
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contrato de trabalho por declaração unilateral de qualquer das partes, sem invocação
do motivo. Na sequência do regime geral, há a duas modalidades de denúncia:
a. Para obstar à renovação ou à conversão do contrato a termo (artigo
344.º CT);
b. Ou como modo de impedir a prossecução de uma relação jurídica
duradoura.
Nesta segunda modalidade cabe fazer referência a três situações:
a. Denúncia durante o período experimental (artigo 114.º CT);
b. Denúncia no regime de comissão de serviço (artigo 163.º CT);
c. Denúncia com aviso prévio por parte do trabalhador (artigo 400.º CT).
Das três situações de denúncia, a última é exclusiva do trabalhador, sendo as duas
outras hipóteses de denúncia invocáveis por ambas as partes. Poder-se-ia questionar
se, descurando a denúncia pelo empregador, omitida pelo legislador, há outras causas
de cessação além das previstas no artigo 340.º CT, ou se, pelo contrário, a indicação
legal é taxativa. A lei não pode prever todos os meios de cessação de um vínculo
contratual e encontram-se hipóteses de extinção do contrato de trabalho não
incluídas diretamente no elenco daquele preceito. Contudo, assentando numa noção
de caducidade em sentido amplo, como a que resulta do corpo do artigo 343.º CT,
pode concluir-se que as situações atípicas de cessação do contrato de trabalho que
não se reconduzem diretamente às hipóteses previstas no artigo 340.º CT se podem
enquadrar numa noção ampla de caducidade, que abrange diferentes situações. De
facto, pode concluir-se que a caducidade do contrato de trabalho também ocorrerá
na multiplicidade de hipóteses em que se inviabiliza a execução das prestações
contratuais; por outro lado, os vínculos contratuais cessam igualmente em razão de
causas de extinção das obrigações além do cumprimento; e, no caso, haveria que
atender à confusão (artigo 868.º CC). Deste elenco de causas de cessação do contrato
de trabalho resulta, como melhor se verá na exposição subsequente, que não há
paridade na posição das partes; dos mecanismos jurídicos conferidos ao empregador
e ao trabalhador, com vista à cessação do contrato, só em relação àquele se
estabeleceram condicionadas à liberdade de livre desvinculação. No Código do
Trabalho, não obstante o elenco incompleto do artigo 340.º CT, as modalidades de
cessação do contrato de trabalho reconduzem-se, assim, às quatro formas típicas de
extinção das relações obrigacionais, para além daquela que decorre do próprio
cumprimento das obrigações: a caducidade, a revogação e a denúncia. Nos termos
gerais, a resolução e a denúncia resultam ambas de declaração de vontade unilateral
de uma das partes, dirigida à contraparte, ainda que em termos não coincidentes: no
primeiro caso, trata-se de uma declaração fundamentada, no sentido em que depende
da invocação de um motivo legalmente atendível; no caso da denúncia, a declaração
de vontade é imotivada (ad nutum). A revogação resulta de um ajuste contratual levado
a efeito pelos contraentes com vista à cessação do contrato. A caducidade determina
a extinção do contrato em função do decurso do tempo ou da ocorrência de um facto
superveniente. A resolução do contrato de trabalho depende da existência de justa
causa. Assim sucede com o despedimento por facto imputável ao trabalhador (artigo
351.º CT) ou com base na designada justa causa objetiva (artigos 359.º e seguintes
CT), bem como com a cessação unilateral da iniciativa do trabalhador decorrente de
um comportamento culposo do empregador (artigo 394.º, n.º2 CT). A denúncia
consubstancia, também, uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho.
Todavia, ao contrário da resolução, a denúncia é ad libitum, tendencialmente de
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exercício discricionário, de facto, para a denúncia não se exige a invocação de um
motivo a tanto dirigido e pode, em regra, ser exercida de forma não condicionada.
No domínio laboral, a denúncia, além de discricionária, excecionalmente pode não
estar dependente de aviso prévio – é o que ocorre no caso da cessação durante o
período experimental (artigo 114.º, nº.1 CT); mas, por via de regra, na sequência do
regime geral, a boa fé impõe que a cessação do vínculo por denúncia seja antecedida
de um período de preparação, pelo que se exige aviso prévio. Assim, tendo o período
experimental durado mais de sessenta dias, o empregador, para fazer cessar o
contrato por denúncia, tem de dar um aviso prévio de sete dias (artigo 105.º, n.º2
CT); no regime da comissão de serviço, o aviso prévio é de trinta ou sessenta dias
(artigo 163.º CT) e, no caso da cessação do contrato de trabalho a termo certo, a
comunicação tem de ser enviada quinze ou oito dias antes de o prazo expirar (artigo
344.º CT). A revogação, ou distrate, consubstancia um negócio jurídico bilateral
destinado a fazer cessar um contrato de trabalho. Resulta da autonomia privada e
representa o exercício da liberdade contratual, que se manifesta, neste caso, na
celebração do contrato extintivo (artigo 406.º, n.º1 CC). Está, pois, em causa, na
revogação, a destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do
contrato, que se caracteriza por ser discricionária e por não ser, em princípio,
retroativa: as partes não necessitam de invocar qualquer fundamento (revogação ad
nutum ou ad libitum) e os efeitos da revogação, em regra, apenas valem para o futuro
(ex nunc). No âmbito laboral, a revogação do contrato consubstancia um negócio
jurídico formal, no sentido em que a lei exige a observância da forma escrita e de um
conjunto de formalidades destinadas a promover a proteção do trabalhador (artigos
349.º e 350.º CT).
Caducidade:
1. Noção e causas: Forma e formalidades: o contrato de trabalho pode cessar,
nomeadamente, por caducidade. Em caso de caducidade, o contrato cessa pela
ocorrência de um facto jurídico stricto sensu, por exemplo, na hipótese de extinção do
objeto ou pela verificação de qualquer facto ou evento superveniente a que se atribua
efeito extintivo da relação contratual. Assim, no domínio laboral, a caducidade
implica a extinção do contrato de trabalho sempre que as prestações devam ser
realizadas um determinado prazo, fixado por lei ou convenção das partes. Como
exemplo típico cabe indicar o contrato ao qual foi aposto um termo resolutivo (artigo
140.º CT). Por outro lado, também se estará perante uma hipótese de caducidade
quando se esgota o objeto do contrato ou ocorre um evento a que se atribui efeito
extintivo, como, por exemplo, a morte do trabalhador. Tal como em outros contratos,
a caducidade pode resultar da impossibilidade não imputável a uma das partes de
efetuar a sua prestação; de facto, num vínculo sinalagmático como o contrato de
trabalho, se uma das partes não pode realizar a sua prestação a contraparte fica
desobrigada da contraprestação (artigo 795.º, n.º1 CC). Esta extinção recíproca das
prestações contratuais designa-se por caducidade no artigo 343.º CT, que inclui, entre
as causas de caducidade do contrato de trabalho, a impossibilidade superveniente de
prestar ou de receber o trabalho. Não obstante se reconhecer a distinção entre as
duas situações; na sequência do que já foi feito anteriormente, incluir-se-á o estudo
da impossibilidade superveniente a propósito da caducidade. Deste modo, aludir-se-
á à caducidade em sentido amplo, como forma de cessação do contrato de trabalho
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que decorre de um facto a que a lei atribui o efeito extintivo. Até porque, em ambas
as situações, a cessação do contrato advém de um facto jurídico stricto sensu, não
dependente de uma declaração de vontade. No contrato de trabalho, por via de regra,
a caducidade também funciona automaticamente, não necessitando de ser invocada
por qualquer das partes. A caducidade opera pelo decurso do prazo para o qual o
contrato foi celebrado ou, noutras hipóteses, pela ocorrência de um facto a que a lei
atribui efeito extintivo. Por via de regra, a caducidade determina automaticamente a
extinção do vínculo. Noutros casos, porém, quando vigore, por lei depende de uma
denúncia prévia do contraente interessado em obstar à renovação automática do
contrato. É o que sucede no domínio laboral com a caducidade dos contratos de
trabalho a termo certo: o contrato caduca se a parte interessada comunicar a intenção
de não renovação do contrato à contraparte com a antecedência mínima de quinze
ou oito dias, sob pena de o contrato se renovar por período igual ao inicialmente
estabelecido (artigos 149.º, n.º2 e 344.º CT). O contrato de trabalho caduca também,
nos termos da lei, em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de
o trabalhador prestar o seu trabalho (artigo 343.º, alínea c) e 348.º CT) ou em caso
de morte do empregador e extinção ou encerramento da empresa (artigo 346.º CT).
Ainda que se admita, excecionalmente, que, por acordo em contrário, a caducidade
tenha eficácia retroativa, esta convenção é, contudo, de duvidosa legalidade no
âmbito laboral, atendendo aos limites impostos à autonomia privada no Código do
Trabalho (em particular, a regra da imperatividade do artigo 339.º CT). Em princípio,
se o contrato for celebrado por um determinado prazo, decorrido esse período de
tempo, o negócio jurídico caduca. Todavia, no domínio laboral, a regra aponta no
sentido de, não obstante o contrato ser celebrado por um determinado prazo, se
decorrer esse lapso, ocorre a renovação automática e o contrato não caduca (artigo
149.º, n.º2 CT). A renovação automática assenta no pressuposto de o contrato de
trabalho ter sido ajustado por certo prazo, pelo que não vale em caso de termo incerto.
Contudo, no domínio laboral, a aposição de uma condição está limitada,
relacionando-se a sua admissibilidade com algumas situações em que é viável ajustar
um contrato a termo incerto. Apesar de se ter esclarecido que a verificação da
condição resolutiva não determina a caducidade do contrato mas a sua resolução, em
razão da imperatividade do regime laboral, as eventuais hipóteses de condição
resolutiva admissíveis encontram-se previstas no regime do termo incerto. No caso
de termo incerto, o contrato produz os seus efeitos normais desde a data da
celebração, mas os efeitos cessam, porém, no caso de se verificar o facto extintivo.
Sendo o contrato de trabalho ajustado a termo incerto (artigos 140.º, n.º3 CT), a
caducidade não se encontra na dependência da comunicação do empregador ao
trabalhador (artigo 345.º, n.º1 CT), pois o contrato caduca independentemente dessa
informação. Mas a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto é atípica,
porque, apesar de verificados os seus pressupostos, permite a conversão da situação
jurídica temporária num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não
caduca se o trabalhador, decorrido o prazo de aviso ou depois de verificado o termo
ou a condição resolutiva, continuar ao serviço (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-
se-á, assim, que a caducidade do contrato é condicional, pois depende de o
trabalhador abandonar o serviço; deste modo, além dos pressupostos comuns, a
caducidade do contrato de trabalho a termo incerto está dependente da condição de
a atividade não continuar a ser desenvolvida. Em sentido amplo, a caducidade pode
decorrer do desaparecimento de certos pressupostos que serviram de base para a
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celebração do contrato de trabalho. Estas hipóteses em que deixam de existir os
pressupostos nos quais as partes se basearam para a celebração do contrato melhor
se enquadram na impossibilidade superveniente ou, eventualmente, na alteração das
circunstâncias; podendo, neste caso, constituir uma hipótese de resolução com causa
objetiva. É o que acontece nos termos do artigo 394.º, n.º3, alíneas a) e b) CT).
Importa esclarecer que a caducidade se distingue da resolução com causas objetivas
porque, nesta, a cessação do vínculo depende de uma declaração de vontade
justificada, distinta, portanto, de denúncia (ad nutum) que gera caducidade. No regime
geral, sempre que o contato caducar por impossibilidade superveniente, importa
averiguar se há ou não culpa de uma das partes. E, havendo culpa no que respeita à
produção do facto que desencadeou a caducidade, o responsável terá de indemnizar
a contraparte pelos danos decorrentes da cessação do vínculo. Mas esta
contraposição não vale no âmbito laboral, em que a caducidade se baseia em
postulados distintos. O trabalhador não responde pela caducidade do contrato, ainda
que tenha atuado culposamente. A responsabilidade pode advir, tão-só, do regime
geral de neminem laedere (artigo 483.º, n.º1 CC). Por seu turno, o empregador, ainda
que não tenha tido culpa no que respeita à causa de caducidade do contrato, pode ter
de compensar o trabalhador nos casos previstos na lei. Assim, no caso de caducidade
do contrato de trabalho por verificação do termo incerto (artigo 345.º, n.º4 CT) ou
motivada por morte do empregador e extinção ou encerramento da empresa (artigo
346.º, n.º5 CT) é devida uma compensação ao trabalhador. Não obstante a
caducidade do contrato, tal como noutras situações contratuais, a subsistência do
vínculo contratual pode pressupor o seu renascimento, ou seja, a renovação do
contrato. Esta renovação do contrato, porém, por motivos lógicos, não pode valer
para todas as hipóteses de caducidade do contrato de trabalho, pois em certos casos
em que a extinção da relação contratual opera ipso iure não se justifica o seu
renascimento. Assim, no caso de morte do trabalhador (artigo 343.º, alínea b) CT)
não faz sentido aludir-se à subsistência do vínculo contratual. Mas ainda que a
caducidade opere automaticamente – não havendo, pois, renovação do contrato – o
cumprimento das prestações depois de o negócio jurídico ter caducado determina a
sua subsistência. É isso que prescreve o artigo 147.º, n.º1 CT quanto ao contrato de
trabalho a termo incerto. Em tais casos, o cumprimento das prestações do contrato
caducado, durante mais de quinze dias após a ocorrência do termo, depreende-se que
há uma vontade das partes no sentido da manutenção do vínculo.
2. Regime específico; enunciação: no artigo 343.º CT, depois de se estabelecer que
o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, a título exemplificativo, indicam-se
três causas de caducidade:
a. Verificação do termo (alínea a));
b. Impossibilidade superveniente (alínea b));
c. Reforma do trabalhador (alínea c)).
A estes três exemplos poderia acrescentar-se a perda do título profissional (artigo
117.º n.º2 CT) ou o cancelamento da autorização de permanência em Portugal de
trabalhador estrangeiro, hipóteses que, todavia, se podem enquadrar na
impossibilidade superveniente, bem como em situações atípicas de cessação do
contrato, tais como no caso do trabalhador que, por ter adquirido uma percentagem
significativa das participações sociais da sociedade empregadora, se torna dono da
empresa em que trabalha. Incluem-se, assim, na mesma figura (caducidade) situações
bem diversas e com regimes distintos. A caducidade, correspondendo a uma forma
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ampla de cessação do contrato de trabalho, abrange várias hipóteses que
eventualmente poderiam ser integradas noutros modos de extinção do vínculo
laboral. Deste modo, a incapacidade do trabalhador para a execução da tarefa,
dependendo das circunstâncias, tanto pode corresponder a uma impossibilidade
superveniente, absoluta e definitiva de prestar o seu trabalho (artigo 343.º, alínea b)
CT), como a uma inadaptação do trabalhador, prevista no artigo 373.º CT. Do
mesmo modo, a proibição de exercício de uma atividade empresarial pode incluir-se
na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de
a. O empregador receber a prestação de trabalho (artigo 343.º, alínea b) CT);
b. No encerramento total e definitivo da empresa (artigo 346.º, n.º3 CT);
ou
c. No encerramento de uma secção por motivos de mercado (artigo 359.º
CT).
Nesta sequência, refira-se ainda que, como se aludirá infra, nem sempre é fácil
delimitar o âmbito de aplicação da caducidade e do despedimento coletivo, porque a
impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a empresa receber a prestação
de trabalho, muitas das vezes, encontra-se na dependência de uma decisão
empresarial que pode justificar um despedimento coletivo. Em qualquer destas
situações, não se pode concluir que a caducidade é a forma genérica e a inadaptação
ou o despedimento coletivo os meios específicos de cessação do contrato de trabalho;
e, em caso de conflito, preferem estas àquela. Por outro lado, também não parece
aceitável entender que se deve recorrer preferencialmente ao despedimento coletivo,
à extinção de postos de trabalho ou à inadaptação porque conferem melhor proteção
ao trabalhador do que a caducidade. A decisão terá de ser tomada perante a situação
concreta.
3. Verificação do termo: a primeira hipótese de caducidade (alínea a)) corresponde à
situação típica de extinção do negócio jurídico sempre que as prestações devam ser
realizadas num determinado prazo, fixado por lei ou convenção das partes, em que
o exemplo normalmente apontado é o do contrato ao qual foi aposto um termo
resolutivo, previsto no artigo 278.º CC. Contudo, no contrato de trabalho, atendendo
a uma limitação à liberdade contratual, o termo resolutivo só pode ser aposto desde
que respeitadas as condicionantes estabelecidas nos artigos 140.º e seguintes CT. No
contrato de trabalho a termo certo, diversamente o regime comum, a caducidade não
opera ipso iuris, pois estabeleceu-se a regra da renovação automática (artigo 149.º CT)
e da conversão (artigo 147.º CT), havendo, por isso, a necessidade de ser invocada
por qualquer das partes mediante denúncia. Nada obsta, porém, a que se celebre um
contrato de trabalho por um prazo determinado não renovável; nesse caso, decorrido
o prazo, o contrato caducará ipso facto; ou seja, a caducidade opera, então,
automaticamente, não carecendo de uma prévia denuncia, porque o negócio jurídico
deixou de estar sujeito a renovação automática. De facto, ainda que a renovação
automática decorra da lei, não se encontra inviabilizada a celebração de um contrato
de trabalho por um prazo determinado não renovável; em tal hipótese, decorrido o
período ajustado, o contrato caducará sem necessidade de uma prévia denúncia.
Deste modo, mesmo quando a renovação automática é imposta legalmente, não se
trata de norma imperativa, como resulta do n.º1 do artigo 149.º CT, que pode,
portanto, ser afastada por vontade das partes. Do mesmo modo, no contrato de
trabalho a termo incerto, a verificação do facto determina a automática extinção do
vínculo contratual (artigo 345.º, n.º1 e 3 CT), pelo que a comunicação imposta neste
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preceito decorre da boa fé negocial e a sua falta não determina a manutenção do
contrato, mas tão-só uma obrigação de indemnizar o trabalhador (artigo 345.º, n.º3
CT). Contudo, a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto, como se referiu
supra, encontra-se na dependência da condição de o trabalhador não permanecer ao
serviço após a data em que se produziria o efeito extintivo, ou seja, é uma caducidade
atípica, pois exige um pressuposto adicional para a produção de efeitos. A caducidade
por verificação do termo, embora na alínea a) do artigo 242.º CT não se distinga,
segue um regime diverso consoante se trate de:
a. Contrato a termo certo: se o empregador pretende fazer cessar o contrato
a termo certo, deverá enviar ao trabalhador uma declaração de vontade
demonstrando a intenção de não renovar o negócio jurídico; declaração essa
que tem de ser feita por escrito e com a antecedência mínima de quinze (15)
dias em relação ao prazo de vigência do contrato (artigo 344.º, n.º1 CT). Esta
declaração consubstancia uma denúncia, pois obsta à renovação do contrato
e, eventualmente, à sua conversão, pelo que a caducidade será uma
consequência da denúncia. Sendo o trabalhador que pretende pôr termo ao
contrato, é necessário igualmente manifestar a sua vontade; só que, neste caso,
a denúncia com pré-aviso impõe que seja feita por escrito com oito (8) dias
de antecedência. Neste caso, a caducidade também é uma consequência da
denúncia. Ainda quanto ao contrato de trabalho a termo certo, admitindo a
validade de uma cláusula de não renovação, a caducidade operará
automaticamente como o decurso do prazo, não sendo necessário proceder-
se à denúncia. Nesta hipótese, a caducidade apresenta autonomia em relação
à denúncia. Não caducando no fim do prazo, o contrato renova-se, em
princípio, por igual período (artigo 149.º, n.º2 CT), podendo converter-se em
contrato sem termo (artigo 147.º, n.º2 CT). Caducando o contrato a termo
certo por decisão do empregador, o trabalhador tem direito à compensação
prevista no n.º2 do artigo 344.º CT. Trata-se de uma situação excecional
resultante da precariedade do vínculo, pois, como se referiu, por via de regra,
a caducidade do contrato não determina a obrigação de pagar uma
compensação. Com a revisão de 2012, a compensação prevista no n.º2 do
artigo 344.º CT deixou de ter um regime especial de cálculo, sendo fixada nos
termos do despedimento coletivo, para cujo artigo 366.º CT.
b. Contrato a termo incerto: este contrato não se renova, caducando com a
verificação do termo, mas o empregador deverá comunicar ao trabalhador
que tal facto vai ocorrer com uma antecedência mínima de sete a sessenta (7-
70) dias (artigo 345.º, n.º1 CT), sob pena de incorrer no dever de indemnizar
(artigo 345.º, n.º3 CT). Não obstante a caducidade ser automática, admite-se
a conversão do contrato a termo incerto num contrato sem termo se o
trabalhador permanecer no desempenho da sua atividade decorrido o prazo
de comunicação ou, na falta desta, passados quinze (15) dias sobre a data em
que deveria cessar a relação laboral (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). A
possibilidade de conversão, principalmente no que respeita ao contrato de
trabalho a termo incerto, confere à caducidade uma certa atipicidade, pois,
nesse caso, a relação laboral caduca, mas não se extingue, transforma-se. A
caducidade do contrato de trabalho a termo incerto é atípica porque, apesar
de verificados os seus pressupostos, permite a conversão da situação jurídica
temporária num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não
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caduca se o trabalhador, decorrido o prazo de aviso prévio ou depois de
verificado o termo ou a condição resolutiva, continuar a desempenhar a sua
atividade (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-se-á, então, que a caducidade
do contrato é condicional, pois depende de o trabalhador abandonar o
serviço; pelo que, além dos pressupostos comuns, a caducidade do contrato
de trabalho a termo incerto está dependente da condição de a atividade não
continuar a ser desenvolvida. No caso de contrato de trabalho a termo incerto
(artigo 140.ºm n.º3 e seguintes CT), a atipicidade resulta de a caducidade não
se encontrar na dependência da comunicação que o empregador deve fazer
ao trabalhador (artigo 345.º, n.º1 CT), pois o contrato caduca
independentemente desta comunicação. De facto, no contrato de trabalho a
termo incerto, apesar de verificados os pressupostos necessários para a
caducidade operar, permite-se a conversão da situação jurídica temporária
num contrato de trabalho sem termo; o contrato de trabalho não caduca se
o trabalhador, após a data da produção de efeitos da denúncia ou, na falta
desta, decorridos quinze (15) dias depois da verificação do facto a que se
associa o termo incerto ou a condição resolutiva, continuar a prestar a sua
atividade ao mesmo empregador (artigo 147.º, n.º2, alínea c) CT). Dir-se-á,
assim, que a caducidade do contrato é condicional, pois depende de o
trabalhador abandonar o serviço; deste modo, além dos pressupostos
comuns, a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto está
dependente da condição de a atividade não continuar a ser desenvolvida. A
caducidade de contrato a termo incerto confere igualmente ao trabalhador o
direito a perceber uma compensação, como dispõe o artigo 345.º, n.º4 CT,
fixada, agora, nos termos gerais da extinção do contrato de trabalho por
causas objetivas, atenta a remissão para o artigo 366.º CT.
4. Impossibilidade superveniente:
a. Características da impossibilidade: como se referiu anteriormente, a
impossibilidade superveniente não constitui uma modalidade stricto sensu de
caducidade, apesar de frequentemente ser incluída num sentido amplo desta
figura. Na alínea b) do artigo 343.º CT estabeleceu-se a designada caducidade
em sentido impróprio, como forma de extinção do contrato de trabalho em
caso de impossibilidade, não imputável, de uma das partes efetuar a sua
prestação ou de a outra receber a contraprestação. Esta extinção recíproca
das prestações contratuais, nos termos do artigo 795.º CC, designa-se por
caducidade no preceito do Código do Trabalho em análise. Apesar da já
mencionada distinção entre as duas situações, tendo em conta a estrutura do
regime da cessação no Código do Trabalho, inclui-se a impossibilidade
geradora da extinção de prestações contratuais no âmbito da caducidade em
sentido amplo. A impossibilidade a que alude a alínea b) do artigo 343.º CT,
até pela qualificação constante do preceito, tem de ser enquadrada nos
parâmetros constantes dos artigos 790.º e seguintes CC; ou seja, a
impossibilidade de cumprimento de uma prestação emergente do contrato
de trabalho deverá ser entendida nos mesmos moldes dos contratos em geral.
De facto, no artigo 343.º, alínea b) CT, para caracterizar este modo de
cessação do contrato, alude-se a uma impossibilidade superveniente, absoluta
e definitiva. Esta tríade de características da impossibilidade é normalmente
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referida a propósito do disposto nos artigos 790.º e seguintes CC, devendo
ser entendida no Direito laboral em moldes idênticos.
i. A impossibilidade superveniente opõe-se à inicial, que gera a invalidade do
contrato; para a impossibilidade ser superveniente pressupõe-se que
o contrato de trabalho, aquando da sua celebração, podia ser
cumprido, tendo surgido, posteriormente, um impedimento que
obsta à realização da prestação laboral ou ao seu recebimento.
ii. A impossibilidade absoluta pressupõe que a prestação laboral não pode,
de todo, ser efetuada ou recebida, bastando uma dificultas praestandi.
Por isso, na hipótese de se verificar um agravamento ou uma
excessiva onerosidade para o trabalhador efetuar a prestação, esta não
se extingue, exceto quando se puder recorrer ao regime da alteração
das circunstâncias (artigo 437.º CC); do mesmo modo, a maior
onerosidade para o empregador receber a prestação de trabalho não
gera impossibilidade. A este propósito refira-se que, nos termos
gerais, não há impossibilidade de realização de prestações pecuniárias,
pelo que a dificuldade financeira do empregador de pagar a
retribuição não gera caducidade do contrato, podendo tão-somente
conduzir à insolvência, sendo esta o fundamento da caducidade
(artigo 347.º CT), ou permitir a dissolução do vínculo por
despedimento coletivo.
iii. A impossibilidade definitiva exige-se que a impossibilidade seja definitiva,
pois, sendo temporária, implica tão-só que a execução do contrato de
trabalho se suspenda.
Depois de caracterizar a impossibilidade que pode gerar a extinção do
contrato de trabalho, na mencionada alínea b) do artigo 345.º CT distingue-
se a impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho da
impossibilidade de o empregador receber a prestação daquele.
b. Impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho:
i. Aspetos comuns: se o trabalhador, depois de celebrar o contrato, deixar
totalmente de poder realizar a tarefa de que se incumbiu, há uma
impossibilidade que, nos termos do artigo 343.º, alínea b) CT, gera a
caducidade do negócio jurídico. Relativamente ao trabalhador, como
o negócio é celebrado intuitu personae, além da impossibilidade objetiva
de realização da prestação (artigo 790.º CC), também a
impossibilidade subjetiva – relativa à pessoa do trabalhador – conduz
à extinção do vínculo (artigo 791.º CC). Deste modo, o contrato de
trabalho caduca se a atividade que o trabalhador desempenha vem a
ser proibida por lei (impossibilidade objetiva). Em princípio, a
impossibilidade objetiva é bilateral, razão pela qual também haverá
impossibilidade de o empregador receber a prestação de trabalho. O
artigo 343.º, alínea b) CT encontra-se especialmente vocacionado
para as situações de impossibilidade subjetiva do trabalhador, que
abrangem a incapacidade absoluta e definitiva de prestar trabalho e a
morte do trabalhador. Como o contrato de trabalho é celebrado
intuitu personae, a morte ou a incapacidade absoluta e definitiva do
trabalhador determina a extinção ipso facto da relação jurídica laboral.
As características da impossibilidade superveniente (absoluta e
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definitiva) não devem ser analisadas num sentido puramente
naturalístico, pois há que atender ao conceito jurídico. Deste modo,
a impossibilidade absoluta pode decorrer da perda de interesse de
uma prestação realizada de modo diverso; advindo a impossibilidade
definitiva, tendo em conta o interesse do empregador, credor da
prestação de trabalho. Considerando estas características da
impossibilidade, a inadaptação do trabalhador (artigo 373.º CT) não
viabiliza a cessação do contrato por caducidade, permitindo, antes, o
recurso à resolução. Na realidade, o trabalhador inadaptado não
estará impossibilitado, definitiva e totalmente, de realizar a sua
atividade, ainda que estes conceitos se relativizem.
ii. Falta de título profissional: embora o critério seja jurídico, a
impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho abrange os
impedimentos de ordem material e de ordem legal. Se para o exercício
de uma determinada atividade passa a ser exigido um novo requisito,
a impossibilidade de o preencher por parte de um trabalhador implica
a caducidade do contrato. Do mesmo modo, se o trabalhador perder
a habilitação que lhe permite desempenhar uma atividade, o contrato
extingue-se. Em qualquer caso, é necessário que a impossibilidade
seja definitiva no sentido já enunciado. Assim,
1. Se a lei passa a exigir determinada habilitação para o desempenho de
uma atividade, em relação ao trabalhador que não possui tal habilitação
e não quer ou não pode obtê-la, o contrato caduca;
2. Se o trabalhador tem habilitação necessária e a perder definitivamente o
contrato também caduca. Neste caso prescreve o artigo 117.º, n.º2
CT que o contrato caduca se for retirada ao trabalhador o
título profissional por decisão que já não admita recurso. A
situação é controversa na eventualidade de o trabalhador ter
sido privado do título profissional por um determinado
período – não se verificando os pressupostos da suspensão
do contrato, nomeadamente por o impedimento ser
imputável ao trabalhador –, em que faltaria o caráter
definitivo da impossibilidade. Todavia, o caráter definitivo da
impossibilidade apresenta uma certa relatividade, pelo que a
mera eventualidade de o impedimento cessar não obsta à
caducidade.
A caducidade derivada da perda de título profissional (artigo 117.º,
n.º2 CT) vale igualmente para as situações em que o trabalhador é
privado da habilitação que lhe permite exercer uma dada atividade.
iii. Cancelamento da autorização de permanência em Portugal de trabalhador
estrangeiro: o trabalho a prestar por trabalhador estrangeiro, além das
previsões constantes dos artigos 4.º e seguintes CT, está
condicionado pelo regime jurídico da entrada, permanência, saída e
afastamento de estrangeiro do território nacional, regulado na Lei n.º
23/2008, 4 julho (alterada e republicada pela Lei n.º29/2012). Ora,
como as situações de caducidade indicadas no artigo 343.º CT são
exemplificativas, além das previsões legais, ainda que incluídas
noutros preceitos (v.g. artigo 117.º, n.º2 CT), poder-se-á atender
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igualmente a hipóteses não previstas expressamente pelo legislador.
Entre essas situações omissas pode indicar-se o cancelamento da
autorização de permanência em Portugal de trabalhador estrangeiro.
De facto, se o trabalhador não pode permanecer em Portugal e o local
de trabalho se situa em território nacional, não pode subsistir o
vínculo labora, que caduca.
iv. Incapacidade parcial e modificação do objeto negocial: não se encontrando o
trabalhador incapacitado para a realização de todo e qualquer
trabalho, poder-se-á questionar se, em tal caso, a impossibilidade é
absoluta. Frequentemente, na sequência de um acidente de trabalho,
o trabalhador fica com uma incapacidade parcial, que lhe permite
desempenhar determinadas tarefas, mas não aquelas para as quais foi
contratado. A jurisprudência tem interpretado a impossibilidade
absoluta do artigo 343.º CT no sentido de incapacidade absoluta para
todo o tipo de trabalho, pelo que se o trabalhador se encontra tão-só
incapacitado de desempenhar a sua atividade habitual, podendo
prestar outras tarefas, o contrato não caduca. É evidente que a
diminuição de rendimento ou a não obtenção de objetivos fixados
não se enquadram na caducidade do contrato, viabilizando, quando
muito, o recurso à resolução do contrato por inadaptação. Contudo,
tendo em conta que a impossibilidade prevista no artigo 343.º CT
deve ser analisada à luz do regime geral, concretamente das regras de
impossibilidade do Direito Civil, e que no âmbito laboral prevalece
também um princípio de autonomia das partes na conformação do
objeto do contrato de trabalho (artigo 115.º, n.º1 CT), dever-se-á
entender o disposto na alínea b) do artigo 343.º CT, no que respeita
à impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o
trabalhador prestar o seu trabalho, no sentido de estar em causa a
atividade para que este foi contratado ou que desempenha ao abrigo
da designada categoria real. Importa distinguir se as tarefas que o
trabalhador, apesar de incapacitado, pode desempenhar se incluem
ou não na sua categoria contratual. Estando o trabalhador impedido
de realizar parcialmente a sua atividade, continuará a prestar a que for
possível (artigo 793.º, n.º1 CC); e, em tal caso, tendo em conta que a
impossibilidade deverá ser absoluta e não relativa (artigo 343.º, alínea
b) CT), o empregador não pode resolver o contrato invocando perda
de interesse (artigo 793.º, n.º2 CT). Do mesmo modo, se o
trabalhador, em razão da incapacidade, passar a desempenhar a sua
atividade com menor produtividade, não está preenchido o
pressuposto da impossibilidade absoluta, pois a situação enquadrar-
se-ia no agravamento ou na maior onerosidade da prestação (dificultas
praestandi). Diferentemente, na eventualidade de a incapacidade do
trabalhador abranger todas as atividades compreendidas na sua
categoria, a subsistência da relação laboral pressuporia uma alteração
do objeto do contrato. Nada obsta a um acordo no sentido de se
proceder a uma requalificação do trabalhador incapacitado,
alterando-se o contrato de trabalho, de molde a permitir a
subsistência da relação laboral, mas sobre o empregador não impende
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o dever de modificar o objeto do contrato em função das limitações
do trabalhador. Como a impossibilidade absoluta se tem de reportar
às atividades contratualmente devidas, caso o trabalhador não se
encontre em condições de as executar, o contrato caduca, pois não
há um dever genérico de o empregador modificar o objeto negocial
em função das limitações do trabalhador.
c. Impossibilidade de o empregador receber o trabalhador:
i. Aspetos comuns: como o contrato de trabalho é sinalagmático e assenta
numa relação obrigacional complexa, a caducidade advém, não só da
eventualidade de o trabalhador não poder prestar a atividade, como
da hipótese de o empregador não poder receber o trabalho (artigo
343.º, alínea b) CT). Quanto ao dever principal do empregador –
pagamento da retribuição, pelo menos na parte em que é satisfeita em
dinheiro –, não há impossibilidade de cumprimento, pois a liquidação
de obrigações pecuniárias não se inviabiliza. Contudo, na panóplia de
deveres secundários e acessórios a cargo do empregador encontram-
se prestações em que se pode verificar uma impossibilidade de
cumprimento, impedindo a prossecução do contrato; em particular,
se a entidade patronal não puder cumprir o dever de ocupação efetiva,
porque a empresa encerrou definitivamente, há uma impossibilidade
de cumprimento que gera a caducidade do contrato.
ii. Morte ou extinção da pessoa coletiva: como resulta do artigo 346.º, n.º1 e
2 CT, importa contrapor o empregador pessoa singular ao
empregador pessoa coletiva. A morte da pessoa singular empregador
determina a caducidade do contrato de trabalho, salvo se os
sucessores continuarem a atividade do falecido relacionada com a
prestação de trabalho do trabalhador, ou se os sucessores
transmitirem a empresa do de cuius (artigo 346.º, n.º1 CT). No artigo
346.º CT, como hipótese de caducidade, indica-se a morte do
empregador, sendo pessoa singular, e a extinção da entidade
empregadora, no caso de se tratar de pessoa coletiva. Mas, em
qualquer destes casos, a caducidade relaciona-se com a extinção da
empresa em consequência da morte ou extinção do empregador. NA
eventualidade de a pessoa coletiva empregadora se extinguir, o
contrato de trabalho só caduca se não tiver havido prévia transmissão
do estabelecimento.
iii. Encerramento da empresa: tal como o impedimento relativamente à
pessoa do empregador, o encerramento total e definitivo da empresa
determina igualmente a impossibilidade de se receber o trabalho e,
portanto, a caducidade do contrato (artigo 346.º, n.º3 CT). O
encerramento pode advir de causas legais ou naturais. As situações
de encerramento definitivo a que se tem vindo fazer referência, e que
conduzem à caducidade do contrato, nem sempre se distinguem
facilmente de hipóteses que fundamentam o despedimento coletivo
(artigo 359.º CT). Diferentemente do regime anterior, passou a
admitir-se que o encerramento total e definitivo da empresa
determina a caducidade do contrato (artigo 346.º, n.º3 CT). Esta
alteração tem por base a diferença entre caducidade e resolução do
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contrato com fundamento objetivo, que suscitara acesa controvérsia
no confronto entre a caducidade e o despedimento coletivo. Apesar
de a modificação em causa poder sufragar a diferença entre
enceramento imprevisto e encerramento programado, não assenta
exatamente nesta contraposição. Há uma diferença de redação entre
o preceito em análise e o artigo 359.º CT à qual importa atender:
1. No n.º3 do artigo 346.º CT alude-se a encerramento total e
definitivo da empresa; enquanto;
2. No n.º1 do artigo 359.º CT se fala em encerramento de uma ou
várias secções ou estrutura equivalente.
Daqui resulta que o legislador, na difícil distinção entre a caducidade
motivada por impossibilidade e a resolução justificada por causas
objetivas, optou por um método formal: sendo o encerramento total
e definitivo há caducidade e no caso de encerramento parcial pode
recorrer-se à resolução com base em despedimento coletivo. No caso
de encerramento temporário, não previsto em nenhum dos preceitos
citados, está excluída a caducidade, mas, dependendo das
circunstâncias, pode justificar-se o despedimento coletivo. Não
obstante a diferente qualificação jurídica (caducidade e resolução por
despedimento coletivo), no plano das consequências as divergências
esbatem-se, pois, em caso de caducidade por encerramento total e
definitivo da empresa, remete-se para o procedimento próprio do
despedimento coletivo (artigo 346.º, n.º3, 2.ª parte CT), exceto
tratando-se de microempresa, em que o trabalhador tem de ser
informado com antecedência (artigo 346.º, n.º4 CT ex vi artigo 363.º,
n.º1 e 2 CT). Em qualquer caso, pretende-se que, não obstante a
verificação dos pressupostos da caducidade, o trabalhador não seja
confrontado de imediato com a cessação do vínculo. Nas situações
de extinção (morte ou extinção da pessoa coletiva) ou de
encerramento total e definitivo da empresa, a caducidade pressupõe
a não continuação da atividade empresarial por outra entidade.
Verificando-se a caducidade, o trabalhador tem direito a ser
compensado nos termos do artigo 346.º, n.º5 CT, pelo que, neste
aspeto, também há similitude co o despedimento coletivo, cuja
compensação (artigo 366.º CT) é fixada nos mesmos moldes. Poder-
se-á discutir se, além da mencionada compensação – que se enquadra
no âmbito da responsabilidade objetiva –, pode ser exigida ao
empregador uma indemnização fundada em responsabilidade
subjetiva sempre que a causa determinante da caducidade lhe for
imputável ou se não foi respeitado o procedimento exigido. Na
medida em que se encontrem preenchidos os pressupostos da
responsabilidade civil pode ser reclamada a correspondente
indemnização; assim, se o empregador praticou um facto ilícito e
culposo que constitui causa adequada de um dano verificado na
esfera jurídica do trabalhador, há o dever de indemnizar.
iv. Insolvência do empregador: a insolvência do empregador não acarreta a
imediata extinção dos contratos de trabalho vigentes. Os contratos
de trabalho que estiverem em vigor no momento em que a
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insolvência é decretada mantêm-se, como resulta do disposto no
artigo 111.º CIRE. Deste modo, a insolvência do empregador não
traz, imediatamente, como consequência a cessação do contrato de
trabalho, por caducidade, como ocorre em determinados contratos
de prestação de serviço (artigo 100.º CIRE), nem sequer a suspensão
do vínculo, que corresponde à regra geral (artigos 102.º e seguintes
CIRE); não obstante a declaração judicial de insolvência, o contrato
de trabalho subsiste, continuando a ser executado, mas pode ser
denunciado por qualquer das partes. Após a declaração de insolvência,
o administrador da insolvência pode denunciar o contrato com um
pré-aviso de sessenta (60) dias (artigo 108.º, n.º1, ex vi artigo 111.º,
n.º1 CIRE). A denúncia antecipada do contrato, efetuada pelo
administrador da insolvência, determina o pagamento de uma
compensação (n.º2 do artigo 111.º CIRE), mas a sua forma de cálculo,
constante do n.º3 do artigo 108.º CIRE, pode ser de difícil aplicação
no âmbito laboral. O disposto nos citados preceitos do CIRE tem de
ser conjugado com a correspondente norma do Código de Trabalho
(artigo 347.º CT), até porque, como dispõe o artigo 227.º CIRE, os
efeitos da insolvência regem-se pela lei aplicável ao contrato de
trabalho; claro que, deste último preceito não resulta a
inaplicabilidade do regime da insolvência, previsto no Código da
Insolvência, às relações laborais. Atendendo, contudo, a algumas
divergências, importa conjugar os regimes deste Código e do Código
do Trabalho (artigo 345.º CT): conclui-se que os contratos de
trabalho não cessam nem se suspendem. Mas a insolvência do
empregador, indiretamente, pode implicar a cessação de contratos de
trabalho. Em determinadas circunstâncias, como consequência da
insolvência do empregador, poderá o estabelecimento ser
definitivamente encerado (artigo 347.º, n.º1, in fine CT). Com o
encerramento definitivo do estabelecimento cessam os contratos de
trabalho. É o encerramento definitivo da empresa ou de um seu
estabelecimento, derivado da declaração de insolvência, que constitui
uma causa especial de cessação do contrato de trabalho. No fundo,
se a insolvência implica o encerramento do estabelecimento, com o
encerramento surge uma impossibilidade objetiva de manutenção da
relação laboral, concretamente uma impossibilidade superveniente,
absoluta ou definitiva de o empregador receber o trabalho (artigo
343.º, alínea b) CT). Conclui-se, assim, que o encerramento definitivo
do estabelecimento em razão da declaração de insolvência do
empregador determina a cessação do contrato de trabalho por
caducidade. Esta situação é idêntica à que se verifica aquando da
cessação de contratos de trabalho fundada em resolução por causas
objetivas, em especial, no caso de despedimento coletivo (artigo 359.º
CT). Tendo em conta a similitude, e na sequência do que já se indicou
a propósito do encerramento definitivo da empresa (artigo 346.º, n.º3
CT), apesar de serem figuras distintas – caducidade e resolução –,
remete-se para um regime procedimental idêntico: com exceção das
microempresas, a cessação do contrato de trabalho decorrente do
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encerramento justificado pela insolvência do empregador tem de ser
precedida do procedimento estabelecido para o despedimento
coletivo (artigo 347.º, n.º3 CT). Deste modo, diferentemente do que
poderia resultar do artigo 108.º, n.º1 ex vi artigo 111.º, n.º1 CIRE, a
cessação do contrato de trabalho não depende tão-só de um aviso
prévio (de quinze a setenta e cinco dias – 15 a 75 dias), mas também
da instauração do procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes
CT, pois o artigo 247.º CT constitui norma especial relativamente às
normas do Código da Insolvência, diploma que não regula
expressamente a questão da insolvência do empregador. Assim, no
caso de microempresa, em que não se impõe a instauração de um
procedimento idêntico ao estabelecido para o despedimento coletivo
(artigo 347.º, n.º3 CT), basta o aviso prévio de sessenta (60) dias
(artigo 108.º CIRE); nas outras empresas, a este aviso prévio acresce
o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes CT. Prevê-se,
igualmente, no n.º2 do artigo 347.º CT, que, antes do encerramento
definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência possa
fazer cessar os contratos de trabalho em relação aos trabalhadores
cuja colaboração não seja indispensável à manutenção do
funcionamento da empresa. A atribuição ao administrador da
insolvência do direito de fazer cessar os contratos em execução
decorre, nomeadamente, dos artigos 108.º e 111.º CIRE, mas a
previsão específica da insolvência do empregador consta somente do
Código de Trabalho, não se aplicando, quanto aos pressupostos da
cessação do contrato de trabalho, aquele diploma. A cessação do
contrato de trabalho requerida pelo administrador da insolvência, nos
termos do artigo 347.º, n.º2 CT, depende do preenchimento de
pressupostos substanciais e formais:
1. É necessário que a colaboração dos trabalhadores cujos contratos cessam
seja dispensável para a manutenção do funcionamento da empresa:
como a empresa não encerrou em consequência da
insolvência, terá de se averiguar de que trabalhadores carece
para continuar a funcionar; podendo admitir-se que continue
a laborar normalmente, precisando de todos os trabalhadores,
ou que tenha de reduzir a atividade, prescindindo de alguns
colaboradores;
2. Para a caducidade dos contratos, tal como na hipótese de encerramento
do estabelecimento, já analisada, remete-se para o regime procedimental
estabelecido para o despedimento coletivo (artigos 360.º e seguintes CT):
com exceção das microempresas, a cessação do contrato de
trabalho requerida pelo administrador da insolvência, nos
termos do n.º2 do artigo 347.º CT, tem de ser antecedida de
um procedimento (artigo 347.º, n.º3 CT).
Por conseguinte, a declaração de insolvência não constitui causa
direta de cessação do contrato de trabalho. Contudo, dela derivam
dois fundamentos de caducidade do vínculo laboral:
1. A impossibilidade de manutenção do contrato por encerramento
definitivo do estabelecimento;
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2. Desnecessidade da colaboração dos trabalhadores.
Independentemente do fundamento da caducidade, para a cessação
do vínculo laboral, exceto nas microempresas, é necessário recorrer
ao procedimento previsto para o despedimento coletivo. Além disso,
em qualquer dos casos, perante a cessação do contrato de trabalho,
ao trabalhador cabe o direito à compensação estabelecida no artigo
366.º CT; a dúvida ficou esclarecida com a inclusão de um n.º5 no
artigo 347.º CT, na revisão de 2012: o trabalhador tem direito à
compensação comum às situações de cessação do contrato com
causas objetivas. Não obstante a situação de insolvência –
impossibilidade de cumprir obrigações (artigo 3.º, n.º1 CIRE) –,
poder-se-á recorrer à recuperação da empresa depois do início do
processo de insolvência, na medida em que a atual alusão à
impossibilidade de cumprir obrigações vencidas não implica a
inviabilidade económica da empresa ou a irrecuperabilidade
financeira postuladas pela noção de falência. Situação diversa é aquela
que se verifica em relação a empresas em situação económica difícil:
aqui, podem os contratos de trabalho ser suspensos2.
5. Reforma do trabalhador: por último, a reforma do trabalhador (alínea c) do artigo
343.º CT) corresponde a uma situação de caducidade com uma qualificação híbrida.
Em princípio, a reforma por velhice ou invalidez poderia ser entendida como uma
hipótese de impossibilidade superveniente de o trabalhador prestar o seu trabalho
nos termos da alínea b) do mesmo preceito, mas, do disposto no artigo 348.º CT, a
reforma por velhice não determina a automática caducidade do negócio jurídico, na
medida em que se converte num contrato a termo certo, desde que não tenha sido
denunciado, por qualquer dos contraentes, nos trinta dias imediatos ao conhecimento
bilateral da situação de reforma. Não há, pois, uma caducidade automática, sendo a
situação idêntica à prevista na alínea a) do artigo 343.º CT em relação ao contrato de
trabalho a termo certo. Não assim quanto à invalidez do trabalhador, caso em que se
verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho, da qual resulta a
caducidade automática do contrato de trabalho. Como causas de caducidade, alude-
se a dois tipos de reforma (artigo 343.º, alínea c) CT):
a. Por velhice:
b. Por invalidez.
Mas só se autonomiza a reforma por idade (designada por velhice) no artigo 348.º
CT, não se fazendo neste diploma outra referência à reforma por invalidez, pois esta,
verdadeiramente, constitui uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva
de o trabalhador prestar o seu trabalho, situação analisada na alínea anterior. A
reforma por idade pressupõe uma situação atípica de caducidade, na medida em que
não opera automaticamente:
c. A situação de reforma depende de um requerimento do trabalhador à
segurança social – em relação à qual o empregador é alheio;
d. A extinção do vínculo só se verificará quando ambas as partes tomem
conhecimento da situação e não no momento em que o trabalhador se
reforma;
2 Artigos 1.ºa 5.º, n.º1, alínea c) Decreto-Lei n.º353-H/77, 29 agosto.
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e. Mesmo depois do conhecimento bilateral, a relação laboral pode
prosseguir durante os trinta dias seguintes, até que qualquer das partes
decida pôr termo ao vínculo, não cessando, portanto, imediatamente;
f. Estando o trabalhador na situação de reforma, a relação laboral não se
extingue ipso iure, pois se este permanecer ao serviço, por mais de trinta
dias após o mútuo consentimento da situação, a relação jurídica converte-se
num contrato a termo certo.
Tal como anteriormente se preconizava na LCCT, o contrato não caduca com a
situação de reforma do trabalhador, sendo ajustado em seu lugar um novo contrato
a termo certo; pelo contrário, a reforma do trabalhador determina a subsistência do
anterior vínculo, o qual, não caducando por via de declaração de qualquer das partes,
passa a conter, por força da lei, um termo certo. No período – até trinta dias (30 dias)
– que decorre entre o conhecimento mútuo da situação de reforma e a declaração de
cessação do vínculo, o contrato de trabalho subsiste como relação contratual de facto.
Esta situação, prolongando-se por mais de trinta dias (30 dias), determina a
conversão do vínculo existente num contrato a termo certo; isto é, o contrato subsiste
sendo-lhe aposto, automaticamente, um termo resolutivo. Tendo em conta o
automatismo da inclusão do termo, é dispensada a redução do contrato a escrito
(alínea a) do n.º2 do artigo 348.º CT). O trabalhador pode requerer a reforma a partir
dos sessenta e cinco anos de idade (artigo 20.º Decreto-Lei n.º187/2007, 10 maio),
mas o facto de se encontrar reformado não obsta a que continue a trabalhar; impõe-
se, em tal caso, que o vínculo laboral com a empresa, depois de o empregador saber
que o trabalhador se encontra reformado, se converta num contrato a termo certo
pelo prazo de seis meses, renovável sem limite (artigo 392.º, n.º2, alínea b) CT).
Depois de perfazer setenta anos (70 anos), independentemente de ter requerido a
reforma, o trabalhador pode continuar a desempenhar a sua atividade na empresa
empregadora, mas o contrato passa a estar sujeito a um termo certo de seis meses (6
meses); renovável ilimitadamente (artigo 348.º, n.º3 CT). A diferença relativamente à
situação analisada antes resulta do facto de a aposição automática do termo não se
encontrar na dependência do pedido de reforma do trabalhador e do conhecimento
da situação de reforma por parte do empregador; a aposição automática do termo
depende de um único pressuposto: o trabalhador ter atingido setenta anos (70 anos)
de idade. No Direito privado, diferentemente do funcionalismo público, não há um
limite de idade, a partir do qual não se possa continuar a prestar a atividade; enquanto
as partes desejarem a prossecução da relação laboral esta manter-se-á. Todavia,
independentemente de o trabalhador se reformar, quando atinja setenta anos (70
anos) de idade, o vínculo laboral fica sujeito a um termo resolutivo, por um prazo de
seis meses renovável sem limite (artigo 348.º, n.º2, alínea b) ex vi n.º3 CT). Na
primeira situação analisada, a caducidade depende da verificação do pressuposto de
aplicação do instituto – reforma do trabalhador com conhecimento pelo empregador
– associada a uma declaração da parte que pretende pôr termo ao contrato. Na falta
de declaração de qualquer das partes durante trinta dias (30 dias) após o mútuo
conhecimento da situação de reforma, o vínculo converte-se num contrato a termo
certo de seis meses (6 meses), que pode ser denunciado nos termos gerais. Contudo,
como dispõe a alínea c) do n.º2 do artigo 348.º CT, a caducidade do contrato fica
sujeita a aviso prévio de sessenta ou quinze dias (60 ou 15 dias), consoante a iniciativa
pertença ao empregador ou ao trabalhador. Tal como no contrato a termo, a
caducidade depende de denúncia de uma das partes, mas o aviso prévio é superior.
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Não tendo o contrato caducado nos primeiros trinta dias (30 dias) após o mútuo
conhecimento da situação de reforma, este converte-se em contrato a termo, cuja
caducidade depende do regime regra analisado na anterior alínea c), com as
especificidades constantes das várias alíneas do n.º2 do artigo 348.º CT: o aviso
prévio é superior e não há o pagamento de uma compensação. Na segunda hipótese
– em que o trabalhador completou setenta anos (70 anos) de idade –, a solução é
idêntica (artigo 348.º, n.º3 CT), com um esclarecimento. O contrato não caduca no
momento em que o trabalhador perfaz setenta anos (70 anos), mas só depois de ser
denunciado; a denúncia pode ser feita nos trinta dias (30 dias) imediatos à data em
que o trabalhador completou setenta anos (70 anos) de idade ou depois de decorrer
o termo resolutivo de seis meses (6 meses) que lhe foi aposto, nos termos gerais do
contrato a termo, com as especificidades indicadas no n.º2 do artigo 348.º CT. A
partir da data em que o trabalhador completa setenta anos (70 anos), correm trinta
dias (30 dias) para a denúncia, no termo dos quais o contrato se converte, passando
a ser a termo por seis meses e, para o termo do primeiro período, qualquer das partes
o pode denunciar. A caducidade do contrato nas situações indicadas não determina
o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador (artigo 348.º, n.º2, alínea d)
CT). Com esta alínea resolveu-se uma dúvida discutida no âmbito do regime anterior;
a inclusão da alínea d) só se justifica em razão da mencionada dúvida, pois a
compensação, em caso de exercício lícito de um direito tem caráter excecional, e a
falta da sua consagração determinaria que não seria devida. Assim, diferentemente
do que ocorre nos termos do artigo 344.º, n.º2 CRT, em que a caducidade resultante
de denúncia do empregador confere ao trabalhador o direito a perceber uma
compensação, neste caso, apesar de a cessação do vínculo advir do exercício lícito de
um direito, não é devida qualquer quantia. É necessário relembrar que a compensação
devida em caso de exercício lícito de um direito tem caráter excecional e o legislador
só a estabelece quando, no confronto dos interesses em análise, se justifica a sua
admissão; ora, relativamente a um trabalhador reformado ou que já tenha completado
setenta anos (70 anos), a proteção da segurança no emprego e a compensação de
instabilidade perdem relevância. O não pagamento de compensação abrange as três
situações referenciadas:
a. O trabalhador reformou-se com conhecimento de ambas as partes,
tendo uma delas emitido o aviso prévio constante da alínea c) do n.º2
do artigo 348.º CT;
b. O trabalhador atingiu setenta anos (70 anos) e, logo a seguir ou
decorridos quatro ou cinco meses e meio (4 ou 5 meses e 15 dias), uma
das partes emitiu o aviso prévio de caducidade (alínea c) do n.º2 do
artigo 348.º CT);
c. O trabalhador reformou-se sem ter havido caducidade e o contrato
passou a conter um termo resolutivo, pelo que uma das partes o
denunciou, nos termos do n.º1 do artigo 344.º CT, com as
especificidades constantes do artigo 348.º, n.º2, alínea c) CT.
Revogação:
1. Noção:
a. Aspetos gerais: o princípio da liberdade contratual, válido no domínio do
contrato de trabalho, confere aos sujeitos autonomia, não só para celebrar
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contratos, como também para os fazer cessar por mútuo consenso. O
empregador e o trabalhador têm liberdade para celebrar o contrato de
trabalho e igualmente para lhe pôr termo mediante um acordo revogatório.
A revogação do contrato de trabalhador segue o regime geral (artigo 349.º
CT), exceto quando à forma, em que se exige escrito com determinadas
menções (artigo 349.º, n.º2 e 3 CT). A isto acresce que se conferiu ao
trabalhador o direito de arrependimento, mediante o qual pode,
unilateralmente, fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho
até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração (artigo 350.º, n.º1
CT); em determinadas circunstâncias, pode obstar-se ao exercício do direito
de arrependimento se o acordo revogatório for celebrado com as assinaturas
reconhecidas presencialmente perante notário (artigo 350.º, n.º4 CT). A
revogação prevista nos artigos 349.º e seguintes CT é um negócio jurídico
bilateral, mediante o qual as partes acordam em fazer cessar um contrato de
trabalho válido. O consenso que tem em vista a extinção do vínculo laboral
é discricionário, pois as partes não precisam de invocar qualquer fundamento
e, em princípio, produz efeitos ex nunc, na medida em que só tem
repercussões para o futuro. A revogação pode ser ajustada a todo o tempo,
mesmo que, previamente, as partes tivessem acordado um prazo de duração
mínima do contrato (v.g. artigo 137.º CT) e, consoante o acordo, produz
efeitos imediatos ou em momento ulterior; pode ser acordado que o contrato
cessa imediatamente ou que cessa no fim do mês ou do ano. Sendo a
revogação um acordo, aplica-se-lhe o regime geral dos negócios jurídicos,
nomeadamente, quanto à formação, com exceção das regras respeitantes à
forma do negócio. Interessa, contudo, aludir a uma concretização dos
princípios gerais, constante do artigo 129.º, n.º1, alínea j) CT, em que se veda
o recurso à revogação do contrato de trabalho quando se pretende readmitir,
de seguida, o trabalhador, pois estará em causa uma prática em fraude à lei.
2. Forma e formalidades: tal como o contrato de trabalho é consensual, as regras
gerais de Direito Civil apontariam para a consensualidade da revogação; todavia,
pelas razões indicadas, a dificuldade de prova deste acordo e, principalmente, a
prevenção de pressões e fraudes que, mais facilmente, prejudicariam o trabalhador,
levaram a que se estabelecesse a exigência de forma escrita (artigo 349.º, n.º2 CT).
Além da forma escrita, prescrevem-se determinadas formalidades, relacionadas com
os fundamentos indicados. O acordo tem de ser feito em duplicado (artigo 349.º, n.º1
CT), devendo mencionar-se a data da sua celebração e o dia a partir do qual produz
efeitos (artigo 349.º, n.º3 CT). Estando afastado o princípio do consensualismo para
o distrate do contrato de trabalho, a inobservância da forma escrita gera a nulidade
do acordo revogatório, nos termos gerais do artigo 220.º CC. Sendo as formalidades
do acordo revogatório ad substantiam, a sua falta poderia ter idêntica consequência;
contudo, é discutível que todas as formalidades sejam de natureza substancial e que,
consequentemente, a sua falta implique necessariamente a nulidade do acordo. Este
regime de formalidades carece de ser completado com o disposto no artigo 350.º,
n.º4 CT, onde se impõe que as assinaturas apostas ao contrato sejam reconhecidas
presencialmente no notário, para obstar a que o trabalhador revogue o acordo.
3. Efeitos:
a. Cessação do vínculo: o acordo revogatório tem como efeito principal a
cessação do vínculo laboral por mútuo consenso. Tal como há liberdade para
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celebrar o contrato de trabalho, do mesmo modo, havendo acordo, as partes
podem, em qualquer momento, fazer cessar os efeitos do contrato que as
vincula. O contrato de trabalho deixa de produzir efeitos a partir da data
fixada no acordo, que pode ser a da sua celebração; neste caso, a produção
de efeitos é imediata, mas pode ser diferida para o dia ajustado pelas partes.
Em qualquer caso, no dia da celebração do acordo revogatório ou na data
escolhida pelas partes, o contrato de trabalho deixa de produzir efeitos. É,
todavia, discutível que a revogação, por vontade das partes, possa determinar
a dissolução do vínculo contratual com eficácia retroativa, porque, por um
lado, o contrato de trabalho é de execução continuada, por outro, a proteção
da posição jurídica do trabalhador pode colocar alguns entraves a uma
destruição retroativa do vínculo contratual, e, por último, a imperatividade
do regime (artigo 339.º CT) não viabiliza tais acordos.
b. Compensação: associado ao efeito extintivo do contrato de trabalho, as
partes podem acordar outras consequências (artigo 349.º, n.º4 CT). Estes
efeitos conexos com a cessação do contrato relacionam-se normalmente com
compensações pecuniárias devidas por qualquer das partes, mas também
podem depender de uma ponderação de consequências de negócios
coligados com o contrato de trabalho. Ao cessar o contrato de trabalho, há
certas prestações que o empregador deve efetuar ao trabalhador, i.e., que se
vencem com a cessação, como o direito a férias e respetivo subsidio (artigo
245.º CT). Por outro lado, se o empregador está em mora relativamente, por
exemplo, a retribuições vencidas, estas prestações deverão ser efetuadas
aquando da cessação do contrato (todavia, o artigo 337.º CT). Em
contrapartida, o trabalhador também pode ser devedor do empregador,
nomeadamente, em relação a adiamentos por conta da retribuição. Em
qualquer dessas hipóteses, ao ajustar-se um acordo revogatório é frequente
que se acertem as contas, estabelecendo outros efeitos para além da cessação
do contrato. Mas os efeitos associados à cessação não se resumem a uma
compensação de prestações derivadas do contrato de trabalho, pois as partes
podem ter-se vinculado a outros deveres, em contratos coligados com este.
Assim, se o empregador arrendou uma casa ao trabalhador ou lhe emprestou
dinheiro para adquirir um automóvel, ao revogar o contrato de trabalho, as
partes providenciarão as consequências da cessação nestes outros contratos,
que poderão subsistir. No acordo revogatório, atendendo à
discricionariedade dos motivos, as partes podem ajustar outros efeitos,
normalmente relacionados com o assentimento do trabalhador. De facto,
com alguma frequência, apesar de a revogação não implicar o pagamento de
qualquer indemnização, do acordo consta a obrigação de o empregador pagar
uma quantia ao trabalhador, que leva a denominar este ajuste de
despedimento negociado; sempre que o empregador pretende fazer cessar o
contrato, não tendo motivo, pode propor ao trabalhador a revogação do
negócio jurídico mediante o pagamento de uma quantia, que será livremente
negociada pelas partes. A liberdade contratual, neste âmbito, é por vezes
questionada atendendo à assimetria existente; contudo, nada permite que a
questão seja analisada dentro dos estritos contornos do regime dos vícios da
vontade, mormente o erro, a coação e a usura (artigos 240.º e seguintes e
282.º CC). A autonomia privada permite que o pagamento seja diferido ou
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pago em prestações; e o incumprimento dessa obrigação não invalida o
acordo revogatório (solução diversa em caso de despedimento coletivo:
artigo 383.º, alínea c) CT, pelo que a falta de pagamento determina a ilicitude
do despedimento), mas pode fundamentar a sua resolução nos termos do
artigo 801.º CC. Caso o acordo revogatório se funde numa relação
sinalagmática, tendo o assentimento do trabalhador sido obtido, ainda que
parcialmente, em razão de um valor que lhe iria ser pago, a falta de
cumprimento da quantia acordada, verificados os pressupostos do artigo
808.º CC, em particular o decurso do prazo admonitório, confere ao credor
(trabalhador) a possibilidade de resolver o contrato (artigo 801.º, n.º2 CC);
ou seja, o acordo revogatório. A compensação pecuniária ajustada no acordo
revogatório pode ter natureza global ou encontrar-se discriminada em função
das diferentes prestações de que uma parte é devedora à outra. Nesta,
segunda hipótese, o montante total a pagar determina-se pela soma das várias
parcelas – créditos vencidos, créditos exigíveis em virtude da cessação ou a
compensação paga em virtude de o contrato de trabalho cessar –, pelo que,
havendo um erro de cálculo, o mesmo deverá ser corrigido nos termos do
artigo 249.º CC. De modo diverso, se a compensação pecuniária tiver
natureza global, não se discriminando o valor dos diferentes créditos,
pressupõe-se que nesse montante global as partes incluíram todas as
prestações devidas (artigo 349.º, n.º5 CT). Nada obsta inclusive a que, no
acordo revogatório, ao fixar-se o valor da compensação, se tenha ajustado
uma remissão total ou parcial de determinada dívida (artigos 863.º e seguintes
CC). Deste modo, o montante fixado pode incluir diferentes créditos e
determinar a renúncia a outros direitos. A atual redação do preceito resolve
uma dúvida relativa à interpretação do anterior regime. O legislador
estabelece uma presunção iuris tantus, ilidível nos termos gerais (artigo 350.º,
n.º2 CC). Acresce que a presunção ilidível corresponde aos princípios
informadores da revogação do contrato de trabalho. Como se afirmou supra,
na tutela da genuinidade e da atualidade da vontade do trabalhador importa
garantir que, aquando da celebração do acordo revogatório, os créditos
laborais do trabalhador vencidos ou tornados exigíveis pela revogação do
contrato foram corretamente determinados. As preocupações neste âmbito
justificam-se em razão da potencial situação de desequilíbrio contratual, de
modo a evitar que o empregador pressione o trabalhador no sentido de este
renunciar, total ou parcialmente, a créditos já vencidos ou que decorram da
cessação do contrato de trabalho. É evidente que sempre se poderia recorrer
à anulabilidade, por usura, do distrate (artigo 282.º CC), mas a prova da usura,
que impenderia sobre o trabalhador, seria naturalmente difícil. Importa,
portanto, garantir a integralidade dos créditos laborais devidos ao trabalhador,
tanto os vencidos, como os que resultam diretamente da cessação do
contrato, e, ainda, eventualmente, aqueles que têm a sua causa no próprio
acordo de revogação do contrato de trabalho. Não obstante a revogação do
contrato de trabalho não acarretar, para o empregador, a obrigatoriedade de
pagamento de qualquer indemnização ou compensação, na maioria dos casos,
atendendo à rigidez do sistema quanto às formas de cessação do contrato de
trabalho e ao princípio constitucional da segurança no emprego, o acordo de
revogação assume-se como um despedimento negociado. De facto, não raras
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vezes, o empregador, para efeitos de obtenção do acordo do trabalhador,
ajusta o pagamento de uma compensação, de valor tendencialmente
equivalente ou ligeiramente superior ao das importâncias indemnizatórias
legalmente devidas em caso de despedimento ilícito ou por causas objetivas.
c. Cessação do acordo de revogação: em princípio, a revogação, como
qualquer negócio jurídico, vincula as partes e, excluindo a hipótese de vícios
da vontade, de incumprimento culposo ou de impossibilidade de
cumprimento de uma das partes, a contraparte não se pode desvincular do
acordo. Essencialmente, para prevenir fraudes, no artigo 350.º CT confere-
se ao trabalhador o poder de fazer cessar o acordo de revogação. Este direito
do trabalhador tem de ser exercido até ao sétimo dia seguinte à data da
celebração do acordo revogatório (n.º1 do artigo 350.º CT); o prazo de dois
dias foi alargado para sete dias, mas a contagem desse prazo tem data de início
diferente. Confere-se ao trabalhador a possibilidade de reponderar o acordo
de revogação ajustado. Para o combate a fraudes o trabalhador tem sempre
o recurso aos meios comuns, nomeadamente com fundamento na falta e
vícios da vontade, entre as quais, a falta de consciência da declaração (artigo
246.º CC), o erro na declaração (artigo 247.º CC), o dolo (artigo 253.º CC),
ou a coação moral (artigo 255.º CC). A existência de vícios na formação ou
na declaração da vontade pode determinar a invalidade do contrato (artigos
247.º e seguintes CC) e, tratando-se de um negócio (extintivo) usurário,
admite-se a sua anulação ou modificação segundo juízos de equidade (artigos
282.º e 283.º CC). Para que a cessação do acordo de revogação produza
efeitos torna-se necessário que o trabalhador entregue ou ponha à disposição
do empregador a totalidade do valor que lhe foi pago como compensação
pecuniária ajustada no acordo de revogação (artigo 250.º, n.º3 CT). Por outro
lado, o direito a fazer cessar o acordo de revogação não é atribuído ao
trabalhador se neste negócio jurídico, seguindo as exigências do artigo 349.º,
n.º3 e 4 CT, as assinaturas forem objeto de reconhecimento presencial no
notário (artigo 350.º, n.º4 CT). Resta acrescentar que a solução constante do
artigo 350.º CT é excecional, não se justificando aplicar este regime a outras
situações, salvo havendo específica previsão legal. Deste modo, o trabalhador
não poderá fazer cessar o acordo de pré-reforma (artigos 318.º e seguintes
CT), porque se trata de uma situação para a qual o arrependimento não foi
pensado e, principalmente, porque corresponde a um regime especial ao qual
não se aplica a norma geral. Concluindo, pode-se dizer que os pressupostos
desta revogação atípica são quatro:
i. A cessação em causa só se aplica no estrito âmbito da revogação prevista nos
artigos 349.º e 350.º CT;
ii. É necessário que o acordo revogatório tenha sido celebrado sem reconhecimento
presencial das assinaturas perante notário;
iii. O direito tem de ser exercido mediante declaração escrita a enviar no prazo de sete
dias (7 dias) a contar da data da celebração do acordo;
iv. O trabalhador, para exercer o direito, tem de devolver a compensação pecuniária
recebida no momento em que faz cessar o acordo de revogação.
Tendo em conta a atipicidade desta solução, importará discutir o fundamento
do direito de fazer cessar unilateralmente o acordo revogatório. Parece
indiscutível que se trata de um direito potestativo que tem em vista a proteção
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da parte mais fraca e a estabilidade do vínculo laboral. Juridicamente, o direito
potestativo em causa enquadra-se numa condição resolutiva; isto é, a
revogação do contrato de trabalho fica, por imperativo legal, sujeita a uma
condição resolutiva, nos termos da qual o trabalhador, no exercício de um
direito potestativo, pode destruir retroativamente os efeitos extintivos
ajustados relativamente a um contrato de trabalho, fazendo-o renascer. Mas
discute-se se este direito potestativo conferido ao trabalhador tem só em vista
combater atitudes fraudulentas dos empregadores ou se constitui um direito
de arrependimento. De iure constituendo poderá criticar-se a solução legal e
advogar-se a sua abolição, mas não seria correto interpretar a lei contra a sua
letra, de modo a concluir que o direito de revogação de determinadas
declarações negociais correspondia, antes, a uma presunção de fraude dos
empregadores, que a poderiam ilidir, provando que o trabalhador não fora
pressionado a pôr termo ao contrato de trabalho. A dúvida parece estar
sanada com o atual artigo 350.º CT, pois, como se indicou, por via da
alteração introduzida quanto o momento do início do prazo, pode concluir-
se que a norma só prossegue uma das finalidades indicadas: confere-se ao
trabalhador a possibilidade de reponderar o acordo de revogação ajustado,
não estando em causa o combate a eventuais fraudes, indiretamente, através
do regime da desvinculação do acordo de revogação. Em suma, está-se
perante o designado direito de arrependimento. A possibilidade conferida a
uma das partes de fazer cessar um acordo, apesar de excecional, não é
específica do domínio labora. O legislador consagrou o direito de
arrependimento em outros contratos quando está em causa uma justificada
tutela do contraente débil, conferindo a possibilidade de essa parte,
tradicionalmente desprotegida, poder, como se diz em linguagem popular,
dar o dito por não dito. Assim, o trabalhador, arrependendo-se de ter ajustado
um acordo de revogação do contrato de trabalho, poderá, nos sete dias
imediatos ao ajuste, sem necessitar de justificar a sua decisão, resolver tal
acordo. Resta acrescentar que a discussão em torno da eventual
inconstitucionalidade dos preceitos que admitem a cessação, por vontade de
uma das partes (trabalhador), do acordo de revogação – bem como da
resolução e denúncia do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador
(artigo 402.º CT) –, com base na violação do princípio da liberdade de
iniciativa privada (artigo 61.º CRP), não apresenta qualquer particularidade,
pois a questão coloca-se nos mesmos termos a propósito do direito de
arrependimento previsto noutros domínios. No confronto de interesses entre
a segurança contratual e a justiça resultante da especial proteção conferida a
um dos contraentes, em razão da sua maior debilidade, deu-se prevalência a
este segundo fator. E as regras jurídicas, ainda que com previsão
constitucional, não são de aplicação absoluta, admitindo exceções, como
neste caso.
Denúncia:
1. Regime geral: o contrato de trabalho, sendo um vínculo de execução continuada e,
normalmente, de duração indeterminada, pode cessar por via da denúncia ad libitum.
O princípio da denúncia livre do contrato mantém, na relação laboral, plena aplicação
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quando a iniciativa cabe ao trabalhador. O contrato de trabalho, sendo uma relação
duradoura, não implica uma vinculação perpétua do trabalhador, que a todo o tempo
se pode desvincular. Neste caso, estar-se-á perante a denúncia com aviso prévio
(artigo 400.º CT). A vinculação indefinida contraria a liberdade, nomeadamente
económica, mas, da ponderação entre a liberdade de desvinculação e a segurança no
emprego (artigo 53.º CRP), só se concedeu a denúncia livre ao trabalhador. O
trabalhador que pretenda pôr termo ao contrato pode recorrer à denúncia ad nutum e
não tem de indemnizar a contraparte se comunicar por escrito a sua intenção de se
desvincular com a antecedência estabelecida no artigo 400.º, n.º1 CT. A declaração
de denúncia do contrato de trabalho pode ser revogada pelo trabalhador até ao
sétimo dia seguinte à data em que chega ao poder ou ao conhecimento do
empregador (artigo 402.º, n.º1 CT). Trata-se de uma exceção à regra geral da
irrevogabilidade das declarações negociais (artigo 230.º CC), pois admite-se que o
trabalhador, num prazo limitado, revogue a declaração negocial de denúncia do
contrato de trabalho. De modo diverso, por via de regra, o empregador não pode
recorrer à denúncia como modo de fazer cessar o vínculo contratual. Contudo, em
situações pontuais, expressamente previstas, confere-se ao empregador a faculdade
de denunciar o contrato de trabalho; assim, durante o período experimental (artigo
114.º CT) ou num contrato a termo certo (artigo 344.º CT), o empregador pode
denunciar o contrato, fazendo cessar a relação laboral. Relativamente ao trabalhador,
não obstante a previsão genérica de denúncia imotivada do artigo 400.º CT, e além
das situações indicadas, em que a denúncia é conferida a ambas as partes (artigos
114.º, 163.º e 344.º CT), o legislador ainda alude à faculdade de denunciar o contrato
de trabalho no artigo 365.º CT, em caso de despedimento por causas objetivas.
2. Período experimental: como prescreve supletivamente o artigo 114.º, n.º1 CT,
durante o período experimental qualquer das partes pode denunciar o contrato de
trabalho. Trata-se de uma denúncia ad nutum, pois não é necessária a invocação de
justa causa. Por outro lado, contrariamente à regra geral, admite-se que a denúncia
possa ser feita valer sem aviso prévio; contudo, se o período experimental tiver
durado mais de sessenta dias (60 dias), o empregador tem de dar um aviso prévio de
sete dias (artigo 114.º, n.º2 CT). Resta aferir que a denúncia, correspondendo ao
exercício lícito de um direito, não pressupõe o pagamento de uma indemnização; a
parte que invoca a denúncia não tem de compensar os prejuízos causados à
contraparte pela cessação do vínculo.
3. Comissão de serviço: apesar de no artigo 163.º CT se aludir tão só, primeiro, à
cessação da comissão de serviço, e, depois, à possibilidade de pôr termo à comissão
de serviço, sem qualificar o modo de extinção, poderá entender-se que se trata de
uma denúncia. De facto, qualquer das partes, enviando uma declaração com um aviso
prévio de trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias), pode fazer cessar a relação laboral
em regime de comissão de serviço. A denúncia da comissão de serviço que implique
a cessação do contrato de trabalho, sendo requerida pelo empregador, apesar de lícita,
implica o pagamento de uma compensação ao trabalhador, nos termos prescritos na
alínea c) do n.º1 do artigo 164.º CT.
4. Denúncia com aviso prévio: atendendo ao já mencionado princípio da denúncia
ad nutum dos contratos duradouros, a lei confere ao trabalhador o direito de se
desvincular a todo o tempo, desde que comunique essa intenção ao empregador com
trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias)de antecedência, conforme a sua antiguidade
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seja inferior ou igual a dois anos (2 anos) ou superior a dois anos (2 anos) – artigo
400.º, n.º1 CT). Estes prazos podem ser alargados até seis meses (6 meses) por
instrumento de regulamentação coletiva ou contrato de trabalho, em relação a
trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direção ou que
desempenhem funções de representação ou de responsabilidade (artigo 400.º, n.º2
CT). A denúncia – a exercer só pelo trabalhador – pode ser feita valer na pendência
de um contrato de trabalho a termo, se o trabalhador pretender desvincular-se ante
tempus, caso em que o aviso prévio será de quinze dias (15 dias) ou de trinta dias (30
dias) – artigo 400.º, n.º3 CT). A declaração de denúncia com aviso prévio tem de ser
feita por escrito e endereçada ao empregador com a antecedência indicada, mas a
exigência de forma tem em vista a proteção do declarante, pois não foi estabelecida
para garantia da entidade patronal. Por isso se admite a possibilidade de ser revogada
a declaração de denúncia até ao sétimo dia seguinte à data em que chega ao poder do
empregador, se o documento escrito não tiver a assinatura do trabalhador com
reconhecimento presencial (artigo 402.º, n.º1 CT). A fim de impor ao trabalhador a
necessária ponderação e de obstar à revogação da denúncia, o empregador pode
exigir que a declaração de denúncia tenha a assinatura do emitente com
reconhecimento notarial presencial (artigo 402.º, n.º1 CT). Além do regime comum
de denúncia ad libitum a exercer pelo trabalhador, há que atender a uma previsão
específica em que se lhe confere também o direito de denunciar o contrato. No artigo
365.º CRT conferiu-se ao trabalhador a faculdade de denunciar o contrato de
trabalho em caso de despedimento por causas objetivas. Pelas razões já invocadas,
relacionadas com a segurança no emprego, a denúncia ad libitum só é conferida ao
trabalhador, não podendo o empregador, fora das situações especialmente previstas
e já mencionadas, denunciar o contrato de trabalho com aviso prévio. A denúncia
com aviso prévio invocada pelo trabalhador, correspondendo à efetivação de um
direito, não determina o pagamento de uma compensação. Contudo, no caso de o
menor ter denunciado o contrato de trabalho durante a formação, que lhe deve ser
assegurada pelo empregador (artigo 67.º CT), ou num período imediatamente
subsequente de duração igual àquela, deve compensar o empregador em valor
correspondente ao custo da formação (artigo 71.º, n.º1 CT)
5. Falta de aviso prévio; abandono do trabalho: se o trabalhador quiser fazer cessar
imediatamente o contrato de trabalho sem justa causa – não preenchendo, portanto,
os pressupostos da resolução – nem aviso prévio, em violação do disposto no n.º1
do artigo 400.º CT, a extinção do vínculo ocorre, sendo, todavia, responsabilizado
pelo facto. Como dispõe o artigo 401.º CT, em tal caso, o trabalhador fica obrigado
a pagar ao empregador uma indemnização pelos prejuízos causados, que não será
inferior ao valor total da retribuição base e das diuturnidades correspondentes ao
período de antecedência em falta. Em suma, não sendo respeitado o prazo de aviso
prévio, o contrato cessa, mas o trabalhador terá de indemnizar o empregador nos
termos previstos no artigo 401.º CT: sem prejuízo da responsabilidade decorrente da
violação de outros preceitos, em particular o artigo 137.º, n.º1 CT, o trabalhador fica
obrigado a pagar uma indemnização correspondente ao valor da retribuição base e
das diuturnidades correspondentes ao período de antecedência (trinta e sessenta dias
– 30 e 60 dias) em falta. Como hipótese específica de denúncia sem aviso prévio, o
legislador prevê a figura do abandono do trabalho (artigo 403.º, n.º3 CT). Se o
trabalhador se ausentar, deixando de comparecer na empresa, é necessário verificar
se há indícios de que, com toda a probabilidade, não pretende regressar ao serviço
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(artigo 403.º, n.º1 CT); assim, o trabalhador que faltou ao serviço porque foi trabalhar
para outra empresa revela que, com toda a probabilidade, não quer regressar às suas
anteriores funções. A lei estabelece uma presunção de abandono do trabalho sempre
que a ausência se prolongue, pelo menos, por dez dias úteis seguidos (artigo 403.º,
n.º2 CT); presunção essa que pode ser ilidida mediante prova de motivo de força
maior impeditivo da comunicação da ausência (artigo 403.º, n.º4 CT). O abandono
do trabalhão constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o
trabalhador, nos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio (artigo 403.º,
n.º3 CT). Neste caso, a denúncia manifesta-se mediante um comportamento
concludente: a ausência do trabalhador ao serviço. Está-se perante uma denúncia
tácita resultante da falta de comparência ao serviço. Refira-se, por último, que,
afastando-se dos parâmetros gerais, a cessação do contrato por abandono do trabalho
tem de ser declarada pelo empregador, mediante carta registada com aviso de receção
a enviar para a última morada conhecida do trabalhador (artigo 403.º, n.º3, in fine CT).
De facto, tratando-se de denúncia, ainda que tácita e resultante de um
comportamento concludente do trabalhador, bastaria essa declaração para produzir
o efeito extintivo; porém, por uma razão de segurança do emprego, exige-se esta
formalidade suplementar (carta registada do empregador). Apesar de não resultar
expressamente da norma, o contrato de trabalho cessa a partir da data do início do
abandono, pelo que a declaração do empregador é uma confirmação (imprescindível),
com eficácia retroativa, da extinção do vínculo.
Resolução:
1. Tipos: a resolução determina a cessação do contrato, mas importa averiguar a quem
coube a iniciativa, pois estabeleceu-se um regime diverso consoante a resolução seja
invocada pelo empregador, designada despedimento (artigos 351.º e seguintes CT),
ou pelo trabalhador (artigo 394.º e seguintes CT).
2. Resolução invocada pelo empregador:
a. Noções comuns:
i. Despedimento: o despedimento é uma forma de resolução do contrato
de trabalho em que a iniciativa cabe ao empregador. Exige-se uma
declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual
se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro, sem
eficácia retroativa. Esta declaração de vontade é receptícia (artigo
224.º CC), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica
depois de a mesma ser recebida pelo trabalhador e, a partir desse
momento, como qualquer declaração negocial, é irrevogável (artigo
230.º CC). Utiliza-se o termo despedimento, como modalidade de
resolução (artigos 351.º e seguintes CT), num sentido amplo, em que
se incluem várias figuras:
1. A resolução do contrato por facto imputável ao trabalhador (artigo
351.º CT);
2. A resolução do contrato por alteração das circunstâncias (v.g.,
despedimento coletivo – artigo 359.º CT);
3. A resolução por impossibilidade (relativa) de realizar a prestação (v.g.,
despedimento por inadaptação – artigo 373.º CT).
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Estas várias situações têm de comum que o contrato de trabalho
cessa por iniciativa do empregador. O despedimento é
necessariamente vinculado, não só por via do regime geral da
resolução dos contratos (artigo 432.º, n.º1 CC), mas, em particular,
atendendo ao princípio da segurança no emprego (artigo 53.º CRP).
Por isso, o despedimento não tem a função de denúncia do contrato,
que seria discricionária. Independentemente de o despedimento
corresponder a uma resolução por incumprimento ou por alteração
das circunstâncias ou fundar-se na impossibilidade (relativa) de
cumprimento é sempre necessário determinar um motivo que o
justifique; sem fundamento, o despedimento é ilícito. A declaração
de vontade emitida pelo empregador no sentido de pôr termo ao
contrato de trabalho, não só é receptícia, produzindo o efeito
extintivo logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida
(artigo 224.º, n.º1 CC), como é constitutiva. Tal como a resolução do
contrato opera por mera declaração à outra parte (artigo 436.º, n.º1
CC), o despedimento acarreta a cessação do contrato de trabalho sem
necessidade de recurso ao tribunal; o efeito extintivo produz-se no
momento em que o trabalhador recebe a declaração de despedimento.
Atendendo ao efeito constitutivo, a declaração de despedimento não
pode ser revogada pelo empregador depois de ter sido recebida pelo
trabalhador ou de ser dele conhecida (artigo 230.º, n.º1 CC). Na
medida em que a relação laboral é de execução continuada, o
despedimento implica a cessação do vínculo com eficácia ex nunc, não
tendo, pois, efeito retroativo (artigo 434.º, n.º2 CC).
ii. Espécies de despedimento: o termo despedimento engloba várias
situações jurídicas qualificáveis como resolução, em que o contrato
cessa por iniciativa do empregador:
1. Despedimento por facto imputável ao trabalhador (designado, justa
causa de despedimento – artigo 351.º CT): a cessação do contrato
abrange um só trabalhador, designando-se por despedimento
individual, e baseia-se num comportamento culposo. Dir-se-
á, então, que a justa causa é subjetiva, pois assenta no
incumprimento culposo do contrato por parte do trabalhador,
sendo o despedimento uma sanção disciplinar (artigo 328.º,
n.º1, alínea f) CT).
2. Despedimento coletivo (artigo 359.º CT): é um despedimento que
abrange vários trabalhadores e que se funda em motivos de
mercado, estruturais ou tecnológicos da empresa; dir-se-á,
por isso, que a justa causa é objetiva;
3. Despedimento por extinção do posto de trabalho (artigo 367.º CT):
corresponde, igualmente, a um despedimento, pois o vínculo
laboral resolve-se por iniciativa do empregador; é um
despedimento individual, na medida em que abrange um
trabalhador por cada posto de trabalho; tem uma justa causa
objetiva, relacionada com motivos de mercado, estruturais ou
económicos da empresa.
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4. Despedimento por inadaptação (artigo 33.º CT): mediante o qual o
empregador pode fazer cessar o posto de trabalho. O
despedimento é individual e funda-se numa justa causa
objetiva: a impossibilidade relativa de o trabalhador realizar a
prestação.
iii. Justa causa subjetiva e objetiva: sabendo-se que o despedimento tem de
se fundar numa justa causa (artigo 53.º CRP), das modalidades de
cessação do contrato de trabalho da iniciativa do empregador, deduz-
se que é necessário distinguir dois tipos de justa causa:
1. A justa causa subjetiva: que se funda num comportamento
culposo do trabalhador; e
2. A justa causa objetiva: dependente de motivos relacionados
com a empresa, que inviabilizam a prossecução da relação
laboral.
b. Despedimento por facto imputável ao trabalhador:
i. Noção de justa causa (subjetiva):
1. Comportamento culposo; ilicitude: o despedimento por facto
imputável ao trabalhador (artigo 351.º CT) corresponde a
uma resolução do contrato (artigos 432.º e seguintes CC)
fundada na lei (artigo 432.º, n.º1 CC), devendo ser apreciada
com base na justa causa. O despedimento com justa causa
(subjetiva) constitui um poder vinculado conferido ao
empregador no sentido de extinguir o contrato de trabalho
fundado no incumprimento de deveres obrigacionais por
parte do trabalhador. A eficácia retroativa da resolução (artigo
434.º, n.º1 CC) não se verifica no domínio do despedimento,
atendendo ao facto de o contrato de trabalho ser de execução
continuada, caso em que se mantêm as prestações efetuadas
até à data em que a resolução produz efeitos (artigo 434.º,
n.º2 CC). A resolução efetuada por via do despedimento é,
como na maioria das situações, extrajudicial, pois opera
mediante declaração do empregador ao trabalhador (artigo
436.º, n.º1 CC). Apesar de o não cumprimento do contrato
constituir fundamento legal de resolução, não se concede ao
lesado o direito de unilateralmente extinguir o contrato se o
dano causado pelo incumprimento for de escassa importância
(artigo 802.º, n.º2 CC); por outro lado, para além da hipótese
de estabelecimento de um prazo admonitório, a resolução do
contrato pressupõe a perda do interesse apreciado
objetivamente (artigo 808.º CC). É isso que ocorre no
domínio da cessação do contrato de trabalho, em que a lei só
confere ao empregador o poder de despedir o trabalhador
perante um incumprimento grave dos deveres obrigacionais,
que torne praticamente impossível a subsistência da relação
laboral (artigo 351.º, n.º1 CT). No artigo 351.º CT, o
legislador atendeu à justa causa de despedimento, fazendo
depender a resolução do contrato promovida pelo
empregador da existência de justa causa. Importa apreciar
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este conceito indeterminado à luz do Direito das Obrigações,
relacionando-o, em particular, com os pressupostos do
incumprimento contratual. A justa causa não é um conceito
específico de Direito do Trabalho, pois serve de fundamento
para a resolução de vários contratos de execução continuada.
Não obstante os contornes variarem, o conceito de justa
causa é o mesmo: em qualquer dos casos, a justa causa baseia-
se no incumprimento culposo ou em causas de força maior.
Acontece, porém, que no artigo 351.º CT restringe-se a justa
causa às situações em que se relacionam com o
comportamento culposo do trabalhador, enquadrando a
força maior nas chamadas causas objetivas, que permitem o
despedimento coletivo (artigo 359.º CT), a extinção do posto
de trabalho (artigo 367.º CT) e o despedimento por
inadaptação (artigo 373.º CT). Cabe, todavia, salientar que
esta noção restrita de justa causa é específica da legislação
laboral, sem correspondência (direta) no artigo 53.º CRP,
nem nos anteriores regimes da resolução do contrato de
trabalho. A situação não se alterou com o disposto no artigo
351.º CT, que manteve substancialmente o regime anterior: a
justa causa é em sentido restrito, não abrangendo as causas
objetivas. Mas ao lado da justa causa (subjetiva), sem fazer
referência a esta expressão, continua a subsistir uma justa
causa (objetiva) que permite o despedimento por motivos
não relacionados com o comportamento culposo do
trabalhador, v.g., no despedimento coletivo. Posto isto, cabe
indicar alguns vetores que possam facilitar a tarefa de
concretização do conceito indeterminado de justa causa
(subjetiva) de despedimento. Ao entender-se que a justa causa
pressupõe um comportamento culposo do trabalhador que,
pela sua gravidade e consequências, torne imediata e
praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho,
está a identificar-se a justa causa com o incumprimento
contratual. De facto, a noção legal assenta, em primeiro lugar,
num comportamento culposo do trabalhador. A culpa, no
plano da responsabilidade civil, não se pode dissociar da
ilicitude, em particular no domínio da responsabilidade
contratual (artigos 799.º e seguintes CC), pese embora a
diferenciação destes pressupostos, pois a falta culposa de
cumprimento é usada em sentido amplo, de molde a abranger
a ilicitude e a culpa. Assim sendo, o comportamento culposo
pressupõe um ato ilícito e censurável do trabalhador. Esse ato
ilícito culposo, que pode assentar em ação ou omissão do
prestador de trabalho, será necessariamente derivado da
violação de deveres legais ou obrigacionais; todavia, o
incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo
do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de
deveres principais – como seja a realização do trabalho com
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zelo e diligência (artigo 128.º, n.º1, alínea c) CT) –, como de
deveres secundários ou de deveres acessórios de conduta,
derivados de boa fé no cumprimento do contrato
(designadamente, tratar com urbanidade e probidade e
empregador – artigo 128.º, n.º1, alínea a) CT – e não divulgar
informações referentes à organização empresarial – artigo
128.º, n.º1, alínea f) CT, nos termos estabelecidos no artigo
762.º, n.º2 CC). O comportamento culposo do trabalhador
pode corresponder a qualquer das três modalidades de
incumprimento das obrigações: não cumprimento definitivo,
mora e cumprimento defeituoso. A culpa é apreciada, em
cada caso, por um critério objetivo: segundo a diligência
média exigível a um trabalhador daquele tipo, nos termos em
que se desenvolve a relação laboral e atendendo às
circunstâncias do caso (artigo 487.º, n.º2 CC). Assentando no
princípio de a justa causa corresponder a um incumprimento
grave de deveres contratuais (principais, secundários ou
acessórios) por parte do trabalhador, importa enquadrar o
conceito indeterminado de justa causa nos parâmetros da
responsabilidade contratual. Deste modo, o comportamento
do trabalhador terá de ser ilícito, por violar deveres legais ou
contratuais. Porém, esse comportamento, principalmente nos
casos de cumprimento defeituoso, pode advir da violação de
deveres acessórios e nem sempre se enquadrar, pelo menos
diretamente, no elenco das causas do n.º2 do artigo 351.º CT.
2. Insubsistência da relação de trabalho: para além do
comportamento culposo (e ilícito), a justa causa depende de
uma consequência grave: que torne imediata e praticamente
impossível a subsistência da relação de trabalho. Trata-se de
uma limitação ao exercício do direito de resolução do
contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do
artigo 808.º CC, de a resolução de qualquer contrato
depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso
do empregador), determinada objetivamente; princípio esse
reiterado, nomeadamente, em sede de empreitada ou de
arrendamento. Em sentido mais genérico, como regra de
empreitada ou de arrendamento. Em sentido mais genérico,
como regra de proporcionalidade, o mesmo princípio
encontra consagração no artigo 330.º, n.º1 CT. Perante o
comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma
ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente,
não seja razoável exigir do empregador a subsistência da
relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da
relação da confiança motivada pelo comportamento culposo.
Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode
advir da violação de deveres principais como de deveres
acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade
do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação
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laboral poder subsistir. É neste parâmetro que deve ser
avaliado o despedimento pelas chamadas causas externas ou
condutas extralaborais; o comportamento do trabalhador,
mesmo quando externo à empresa, pode consubstanciar uma
violação de deveres acessórios, que lhe eram impostos fora
do período normal e do local e trabalho. Por vezes, contesta-
se a possibilidade de se invocarem causas externas à relação
laboral considerando que a justa causa pressupõe a prática de
uma infração disciplinar; contudo, esta figura não tem um
significado preciso e, num sentido amplo, a infração
disciplinar resulta da violação de quaisquer deveres
contratuais, seja deveres principais, secundários ou acessórios
de conduta. Neste sentido amplo, que parece correto, a
mencionada controvérsia perde sentido. A violação de
deveres contratuais, ainda que acessórios, só poderá conduzir
à cessação do contrato de trabalho se se ponderar, para além
da impossibilidade de subsistência da relação laboral, as
consequências jurídicas do despedimento.
3. Exemplificação legal de comportamentos ilícitos: depois de
enunciado o critério geral para determinação da justa causa,
como meio auxiliar do intérprete da lei, indica-se, de modo
exemplificativo, comportamentos ilícitos do trabalhador que
podem constituir justa causa de despedimento (artigo 351.º,
n.º2 CT). São meros tendo a justa causa de ser sempre
apreciada à luz do critério geral do n.º1 do artigo 351.º CT.
Assim, não basta que esteja em causa uma atuação presente
nas alíneas do n.º2 do artigo 351.º CT, é necessário que a
violação se tenha ficado a dever a um comportamento
culposo do trabalhador que, como consequência do facto
(comportamento do trabalhador) e do dano, se torne
impossível a subsistência da relação laboral. A lesão de
interesses patrimoniais sérios da empresa é uma das situações
que, exemplificadamente, pode integrar o conceito de justa
causa de despedimento, como se prevê na alínea e) do n.º2
do artigo 351.º CT. Os interesses patrimoniais da empresa
afetados pelo ato culposo do trabalhador não têm de ser
invocados, pois o que releva é a quebra na confiança. Refira-
se, ainda, que, na concretização do conceito de justa causa, o
ato lesivo de interesses da empresa pode ser isolado. A
negligência do trabalhador, para determinar quebra de
confiança, não pressupõe que o ato seja reiterado, basta que
a intensidade da violação pelas consequências ou pela perda
de confiança, sejam suscetíveis de comprometer a relação de
trabalho. Os exemplos de comportamentos do trabalhador
que podem constituir justa causa de despedimento (artigo
351.º, n.º2 CT), apesar de terem de ser apreciados com base
na cláusula geral do n.º1 do artigo 351.º CT, exige uma
diferente ponderação. Como as situações indicadas no n.º2
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do artigo 351.º CT, constituem justa causa de despedimento,
a prova da sua existência indicia a verificação do pressuposto
geral (n.º1); mas ao trabalhador é facultada a prova negativa.
4. Violação de outros deveres contratuais: das doze alíneas do n.º2 do
artigo 351.º CT constam exemplos de situações em que, com
alguma probabilidade, pode haver justa causa de resolução;
ou seja, que, em princípio, constituem justa causa de
despedimento. Mas haverá outras hipóteses, não previstas
neste n.º3, que também podem consubstanciar justa causa de
despedimento; para além das já mencionadas causas externas,
a título do exemplo, cabe indicar a violação do dever de não
concorrência (artigo 128.º, alínea f) CT) ou o aproveitamento
da justificação da falta para fins diversos dos declarados, que,
em qualquer caso, não tenha implicado uma lesão patrimonial
ao empregador. Tendo o trabalhador violado qualquer dever
contratual, mesmo que acessório, se o comportamento for
culposo e grave a ponto de inviabilizar a prossecução do
vínculo contratual, estar-se-á perante uma justa causa de
despedimento, ainda que a situação factual não possa ser
subsumida em nenhuma das alíneas do n.º2 do artigo 351.º
CT.
ii. Procedimento disciplinar:
1. Identificação: como resulta do disposto na alínea f) do n.º1 do
artigo 328.º CT, o despedimento sem indemnização ou
compensação é a sanção disciplinar máxima que o
empregador pode aplicar. Toda a sanção disciplinar tem de
ser aplicada após um procedimento (artigo 329.º CT). O
poder disciplinar, para ser exercido, requer um determinado
procedimento, conduzido diretamente pelo empregador ou
pelos superiores hierárquicos do trabalhador (artigo 329.º,
n.º4 CT). Nada impede inclusive que o procedimento seja
conduzido por pessoa estranha à empresa – instrutor
nomeado (artigo 336.º, n.º1 CT) –, por exemplo um
advogado mandatado pela emprega, desde que a decisão de
despedimento seja tomada pelo empregador ou por superior
hierárquico do trabalhador.
2. Funcionamento: o procedimento disciplinar deverá ter início
nos sessenta dias (60 dias) subsequentes àquele em que o
empregador teve conhecimento da infração (artigo 329.º, n.º2
CT) e da identidade do infrator. Mas sendo o facto ilícito
continuado, este prazo só se inicia quando termina a infração.
Independentemente do conhecimento, a infração disciplinar
prescreve decorrido um ano a contar do momento da prática
do facto ilícito, salvo se os factos constituírem igualmente
crime, caso em que são aplicáveis os prazos de prescrição da
lei penal (artigo 329.º, n.º1 CT). Há que atender, pois, a dois
prazos:
a. Um de sessenta dias (60 dias); e
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b. Outro de um ano (1 ano).
Os mencionados prazos interrompem-se com a comunicação
da nota de culpa (artigo 353.º, n.º3 CT) e com a instauração
do procedimento prévio de inquérito (artigo 352.º CT).
Como o prazo se interrompe (artigo 323.º e seguintes CC) e
não se suspende (artigos 318.º e seguintes CC), verificada a
interrupção, mediante a comunicação da nota de culpa ou a
instauração do procedimento prévio, inutiliza-se todo o
tempo decorrido anteriormente (artigo 326.º CC). O prazo
mantém-se interrompido – não corre – durante o período a
que se refere o artigo 327.º CC. Instaurado o procedimento
disciplinar, não há um prazo para ser proferida a decisão –
exceção feita aos prazos a que se aludirá em seguida –, pelo
que, não fora os princípios de celeridade e de boa fé, daqui
resultaria a possibilidade de eternizar a ação disciplinar com
vista ao despedimento; todavia, como decorre do n.º3 do
artigo 329.º CT, o procedimento disciplinar não pode
perdurar por mais de um ano – entre as datas em que é
instaurado e a que o trabalhador é notificado da decisão final
– sob pena de prescrever. Desse procedimento, depois de
uma fase de instrução, constará a acusação seguida da defesa.
Na fase da instrução, que, salvo na hipótese de haver um
procedimento prévio de inquérito (artigo 352.º CT), não pode
exceder os sessenta dias (artigo 329.º, n.º2 CT), o empregador
averigua os factos indiciadores da ilicitude. Com base nos
factos investigados, o empregador acusa o trabalhador da
prática de uma infração disciplinar. A acusação é uma
declaração escrita, receptícia, a que se aplica o disposto no
artigo 224.º CC, e dela deve constar a intenção de se proceder
ao despedimento (artigo 353.º, n.º1 CT). Juntamente com a
acusação deve ser entregue ao trabalhador uma nota de culpa
por escrito, onde se descrevem circunstanciadamente os
factos imputados ao trabalhador (artigo 353.º, n.º1 CT); a
nota de culpa deve, assim, corresponder à fundamentação da
acusação. Recebida a acusação, o trabalhador tem de ser
ouvido para apresentar a sua defesa (artigo 329.º, n.º6 CT),
que deverá ser deduzida no prazo de dez dias (10 dias) úteis,
podendo, nesse período, consultar o processos (artigo 355.º,
n.º1 CT). A instrução do procedimento disciplinar passou a
ser facultativa após a revisão de 2009, pelo que, tendo por
base a acusação e a defesa, o empregador poderia, desde logo,
decidir. Com a nova redação do artigo 356.º CT (decorrente
da revisão de 2012), o empregador procede às diligências
probatórias para a averiguação dos factos alegados na
acusação e na defesa. Não foi estabelecido prazo para estas
diligências, que, contudo, só se poderão prolongar durante
um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa fé
e ao princípio da celeridade processual e dentro do limite do
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ano, estatuído no n.º3 do artigo 329.º CT. Terminadas as
diligências probatórias, o processo deve ser apresentado à
comissão de trabalhadores e ao sindicato respetivo, que, no
prazo de cinco dias (5 dias) úteis, podem juntar pareceres
fundamentados (artigo 356.º, n.º5 CT). No que respeita ao
despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante
ou de trabalhador no gozo da licença parental, além da
instrução comum a qualquer procedimento disciplinar, terá
de ser solicitado parecer à entidade que tenha competência na
área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,
concretamente a Comissão para a Igualdade no Trabalho e
no Emprego (CITE), como dispõe o artigo 63.º, n.º1 CT.
Este parecer não é vinculativo, porém, sendo desfavorável, a
trabalhadora só pode ser despedida após decisão judicial que
reconheça a existência de motivo justificativo (artigo 63.º,
n.º6 CT); neste caso, diferentemente do que ocorre em sede
de arrendamento, a resolução do contrato não é decretada
judicialmente, continua a ser um ato unilateral de uma das
partes (empregador), precedido de uma decisão judicial. Após
a conclusão das diligências probatórias e de recebidos os
pareceres ou de decorridos os cinco dias (5 dias) úteis
referidos no n.º5 do artigo 356.º CT, o empregador dispõe de
trinta dias (30 dias) para proferir uma decisão absolutória ou
condenatória (artigo 357.º, n.º1 CT). Em qualquer caso, o
empregador tem de ponderar as circunstâncias de facto, a
gravidade da infração e a culpa do trabalhador, assim como a
lesão de interesses da empresa (artigos 330.º, n.º1, 351.º, n.º3
e 357.º, n.º4 CT); a decisão de despedimento deve ser tomada
ponderando os factos provados que conduzem à ilicitude da
conduta do trabalhador, o seu grau de culpa e o nexo causal
entre esses factos e a impossibilidade de subsistência da
relação laboral. A decisão tem de ser comunicada por escrito
e deve ser fundamentada atendendo aos factos alegados na
acusação e na defesa que se considerem provados (artigo
357.º, n.º5 CT). A sanção disciplinar de despedimento deverá
ser motivada; impõe-se sempre o esclarecimento das razões
que justificaram a sua aplicação, para efeito de uma eventual
impugnação do despedimento.
a. Ónus da prova: nos termos do artigo 342.º CC,
pretendendo o empregador despedir o trabalhador,
no procedimento disciplinar deverá fazer-se a prova
dos factos que integram a justa causa; isto é, cabe ao
empregador a prova dos factos constitutivos do
despedimento. Por isso, não há qualquer presunção
de justa causa no despedimento; daí que as
preferências legais a uma presunção de que o
despedimento se fez sem justa causa (artigos 63.º, n.º2
e 410.º, n.º3 CT) só poderão ter algum sentido para
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se verificar se o motivo invocado não encobre um
fundamento persecutório. Não se faz prova da justa
causa, que é um conceito indeterminado; o
empregador tem de provar a conduta ilícita do
trabalhador, indicando o dever obrigacional por este
violado. Feita a prova da conduta ilícita do
trabalhador, presume-se que a sua atuação foi culposa,
nos termos do artigo 799.º CC. Sendo o trabalhador
devedor de uma prestação, que não cumpriu,
violando um dever principal, secundário ou acessório
da relação laboral, cabe-lhe provar que a falta de
cumprimento ou o cumprimento defeituoso da
obrigação não procede de culpa sua (artigo 799.º, n.º1
CC). O empregador fica dispensado de provar a culpa
do trabalhador se demonstrou que este praticou um
facto ilícito; o trabalhador pode defender-se
provando que não praticou o facto ilícito de que é
acusado ou que não teve culpa na atuação. Importa,
todavia, notar que a presunção legal é simplesmente
de culpa, no sentido de negligência, não se
presumindo a culpa grave e muito menos o dolo; a
culpa grave ou o dolo do trabalhador têm de ser
provados pelo empregador, nos termos gerais (artigo
342.º CC). Mas para a justa causa de despedimento,
excecionalmente, pode bastar a mera negligência do
trabalhador, que se presume; contudo, atendendo à
letra do n.º1 do artigo 351.º CT, resulta que o
comportamento culposo do trabalhador, por via de
regra, deverá ser aferido em razão da sua gravidade, e
esta nãos e presume. Depois de provado o
comportamento ilícito do trabalhador e verificada
(provada) a gravidade da sua culpa, o empregador terá
de fazer a prova do nexo causal entre a conduta do
trabalhador e a impossibilidade de subsistência da
relação de trabalho. Com base num critério de
normalidade, atendendo às circunstâncias concretas
do comportamento do trabalhador, cabe ao
empregador demonstrar que tais factos (conduta
ilícita e culposa) conduzem à impossibilidade de
manutenção do contrato de trabalho. Esta
causalidade tem de ser apreciada de harmonia com os
parâmetros do artigo 563.º CC, atendendo a um
critério de probabilidade normal.
b. Suspensão preventiva do trabalhador: tendo em
conta que o procedimento disciplinar conducente ao
despedimento do trabalhador pode ser moroso, com
a acusação, o empregador pode suspender o
trabalhador enquanto decorre a ação disciplinar,
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sempre que a sua presença se mostrar inconveniente,
continuando a pagar-lhe a retribuição (artigos 329.º,
n.º5 e 354.º CT).
c. Despedimento coletivo:
i. Noção: o despedimento coletivo determina a cessação de contratos de
trabalho de, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores (2 ou 5
trabalhadores), consoante a empresa tenha menos ou mais de
cinquenta (50) trabalhadores (artigo 359.º, n.º1 CT). Além do aspeto
quantitativo, o despedimento coletivo afere-se em função do motivo,
que pode ser de mercado, estrutural ou tecnológico, justificativo do
encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou
à redução do pessoal (artigo 359.º, n.º1 CT). O despedimento
coletivo, por oposição à cessação por extinção de posto de trabalho
(artigo 367.º CT), implica que seja abrangida uma pluralidade de
trabalhadores, não obstante ser necessariamente emitida uma
declaração a cada trabalhador cujo contrato cessa; há, contudo, um
motivo comum que determina a extinção individual de vários
vínculos laborais.
ii. Apreciação dos fundamentos: os motivos são económicos, mas o
legislador identifica-os com fatores de mercado, estruturais ou
tecnológicos, que têm de ser apreciados em função da empresa, no
contexto atual ou futuro da sua atuação. Daí a referência legal à
previsibilidade dos motivos, bastando um juízo de prognose
puramente empresarial, assente na liberdade de gestão da empresa.
Pelo artigo 359.º, n.º2 CT, o legislador pretende auxiliar o intérprete
dando uma noção de motivos de mercado (alínea a)), estruturais
(alínea b)) e tecnológicos (alínea c)); trata-se, todavia, de uma
indicação exemplificativa de aspetos integrantes dos referidos
motivos, que se reconduzem a um fundamento económico, pois
mesmo os motivos tecnológicos hão-de ter uma base económica. A
questão poderia ser discutível no âmbito da legislação anterior, mas,
atualmente, não há dúvida de que a indicação legal é exemplificativa,
podendo haver outros motivos de justificação do despedimento. O
recurso ao despedimento coletivo com base em motivos de mercado,
estruturais ou tecnológicos não será só admitido em situações limite,
como no caso de risco iminente de insolvência da empresa. Importará
salientar que se está perante uma decisão de gestão empresarial; é o
empresário que decide; não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais
decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho
ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir
em abuso do direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado. No
fundo, como se trata de uma resolução com causa objetiva, o
despedimento não é discricionário, tem de ser fundamentado, e a
motivação deve ser encontrada nos fatores de mercado, estruturais
ou tecnológicos. Para reiterar a posição assumida no sentido de não
caber ao tribunal apreciar o mérito da decisão empresarial, importa
atender ao facto de o Código de Trabalho (no artigo 359.º, n.º2 CT),
comparado com o precedente (LCCT), em relação aos motivos
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omitiu o adjetivo comprovada e acrescentou a previsibilidade da sua
ocorrência. Estas alterações modificam substancialmente a
apreciação dos motivos. Acresce ainda que a intromissão do juiz na
apreciação dos fundamentos que justificaram a decisão de gestão
empresarial é inconstitucional, por violação do artigo 61.º, n.º1 CRP,
contrariando o direito fundamental de propriedade privada, na sua
vertente de liberdade empresarial; de facto, a liberdade de iniciativa
empresarial, a que foi conferida tutela constitucional (artigos 61.º,
n.º1 e 62.º, n.º1 CRP), seria posta em causa se os critérios de gestão
empresarial fossem ponderados pelo julgador.
iii. Procedimento: depois de, internamente, o empregador, ponderadas as
circunstâncias, ter decidido recorrer ao despedimento coletivo,
determinando que os setores ou trabalhadores vão ser abrangidos,
deverá proceder-se às comunicações previstas no artigo 360.º CT.
Feitas as comunicações, segue-se a fase negocial (artigo 361.º CT), em
que se prestam informações, negociando o empregador com a
estrutura representativa dos trabalhadores a obtenção de um acordo
tendo em vista minorar o âmbito do despedimento coletivo,
nomeadamente por via de uma redução do trabalho ou de uma
reconversão profissional. Os serviços do Ministério do Trabalho
intervêm neste processo negocial para assegurar a regularidade da sua
instrução substantiva e procedimental, assim como para promover a
conciliação dos interesses do empregador e dos trabalhadores (artigo
362.º CT). Terminada a fase negocial, cabe a decisão ao empregador
(artigo 363.º CT); optando pelo despedimento, deverá comunicar por
escrito a cada trabalhador abrangido pela decisão, indicando o motivo
e a data da cessação do contrato (artigo 363.º, n.1º CT). O
despedimento só produzirá o efeito extintivo do vínculo laboral
decorrido o prazo de aviso prévio, que vai de quinze a setenta e cinco
dias (15 a 75 dias) sobre a comunicação (artigo 360.º, n.º1 CT),
admitindo-se, contudo, que, não sendo observado este aviso prévio,
o trabalhador tenha direito à retribuição correspondente ao período
em falta (artigo 363.º, n.º4 CT). A decisão deve ser tomada atendendo
aos critérios que servem de base para a seleção dos trabalhadores a
despedir, que o empregador deverá indicar na comunicação (artigo
360.º, n.º2, alínea c) CT).
iv. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento: nos artigos 364.º a
366.º CT enunciam-se os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo
despedimento coletivo. Estes direitos são atribuídos somente aos
trabalhadores despedidos e não àqueles que, no decurso do processo
negocial, tenham celebrado um acordo de revogação.
1. Durante o período de aviso prévio (15 a 75 dias), o trabalhador tem
direito a um crédito de horas, até dois dias por semana (2 dias por
semana), para procurar nova ocupação (artigo 364.º CT);
2. Nesse mesmo período, consoante os casos, é conferido ao trabalhador o
direito de denunciar o contrato com um aviso prévio de três dias úteis,
sem perda do direito à compensação (artigo 365.º CT);
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3. Tradicionalmente, a cessação do contrato implicava o pagamento de uma
compensação, determinada pela multiplicação do valor da retribuição
base mensal e diuturnidades pelo número de anos de antiguidade,
calculados proporcionalmente no caso de fração de ano, não podendo ser
inferior a três meses. No âmbito das compensações devidas pelo
empregador em caso de cessação do contrato de trabalho por
causas objetivas, na revisão de 2012, procedeu-se a uma
redefinição de valores, iniciando-se um processo de redução
da compensação. Do regime de 2012 (artigo 366.º CT), decorre um
novo cálculo da compensação devida em caso de cessação do contrato de
trabalho por motivos objetivos: passa-se a calcular o valor com base em
20 dias por cada ano de antiguidade, aplicável a todos os trabalhadores
cujos contratos cessem depois da entrada em vigor deste regime.
Posteriormente, em 2013, a compensação prevista no artigo 366.º CT
foi reduzida para 12 dias por cada ano de antiguidade. Manteve-se a
dicotomia entre trabalhadores contratados antes ou depois de 1 de
novembro 2011. Em relação aos trabalhadores com contratos antigos
aplicam-se três regimes de compensação:
a. Até 31 outubro 2012: a compensação é calculada com
base no mês por ano de antiguidade;
b. Entre 1 novembro 2012 e 30 setembro 2013:
pondera-se no cálculo o valor de 20 dias por cada ano
de antiguidade;
c. A partir de 1 outubro 2013: há que atender a duas
valorações (artigo 5.º, n.º1 Lei n.º69/2013):
i. 18 dias de retribuição nos três primeiros anos
de duração do contrato;
ii. 12 dias de retribuição nos demais.
Complexidade similar surge com respeito aos novos
contratos de trabalho, ajustados depois de 1 novembro 2011.
Esta compensação e os créditos vencidos têm de ser pagos até à data do
termo do aviso prévio (artigo 383.º, n.º1, alínea c) CT), tendo deixado
de se aludir à exceção para a hipótese de insolvência ou recuperação e
reestruturação económica da empresa. Pese embora a redução operada
desde 2011, tendo em vista a dificuldade económica de alguns
empregadores de arcar com o valor da compensação instituíram-se dois
fundos: o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia
de Compensação do Trabalho. Relativamente à compensação, o Código
de Trabalho, no n.º4 do artigo 366.º CT, repristina a norma constante
da LCCT passando a presumir que o trabalhador aceitou o
despedimento se recebeu a compensação correspondente; há, todavia, uma
diferença na medida em que a expressão vale como foi substituída por
presume-se, para superar as dúvidas de interpretação suscitadas. A
presunção constante do n.º4 do artigo 366.º CT, sendo iuris tantum,
pode ser ilidida por prova em contrário (artigo 350.º, n.º2 CC). A
compensação é devida em razão de o empregador, no exercício do seu
direito, fazer cessar o contrato; concretamente, por recorrer à resolução do
contrato com fundamento em motivos objetivos. Trata-se, pois, de
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compensação resultante de uma responsabilidade civil por intervenções
lícitas.
d. Despedimento por extinção do posto de trabalho:
i. Noção: o despedimento por extinção de posto de trabalho equipara-
se ao despedimento coletivo, com a particularidade de ter natureza
individual. Dito de outro modo, os requisitos para o recurso a estas
duas formas de despedimento coincidem, exceto no que respeita ao
número de trabalhadores a abranger pela cessação do contrato. A
extinção de posto de trabalho determina um despedimento individual
fundado em motivos objetivos relacionados com a empresa.
ii. Apreciação dos motivos: os motivos para a extinção do posto de trabalho
coincidem com os fixados para o despedimento coletivo; são motivos
de mercado, estruturais ou tecnológicos (artigo 367.º CT); no fundo,
motivos económicos relacionados com a empresa. Associados a estes
motivos há que atender aos requisitos para o recurso a esta figura
(artigo 368.º CT). Em primeiro lugar, como resulta da alínea a) do
n.º1 do artigo 368.º CT, não será lícito proceder à extinção do posto
de trabalho quando a situação se subsuma ao despedimento por justa
causa em razão de um comportamento culposo do trabalhador; assim,
o despedimento por extinção do posto de trabalho é também
subsidiário relativamente ao despedimento por facto imputável ao
trabalhador. Do mesmo modo, a culpa do empregador inviabiliza
este despedimento. Quanto a este último aspeto, cabe esclarecer que
está em causa uma negligência na ponderação dos motivos, e não no
seu surgimento; por isso, não obsta ao despedimento por extinção do
posto de trabalho a gestão desastrosa que tenha levado a uma redução
da atividade da empresa. Em face da alínea b) do n.º1 do preceito em
análise, impõe-se que o motivo justificativo do despedimento
implique a insubsistência da relação de trabalho. A impossibilidade
de subsistência da relação de trabalho (alínea b)) não se identifica com
um dos elementos da justa causa subjetiva (artigo 351.º, n.º1 CT), pois
encontra-se objetivada no n.º4 do artigo 368.º CT. Em 2012, passou
a ser um critério empresarial não discriminatório (artigo 368.º, n.º4
CT). Em terceiro lugar, não se pode extinguir um posto de trabalho
quando a tarefa correspondente passou a ser exercida por
trabalhadores contratados a termo (alínea c) do n.º1), com vista a
evitar situações fraudulentas. Por último, com o mesmo intuito de
evitar fraudes, não será despedido o trabalhador cujo posto de
trabalho tenha sido extinto, se o ocupava há menos de três meses por
via de uma transferência; nesse caso, ele tem direito a reocupar o
antigo posto de trabalho, exceto se também este foi extinto, caso em
que será despedido (artigo 368.º, n.º3 CT). Na eventualidade de haver
uma pluralidade de postos de trabalho com um conteúdo funcional
idêntico, estabelecia-se um critério de preferência, em que era
preterido o trabalhador com menor antiguidade; todavia, com a
revisão de 212, a escolha passou a ser feita com base num critério
empresarial, devendo o empregador definir critérios relevantes e não
discriminatórios (artigo 368.º, n.º2 CT). Todavia, a solução
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consagrada foi ferida de inconstitucionalidade (Ac. TC n.º602/2013),
essencialmente por falta de um critério objetivo. Nessa sequência
surgiu a nova redação do artigo 368.º CT; no n.º2 do preceito passou
a constar um elenco de critérios, desde o desempenho e habilitações
do trabalhador até à antiguidade, que orientam e justificam a decisão
do empregador. Em suma, com a revisão de 2012, e no seguimento
do que se dispunha no Memorandum de entendimento, eliminaram-
se alguns dos pressupostos deste regime, concretamente relacionados
com a seleção do posto de trabalho a extinguir, definição do
trabalhador atingido pela extinção do posto de trabalho e a
verificação de existência de posto de trabalho compatível.
Particularmente a eliminação deste último requisito da colocação do
trabalhador abrangido pela extinção do posto de trabalho noutro
posto compatível evitaria muitas impugnações desta modalidade de
despedimento, tornando a extinção de posto de trabalho menos
exigente. Contudo, também a eliminação deste requisito foi
considerada inconstitucional. Ainda que a justificação da
inconstitucionalidade assente em premissas questionáveis,
introduzindo-se no artigo 368.º CT o requisito da inexistência de
posto compatível (n.º4).
iii. Procedimento: como é comum a várias formas de despedimento, o
empregador tem de organizar um processo com vista à extinção do
posto de trabalho, o qual é similar ao estabelecido a propósito do
despedimento coletivo. O procedimento inicia-se com uma
comunicação à estrutura representativa dos trabalhadores e ao
trabalhador a despedir (artigo 369.º CT), podendo tanto a estrutura
representativa como o trabalhador deduzir uma oposição, através de
parecer fundamentado, e solicitar a intervenção dos serviços
competentes do Ministério do Trabalho (artigo 370.º CT). Cinco dias
(5 dias) após a emissão do parecer, o empregador, querendo recorrer
à extinção do posto de trabalho, proferirá decisão fundamentada por
escrito (artigo 371.º CT). O contrato de trabalho cessa decorridos
quinze a setenta e cinco (15 a 75 dias) após a comunicação recebida
pelo trabalhador no sentido do despedimento por extinção do posto
de trabalho (artigo 371.º, n.º3 CT).
iv. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento: os trabalhadores
abrangidos pelo despedimento individual por extinção do posto de
trabalho têm os mesmos direitos que a lei atribui àqueles que forem
objeto de um despedimento coletivo (artigo 372.º CT); conferiu-se-
lhes, por isso, o crédito de horas, o direito a denunciar
antecipadamente o contrato e o direito à compensação fixada no
artigo 366.º CT, que deve ser satisfeita até ao termo do prazo de aviso
prévio (artigos 371.º, n.º4 e 384.º, alínea d) CT).
e. Despedimento por inadaptação:
i. Noção: o despedimento por inadaptação do trabalhador foi
reintroduzido na ordem jurídica em 1991, mantendo-se nos artigos
373.º e seguintes CT. Através do despedimento por inadaptação
permite-se que o empregador faça cessar o contrato de trabalho
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sempre que se determine a incapacidade do trabalhador para o
exercício das suas funções, tornando praticamente impossível a
subsistência da relação de trabalho. A inadaptação assenta numa
impossibilidade relativa de o trabalhador realizar a sua prestação, pois,
sendo a incapacidade absoluta e definitiva, o contrato de trabalho
caduca. No artigo 374.º CT concretiza-se a inadaptação,
determinando-se que esta se verifica no caso de redução continuada
e reiterada de produtividade ou de qualidade, de avarias reiteradas nos
meios afetos ao posto de trabalho e de riscos para a segurança e a
saúde do próprio trabalhador, dos restantes trabalhadores ou de
terceiros. No que respeita a trabalhadores que ocupam cargos de
complexidade técnica ou de direção, a inadaptação pode ser
determinada em função de objetivos previamente fixados e
formalmente aceites (artigo 374.º, n.º2 CT). Em qualquer dos casos,
o despedimento funda-se numa impossibilidade superveniente e
relativa de boa execução da prestação. Porém, na segunda hipótese,
essa impossibilidade é determinada por uma condição aposta ao
contrato; condição que não é, por si, resolutiva, mas que funciona
como requisito da inadaptação. Após a revisão de 212, passa a haver
dois tipos de inadaptação:
1. A situação tradicional, em que a inadaptação decorre de terem sido
introduzidas modificações no posto de trabalho: relativamente a esta
e para a generalidade dos trabalhadores (excluindo os cargos
de complexidade técnica ou de direção), o despedimento por
inadaptação depende dos requisitos enunciados no artigo
375.º, n.º1 CT, concretamente, nas alíneas a) a c). A este
propósito, mesmo quanto ao regime tradicional de
inadaptação e à imagem do prescrito em sede de
despedimento, a inexistência na empresa de posto de trabalho,
deixou de se exigir, como requisito, a inexistência na empresa
de posto de trabalho compatível bem como a ausência de
culpa do empregador na falta de condições de segurança e
saúde no trabalho, tendo sido revogadas as alíneas d) e e) do
n.º1 do artigo 375.º CT. Para esta modalidade de inadaptação
(dita tradicional) seria necessário que, nos seis meses (6 meses)
anteriores, tenham sido introduzidas modificações no posto
de trabalho resultantes de alterações nos processos de fabrico,
de novas tecnologias ou de equipamentos baseados em
diferente ou mais complexa tecnologia (alínea a)). Em
segundo lugar, exige-se que tenha sido ministrada ao
trabalhador ação de formação profissional adequada às
modificações introduzidas no posto de trabalho (alínea b)).
Depois de ministrada a formação, tem de ser facultado ao
trabalhador um período de adaptação não inferior a trinta
dias (30 dias – alínea c)). Com a Lei n.º27/2014, repristinou-
se o requisito da inexistência de posto compatível com a
categoria do trabalhador (alínea d)). Os mencionados
requisitos para a determinação da inadaptação do trabalhador,
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em razão da sua especial exigência, têm levado a que as
empresas não recorrerem a esta forma de despedimento. Por
último, se o trabalhador inadaptado tiver sido colocado há
menos de três meses num novo posto de trabalho no qual se
verifique a inadaptação, não pode ser despedido, tendo
direito a reocupar o anterior posto de trabalho, salvo se este
tiver sido extinto ou definitivamente ocupado por outrem
(n.º6 do artigo 375.º CT).
2. E a nova inadaptação, em que há uma modificação substancial da
prestação do trabalhador, nomeadamente uma redução continuada da
produtividade ou da qualidade, independentemente de terem sido
introduzidas alterações do posto de trabalho. Nesta segunda
modalidade, não se exige que tenha havido modificações no
posto de trabalho (artigo 375.º, n.º2 CT). Basta que ser
verifiquem os pressupostos indicados nas alíneas deste
número, concretamente que tenha havido uma modificação
substancial da prestação laboral da qual resulte uma redução
continuada de produtividade ou de qualidade, avarias
repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para
a segurança e saúde do trabalhador de outros trabalhadores
ou terceiros com caráter definitivo, devendo seguir-se um
procedimento complexo no apuramento desta factualidade.
Os pressupostos constantes das alíneas b) e c) do n.º1 –
formação profissional e adaptação – são comuns às duas
modalidades de inadaptação. Quanto aos trabalhadores que
desempenhem cargos de complexidade técnica ou de direção,
se tiverem sido formalmente fixados os objetivos a atingir,
para haver despedimento por inadaptação tornava-se
também necessário, por um lado, que tivessem sido
introduzidos novos processos de fabrico, novas tecnologias
ou equipamentos baseados em diferente ou mais complexa
tecnologia, que implicassem modificação das funções
relativas ao posto de trabalho que ocupem, e, por outro, que
a inadaptação não derivasse de falta de condições de
segurança e saúde no trabalho imputável ao empregador. Este
regime veio a ser alterado na revisão de 2012 e, atento o
disposto no n.º3 do artigo 375.º CT, tal como na segunda
modalidade de inadaptação, não é necessário que tenha
havido introdução de alterações de fabrico, tecnológicas, etc.,
é suficiente que o objetivo não tenha sido atingido e essa
factualidade se apure por via procedimental. Apesar de não
constituir verdadeiramente uma novidade de 2012, no que
respeita à inadaptação de trabalhadores em cargos de
complexidade técnica ou de direção cabe atender à
inadaptação por incumprimento de objetivos previamente
acordados, que passa a ter maior relevo, pois deixa de estar
dependente da introdução de modificações no posto de
trabalho.
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Por último, tal como nas duas modalidades de despedimento por
inadaptação, exige-se que seja colocada à disposição do trabalhador a
compensação devida (n.º7 do artigo 374º CT).
ii. Procedimento: relativamente ao procedimento, imposta distinguir as
duas modalidades de despedimento por inadaptação, pese embora
haver um regime comum constante dos artigos 376.º e 378.º CT.
1. À imagem do que ocorre a nível do despedimento coletivo e
do despedimento individual por extinção do posto de
trabalho, o despedimento por inadaptação carece de um
procedimento que se inicia com a comunicação por escrito
ao trabalhador inadaptado e à estrutura representativa dos
trabalhadores (artigo 376.º CT). No prazo de dez dias (10 dias)
a contar da comunicação, o trabalhador pode opor-se à
pretensão de despedimento por inadaptação, e a estrutura
representativa dos trabalhadores deve emitir, sobre o caso,
parecer fundamentado (artigo 377.º CT). Recebidos os
pareceres ou terminado o prazo referido, o empregador tem
30 dias para proferir, por escrito, decisão fundamentada de
despedimento, com as indicações constantes das alíneas do
1.º do artigo 375.º CT.
2. Na nova modalidade de despedimento por inadaptação – em
que não tenha havido modificações do posto de trabalho –,
antes de ser manifestada a intenção de proceder ao
despedimento tem de ser comunicada ao trabalhador a
descrição circunstanciada de factos demonstrativos da
redução continuada de produtividade ou de qualidade, de
avarias, riscos, etc. (artigo 375.º, n.º2, alínea b) CT); tendo o
trabalhador direito a pronunciar-se por escrito, no prazo de
cinco dias (5 dias), quanto a tais factos. Seguidamente, o
empregador deverá dar ordens adequadas tendo em vista a
correção das apontadas deficiências da prestação laboral
(artigo 375.º, n.º2, alínea c) CT). Só depois deste
procedimento prévio e provando-se a factualidade indicada
pelo empregador é que se segue o procedimento comum,
constante dos artigos 376.º e seguintes CT.
O contrato cessa decorridos quinze a setenta e cinco dias (15 a 75
dias) sobre a data em que a decisão de despedimento foi comunicada
ao trabalhador (artigo 378.º, n.º2 CT), devendo, até ao momento da
cessação, ser-lhe paga a compensação prevista no artigo 366.º ex vi
artigo 379.º CT. Cessando o contrato por inadaptação, no prazo de
noventa dias (90 dias), a empresa deve assegurar a manutenção do
nível de emprego, nomeadamente pela contratação de outro
trabalhador (artigo 380.º CT).
iii. Direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento:
1. O trabalhador despedido por inadaptação tem os mesmos
direitos de um trabalhador que tenha sido abrangido por um
despedimento coletivo (artigo 379.º CT). É-lhe atribuído o
crédito de horas para procura de outro emprego, pode
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denunciar antecipadamente o contrato sem perda da
compensação e tem direito a perceber o montante
determinado nos termos do artigo 366.º CT.
2. Na segunda modalidade de despedimento por inadaptação,
admite-se que o trabalhador denuncie o contrato logo após
ter recebido a comunicação da qual consta a descrição
circunstanciada de factos demonstrativos da redução
continuada de produtividade ou de qualidade, de avarias,
riscos, etc. (artigo 379.º, n.º2, ex vi artigo 375.º, n.º2, alínea b)
CT).
f. Despedimento ilícito:
i. Aspetos gerais: os quatro tipos de despedimento referidos serão ilícitos,
para além de hipóteses específicas, em três casos:
1. Se o despedimento não tiver sido precedido de um procedimento ou este
for nulo;
2. Se o despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou
religiosos;
3. Se forem declarados improcedentes os motivos de justificação invocados
para o despedimento (artigo 381.º, alínea b) CT).
A estas três situações comuns importa acrescentar as causas de
ilicitude específicas dos diferentes tipos de despedimento.
1. O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito em
duas situações indicadas no artigo 382.º, n.º1 CT:
a. Se tiverem decorrido os prazos de prescrição
previstos no artigo 329.º, n.º1 e 2 CT, concretamente,
o prazo de sessenta dias e de um ano (60 dias e 1 ano);
ou
b. Se o procedimento disciplinar for inválido, sendo a
invalidade determinada nos termos constantes das
alíneas do n.º2 do artigo 382.º CT.
De facto, as invalidades processuais vêm taxativamente
mencionadas, pois nem todas as falhas geram a invalidade do
procedimento; assim, prescreve-se, como causas de
invalidade, a elaboração desajustada da nota de culpa, o
desrespeito do princípio do contraditório e a falta de decisão
escrita e fundamentada de despedimento.
2. Nas modalidades de despedimento por motivos objetivos –
despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho e
por inadaptação – a ilicitude pode igualmente advir da
verificação de qualquer uma das seguintes duas situações:
a. Não terem sido feitas as comunicações (artigos 383.º,
alínea a), 384.º, alínea c) e 385.º, alínea b) CT); ou
b. Não ter sido disponibilizada a quantia devida como
compensação (artigos 383.º, alínea c), 384.º, alínea d)
e 385.º , alínea c) CT).
3. Por outro lado, no despedimento coletivo constitui uma causa
específica de ilicitude o facto de o empregador não ter
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promovido a negociação prevista no n.º1 do artigo 361.º CT
(artigo 383.º, alínea a), 2.ª parte CT);
4. Nos despedimentos por extinção do posto de trabalho e por inadaptação
constitui ilicitude o desrespeito dos respetivos requisitos
(artigos 384.º, alínea a) e 385.º, alínea a) CT).
5. Por último, falta referir a situação de ilicitude específica do
despedimento por extinção do posto de trabalho derivada de não
terem sido respeitados os critérios de determinação do posto
de trabalho a extinguir (artigo 384.º, alínea b) CT); é claro que
este requisito, após a revisão de 2012, tem um relevo
diminuto, porquanto os critérios são empresariais, definidos
pelo empregador, não podendo ser discriminatórios.
ii. Suspensão preventiva: sabendo-se que a ação de impugnação do
despedimento pode tardar alguns meses, ou até anos, a ser decidida,
e não pretendendo o trabalhador permanecer durante esse lapso
privado da retribuição, pode intentar uma providência cautelar de
suspensão do despedimento (artigo 386.º CT). Sendo uma
providência cautelar, a decisão, ainda que provisória, será
naturalmente célere. O trabalhador terá de requerer a suspensão do
despedimento no prazo de cinco dias (5 dias) úteis a contar da data
em que lhe foi comunicado o despedimento (artigo 386.º CT). Nos
termos dos artigos 39.º e seguintes CPT, a suspensão do
despedimento será decretada se o empregador não tiver organizado
o respetivo procedimento, se este padecer de falhas que o invalidem
e ainda quando o processo não for apresentado no prazo fixado; além
disso, a suspensão também será decretada no caso de o empregador
faltar injustificadamente à audiência e na medida em que o tribunal
conclua pela probabilidade séria de inexistência de justa causa. Como
qualquer providência cautelar, a suspensão do despedimento caduca
se não for intentada a ação de impugnação do despedimento no prazo
de trinta dias (30 dias – artigo 373.º, n.º1, alínea a) CPC). Tendo sido
decretada a suspensão do despedimento, entre a data que medeia a
decisão da providência cautelar e a sentença judicial, o contrato de
trabalho subsiste, sendo devida a retribuição ao trabalhador.
iii. Impugnação judicial: a ilicitude do despedimento só pode ser declarada
pelo tribunal em ação intentada pelo trabalhador (artigo 387.º, n.º1
CT), entendendo-se que esta matéria terá necessariamente de ser
dirimida em tribunal judicial e não, por exemplo, por via arbitral, com
exceção da relação laboral desportiva. Se o despedimento for
impugnado com base em invalidade do procedimento, o tribunal tem
somente de verificar se foi instaurado o procedimento e, em caso
afirmativo, se o empregador respeitou os trâmites essenciais a que a
lei alude no n.º2 do artigo 382.º CT. A preterição de outras
formalidades gera o dever de pagar uma indemnização
correspondente a metade do valor que seria devido (artigo 389.º, n.º2
CT); ou seja, essas outras irregularidades procedimentais não geram
a invalidade do despedimento, mas só o direito de o trabalhador ser
indemnizado. No caso de o despedimento ser impugnado com base
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na improcedência do motivo justificativo invocado, importa
distinguir se a cessação se funda em justa causa subjetiva ou num
motivo objetivo:
1. Em caso de impugnação judicial do despedimento com justa causa
subjetiva: cabe ao tribunal valorar os factos provados pelo
empregador e determinar se, no caso concreto, a conduta do
trabalhador é ilícita, culposa, e não permitindo a manutenção
do contrato de trabalho. Esta valoração, em termos jurídicos,
não é diversa daquela que o tribunal tem de fazer quando uma
das partes, num qualquer contrato, impugna judicialmente a
resolução requerida pela contraparte.
2. Relativamente às causas objetivas: o tribunal tem de verificar da
sua existência e se o motivo não é abusivo ou
fraudulentamente invocado, sem tomar partido quanto à
bondade da gestão empresarial.
Só o trabalhador tem legitimidade para impugnar o despedimento,
invocando a ilicitude. Mesmo no caso de despedimento coletivo, a
impugnação é individual – não estando excluído o litisconsórcio – e,
apesar de os fundamentos poderem ser comuns a vários
trabalhadores, a decisão judicial de ilicitude do despedimento só
aproveita ao trabalhador que tenha intentado a ação de impugnação.
Para contrariar as consequências da cessação do contrato por
iniciativa do empregador, é necessário que o trabalhador impugne
judicialmente o despedimento, ainda que este se fundamente em
causas objetivas, não se tendo admitido a possibilidade de as
controvérsias neste âmbito serem dirimidas por via arbitral (artigo
387.º, n.º1 CT); quanto ao fundamento do despedimento, não em
relação às consequências, mormente indemnizatórias, em que a
arbitrariedade não se encontra vedada. Refira-se ainda que o direito
de ação é conferido individualmente ao trabalhador atingido e não às
estruturas representativas dos trabalhadores (artigo 387.º, n.º2 CT).
Por outro lado, tendo o trabalhador impugnado o despedimento,
para justificar a cessação do vínculo, o empregador apenas pode
invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento
comunicada ao trabalhador (artigo 387.º, n.º3 CT). À exceção da
impugnação de despedimento coletivo, em que se estabelece um
prazo de seis meses (6 meses) para ser intentada a respetiva ação
(artigo 388.º, n.º2 CT), consagrou-se um prazo regra de sessenta dias
(60 dias) a contar da data da cessação do contrato para o trabalhador
impugnar o despedimento (artigo 387.º, n.º2 CT). Diferentemente do
prazo de prescrição estabelecido no artigo 337.º CT, os prazos de
impugnação do despedimento (artigos 387.º, n.º2 e 388.º, n.º2 CT),
na falta da respetiva qualificação, conclui-se que são prazos de
caducidade (artigo 298.º, n.º2 CC). Coloca-se, porém, a dúvida de
saber se, além destes dois prazos, para determinados tipos de
despedimento, mormente do despedimento verbal, se não continua
a valer o regime anterior nos termos do qual o prazo seria de um ano
(1 ano). Além da alteração do prazo, há uma diferença, enquanto no
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regime anterior se atendia à ilicitude do despedimento, no artigo 387.º,
n.º1 CT alude-se à licitude do despedimento. No artigo 388.º CT
continua a fazer-se menção à ilicitude do despedimento. A diferença
entre licitude e ilicitude do despedimento não é puramente
terminológica. Quanto aos prazos de impugnação do despedimento
serem de caducidade, a questão não carecia de mais esclarecimentos
não fora as dúvidas suscitadas em várias decisões judiciais, que vieram
a ser resolvidas no sentido correto pelo Ac. STJ 7 fevereiro 2007. O
Código de Trabalho, no artigo 337.º continua a prescrever um prazo
de prescrição nos termos que eram pacificamente aceites pela
jurisprudência, mas limitou-se o âmbito de aplicação deste preceito.
Diferentemente do que poderia ser defensável no domínio da
legislação revogada, a prescrição prevista no artigo 337.º CT não se
aplica à impugnação do despedimento, pois para esta dispõe (agora)
uma norma especial: os artigos 337.º, n.º2 e 338.º, n.º2 CT. Mas
subsiste a dúvida quanto a saber se estes dois preceitos abarcam todas
as situações de impugnação do despedimento. O artigo n.º2 do artigo
387.º CT, ao estabelecer um prazo de caducidade para intentar ação
de impugnação do despedimento, é uma norma especial
relativamente á regra geral de prescrição dos créditos laborais (artigo
337.º, n.º1 CT). De facto, no citado preceito, mantendo o princípio
de que os direitos devem ser exercidos num prazo curto de um ano,
adapta-se a solução a uma situação especial – a impugnação do
despedimento – determinando um regime especial de contagem do
prazo. Sendo o n.º2 do artigo 387.º CT (assim como o artigo 388.º,
n.º2 CT) uma norma especial em relação ao disposto no artigo 337.º
CT, prevalece no âmbito específico de aplicação. Assim, a norma
geral (artigo 337.º CT) aplica-se às diferentes situações de créditos
resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação,
exceto quando estes respeitarem á impugnação do despedimento, em
que prevalece a norma especial. No concurso entre regra geral (artigo
337.º, n.º1 CT) e regra especial (artigo 387.º, n.º2 e 388.º, n.º2 CT)
tem de se concluir que, em caso de impugnação do despedimento e
no que respeita às pretensões relacionadas com a sobredita
impugnação, só encontram aplicação estes últimos preceitos. Mas na
medida me que o n.º2 do artigo 337.º CT alude a créditos resultantes
da cessação do contrato, estaria abrangido o despedimento ilícito não
incluído nos artigos 387.º e 388.º CT. Assim, o artigo 337.º, n.º1 CT,
mantém a sua aplicação em casos de créditos resultantes da cessação
do contrato de trabalho. Esta dicotomia implica diferenças
substanciais, pois os prazos são de sessenta dias a um ano com início
na mesma data. Poder-se-á entender que o prazo de um ano
constante do artigo 337.º, n.º1 CT é demasiado longo, pondo em
causa a celeridade que se impõe na vida hodierna, mas para
determinado tipo de despedimento acaba por ser a solução mais
consentânea. À complexidade (com redução) de prazos para
impugnação do despedimento, na revisão de 2009 instituiu-se um
regime substancialmente diverso. O trabalhador que impugna o
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despedimento, com exceção do despedimento coletivo, limita-se a
apresentar um formulário (artigo 98.º-D CPT) em que contesta o
despedimento de que foi alvo. Com base nesse formulário, o tribunal
convoca a audiência das partes (artigo 98.º-F CPT) e, sendo esta
infrutífera, cabe ao empregador apresentar o primeiro articulado
(artigo 98.º-J CPT). Inverte-se, pois, a ordem normal de intervenção
processual, com dificuldades acrescidas de funcionamento deste
novo processo.
iv. Efeitos da ilicitude:
1. Aspetos gerais: o despedimento ilícito não é inválido, pelo que,
mesmo injustificado, produz efeitos; ou seja, determina a
imediata cessação do contrato de trabalho, podendo, contudo,
em determinados casos, restabelecer-se retroativamente o
vínculo. Poder-se-ia entender que o despedimento ilícito, por
ser contrário à lei, seria nulo (artigo 280.º, n.º1 CC), inválido,
portanto. Mas o despedimento, ainda que ilícito, integra-se na
estrutura complexa do contrato a que pretende pôr fim,
carecendo de autonomia; deste modo, os atos relacionados
com a execução ou a inexecução do contrato de trabalho –
em que se inclui o despedimento –, ainda que qualificáveis
como atos jurídicos, têm de ser analisados como modos de
cumprimento ou de incumprimento desse contrato. Por isso,
o despedimento ilícito não é inválido: representa o
incumprimento do contrato de trabalho por parte do
empregador. Razão pela qual no n.º3 do artigo 382.º CT se
alude à invalidade do procedimento, não do despedimento.
Em caso de despedimento ilícito, o trabalhador pode
contestar (judicialmente) os motivos da resolução, cabendo
ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo o
despedimento injustificado, e portanto ilícito, o empregador
responde pelo prejuízo causado ao trabalhador; como o
princípio geral da obrigação de indemnizar determina que
deve ser reconstituída a situação que existia (artigo 562.º CC),
não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artigo
566.º, nº.1 CC, sendo declarado ilícito o despedimento e a
consequente obrigação de restituir a situação que existiria
implica a manutenção do contrato de trabalho. A subsistência
do vínculo laboral ilicitamente resolvido pelo empregador
depende do preenchimento, alternativo, de três pressupostos:
a. O cumprimento das prestações contratuais ainda ser
possível: sendo impossível a realização da prestação
laboral ou o seu recebimento, ainda que a
impossibilidade decorra do despedimento ilícito, o
contrato de trabalho cessou e a resolução, apesar de
ilícita, produziu o efeito extintivo;
b. O trabalhador manter interesse na execução do
contrato: na eventualidade de o trabalhador perder o
interesse na execução do contrato, a declaração
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judicial de ilicitude do despedimento não implica a
subsistência do vínculo, que cessou por efeito da
resolução, ainda que ilícita;
c. A execução do contrato não ser excessivamente
onerosa para o empregador: se a posterior execução
do contrato de trabalho for excessivamente onerosa
para o empregador, mesmo que essa maior
onerosidade possa indiretamente resultado do
despedimento ilícito, ponderando as circunstâncias,
admitir-se-á que o contrato não subsiste. Pelo facto
de o contrato ter sido resolvido, a relação pessoal
entre empregador e trabalhador pode ter ficado
degradada e a subsistência do vínculo implicar uma
solução inaceitável para o empregador.
Como a resolução é um ato jurídico unilateral e receptício, o
efeito extintivo verificou-se no momento em que foi
comunicada à contraparte, e, se esta não reagir judicialmente
no prazo que a lei lhe confere, a cessação do vínculo, ainda
que ilícita, consolida-se. Por isso, o despedimento ilícito não
impugnado determina a cessação irreversível do contrato de
trabalho. Contudo, se o trabalhador impugnar o
despedimento e o tribunal se pronunciar pela ilicitude da
resolução importa salvaguardar os efeitos do contrato. Poder-
se-ia entender que este renasceria com a sentença; mas, de
facto, a decisão judicial declara a ilicitude do despedimento e,
sendo requerida, a consequente restauração natural (artigo
562.º CC). Deste modo, da ilicitude do despedimento pode
resultar que o contrato não cessou, tendo continuado em
vigor, apesar de, durante um certo lapso, não ter sido
cumprido. Assim, o despedimento ilícito não sendo
impugnado no prazo legal – que vai de sessenta dias a um ano
(60 dias a 1 ano) –, determina a extinção do vínculo laboral
desde a data em que a declaração do empregador produziu
efeitos. Todavia, se, na sequência da impugnação feita pelo
trabalhador, o tribunal se pronunciar pela ilicitude do
despedimento, o efeito extintivo pode não se verificar, pelo
que o contrato, apesar de não ter sido executado, se mantém
em vigor. Não tendo o contrato cessado com a resolução
(despedimento ilícito), pode extinguir-se por outro meio, por
exemplo a caducidade ou a denúncia feita pelo trabalhador.
Às situações tradicionais importa acrescentar a cessação do
contrato resultante da opção do trabalhador pela
indemnização substitutiva da reintegração (artigo 391.º CT).
2. Indemnização:
a. Danos patrimoniais: o trabalhador ilicitamente
despedido tem direito a receber uma indemnização,
tendo em vista ressarcir todos os prejuízos sofridos,
como prescreve a alínea a) do n.º1 do artigo 389.º CT.
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Esta solução resulta do regime geral da obrigação de
indemnizar, constante dos artigos 562.º e seguintes
CC. Nos termos gerais, cabe ao lesado (trabalhador)
provar os prejuízos sofridos e o nexo causal destes
com o facto ilícito praticado pelo lesante. Provada a
ilicitude do despedimento – que pressupõe a prática
de um facto ilícito e culposo por parte do empregador
–, nem sempre será fácil para o trabalhador fazer a
prova dos restantes dois pressupostos da
responsabilidade civil: a existência de danos e o nexo
causal entre o facto (despedimento) e o prejuízo
sofrido. Tendo em conta esta dificuldade, entende-se
que a perda de retribuições resulta necessariamente
do despedimento ilícito; são lucros cessantes, pelo
que o correspondente dano e o nexo de causalidade
não têm de ser provados. Os demais prejuízos
sofridos pelo trabalhador, desde que ele consiga
demonstrar a sua existência e o nexo causal
relativamente ao despedimento ilícito, serão
indemnizados pelo empregador, nos termos gerais
(artigo 389.º, n.º1, alínea a) CT). Sendo o
despedimento um ato ilícito e culposo praticado pelo
empregador, que determina o não cumprimento do
contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a que
lhe seja pago o prejuízo derivado desse
incumprimento (artigo 798.º CC). Por isso, além dos
salários intercalares, vendidos entre a data do
despedimento e a da sentença, que se encontravam
em mora, são devidos juros (artigo 806.º CC),
cabendo igualmente ao empregador a obrigação de
pagar uma indemnização por outros prejuízos
decorrentes do incumprimento, nomeadamente
rendimentos que o trabalhador deixou de auferir por
ter sido despedido. Da redação do n.º1 do artigo 390.º
CT, ao remeter para a alínea a) do n.º1 do artigo 389.º
CT, infere-se que a indemnização abrange não só os
salários intercalares como igualmente todos os
prejuízos causados.
b. Salários intercalares: no caso de despedimento ilícito,
se o efeito extintivo não se verificar, o contrato de
trabalho manteve-se em vigor e não foi cumprido por
culpa do empregador, em princípio desde o momento
em que o despedimento foi comunicado ao
trabalhador até à data da sentença que determina a
ilicitude do ato. Assim sendo, a entidade
empregadora será condenada a pagar ao trabalhador
as retribuições que deixar de auferir desde o
despedimento até ao trânsito em julgado da decisão
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do tribunal (artigo 390.º, n.º1 CT), que se podem
designar por salários intercalares ou de tramitação.
Há, todavia, duas exceções ao princípio do
pagamento integral das retribuições perdidas pelo
trabalhador entre a data do despedimento e a da
decisão do tribunal:
i. Se o trabalhador tardar mais de trinta dias (30
dias) a intentar a ação judicial de impugnação
do despedimento, não lhe são devidas as
retribuições vencidas entre a data do
despedimento e trinta dias (30 dias) antes da
proposição da ação (artigo 390.º, n.º2, alínea
b) CT). Esta regra, que funciona como
estímulo ao recurso célere à via judicial,
constitui uma limitação à integral reparação
do prejuízo, de modo a punir a inércia do
trabalhador. A regra, contudo, justificava-se
quando o prazo de impugnação do
despedimento era normalmente de um ano,
perdendo sentido quando, agora, vale o prazo
regra de sessenta dias (60 dias – artigo 287.º,
n.º2 CT). Ainda que com menor justificação,
mantém-se a solução.
ii. Se o trabalhador, em consequência de ter sido
ilicitamente despedido, passar a auferir
determinada importância, nomeadamente o
subsídio de desemprego, esse valor deduz-se
ao montante dos salários intercalares (artigo
390.º, n.º2, alíneas a) e c) CT). Assim, se o
trabalhador por ter sido despedido
(ilicitamente) iniciar outra atividade
remunerada, ser-lhe-á descontado no valor
das retribuições intercalares o montante
auferido no exercício dessa outra atividade3.
3 A dedução do aliunde perceptum, que já constava da LCCT, tem sido contestada pelo facto de ser injusta, pois estar-se-ia a punir o trabalhador diligente que, em vez de aguardar pelo resultado da sentença na ociosidade, vai procurar outro meio de rendimento; até porque a decisão judicial pode tardar meses ou anos e, não sendo concedida a suspensão do despedimento (artigo 386.º CT), o trabalhador ficaria privado da sua fonte de rendimento durante um largo período. Além disso, ainda se tem acrescentado que não se justificaria o benefício concedido ao empregador – pagando uma indemnização mais baixa – no caso de o trabalhador ter iniciado outra atividade remunerada, pois daqui não resulta uma justificação para atenuar a responsabilidade da entidade patronal. Como terceiro argumento, ainda se poderia aduzir que o despedimento é um ato ilícito não subsumível ao regime do risco; ou seja, não se aplicaria o regime constante do artigo 795.º, n.º2 CC, na medida em que o benefício a que alude este preceito tem de resultar do vínculo sinalagmático, não podendo ser uma consequência externa à qual a contraparte é alheia. Acresce que, se houvesse impossibilidade, o vínculo cessaria por caducidade (artigo 387.º, alínea b) CT), pelo que não seriam devidos os salários intercalares; mas nem sequer há impossibilidade, trata-se da falta de realização da atividade por ato do credor (empregador). De facto, estabelece-se claramente a relação causal entre o recebimento de determinadas importâncias por parte do trabalhador e a cessação do vínculo; a dedução só se verifica na eventualidade de se concluir que o montante a deduzir não teria sido recebido pelo trabalhador se tivesse continuado a cumprir o contrato de trabalho. Contudo, a solução legal explica-se pela contraposição entre o dever de indemnizar e a obrigação de cumprir
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c. Danos não patrimoniais: a indemnização por danos
não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito
era controversa no domínio da legislação anterior.
Por isso, importa verificar se os danos não
patrimoniais sofridos pelo trabalhador em
consequência do despedimento são suficientemente
graves para merecerem a tutela do direito (artigo 496.º,
n.º1 CC). Tendencialmente, a jurisprudência dos
tribunais de trabalho não arbitrava indemnizações
por danos não patrimoniais em caso de despedimento
ilícito do trabalhador, por duas razões:
i. Tendo em conta que a previsão de
indemnização por danos mais, constante da
LCT, foi omitida nos diplomas de 1975 e
1989.
ii. Atendendo ao facto de a previsão de danos
não patrimoniais se encontrar numa
subsecção do Código Civil onde se regula a
responsabilidade por factos ilícitos (artigos
483.º e seguintes CC), na sequência de alguma
doutrina (Pires de Lima/Antunes Varela),
defendeu-se que a indemnização por danos
morais não era extensível à responsabilidade
contratual, prevista nos artigos 798.º e
seguintes CC. Ora, sendo a indemnização
pontualmente o contrato. O empregador que despediu ilicitamente um trabalhador deve indemniza-lo de todos os prejuízos causados (artigo 389.º, n.º1, alínea a) CT) e, cumulativamente, tem de cumprir a prestação compensando o trabalhador de proventos que obteria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido. Mas a realização tardia da prestação (cumulada com a indemnização) não pode colocar o lesado (trabalhador) numa situação mais vantajosa do que aquela em que estaria se o contrato de trabalho tivesse sido atempadamente executado; a mesma ideia, com as necessárias adaptações – porque, como já se esclareceu, não há impossibilidade da prestação de trabalho –, resulta do n.º3 do artigo 795.º CC. O trabalhador ilicitamente despedido que recebe a indemnização pelos danos sofridos, caso tenha desempenhado outra atividade remunerada retira algum benefício com a exoneração, pelo que, se recebesse integralmente os salários intercalares, obteria um ganho superior ao que lhe era devido caso não tivesse havido despedimento; importa esclarecer que a indemnização, como o próprio nome indica, não é um instituto que confira ao beneficiário a possibilidade de enriquecer, visando antes eliminar os danos. Dito de outro modo, a solução legal pode ser explicada com recurso à figura da compensatio lucri cum dano: desde que verificada a devida relação causal – enunciada na parte final do n.º2 do artigo 390.º CT – o lesado (trabalhador ilicitamente despedido) não pode lucrar com o dano. No fundo, está-se perante o instituto da responsabilidade civil que tem em vista ressarcir danos e não punir condutas. Concluindo, dir-se-á que a solução não é injusta, pois conduz ao integral ressarcimento do dano sem conceder benefícios injustificados ao lesado; em segundo lugar, não se premeia a ociosidade, porque o subsídio de desemprego também é descontado; por último, ainda que o lesante (empregador) beneficie da diligência do lesado, a responsabilidade civil tem em vista primordialmente ressarcir danos, pelo que o lesado (trabalhador) não tem direito a receber uma quantia que exceda o seu prejuízo. Por motivo de justiça, e tendo em conta a razão de ser do disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 390.º CT, dever-se-á entender que a mesma dedução será devida sempre que o trabalhador não tenha auferido tais importâncias em virtude de uma recusa manifestamente injustificada – não aceitou uma oferta de emprego compatível ou não se inscreveu para receber o subsídio de desemprego –; perante tal recusa manifestamente injustificada, a pretensão de perceber o valor total das retribuições que deixou de auferir integra a figura do abuso de direito (artigo 334.º CC). A situação indicada corresponde a uma hipótese de culpa do lesado, constante do artigo 570.º, n.º1 CC, pois há um agravamento do dano derivado de facto culposo do trabalhador ilicitamente despedido, que viabiliza a redução da indemnização.
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derivada da cessação lícita do contrato
integrada na responsabilidade contratual não
se lhe aplicaria a previsão de danos não
patrimoniais.
Os dois argumentos são refutáveis e trata-se, como se
referiu, de uma tendência não generalizada, sendo
vários os acórdão sem que os tribunais de trabalho se
pronunciam pela admissibilidade de o trabalhador ser
indemnizado por danos não patrimoniais em caso de
cessação do contrato. O facto de não haver uma
remissão expressa para a lei geral não inviabiliza que
as regras de Direito Civil se apliquem no foro laboral,
porque no Direito do Trabalho, como Direito
privado, valem subsidiariamente as regras de Direito
Civil. O segundo argumento foi amplamente
rejeitado pela doutrina e jurisprudência, por motivos
óbvios, nomeadamente atendendo à unidade da
responsabilidade civil, extracontratual e contratual,
no que respeita à admissibilidade de danos morais. A
dúvida foi claramente solucionada em 2003 no
sentido preconizado, estabelecendo a alínea a) do n.º1
do artigo 389.º CT que o trabalhador será
indemnizado por todos os danos não patrimoniais
causados pelo despedimento ilícito. Pois, com
respeito à cessação do contrato de trabalho, nada
justifica um tratamento diferenciado relativamente
aos demais contratos, devendo atender-se igualmente
a prejuízos não patrimoniais sofridos pelo
trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela
do direito, como prescreve o artigo 496.º, n.º1 CC. O
dano não patrimonial, além de ser qualificado como
grave para merecer tutela do Direito, está sujeito ao
regime geral de prova. Deste modo, cabe ao
trabalhador o ónus da prova da sua existência, assim
como da relação causal com o despedimento ilícito.
3. Reintegração: como se afirmou, o contrato de trabalho cessa de
modo irreversível, não obstante o despedimento ser ilícito, se
o trabalhador não reagir judicialmente no prazo que a lei lhe
confere. Por isso, o despedimento ilícito não impugnado
determina a cessação incontroversa do contrato de trabalho.
Mas se o trabalhador impugnar o despedimento e o tribunal
se pronunciar pela ilicitude da resolução, importa
salvaguardar os efeitos do contrato. Assim sendo, tendo o
tribunal concluído no sentido da ilicitude do despedimento, a
cessação do contrato não produz efeitos e, atendendo ao
efeito retroativo, o vínculo, apesar de não ter sido executado,
subsistiu em vigor. A subsistência do contrato não é, portanto,
uma consequência da ilicitude do despedimento, pois decorre
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do princípio geral da obrigação de indemnizar (artigo 562.º
CC). Esta obrigação de indemnizar funda-se na
responsabilidade civil justificada pelo despedimento ilícito.
Dito de outro modo, a manutenção em vigor do contrato não
é uma consequência direta da ilicitude do despedimento, mas
sim da obrigação de indemnizar, reconstituindo a situação
que existiria, baseada na responsabilidade civil decorrente do
despedimento ilícito. Assim se justifica a opção constante da
alínea b) do n.º1 do artigo 389.º e do n.º1 do artigo 391.º CT,
nos termos da qual o trabalhador pode optar pela
reintegração na empresa ou pela indemnização em
substituição da reintegração. Caso o trabalhador se limite a
pedir que o tribunal declare a ilicitude do despedimento, a
solução será a restauração natural (reintegração), sendo a
indemnização sucedânea (em substituição da reintegração) a
alternativa que o lesado terá de pedir (artigo 391.º, n.º1 CT).
Este pedido indemnizatório, em alternativa, pode ser
formulado até ao termo de discussão em audiência final de
julgamento (artigo 391.º, n.º1, 1.ª parte CT). No fundo, a
declaração de ilicitude do despedimento corresponde a um
pedido de reintegração, sendo a indemnização a alternativa,
apesar de ambos advirem de um pedido de condenação.
Também poe haver esta alternativa do trabalhador, se
percebe o direito de oposição à reintegração atribuído ao
empregador (artigo 392.º CT). Na alínea b) do n.º1 do artigo
389.º CT confere-se ao trabalhador o direito à reintegração
na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (dá
maior amplitude ao empregador no cumprimento da
reintegração em que for condenado). Por outro lado,
determina-se que a reintegração é sem prejuízo da sua
categoria e antiguidade, pois, mantendo-se o contrato de
trabalho em vigor, o trabalhador ilicitamente despedido tem
direito á reintegração na sua categoria e, no período em que
esteve afastado da empresa, não perdeu a antiguidade; assim
resulta do que foi anteriormente afirmado quanto ao
significado da reintegração na empresa, que é uma forma de
realizar a obrigação de indemnizar, reconstituindo a situação
que existiria se não tivesse havido despedimento ilícito. Por
isso, o direito á reintegração tem efeito retroativo e cumula-
se com o pagamento dos designados salários intercalares. Tal
como referido, independentemente da expressão sem
prejuízo da sua categoria e antiguidade, o direito à
reintegração determina o regresso do trabalhador à empresa,
mantendo-se a respetiva categoria. O retorno à categoria não
implica desempenhar atividades compatíveis. Está em causa
tanto a designada categoria real, correspondente ao conjunto
de atividades que, de facto, o trabalhador desenvolve na
empresa, quanto a categoria definida como posição
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hierárquica que o trabalhador ocupa na empresa, no, por
vezes, chamado organigrama da empresa. Não tendo o
empregador, depois da sentença que declara o despedimento
ilícito e o condena a reintegrar o trabalhador, cumprindo as
obrigações decorrentes do contrato de trabalho, em particular
o dever de ocupar o trabalhador na sua categoria, estar-se-á
perante uma violação do dever de ocupação efetiva (artigo
129.º, n.º1, alínea b) CT). Além das consequências normais
do incumprimento (artigo 323.º CT), nomeadamente a mora
quanto ao pagamento da retribuição (artigo 323.º, n.º2 CT), a
recusa de integração do trabalhador na empresa,
consubstancia uma situação de falta de cumprimento de
deveres contratuais, permitindo ao trabalhador intentar uma
ação com o pedido de sanção pecuniária compulsória (artigo
829.º-A CC). Principalmente em microempresas ou em casos
de especiais relações de confiança, a reintegração de um
trabalhador ilicitamente despedido pode tornar-se difícil,
razão pela qual, no artigo 392.º CT, se prevê a possibilidade
de o empregador se opor à reintegração. A recusa de
reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido, além
de limitada quanto aos pressupostos, não depende da vontade
do empregador, pois assenta numa decisão do tribunal; há
uma certa similitude com o despedimento por facto
imputável a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou no
gozo de licença parental contra o parecer da CITE, em que a
resolução do contrato por parte do empregador está
condicionada por uma prévia decisão judicial (artigo 63.º, n.º6
CT). Como resulta do artigo 392.º CT, o juiz só pode decidir
a não reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido
se, cumulativamente, se verificarem os seguintes
pressupostos:
a. Tratar-se de trabalhador de microempresa (menos de
10 trabalhadores) ou que desempenhe cargo de
administração ou de direção (n.º1, 1.ª parte);
b. O despedimento não tiver por fundamento um ato
discriminatório, nomeadamente relacionado com a
discriminação em função do sexo ou da origem étnica
(n.º2);
c. Tendo em conta as manifestações da figura do abuso
do direito, o empregador não tiver culposamente
criado o fundamento justificativo de tal direito (n.º2,
2.ª parte);
d. A reintegração, segundo o juízo do julgador, for
inconveniente para a prossecução da atividade
empresarial (n.º1, 2.ª parte).
e. Acresce que a figura da não reintegração não se aplica
a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou no
gozo de licença parental (artigo 63.º, n.º8 CT); apesar
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de esta exceção não constar do artigo em análise,
parece necessário, ao apreciar o regime, interpretar a
eventualidade de não reintegração no plano global do
Código do Trabalho.
Tendo o juiz considerado que, naquele caso, o trabalhador
não deve ser reintegrado, arbitrará uma indemnização, entre
trinta e sessenta dias (30 e 60 dias) por cada ano de
antiguidade; assim, em caso de oposição à reintegração do
trabalhador ilicitamente despedido que o tribunal considere
procedente, a indemnização substitutiva da reintegração é
elevada, nos ermos previstos no n.º3 do artigo 392.º CT.
Importa esclarecer que a obrigatoriedade plena da
reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos só
existe em Portugal. No que respeita aos requisitos para o
exercício deste direito, importa distinguir os pressupostos
positivos dos negativos, que correspondem, respetivamente,
a elementos constitutivos e impeditivos da oposição à
reintegração. Em qualquer caso, os pressupostos, como
resulta do disposto no n.º1 do artigo 391.º CT, têm de ser
apreciados, pelo tribunal, cabendo ao julgador decidir se a
oposição à reintegração encontra fundamento. Cabe
esclarecer que o juiz não pode proceder ao despedimento do
trabalhador; caso considere justificada a oposição à
reintegração valida a decisão empresarial de cessação do
vínculo laboral.
a. Os pressupostos positivos (elementos constitutivos,
portanto, da oposição à reintegração) constantes do
n.º1 do artigo 392.º CT, são dois:
i. A oposição à reintegração só pode ser feita
valer em relação a trabalhador de
microempresa (menos de 10 trabalhadores)
ou que desempenhe cargo de administração
ou de direção (n.º1, 1.ª parte);
ii. Por outro lado, será necessário que a
reintegração, segundo o juízo do julgador,
seja gravemente prejudicial e perturbador
para a prossecução da atividade empresarial
(n.º1, 2.ª parte);
b. Como pressupostos negativos (portanto, elementos
impeditivos da reintegração) resultantes do n.º2 do
artigo 392.º, assim, como do n.º8 do artigo 63.º CT,
importa atender a três:
i. Em primeiro lugar, será necessário que o
despedimento, apesar de ilícito, não tenha por
fundamento um ato persecutório,
nomeadamente relacionado com a
discriminação em função de motivos
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políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos
(n.º2, 1.ª parte);
ii. Tendo em conta a proibição geral de abuso
do direito, não pode opor-se à reintegração o
empregador que tiver culposamente criado o
fundamento justificativo de tal direito (n.º2,
2.ª parte);
iii. Por último, a oposição à reintegração está
excluída relativamente a trabalhadora grávida,
puérpera ou lactante ou em gozo de licença
parental (artigo 63.º, n.º8 CT). Apesar de esta
exceção não constar do artigo em análise
(392.º CT), parece necessário, ao apreciar o
regime, interpretar a eventualidade de não
reintegração no plano global do Código do
Trabalho.
No que respeita ao primeiro requisito (artigo 392.º, n.º1, 1.ª
parte CT), estão em causa dados objetivos quanto à aplicação
do instituto: ter-se-á de verificar se a empresa que efetuou um
despedimento ilícito é uma microempresa ou se,
independentemente da dimensão da empresa, o trabalhador
afetado pelo despedimento ilícito ocupa um cargo de
administração ou de direção. Para determinar se a empresa se
enquadra na noção de microempresa basta verificar se
emprega menos de dez trabalhadores (artigo 100.º, n.º1,
alínea a) CT). Este valor é aferido pela média anual de
trabalhadores contratados na empresa, sendo necessário que,
em média, não se tenha excedido o valor máximo (10) para
se estar perante uma microempresa. O segundo elemento –
ocupar o trabalhador despedido um cargo de administração
ou de direção – é igualmente um dado objetivo e corresponde
a uma situação perfeitamente justificável. De facto, a
oposição à reintegração tem o seu campo natural de aplicação
no que respeita a trabalhadores que ocupam cargos de
administração ou direção. É relativamente a estes que tem
particular relevo prático a quebra na relação de confiança, que
inviabiliza a reintegração. No que respeita a este pressuposto
não é imprescindível que o trabalhador em questão tenha
nominalmente um cargo de administração ou de direção,
basta que o cargo por ele desempenhado –
independentemente do nomen usado na empresa –
corresponde a funções de administração ou de direção. A
demonstração de que o regresso do trabalhador é gravemente
prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade
empresarial (artigo 392.º, n.º1, 2.ª parte CT) carece de uma
análise dos factos justificativos deste pressupostos. No plano
teórico, importa referir que essa perturbação grave tanto
pode advir de factos ocorridos antes do despedimento, como
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resultar de comportamentos do trabalhador perpetrados
depois da cessação do vínculo. Em qualquer caso, serão os
factos que não terão estado na base da decisão de
despedimento, sendo independentes deste. Refira-se, ainda,
que os factos justificativos da oposição podem ter sido
praticados pelo trabalhador sem culpa ou, até, não resultarem
de um comportamento deste. Não é pressuposto deste
instituto que o trabalhador tenha agido culposamente; exige-
se unicamente que o regresso do trabalhador seja gravemente
prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade
empresarial. Este prejuízo para a empresa pode decorrer de
circunstâncias externas. Inclusive, a dificuldade prática de
reintegração pode constituir mais um indício de perturbação
grave da prossecução da atividade empresarial. A perturbação
grave da atividade empresarial é o pressuposto central do
instituto, para cuja concretização cabe análise exemplificativa.
O prejuízo grave e perturbação da atividade empresarial,
ainda que com contornos diversos, pode ser entendido em
sentido similar à justa causa (subjetiva), prevista no n.º1 do
artigo 351.º CT. É necessário que os factos invocados pelo
empregador indiciem a existência de um prejuízo grave e
perturbador da atividade empresarial, caso o trabalhador seja
reintegrado. Porém, diferentemente do que ocorre na justa
causa de despedimento, os factos não têm de corresponder a
comportamentos culposos do trabalhador, basta que deles
resulte a insustentabilidade de manter a relação contratual.
Também de modo diverso do que prescreve o n.º1 do artigo
351.º CT, não se impõe a impossibilidade de subsistência da
relação de trabalho, sendo suficiente o prejuízo grave e
perturbação da atividade empresarial. Em suma, assentando
numa base similar – de quebra da relação de confiança –, dir-
se-á que os termos prescritos no n.º1 do artigo 392.º CT são
francamente menos exigentes do que os constantes da justa
causa de despedimento (artigo 351.º, n.º1 CT). Em suma:
qualquer facto perpetrado pelo trabalhador que, pela sua
gravidade, comprometa a relação de confiança, inviabilizando
a sã prossecução da atividade empresarial pode justificar o
preenchimento deste pressuposto. Como resulta do que se
afirmou, trata-se de um conceito indeterminado que tem de
ser preenchido perante o caso concreto. Ainda assim, sempre
se dirá que o prejuízo grave associado com a perturbação da
atividade empresarial ao ponto de justificar a oposição à
reintegração será relativamente fácil de ocorrer no que
respeita a trabalhadores que ocupam cargos de administração
ou de direção, porque, quanto a estes, verifica-se amiúde a
perda total da relação de confiança que perturba a
prossecução da atividade. O primeiro dos requisitos
negativos determina que não será admissível a oposição à
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reintegração sempre que a ilicitude do despedimento se
fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou
religiosos (artigo 392.º, n.º2, 1.ª parte CT). Este requisito
(negativo) remete para o princípio geral da ilicitude do
despedimento, constante da alínea b) do artigo 381.º CT. No
fundo, importa determinar se o desempenho se fundou em
motivos políticos, ideológicos, étnicos e religiosos, ou em
qualquer forma inadmissível de discriminação. Perante uma
ilicitude gravíssima não se admite a oposição à reintegração.
Os factos que justificam a oposição à reintegração, dos quais
resulta que o regresso do trabalhador é gravemente
prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade
empresarial podem ter sido praticados pelo trabalhador ou
resultar de circunstâncias alheias à sua atuação. Em qualquer
caso, os motivos da oposição à reintegração não podem ter
sido culposamente criados pelo empregador. De facto, estar-
se-ia perante uma hipótese de abuso do direito, na
modalidade de tu quoque, se o empregador invocasse a
oposição à reintegração tendo ele próprio criado as condições
de prejuízo grave para a prossecução da atividade empresarial.
Importará, todavia, esclarecer que a culpa do empregador na
criação do fundamento justificativo da oposição à
reintegração (parte final do n.º2) não se confunde com a culpa
do empregador no despedimento ilícito, que é irrelevante
nesta sede. Por outro lado, ainda que tenha sido perturbada a
prossecução da atividade empresarial por causa do
despedimento ilícito, imputável ao empregador, se este não
criou o motivo justificativo da oposição à reintegração, a
opção do trabalhador pode ser negada. O terceiro e último
requisito negativo do instituto da oposição à reintegração
determina a inaplicabilidade da figura no caso de se tratar de
uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou em gozo
de licença parental (artigo 63.º, n.º8 CT). Além da proteção
especial conferida às trabalhadoras grávidas puérperas e
lactantes ou em gozo de licença parental no que respeita à
proteção no despedimento (artigo 63.º CT) – e como
corolário natural dessa proteção –, prescreve-se que o
empregador não se pode opor à reintegração de trabalhadora
que se encontre numa dessas três situações. A justificação é
óbvia e relaciona-se com a particular tutela conferida às
trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes. Concluindo,
refira-se que a hipótese de não reintegração prevista no artigo
392.º CT tem contornos bem mais limitados do que noutros
casos em que se admite a não reintegração, cuja
constitucionalidade, repita-se, não tem sido questionada.
Assentando-se no pressuposto de que a solução não contraria
o artigo 53.º CRP, resta verificar se a não reintegração de
determinados trabalhadores – que trabalhem em
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microempresas ou desempenhem cargos de administração ou
de direção – viola o princípio da igualdade. As empresas com
menos de dez trabalhadores correspondem a 80% do tecido
empresarial português, empregando aproximadamente 30%
dos trabalhadores; quanto aos trabalhadores que ocupam
cargos de administração ou de direção, é difícil determinar em
relação aos, aproximadamente, três milhões de trabalhadores
subordinados. A distinção entre pequenas e grandes
empresas é realista e razoável, não pondo, por isso, em causa
o princípio da igualdade. De facto, a igualdade de tratamento
determina apenas que não haja diferenciações
discriminatórias; não porá em causa a licitude de estatutos
distintos com justificação objetiva. No caso concreto, a
distinção entre trabalhadores de pequenas, médias ou grandes
empresas e trabalhadores de microempresas ou que ocupem
cargos de administração ou de direção justifica-se tendo em
conta a confiança e proximidade relevantes na subsistência da
relação de trabalho.
4. Indemnização em substituição da reintegração: não pretendendo o
trabalhador ser reintegrado, poderá optar pela indemnização
prevista no artigo 391.º CT. Nesta indemnização,
diferentemente do que ocorre quanto às retribuições a que
alude o n.º1 do artigo 390.º CT, só se atende à retribuição e
às diuturnidades (excluindo, portanto, nomeadamente os
subsídios e outros complementos salariais – artigo 262.º, n.º2,
alínea a) CT); por outro lado, importa ainda ter em conta a
antiguidade do trabalhador e o grau de ilicitude da conduta
do empregador. Na LCCT referia-se a ano de antiguidade ou
fração, levando a que a doutrina e a jurisprudência
entendessem que um dia de trabalho equivaleria a um ano.
De tal modo, recebia a mesma indemnização o trabalhador
que tivesse uma antiguidade de quatro anos ou de três anos e
um dia; solução que não era, evidentemente, equitativa.
Tendo isso em conta, propugnava-se uma interpretação
corretiva do preceito, no sentido de a fração ser contada em
termos proporcionais. Esta interpretação foi expressamente
seguida no Código de Trabalho de 2003 e mantida em 2009,
nomeadamente nos artigos 164.º, n.º1, alínea c), 344.º, n.º3,
366.º, n.º2 e 396.º, n.º2 CT, não se lhe fazendo alusão
expressa no artigo 391.º CT. A falta de tomada de posição
explícita neste preceito não permite uma interpretação
contrária, porquanto se pode concluir que a regra é a de
atender à fração de ano proporcionalmente e, por outro lado,
a omissão justifica-se na medida em que o legislador optou
por fixar uma moldura para a indemnização, em vez de um
valor fixo. Ainda quanto á contagem da antiguidade, por via
do n.º2 do artigo 391.º CT esclareceu-se outra dúvida. Na
legislação anterior determinava-se que se contava o tempo
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decorrido até à data da sentença, não se indicando se era a
decisão em primeira instância ou a decisão judicial com
trânsito em julgado. Da atual redação não resultam dúvidas:
conta-se o tempo decorrido desde o despedimento até ao
trânsito em julgado da decisão judicial. Contrapondo com a
interpretação da norma revogada normalmente seguida pelos
tribunais, resulta um agravamento da indemnização no caso
de haver recurso. Daqui advém, porém, uma dificuldade (ou
contratempo) na aplicação do Direito, pois, havendo recurso,
a indemnização só pode ser quantificada a final, pelo que,
como o crédito é ilíquido, não vencerá juros de mora (artigo
805.º, n.º3 CC). Como resulta do disposto na 2.ª parte do n.º1
do artigo 391.º CT, na determinação do valor da
indemnização o juiz deverá atender a três aspetos:
a. Ao valor da retribuição base e das diuturnidades
auferidas pelo trabalhador à data do despedimento;
b. À antiguidade do trabalhador:
c. Ao tipo de ilicitude do despedimento: quanto a esta,
remete-se (desnecessariamente) para as situações
previstas nas três alíneas do artigo 381.º CT, sem que
daí resulte qualquer hierarquia de ilicitudes. Contudo,
por via de regra, será mais grave um despedimento
fundado em motivos políticos ou étnicos, do que por
falta de procedimento disciplinar; nesta ponderação
dever-se-á ainda atender ao grau de culpa do
empregador, nomeadamente na apreciação do
motivo justificativo invocado.
Com base nesses três elementos, o juiz, em vez de proceder
a uma simples operação aritmética, fixará a indemnização
segundo uma moldura: entre quinze e quarenta e cinco dias
(15 e 45 dias) de retribuição base e diuturnidades. A
indemnização não pode, porém, ser inferior a três meses de
retribuição base e de diuturnidades (artigo 391.º, n.º3 CT).
Mantendo-se, por isso, a regra de uma indemnização por
valor mínimo, sempre que a antiguidade não perfizer três
anos. A indemnização será agravada como contrapartida da
oposição à reintegração do trabalhador julgada procedente
(artigo 392.º, n.º3 CT). Seguindo os mesmos critérios
enunciados no n.º1 do citado preceito, a moldura de quinze a
quarenta e cinco dias (15 a 45 dias) é elevada para trinta a
sessenta dias (30 a 60 dias). Acresce que, no caso de oposição
à reintegração julgada procedente, o valor mínimo não
poderá ser inferior a seis meses, colocando em pé de
igualdade os trabalhadores que tenham antiguidade até seis
anos (artigo 392.º, n.º3 CT).
3. Resolução invocada pelo trabalhador:
a. Noção: o trabalhador tanto pode recorrer à resolução do contrato como
reação a um incumprimento culposo do empregador – resolução com justa
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causa subjetiva (artigo 394.º, n.º2 CT) –, como na hipótese de alteração das
circunstâncias ou de atuações não culposas do empregador – resolução com
justa causa objetiva (artigo 394.º, n.º3 CT). A resolução determina a cessação
do vínculo contratual, podendo a extinção dos efeitos do contrato ser
imediata ou indeferida. A cessação do contrato é imediata no caso de se estar
perante uma resolução com justa causa (artigo 394.º, n.º1 CT); pelo contrário,
a dissolução do vínculo poderá ser diferida na eventualidade de o trabalhador
antever a verificação de determinadas situações, por exemplo da necessidade
previsível de cumprimento de obrigações legais (artigo 394.º, n.º3, alínea a)
CT). O trabalhador que pretende fazer cessar o contrato de trabalho tem de
emitir uma declaração nos termos prescritos no artigo 395.º, n.º1 CT. Quanto
ao prazo, a declaração de resolução do contrato de trabalho deverá ser
prestada nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos que
integram a justa causa. Em relação à forma, exige-se que a declaração seja
escrita com indicação sucinta dos factos que a justificam. A declaração de
resolução é receptícia fazendo cessar o contrato de trabalho aquando da sua
receção (artigo 224.º CC). Como é regra nas relações duradouras, o efeito
externo só se verifica em relação ao futuro; a resolução não tem eficácia
retroativa, só produzindo efeitos ex nunc. Contrariamente às regras gerais, a
declaração de resolução do contrato pode ser revogável. Não sendo a
resolução feita por escrito, com a assinatura do trabalhador reconhecida
notarialmente, permite-se que este a revogue até ao sétimo dia seguinte à data
em que chegue ao poder do empregador (artigo 379.º, n.º1 CT). Tal como
em relação à revogação do contrato de trabalho, essencialmente para permitir
a ponderação do trabalhador, impõe-se esta formalidade na declaração de
resolução do contrato. Trata-se de uma exceção à regra geral do arrigo 230.º
CC, que prescreve a irrevogabilidade da declaração negocial; de facto, do n.º1
do artigo 397.º CT resulta a livre revogabilidade da declaração negocial da
resolução do contrato. A fim de impor ao trabalhador a necessária reflexão e
de obstar à revogação da declaração de resolução do contrato, o empregador
pode exigir que o documento tenha a assinatura do emitente com
reconhecimento notarial presencial (artigo 395.º, n.º4 CT). A revogação pode
ser invocada tanto em caso de resolução como no de denúncia invocadas
pelo trabalhador (artigos 397.º e 402.º CT).
b. Resolução com justa causa:
i. Comportamento ilícito do empregador: sempre que o empregador falta
culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato
estar-se-á perante uma situação de responsabilidade contratual; e,
sendo grave a atuação do empregador, confere-se ao trabalhador o
direito de resolver o contrato. O trabalhador só pode resolver o
contrato se do comportamento do empregador resultar uma justa
causa da desvinculação. Deste modo, nem toda a violação de
obrigações contratuais por parte do empregador confere ao
trabalhador o direito se resolver o contrato; é necessário que o
comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade,
implique a insubsistência da relação laboral. Dito de outro modo, a
justa causa a que alude o artigo 394.º, n.º1 CT deve ser entendida nos
termos da idêntica locução constante do artigo 351.º, n.º1 CT, até
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porque, como determina o artigo 394.º, n.º4 CT, a justa causa
imputável ao empregador é apreciada nos moldes estabelecidos para
o despedimento por facto imputável ao trabalhador; remetendo-se
para o correspondente preceito. A lei indica os comportamentos que
constituem justa causa nas várias alíneas do n.º2 do artigo 394.º CT,
explicitando que a enumeração é exemplificativa. Atendendo ao
disposto na LCCT havia quem apontasse para o caráter taxativo da
indicação, mas já então se preconizava o caráter exemplificativo da
disposição, entendendo-se que o elenco legal não era redutor e,
consequentemente, podendo outras violações do contrato ou o
desrespeito da lei consubstancial justa causa de rescisão. Foi esta a
interpretação que vingou na redação do corpo do n.º2 do artigo 394.º
CT, ao inclui-se o termo nomeadamente. De entre as previsões legais de
situações que constituem justa causa importa aludir á falta culposa de
pagamento pontual da retribuição (alínea a)) Esta previsão tem de ser
conjugada com o disposto no artigo 323.º, n.º2 CT, relativo á mora
no cumprimento de obrigações pecuniárias. Nas restantes alíneas do
n.º2 do artigo 394.º CT faz-se referência a várias situações
relacionadas com os deveres do empregador (artigo 127.º CT), apesar
de não haver coincidência, pois deste último elenco constam
obrigações do empregador cuja violação não está prevista naquele
preceito. Contudo, tendo em conta que o elenco do artigo 394.º, n.º2
CT é exemplificativo concluir-se-á no sentido de que o desrespeito
de deveres do empregador não indicados neste preceito também
pode consubstanciar motivo de justa causa da resolução do contrato.
Cumulativamente com o direito de resolver o contrato, ao
trabalhador é conferida uma indemnização determinada nos termos
do artigo 396.º CT. Segundo as regras gerais, a indemnização
abrangeria todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes
para o trabalhador da atuação ilícita perpetrada pelo empregador,
contudo, no artigo 396.º, n.º1 CT, não obstante o princípio geral,
surge uma limitação enquadrável nos parâmetros gerais; prescreve-se
que a indemnização se deve fixar entre quinze e quarenta e cinco dias
de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de
antiguidade. Esta regra, paralela com o disposto no n.º1 do artigo
391.º CT para a indemnização em substituição da reintegração, perde
sentido neste âmbito e contraria o princípio geral em sede de
indemnização. Em sentido idêntico ao que se prescreve no n.º3 do
artigo 391.º CT, para a indemnização em substituição da reintegração,
sendo a resolução requerida pelo trabalhador, a indemnização,
independentemente dos danos sofridos e da antiguidade, não poderá
ser inferior a três meses (3 meses) de retribuição base e de
diuturnidades (artigo 396.º, n.º1, 2.ª parte CT). Mais uma vez, a
solução não é consentânea com os privilégios gerais em sede
indemnizatória, pois não se atende aos danos sofridos para fixar o
valor da indemnização.
ii. Causas objetivas: as hipóteses de resolução com base em justa causa
objetiva vêm previstas nas três alíneas do n.º3 do artigo 394.º CT,
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devendo entender-se que o elenco é taxativo. De facto, tendo em
conta que no n.º2 o legislador resolveu a dívida, indicando que o
elenco é exemplificativo, não fazendo qualquer referência neste n.º3,
será de entender, atendendo especialmente ao elemento literal e ao
elemento histórico da interpretação, que as causas de resolução são
taxativas. Assim, quanto às causas objetivas, tal como ocorre
relativamente à responsabilidade objetiva (artigos 483.º, n.º2 e 798.º
CC), prevalece um princípio de numerus clausus, esta regra de tipicidade
é patente no que concerne ao despedimento por causas objetivas e
deve valer igualmente nesta hipótese de resolução. O trabalhador
pode resolver o contrato sempre que o cumprimento de obrigações
legais não lhe permita continuar ao serviço (alínea a)), desde que não
opte pela suspensão do contrato. Por outro lado, quando o
empregador, no exercício do seu direito, altere substancialmente e de
modo duradouro as condições de trabalho confere-se ao trabalhador
o direito de resolver o contrato. Convirá esclarecer que nos exemplos
referidos, com exceção da mudança de local de trabalho, que tem
uma previsão legal concreta, a resolução do contrato não depende só
da situação factual (alteração de horário, transmissão da empresa),
mas, em especial, da verificação de um requisito específico: alteração
substancial (e duradoura) das condições de trabalho. A modificação
do horário de trabalho ou a transmissão da empresa não implicam
necessariamente uma alteração substancia (e duradoura) das
condições de trabalho. Por último, a falta de pagamento pontual da
retribuição, quando não seja imputável ao empregador, permite que
o trabalhador resolva o contrato; o princípio geral da boa fé impõe
que, nesta hipótese, o montante em dívida seja de algum modo
relevante, pois se o empregador não tiver pago um subsídio por via
de uma deficiente programação informática, não será lícito que o
trabalhador possa resolver o contrato. Por via de regra, a resolução
com base em justa causa objetiva, nos termos gerais, não confere ao
trabalhador o direito a perceber uma compensação (artigo 396.º, n.º1
CT, a contrario). Todavia, no caso de a resolução se fundar na mudança
de local de trabalho (artigo 194.º, n.º5 CT), a indemnização é devida,
apesar de a justa causa ser objetiva.
iii. Ausência de justa causa: na eventualidade de, em tribunal, se concluir
pela inexistência do motivo invocado pelo trabalhador para resolver
o contrato, mantém-se a cessação do vínculo nos mesmos termos,
mas o trabalhador deverá ressarcir os danos causados ao empregador,
como se estabelece no artigo 399.º CT. A falta de justa causa de
resolução, contrariamente ao que pode ocorrer em caso de
despedimento, não invalida a cessação do vínculo, mas, como é ilícita,
determina a responsabilização do trabalhador. A indemnização
corresponde a trinta ou sessenta dias (30 ou 60 dias) de retribuição
base e de diuturnidades, consoante o contrato tenha durado até dois
anos ou mais de dois anos (artigo 401.º ex vi artigo 399.º CT).
Contudo, para conferir ao trabalhador um tratamento idêntico ao que
era estabelecido no CT de 2003, no artigo 398.º, n.º4 do atual CT,
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continua a permitir-se que, sendo a resolução ilícita por desrespeito
do procedimento exigido no artigo 395.º CT, permite-se que o
trabalhador corrija o vício até ao termo do prazo para contestar. O
disposto no artigo 398.º, n.º4 CT não encontra fundamento nas
dificuldades procedimentais do despedimento movido pelo
empregador e já não tem paralelo em direitos do empregador. Por
outro lado, este regime não é facilmente explicável no plano
concetual.
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Direito Coletivo
I – Instrumentos negociais de regulamentação coletiva de trabalho
Convenção coletiva de trabalho:
1. Aspetos gerais:
a. Noção: a convenção coletiva de trabalho inclui-se entre as fontes coletivas
de Direito do Trabalho, e integra-se num fenómeno de autorregulamentação
de interesses, assimilável a um contrato, tendo, portanto, pontos de contacto
com os negócios jurídicos. Daí que à Convenção coletiva de trabalho se
chame, por vezes, contrato coletivo, pois há, de facto, uma certa analogia
com a estrutura do negócio jurídico de Direito privado. A perspetiva de
enquadrar a contratação coletiva na órbita estadual tem sido, em grande parte,
abandonada. A convenção coletiva, pelo menos nos países ocidentais, tendo
sido entregue à autonomia privada das associações sindicais e de
empregadores, bem como dos empresários. A intromissão de poderes
públicos na celebração de convenções coletivas de trabalho deixou de ser
aceite e estes instrumentos coletivos surgem como modo de intervenção na
vida jurídica laboral dos sindicatos, das associações de empregadores e dos
empresários; trata-se de uma intervenção de entidades privadas determinada
por regras de liberdade. A intervenção do Estado neste domínio relaciona-se
com a intromissão dos poderes públicos na atividade sindical e empresarial,
bem como na resolução de conflitos laborais. A maior ou menor intervenção
dos poderes públicos no que respeita ao ajuste de convenções coletivas de
trabalho tem sido cíclica. A posição atual é a de regresso ao sistema inicial da
não intervenção estadual, deixando à autonomia privada dos parceiros sociais
a celebração de convenções coletivas de trabalho. A convenção coletiva de
trabalho pode definir-se como o contrato celebrado entre sindicatos e
associações de empregadores ou empregadores com vista a estabelecer regras
relativas às condições de trabalho de uma determinada profissão ou conjunto
de profissões análogas ou com determinadas interligações. Nesta matéria,
regem os artigos 485.º e seguintes CT.
b. Enquadramento contratual: as convenções coletivas de trabalho
enquadram-se no esquema de Direito privado, com algumas particularidades,
que importa apreciar. Assentando no pressuposto de que a convenção
coletiva de trabalho é um contrato subsumível à figura do negócio jurídico
de Direito privado, será com base no disposto nos artigo 217.º e seguintes
CC que importa analisar esta figura e as suas particularidades. É claro que,
neste pressuposto, está a omitir-se uma especificidade das convenções
coletivas de trabalho, alheia à figura do negócio jurídico de Direito privado,
concretamente a portaria de extensão, mediante a qual aquele instrumento de
regulamentação coletiva se passa a aplicar a entidades que não a celebram,
nem estão filiadas nas associações signatárias (artigos 514.º e seguintes CT).
No demais, as convenções coletivas de trabalho enquadram-se no domínio
do Direito privado. Na realidade, tendo em conta o princípio da filiação
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(artigo 496.º CT), a convenção coletiva de trabalho só encontra aplicação
relativamente aos associados nas entidades signatárias; isto é, aos
trabalhadores filiados no sindicato e aos empregadores inscritos na
associação de empregadores que celebraram a convenção coletiva. Se,
eventualmente, a convenção coletiva de trabalho foi negociada e celebrada
por uniões, federações ou por confederações, tanto de sindicatos como de
associações de empregadores, a representação pode ser em escala; e, assim, o
instrumento coletivo vale em relação aos filiados nas associações sindicais ou
de empregadores associadas naquelas uniões, federações ou confederações.
Em suma, com base no princípio da filiação, as convenções coletivas só
valem em relação a quem esteja, direta ou indiretamente, representado pelos
negociadores. A convenção coletiva de trabalho, sendo ajustada por
entidades diferentes daquelas a que se aplica, pressupõe a filiação destas
últimas nas associações signatárias. Esta construção jurídica não acarreta
problemas de justificação relativamente ao Direito privado, com base na
aplicação do princípio geral da representação; o ser-se filiado numa
associação implica a concessão de poderes de representação, por força dos
quais se permite às associações sindicais e de empregadores celebrarem
convenções coletivas que produzem efeitos na esfera jurídica dos filiados.
c. Tipos: nos termos do artigo 2.º, n.º3 CT, a convenção coletiva pode revestir
três formas:
i. Contrato coletivo: é a convenção coletiva celebrada entre sindicatos e
associações de empregadores, constituindo uma forma de
contratação coletiva generalizada em Portugal em razão da
pulverização das pequenas e médias empresas;
ii. Acordo coletivo: são partes as associações sindicais e vários
empregadores individualmente considerados;
iii. Acordo de empresa: também é uma convenção coletiva, mas celebrada
entre sindicatos e um empregador para vigorar numa determinada
empresa.
Estas distinções, além da determinação do âmbito pessoal – pelo lado do
empregador – de aplicação da convenção coletiva, têm especial relevância no
que respeita hipóteses de concurso entre convenções coletivas, na medida em
que, atento um princípio da especialidade, prevalece o acordo de empresa
sobre o acordo coletivo e este sobre o contrato coletivo (artigo 482.º, n.º1,
alíneas a) e b) CT). Também no que respeita ao âmbito de aplicação, mas
atendendo ao tipo de trabalhadores, distinguem-se:
iv. As convenções horizontais: destinam-se a regular as relações laborais de
trabalhadores que desempenham a mesma atividade;
v. As convenções verticais: têm em vista aplicar-se a trabalhadores de um
dado setor que realizam tarefas afins.
Por último, as convenções coletivas podem distinguir-se tendo em conta o
seu âmbito geográfico de aplicação e, nesse caso, omitindo a eventualidade
de convenções comunitárias, contrapõem-se convenções nacionais e
regionais ou sectoriais.
2. Negociação:
a. Legitimidade: a negociação de uma convenção coletiva de trabalho deverá
ser feita por quem tenha capacidade para a celebrar. Têm capacidade para
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celebrar convenções coletivas de trabalho as associações sindicais, os
empregadores e as associações de empregadores. Acresce que se permite, em
casos limitados, a celebração de convenções coletivas por comissões de
trabalhadores (artigo 491.º, n.º3 CT), discutindo-se, porém, se as comissões
de trabalhadores, em tal caso, apesar de celebrarem a convenção coletiva, são
parte nesse instrumento, pois, como dispõe a norma, o sindicato pode
conferir poderes para contratar com a empresa, indiciando que,
originariamente, os poderes são da associação sindical. Todavia, a negociação
e celebração de convenções coletivas não será feita diretamente por estas
entidades, pois são pessoas coletivas, cabendo às pessoas individuais,
representantes dessas entidades (sindicatos, associações de empregadores e
empregadores). Os legítimos representantes são os que vêm indicados nas
várias alíneas do n.º2 do artigo 491.º CT, e desta indicação conclui-se que os
titulares da direção das pessoas coletivas e os que tenham procuração
conferida por aqueles órgãos são os legítimos representantes dessas entidades
na negociação e na celebração da convenção coletiva. O artigo 491.º, n.º2 CT
concretiza tão-só o princípio geral de representatividade das pessoas coletivas
do Direito Civil. Tendo em conta o pluralismo sindical, a negociação poderá
ser levada a cabo por todos os sindicatos do setor; podendo haver
negociações separadas que deem origem a várias convenções coletivas. No
primeiro caso, em que vários sindicatos formam uma frente comum, há uma
negociação conjunta e, na segunda, a negociação é individual. A pluralidade
ou individualidade negocial também se pode verificar no plano dos
empregadores, sendo a negociação feita com vários empregadores (acordo
coletivo) ou com diversas associações de empregadores ou, individualmente,
com um empregador ou com uma associação de empregadores. A negociação
de uma convenção coletiva não se encontra na dependência da
representatividade do sindicato, pelo que a associação sindical na qual se
encontre filiada uma minoria de trabalhadores de um setor ou de uma
empresa tem a mesma legitimidade (jurídica) para negociar uma convenção
coletiva do que o sindicato que representa a maioria desses trabalhadores. E
ainda que a maioria dos trabalhadores do setor ou da empresa não esteja
sindicalizada, a associação sindical tem legitimidade para celebrar uma
convenção coletiva. A situação é a mesma no que respeita a uma associação
de empregadores, em que a respetiva representatividade não é requisito para
ter legitimidade na negociação coletiva.
b. Processo: o processo de negociação vem regulado nos artigos 486.º e
seguintes CT. Importa, desde logo, fazer uma distinção entre:
i. A negociação em sentido amplo: a negociação inicia-se com uma
proposta, normalmente oriunda de um sindicato, elaborada com vista
à celebração de uma convenção coletiva, porque não existe nenhuma
outra naquele âmbito, ou para rever uma já existente, que se pretende
substituir.
ii. Aquilo que a lei chama negociação: porque o legislador, no artigo
490.º CT, adotou uma noção restrita de negociação.
A proposta deverá revestir a forma escrita e importa que estejam justificadas
todas as pretensões nela contidas (artigo 486.º, n.º2 CT). Terá de ser enviada
em duplicado, sendo o original para o destinatário e a cópia dirigida ao
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Ministério do Trabalho (artigo 490.º, n.º2 CT). No artigo 486.º CT chama-se
proposta a uma figura que pode corresponder ao que na Teoria Geral do
Direito Civil se denomina tanto proposta como convite a contratar. O convite a
contratar é uma declaração com vista a iniciar futuras negociações e a
convenção coletiva de trabalho, tendo em conta a LRCT, não se formava
pelo mero encontro entre a proposta e resposta a essa proposta. Contudo,
no artigo 486.º CT tem-se em conta uma proposta com determinados
elementos (artigo 486.º, n.º2 CT) que, sendo aceite na resposta (artigo 487.º,
n.º3 CT), determina a celebração da convenção coletiva. Nem sempre assim
ocorrerá. Apesar de o IRCT se poder formar pelo mero encontro entre
proposta e resposta, por via de regra, a proposta prevista no artigo 486.º CT,
que deve ser respondida (artigo 487.º, n.º1 CT), dá origem a negociações.
Como resulta do n.º3 do artigo 487.º CT, a entidade destinatária da proposta,
na resposta pode recusá-lo ou apresentar uma contraproposta; em qualquer
destas hipóteses (em especial na segunda), estas declarações – a proposta e a
resposta – são meras impulsionadoras da negociação (convites a negociar), a
qual só tem início, como vem previsto no artigo 490.º, n.º1 CT, depois da
proposta e da resposta. No artigo 490.º, n.º1 CT, o termo negociação é
utilizado pelo legislador em sentido restrito, relacionando as negociações com
os contactos diretos, ou seja, com as situações em que as partes se sentam à
mesma mesa a discutir os termos da futura convenção coletiva. Os contactos
indiretos, verificados através da proposta e da resposta, para o legislador,
não são negociações, em sentido estrito, mas processo de negociação (artigo
486.º, n.º1 CT). Admite-se, porém, à revelia da lei, mesmo neste domínio,
falar em negociações num sentido amplo, que é, no fundo, o sentido comum
do termo. A proposta, sendo uma declaração recipienda que produz os seus
efeitos quando for recebida pelo destinatário, não pode, contudo, ser
entendida nos termos dos artigos 217.º e seguintes CC, como proposta de
um negócio jurídico, mas como proposta para iniciar negociações com vista
à celebração de um negócio jurídico. O destinatário da proposta tem trinta
dias (30 dias) para responder, contados da data da receção da proposta (artigo
487.º, n.º1 CT). A resposta tem igualmente de ser feita por escrito, sendo
enviada uma cópia para o Ministério do Trabalho (artigo 487.º, n.º1 CT).
Relativamente aos pontos em que o destinatário esteja em desacordo com a
proposta, deve formular contrapropostas (artigo 487.º, n.º2 CT). Tanto a
resposta como as contrapropostas que sejam eventualmente apresentadas
têm de ser escritas e fundamentadas nos mesmos termos da proposta (artigo
487.º n.º1 CT). A resposta é uma declaração recipienda. No artigo 487.º, n.º1
CT infere-se a existência de uma obrigação de resposta e de formulação de
contrapropostas, contrariamente ao que acontece nos termos gerais de
Direito Civil. Todavia, se o destinatário da proposta não lhe der resposta, há
a possibilidade de recurso à conciliação, prevista nos artigos 523.º e seguintes
CT, com vista a solucionar aquele conflito (artigo 487.º, n.º4 CT). Depois da
proposta e resposta e antes das negociações diretas, as partes podem ajustar
um protocolo negocial nos termos do qual aceitam, nomeadamente um
calendário e determinadas regras processuais que nortearão as negociações
(artigo 489.º, n.º1 CT). Nas designadas negociações diretas, as partes devem
proceder de boa fé, como dispõe o artigo 489.º, n.º1 CT que representa uma
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consagração do princípio geral da culpa in contrahendo do artigo 227.º CC.
Estando em causa a discussão de vários pontos, o que normalmente acontece,
o artigo 488.º CT determina que se deve dar prioridade à negociação de
matéria respeitante à retribuição e ao tempo de trabalho. Não obstante esta
prioridade legal, as partes têm total liberdade no que respeita à determinação
das matérias a discutir e à condução das negociações, pois está-se no domínio
da autonomia privada. Ou seja, há liberdade de celebração e de estipulação
no que respeita às convenções coletivas. A negociação, uma vez iniciada,
pode ser suspensa por qualquer das partes. A autonomia privada, que não
está sujeita a limitações neste plano, permite a ambas as partes estabelecer
objeções quanto à continuação das negociações e, se assim acontecer, cabe
recurso a conciliação, a mediação ou a arbitragem, nos termos dos artigos
526.º e seguintes CT, como formas específicas de resolução do conflito. Não
há qualquer dever de negociar, não obstante o eventual recurso à arbitragem
obrigatória, só que, iniciada a negociação, as partes devem proceder de boa
fé.
3. Celebração e depósito: se as negociações chegarem a bom termo, ou seja se as
partes obtiverem acordo quanto aos pontos em discussão, os representantes dos
sindicatos, das associações de empregadores ou dos empregadores, indicados no
artigo 491.º CT, podem celebrar a convenção coletiva de trabalho. A convenção
coletiva tem de ser celebrada por escrito e assinada pelos outorgantes (artigos 477.º
e 491.º, n.º1 CT). Para além desta exigência de forma, a lei impõe que, da convenção
coletiva, constem os elementos indicados no artigo 492.º CT, ou seja: a indicação de
que foram as entidades celebrantes, para se saber a quem é que se aplica; a menção
da área geográfica da sua aplicação, igualmente para determinar quem são os
destinatários da mesma; a indicação do âmbito de aplicação, isto é, a que profissão,
por exemplo, se destina a convenção coletiva de trabalho; e a indicação da data da
sua celebração. Há outras menções no extenso n.º1 do artigo 492.º CT, tendo sido
acrescentada a alínea h), onde se alude à indicação de critérios de preferência entre
IRCT. Além disso, impõe-se que haja uma previsão relativamente à constituição de
comissões paritárias, que têm por função interpretar a convenção coletiva de trabalho
(artigo 492.º, n.º3 CT). Depois de celebrada a convecção coletiva dever-se-á proceder
ao seu depósito nos serviços competentes do Ministério do Trabalho (artigo 494.º,
n.º1 CT), concretamente na Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.
Este depósito tem por finalidade da convenção, podendo o Estado exercer essa
verificação por via da recusa do registo (artigo 494.º, n.º4, 5 e 6 CT). Mas esta
apreciação efetuada pelos serviços do Ministério do Trabalho é meramente formal,
pois não pode incidir sobre aspetos substanciais da convenção. De facto, nos termos
do artigo 494.º, n.º4 CT, o depósito da decisão arbitral será recusado desde que não
se encontre preenchida qualquer uma das cinco exigências seguintes:
a. Não obedecer ao disposto no artigo 492.º, n.º1 CT (conteúdo);
b. Não ser acompanhada dos títulos de representação exigidos no artigo
491.º, n.º2, alínea d) CT;
c. Haver falta de capacidade dos outorgantes para a celebração do
instrumento;
d. Não ter sido entregue em documento eletrónico;
e. Não ser acompanhada do texto consolidado se tiver havido três
alterações ou modificações em mais de dez cláusulas.
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Como resulta da indicada remissão para o artigo 492.º CT, na convenção coletiva
dever-se-á atender obrigatoriamente ao conteúdo obrigatório indicado no preceito.
A falta de resposta dos serviços do Ministério durante quinze duas após a receção do
instrumento determina a aceitação tácita do depósito (artigo 494.º, n.º5 CT). Após o
depósito da convenção coletiva, ela deve ser publicada no Boletim do Trabalho e
Emprego, e só depois de publicada entra em vigor (artigo 519.º, n.º1 CT). Pese
embora a apreciação de conteúdo da convenção coletiva por parte dos serviços do
Ministério responsável ser somente formal, quanto à matéria da igualdade e não
discriminação cabe averiguar da legalidade do IRC (artigo 479.º CT).
4. Conteúdo:
a. Objeto da regulamentação coletiva: com respeito ao conteúdo das
convenções coletivas, atento o disposto nos artigos 492.º e seguintes CT é
necessário referir que o legislador, além de aludir ao conteúdo mais
programático da convenção coletiva (artigo 492.º, n.º2 CT), em que a
autonomia privada não é coartada, estabelece aspetos em que se impõem às
partes:
i. A existência da comissão paritária (artigo 492.º CT); e
ii. Elementos de conteúdo obrigatório (artigo 492.º CT).
Por outro lado, tendo em conta o disposto no artigo 492.º CT, é frequente
fazer-se uma distinção entre as cláusulas de natureza obrigacional e as de cariz
regulativo, podendo, ainda, estas últimas subdividir-se em cláusulas de
aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização. Estas
contraposições, tendencialmente lógicas, correspondem a uma forma de
encarar as obrigações emergentes das convenções coletivas que, além de
superável, pode ter dificuldade de explicar todos os tipos de cláusulas que se
inserem nestes documentos. Contudo, estas classificações facilitam a
perceção do objeto dos instrumentos de regulamentação coletiva, razão pela
qual se lhes faz alusão nas alíneas seguintes.
b. Cláusulas de conteúdo obrigacional: o conteúdo obrigacional de
convenção coletiva respeita às regras que disciplinam as relações entre as
partes signatárias, como vem previsto no artigo 492.º, n.º2, alínea a) CT.
Neste preceito, exemplificam-se situações de conteúdo obrigacional,
aludindo às cláusulas que respeitam à verificação do cumprimento da
convenção, à resolução dos conflitos derivados da sua aplicação e à revisão
da própria convenção coletiva. São regras que têm por destinatários ou
outorgantes, por exemplo, associações sindicais e de empregadores. Ainda
quanto à natureza obrigacional, pode aludir-se à vigência e efeitos da extinção
(artigo 492.º, n.º2, alínea h) CT) e a definição de serviços mínimos em caso
de greve (artigo 492.º, n.º2, alínea g) CT). A propósito do conteúdo
obrigacional é costume fazer-se alusão à chamada cláusula de paz social
(artigo 542.º CT). Esta cláusula impõe às partes – concretamente ao sindicato
– a obrigação de não intentar formas de luta coletiva num período
determinado, em princípio, naquele em que a convenção estiver em vigor; já
que, tendo-se chegado àquele consenso, se deveria manter a paz social nele
estabelecida.
c. Cláusulas de conteúdo regulativo:
i. Conceito e exemplificação: as cláusulas de cariz regulativo correspondem
às normas típicas das convenções coletivas. Numa convenção
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coletiva estas são as cláusulas de maior relevância, pois têm em vista
regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre
trabalhadores e empregadores filiados nas associações outorgantes.
Estas cláusulas, como se esclarece, aplicam-se diretamente aos
contratos de trabalho em vigor. Nas normas regulativas são de incluir
as regras que disciplinam as condições de trabalho com aplicação nos
contratos individuais. De entre estas cláusulas é costume dar relevo
às que respeitam às tabelas retributivas, sendo talvez este o aspeto em
que, de início, foi dado maior peso nas convenções coletivas. Apesar
de a questão salarial nas convenções coletivas não ter perdido
importância, deverá ser tratada em conjunto com outras. Todavia, a
lei estabelece que, nas negociações, devem as partes dar prioridade à
resolução dos problemas retributivos e de tempo de trabalho (artigo
488.º CT). Além das cláusulas relacionadas com matéria retributiva, é
frequente deparar-se com regras que respeitam à duração do trabalho,
aos descansos semanais, às férias, à determinação das categorias
profissionais, à promoção dos trabalhadores, etc. São muitos os
temas regulados nas convenções coletivas notando-se, cada vez mais,
um crescente aumento de matérias nelas incluídas. Apesar de terem
uma natureza híbrida, também se podem incluir no âmbito do
conteúdo normativo as cláusulas que respeitam à institucionalização
dos processos de resolução pacífica de conflitos emergentes de
contratos individuais de trabalho. Frequentemente, em convenções
coletivas incluem-se cláusulas que respeitam a formas de resolução
pacífica de conflitos laborais (artigo 492.º, n.º2, alínea f) CT). Tais
cláusulas não impõem uma paz social no domínio das relações
individuais, pois não impedem qualquer forma de luta coletiva, sendo,
por conseguinte, válidas. Importa distinguir as cláusulas que visam
resolver conflitos derivados da aplicação e revisão de convenções
coletivas, que vinculam as partes, das cláusulas que têm em vista a
resolução de conflitos laborais, que opõem os trabalhadores às
empresas. Estas últimas, constituindo uma quase terceira categoria,
podem incluir-se entre as cláusulas de conteúdo regulativo, na medida
em que têm por destinatários não outorgantes.
ii. Cláusulas de aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização futura:
as cláusulas das convenções coletivas que compõem o conteúdo
regulativo, também designado por normativo, podem ser de dois
tipos. Na maioria das situações são cláusulas de aplicação imediata
em relação aos contratos de trabalho em vigor. Admite-se uma
segunda situação em que as cláusulas constantes de uma convenção
coletiva não sejam de exequibilidade imediata, pois necessitam de
uma concretização futura a efetuar, em princípio, pelo empregador.
Enquanto não se verificar a concretização não pode ser exigido o seu
cumprimento. As normas de convenções coletivas mais relevantes
são as de aplicação imediata, como, por exemplo, o estabelecimento
de nova tabela salarial, a qual se aplicará a partir do momento em que
a convenção coletiva entre em vigor, muitas vezes, neste caso, com
eficácia retroativa. Mas para além destas cláusulas surgem outras que
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têm de ser postas em prática, em princípio, por atos do empregador,
por exemplo, as regras respeitantes a questões sociais, indiretamente
relacionadas com a prestação de trabalho, tais como a abertura de
uma cantina para trabalhadores ou de uma creche para os filhos dos
trabalhadores, ou regras respeitantes ao fornecimento de transporte
para os trabalhadores. Tais cláusulas necessitam de concretização, há
que fazer obras, comprar autocarros, etc. Se o empregador não
procede à concretização de tais cláusulas, viola a convenção coletiva
e haverá uma obrigação de indemnizar os trabalhadores, para além
de sujeição às sanções previstas no artigo 521.º CT, porque a violação
de normas de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
constitui uma contraordenação leve ou grave, consoante as
circunstâncias (artigos 521.º, n.º1 ou 2 CT). Não parece viável, no
entanto, o recurso à execução específica dessas cláusulas. Deriva do
facto de, por um lado, em Direito do Trabalho, não ser esse recurso
normal perante o incumprimento de obrigações, como ocorre em
sede de contrato-promessa de trabalho (artigo 103.º., n.º3 CT). Por
outro lado, a execução específica, em determinados casos, implicaria
uma intromissão inadmissível na atividade empresarial. Contudo, por
vezes, em relação à violação de cláusulas que impõem prestações da
coisa ou de facto fungível, eventualmente, pode defender-se o
recurso às regras gerais da execução específica nos termos dos artigos
827.º e seguintes CC.
d. Limites: no artigo 492.º CT estabelece-se o que pode ser regulado numa
convenção coletiva, impondo-se aspetos que devem ser incluídos, mas é
necessário atender aos limites aplicáveis a todos os instrumentos, constantes
do artigo 478.º CT, onde se coarta a autonomia privada.
5. Interpretação e integração: quanto às convenções coletivas de trabalho, como foi
indicado anteriormente, na parte obrigacional dever-se-ão aplicar os artigos 235.º e
seguintes CC. Partindo do pressuposto de que as convenções coletivas de trabalho,
na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se aproximam da
lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao artigo 9.º CC. Mas é preciso ter
em conta que a convenção coletiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as
normas características, por outro lado, as normas de uma convenção coletiva provêm
de negociações entre sujeitos privados (associações sindicais e associações de
empregadores ou empregadores), não emanando unilateralmente do poder central
ou regional. Porém, das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se
elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção
coletiva de trabalho. A interpretação e a integração das convenções coletivas seguem
as regras gerais, não valendo, neste ponto, qualquer particularidade digna de menção.
Há, todavia, dois regimes especiais:
a. O constante do artigo 493.º CT: prevê-se a criação de comissões paritárias
de interpretação, devendo das convenções coletivas constar regras quanto á
constituição de tais comissões. As comissões deverão ser compostas por
número igual de representantes das entidades signatárias (artigo 493.º, n.º1
CT). Se a comissão paritária, por unanimidade, interpretar ou integrar uma
norma da convenção coletiva num determinado sentido, essa deliberação
considera-se como regulamentação do instrumento e deverá ser depositada e
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publicada nos mesmos termos prescritos para a convenção coletiva (artigo
493.º, n.º3 CT). Pretende-se que a interpretação feita por unanimidade tenha
o valor de uma norma da convenção coletiva num determinado sentido, essa
deliberação considera-se como regulamentação do instrumento e deverá ser
depositada e publicada nos mesmos termos prescritos para a convenção
coletiva (artigo 493.º. n.º3 CT). Pretende-se que a interpretação feita por
unanimidade tenha o valor de uma norma da convenção coletiva, aplicável
imediatamente após o depósito e a publicação, podendo ser objeto de
regulamento de extensão (artigo 493.º, n.º4 CT). A norma da convenção
coletiva passará, assim, a valor com a interpretação feita pela comissão. É,
porém, discutível que esta interpretação feita pela comissão tenha o valor de
uma interpretação autêntica, nos termos do artigo 13.º CC, a interpretação
autêntica, em princípio, produz efeitos retroativos, a lei interpretada valerá
com esse sentido desde o momento da sua entrada me vigor. Mas, quanto à
interpretação feita pela comissão paritária, é discutível que assim seja. Em
primeiro lugar, as convenções coletivas não se enquadram na noção de lei,
pelo que não se justifica a aplicação do artigo 13.º, n.º1 CC. Segundo é preciso
ter em conta que o artigo 478.º, n.º1, alínea c) CT restringe a eficácia
retroativa das regras constantes de uma convenção, exceção feita para as
questões emergentes da aplicação das cláusulas de natureza pecuniária.
b. A hipótese de acórdãos interpretativos com valor de uniformização
jurisprudencial, previstos nos artigos 183.º e 186.º CPT: esta segunda
exceção quanto à interpretação respeita ao facto de o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça que interprete uma convenção coletiva ter o valor
ampliado de revista. Trata-se de uma situação especial no domínio laboral,
em que se prevê a possibilidade de existir um Acórdão de uniformização de
jurisprudência – ainda que não haja decisões contrárias – no qual o Supremo
Tribunal de Justiça faz a interpretação de cláusulas de uma convenção (artigo
183.º e 186.º CPT).
6. Aplicação:
a. Início de vigência: por via de regra, as convenções coletivas entram em
vigor decorrido o prazo de vacatio, de cinco dias a partir da data da sua
publicação, valendo o regime geral aplicável aos diplomas legais (artigo 519.º,
n.º1 CT). A convenção entra em vigor numa determinada data e só produz
efeitos para o futuro (artigo 478.º, n.º1, alínea c) CT), nos termos gerais do
artigo 12.º CC. Todo o regime que vigorou até essa data não é afetado, exceto
no que respeita às cláusulas de natureza retributiva, em que a eficácia
retroativa se justifica para evitar a perda do salário real do trabalhador,
principalmente em caso de inflação. Entrando em vigor, a convenção coletiva
é de eficácia imediata quanto aos contratos de trabalho em vigor e as normas
destes, que eventualmente estejam em condição com aquela, deixam de valer,
não podendo subsistir na relação inter partes (artigo 476.º CT). Não quer isto
dizer que a convenção coletiva passe a integrar o próprio contrato de trabalho,
só que deste não podem constar cláusulas que contrariem regras de caráter
superior, que é o caso das constantes de uma convenção coletiva, salvo
quando disponham em sentido mais favorável para o trabalhador.
b. Princípio da filiação: nos termos do disposto no artigo 496.º CT, vale o
princípio da filiação, pelo que as regras de uma convenção coletiva só têm
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aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas
nas organizações signatárias. Assim, é necessário, por um lado, que o
empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou
tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, o trabalhador esteja
filiado na associação sindical signatária (artigo 496.º, n.º1 CT). Admite-se
também a aplicação no caso de uma filiação em cadeia, isto é, se a convenção
coletiva foi negociada por uma confederação, união ou federação, aplica-se
às associações nela filiadas e, por sua vez, aos filiados nestas associações
(artigo 496.º, n.º2 CT). Para efeito da aplicação da convenção coletiva,
consideram-se filiados nas associações outorgantes os trabalhadores e
empregadores que tinham o estatuto de membros do início do processo
negocial e os que se filiarem durante o período de vigência da convenção
(artigo 496.º. n.º3 CT), admitindo-se, pois, que a convenção coletiva, em
casos pontuais, se aplique a não filiados. Nesta sequência, admite-se também
que a convenção coletiva se aplique, durante um período determinado,
àqueles que se desfiliarem das entidades outorgantes (artigo 496.º, n.º4 CT).
Na prática ocorre, por vezes, que as convenções coletivas se aplicam também
a quem não esteja filiado nas organizações signatárias. É frequente o
empregador aplicar a convenção coletiva a todos os trabalhadores, não só aos
filiados no sindicato outorgante, mas também a outros trabalhadores que não
estão nele filiados. Justifica-se a aplicação da convenção coletiva a
trabalhadores não sindicalizados ou mesmo filiados em outro sindicato não
com base no princípio da igualdade, mas porque o empregador tem interesse
em que todos os trabalhadores da empresa tenham um estatuto semelhante.
A aplicação da convenção coletiva a trabalhadores não filiados no sindicato
outorgante só é possível na medida em que estes deem o seu consentimento,
ainda que tácito. Para além das situações referidas, há duas exceções ao
princípio da filiação:
i. Como dispõe o artigo 497.º CT permite-se que um trabalhador não filiado possa
escolher qual dos instrumentos de regulamentação coletiva vigentes na empresa se
lhe aplica: atento o disposto neste preceito permite-se que possa haver
escolha de convenção coletiva por parte de trabalhadores não filiados
no sindicato outorgante (artigo 497.º CT), mediante um pagamento à
associação signatária (artigo 492.º n.º4 CT).
ii. O artigo 498.º CT preceitua que a convenção coletiva se aplica à entidade
adquirente de estabelecimento ou empresa onde vigora um instrumento de
regulamentação coletiva até ao termo da respetiva vigência: além da filiação, a
aplicação da convenção coletiva está na dependência do seu âmbito,
e só se aplica aos trabalhadores cujas profissões ou categorias
profissionais estejam nela previstas.
c. Termo da vigência; caducidade: a convenção coletiva destina-se a vigorar
durante o período que nela foi estipulado, que é supletivamente de um ano
(artigo 499.º CT), renovando-se no fim do prazo, se nenhuma das partes
denunciar (artigo 500.º CT). A convenção coletiva pode vigorar depois de
denunciada – verificando-se a sua sobrevigência – se as partes, entretanto,
entabularem negociações ou decorrem processos de conciliação, mediação
ou arbitragem com vista à sua substituição (artigo 500.º, n.º2 e 3 CT).
Pretendendo-se, assim, evitar um vazio regulamentar caso a negociação se
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prolongue para além da data de cessação do instrumento. O problema está
em saber se se pode protelar a vigência da convenção coletiva
indefinidamente. Perante um impasse nas negociações pode recorrer-se à
conciliação, mediação e arbitragem, mas não parece viável manter uma
convenção coletiva indefinidamente em vigor. Celebrada a convenção
coletiva, em princípio, qualquer das partes pode livremente denunciá-la
(artigo 500.º, n.º1 CT), mas a denúncia não implica automaticamente a
extinção dos efeitos de convenção coletiva, pois tem necessariamente de ser
acompanhada de uma proposta (artigo 500.º, n.º1 CT). A denúncia funciona
como meio de se proceder a novas negociações com vista a substituir a
convenção coletiva em vigor, mas não implica que, naquele momento, os
seus efeitos se extingam, pois a convenção coletiva denunciada mantém-se
em vigor durante o período em que decorrem as negociações com vista à sua
substituição. A sobrevigência, contudo, não pode ser indefinida; só se
justificaria durante o período negocial, mas a questão assume particular
complexidade atento o disposto no artigo 501.º, n.º2 e seguintes CT.
Havendo denúncia e verificados os pressupostos para a sua caducidade, a
convenção mantém-se em regime de sobrevigência, pelo menos durante 12
meses, tendo em vista a negociação, mediação, conciliação ou arbitragem
(artigo 501.º, n.º3 CT). Além da caducidade, verificados os pressupostos do
n.º2 do artigo 502.º CT, nomeadamente em caso de crise empresarial, pode
haver suspensão temporária de aplicação de uma convenção coletiva. A
convenção coletiva também deixa de vigorar se for substituída por outra (ou
por uma decisão arbitral) e ainda em caso de revogação ou de resolução por
alteração das circunstâncias. A matéria relativa ao concurso entre convenções
coletivas, que vem prevista nos artigos 481.º e seguintes CT, já foi referida a
propósito da hierarquia das fontes, para onde se remete. Ainda que não surja
novo instrumento, se a convenção denunciada fizer depender a sua cessação
de vigência da substituição por outro instrumento, caduca decorridos três
anos após a verificação de qualquer das situações indicadas nas alíneas do
n.º1 do artigo 501.º CT. Caducando, nos termos do n.º8 do artigo 501.º CT,
a convenção coletiva mantém-se, até à entrada em vigor de outra convenção
ou decisão arbitral, os efeitos acordados pelas partes ou , na sua falta, os já
produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita a
retribuição do trabalhador, categoria e respetiva definição, duração do tempo
de trabalho e regimes de proteção social. Da regra constante do n.º8 do artigo
501.º CT, parece poder depreender-se que determinadas soluções prescritas
numa convenção coletiva continuarão a aplicar-se mesmo depois de esta ter
caducado; solução que, no plano jurídico, é pouco razoável. Tendo a
convenção caducado em consequência da denúncia, cabe aos serviços do
Ministério responsável pela área laboral proceder à publicação no Boletim do
Trabalho e Emprego de avisos sobre a data da cessação da vigência do IRC
(artigo 502.º, n.º6 CT). Os mencionados serviços não podem recursar a
publicação do aviso; na realidade, o controlo feito pelos serviços do
Ministério do Trabalho é de mera conformidade formal, estando, assim,
vedada qualquer apreciação respeitante ao fundamento da denúncia ou à
validade da caducidade da convenção coletiva. O controlo material da
denúncia e dos respetivos efeitos está a cargo dos tribunais (artigo 183.º e
LOCATIO LABORIS
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seguintes CPT). Assim sendo, a falta de publicação do aviso da cessação não
afeta a validade nem eficácia da denúncia. Na eventualidade de a declaração
negocial de denúncia ser válida, produz de modo inexorável os seus efeitos:
a caducidade da convenção coletiva, independentemente de ter havido
publicação do aviso.
7. Natureza jurídica:
a. Teses em confronto: em torno da natureza jurídica das convenções
coletivas têm-se debatido fundamentalmente duas posições:
i. As teorias contratualistas: a convenção coletiva encontra a sua plena
justificação nos princípios de Direito Privado, enquadrando-se nas
regras do negócio jurídico, tendo naturalmente as suas
particularidades. Para explicar a natureza jurídica da convenção
coletiva, o regime de negócio jurídico terá de ser coadjuvado com
outros institutos de Direito Privado, como a representação, a gestão
de negócios ou o contrato a favor de terceiro. Nestes termos, as
convenções coletivas assentam no princípio da liberdade contratual,
são celebradas por entidades de Direito Privado com base na sua
autonomia privada e as eventuais especificidades enquadram-se na
panóplia de soluções que o Direito Privado oferece. As posições
contratualistas têm sido criticadas com base no facto de as regras de
Direito Privado não conseguirem explicação a aplicação de cláusulas
de uma convenção coletiva a pessoas (trabalhadores ou
empregadores) que não a celebrarem. Por outro lado, a tese negocial
também não explicaria o papel que os organismos públicos têm no
que respeita À celebração e aplicação das convenções coletivas; ou
seja, a intervenção e controlo estadual não se justificariam em moldes
de Direito Privado.
ii. As teorias publicistas: relacionam a convenção coletiva com as normas
emanadas do Estado, equiparando-a à lei, com a qual teria alguns
pontos de contacto. Numa perspetiva publicista, o facto de serem
entidades privadas que negoceiam e celebram as convenções
coletivas, não afeta a sua natureza de Direito Público, porque elas
fazem-no na base de uma delegação de poderes efetuada pelo Estado.
Partindo do pressuposto de que só ao Estado e algumas entidades
públicas, como as autarquias, foi dada competência para produzir
normas cujos destinatários não sejam as pessoas das quais elas
emanam, chegar-se-á à conclusão de que a convenção coletiva se
enquadra no domínio de uma situação similar à que se verifica no
caso de produção legislativa. Além disso, só partindo de uma
conceção publicista se poderia justificar a intervenção dos poderes
públicos no controlo da celebração e aplicação da convenção coletiva.
As teorias publicistas criticam-se na medida em que não há qualquer
similitude entre a produção de normas jurídicas conferida, em
particular, ao Estado e a celebração de convenções coletivas. A
convenção coletiva, mesmo no que respeita aos efeitos regulativos,
não tem de ter as características da generalidade e abstração, próprias
da Lei. Numa convenção coletiva pode resolver-se o problema
pontual de um grupo determinado de trabalhadores de certa empresa.
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Por outro lado, a convenção coletiva assenta num princípio de
liberdade contratual. As entidades das quais ela emana têm liberdade
de celebração e de estipulação e a convenção coletiva destina-se a
resolver problemas nas relações laborais, que são de Direito Privado.
Por último, no Direito português, atualmente, não há qualquer
intervenção dos poderes públicos no que respeita à celebração das
convenções coletivas. O estado limitou-se a estabelecer, com algum
pormenor, as diretrizes da atuação das entidades privadas, mas não
interfere nem nas negociações nem na sua celebração. O único
controlo que o Estado exerce respeita à recusa de depósito das
convenções coletivas (artigo 494.º, n.º4 e seguintes CT), mas tal
recusa só se verifica quando faltam elementos formais. Não há recusa
com base em aspetos substanciais. No plano substancial, exceção
feita à apreciação de discriminação (artigo 479.º CT), a incumbência
é dos tribunais.
iii. As teorias ecléticas podem ainda ser referidas: pretendem estabelecer
um ponto de ligação entre as teses contratualistas e publicistas. Para
as teorias ecléticas, a convenção coletiva pode apresentar-se como
um híbrido, entre o contrato e a lei, na medida em que tem
simultaneamente aspetos contratuais e publicistas. Noutros casos, as
teorias ecléticas baseiam-se em pressupostos institucionais e
corporativas, pelo que partem do princípio de que a convenção
coletiva foi celebrada por corpos intermédios, diferentes dos sujeitos
de Direito Privado. Tendo em conta a atual realidade política, não se
afigura sustentável admitir a existência de corpos intermédios e não
parece haver qualquer dúvida no sentido de as associações de
empregadores e as associações sindicais serem pessoas de Direito
Privado, sem qualquer particularidade relativamente a outros sujeitos
privados. Considerar-se a convenção coletiva como um híbrido entre
o contrato e a lei implica partir do seguinte pressuposto: a convenção
coletiva tem normalmente dois tipos de regras:
1. A parte obrigacional: a convenção é um puro contrato;
2. A parte regulativa: entrar-se-ia, aqui, no campo do Direito
Público, em razão da similitude com a lei.
Todas as críticas feitas ás teorias publicistas valem também, neste ponto, para as
conceções híbridas.
b. Posição adotada: tendo em conta este panorama e considerando que a
natureza jurídica da convenção coletiva se infere do regime estabelecido na
lei, com base no disposto na Constituição e no Código do Trabalho, parece
poder concluir-se que a convenção coletiva se deve enquadrar na noção de
negócio jurídico, pelas seguintes razões:
i. Há liberdade de constituição quer de associações sindicais quer de
associações de empregadores, assim como liberdade de filiação em
qualquer dessas associações;
ii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores são pessoas
coletivas de Direito Privado, e é nesta categoria que atuam ao celebrar
convenções coletivas;
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iii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores, ao ajustar
convenções coletivas, têm liberdade de celebração e liberdade de estipulação, tal
como ocorre com qualquer privado quando negoceia um contrato;
iv. A aplicação das convenções coletivas na sua parte regulativa baseia-se no princípio
da filiação. De facto, a aplicação das regras da convenção coletiva aos
filiados nas associações signatárias justifica-se com base no instituto
da representação. Os membros das associações sindicais e de
empregadores são representados por essas entidades na negociação
coletiva; a representação mantém-se enquanto durar a filiação. O
facto de, por vezes, os empregadores aplicarem as regras de
convenções coletivas a trabalhadores não sindicalizados ou não
filiados nos sindicatos outorgantes, justifica-se por motivos de ordem
prática, mas essa aplicação só vale na medida em que os trabalhadores
a tenham aceite. Se, efetivamente, a situação que emerge da aplicação
da convenção coletiva for mais benéfica do que aquela que advém do
contrato de trabalho é razoável que os trabalhadores não
sindicalizados ou filiados em sindicatos não outorgantes aceitem a
aplicação de soluções idênticas às da convenção coletiva. A
representação coletiva, que terá tido início com as convenções
coletivas, generalizou-se noutros domínios, como no caso das
associações de proteção do consumidor, que pretendem intervir,
representando igualmente os consumidores nelas filiados;
v. Relativamente à intervenção dos poderes públicos, pode dizer-se que, no nosso
sistema jurídico, está circunscrita à recusa de depósito de convenções coletivas.
Recusa essa que só pode ser feita tendo em conta a falta de elementos
formais e não com base em aspetos substanciais. Trata-se de um
mero controlo administrativo de aspetos formais, porventura menos
exigente do que aquele que os notários exercem em relação a outros
negócios jurídicos de Direito Privado. Relativamente às diretrizes
estabelecidas na lei, em particular no que respeita à celebração de
convenções coletivas, não se trata de uma forma de as afastar do
domínio do Direito Privado, porque o legislador também tem
estabelecido limites à contratação noutros contratos. Talvez em
relação às convenções coletivas haja um número mais elevado de
normas imperativas, mas trata-se tão só de uma maior limitação da
autonomia privada, frequente em sede de Direito do Trabalho. Para
além das diretrizes legais, há ainda a ter em conta as orientações
estabelecidas na concertação social. Mas estas são meras coordenadas
de atuação, não sendo imperativas, pelo que as entidades que vierem
a celebrar convenções coletivas podem tomar por modelo as
orientações da concertação social.
vi. O facto de no artigo 521.º CRT se estabelecerem contraordenações para o caso de
os empregadores não cumprirem as regras constantes de convenções coletivas, as
quais implicam o pagamento de coimas cujo produto reverte para organismo
públicos também não afeta a natureza privada da convenção coletiva. Realmente,
no domínio do Direito Privado não é normal a imposição de coimas
nos termos previstos no preceito citado; podendo as partes
estabelecer cláusulas penais, cujo produto reverte para o não faltoso.
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Mas esta particularidade não é relevante para desvirtuar a natureza
privada da convenção coletiva, porque, por exemplo, nos artigos 17.º,
n.º5, 19.º, n.º4, 20.º, n.º5, 29.º, n.º4, 37.º, n.º5, etc., CT, estabelece-se
igualmente que o empregador fica sujeito a coimas por infração aos
direitos dos trabalhadores. Além disso, cada vez é mais frequente
impor penas pela violação de contratos de Direito Privado, cujo
produto não se destina, pelo menos na totalidade, à contraparte
lesada. Isto verificasse, nomeadamente, nos termos do artigo 829.º-A
CC, que regula a sanção pecuniária compulsória. Para além desta
regra geral, em termos exemplificativos, no arrendamento rural e
florestal o legislador estabeleceu uma coima pelo não envio da cópia
do contrato para as finanças, que remeterá à correspondente Direção
Geral e no regime de direito real de habituação periódica foi
estabelecida uma multiplicidade de contraordenações puníveis com
coima (artigo 54.º Decreto-Lei n.º 275/93, 5 agosto). Há um único
aspeto em que a aplicação da convenção coletiva extravasa o domínio
do Direito Privado. Tal ocorre quando, mediante uma Portaria de
extensão, se alarga o âmbito de aplicação da convenção, passando a
valer relativamente a pessoas não filiadas nas entidades outorgantes
(artigo 514.º CT). Todavia, neste caso, os preceitos da convenção
coletiva aplicam-se a terceiros com base no poder regulativo do
Estado, ou seja, por força de um regulamento que emana de um
órgão político.
Acordo de adesão:
1. Noção: acordo de adesão, previsto no artigo 504.º CT, é o contrato celebrado por
uma entidade (associação sindical associação de empregadores ou empregador) que
não foi outorgante na convenção coletiva e que pretende que esta se lhe aplique. A
entidade interessada celebra o acordo de adesão para obter a extensão do âmbito de
aplicação da convenção coletiva. Só podem celebrar um acordo de adesão aquelas
entidades com capacidade negocial para ajustar convenções coletivas; ou seja, as
associações sindicais, as associações de empregadores e os empregadores. O acordo
de adesão será celebrado entre quem não é parte na convenção coletiva e uma das
entidades outorgantes, concretamente aquela que ocupa a posição contrária à do
interessado. Como esclarece o artigo 504.º, n.º2 CT, a entidade que pretende ser parte
no instrumento de regulamentação coletiva em vigor deverá celebrar o acordo de
adesão com o outorgante que na convenção coletiva se lhe contraporia, caso a tivesse
celebrado. O processo negocial, salvo as particularidades indicadas, segue o regime
geral estabelecido para as convenções coletivas.
2. Regime: por via do acordo de adesão, o aderente passa a sujeitar-se às regras da
convenção coletiva a que aderiu. O acordo de adesão é, deste modo, uma forma de
estender o campo de aplicação de uma convenção coletiva a quem não a tenha
celebrado, mas esteja interessado em que ela se lhe aplique. Celebrado o acordo de
adesão, o aderente fica em situação idêntica à que estaria se tivesse ajustado a
convenção coletiva, aplicando-se-lhe o respetivo regime, nomeadamente no que
respeita ao depósito e à publicação (artigo 504.º, n.º4 CT). Ao acordo de adesão
aplicam-se as regras gerais estabelecidas para as convenções coletivas,
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nomeadamente quanto ao depósito e publicação. O acordo de adesão será depositado
no Ministério do Trabalho (na Direção Geral do Emprego e das Relações de
Trabalho) e, depois, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, entrado em vigor
decorrida a vacatio (artigo 581º, n.º1 CT). Tendo em conta o disposto no n.º3 do artigo
504.º CT, coloca-se a dúvida de saber se o acordo pressupõe a receção de todas as
cláusulas da convenção coletiva ou se pode haver uma adesão parcial. Do preceito
citado resulta que, por via da adesão, não pode haver modificação do conteúdo da
convenção coletiva, mas nada impede que, existindo partes autonomizáveis, a adesão
seja parcial, sem abranger situações que não se adaptem ao aderente. Como se insere
deste preceito, não há liberdade de estipulação, pois as partes não podem modificar
o conteúdo da convenção coletiva em vigor, mas se o interessado não pretende a
extensão dos efeitos da convenção coletiva na totalidade, é possível proceder a uma
adesão parcial, sem alterar o respetivo conteúdo. Nada obsta, no entanto, a que se
proceda a alterações numa convenção coletiva, ajustando-a às especificidades dos
interessados, com vista celebrar outra convenção coletiva; não se trata, então, de um
acordo de adesão. Por outro lado, apesar de a adesão poder determinar a aplicação
de cláusulas de caráter obrigacional constantes da convenção coletiva, parece
razoável que, não se justificando a sua aplicação atendendo às condições particulares
dos outorgantes iniciais e do aderente, da adesão resulte a inaplicabilidade ao aderente
de cláusulas de natureza obrigacional incluídas na convenção coletiva.
3. Natureza jurídica: quanto à natureza jurídica, o acordo de adesão tem natureza
contratual e assenta na liberdade de celebração. Pressupõe a existência de duas
declarações de vontade:
a. Uma da entidade que pretende a extensão da convenção coletiva;
b. Uma da entidade outorgante da dita convenção coletiva.
Neste acordo há liberdade de celebração, mas não há liberdade de estipulação.
II – Instrumentos não negociais de regulamentação coletiva de trabalho
Aspetos gerais: a convenção coletiva, com base no princípio da filiação (artigo 496.º CT),
só encontra aplicação aos filiados (trabalhadores e empregadores) nas associações signatárias;
mais concretamente, aplica-se às entidades signatárias bem como aos trabalhadores e
empregadores nelas filiados. Quanto às entidades signatárias vale a parte obrigacional e aos
filiados nestas a parte regulamentar da convenção coletiva; exceto no que respeita aos
empregadores que, podendo ser outorgantes, também serão destinatários da parte
regulamentar da convenção coletiva. O princípio da filiação vigora igualmente em relação às
decisões arbitrais, que se aplicam às partes que aceitaram o compromisso arbitral, assim como
aos que se encontram nelas filiados. Deste modo, é com base no princípio da filiação que os
instrumentos autónomos da regulamentação coletiva de trabalho encontram a sua aplicação
em relação aos filiados nas associações outorgantes. Há, todavia, a exceção relativamente à
arbitragem obrigatória ou necessária, na medida em que esta pressupõe uma decisão arbitral,
que vale relativamente a quem não aceitou voluntariamente a arbitragem. Nesta hipótese, o
instrumento proveniente da decisão arbitral aplica-se a quem não a tenha pretendido. À
exceção da arbitragem obrigatória e necessária, os instrumentos de regulamentação coletiva
até agora analisados baseiam-se na autonomia contratual. Todavia, a lei prevê que, em
determinadas circunstâncias, superando o princípio da filiação, por via legislativa,
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concretamente mediante portaria de extensão, as convenções coletivas e as decisões arbitrais
podem valer relativamente a quem não esteja filiado nas associações signatárias. Em tal caso,
deixar-se-á de estar perante instrumentos autónomos, mas antes de instrumentos normativos
de regulamentação coletiva de trabalho. Por via de uma portaria de extensão pode
estabelecer-se que a convenção coletiva ou a decisão arbitral em vigor estenda a sua aplicação
a não filiados, como prescreve o artigo 514.º CT. Além disso, não existindo nenhuma
convenção coletiva ou decisão arbitral possível de extensão, pode constituir-se ex novo um
instrumento, designado por portaria de condições de trabalho (artigos 517.º e seguintes CT).
Portaria de extensão:
1. Noção: por portaria de extensão – publicada em portaria do ministério responsável
pela área do trabalho – pode ser alargado o âmbito de aplicação de uma convenção
coletiva ou de uma decisão arbitral. Mas a mencionada extensão só vale no que
respeita à parte regulativa da convenção coletiva ou da decisão arbitral e não em
relação à parte obrigacional. Por via da extensão, uma convenção coletiva ou uma
decisão arbitral passa a aplicar-se a trabalhadores não sindicalizados na associação
sindical, assim como a empregadores não filiados na associação de empregadores
vinculadas pelo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho em questão. Sem
dúvida que, mediante uma portaria de extensão, os referidos instrumentos coletivos
estendem a sua aplicação a trabalhadores não sindicalizados e a empregadores não
filiados em associações de empregadores, mas poder-se-ia discutir se, eventualmente,
se poderá alargar o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva a trabalhadores
filiados em outro sindicato ou a empregadores membros de outra associação de
empregadores, distintos das entidades outorgantes do mencionado instrumento de
regulamentação coletiva.
2. Pressupostos: como prescreve o artigo 514.º CT, a emissão de uma portaria de
extensão depende de certos pressupostos. O alargamento do âmbito da convenção
coletiva por portaria de extensão está limitado a empregadores e a trabalhadores
integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido no instrumento
cuja aplicação se estende (artigo 514.º, n.º1 CT). Como dispõe o n.º2 do artigo 514.º
CT, a extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e
económicas que a justifiquem. Dito de outro modo por via da portaria de extensão,
o instrumento coletivo, no que respeita a empregadores, só pode encontrar aplicação
do mesmo setor de atividade e, quanto a trabalhadores, ao mesmo setor profissional
(artigo 514.º, n.º1 e 2 CT). Não se pode, pois, estender a aplicação de uma convenção
coletiva ou de uma decisão arbitral a um setor económico ou a uma profissão
distintos; isto é, a situações diversas e se não houver circunstâncias económicas e
sociais que justifiquem (artigo 514.º., n.º2, 1.ª parte CT). A portaria de extensão tem
por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores
signatárias da convenção coletiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão
arbitral. Cabe acrescentar também que não parece razoável aplicar-se, por via da
extensão, um instrumento autónomo de regulamentação coletiva a trabalhadores
sindicalizados em outros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações
de empregadores, pois estar-se-á a pôr em causa o princípio da autonomia privada.
A isto acresce que, segundo a regra de subsidiariedade do artigo 515.º CT, a portaria
de extensão só pode ser emitido na falta de convenção coletiva, pelo que se dá
preferência à autonomia da vontade. A portaria de extensão aparece, assim, como
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forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais
ou de empregadores existentes ou, na falta destas, não pretenderam constituir
associações sindicais ou de empregadores representativas da atividade ou setor.
3. Regime: a portaria de extensão poderia ser emitida pelo Ministro do Trabalho ou
conjuntamente por este e pelo Ministro responsável pelo setor da atividade em causa
à qual se pretende estender o instrumento de regulamentação coletiva, se tiver havido
oposição à extensão por parte dos interessados no processos (artigo 516.º, n.º1 CT).
Antes de ser emitida a portaria de extensão impõe a lei que haja uma prévia
publicação no Boletim de Trabalho e Emprego de um projeto, indicando qual o
âmbito de aplicação do regulamento que se pretende publicar (artigo 516.º, n.º2 CT).
Este aviso prévio serve, não só para que os interessados possam deduzir oposição
fundamentada a essa extensão, como também para que se dê a conhecer aos
interessados o seu conteúdo, de modo a poderem apreciar a sua justificação. Se não
houver oposição ou se esta for considerada infundada e cumpridas as regras
procedimentais, o Ministro responsável pela área do trabalho emitirá a portaria de
extensão, mandá-la-á publicar, nos termos gerais, no Boletim do Trabalho e Emprego,
que também é publicado em portaria do Diário da República, entrando em vigor nos
moldes estabelecidos para as convenções coletivas de trabalho (artigo 519.º, n.º1 e 2
CT).
4. Âmbito de aplicação: a portaria de extensão a que se alude no artigo 514.º CT não
deverá abranger o alargamento do âmbito de aplicação de uma convenção coletiva
ou de uma decisão arbitral aos trabalhadores de um sindicato não signatário do
acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores. Por via da
extensão, a convenção coletiva ou a decisão arbitral passa a aplicar-se a trabalhadores
não sindicalizados, assim como a empregadores não filiados numa associação de
empregadores. Mas, como se referiu, não se poderá estender a aplicação de uma
convenção coletiva a trabalhadores filiados em outro sindicato ou a empregadores
membros de outra associação de empregadores, distintos das entidades outorgantes
da mencionada convenção coletiva. Admitindo-se que a extensão do instrumento
autónomo pode abranger trabalhadores filiados em outra associação sindical, estar-
se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial
ficaria coartada. Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela
convenção coletiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a esse
instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objeção relativa a essa convenção
coletiva. Assim sendo, se a associação sindical tem uma objeção quanto àquela
convenção coletiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de uma portaria
de extensão, os filiados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento
coletivo, pressupõe que se coarta a autonomia contratual das associações sindicais no
que respeita à negociação e celebração de convenções coletivas. O mesmo se diga
relativamente às associações de empregadores; se a associação de empregadores não
quis celebrar ou aderir àquela convenção coletiva ou decisão arbitral, parece que não
poderá depois, por via de uma portaria de extensão, aplicar-se o sobredito
instrumento coletivo aos seus membros. Pelas razões invocadas, a extensão só deverá
valer relativamente a quem não esteja sindicalizado ou a quem não esteja filiado em
nenhuma associação de empregadores, porque de outra forma, mediante a portaria
de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de
empregadores, que não queriam determinada convenção coletiva, a, indiretamente,
aceitá-la. Esta tomada de posição pode ser coadjuvada com um argumento
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suplementar no caso de o sindicato ou a associação de empregadores, a cujos filiados
se pretende aplicar o instrumento autónomo por portaria de extensão, serem mais
representativos do que as associações signatárias do acordo que se pretende alargar.
Caso em que as associações mais representativas veriam a sua influência ser
suplantada por um instrumento celebrado por associações menos representativas.
Contudo, atendendo à liberdade no que respeita à constituição de associações
sindicais, não será raro surgirem sindicatos e mesmo associações de empregadores
com reduzida representatividade que, relativamente a um número diminuto de
associados, conseguiriam que não se aplicasse um determinado instrumento de
regulamentação coletiva, com as consequentes iniquidades que daí poderiam advir.
Só que este eventual inconveniente não deve ser resolvido por via de uma limitação
da autonomia privada sem apoio na lei. Acresce que a portaria de extensão é supletiva,
não devendo sobrepor-se à autonomia privada, principalmente quando se ajustou
outro instrumento coletivo; de facto, como resulta da regra da supletividade do artigo
515.º CT, deve dar-se preferência aos instrumentos negociais em detrimento dos
instrumentos não negociais. Por via de regra, até com base nos respetivos
pressupostos, a portaria de extensão não pode ser emitida no caso de já existir
regulamentação coletiva negocial; na hipótese contrária – pouco consentânea com o
princípio da liberdade contratual e dificilmente sustentável face à nova redação da lei
– e noutras situações em que seja emitido uma portaria de extensão, podem suscitar-
se questões de concurso, caso em que se devem aplicar as regras comuns
estabelecidas em sede de convenções coletivas.
Portaria de condições de trabalho:
1. Noção: a matéria relativa à portaria de condições de trabalho vem prevista nos
artigos 517.º e 518.º CT, que era anteriormente designado por portaria de
regulamentação do trabalho (LRCT) e depois regulamento de condições mínimas. A
portaria de condições de trabalho tem um caráter excecional como se depreende do
disposto nos correspondentes artigos, e são cada vez menos as situações em que o
legislador recorre a estas portarias, embora existam ainda algumas em vigor,
designadamente uma portaria de regulamentação de trabalho para a agricultura
(Portaria 8 junho 1979).
2. Pressupostos: só se recorre aos regulamentos de condições mínimas se não for
viável emitir uma portaria de extensão, não existirem associações sindicais ou de
empregadores e estiverem em causa circunstâncias sociais e económicas que o
justifiquem (artigo 517.º CT).
a. Primeiro, se não houver convenção coletiva de trabalho ou decisão
arbitral a lacuna será resolvida por via de uma portaria de extensão;
b. Não sendo possível, então poder recorrer-se à portaria de condições de
trabalho.
O caráter excecional da portaria de condições de trabalho também deriva do facto
de, tendo sido celebrada uma convenção coletiva ou proferida uma decisão arbitral
com vista à resolução do mesmo problema, nos termos do artigo 515.ºCT, a portaria
de condições de trabalho deixa de vigorar. Esta portaria serve somente para suprir
lacunas, enquanto não existirem outros instrumentos de regulamentação coletiva
fundados na autonomia das partes. A emissão da portaria de condições de trabalho
deve ser precedida de um estudo a efetuar por uma comissão, que poderá ser
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integrada também por representantes dos trabalhadores daquela profissão e de
empregadores daquele setor económico (artigo 518.º CT).
3. Regime: a portaria de condições de trabalho é emitida pelo Ministro do Trabalho e
deverá ser publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego e no Diário da República,
entrando em vigor nos termos gerais (artigo 519.º CT). A portaria de condições de
trabalho aplica-se o regime comum estabelecido para os instrumentos de
regulamentação coletiva, sabendo-se, contudo, de entre estes, que tem uma origem
não negocial.
Natureza jurídica das portarias de extensão e de condições de trabalho:
1. Regulamentos administrativos: a referência não negocial a estes instrumentos
precisa de uma justificação, que se prende com a natureza jurídica de tais
regulamentos, mais propriamente dos instrumentos coletivos criados por
regulamento. Normalmente, relacionam-se as portarias de extensão e de condições
de trabalho com formas de regulamentação laboral de índole administrativa,
considerando-as instrumentos administradores de regulamentação coletiva de
trabalho. Havendo mesmo quem qualifique a portaria de extensão como um ato
administrativo. É indiscutível que estas portarias se englobam na atividade
regulamentar da administração estadual, entendida num sentido amplo, de
intervenção no domínio laboral. Mas o problema está em saber se esta intervenção,
por via das referidas portarias, tem natureza administrativa ou se, pelo contrário, tais
atos conformam uma natureza normativa. O ato administrativo pressupõe uma
estatuição relativa a um caso concreto, que visa solucionar; por conseguinte, tem em
vista uma situação delimitada, perfeitamente definida. Por via de regra, através de um
ato administrativo resolve-se o problema pontual de um indivíduo, de uma empresa,
etc., faltando-lhe, pois, a generalidade e a abstração. Tanto a portaria de extensão
como a portaria de condições de trabalho; por princípio, não têm em vista resolver
casos concretos; elas destinam-se a solucionar questões de um determinado grupo de
trabalhadores ou de determinadas empresas, aplicando-se, normalmente, para o
futuro, nas situações a constituir, pelo que tem as características da generalidade e da
abstração. Mas, no Direito Administrativo (alemão), fala-se, também, nos chamados
atos administrativos gerais, que têm por destinatário uma generalidade de pessoas.
Todavia, no nosso sistema jurídico português, é duvidoso que tais atos
administrativos gerais tenham a natureza de atos administrativos. Considerando que
tais atos têm natureza normativa, qualificam-se como regulamentos administrativos.
Mas mesmo que se conferisse natureza de ato administrativo aos chamados atos
administrativos gerais, continuaria a ser discutível que a portaria de extensão e, em
especial, a portaria de condições de trabalho tivessem tal natureza. De facto, tais
regulamentos, mormente a portaria de condições de trabalho, gozam da característica
da generalidade, pois aplicam-se a uma pluralidade de destinatários, a um
determinado grupo de trabalhadores. Além disso, os mencionados regulamentos
(portarias) gozam igualmente da característica da abstração, pois têm em vista regular
situações a constituir, ou seja, vale em relação a contratos futuros. Há um último
aspeto a considerar. Relativamente à portaria de condições de trabalho não parecem
subsistir dúvidas quanto à sua natureza normativa, na medida em que ela não tem
por base qualquer acordo das partes. Trata-se, por conseguinte, de normas emanadas
do Ministério responsável pela área do trabalho sem qualquer base contratual,
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diferentemente do que ocorre com as portarias de extensão, que alargam o campo de
aplicação de um acordo das partes. Mas, quanto aos efeitos, não há diferenças
substanciais entre uma portaria de extensão e uma portaria de condições de trabalho
e, no que concerne à respetiva natureza jurídica, os dois tipos de regulamentos devem
ter um tratamento unitário, porque pretendem as mesmas situações; a isto acresce
que a portaria de condições de trabalho é subsidiária da portaria de extensão. Ora,
como não se põe em causa a natureza normativa da portaria de condições de trabalho,
parece que também não se deve questionar a natureza normativa da portaria de
extensão; ambas se englobam no poder regulamentar do Estado. Perante isto, talvez
se possa concluir que as portarias de extensão e de condições de trabalho devem ser
qualificadas como regulamentos administrativos; daí a alteração terminológica
introduzida pelo Código do Trabalho, que passou a designar as portarias de extensão
por regulamentos de extensão e as portarias de regulamentação de trabalho por
regulamentos de condições mínimas. Não obstante a alteração terminológica, em
2009, que voltou a apelidá-las de portaria, a natureza jurídica regulamentar persiste.
Destes regulamentos constam normas jurídicas emanadas de uma autoridade
administrativa – Ministério responsável pela área do trabalho e, no caso de portaria
conjunta, Ministério do Trabalho e outro Ministério. Sendo normas jurídicas, nelas
encontram-se as características da generalidade e abstração. Por outro lado, tais
portarias também se devem incluir na figura do regulamento administrativo porque
estão subordinadas à lei, podendo delas constar regras, tão só na medida em que não
contrariem o disposto na lei e, mais do que isso, estas portarias só podem ser emitidas
quando expressamente a lei as prevê e nas condições nela determinadas. As regras
constantes das referidas portarias não podem desrespeitar a lei sob pena de serem
impugnadas contenciosamente.
2. Competência jurisdicional: qualificadas como regulamentos administrativos, tal
portarias não podem ser impugnadas contenciosamente com base em ilegalidade, nos
termos gerais, em que se admitem que as normas regulamentares, em que se incluem
os regulamentos administrativos, sejam impugnadas contenciosamente, invocando a
sua ilegalidade. Esta impugnação pode contrariedade à lei é diversa daquela a que
estão sujeitos os atos administrativos. Em termos gerais, sempre se poderá dizer que
a impugnação baseada em ilegalidade dos regulamentos administrativos e a respetiva
declaração de ilegalidade segue um regime muito simular ao da declaração de
inconstitucionalidade das leis, sendo a competência jurisdicional diferente. A
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral dos regulamentos
administrativos é da competência de um tribunal administrativo, enquanto para
idêntica declaração de inconstitucionalidade das leis a competência foi atribuída ao
Tribunal Constitucional. Estabeleceu-se, por conseguinte, um sistema de ilegalidade
para os regulamentos administrativos, distinto do regime instituído para a
impugnação dos atos administrativos, designadamente porque, mesmo depois de
declarada a ilegalidade (sem força obrigatória geral) de um regulamento
administrativo, este pode continuar a aplicar-se, enquanto não for declarada a
ilegalidade com força obrigatória geral. O mesmo ocorre em relação às leis. Tendo
concluído que as portarias de extensão e de condições de trabalho se enquadrem na
figura dos regulamentos administrativos, e sabendo que estes são impugnados
perante o Tribunal Administrativo, poder-se-ia, então, deduzir que as questões
emergentes da aplicação de normas destas portarias deveriam ser suscitadas perante
os tribunais administrativos. Mas não parece que esta conclusão seja de acompanhar.
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Tais questões devem, antes, ser suscitadas perante o tribunal de trabalho; cabendo
aos tribunais administrativos a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
das normas constantes de regulamentos. São os tribunais de trabalho que têm de
verificar se numa portaria de extensão ou de condições de trabalho foi respeitada a
lei, ao menos tempo que lhes cabe determinar como devem tais portarias ser
interpretadas perante as situações concretas. O respeito da lei a que se aludiu reporta-
se, em particular, à relação com a lei geral do trabalho; sendo os tribunais do trabalho
que deverão apreciar da compatibilidade de uma solução que decorre da portaria com
as regras gerais; por exemplo, cabe aos tribunais de trabalho verificar se não foi
violada uma norma imperativa, como a que prescreve o regime da caducidade do
contrato de trabalho ou o regime do tempo de trabalho, fixando o período máximo
de trabalho. Assim sendo, para as questões relativas à anulação e interpretação de
cláusulas de portarias de extensão ou de condições de trabalho e a declaração de
ilegalidade de tais regulamentos (portarias) ou de normas dele constantes com força
obrigatória geral. Esta última declaração de ilegalidade tem lugar depois de os
tribunais de trabalho terem julgado ilegal, em três casos concretos, uma determinada
norma de tais portarias. O tribunal administrativo declara com força obrigatória geral
a ilegalidade da portaria de extensão ou de condições de trabalho ou de normas deles
constantes em termos idênticos àqueles em que o Tribunal Constitucional declara a
inconstitucionalidade das leis. Por conseguinte, a portaria de extensão bem como a
portaria de condições de trabalho inserem-se na atividade administrativa estadual,
mas têm uma natureza normativa. As questões delas emergentes são dirimidas
perante os tribunais de trabalho.
III - Conflitos coletivos de trabalho
Aspetos gerais:
1. Conflito coletivo; noção: o conflito de trabalho assenta numa reivindicação
apresentada pelos trabalhadores, em princípio representados pelos respetivos
sindicatos ou comissões de trabalhadores. Na eventualidade de o empregador,
individualmente considerado ou representado pela respetiva associação de
empregadores, não ter aceitado a reivindicação estão lançadas as bases para o conflito
coletivo. O conflito coletivo tem estado no cerne do desenvolvimento do Direito do
Trabalho, pois a intervenção coletiva na vida jurídica trouxe particularidades a este
ramo do Direito. A relação laboral autonomizou-se de outras relações jurídicas
obrigacionais, em grande parte como consequência do conflito coletivo. Nas demais
relações jurídicas obrigacionais, os problemas são suscitados e resolvidos inter partes,
ou seja, surgem conflitos, mas estes resumem-se a uma relação entre dois sujeitos, as
partes na relação jurídica. Diferentemente, na relação jurídica laboral, o eventual
conflito que venha a ser suscitado entre o trabalhador e o empregador, para além do
cariz individual, pode assumir a natureza de um conflito coletivo. De facto, foi por
via do conflito coletivo que, paulatinamente, foram sendo introduzidas
particularidades no Direito do Trabalho, em especial dos conflitos coletivos tem
resultado uma melhoria das condições de trabalho. Na relação individual, pode estar
em causa a interpretação e aplicação de cláusulas que vinculam as partes. Mas, na
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hipótese de conflito coletivo, as mais das vezes, o problema não se resume a uma
deficiente aplicação de regras em vigor, mas à sua modificação ou substituição por
outras mais favoráveis ao trabalhador. Pretende-se, no fundo, alterar o status quo
vigente naquelas relações laborais. Assim, o conflito coletivo supera os conflitos
individuais entre empregador e trabalhador, levando-os para um campo alargado. Os
conflitos individuais continuam a existir no domínio laboral, mas não têm o mesmo
peso nem a amplitude dos conflitos coletivos. O conflito individual, na maioria das
relações laborais, teria poucas possibilidades de vir a ser bem sucedido pelo lado do
trabalhador. Pode-se dizer que, em determinada medida, o conflito coletivo de
trabalho será um tipo de dissídio coletivo social. Porém, a base do conflito coletivo
de trabalho nem sempre é social, só que no Direito do Trabalho, muitas das vezes,
tem sido estudado e desenvolvido partindo de um ponto de vista social, até porque,
frequentemente, se verifica uma certa indissociação entre as matérias
verdadeiramente laborais e as questões sociais genéricas. É habitual que os conflitos
coletivos de trabalho tenham na sua génese problemas laborais concretos, os quais,
em certa medida, estão também interligados com aspetos sociais, mas estes nem
sempre se encontram diretamente relacionados com questões laborais.
Consequentemente, não é raro que os conflitos coletivos de trabalho tenham
interferência em aspetos sociais, económicos e inclusive políticos, tendo em conta a
frequente conexão entre as questões laborais, sociais, económicas e políticas. Os
conflitos coletivos de trabalho têm, assim, uma relevância económica e social, daí que
a posição inicial dos governos desde os regimes liberais fosse a de os contrariar,
ilegalizando-os. Atualmente, nos regimes não autoritários tem-se entendido que os
conflitos coletivos não põem em causa a autoridade do Estado, desde que estejam
delimitados e se forem exercidos de forma disciplinada e de boa fé. Dentro de certos
parâmetros, são admitidos os conflitos coletivos, porque, desde que estejam
delimitados, o Estado poderá continuar a exercer a sua autoridade. O problema reside
em disciplinar os conflitos coletivos. Além disso, tem-se entendido que os conflitos
coletivos apresentam aspetos vantajosos. Pode definir-se o conflito coletivo de
trabalho como a divergência sobre questões laborais determinadas entre vários
trabalhadores, representados ou não por sindicatos, e um ou mais representados ou
não por associações de empregadores.
2. Tipos: tradicionalmente, quando se alude a conflitos coletivos de trabalho
pressupõe-se que está só em causa a discussão de aspetos laborais, o que nem sempre
é verdadeiro. Por via de regra, tais conflitos advêm de divergências em questões
laborais, as quais indiretamente podem repercutir-se noutros domínios, inclusive fora
do Direito do Trabalho. A divergência que dá aso ao conflito coletivo pode não advir
necessariamente de uma perturbação na relação laboral. Nos conflitos coletivos
distinguem-se aqueles que:
a. Têm base jurídica: conflitos de Direito, pois respeitam à interpretação e
aplicação de normas jurídicas constantes de contratos de trabalho,
instrumentos coletivos de regulamentação do trabalho ou leis aplicáveis à
relação laboral. Estes conflitos coletivos jurídicos poderão encontrar uma
solução por via jurisdicional. Em princípio, são os tribunais que verificam se
a aplicação das normas está a ser feita de forma correta. Os conflitos de
direitos ou jurídicos, mesmo quando assumem um caráter coletivo, podem
ser resolvidos de modo individual, eventualmente com recurso aos tribunais.
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b. Têm base índole económico-social: os conflitos laborais, também
designados conflitos de interesses, respeitam à substituição das regras
jurídicas vigentes. Estando em causa um conflito coletivo do tipo
económico-social, os trabalhadores pretendem não uma diversa aplicação das
normas em vigor, mas sim que estas sejam substituídas por outras, pois
consideram-nas inadequadas. Normalmente, quando se fala em conflitos
coletivos de trabalho estão em causa os conflitos de índole económico-social.
Nos conflitos coletivos laborais do tipo económico social, pretende-se a
alteração de regras jurídicas em vigor; o aumento da retribuição, a redução
do horário de trabalho, uma maior segurança no trabalho, etc. Estes conflitos
não poder ser dirimidos por via jurisdicional, pois os tribunais de trabalho
não têm competência para os resolver. Os tribunais de trabalho têm
competência para determinar se aquele conflito é lícito ou ilícito, mas não
para decidir acerca das reivindicações dos trabalhadores. Quando não está
em causa a interpretação e aplicação de normas existentes, mas sim a sua
substituição, será de excluir a competência da jurisdição laboral. Os conflitos
coletivos de tipo económico-social, por vezes, só indiretamente se
repercutem na relação laboral. Por isso, na noção de conflito laboral não se
fez propositadamente menção à relação laboral, mas sim a questões laborais.
O conflito coletivo não está necessariamente associado com problemas que
derivam de relações laborais. Ou seja, o conflito coletivo pode não advir de
uma divergência que respeite às relações laborais dos trabalhadores em causa,
basta que se relacionem, direta ou indiretamente, com questões laborais.
De entre os conflitos coletivos, o mais importante é a greve, com maior repercussão
prática e desenvolvimento jurídico. Para além da greve pode fazer-se alusão a outras
formas coletivas de luta dos trabalhadores. Por exemplo, o boicote a um empregador
relativamente à celebração de contratos de trabalho. Os conflitos coletivos podem
ser:
c. Lícitos; ou
d. Ilícitos.
A ilicitude advém da contrariedade a regras ou princípios jurídicos. Os conflitos
coletivos ilícitos põem em causa a aplicação de normas gerais de convivência.
Teoricamente, aos empregadores também caberia exercer forma de luta coletiva.
Poderiam desencadear uma luta coletiva para fazer face ao conflito coletivo já
desencadeado pelos trabalhadores, ou seja, em resposta a este último. Esta resposta
dos empregadores seria, designadamente, o encerramento das empresas, chamado
lock out. O lock out foi admitido em Portugal durante a primeira República e ainda o é
em alguns países. Estando encerrada a empresa, o empregador não pagaria as
retribuições a todos os trabalhadores e estes acabariam por ceder, na medida em que
necessitavam da remuneração. A outra forma de luta coletiva de empregadores
poderia ser a da procederem a despedimentos coletivos, isto é, aplicarem sanções aos
trabalhadores que tivessem desencadeado um conflito coletivo. Tais formas de luta
não estão permitidas no sistema jurídico português. Não é uma situação generalizada,
pois há sistemas jurídicos onde se admitem, em determinada medida, formas de luta
coletiva a desencadear pelos empregadores.
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Greve:
1. Considerações preliminares:
a. Admissibilidade e limites: a greve, de entre os conflitos coletivos,
apresenta-se como a luta paradigmática dos trabalhadores em que se pretende
pôr em causa as regras vigentes. A greve permite que, sendo satisfeitas as
reivindicações dos trabalhadores, se atinja um maior equilíbrio na relação
contratual. Por via da pressão exercida pela greve com respeito aos
empregadores pode vir a estabelecer-se uma situação de maior justiça na
relação laboral. Parece paradoxal, mediante o desencadear de uma luta onde
se põem em causa regras jurídicas, que se possa atingir a justiça; ou seja, que
a justiça se obtenha mediante o incumprimento dos contratos de trabalho e,
consequentemente, pelo desrespeito de normas jurídicas4. Daí que a greve
tenha tido alguma dificuldade de explicação e enquadramento jurídico. Do
ponto de vista terminológico, em português, usa-se a expressão greve, de
origem francesa (grève – do nome da praça de Paris, junto ao rio Sena, onde
se reuniam os trabalhadores à procura de trabalho. Bernardo Xavier alude a
expressões portuguesas sinónimo de greve, anteriormente utilizados, como
coalizão e parece), verificando-se, nas línguas latinas uma grande diferença
vocabular: assim, em castelhano5 utiliza-se o termo huelga e em italiano6 a
expressão sciopero. A greve encontra-se hoje regulada nos artigos 530.º a 543.º
CT, regime que se aplica aos trabalhadores com contrato de trabalho, assim
como àqueles que desempenham funções públicas nos serviços de
administração direta e indireta do Estado, nos termos do disposto nos artigos
392.º e seguintes do regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
A admissibilidade da greve não é hoje contestada nos países que adotaram
sistemas políticos pluralistas e de economia de mercado – perspetivas que
costumam encontrar-se associadas –, pois o direito à greve é incontestável
como instrumento corretor de desequilíbrios. Não obstante o direito de greve
ser incontestável, há que ponderar certos limites na sua atuação, apesar do
disposto no artigo 57.º, n.º2 CRP. Importa, por um lado, disciplinar a greve
– que tem de ser exercida de boa fé (artigo 522.º CT) – e, por outro lado,
determinar quais são as greves lícitas. Há, de facto, uma proibição
constitucional de limitar o âmbito da greve, mas o direito não pode admitir
situações ilícitas sob o manto da greve. Importa ter em conta que o Estado
também estabeleceu limites à greve; concretamente, o regime instituído não
se aplica às forças militares e militarizadas. Com base no disposto no artigo
4 大象城堡 diz: não vos deixeis enganar: o autor está aqui também a pôr em causa a questão da dialética (como processo onde
a tese e a antítese são o caminho para a síntese) para a compreensão da verdade (também histórica e) atual.[como quem diz, rejeitar e demonstrar distanciamento – ou será mesmo aversão? – à realidade socialista/comunista da base de luta laboral destes conflitos] 5 Idem: O autor utiliza o termo espanhol, corrigimos porque a normalização do emprego deste termo deixa a crença de que a unidade da “Espanha” está na matriz castelhana de ser comum a todas as realidades culturais (mas não serão nacionais??) dos povos peninsulares o que é falso e deve ser negada para que, se é que verdadeiramente se queira que a península o seja, as Espanhas se possam ser. [Se a Senhora do Almurtão virou costas a Castela, não há porque agora não o fazer também, ainda para mais quando o que nos resta será Castela, querendo, ela também, a “união” hegemónica sempre em seu enlace]. 6 Idem: Antes de nos acusarem de não termos a mesma postura para com o italiano: Roma não nos está à porta culturalmente querendo fazer do nosso quintal a pérola da sua ganância ou mitificação de Império (ainda que possamos ter de ter, em coerência, uma mesma necessidade de precisão – desculpai-nos venezianos, sul-tiroleses e todos os “oprimidos” de Vitor Emanuel.
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270.º CRP, admite-se que, nesses casos, pode haver limites quanto ao
exercício do direito de greve. É certo que o legislador viabilizou a greve na
função pública, que, em muitos países, se encontra proibida. A isto acresce
que, como se referiu, na revisão constitucional de 1997, incluiu-se um n.º3 ao
artigo 57.º CRP, do qual resulta uma limitação constitucional ao exercício do
direito de greve, nomeadamente no que respeita à determinação de serviços
mínimos.
2. Noção:
a. Determinação: nem na Constituição nem nos artigos 530.º e seguintes CT
se encontra uma definição deste instituto. O legislador não apresentou uma
noção de greve não tanto por ter presente a máxima omis definitio in iuris
periculosa est, mas porque qualquer definição seria redutora e poderia conduzir
a uma limitação inadmissível do direito à greve. Não obstante se ter omitido
a definição de greve, a jurisprudência e a doutrina têm-se baseado num
conceito de greve para poder discutir este instituto; em particular, cabe
determinar os seus contornos e efeitos bem como importa determinar em
que medida a greve é lícita ou ilícita. Pode começar por se definir a greve
como a abstenção concertada da prestação de trabalho a efetuar por uma
pluralidade de trabalhadores com vista à obtenção de fins comuns. Importa
explicitar os vários termos desta definição.
b. Abstenção de trabalhar: a abstenção de trabalhar pode ser entendida num
sentido restrito ou numa aceção ampla.
i. Em sentido restrito: na abstenção de trabalhar pressupõe-se que o
trabalhador deixe de efetuar a atividade; trata-se de uma total
paralisação.
ii. Em sentido amplo: poderá entender-se que a abstenção abrange, para
além da paralisação, um refrear na execução da atividade laboral, ou
seja, nela se incluem também as perturbações na relação laboral que
não impliquem paragem na execução do trabalho.
A posição tradicional preconiza a aceção restrita. A abstenção será, assim,
entendida como paralisação total. O trabalhador só estará em greve se não
realiza qualquer prestação relacionada com a atividade laboral, exceto se
estiver a cumprir serviços mínimos. Esta noção de greve total paralisação é a
dominante nos países da Europa do Norte e nos Estados Unidos da América,
nos quais o poder económico dos sindicatos permite manter situações de
greve em que as associações sindicais compensam os prejuízos sofridos pelos
trabalhadores, em especial a perda de salário. Nos países latinos, e
concretamente em Portugal, tal não ocorre. Por um lado, os sindicatos, em
geral, têm um poder económico bastante reduzido e, por outro, as
dificuldades financeiras de grande parte dos trabalhadores não permitem que
sejam desencadeadas greves prolongadas, pelo que se tem recorrido também
a formas de luta em que não há uma verdadeira paralisação, mas apenas uma
perturbação na relação laboral. Não obstante a complexidade do problema e
de as soluções globais terem de ser sempre ponderadas perante casos
concretos, é sustentável, por via de regra, que a abstenção, para efeitos de
greve, deva ser entendida como inatividade, como paralisação propriamente
dita, não devendo as perturbações na relação de trabalho ser incluídas no
conceito de abstenção.
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c. Concertação entre trabalhadores: como segundo elemento da noção
apresentada é de indicar que a greve constitui uma abstenção concertada da
atividade laboral, ou, como tradicionalmente se dizia, a greve é uma coalizão
de trabalhadores que suspendem a prestação da atividade laboral. Deste
modo, a abstenção tem de ser combinada, previamente ajustada pelos
trabalhadores, normalmente com intermediação sindical, e comunicada essa
intenção ao empregador.
d. Pluralidade de trabalhadores: em terceiro lugar, a greve pressupõe que a
paralisação seja efetuada por uma pluralidade de trabalhadores; pelo menos,
tem de haver vários trabalhadores que possam aderir à greve, mesmo que,
depois, o não façam. Não é que, perante uma situação concreta tenham de
estar em greve vários trabalhadores. Se for decretada greve numa dada
empresa e no dia marcado só um trabalhador a ela adere, este trabalhador,
apesar de o fazer isoladamente, está a exercer licitamente o seu direito à greve.
Faz parte da noção de greve, e por isso ela se inclui entre os conflitos
coletivos, a possibilidade de aderirem vários trabalhadores. Levantam-se,
contudo, problemas quando num determinado setor ou numa dada empresa
só laborem dois trabalhadores ou mesmo um só. Não é o facto de se trabalhar
isoladamente que pode constituir obstáculo ao exercício do direito de greve.
Pelo que, apesar de não ser habitual, o único trabalhador de uma empresa
pode fazer greve, mas, havendo vários trabalhadores da mesma categoria, a
paralisação pode ser efetuada por todos.
e. Fins: por último, a greve tem em vista a obtenção de fins comuns por parte
dos trabalhadores. O que deva entender-se por fins comuns é igualmente
polémico.
i. Em sentido restrito: os fins comuns relacionam-se com a situação
laboral; mas
ii. Em sentido amplo: podem abranger também interesses políticos,
económicos, de solidariedade, etc.
Parece não haver dúvidas de que a greve é um direito dos trabalhadores, ou
seja, daqueles que se integram numa relação jurídica laboral, não sendo um
direito dos chamados trabalhadores independentes. A dúvida poderia surgir
com base no disposto no n.º1 do artigo 57.º CRP, onde se fala no direito de
greve sem relacionar com os trabalhadores. Mas no n.º2 do mesmo preceito,
vem estabelecer-se os termos em que os trabalhadores podem definir o
âmbito da greve; logo, deve entender-se que a greve só existe em relação a
trabalhadores. O mesmo se depreende do disposto no n.º1 do artigo 530.º
CT, ao relacionar-se a greve com um direito dos trabalhadores. A greve
pressupõe, assim, a existência de uma relação jurídica de subordinação com
o empregador. Nestes termos, não integram o conceito técnico de greve as
chamadas greves de estudantes ou de consumidores ou qualquer paralisação
decretada por trabalhadores independentes. Quanto às finalidades que os
trabalhadores podem prosseguir com a greve, questiona-se acerca da
legalidade de greves com fins não laborais. Através da greve, os trabalhadores
fazem reivindicações com vista a ver satisfeitas certas pretensões de ordem
laboral, pelo que nos casos referidos, juridicamente, parece que não haverá
greve. Na medida em que a greve funciona como meio de pressão para atingir
certos fins, se as pretensões não podem ser satisfeitas pelo empregador, não
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se pode qualificar a situação como verdadeira greve. Os fins comuns que se
reivindicam devem estar na disponibilidade de satisfação por parte do
empregador. Até porque é a entidade patronal quem suporta o risco inerente
à greve, designadamente devendo pagar o salário aos trabalhadores não
grevistas e as indemnizações por incumprimento de obrigações para com
terceiros. Só será justo que o empregador suporte tal risco se tiver a
possibilidade de satisfazer as pretensões dos trabalhadores. Esta posição,
porém, de iure condito não será fácil de justificar, já que a Constituição (artigo
57.º) estabelece que a lei não pode impor limitações à greve e, em termos
literais, as normas legais admitem-na em sentido amplo. Mas tal interpretação
literal não parece conformar-se com as razões que levaram ao surgimento da
greve como direito, pelo que o sentido restritivo proposto se impõe.
3. Modalidades: a propósito da noção já se fez alusão a algumas modalidades de greve.
A indicação destas será sempre exemplificativa, mas importa referir alguns casos.
a. A greve geral opõe-se à greve parcial ou sectorial:
i. A greve geral:
1. Num sentido amplo: pressupõe a paralisação de todos os
trabalhadores do país. Trata-se de uma greve, essencialmente
com conotações políticas, muitas das vezes associada a
finalidades revolucionárias, pouco frequente nos dias de hoje7.
2. Num sentido restrito: falar-se-á em greve geral quando implica a
paralisação de todos os trabalhadores de uma profissão ou
empresa.
ii. A greve sectorial: pelo contrário, reporta-se à paralisação de alguns
trabalhadores de determinada profissão ou de um núcleo da empresa;
a greve é circunscrita a um grupo de profissionais delimitado ou a um
núcleo de empresa. A distinção é importante porque se a uma greve
sectorial aderirem trabalhadores de outros núcleos, haverá ilicitude.
b. A greve típica ou própria opõe-se à greve atípica ou imprópria:
i. A greve típica: corresponde à paralisação total dos trabalhadores;
ii. A greve atípica: não está em causa uma verdadeira abstenção do
trabalho, mas uma perturbação da relação laboral. Em muitos casos,
estas greves são ilícitas, o que não quer dizer que o sejam
necessariamente.
Esta distinção reporta-se, pois, à diferença entre greve no sentido tradicional
(típica) e as novas modalidades de greve (atípica) em que não haverá sempre
uma paralisação absoluta da atividade laboral.
c. A greve lícita opõe-se à greve ilícita:
i. A greve lícita: é a greve permitida pelo Direito;
ii. A greve ilícita: é a greve que contraria o Direito. Que podem ser
enquadradas numa de três situações:
1. Não obstante terem sido desencadeadas dentro dos pressupostos gerais
deste instituto, prosseguem fins ilícitos.
7 E vêm como ele lança o preconceito contra certos institutos ao lançar fundamentação de pudor ou certa repulsa a orientações políticas mas sem fundamentar estas afirmações – se forem a ver no manual, NEM UMA referência bibliográfica de estudos estatísticos ou sociológicos se encontram. Repito…. N E M U M A ! ! !
Cientificidade, ó!, 😗👌
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2. Sendo a greve desencadeada e desrespeito de regras jurídicas;
3. Impliquem a utilização de meios que não se coadunam com os princípios
e regras gerais do ordenamento jurídico; nomeadamente, as greves
que causem um prejuízo exorbitante ao empregador em
relação às pretensões exigidas pelos trabalhadores.
Quanto aos objetivos a prosseguir,
d. A greve laboral opõe-se à greve não laboral:
i. A greve laboral: tem em vista reivindicações no domínio das situações
laborais, as quais podem ser satisfeitas pelo empregador em concreto.
ii. A greve não laboral: prosseguem outras finalidades, como sejam
políticas, económicas ou de solidariedade. As greves não laborais
dificilmente se enquadram no conceito técnico de greve. Pese embora
da letra da lei se possa concluir que quaisquer paralisações de
enquadram na ideia da greve, parece que o espírito do ordenamento
não permite a sua qualificação jurídica como verdadeira greve.
As classificações de greve são inúmeras, dependendo da perspetiva em que se
enquadram, podendo se falar de greves ofensivas e defensivas, greves para simples
pressão negocial, etc.
4. Legitimidade para declarar e fazer a greve:
a. Oportunidade: apesar de, por vezes, se aludir à greve como a ultima ratio em
dado conflito coletivo, não é necessário que, previamente, se recorra a um
processo negocial e, chegando a um impasse, seja declarada a greve. A greve
não corresponde ao culminar de um processo negocial fracassado; pode
surgir antes, durante ou depois das negociações, até como forma de
pressionar o empregador em determinado sentido. A greve depende apenas
de um juízo de oportunidade, que cabe aos trabalhadores. Ou seja, a greve
pode ser declarada, não por se ter chegado a um impasse nas negociações,
mas porque se julgou oportuna esta forma de luta. Mesmo que as partes
interessadas estejam a negociar, os trabalhadores podem recorrer à greve
como forma de pressionar o empregador a ceder às suas pretensões, sem que
isso constitua necessariamente uma violação da boa fé (artigo 522.º CT). Se
os trabalhadores consideram oportuno o recurso à greve, há que fazer a
declaração de greve, a qual, em princípio, cabe às associações sindicais (artigo
531.º , n.º1 CT). Excecionalmente, admite-se que a greve possa ser declarada
pelas assembleias de trabalhadores (artigo 531.º, n.º2 CT) que, na prática, em
razão das limitações legais quanto a essa forma de declaração de greve, leva a
que se possa falar na existência de um monopólio sindical nesta matéria. A
decisão de greve está na dependência de um juízo de oportunidade, mas
depois terá de haver uma subsequente formalidade da qual resulta a intenção
de os trabalhadores recorrerem à greve. A distinção entre o juízo de
oportunidade quanto ao recurso à greve, que compete aos trabalhadores, e a
declaração de greve tomada, em princípio, pelos sindicatos, é teórica. Na
prática, há uma competência quase total dos sindicatos quanto à
determinação do juízo de oportunidade e à declaração de greve. O facto de a
decisão de greve ser um quase monopólio sindica, tem uma justificação.
i. Porque cabe às associações sindicais a defesa e promoção dos direitos e interesses
dos trabalhadores (artigo 56.º, n.º1 CRP), e a greve tem exatamente essa função
de promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores;
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ii. Na medida em que, normalmente, a greve é uma forma de pressionar o empregador
ou empregadores com vista à celebração de uma convenção coletiva de trabalho ou
para alterar um instrumento em vigor. Ora, como a celebração de
convenções coletivas é da competência das associações sindicais
(artigo 56.º, n.º3 CRP), justifica-se também que sejam os sindicatos a
determinar se se deve ou não recorrer à greve e, por conseguinte, a
decretá-la.
Não obstante as justificações quanto ao monopólio sindical, podem suscitar-
se algumas dúvidas. No artigo 531.º, n.º1 CT foi atribuída aos sindicatos
competência para declarar a greve, mas não se estabelece qualquer limite,
designadamente em função da respetiva representatividade. Trata-se de uma
norma relativamente aberta que estabelece uma competência genérica. Assim
sendo, um sindicato, não obstante ter representatividade mínima numa
empresa, não está impedido de declarar uma greve nessa unidade empresarial.
Permitindo-se que uma associação sindical minoritária numa empresa possa
declarar a greve contra a vontade dos sindicatos maioritários representados
na mesma. E pode mesmo chegar-se à seguinte situação, algo caricata, de
numa determinada empresa que tenha, por exemplo, 500 trabalhadores, estes
sem apoio sindical, terem dificuldade em declarar a greve em função das
restrições estabelecidas no artigo 531.º, n.º2 CT, mas um sindicato que
representa, por exemplo, dois ou três trabalhadores dessa empresa, pode
declarar greve na mesma. Mas ainda que não resulte diretamente do n.º1 do
artigo 531.º CT, a competência dos sindicatos para declarar a greve tem
limites. Em primeiro lugar, não pode um sindicato declarar a greve num setor
diverso daquele que representa. Por outro lado, para declarar a greve, o
sindicato deve ter uma representação, ainda que diminuta, na empresa. Em
princípio, quem declara greve são os sindicatos, mas quem faz a greve são os
trabalhadores; há que distinguir a declaração de greve do exercício da greve.
A greve, por via de regra, efetiva-se mediante a paralisação dos trabalhadores
numa determinada empresa, mas, não obstante a natureza coletiva da greve,
o seu exercício pressupõe sempre uma manifestação da vontade individual
de cada trabalhador. A greve efetiva-se mediante a paralisação dos vários
trabalhadores, mas nessa paralisação, para além do aspeto coletivo, assenta
na liberdade de cada trabalhador aderir ou não à greve. A adesão é um ato
individual de cada trabalhador, não pressupondo qualquer manifestação
coletiva. A ideia de que a adesão é individual relaciona-se com o facto de os
trabalhadores terem liberdade de trabalhar, mesmo quando tenha sido
declarada uma greve na empresa pelo respetivo sindicato. O exercício do
direito de greve não pode ser imposto nem pelos demais trabalhadores nem
pelo sindicato. A adesão à greve pode ser feita por todos os trabalhadores
sindicalizados e não sindicalizados. Para a adesão à greve não é necessário
que o trabalhador esteja inscrito num sindicato nem muito menos que se
encontre filiado na associação sindical que declarou a greve; os trabalhadores
não sindicalizados bem como os sindicalizados em outros sindicatos que não
declararam a greve, também podem aderir. A adesão à greve é um direito de
todos os trabalhadores, tendo tão-só de se verificar se aqueles trabalhadores,
em razão da atividade que exercem e do local onde a prestam, estão ou não
compreendidos no âmbito da greve. Tendo aderido à greve,
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independentemente da sua filiação, o trabalhador passa a ser representado
pela associação sindical que declarou a greve ou pela comissão sindical no
caso de a greve ter sido declarada pela assembleia de trabalhadores (artigo
532.º, n.º1 CT). Esta representação legal, que pode ser delegada (artigo 532.º,
n.º2 CT), respeita unicamente a este conflito coletivo, isto é, à negociação
com vista a alcançar a reivindicação e à cessação da greve. É discutível que
na representação a que se refere o artigo 532.º CT se inclua um poder de
direção atribuído ao sindicato, mediante o qual a este caberia dirigir a
atividade dos trabalhadores que integram o piquete de greve e,
principalmente, ordenar ou orientar a prestação de serviços mínimos.
b. Princípio da boa fé: no artigo 522.º CT, como princípio geral de atuação
nos conflitos coletivos, reitera-se a obrigação de as partes agirem de acordo
com ditames de boa fé. Daqui decorre, em especial, que os trabalhadores
devem exercer o direito de greve segundo padrões de boa fé e não,
nomeadamente, com o intuito de causar o maior prejuízo possível ao
empregador ou de beneficiar terceiro; em contrapartida, o empregador, não
obstante lhe ser lícito minimizar os danos, não deverá atuar de molde a
inviabilizar o exercício do direito de greve.
c. Responsabilidade civil: em vários preceitos do Código do Trabalho,
acentua-se o princípio da responsabilidade civil, que não impende só sobre
os empregadores, mas igualmente sobre os trabalhadores e associações
sindicais. Importa atender ao artigo 520.º, n.º3 CT, relativo à
responsabilidade civil por incumprimento culposo de obrigações contratuais,
nomeadamente resultantes de convenção coletiva, e, em particular, ao artigo
541.º, n.º2 CT, quando remete para os princípios gerais em matéria de
responsabilidade civil, em caso de declaração ou execução da greve de forma
contrária à lei. Nos termos dos artigos 483.º e seguintes CC, a
responsabilidade dos sindicatos existirá sempre que a sua atuação se integrar
nos pressupostos do n.º1 do artigo 483.º CT. Em tal caso, o lesado, credor
da indemnização, tanto pode ser o empregador, como o trabalhador a quem
foram prestadas falsas informações e, eventualmente, terceiros, em particular
credores de prestações da empresa, se se admitir a eficácia externa das
obrigações. Em relação ao empregador, a responsabilidade do sindicato não
depende sequer da admissibilidade da eficácia externa das obrigações, pois
não está só em causa a violação de contratos de trabalho induzida pelo
sindicato, mas também o desrespeito de deveres emergentes da relação
coletiva entre sindicato e empresa, independentemente da existência de
qualquer cláusula de paz social. Idêntica responsabilidade pode impender
sobre o trabalhador que aderiu a uma greve ilícita, com consciência da
ilicitude, desde que se encontrem preenchidos os restantes pressupostos do
artigo 483.º, n.º1 CC. Além da responsabilidade civil, a adesão a uma greve
ilícita pode determinar a omissão de deveres que consubstanciam um crime,
caso em que o trabalhador pode ser responsabilizado penalmente.
5. Cláusula de paz social: quanto à legitimidade de um sindicato declarar greve, pode
questionar-se se, tendo ele subscrito uma convenção coletiva de trabalho da qual
consta uma cláusula de paz social, está impedido de declarar uma greve na empresa.
A cláusula de paz social não obsta à realização de greves, porque, como estabelece o
artigo 530.º, n.º3 CT, a greve é um direito irrenunciável e, por isso, não pode impedir-
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se o seu exercício. Tendo em conta o disposto no artigo 542.º CT, importa saber se
o sindicato, parte naquela convenção coletiva, pode decretar a greve. Ou seja, se o
sindicato, ao declarar a greve, tendo subscrito uma convenção coletiva da qual consta
a cláusula de paz social, não está a violar esse acordo. A cláusula de paz social, sendo
admitida, integra a parte obrigacional da convenção coletiva de trabalho, vinculando
os outorgantes e, nessa medida, obrigaria o sindicato a não decretar a greve, mas não
impedindo os trabalhadores de a ela aderirem; inclusivamente os trabalhadores
sindicalizados naquele sindicato poderiam aderir a uma greve, decretada por um
outro sindicato. O sindicato que subscreveu a dita cláusula está impedido de declarar
a greve dentro do período de vigência da cláusula de paz social inserta naquela
convenção coletiva. A cláusula de paz social é válida no domínio das relações
obrigacionais, entre as associações de empregadores ou empregadores e as
associações e leva a que o sindicato não possa declarar a greve, mas não pode impedir
os trabalhadores sindicalizados de aderirem a uma greve. Dito de outro modo, a
cláusula de paz social vincula o sindicato mas não os filiados nessa associação.
Quando um sindicato é parte em certa convenção coletiva de onde consta uma
cláusula de paz social, nos termos da qual a associação sindical se compromete a não
recorrer à greve, põe-se o problema de saber se os filiados naquele sindicato,
representados por ele nas relações coletivas de trabalho, estão também vinculados a
essa cláusula de paz social. Não parece aceitável que, mediante a representação
exercida pelo sindicato se possa impedir os trabalhadores de exercerem o seu direito
de greve. A não ser assim, a cláusula de paz social levaria a que o sindicato, em
representação dos seus filiados, estivesse a negociar direitos dos trabalhadores os
quais, nos termos do artigo 530.º, n.º3 CT, são irrenunciáveis. Tal cláusula, com
respeito aos filiados, seria nula nos termos do artigo 280.º CC, pois poria em causa
direitos indisponíveis. No artigo 542.º CT, depois de aceso o debate, consagrou
explicitamente a possibilidade de em convenção coletiva ser estabelecida uma
cláusula de paz social relativa. Na versão primeiramente aprovada do Código do
Trabalho, constava somente que para além das matérias referidas no n.º1 do artigo
599.º CT, pode a contratação coletiva estabelecer normas especiais relativas a
procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis de determinar o recurso à greve,
assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por
motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção. Contudo, pelo Ac. TC n.º
306/2003, 25 junho, foi declarada a inconstitucionalidade da 2.ª parte do artigo com
base em dois motivos:
a. Na expressão motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção,
não obstante o disposto no artigo 561.º, n.º3 CT2003 – atual 520.º, n.º1
–, incluir-se-ia igualmente a greve decretada com invocação da
superveniência de alteração anormal de circunstâncias que tornaria
injusto ou excessivamente oneroso o clausulado acordado ou parte
dele (negando os empregadores ou as associações a ocorrência dessa
alteração normal).
b. Por outro lado, sem fazer alusão ao regime geral de exceção de não
cumprimento (artigos 428.º e seguintes CC), o Tribunal Constitucional
entendeu que a já transcrita expressão a motivos relacionados com o
conteúdo dessa convenção abrangeria ainda a greve decretada para
protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do
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lado empresarial, invocação essa que poderá estribar-se em diferentes
interpretações do mesmo clausulado. A estes dois argumentos, o
Tribunal aduz o facto de as consequências, para os trabalhadores de
eventual quebra desse compromisso resultarem no facto de estes
poderem ser responsabilizados pelos prejuízos causados, incorrendo
os trabalhadores grevistas no regime das faltas injustificadas.
Tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade, a parte final do corpo do
artigo 606.º CT2003 – que passou a ser n.º1 – foi alterada e incluíram-se dois números.
Ficaram esclarecidas quatro dúvidas:
a. A cláusula de paz social só implica limitações à declaração de greve
que tenha por finalidade modificar o conteúdo da convenção coletiva
em que foi inserida.
b. A limitação resultante da cláusula não obsta a que o sindicato
outorgante declare a greve em caso de alteração anormal das
circunstâncias, conforme já decorria do disposto no artigo 520.º, n.º2 CT e
473.º CC.
c. Do mesmo modo, a limitação não abrange uma declaração de greve
justificada pelo facto de a contrapartida (associação de empregadores
ou empregador) tem incumprido deveres resultantes da convenção
coletiva onde foi incluída a cláusula, nos termos gerais da exceptio non
adimpleti contractus (artigos 428.º e seguintes CC).
d. A cláusula de paz social, fazendo parte do conteúdo obrigacional da
convenção coletiva, só vincula as partes outorgantes, mormente as
associações sindicais, não sendo os trabalhadores responsáveis pelo
seu incumprimento. A cláusula de paz social, que tem de ser acordada entre
sindicatos e associações de empregadores ou empregadores, não limita o
exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores. Durante a vigência
da convenção coletiva, o sindicato outorgante, por ter aceite uma cláusula de
paz social, está impedido de decretar uma greve se o(s) empregador(es)
cumpre(m) o disposto no instrumento de regulamentação coletiva, sob pena
de responsabilidade civil por incumprimento do acordo. Todavia, os
trabalhadores, ainda que filiados no sindicato outorgante, durante o período
de vigência da cláusula de paz social, podem aderir a uma greve decretada por
outro sindicato ou decretada pela assembleia de trabalhadores.
A solução encontrada em 2003, após a alteração decorrente da declaração de
inconstitucionalidade, manteve-se na revisão de 2009, no artigo 542.º CT, onde se
dispõe que a convenção coletiva pode regular, além das matérias referidas na alínea
g) do n.º2 do artigo 492.º CT, procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis
de determinar o recurso à greve, bem como limitar o recurso à greve por parte de
associação sindical celebrante, durante a vigência daquela, com a finalidade de
modificar o seu conteúdo. Depois da enunciação no n.º1, dos n.º2 e 3 do artigo 542.º
CT constam as mencionadas limitações do âmbito de cláusula de paz social.
6. Declaração de greve; o aviso prévio:
a. Tomada de posição; razões e conteúdo da declaração: a declaração de
greve, quando feita a nível sindical, que é a regra, será tomada, em princípio,
pela direção do sindicato. Muitas das vezes, a direção da associação sindical
encontra-se mandatada pela respetiva assembleia geral para declarar a greve.
Nada impede que a declaração de greve seja tomada por diferentes sindicatos;
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ocorre com alguma frequência que as várias associações sindicais com
representação numa empresa, de forma concertada, declaram a greve nessa
mesma empresa. É normal que isso ocorra, até porque tal acordo entre os
sindicatos tem vantagem para efeitos de prever uma maior adesão a greve.
Mas a declaração de greve pode igualmente ser tomada pela assembleia da
trabalhadores. Para que a assembleia de trabalhadores reúna com vista à
declaração de greve torna-se necessário, como dispõe o artigo 531.º, n.º2 CT,
que estejam preenchidos dois pressupostos:
i. Importa que naquela empresa, a maioria dos trabalhadores não
esteja representada por associações sindicais, isto é, que a
maior parte dos trabalhadores não esteja em sindicatos;
ii. A assembleia terá de ser expressamente convocada para o efeito
por 20% ou por 200 trabalhadores da empresa em questão
(artigo 531.º, n.º2 CT).
Reunida a assembleia de trabalhadores, para ser decidida a greve, torna-se
necessário que nesta participe a maioria dos trabalhadores da empresa; por
conseguinte, se, não obstante o quórum de convocação, não se conseguir que
a maioria dos trabalhadores se apresente na referida assembleia, esta não
pode tomar deliberações. Estando reunida a maioria dos trabalhadores, a
votação será feita por voto secreto e por maioria (artigo 531.º, n.º2 CT). Estas
limitações, estabelecidas no artigo 531.º, n.º2 CT, levam a que dificilmente a
assembleia de trabalhadores de uma empresa possa reunir e declarar uma
greve. Daí que, na realidade, as greves acabam por ser sempre declaradas
pelos sindicatos, nos termos do artigo 531.º, n.º1 CT e se aluda a um
monopólio sindical neste âmbito. Da declaração de greve deve constar o fim
a atingir por essa luta coletiva; no fundo, a razão que levou a ser desencadeada
uma greve se não houvesse objetivos a prosseguir, ou seja, sem nenhuma
finalidade conhecida. A lei não exige que, ao ser declarada a greve, se
estabeleçam os objetivos a atingir. Deste modo, sem reivindicações
apresentadas, uma greve não tem qualquer sentido; apesar de a lei o não exigir,
torna-se necessário que se apresentem os objetivos a atingir, ou seja, as
reivindicações pretendidas, porque a atuação tem de ser nos ditamos da boa
fé (artigo 522.º CT). Não só é necessário que as reivindicações constem da
declaração de greve, como também devem ser dadas a conhecer aos
interessados, isto é, aos potenciais grevistas e aos empregadores. É necessário
saber qual a razão de ser de uma determinada greve, até porque ela pode ser
evitada por meio de negociações, desde que se saibam quais os seus objetivos.
E atendendo ao princípio da boa fé, não podem ser prosseguidas, com a
greve, finalidades diversas das reivindicações apresentadas. Quando se
decreta uma greve deve também ser determinada qual a data em que ela vai
ter lugar, bem como a sua duração. Importa, pois, fixar a data de início da
greve, indicando se é por tempo determinado, devendo, então, constar a data
do seu termo, ou por tempo indeterminado; neste último caso, basta a
indicação da data de início, pois ela terminará quando ocorrer algum facto
justificativo.
b. Aviso prévio: declarada a greve, terá a mesma de ser comunicada. Depois de
o sindicato ou, eventualmente, a assembleia de trabalhadores, ter declarado a
greve deve tal facto ser comunicado. A lei impõe que as entidades que
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decretam a greve façam um aviso prévio (artigo 534.º CT). Esse pré-aviso
tem de ser feito com uma antecedência mínima e deverá ser dirigido, por um
lado, ao empregador ou à associação de empregadores, no caso de ser uma
greve que abrange vários empregadores, e, por outro lado, ao Ministério do
Trabalho (artigo 534.º CT). Discutiu-se se a obrigatoriedade de aviso prévio
seria constitucional. Poder-se-ia considerar que a lei, no artigo 534.º CT, ao
estabelecer a obrigatoriedade de aviso prévio, estaria a violar a Constituição,
pois essa exigência contrariaria o disposto no n.º2 do artigo 57.º CRP, na
medida em que seria uma forma de limitar o âmbito da greve. Todavia, a
opinião predominante na doutrina, e que veio a ser aceite pelo Tribunal
Constitucional, vai no sentido de a existência do aviso prévio não colidir com
a referida norma da Constituição. A constitucionalidade do pré-aviso baseia-
se no facto de o prazo estabelecido não pôr em causa o direito à greve, nem
constituir um verdadeiro limite a esta forma de luta. Tendo por base o
princípio da boa fé, o aviso prévio serve tão-só para dar conhecimento aos
interessados – empregadores e Ministério do Trabalho – de que vai eclodir
uma greve, e não limita o seu exercício o facto de, com uma certa
antecedência, ser prestada essa informação. Nem os próprios prazos do aviso
prévio se poderão dizer que constituem um limite ao direito de greve; de
facto, dar a conhecer, com uma antecedência de cinco ou de dez dias úteis, a
realização da greve, não limita o direito dos trabalhadores. Trata-se, antes,
não de um limite ao direito dos trabalhadores, mas de uma forma de
disciplinar a greve. Importa que as greves não sejam feitas de surpresa,
porque a surpresa pode ter inconvenientes nefastos de vária ordem. A
obrigatoriedade do aviso prévio justifica-se por algumas razões:
i. O aviso prévio pode constituir e muitas das vezes representa uma forma de evitar
a greve: através do pré-aviso, conhecendo-se as reivindicações dos
trabalhadores, o empregador, na iminência da greve, pode não estar
disposto a correr o risco de uma paralisação e, nessa medida, para a
evitar pode aceder a certas pretensões dos trabalhadores; perante a
cedência do empregador, a greve será desconvocada.
ii. A obtenção do consenso consegue-se, frequentemente, por força desse aviso prévio.
Este constitui, até, em numerosas situações, uma forma de pressionar
a contraparte na negociação; sabendo-se que com o aviso prévio o
empregador fica numa posição menos vantajosa para negociar, atento
o risco de uma greve e das eventuais consequências nefastas da
mesma, é natural que o empregador se manifeste mais predisposto a
ceder para a obtenção do consenso e, nessa medida, o pré-aviso serve
para evitar o conflito.
iii. Também ocorre que, em muitas greves, os prejuízos podem ser minimizados por
força do aviso prévio. Interessa minimizar os danos, principalmente em
certas greves em que os prejuízos são essencialmente ocasionados
não tanto aos empregadores, mas à comunidade. Estas situações são
frequentes e, no fundo, são as greves mais conhecidas aquelas que
causam prejuízos à população, danos estes muito superiores àqueles
que vêm a ser infligidos aos empregadores.
iv. É um facto que a greve visa prejudicar o empregador, mas o aviso prévio tem
razões justificativas para, em certa medida, também minimizar os prejuízos em
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relação à entidade patronal. O empregador, sabendo antecipadamente da
existência da greve, pode precaver-se de forma a reduzir os seus
danos, pois se a greve fosse feita de surpresa poderiam os prejuízos
ser mais elevados. Em qualquer atuação das partes, mesmo em
situações de greve, a atuação segundo regras de boa fé nas suas
relações manter-se (artigo 522.º CT). O aviso prévio constitui a
consagração de regras de boa fé nessas relações, pois mesmo as
formas de luta têm de ser leais.
O aviso prévio tem de ser feito com um prazo mínimo de cinco ou de dez
dias úteis em relação à data de início da greve. A regra é a de que o aviso
prévio deve ser emitido com a antecedência mínima de cinco dias úteis, mas
quando se trata de empresas que se destinam à satisfação de necessidades
sociais impreteríveis, o legislador estabeleceu que o prazo deverá ser de dez
dias úteis (artigo 534.º, n.º1 CT). No artigo 537.º, n.º2 CT, enumeram-se, de
forma exemplificativa, os setores da economia que se destinam à satisfação
de necessidades impreteríveis da comunidade. E, assim, faz-se alusão a
correios, serviços médicos, abastecimentos públicos, transportes, etc. Nestes
casos, está precisamente em causa a tutela do público, pretendendo-se
minimizar os seus prejuízos, em especial mediante o estabelecimento
atempado de serviços mínimos. O aviso prévio deverá ser efetuado pela
entidade que declarou a greve, em regra o sindicato ou os sindicatos que a
declararam. Se a greve for declarada por uma assembleia de trabalhadores,
caberá a esta fazer o pré-aviso. Na hipótese, relativamente frequente, de a
greve ser declarada por vários sindicatos, o aviso prévio poderá ser subscrito
conjuntamente pelas associações sindicais que declaram a greve. O aviso
prévio e a declaração de greve correspondem a duas realidades diferentes,
pois é distinto declarar a greve e informar da sua realização (pré-aviso).
Acontece, porém, que, as mais das vezes, a declaração de greve e o aviso
prévio constam de um mesmo documento. Não é necessário que assim
ocorra, mas é frequente a indissociação formal entre as duas situações.
Quanto à forma do aviso prévio estabelece o artigo 534.º, n.º2 CT que tem
de ser feito por meios idóneos, nomeadamente, por escrito ou através dos
meios de comunicação social. O aviso prévio deve ser feito de modo a poder
ser conhecido pelo empregador e pelo Ministério do Trabalho. O legislador
não impôs requisitos de forma, seguindo o disposto no artigo 219.º CC. Com
respeito ao conteúdo, o pré-aviso funciona como meio de informação,
devendo atender a certos aspetos. Serve para dar a conhecer ao empregador
(ou empregador) e ao Ministério do Trabalho que vai ter lugar uma greve em
determinada data. Dessa informação deve constar a indicação da greve e do
seu âmbito (quais os trabalhadores por ela abrangidos, se é geral, sectorial,
profissional, etc.), assim como a data em que a greve vai ter lugar e a sua
duração. Importa, pois, fixar a data de início da greve, indicando se é por
tempo determinado, devendo, então, constar a data do seu termo, ou por
tempo indeterminado; neste último caso basta a indicação da data de início,
pois ela terminará quando ocorrer algum facto justificativo. Além disso, terá
de ser mencionada a data da greve; sendo esta prolongada, há que distinguir
a paralisação de duração determinada, em que têm de ser indicadas as datas
de início e termo, da de duração indeterminada, em que basta mencionar a
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data de início. A grebe pode ser declarada por tempo determinado e, findo o
prazo, nada obsta a que este seja prorrogado, mas em tal caso torna-se
necessário que se faça um novo aviso dentro do prazo legal do artigo 534.º
CT. Do aviso prévio não têm necessariamente de constar as reivindicações
dos trabalhadores. É sabido que as greves devem ser declaradas com
indicação dos objetivos a atingir, mas não se torna necessário que os mesmos
constem do pré-aviso. Contudo, como as referidas finalidades têm de ser
dadas a conhecer também ao empregador, ode ocorrer que isso se faça por
via do aviso prévio. Não existe nenhuma obrigatoriedade nesse sentido e
desde que o empregador conheça, por qualquer outro meio, as reivindicações
dos trabalhadores, não será necessário que, depois, no aviso prévio se
especifiquem essas mesmas pretensões. Mas o ónus da prova quanto ao
conhecimento das reivindicações cabe a quem declara a greve. Nos termos
do disposto no n.º3 do artigo 534.º CT, juntamente com o aviso prévio deve
ser feita uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e
manutenção do equipamento e instalações da empresa ou para garantir o
funcionamento de serviços mínimos em benefício da comunidade. Em caso
de incumprimento do dever de apresentar uma proposta de serviços mínimos
aplica-se o disposto no artigo 541.º CT, relativo à responsabilidade por
violação das regras da greve. Se do aviso prévio, enviado com a devida
antecedência, faltar a proposta (séria) de definição dos mínimos ou dos
necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, a greve
é ilícita, com as consequências constantes do artigo 541.º CT.
7. Exercício do direito à greve:
a. Adesão à greve: se a greve; depois de ter sido decretada, não for
desconvocada, os trabalhadores abrangidos podem a ela aderir na data em
que foi marcada. A adesão corresponde a uma liberdade no exercício deste
direito dos trabalhadores, ninguém podendo ser obrigado a aderir a uma
greve, nem impedido de o fazer. Para que um trabalhador possa aderir à greve
é necessário que a atividade por ele exercida esteja abrangida no âmbito
daquela forma de luta. Desde que a greve tenha sido decretada e que no
respetivo âmbito esteja abrangida a atividade do trabalhador, ele pode aderir
à greve. A adesão a determinada greve é um direito potestativo de todos os
trabalhadores por ela abrangidos, mesmo não sindicalizados, não estando
limitado aos trabalhadores filiados no sindicato que a declarou. A adesão à
greve corresponde a uma liberdade da qual não pode advir qualquer
discriminação para o trabalhador (artigo 540.º, n.º1 CT). Tendo em conta o
disposto no artigo 540.º, n.º1 CT, têm sido considerados discriminatórios os
designados prémios anti-greve. Estes prémios correspondem, normalmente,
a quantias monetárias oferecidas aos trabalhadores em razão da sua
assiduidade. Estabelece-se, assim, que se o trabalhador não der faltas receberá
um prémio de assiduidade, mas na hipótese de o trabalhador ter dado, nem
que seja uma falta, perderá o referido prémio de assiduidade. Não é que os
prémios de assiduidade sejam ilícitos, pois o empregador pode estabelecer
tais prémios para incentivar os trabalhadores a não faltarem. O problema que
se põe nestes casos advém do facto de o trabalhador perder o prémio de
assiduidade por ter faltado, na medida em que aderiu a uma greve, podendo,
por isso, tais incentivos ao trabalho ser considerados discriminatórios e, nessa
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medida, violadores do artigo 540.º, n.º1 CT; não sendo válidos na medida em
que correspondem também a prémios anti-greve. A adesão à greve é um ato
unilateral de cada trabalhador, que se consubstancia numa declaração de
vontade. Depois de ter sido declarada, cada trabalhador individualmente
adere ou não à greve. A adesão à greve corresponde a uma declaração
negocial que não carece de fora, basta que resulte da atitude do trabalhador.
Normalmente, a própria atitude do trabalhador é esclarecedora quanto à sua
adesão ou não adesão à greve. Se o trabalhador no dia da greve não
comparece no local do trabalho, em princípio, presume-se que aderiu. A mera
atuação do trabalhador, por factos exteriores, indicia a adesão à greve, mas a
presunção é ilidível. Podem suscitar-se dúvidas no caso de a atuação do
trabalhador não ser concludente ou quando os factos exteriores levam a
concluir que o trabalhador aderiu à greve e ele, de facto, não está em greve
ou vice-versa. A presunção de ter aderido à greve já não valerá se o
trabalhador, antes da greve, informar o empregador de que se encontra
doente e a doença prolongou-se para além do dia de greve. Da mesma forma,
mas no sentido oposto, como o seu local de trabalho não é a empresa,
dificilmente se pode determinar se está ou não em greve. Em tal caso, para
se entender que este trabalhador está em greve, ele deverá fazer uma
declaração concludente, pois a simples falta de comparência nas instalações
não poderia ser entendida como adesão à greve. O trabalhador pode aderir
ou não a uma greve, mas tal declaração de vontade é livremente revogável. O
trabalhador pode aderir à greve no próprio dia marcado para a paralisação,
que é, aliás, o que acontece na maioria das situações, ou mesmo antes do dia
marcado para a greve. Tem-se entendido que, em qualquer dos casos, o
trabalhador pode revogar estas declarações, admitindo-se que ele é livre de
mudar de ideias. A adesão à greve só produz efeitos a partir do momento em
que o trabalhador, no próprio dia da greve, não comparece no local de
trabalho; é, pois, necessário um comportamento de abstenção. As
declarações anteriores que o trabalhador tenha feito não o vinculam, na
medida em que, até ao momento de iniciar o trabalho, ele pode mudar de
opinião. Em tais casos, deve entender-se que se o comportamento do
trabalhador com respeito a aderir ou não à greve for contrário à sua
declaração de vontade poder-se-á estar perante um venire contra factum proprium.
Não há declaração de vontade. O problema está em saber se esta contradição
implica uma responsabilização do trabalhador. Torna-se difícil
responsabilizar o trabalhador pela sua mudança de posição. Admitindo-se
que o trabalhador pode ponderar a sua adesão até ao dia da greve, em
princípio, o seu comportamento contraditório não tem em vista prejudicar
outrem (empregador ou colegas de trabalho) e, deste modo, não se justifica
que seja penalizado, apenas porque mudou de opinião. Da mesma forma, se
o trabalhador comunicou que não aderia e, posteriormente, persuadido pelos
seus colegas de trabalho, acabou por aderir à greve, não parece aceitável que
o empregador possa pedir uma indemnização por esta atuação contratidória.
A adesão à greve é um direito a exercer pelo trabalhador, na base de uma
total liberdade e sem vinculação a qualquer declaração prévia. Assim,
qualquer declaração que o trabalhador faça previamente não o vincula. A sua
liberdade de aderir ou não à greve manter-se-á até ao dia desta. É evidente
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que poderá haver uma declaração, sabendo que, dessa forma, vai atingir
determinado objetivo e, depois, revoga a sua declaração, prejudicando
terceiros. Esta situação limite pode acarretar responsabilidade civil por culpa
in contrahendo.
b. Piquetes de greve: sabendo-se que se uma greve tiver um grau de adesão
elevado será um sucesso, mas se, pelo contrário, a adesão dos trabalhadores
for reduzida, será um fracasso, torna-se relevante persuadir os trabalhadores
a participar na greve. Por um lado, em particular os sindicatos e os respetivos
delegados, tentam persuadir o maior número de trabalhadores a aderirem à
geve apresentando as razões de sua justeza. Por outro lado, o empregador
tenta que a greve seja um fracasso, persuadindo os trabalhadores a não
aderirem, mostrando que ela é injustificada. Esta luta de persuasão apresenta-
se com uma relevância extrema, visto que o nível de adesão a uma greve é
um dos fatores com maior peso. Para efeito desta persuasão, permite-se a
criação de piquetes de greve; ou seja, institucionalizou-se uma forma de
persuadir os trabalhadores a aderirem à greve. Nos termos constantes do
artigo 533.º CT parece poder concluir-se que quem organiza os piquetes de
greve deverá ser a entidade que declara a greve. De facto, neste artigo fala-se
em associação sindical, no singular. Daqui pode depreender-se que a
organização dos piquetes de greve não é um direito dos sindicatos em geral,
mas sim da associação sindical que declarou a greve É evidente que se forem
várias associações sindicais a declarar a greve todas elas poderão organizar os
piquetes de greve. Há, pois, uma relação entre declarar a greve e organizar o
piquete de greve. Admitindo a situação excecional em que a greve é declarada,
não por um sindicato, mas sim pela assembleia de trabalhadores, o piquete
de greve, nesse caso, será organizado pela comissão de greve. Se a greve foi
declarada por uma assembleia de trabalhadores, essa mesma assembleia, no
momento em que se reúne para declarar a greve, também delibera quanto à
eleição de uma comissão de greve (artigo 532.º, n.º1 CT), que representa os
trabalhadores durante o período de paralisação. No caso de a greve ter sido
declarada por um sindicato, será este que representa os trabalhadores em
greve, ainda que não sindicalizados. Ao abrigo do princípio da liberdade de
associação, qualquer pessoa poderia organizar um piquete de greve à revelia
do sindicato ou da comissão de greve. No entanto, do artigo 533.º CT deduz-
se que a organização dos piquetes de greve cabe à associação sindical, que
declarou essa paralisação, ou à comissão de greve. Apesar do disposto no
artigo 533.º CT, nada obsta a que quaisquer pessoas se reúnam e constituam
um piquete de greve com vista a persuadir os trabalhadores a aderirem à
paralisação. Porém, um piquete de greve, no sentido técnico, tem de ser
organizado pelo sindicato ou pela comissão de greve, mas, na prática, torna-
se difícil controlar a situação. Os piquetes de greve constituídos legalmente,
nos termos do artigo 533.º CT, têm liberdade de atuação, em particular no
seio das empesas, diferentemente dos piquetes ad hoc, que, em princípio, não
a têm. No que respeita à composição, os piquetes de greve, em sentido
técnico – organizados pela associação sindical ou pela comissão de greve –,
deverão ser compostos por trabalhadores a abranger por aquela greve. No
caso de a greve ter sido convocada por um sindicato, a composição do
piquete nada tem que ver com a filiação. A filiação sindical é irrelevante em
LOCATIO LABORIS
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termos de greve e, deste modo, mesmo que a paralisação tenha sido declarada
por um determinado sindicato, os membros do piquete não têm de ser
necessariamente filiados nessa associação sindical. A lei não dispõe quanto à
composição dos piquetes de greve, pois, neste ponto, o artigo 533.º CT é
omisso. Está-se no domínio da liberdade de atuação e, por conseguinte,
qualquer pessoa pode livremente, fora da empresa, sem ter uma relação
laboral com ela, convencer os respetivos trabalhadores a aderirem a uma
greve. No exterior da empresa, mesmo nas suas imediações, não há qualquer
limite quanto á atuação de grupos organizados que tentam convencer os
trabalhadores a aderirem a uma greve. O problema reside em saber em que
medida os piquetes de greve podem exercer a sua tarefa de persuasão dentro
da própria empresa. No seio da empresa põe-se o problema de saber se o
empregador pode impedir a atuação dos piquetes de greve. A lei nada
estabelece quanto ao desempenho de funções por parte dos piquetes de greve
dentro da empresa. Da parte do empregador pode haver interesse em opor-
se à entrada do piquete de greve na empresa, visto que, se alguns
trabalhadores não aderiram à greve, a entidade patronal, em princípio, não
pretende que eles sejam persuadidos a abandonarem o trabalho. É evidente
que o empregador pode sempre opor-se à entrada de pessoas estranhas na
empresa. Deste modo, quando o piquete de greve não for composto por
trabalhadores da empresa, o empregador pode licitamente impedir a entrada
dessas pessoas na empresa. Relativamente às empresas com serviços abertos
ao público, haverá áreas reservadas aos funcionários e, pelo menos, nesses
espaços, o empregador poderá não permitir a entrada de pessoas estranhas.
Além disso, o que está proibido aos empregadores é o lock out, ou seja,
encerrar a empresa com efeitos relativamente aos trabalhadores, mas não há
qualquer impedimento quanto a fechar a empresa ao público; pelo que o
empregador pode, quando muito bem entender, fechar as portas da empresa
ao público, e, deste modo, impedir a entrada de estranhos na empresa.
Quanto aos piquetes de greve compostos por trabalhadores da empresa, o
problema é mais complicado. Se o empregador poderia, em condições
normais, impedir o acesso de trabalhadores da empresa a determinadas zonas
quando não estejam em efetividade de funções, também pode obstar a que
os trabalhadores grevistas que compõem o piquete de greve permaneçam
nesses locais da empresa. Mas se os trabalhadores têm livre acesso à cantina,
a uma sala de convívio, à sala de comissão de trabalhadores, etc., mesmo fora
do período normal de trabalho, parece que o empregador não pode vedar a
entrada do piquete de greve nesses locais. Deste modo, o piquete de greve,
composto por trabalhadores da empresa, pode realizar os seus objetivos nas
zonas de acesso livre. Põe-se seguidamente o problema de saber se o
empregador pode vedar a entrada do piquete de greve nos locais de trabalho.
O empregador, na sua função de direção da empresa, tem a possibilidade de
determinar e regulamentar o modo de funcionamento da mesma. Pode, por
isso, impedir que haja perturbações nos locais de trabalho, até por motivos
de segurança. Se há trabalhadores que não aderiram à greve, parece lícito que
o empregador possa impedir que os piquetes de greve permaneçam nos locais
de trabalho, persuadindo os trabalhadores não aderentes a aderirem à greve.
Deve, assim, partir-se do pressuposto de que os piquetes de greve,
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compostos por trabalhadores da empresa, podem atuar no interior desta, mas
dentro dos limites apresentados. Nomeadamente, é-lhe vedado prejudicar o
trabalho daqueles que não quiserem aderir à greve. Os piquetes de greve têm
por função persuadir os trabalhadores, potenciais grevistas, a aderirem a uma
greve. Justifica-se a existência dos piquetes de greve para esclarecer os
trabalhadores acerca das razões que presidiram à realização daquela greve.
No fundo, o esclarecimento serve para que os trabalhadores, potenciais
grevistas, saibam quais são os problemas inerentes às relações de trabalho e
quais as reivindicações apresentadas, podendo, depois, esclarecidos e de
forma livre, aderir ou não à greve. A atuação dos piquetes de greve, como
refere o artigo 533.º CT, tem de ser feita por meios pacíficos, não podendo
constituir uma forma de prejudicar a atuação dos trabalhadores não grevistas.
Mas mesmo quando não se chegue a situações extremas e ilícitas, verificadas
com alguma frequência, por exemplo, espancamento de trabalhadores não
grevistas, os piquetes de greve acabam sempre por exercer alguma coação
moral sobre os trabalhadores. Normalmente, o piquete de greve encontra-se
colocado na porte de entrada da empresa, de forma a poder controlar os
trabalhadores que não aderem à greve, tentando convencê-los a aderir,
invocando, muitas das vezes, razões de solidariedade profissional. Na prática,
os piquetes de greve acabam igualmente por ter como função identificar os
trabalhadores não grevistas. A função de persuasão dos piquetes de greve,
nem sempre se limita às formas pacíficas de mero esclarecimento. Não raras
vezes chega mesmo a haver coação moral. Sabendo-se que a adesão à greve
é uma declaração de vontade unilateral do trabalhador, cabe perguntar se,
havendo coação moral, ele não poderá recorrer, em determinadas
circunstâncias, às regras dos artigos 255.º e 256.º CC. Trata-se, no fundo, de
saber se um trabalhador que aderiu a uma greve, pode, em determinadas
circunstâncias, arguir a anulabilidade da sua declaração de vontade com
fundamento em coação moral. Estando preenchidos os pressupostos do
artigo 255.º CC, o trabalhador poderá pedir a anulabilidade da sua declaração,
nos termos do artigo 256.º CC. Trata-se, no fundo, de saber se um
trabalhador que aderiu a uma greve, pode, em determinadas circunstâncias,
arguir a anulabilidade da sua declaração de vontade com fundamento em
coação moral. Estando preenchidos os pressupostos do artigo 255.º CC, o
trabalhador poderá pedir a anulabilidade da sua declaração, nos termos do
artigo 256.º CC. A declaração negocial será anulável mesmo que a coação não
provenha do destinatário daquela. Neste caso, o destinatário da declaração é
o empregador, mas a coação não foi exercida por ele; aliás, o empregador,
por via de regra, não tem qualquer interesse nessa coação. A coação terá sido
exercida por terceiro (membros do piquete de greve), mas, nos termos do
artigo 256.º CC, não obsta à anulação o facto de a coação ter sido exercida
por outrem que não o destinatário da declaração negocial, desde que seja
grave o mal e justificado o receio da sua consumação. Se o trabalhador
conseguir anular a sua declaração de adesão à greve, a anulabilidade tem
efeitos retroativos (artigo 289.º CC), levando a que deixem de se produzir os
efeitos emergentes daquela adesão, designadamente o não pagamento da
retribuição. O trabalhador, em tal caso, será considerado, para todos os
efeitos, como não grevista. Admitindo-se esta solução, ao empregador
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caberia demandar os elementos que compunham o piquete de greve e a
associação sindical que o organizou, com base em responsabilidade civil. A
única função que o artigo 533.º CT estabelece em relação aos piquetes de
greve é a de persuadir os trabalhadores a aderirem à greve. Resta averiguar se,
perante a omissão da lei, os piquetes de greve não poderão ser incumbidos
de outras funções. Discute-se se os piquetes têm uma função de fiscalização
da greve. Tal função não lhes foi atribuída pelo legislador. Porém, os piquetes
de greve são, frequentemente, constituídos por trabalhadores que, para além
disso, também são cidadãos e qualquer cidadão tem a possibilidade (e o dever)
de denunciar violações da lei. Daí que denunciar as violações praticadas pelo
empregador no período de greve não seja uma incumbência específica do
piquete de greve, tratando-se apenas de uma faculdade de qualquer cidadão.
A atividade de fiscalização deve, deste modo, considerar-se ilícita. Existem
outras atividades exercidas normalmente pelos piquetes de greve que devem
ser consideradas ilícitas, nomeadamente situações em que os piquetes de
greve procedem ao bloqueio dos acessos às empresas, ou seja, aos locais de
trabalho. A atuação ilícita dos piquetes de greve do género das descritas leva
à aplicação das regras de responsabilidade civil (artigos 483.º e seguintes CC),
para além da responsabilidade penal que daí possa advir. Em tais casos, a
responsabilidade não é coletiva, devendo ser responsabilizados
individualmente cada um dos sujeitos que integram o piquete de greve. Caso
o piquete de greve tenha sido organizado por uma associação sindical, o
empregador poderá eventualmente também demandar o sindicato com base
em responsabilidade do comitente, nos termos do artigo 500.º CC. Caso se
admita que o piquete de greve funciona como uma entidade organizada pelo
sindicato e age dentro de competências que lhe foram atribuídas por este,
então, para além da responsabilidade individual dos membros do piquete de
greve, pode responsabilizar-se quem o organizou, ou seja, o sindicato, como
comitente.
8. Efeitos da greve:
a. Suspensão dos efeitos principais do contrato: nos termos do artigo 536.º,
n.º1 CT, em relação aos trabalhadores que tenham aderido à greve verifica-
se a suspensão das relações laborais; isto é, as obrigações emergentes do
contrato de trabalho ficam suspensas. No mesmo preceito exemplifica-se,
determinando que ficam suspensos o direito à retribuição e os deveres de
subordinação e de assiduidade. Apesar de os exemplos serem apresentados
tendo em conta a posição jurídica do trabalhador, como o contrato de
trabalho é sinalagmático, os correspondentes direitos e deveres do
empregador também se suspendem. Perante a adesão a uma greve tem sido
debatida a questão de saber como se explica a manutenção do contrato de
trabalho. Quando se considerava que a greve era ilícita, se o trabalhador
aderisse a uma greve haveria tão-só um incumprimento do contrato de
trabalho e, como tal, sujeitava-se às consequências do incumprimento desse
mesmo contrato, mormente à resolução (despedimento). Deixando de se
considerar a greve como um facto ilícito surgem várias explicações para
admitir que uma das partes, apesar de estar em greve, mesmo assim, não se
encontre numa situação de incumprimento do contrato de trabalho. Mas,
parece preferível, e é a ideia hoje predominante, que o contrato de trabalho
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se mantém, só ficando suspensos alguns dos seus efeitos. Concretamente,
ficam suspensos os efeitos principais do contrato, como se deduz do n.º1 do
artigo 536.º CT. Haverá outros efeitos do contrato, que subsistem mesmo
durante o período de greve. Em primeiro lugar, a greve pressupõe a
abstenção do trabalho e, portanto, um dos efeitos principais do contrato de
trabalho, que é a prestação de uma atividade, deixa de ser devida. O
trabalhador, durante a greve, não fica vinculado à realização de uma atividade,
exceto se tiver de cumprir serviços mínimos. E, como não realiza a atividade,
o trabalhador fica também desvinculado dos deveres de assiduidade e de
subordinação. Dito de outro modo, o trabalhador, durante o período de
greve, deixa de estar sujeito aos deveres que constam das alíneas b) e c) do
n.º1 do artigo 128.º CT. Tendo em conta o elenco de deveres do trabalhador
constante do artigo 128.º, n.º1 CT, importa averiguar quais deles se devem
manter durante o período de greve. O trabalhador que aderiu à greve deixa
de estar adstrito a promover ou a executar atos tendentes à melhoria da
produtividade da empresa (artigo 128.º, n.º1, alínea h) CT), apesar de o artigo
536.º CT não o dizer. Os restantes deveres constantes do artigo 128.º, n.º1
CT parece que se deverão manter, não se justificando a sua suspensão
durante a greve. Para além destes deveres poderia ainda justificar-se,
eventualmente, a subsistência de outros deveres acessórios que existem numa
relação laboral. Na eventualidade de o trabalhador, durante o período de
greve, violar qualquer dos deveres indicados ou outros deveres acessórios,
haverá um incumprimento que permite ao empregador agir, designadamente
por via de um processo disciplinar. No polo oposto, o empregador não fica
vinculado ao dever de pagar a retribuição ao trabalhador em greve (artigo
536.º, n.º1 CT). A obrigação principal do empregador, que é o pagamento do
salário, não se mantém relativamente a trabalhadores grevistas, os quais
perdem o direito à remuneração na proporção em que a atividade não tenha
sido exercida. Ou seja, o empregador deixará de pagar a retribuição
correspondente ao tempo em que o trabalhador esteve em greve. Esta perda
de retribuição tem sido entendida como afetando tão-só a retribuição daquele
mês, sem quaisquer repercussões nas restantes retribuições, designadamente
não acarretando redução nos subsídios de Natal e de férias, que se mantêm
por inteiro. Relativamente aos complementos retributivos, a redução terá de
ser vista em função da situação concreta, tendo em conta se esse
complemento salarial está ou não relacionado com a atividade. As formas de
retribuição indireta que o empregador fornece ao trabalhador de molde a
facilitar o exercício da sua atividade não serão devidas se ele, por estar em
greve, não prestar essa atividade. Há, todavia, certos complementos da
retribuição que não se justifica a sua redução em caso de greve. A suspensão
do dever de retribuir o trabalhador não implica que não subsistam outros
deveres do empregador durante o período de greve. Com base no disposto
no artigo 127.º, n.º1 CT, importa verificar se no elenco de deveres da entidade
patronal de justifica a manutenção de alguns deles numa situação de greve.
Parece poder concluir-se que o empregador, em relação ao trabalhador
grevista, e durante a paralisação, deixa de estar obrigado a pagar-lhe a
retribuição (artigo 127.º, n.º1, alínea b) CT), a proporcionar-lhe boas
condições de trabalho (artigo 127.º, n.º1, alínea c) CT) e a contribuir para a
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elevação do seu nível de produtividade, nomeadamente dando-lhe formação
profissional (artigo 127.º, n.º1, alínea d) CT). Mas, em contrapartida, manter-
se-ão os deveres do empregador de tratar e respeitar o trabalhador com
urbanidade e probidade (artigo 127.º, n.º1, alínea a) CT), de indemniza-lo
relativamente a prejuízos resultantes de acidentes de trabalho e doenças
profissionais (artigo 127.º, n.º1, alínea g) e artigo 536.º, n.º2 CT) e de facilitar-
lhe o exercício de cargos que exerce em entidades relacionadas com a
atividade laboral (artigo 127.º, n.º1, alínea f) CT). Importa esclarecer que o
mencionado dever de indemnizar o trabalhador previsto no artigo 536.º, n.º2
CT relaciona-se com os acidentes de trabalho ou doenças profissionais que
ocorreram ou foram contraídas em tempo de trabalho e não ocasionados
durante a greve. Quanto aos acidentes de trabalho que tenham lugar durante
a greve em relação aos trabalhadores que a ela aderiram não há
responsabilidade do empregador. Concluindo, pode dizer-se que os deveres
do empregador, constantes do artigo 127.º, n.º1 CT, manter-se-ão desde que
não se relacionem com a prestação da atividade naquele momento. Para além
disso, podem ainda subsistir deveres que advêm de regras de boa fé, no fundo,
deveres acessórios da relação laboral que impendem sobre o empregador,
independentemente de o trabalhador ter aderido à greve. Tendo em conta
que, da parte do trabalhador em greve, subsistem certos deveres,
designadamente deveres acessórios, é de concluir que, mesmo durante a
greve, se mantém, relativamente ao empregador, o poder de disciplinar no
que respeita às violações desses deveres. O mesmo se passa relativamente ao
poder de direção; na medida em que subsistam deveres do trabalhador,
também se mantém o correspondente poder de direção do empregador.
Resta referir que a suspensão do contrato de trabalho durante a greve não
prejudica a antiguidade do trabalhador e os efeitos dela decorrentes, como
estabelece o artigo 536.º, n.º3 CT.
b. Dever de não substituição dos trabalhadores grevistas: para impedir o
sucesso de uma greve, o empregador poderia contratar a termo pessoas que
estivessem desempregadas, com vista à substituição dos trabalhadores
grevistas. Com base no aviso prévio o empregador é informado da existência
da greve com alguma antecedência e avalia a probabilidade de os
trabalhadores a ela aderirem; em função disso, poderia contratar a termo
desempregados, para ocuparem, durante o período de greve, o posto de
trabalho dos grevistas. Esta possibilidade foi inviabilizada no nosso
ordenamento jurídico na medida em que o artigo 535.º CT impede que sejam
substituídos os trabalhadores grevistas por pessoas que não trabalhavam no
estabelecimento ou serviço onde foi declarada a greve, mas interessa fazer
algumas explicações. A proibição de celebrar novos contratos de trabalho
relativamente àquele estabelecimento ou serviço, que não foi consagrada em
muitos sistemas jurídicos, não visa só a defesa do direito dos trabalhadores
em greve, de molde a não serem os seus postos de trabalho ocupados por
outrem. Esta limitação também tem em vista proteger a própria empresa, os
eventuais trabalhadores contratados a termo, bem como o público em geral.
De facto, caso se admitisse a substituição de trabalhadores grevistas por
pessoas estranhas à empresa, tal permuta seria, em primeiro lugar, fonte de
conflitos, possibilitando a existência de confrontos entre os trabalhadores
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grevistas e aqueles outros que fossem contratados especialmente para os
substituir. Conflitos esses bem conhecidos historicamente, em particular
noutros países. Além disso, os trabalhadores contratados para substituir os
grevistas, em princípio, não teriam a necessária experiência, sobretudo
quando se tratasse de funções relativamente às quais fosse imprescindível
uma determinada preparação técnica, sendo muitas das vezes difícil encontrar
rapidamente trabalhadores desempregados com a preparação técnica
adequada para assegurar a normal prossecução das atividades em causa.
Nestes termos, tal substituição poderia acarretar prejuízos ao próprio
empregador, pois o funcionamento da empresa não seria idêntico e, além
disso, constituiria uma eventual fonte de prejuízos para os próprios
trabalhadores contratados a termo, designadamente por facilitar acidentes de
trabalho, dado que eles não teriam a preparação técnica adequada para
desempenhar a atividade, podendo também prejudicar terceiros,
particularmente o público consumidor. Noutro plano, importa esclarecer que
esta limitação respeita só ao âmbito da greve, pelo que nada impede que o
empregador contrate novos trabalhadores para um estabelecimento ou
secção da empresa onde não há greve, desde que por via desta contratação
não se viabilize a substituição dos trabalhadores grevistas. Mas a regra
constante do artigo 535.º CT não proíbe que o empregador faça adaptações
na própria empresa, permitindo-lhe que mude trabalhadores de atividade e
de local dentro do próprio estabelecimento ou setor da empresa. Perante uma
determinada situação de greve, tendo em conta o número de trabalhadores
não grevistas, o empregador pode utilizá-los noutra atividade, determinando
o exercício de funções idênticas (artigo 118.º CT) ou recorrendo ao ius variandi
(artigo 120º. CT). É necessário que essa atuação do empregador esteja no
âmbito do poder de direção e caiba na atividade devida – contratada ou afim
– (artigo 118.º, n.º1 e 2 CT) ou no ius variandi (artigo 120.º CT); deste modo,
relativamente a um trabalhador que desempenha determinada atividade, o
empregador, como ele não aderiu à greve, pode coloca-lo a realizar outra
atividade diversa da habitual, desde que este trabalhador não grevista tenha a
preparação técnica adequada para o exercício daquela atividade e a mudança
se inclua na atividade devida ou não implique uma alteração substancial da
sua posição. Esta adaptação depende, por conseguinte, da inclusão na
atividade contratada no sentido amplo do artigo 118.º, n.º2 CT, ou do
preenchimento dos pressupostos do ius variandi. Assim, se numa secção todos
os trabalhadores fizeram greve e noutra nenhuma a ela aderiu, o empregador
poderá deslocar alguns trabalhadores desta última secção para a primeira, de
modo a que esta possa funcionar. Mas a mencionada adaptação tem limites.
O empregador não pode deslocar trabalhadores de uma empresa para outra,
nem sequer, dentro da mesma empresa, pode afetar trabalhadores de um
estabelecimento ou serviço a realizarem a atividade de outro estabelecimento
ou serviço. A dificuldade pode estar em determinar quando é que, numa
empresa, as unidades constituem estabelecimentos ou serviços diferentes; é
de pressupor que isso só ocorra se, pelo menos, existir uma autonomia
económica e administrativa entre eles. Estes limites não podem constituir
entrave a que, não existindo diferenciação de estabelecimento, o empregador
recorra à modalidade geográfica. Além disso, o artigo 535.º CT não obsta à
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contratação de serviços alternativos. O que o artigo 535.º CT proíbe é a
substituição de trabalhadores grevistas mediante a celebração de contratos de
trabalho. Mas importa explicar a regra constante do n.º2 do artigo 535.º CT.
A norma incluída no n.º2 do citado preceito tem em vista evitar que a
previsão do n.º1 seja defraudada por via indireta. Assim, o resultado da
atividade pode ser substituído em caso de greve. Ou seja, não seria permitida
a substituição na efetiva atividade desempenhada pelo trabalhador grevista,
mas seria lícita a substituição quanto ao resultado da sua prestação. O limite
constante do mencionado n.º2 deixa de ser atendido em caso de
incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação das
necessidades sociais impreteríveis ou à segurança e manutenção de
equipamento e instalações e na estrita medida necessária à prestação desses
serviços. Pelo que, verificada qualquer das situações previstas nesta norma,
os trabalhadores grevistas podem ser substituídos, mesmo do desempenho
da sua tarefa, pelo serviço prestado por uma empresa especialmente
contratada para esse fim. Não há qualquer impedimento quanto a contratar
empresas para realizar a mesma tarefa que os trabalhadores grevistas
desempenhavam. É até frequente e vantajoso para o público utente. Nos
termos do artigo 535.º CT podem ajustar-se contratos de prestação de serviço,
mas não contratos de trabalho. O problema pode residir na difícil delimitação
e distinção entre contratos de prestação de serviço e de trabalho.
c. Dever de retribuir os trabalhadores não aderentes à greve: durante uma
greve pode haver trabalhadores que a ela não aderiram e se apresentam a
trabalhar, permitindo que a empresa continue a laborar, mesmo que a menor
ritmo. Porém, pode acontecer que, como consequência da greve, a falta de
alguns trabalhadores impeça completamente a laboração na empresa e, nesse
caso, os não grevistas estão materialmente impedidos de realizar qualquer
tarefa. Põe-se, então, o problema de saber se, quando a atividade dos não
grevistas deixa de poder der realizada, se justifica que continuem a receber a
retribuição; de facto, eles apresentam-se para trabalhar mas não realizam
qualquer atividade, porque é impossível o desempenho da prestação laboral.
Em tal hipótese, há uma impossibilidade objetiva de realização da prestação.
Os trabalhadores que não aderiram à greve, estando na sua disponibilidade
de realizar a sua atividade, têm direito a receber a retribuição, pois o
empregador suporta o risco contratual, devendo pagar a remuneração, desde
que o trabalhador esteja na disponibilidade de efetuar a tarefa. Dito de outra
forma, o dever de pagar a retribuição não é devido pela tarefa exercida, mas
pela disponibilidade de a realizar. Esta asserção não é, contudo, totalmente
certa. Apesar de no contrato de trabalho não haver uma obrigação de
resultado, nem sempre a mera disponibilidade do trabalhador implica a
obrigação de pagar a retribuição. A justificação do dever de pagar a
retribuição aos trabalhadores não grevistas não pode ser explicada sem
atender a algumas exceções à regra de que o risco contratual é suportado pelo
empregador, principalmente tendo em conta o regime do lay off (artigo 298.º
e seguintes CT). Como resulta do regime da suspensão do contrato, na
relação laboral, nem sempre o empregador suporta o risco, pelo menos na
sua totalidade. Quando uma empresa não pode laboral em razão do número
de trabalhadores que aderiram à greve e estando outros trabalhadores
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dispostos a trabalhar, o empregador pode não lhes dar trabalho, porque há
uma impossibilidade, objetivamente determinada, de estes prestarem a
atividade. Em tal caso, não se pode aceitar que haja uma transferência do
risco, nos termos do artigo 815.º CC, pois, apesar de o trabalhador não
grevista estar disposto a trabalhar, se o empregador não aceitar a prestação,
não há uma transferência do risco nos termos do artigo 815.º CC, porque,
nesta hipótese, o empregador não se pode qualificar como credor em mora,
que passa a suportar o risco e, nessa medida, devendo pagar a retribuição aos
trabalhadores. Na realidade, não há uma transferência do risco, porque o
empregador não aceita a prestação de trabalho por haver uma
impossibilidade de a receber e o artigo 815.º CC só se aplica na eventualidade
de o credor sem motivo justificado não aceitar a prestação (artigo 813.º CC).
Neste caso, o empregador tem um motivo justificado – a empresa não pode
laborar por razões objetivas (greve) – não se verificando, por isso, a previsão
do artigo 813.º CC, isto é, não existe mora do credor (empregador). Esta
situação enquadra-se numa hipótese de impossibilidade de cumprimento não
imputável a qualquer das partes; trata-se de uma impossibilidade não
imputável, mas depende de fatores que dizem respeito ao empregador. O
empregador suspende a laboração na empresa, pois, perante aquela greve,
considera que não há condições para laborar; portanto, os fatores que
determinam a impossibilidade não se baseiam na culpa do empresário, mas
estão na esfera de influência, ou seja, dizem respeito ao empregador. Há, por
isso, similitudes com a figura da suspensão do contrato de trabalho do lay off,
mais concretamente com a figura da suspensão do contrato de trabalho por
facto respeitante ao empregador. Como dispõe o artigo 298.º, n.º1 CT, o
empregador pode recorrer à suspensão dos contratos de trabalho em quatro
hipóteses:
i. Razões conjunturais de mercado;
ii. Motivos económicos e tecnológicos;
iii. Catástrofes;
iv. Outras ocorrências que tenham gravemente afetado a atividade normal da empresa.
A greve poder-se-ia incluir nesta última, pois ela pode afetar gravemente a
atividade normal da empresa. Caso se enquadrasse a greve na última das
hipóteses previstas no artigo 298.º, n.º1 CT, então o empregador, justificando
que a empresa não estava em condições de laborar normalmente, poderia
recorrer à suspensão do contrato de trabalho, reduzindo a contraprestação a
pagar aos trabalhadores não grevistas, nos termos do artigo 305.º, n.º1, alínea
a) CT, preceito que permite reduzir a retribuição acordada ao montante do
salário mínimo estabelecido para aquele setor. Não obstante subsistir o
pressuposto de que o risco na relação de trabalho é suportado pelo
empregador, em caso de suspensão do contrato (artigos 298.º e seguintes CT)
admite-se uma atenuação desse risco, possibilitando a redução da retribuição.
Cabe perguntar se uma situação de greve se pode enquadrar no regime da
suspensão do contrato de trabalho, designado lay off. Apesar do disposto no
artigo 298.º, n.º1 CT, não parece que a greve se possa incluir na parte da
norma que alude às outras ocorrências que tenham afetado gravemente a
atividade normal da empresa. Em primeiro lugar, na formulação ampla do
n.º1 do artigo 298.º CT, não se pode incluir a greve entre as causas que
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permitem o recurso à figura do lay off. Subjacente à suspensão do contrato de
trabalho, parecem estar as ocorrências que tenham afetado gravemente a
atividade normal, prejudicando o funcionamento da empresa com
continuidade. A suspensão do contrato de trabalho justifica-se dentro de uma
lógica de perturbações que se protelam no tempo e, em princípio, não é isso
que ocorre com a greve. A greve, normalmente, não ocasiona perturbações
que se protelam no tempo; pressuposto em que assenta a suspensão do
contrato de trabalho, relativamente moroso, com alguns entraves
burocráticos, sendo difícil recorrer a esse processo em caso de alguns
entraves na empresa, principalmente atento o curto período de aviso prévio
(artigo 534.º CT). Não parece que o regime do lay off vise aplicar-se a situações
esporádicas como a greve. Como o regime da suspensão do contrato de
trabalho constitui uma exceção à assunção do risco por parte do empregador,
admitindo uma redução do salário, e não sendo de incluir a greve nas
hipóteses previstas no artigo 298.º, n.º1 CT, deve concluir-se que o
empregador assume, na totalidade, o risco da retribuição dos trabalhadores
não grevistas, os quais deverá receber os seus ordenados por inteiro. Todavia,
não havendo laboração, a contrapartida usualmente percebida pelos
trabalhadores não grevistas pode sofrer um decréscimo quando, em parte, a
retribuição esteja relacionada com a produtividade, que será reduzida ou nula
durante o período de greve.
d. Serviços mínimos:
i. Razão de ser: em relação às empresas que se destinem à satisfação de
necessidades sociais impreteríveis deve ser assegurada a prestação de
serviços mínimos (artigo 537.º, n.º1 CT), o mesmo ocorrendo, em
qualquer empresa, no que respeita aos serviços essenciais para
segurança e manutenção do equipamento e instalações (artigo 537.º,
n.º3 CT). O estabelecimento de serviços mínimos tem levantado
vários problemas. Em primeiro lugar, aquando da aprovação da lei da
greve original (1977) e, depois, com a revisão em 1992 e o
alargamento dos serviços mínimos, levantou-se o problema da
constitucionalidade dos mesmos. Alguma doutrina considerava
inconstitucional impor serviços mínimos em determinadas empresas,
porque isso violaria o artigo 57.º, n.º2 CRP. Esta tomada de posição
baseava-se no facto de os serviços mínimos implicarem limites ao
âmbito da greve, coartando os direitos dos trabalhadores no exercício
do seu direito de greve e, nessa medida, haveria uma
inconstitucionalidade. A opinião dominante, aceite pelo Tribunal
Constitucional e reiterada na revisão constitucional de 1997 ao incluir
o n.º3 no artigo 57.º CRP, não corrobora a opinião de
inconstitucionalidade, essencialmente com base no argumento de se
justificar a imposição de serviços mínimos, porque a greve não é um
direito absoluto e o seu exercício deve ser conjugado com o de outros
direitos, também consagrados na Constituição. Concretamente, do
conflito entre o exercício do direito de greve e a satisfação de
necessidades essenciais de uma comunidade, prevalece este último
direito, admitindo-se, por isso, limites àquele exercício.
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ii. Fixação: tendo em conta o disposto no artigo 537.º, n.º1 CT importa,
primeiro, determinar quais as empresas que prestam atividade com
vista à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; sendo este um
conceito indeterminado importa concretizá-lo, explicitando-o. O
legislador, no artigo 537.º, n.º2 CT, exemplifica alguns dos setores
onde considera que existam empresas prestando serviços para a
satisfação de necessidades sociais impreteríveis. O caráter não
taxativo da enumeração significa que, nos vários setores indicados,
nem todas as empresas prestam serviços ou fornecem bens que se
destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Admite-
se que nesses setores, por vezes, haja empresas que não têm por
finalidade a satisfação de tais necessidades. Por outro lado, não sendo
a indicação taxativa, leva a que se possa admitir a existência de outros
setores, não indicados no elenco do artigo 537.º, n.º2 CT,
relativamente aos quais seja justificável o estabelecimento de serviços
mínimos. Tendo-se mantido, quase inalterado, o elenco
exemplificativo dos setores em que as empresas desenvolvem
atividades que se destinam à satisfação de necessidades sociais
impreteríveis, continua a não se estabelecer uma total identificação
entre estes setores e aqueles que podem ser objeto de requisição civil
(artigo 3.º Decreto-Lei n.º 637/74, 20 novembro). Com os serviços
mínimos não se pretende assegurar, em princípio, a regularidade da
atividade, mas tão-só as necessidades essenciais. É normalmente
polémica a determinação de quais sejam as necessidades essenciais
que têm de ser garantidas ao público. Há casos que não suscitam
grandes dúvidas; mas, por vezes, torna-se extremamente difícil
determinar quais os serviços mínimos que devem ser assegurados e,
em certos casos, a prestação dos serviços mínimos implica que se
assegure a atividade na sua totalidade. Por outro lado, a determinação
do que sejam necessidades essenciais é, sem dúvida, complexo e
depende de pressupostos subjetivos; levantam-se, por conseguinte,
dúvidas relativamente a saber que serviços mínimos estabelecer e
quantos trabalhadores têm de laborar para assegurar os ditos serviços
de molde a manter o nível imposto. Daí a existência de uma certa
margem de casuísmo na determinação dos serviços mínimos, que
conduz, naturalmente, a polémicas e a uma frequente falta de
consenso na sua determinação perante casos concretos. Mas o
casuísmo é indispensável já que, em termos abstratos, dificilmente se
pode determinar quais os serviços mínimos para todos os setores que
se encontram indicados no artigo 537.º, n.º2 CT. Por isso, a expressão
serviços mínimos, constante do artigo 537.º, n.º1 CT, corresponde a um
conceito indeterminado, que carece de concretização perante cada
situação real. Essa concretização é feita em dois planos:
1. Na determinação de indispensabilidade do serviço;
2. Na fixação do montante de serviços mínimos.
O princípio geral é o de a definição dos serviços mínimos depender
de acordo; acordo esse que pode ser geral, para a eventualidade de
uma hipotética greve, previsto em instrumento de regulamentação
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coletiva de trabalho, ou um acordo específico, negociado entre os
representantes dos trabalhadores e a empresa perante o conflito de
interesses (n.º1). O referido acordo poderá ter tido por base a
proposta constante do aviso prévio, a que alude o n.º3 do artigo 534.º
CT. Na negociação de serviços mínimos deve ter-se em conta quais
as soluções em anteriores greves e, tendo sido fixados em arbitragem
para duas greves anteriores de igual conteúdo devem manter-se para
a paralisação seguinte (artigo 538.º, n.º3 CT). Não havendo acordo,
previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou
anterior ao aviso prévio, o representante governamental com
competência na área convoca os representantes dos trabalhadores e
dos empregadores para negociarem um acordo quanto aos serviços
mínimos até ao termo do terceiro dia subsequente ao aviso prévio
(artigo 538.º, n.º2 CT). Não tendo sido possível chegar a acordo, a
definição dos serviços mínimos é feita em despacho conjunto dos
ministros responsáveis pela área laboral e pelo setor de atividade onde
vai ser desencadeada a greve (artigo 538.º, n.º4, alínea a) CT),
devendo nessa definição ser respeitados os princípios da necessidade,
da adequação e da proporcionalidade (n.º5 do mesmo preceito).
Tratando-se de greve em serviço da administração direta ou indireta
do Estado, de serviço de autarquia local ou em empresa incluída no
setor empresarial do Estado, estabelece-se um regime excecional
(artigo 538.º, n.º4, alínea b) CT). Todavia, esta norma, tal como
definida na revisão de 2009, veio a ser alterada com eficácia retroativa
pela Lei n.º 105/2009, restringindo a sua aplicação ao setor
empresarial do Estado. Na falta de acordo, não pareceria adequado
que fosse o Governo, através de dois dos seus ministros, a fixar os
serviços mínimos, pelo que essa definição caberá a um tribunal
arbitral, nos termos constantes do n.º6. A regulamentação desse
tribunal arbitral consta da Lei n.º259/2009, onde se indica,
nomeadamente, o modo de designação de árbitros e o
funcionamento da arbitragem. Definidos os serviços mínimos, por
acordo, por despacho ministerial ou por decisão arbitral, devem os
representantes dos trabalhadores designar aqueles que ficam adstritos
à prestação dos serviços mínimos com, pelo menos, vinte e quarto
horas de antecedência relativamente ao início da greve (n.º7, 1.ª parte
do artigo 538.º CT). Fica, deste modo, resolvida uma dúvida quanto
à indicação dos trabalhadores vinculados a cumprir serviços mínimos;
um trabalhador, ainda que não sindicalizado, se adere a uma greve,
deve cumprir o serviço mínimo para que foi designado pelo seu
representante (normalmente, a associação sindical que declarou a
greve). Contudo, se os representantes dos trabalhadores (por via de
regra o sindicato que declarou a greve) não designarem, nas vinte e
quatro horas anteriores ao início da greve, os trabalhadores adstritos
à prestação de serviços mínimos, cabe ao empregador proceder a essa
designação (n.º7, in fine). Deste modo, ultrapassa-se o obstáculo a
que conduzia determinada interpretação da lei da greve. As
considerações anteriormente tecidas em relação aos serviços
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mínimos valem igualmente no que respeita aos serviços necessários à
segurança e manutenção do equipamento e instalações, como resulta
da remissão constante da 1.ª parte do n.º1 do artigo 538.º CT. Da
letra do preceito (n.º2), ao falar-se em serviços mínimos previstos no
n.º1 do artigo anterior, poder-se-ia concluir que o regime enunciado
nos n.º2 e seguintes do artigo 538.º CT não se aplicaria em caso de
serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e
instalações (n.º3 do artigo 537.º CT), mas não há motivo para tal
restrição, podendo afirmar-se que, atendendo ao elemento
sistemático da interpretação, o regime valerá para qualquer tipo de
serviço mínimo.
iii. Requisição civil: o não cumprimento dos serviços mínimos permite ao
Governo recorrer à requisição civil. A requisição civil vem prevista
no artigo 541.º, n.º3 CT, e encontra-se regulada no Decreto-Lei n.º
637/74, 20 novembro. A constitucionalidade da requisição civil
continua a ser bastante discutida, mas a polémica está hoje, em parte,
ultrapassada. A requisição civil justifica-se na medida em que o
estabelecimento de serviços mínimos também é constitucional; ou
seja, para assegurar os serviços mínimos, de indiscutível
constitucionalidade (artigo 57.º, n.º3 CRP), pode recorrer-se à
requisição civil. A requisição civil é um ato administrativo emanado
do Conselho de Ministros, mediante uma portaria conjunta dos
ministros com pelouro na matéria, sendo normalmente um deles o
Ministro do Trabalho. Como ato administrativo, a requisição civil
pode ser impugnada contenciosamente. Ainda que a requisição civil
se relacione com o incumprimento de serviços mínimos em caso de
greve, tal como a figura se apresente no diploma de 1974,
nomeadamente no artigo 1.º, tem um âmbito de aplicação mais vasto.
Com efeito, a requisição civil pode ser determinada ainda que não
exista greve, bastando a verificação de circunstâncias particularmente
graves e que seja necessário assegurar o funcionamento de serviços
essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia
nacional. Pode, pois, concluir-se que há uma requisição civil genérica
e outra específica, esta última para o caso de incumprimento de
serviços mínimos. Apesar de, para assegurar os serviços mínimos, se
pressupor a execução de prestações do contrato de trabalho, o
incumprimento do dever de prestar serviços mínimos não
corresponde a uma forma de violação do contrato de trabalho. Se
determinado trabalhador foi escalonado para a realização de serviços
mínimos e não comparece, o empregador não pode mover um
processo disciplinar, porque, estando o trabalhador em greve, não
tinha de trabalhador. Em tal caso, admite-se uma intervenção pública,
a nível administrativo (a requisição civil), mas não no plano da relação
privada de trabalho.
iv. Situação jurídica do trabalhador grevista que cumpre serviços mínimos: em
relação aos trabalhadores que prestem serviços mínimos, não
obstante estarem em greve, não veem o seu contrato suspenso nos
mesmos moldes dos restantes grevistas. Os trabalhadores que
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aderirem à greve, mas que prestam trabalho para assegurar os serviços
mínimos ou serviços de segurança e manutenção, mantêm a sua
situação laboral, designadamente ficam sujeitos ao poder de direção
do empregador e têm direito ao salário correspondente ao trabalho
efetuado para assegurar os serviços mínimos. Os serviços mínimos
ou serviços de segurança e manutenção serão retribuídos como se de
laboração normal se tratasse (artigo 537.º, n.º4 CT). Seria dificilmente
sustentável que na execução de serviços mínimos os trabalhadores
não cumprissem ordens do empregador – circunscritas ao contexto
desses serviços – e atuassem por sua conta ou sob ordens do
sindicato que declarou a greve ou da comissão de greve. Nem o
sindicato nem a comissão de greve têm poder de direção sobre os
trabalhadores mesmo durante a greve, e não têm competência,
nomeadamente técnica, para determinar quanto ao modo de
exercício de tarefas. Por outro lado, admitir que durante a greve as
ordens quanto ao modo de realizar a prestação laboral seriam dadas
pelo sindicato ou pela comissão de greve pressuporia uma
intromissão na vida empresarial inadequada ao princípio de liberdade
de iniciativa privada. Em suma, os trabalhadores grevistas, enquando
desempenham serviços mínimos, só se consideram em greve para
efeitos estatísticos, pois incluem-se no número dos que aderiram à
greve, mas a relação laboral no que respeita à estrita execução dos
serviços mínimos mantêm-se. As duvidas que existiam com base na
Lei da Greve, ficaram solucionadas no artigo 537.º, n.º4 CT. Tendo
em conta a omissão da legislação anterior, havia quem considerasse
que o trabalhador, ao cumprir serviços mínimos, não se encontrava a
executar o contrato de trabalho, mas no Código do Trabalho
prevaleceu a posição contrária, no sentido de se manter a relação
laboral, ficando o trabalhador grevista, que cumpre serviços mínimos,
na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e
direção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.
e. Consequências nas relações do empregador com terceiros: a greve
numa empresa pode implicar consequências nas relações jurídicas que o
empregador tenha com outros sujeitos que não os trabalhadores, como seja
contratos de fornecimento de bens. A existência de greve frequentemente
afeta o cumprimento pontual dos contratos a que a empresa se vinculou com
os seus clientes e importa determinar como deve ser resolvida a questão do
inadimplemento desses contratos, ou seja, em que medida o empregador
pode ser responsabilizado por esse incumprimento. Trata-se de averiguar se
há responsabilidade contratual do empregador pelo incumprimento desses
contratos, sabendo que tal inadimplemento se ficou a dever a uma atuação
de terceiros, isto é a uma situação de greve. O empregador não cumpre o
contrato porque terceiros – os trabalhadores – fizeram greve e, por isso, as
mercadorias não estavam prontas a tempo para serem entregues. Em
princípio, a culpa, apesar de presumida (artigo 799.º, n.º1 CC), é um dos
pressupostos da responsabilidade contratual; assim, se o empregador não
entrega a mercadoria na data acordada, presume-se que teve culpa e, como
tal, tem de indemnizar o cliente. Poder-se-ia questionar se, neste caso,
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deixaria de haver responsabilidade contratual, tendo em conta que se estaria
perante uma situação de impossibilidade não culposa, prevista nos artigos
790.º e seguintes CC, pois, são terceiros que, ao realizarem a greve, obstam
ao cumprimento da relação contratual. Estar-se-ia perante uma causa não
imputável ao devedor (empregador), mas sim a terceiros, excluindo-se a
responsabilidade. Esta não parece ser uma solução aceitável. Não se pode
perentoriamente afirmar que a greve constitui uma causa de exclusão da culpa
relativamente ao empregador em caso de incumprimento dos contratos por
ele celebrados. Quando o artigo 790.º, n.º1 CC fala em causa não imputável
ao devedor, pressupõe-se que o fundamento desse incumprimento não
estava na esfera jurídica deste; ou seja, que estava fora do seu controlo de
atuação. Causa não imputável é a que não se encontra na esfera de influência
do devedor, e não se pode concluir que a greve esteja sempre fora do controlo
de atuação do empregador. Ainda que a greve seja ilícita, com a consequente
responsabilidade de trabalhadores grevistas e sindicatos que a tenham
declarado, a responsabilidade por incumprimento dos contratos com clientes
da empresa dificilmente seria excluída, atenta a responsabilidade objetiva
estabelecida no artigo 800.º CC, em sede de incumprimento contratual. A
greve justifica-se na medida em que haja reivindicação dos trabalhadores que
poderiam ter sido satisfeitas pelo empregador; mesmo que as reclamações
não fossem razoáveis, o empregador tinha a possibilidade de evitar a greve.
Por isso, nas greves não laborais é justo que o empregador não suporte o
respetivo risco. Além disso, também é preciso ter em conta que o empregador,
sendo o gestor da sua empresa, tem de prever as consequências da sua
administração e, na iminência de uma greve, deve ponderar as vantagens e os
inconvenientes da sua postura, nomeadamente nas relações jurídicas com
terceiros. Assim, na medida em que se preveja uma situação de greve, perante
os contratos em vigor, o empregador terá de ponderar se se justifica manter
a sua posição inflexível ou se, pelo contrário, é preferível ceder. Tendo isto
em conta, muitas das vezes, as greves são marcadas para datas importantes
na entrega de mercadorias, altura em que causam maior prejuízo ao
empregador. O risco empresarial abrange situações com os trabalhadores e
com outros sujeitos, terceiros em relação à empresa, pelo que o empregador
tem de ponderar as consequências que da greve advenham nessas relações
contratuais com terceiros. Quando se fala em risco empresarial não é no
mesmo sentido de risco contratual, estudado em Direito das Obrigações,
mais propriamente, o risco empresarial não é uma forma de repartição do
risco no contrato. A expressão risco empresarial não tem uma verdadeira
conotação jurídica e coloca-se a questão de saber se, nos contratos celebrados
com clientes da empresa, pode haver uma repartição do risco contratual. Dito
de outro modo, importa determinar se nos contratos que o empregador
ajustou com os seus fornecedores, compradores, etc., se justifica a aplicação
do regime de repartição do risco, designadamente a regra do artigo 795.º CC.
Não parece que as regras de repartição do risco contratual, em particular a
estabelecida no artigo 795.º CC, se devam aplicar linearmente às situações de
greve na empresa. Imaginando que um determinado empregador se obrigou
a fornecer uma encomenda a algum dos seus clientes e que essa encomenda
não pode ser entregue na data acordada, na medida em que os trabalhadores
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estiveram em greve, não seria aceitável que o empregador nesse contrato de
fornecimento, que, em princípio, corresponde a um contrato de compra e
venda, pudesse invocar a repartição do risco contratual,
desresponsabilizando-se pela não entrega da mercadoria, com base na greve
dos seus trabalhadores. Se assim fosse, chegar-se-ia à conclusão de que o
atraso na entrega da mercadoria não constituía uma situação de mora,
devendo, então, aplicar-se o artigo 792.º CC. Seguindo este raciocínio, o
empregador não entregaria licitamente a mercadoria na data acordada e,
podendo, realizaria a prestação mais tarde, estando o cliente obrigado a
recebê-la, sem que desse atraso adviesse o dever de indemnizar. Isto levaria
a que a greve desencadeada numa determinada empresa não acarretaria
consequências para o empregador, e quem iria suportar os prejuízos inerentes
a essa greve seriam os clientes do empregador, os quais receberiam as
mercadorias mais tarde, sem direito a qualquer indemnização. Dito de outro
modo, o prejuízo do empregador inerente à greve repercutia-se nos clientes
deste. Esta solução parece insustentável. As vicissitudes ocorridas numa
empresa em razão de uma greve não devem repercutir-se nos seus clientes.
Por isso, em caso de greve, o consequente incumprimento dos contratos por
parte do empregador presume-se culposo (artigo 799.º, n.º1 CC), e a greve
não constitui fundamento para afastar a referida presunção, porque os
trabalhadores integram-se na estrutura empresarial e não se podem
considerar como terceiros em relação aos vínculos assumidos pela empresa.
Se o empregador não cumpre os contratos será responsável perante os seus
clientes sob pena de, em cadeia, a greve constituir um passar de culpas. A
existência de uma greve seria, pois, uma forma de desresponsabilizar todos
os intervenientes numa cadeia de prestação de serviços ou de fornecimento
de bens, com a consequente insegurança jurídica, o que não parece aceitável.
9. Greves ilícitas:
a. Limitações ao exercício do direito de greve:
i. Colisão de direitos: a greve não é um direito ilimitado dos trabalhadores,
e, além da disciplina estabelecida no artigo 57.º CRP e nos artigos
530.º e seguintes CT, há a ter em conta que a greve tem de ser
disciplinada, no sentido de o correspondente direito só poder ser
exercido desde que não ponha em causa outros direitos. O direito de
greve não pode colidir com outros direitos e, em caso de conflito,
deve atender-se ao disposto no artigo 335.º CC e às regras de boa fé
(artigo 522.º CT). A licitude da greve tem de ser, não raras vezes,
ponderada tendo em conta o disposto no artigo 355.º CC, pois o
direito de greve deve ceder sempre que a existência de outro direito
o justifique, e será considerada ilícita a greve exercida em
desconformidade com os parâmetros de conflito de direitos,
estabelecidos no artigo 335.º CC e em desacordo com os ditamos da
boa fé (artigo 522.º CT).
ii. Causas de ilicitude da greve: a propósito das modalidades de greves
aludiu-se a greves atípicas, algumas das quais constituem situações
ilícitas. Poder-se-á dizer, em termos sintéticos e para efeitos de
classificação, que as greves serão ilícitas com base em cinco
fundamentos:
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1. Será ilícita a greve que prosseguir fins ilícitos.
2. Será igualmente ilícita a greve desencadeada em desrespeito das normas
jurídicas que a disciplinam constantes dos artigos 530.º e seguintes CT:
se, nomeadamente, forem desrespeitadas as regras relativas à
competência para declarara a greve, ao aviso prévio de greve,
etc., estar-se-á perante uma greve ilícita.
3. Poderão ser ilícitas as greves em cujo exercício se violem princípios
fundamentais do Direito, como seja os princípios da proporcionalidade,
da adequação e da boa fé. Poderão, assim, ser consideradas ilícitas
as greves que causem prejuízos exorbitantes ao empregador,
ou seja, as que não são justificáveis em termos de ponderação
da proporcionalidade entre o prejuízo causado ao
empregador, por um lado, e a reivindicação apresentada e o
prejuízo causado ao empregador, por um lado, e a
reivindicação apresentada e o prejuízo sofrido pelos
trabalhadores em razão do exercício do direito de greve, por
outro. Se houver uma diferença substancial entre os prejuízos
a causar e os danos sofridos bem como as vantagens a obter,
poderá a greve ser considera ilícita.
4. São normalmente ilícitas as situações de greve que impliquem um
deficiente cumprimento da atividade laboral. Quando tenha sido
declarada uma greve que implique não a paralisação do
trabalho mas um mau cumprimento da atividade, há, em
princípio, ilicitude. Se o trabalhador, em vez de paralisar,
passa a cumprir mal, está a violar deveres acessórios da
relação laboral e essa violação enquadra-se na figura do
cumprimento defeituoso da prestação. A greve não pode ser
uma forma de admitir como válido um cumprimento
defeituoso da prestação. Assim, as greves de zelo, de trato
urbano aos clientes e de rendimento são exemplos de
situações, em princípio ilícitas. Será ilícita a realização da
atividade de forma defeituosa, ou seja, as situações que
impliquem a realização da atividade de modo a o empregador
não a poder aproveitar no seu todo. Há uma violação do
dever laboral, que implica um incumprimento do contrato.
Além disso, o trabalhador em greve que realizava a atividade
deficientemente não está eximido do poder de direção. Ele
continua adstrito a acatar ordens do empregador e, nesse caso,
não se pode dizer que, por força da greve, deixa de subsistir
o poder de direção. Se o trabalhador está a desempenhar a
sua atividade tem de receber ordens do empregador e, se não
obedecer, ficará sujeito ao poder disciplinar, com as
consequentes sanções, máxime o despedimento. De igual
modo, há um deficiente cumprimento não enquadrável na
noção de greve, se ficou acordado que os trabalhadores só
não prestam determinado tipo de atividades.
5. Poderá ser ilícita a greve não motivada por questões laborais, em
particular a greve política. Nas greves não laborais é de aceitar
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que o empregador não suporte o risco a elas inerente como o
pagamento de salários a não grevistas ou a responsabilidade
pelo não cumprimento de contratos. É, contudo, discutível
perante a fórmula legal do artigo 57.º CRP e do artigo 530.º
CT excluir as greves não laborais da noção técnica de greve,
no entanto, justifica-se esta limitação, pois importa distinguir
o exercício do direito de greve – que pressupõe um conflito
com o empregador – do direito de manifestação política. Este
último, não havendo qualquer litígio com o empregador, não
pode ser feito valer mediante uma greve. Apesar de as
reivindicações dos trabalhadores grevistas não se
encontrarem dependentes de um critério rígido de
razoabilidade têm de, juridicamente, poder ser satisfeitas pelo
empregador. São, por isso, inadmissíveis reivindicações que
não se encontram na disponibilidade de o empregador
satisfazer. Por isso a greve geral, no sentido da paralisação de
todos os trabalhadores que prestam a sua atividade em
Portugal, não tem em vista reivindicar, perante os
empregadores, melhores condições de trabalho. Trata-se,
antes, de uma forma de contestar a política de um dado
Governo. A manifestação contra a política seguida pelo
Governo, em democracia, é livre, mas importa averiguar se
pode ser feita mediante recurso à greve. A greve determina a
paralisação de trabalhadores em diferentes empresas, mas não
está nas mãos dos empresários impedir a votação do projeto
na Assembleia da República ou a aplicação da lei no país.
Deste modo, a satisfação das reivindicações dos
trabalhadores (não aprovação de um projeto ou não aplicação
de uma lei) não pode juridicamente ser satisfeita pelos
empregadores e são estes que sofrem os prejuízos da
paralisação. O direito de greve só é atribuído aos
trabalhadores por conta de outrem, não podendo os
trabalhadores independentes recorrer à greve. Sendo a greve
geral lícita, os trabalhadores por conta de outrem poderiam
paralisar a atividade nas empresas para pressionar uma
mudança política do Governo, ficando os trabalhadores
independentes numa situação menos protegida, porque não
lhes seria conferido esse meio de pressão sobre o Governo.
Daqui decorreria uma inadmissível desigualdade entre
trabalhadores. Na greve geral, os trabalhadores deixam de
cumprir os contratos de trabalho, reivindicando aos
empregadores uma alteração da política laboral do Governo,
pretensão que aqueles, juridicamente, não podem satisfazer.
A greve geral advém de uma confusão entre o dirieto de greve
e o direito de manifestação. Os trabalhadores (por conta de
outrem ou independentes) podem manifestar-se contra a
política laboral do Governo, para pressionar os deputados a
não votar um projeto legislativo ou a rever uma lei já
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aprovada; essa manifestação é lícita, podendo efetivar-se por
diferentes meios, nomeadamente através de desfiles na rua.
Mas o direito de manifestação contra a política laboral do
Governo não pode concretizar-se mediante greves que
paralisem o trabalho em diversas empresas do setor privado,
determinando o não cumprimento de contratos de trabalho,
pois serão os empresários a suportar os prejuízos de uma
política governamental que não podem impedir. Em suma, os
empresários, que sofrem o prejuízo da paralisação, não
podem juridicamente satisfazer as reivindicações dos
trabalhadores. Resta, assim, concluir que a greve não pode ser
entendida como um direito de livremente prejudicar outrem
(empregadores, utentes de serviços, etc.), similar a um
bloqueio de estrada ou uma manifestação acompanhada de
atos de vandalismo, devendo circunscrever-se a uma
reivindicação laboral no seio de cada empresa.
iii. Greves atípicas: a propósito de situações atípicas de greve, em que se
verifica uma violação de princípios fundamentais de direito, fala-se
nas greves de maior prejuízo, que costumam ser exemplificadas com
as greves retroativas, rotativas, trombose e intermitentes. A este
elenco pode acrescentar-se a designada greve self-service. De modo
sintético, pode dizer-se que estas formas de luta caracterizam-se por,
preenchendo embora os elementos do conceito de greve (paralisação
da prestação do trabalho, na sua globalidade, por um grupo de
trabalhadores, para pressionar no sentido da consecução de fins
coletivos), serem levadas a efeito de modo particularmente lesivo
para as empresas onde ocorrem, seguindo um plano de paralisação
da produção com perdas mínimas de salários para os grevistas
implicados no processo. Pode, assim, dizer-se que estas greves têm
em comum o serem executadas através de um planeamento de
paralisações parceladas (parcelamento por setores ou por tempos) de
modo a conseguir uma grande economia de custos para os
trabalhadores em greve (pois cada um deles paralisa durante pouco
tempo) e ocasionar ao empregador danos iguais ou aproximados ao
infligidos por uma longa greve. Trata-se de uma série de paralisações
articuladas com a intenção de desorganizar a capacidade produtiva
das empresas onde incidem.
1. Na greve retroativa: a paralisação dos trabalhadores implica a
destruição de um processo produtivo efetuado anteriormente.
Quando, por exemplo, os trabalhadores paralisam um dia e
com isso perde-se toda a produção realizada num período
anterior, há uma retroatividade dos efeitos da greve. Em tais
casos, há uma desproporção entre o exercício do direito da
greve e o dano causado ao empregador.
2. Nas greves rotativas: os trabalhadores paralisam por setores, de
molde a que toda a empresa deixe de laborar, a paralisação de
cada setor, sendo concertada, impede que os setores
subsequentes possam laborar. Normalmente, as greves
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iniciam-se no setor primário da empresa e vão,
sucessivamente, paralisando os vários setores. A paralisação
vai percorrendo sucessivamente os vários setores da empresa
(categorias profissionais ou fases do processo produtivo), ou
seja, todos os trabalhadores aderentes se abstêm de trabalhar
mas em momentos diferentes. Trata-se de um tipo de greve
que é levado a cabo em vários setores de modo sucessivo ou
alternativo em termos de desorganizar completamente a
produção. Em cada dia serão poucos os trabalhadores em
greve, mas a empresa ficará paralisada durante um lapso
longo.
3. A greve trombose: normalmente só afeta um setor da empresa
que é o setor chave da mesma. Na greve trombose ou de
estrangulamento a paralisação limita-se a incidir em setores
estratégicos da empresa, conduzindo a uma quebra completa
da produção. Tendo em conta que determinados
trabalhadores são fundamentais para o funcionamento da
empresa, se estes entram em greve isso implica a paralisação
total da empresa. Muitas das vezes, nestes casos, é feito um
acordo no sentido de os trabalhadores não aderentes à greve
compensarem economicamente os grevistas que ocupam o
tal setor chave. Ou seja, os não aderentes recebem a
retribuição e compensam os grevistas. Trata-se igualmente de
uma forma de conseguir um prejuízo elevado para o
empregador com uma perda mínima para os trabalhadores.
Nada obsta a que haja uma greve dos trabalhadores do setor
estratégico da empresa; a ilicitude advém da mencionada
concertação.
4. A greve intermitente: pressupõe que a paralisação seja por
pequenos períodos, tendo em vista afetar a atividade
anteriormente realizada; ou seja, envolve uma série de curtas
interrupções do trabalho, que provocam uma baixa de
rendimento tão elevada como a decorrente de uma única
paragem do trabalho durante o mesmo tempo total, ou, pelo
menos, desorganizarem a produção. Será o caso em que os
trabalhadores suspendem a atividade várias vezes por dia
durante curtos períodos de tempo, que pode pôr em causa
toda a produção desse dia.
5. Na greve self-service: os trabalhadores grevistas interrompem o
trabalho quando acharem oportuno e pelo tempo que
entenderem. Trata-se de uma greve prolongada em que não
se sabe quando se irá dar a paralisação do trabalho e, havendo
paralisação, não se sabe quantos trabalhadores grevistas vão
suspender a atividade, nem, principalmente, durante quanto
tempo haverá paragem da laboração. Dir-se-ia que, apesar de
haver aviso prévio, tendo em conta a incerteza quanto à
paralisação sob vários aspetos, esta greve aproxima-se de uma
greve suspensa, imprevista, que é ilícita.
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Estas cinco formas de greve não serão necessariamente abusivas. Em
determinados casos, pode-se considerar estas greves, tendo em conta
a proporcionalidade entre os danos causados ao empregador e o
prejuízo dos trabalhadores como não abusivas. Tudo depende das
circunstâncias concretas. Em princípio, a greve só será ilícita se a
violação for substancial.
b. Consequências da ilicitude: tendo em conta as consequências da greve, tais
como o facto de o empregador suportar o risco, continuando a pagar o salário
aos trabalhadores não grevistas e indemnizados os clientes pelo
incumprimento de contratos, poder-se-ia não justificar essas implicações no
caos de a greve ser ilícita. Mas são questões distintas. Os trabalhadores não
grevistas e os clientes da empresa não podem ser prejudicados no caso de a
greve ser lícita. A ilicitude da greve pode determinar a responsabilidade de
sindicatos e trabalhadores, mas não desresponsabiliza o empregador no
cumprimento dos contratos de trabalho (com os não grevistas) e com os
clientes da empresa. A greve declara em inobservância do disposto nos artigo
530.º e seguintes CT faz incorrer os grevistas no regime de faltas injustificadas
(artigo 541.º, n.º1 CT). O artigo 541.º CT – na sequência do regime disposto
em 2003 e na Lei da Greve – não pode ser interpretado em sentido restrito,
de só estarem incluídas as violações correspondentes a irregularidades
formais, como a falta de aviso prévio. A formulação do preceito é ampla
(greve declarada ou executada de forma contrária à lei), pelo que abrange
quaisquer irregularidades, tanto formais como substanciais. De facto, não
seria aceitável que as irregularidades substanciais ficassem desprovidas de
sanção. Em caso de greve ilícita, o artigo 541.º, n.º1 CT manda aplicar o
regime das faltas injustificadas. O artigo 256.º CT estabelece que as faltas
injustificadas, além de constituírem violação do dever de assiduidade,
implicam a perda de retribuição e da antiguidade. A perda da retribuição já
advém da adesão à greve (artigo 536.º, n.º1 CT), o mesmo não se pode dizer
com respeito à perda da antiguidade. A violação do dever de assiduidade é
uma infração disciplinar que pode constituir justa causa de despedimento, em
particular se as faltas não justificadas determinarem prejuízos ou riscos graves
para a empresa ou se o número de faltas atingir cinco seguidas ou dez
interpoladas em cada ano (artigo 351.º, n.º2, alínea g) CT). Além disso, como
consequência da adesão a uma greve ilícita, pela sua gravidade e consequência,
pode tornar-se imediata e praticamente impossível a subsistência da relação
de trabalho (artigo 351.º, n.º1 CT). Porém, mesmo no caso de greve ilícita,
em determinadas circunstâncias, admite-se que os trabalhadores tenham
aderido na ignorância da ilicitude da mesma, e essa ignorância deve ser
tutelada. Nem sempre se pode exigir por parte do trabalhador grevista um
conhecimento efetivo da situação real; ele pode não saber se o pré-aviso foi
feito com antecedência devida ou não ter consciência da ilicitude. Provando-
se o desconhecimento da ilicitude da greve, a respetiva adesão não devera ser
caracterizada como ilícita, não ficando o trabalhador sujeito ao regime das
faltas injustificadas. O regime das faltas injustificadas só encontraria aplicação
relativamente a trabalhadores que aderissem à greve com conhecimento da
ilicitude da mesma, mas se o trabalhador aderiu à greve em desconhecimento
da ilicitude, mormente porque não terá sido convenientemente informado
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pelo sindicato, não deve suportar as consequências da ilicitude da greve. Não
deve, contudo, relevar o desconhecimento negligente. Tal como foi referido
supra, com base no artigo 520.º, n.º3 CT, relativo à responsabilidade civil por
incumprimento culposo de obrigações contratuais, nomeadamente
resultantes de convenção coletiva, e, em particular, tendo em conta o
disposto no artigo 541.º, n.º2 CT, que remete para os princípios gerais em
matéria de responsabilidade civil, em caso de declaração ou execução da greve
de forma contrária à lei, valem as regras gerais de responsabilidade civil, e
cabe indagar em que medida poderão ser responsabilizados os sindicatos que
tenham decretado uma greve ilícita ou que prestem informações erradas aos
trabalhadores.
10. Proibição de lock out: o artigo 57.º, n.º4 CRP estabelece a proibição de lock-out, a
qual vem reproduzida no artigo 544.º, n.º2 CT. Poder-se-ia discutir a
constitucionalidade deste preceito constitucional, considerando que a proibição do
lock out seria uma forma de violar o princípio da igualdade e, nessa medida, estariam
feridos de inconstitucionalidade o artigo 544.º, n.º2 CT, bem como o artigo 57.º, n.º4
CRP, mas esta discussão parece estar ultrapassada. A proibição do lock out é
constitucionalmente justificável na medida em que o artigo 13.º CRP, ao estabelecer
o princípio da igualdade, admite tratamentos diferenciados que se aceitam dentro de
determinados parâmetros; do artigo 13.º CRP resulta que não se permitem
discriminações, e na relação laboral admite-se que não sejam usadas pelas duas partes
as mesmas formas de luta. Há razões para se aceitar a desigualdade, tendo em conta
que a greve é entendida como meio para se tentar estabelecer o equilíbrio numa
relação contratual que tem alguma tendência para se encontrar desequilibrada.
Depois de o n.º2 do artigo 544.º CT se proibir o lock-out, no n.º1 do mesmo preceito
apresenta-se uma noção de lock out ampla, a qual importa interpretar de forma
restritiva. Para tal torna-se necessário proceder a uma análise dos vários elementos
da definição legal:
a. O lock out advém de uma decisão unilateral do empregador:
entendendo-se, por conseguinte, que não está abrangido nesta figura o
encerramento da empresa que venha a dever-se a um acordo entre o
empregador e os trabalhadores ou entre o empregador e os sindicatos. Mas
acresce que a decisão unilateral do empregador de encerrar não é lock out se
o fundamento de relacionar com um conflito laboral, nomeadamente é lícito
o encerramento em caso de insolvência e bem assim nas hipóteses previstas
nos artigos 309.º e seguintes CT (encerramento temporário do
estabelecimento).
b. O lock out traduz-se na paralisação total ou parcial da empresa: mas
pode haver paralisações totais numa empresa que não constituem lock out.
Mesmo em situações de greve, não há lock out quando se justifica a paralisação
da empresa por motivos de segurança. Em tal caso, o empregador pode
decidir paralisar parcial ou totalmente a empresa. Estas paralisações que se
devem a razões técnicas, de segurança, etc., são aceitáveis e não constituem
lock out. Se o empregador decidir por esta paralisação tem de pagar as
retribuições aos trabalhadores não grevistas, apesar de eles também não
trabalharem nesses dias em que a empresa esteve encerrada por motivos
técnicos. Em suma, o empregador não pode ser obrigado a manter a
laboração se houver riscos para a atividade. Nestes termos, a noção do artigo
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544.º, n.º1 CT tem de ser restringida, só se admitindo a existência de lock out
quando o empregador encerra a empresa como represália pela greve.
c. Considera-se lock out a interdição de acesso aos locais de trabalho a
alguns trabalhadores ou à totalidade dos trabalhadores: também aqui
tem de ser feita uma interpretação restritiva. De facto, o empregador, numa
situação de greve, não pode impedir o acesso dos trabalhadores aos locais de
trabalho, mas é preciso distinguir entre trabalhadores grevistas e não grevistas.
i. Aos trabalhadores grevistas: em determinadas circunstâncias, o
empregador pode vedar o acesso ao local de trabalho, até porque a
sua presença poderia prejudicar a laboração daqueles que não
aderiram à greve e constituir um risco para todas as pessoas que
estivessem nesses locais. Assim, em particular por motivos de
segurança, justifica-se tal atitude do empregador. Tal como o
empregador pode impedir o acesso dos piquetes de greve a
determinadas zonas da empresa, também, nos mesmos moldes, tem
direito de vedar o acesso de trabalhadores grevistas a certas zonas da
empresa e inclusive aos seus próprios locais de trabalho.
ii. Aos trabalhadores não grevistas: já em relação aos trabalhadores não
grevistas poderia ser considerado lock out o facto de o empregador
lhes impedir o acesso ao local de trabalho, mas, ainda assim, a
restrição será lícita se, por motivos de segurança, etc., o empregador
decidir encerrar a empresa no dia de greve.
d. Considera-se lock out a recusa em fornecer trabalho, condições e
instrumentos de trabalho: tal recusa só será inválida em relação aos
trabalhadores que não aderiram à greve. Quanto aos trabalhadores grevistas,
o empregador não tem de lhes dar trabalho, nem condições e instrumentos
de trabalho. Mas mesmo em relação aos não grevistas há casos em que o
empregador pode recursar-se a fornecer-lhes trabalho, porque, numa
situação de greve e perante a falta de determinados trabalhadores, não
estando a empresa em condições de laborar, pode não fornecer trabalho nem
sequer aos trabalhadores não grevistas, o que não deve ser considerado lock
out. Objetivamente, o empregador não pode fornecer trabalho. Torna-se é
necessário averiguar se se justifica o encerramento por motivos de segurança,
etc. Nestes casos, o empregador tem de lhes pagar a retribuição referente a
esse período, mas não está obrigado a dar-lhes trabalho. E daqui não advém
qualquer violação da lei.
Há, no fundo, que distinguir o lock out de situações em que a empresa encerra em
situações de greve, por motivos técnicos ou económicos ou por motivo de força
maior. O lock out só existe nos encerramentos de empresa desde que isso constitua
uma represália perante a greve.
11. Cessação: a greve pode terminar por acordo entre as partes ou por deliberação das
entidades que a tiverem declarado (artigo 539.º CT). É evidente que se as
reivindicações apresentadas pelos trabalhadores forem satisfeitas e se eles chegarem
a um acordo com o empregador a greve terminará. Além disso, se a entidade que
declarou a greve, por exemplo, um sindicato, decidir suspender a greve, esta também
cessará. Para além destas duas situações que vêm previstas na lei, ainda é possível
admitir a cessação da greve quando foi decretada por períodos determinados; em tal
caso, a greve cessa, não em virtude de uma das causas previstas na lei, mas porque
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foi fixada por um determinado período, de um, dois ou três dias, decorrido o qual a
greve cessa. Esta é talvez a situação mais comum de cessação em que a greve é
declarada por um período certo, normalmente curto. Naqueles casos, hoje não muito
frequentes, de greve declarada por tempo indeterminado, a greve termina ou com a
aceitação das reivindicações por parte dos empregadores ou perante a exaustão dos
trabalhadores. Na prática, não é vulgar que uma greve termine por acordo entre as
partes. Teoricamente, pode admitir-se que trabalhadores e empregadores cheguem a
um consenso durante o período da greve e prevê-se a possibilidade de os
trabalhadores em greve serem representados (artigo 532.º CT), para efeitos de se
chegar a um acordo com vista à sua cessação. Mas não é frequente que isto ocorra
sob pressão direta da greve, principalmente porque hoje são raras as greves
prolongadas. Contudo, as mais das vezes, depois da greve terminar, as partes
chegaram a acordo, mas não é normal que isso ocorra durante o período em que
decorre a greve, porque este é, regra geral, demasiado curto. Porém, a referência no
artigo 539.º CT ao termo da greve por acordo, tem normalmente que ver com um
acordo de cessação e não com um acordo sobre o litígio.
12. Natureza jurídica: a greve é um direito subjetivo complexo no que respeita, por um
lado, à titularidade e, por outro, ao exercício. O direito da greve funda-se no princípio
da alteração das circunstâncias, mediante o qual se pretende modificar a situação
contratual, tendo em conta a modificação de circunstâncias entretanto verificada.
Perante uma alteração de circunstâncias atribui-se, individualmente, aos
trabalhadores o direito de, em conjunto, recorrerem à greve. É neste ponto que surge
a complexidade do exercício deste direito, porque corresponde a uma reivindicação
individual, de cada trabalhador, mas a exercer em conjunto pelos vários trabalhadores.
Para exercerem o seu direito de greve, os trabalhadores carecem de uma
intermediação, porque não podem diretamente exercê-lo. Há uma entidade, que não
é parte na relação contratual de trabalho, normalmente uma associação sindical e,
eventualmente, uma assembleia de trabalhadores, sem cuja intervenção a greve não
pode ser declarada. Há, pois, uma íntima conexão entre a dimensão individual e
coletiva deste direito. Em suma, a greve é um direito subjetivo dos trabalhadores
individualmente consideradas, mas a exercer coletivamente, fundado na alteração das
circunstâncias ocorrida na relação laboral, que para ser exercido carece de uma prévia
intermediação.