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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS 1 DIREITO CONSTITUCIONAL SUMÁRIO 1. Conceitos e Noções Gerais ......................................................................................... 02 2. Normas Constitucionais ............................................................................................. 16 3. A estrutura das Constituições ................................................................................... 23 4. Mudança Constitucional ........................................................................................... 24 5. Princípios Fundamentais da República...................................................................... 26 6. Poder Constituinte ..................................................................................................... 35 7. Controle de Constitucionalidade ............................................................................... 38 8. Direitos Fundamentais ............................................................................................... 54 9. Garantias Fundamentais ............................................................................................ 80 10. Remédios Constitucionais ..................................................................................... 108 11. Nacionalidade......................................................................................................... 129 12. Direitos Políticos .................................................................................................... 134 13. Partidos Políticos .................................................................................................... 146 14. Organização do Estado........................................................................................... 149 15. Organização dos Poderes ....................................................................................... 156 16. Poder Legislativo .................................................................................................... 157 17. Processo Legislativo ....................................................................................... 167 18. Poder Executivo ..................................................................................................... 180 19. Poder Judiciário ...................................................................................................... 187 20. Ministério Público ................................................................................................. 202 21. Advocacia Pública................................................................................................... 207 22. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas ......................................... 208 23. Da Segurança Pública ............................................................................................. 212 24. Ordem Econômica e Financeira ............................................................................. 213 25. Tribunal de Contas ................................................................................................ 217 26. Ordem Social .......................................................................................................... 219 27. Índios ..................................................................................................................... 224

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

1

DIREITO CONSTITUCIONAL

SUMÁRIO

1. Conceitos e Noções Gerais ......................................................................................... 02

2. Normas Constitucionais ............................................................................................. 16

3. A estrutura das Constituições ................................................................................... 23

4. Mudança Constitucional ........................................................................................... 24

5. Princípios Fundamentais da República ...................................................................... 26

6. Poder Constituinte ..................................................................................................... 35

7. Controle de Constitucionalidade ............................................................................... 38

8. Direitos Fundamentais ............................................................................................... 54

9. Garantias Fundamentais ............................................................................................ 80

10. Remédios Constitucionais ..................................................................................... 108

11. Nacionalidade ......................................................................................................... 129

12. Direitos Políticos .................................................................................................... 134

13. Partidos Políticos .................................................................................................... 146

14. Organização do Estado ........................................................................................... 149

15. Organização dos Poderes ....................................................................................... 156

16. Poder Legislativo .................................................................................................... 157

17. Processo Legislativo ....................................................................................... 167

18. Poder Executivo ..................................................................................................... 180

19. Poder Judiciário ...................................................................................................... 187

20. Ministério Público ................................................................................................. 202

21. Advocacia Pública ................................................................................................... 207

22. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas ......................................... 208

23. Da Segurança Pública ............................................................................................. 212

24. Ordem Econômica e Financeira ............................................................................. 213

25. Tribunal de Contas ................................................................................................ 217

26. Ordem Social .......................................................................................................... 219

27. Índios ..................................................................................................................... 224

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DIREITO CONSTITUCIONAL

CONCEITOS E NOÇÕES GERAIS

1.1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

O conceito de Constituição não é unificado, existem várias concepções para definir o termo. Entre as diversas concepções existentes, três se destacam, a sociológica, a política, e a jurídica.

A concepção sociológica foi desenvolvida por Ferdinand Lassale. Para o autor, a Constituição somente será legítima se refletir as forças sociais que constituem o poder, ou seja, seria a somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade.

Já a concepção política, desenvolvida por Carl Schmitt, enxerga a Constituição como decisão política fundamental, decorrente do Poder Constituinte, consubstanciada em normas que refletem a unidade política de um povo.

Por fim, a concepção jurídica, que tem como maior expoente Hans Kelsen, caracteriza a Constituição como um fruto da vontade racional do homem, uma norma pura que reconhece um dever-ser, sem qualquer pretensão de apresentar fundamentação sociológica, política ou filosófica.

Para o jurista, a Constituição poder ser tomada em dois sentidos: lógico-jurídico e jurídico-positivo. No sentido lógico-jurídico, a Constituição é uma norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico da validade. Sob a perspectiva jurídico-positiva, constitui a norma positiva suprema, que regula a criação de outras normas.

1.2. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO

1.2.1.O ESTADO MODERNO

No sistema feudal europeu a relação de poder verificava-se entre servos e senhores. Os senhores. Os senhores (duques, barões) viviam em castelos, o redor dos quais, com o desenrolar da história (séculos XII, XIV e XV), formaram-se pequenos vilarejos conhecidos por burgos, nos quais passava a ser exercido o comércio. Isto ocorria porque a sociedade, até então simples e composta basicamente por três castas (clero, nobreza e camponeses), passava a se tornar mais complexa: os feudos já não absorviam toda a mão-de-obra camponesa, que aumentava exponencialmente; como consequência, os “excluídos” daquele sistema tinham de exercer outras atividades, tornando-se ferreiros, carpinteiros, artesãos, pequenos comerciantes e formando pequenas comunidades. A terra deixava de ser a única fonte de riqueza.

O comércio e a indústria expandiram-se e a classe burguesa, vivenciando o que se pode chamar de capitalismo embrionário, precisava de moeda e de segurança para negociar. Era factível a necessidade de algo que assegurasse a normalidade e a ordem mediante coerção. Inaugurava-se a transição do medievo à Idade Moderna (séculos XV a XVIII), marcada pela centralização de poder a monarcas.

A solução encontrada pelos burgueses, ao perceberem que era necessária uma diferente organização política, capaz de conferir-lhes estabilidade, ordem e tranquilidade, foi fortalecer a autoridade do rei para consolidar tais objetivos. Formavam-se crescentes monarquias nacionais. Surgia o Estado Absolutista.

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1.2.2. O ESTADO ABSOLUTISTA

O Estado Absolutista passou por duas fases. Na primeira, a fundamentação era divina e incontestável. Maquiavel, nessa época, escreveu O Príncipe. Havia dualidade de poder entre monarca e clero.

A segunda fase foi marcada pelo distanciamento da ideia de Estado de bases teológicas. O absolutismo passava a ser fundamentado em bases filosóficas e contratuais. Vivia-se num período de revolução paradigmática no campo da filosofia. Instaurava-se uma nova fundamentação ao poder, apta a substituir os valores medievos. Aceitavam-se novas fundamentações – visão antropocêntrica, racionalista e humanista na filosofia.

Era a época do renascimento cultural, que acarretou a definitiva secularização do Estado em relação à Igreja.

Tomas Hobbes, o primeiro contratualista, discorreu a respeito do Estado “Leviatã”. Tratava-se de discurso dialético envolvendo civilização e barbárie.

“Palco de uma guerra civil do gênero humano, o estado de natureza aparelhava, por conseguinte, o extermínio e mútuo aniquilamento do todos. Era um estado de sangue, desconfiança e ferócia contumaz, em que o medo, institucionalizado no instinto de sobrevivência, não deixava ainda antever o advento da consciência agregativa, suscetível de instituir um sistema de relações fundado no estabelecimento da ordem e da segurança. Estado de natureza fadado a perpetrar-se se não houvesse logo, por necessidade já inelutável, a passagem ao estado de sociedade.”1

O homem perde liberdade em troca da promessa de conservação. Todas as liberdades são transferidas ao Estado, “senhor absoluto da vida e dos comportamentos humanos, pelos menos segundo a tese implícita nessa singular doutrina com que a razão buscou edificar o Estado Moderno”.2

Maquiavel e Hobbes forjaram ideologias que guiaram e legitimaram os arbítrios do regime absolutista.

1.2.3. O ESTADO LIBERAL

O Renascimento e o Iluminismo foram movimentos nos quais já se havia internalizado o novo paradigma filosófico, fundado no sujeito cognoscente, na razão, no cogito ergo sum de Descartes.

Segundo Immanuel Kant:

“Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados”.3

Esses movimentos difundiram-se sobremaneira durante o século XVIII e marcaram franca oposição ao regime absolutista. Discutia-se a possibilidade da mudança das bases nas quais se fundava a noção de Estado. Propunha-se liberalismo econômico, maior participação popular nas decisões estatais e limitações ao poder dos soberanos.

Após Hobbes, o poder absoluto do Estado já não havia sendo aceito e germinavam os ideais revolucionários, mas ainda não havia Constituição.

1 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25. 2 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25. 3 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 3 ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987, p. 14.

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John Locke, o segundo contratualista, tal como Hobbes, fundava os argumentos na ideia de delegação, mas não de forma tão ampla, refutando a possibilidade de delegação da própria vida em prol da segurança e salientando a pré-existência de direitos naturais ao homem e superiores ao poder do Estado. Em Locke já se sinalizava certa noção de Constituição, pois se resguarda a liberdade individual, a vida e outros direitos tidos por naturais.

Rousseau, por sua vez, não utilizou o discurso barbárie versus civilização. Os argumentos foram voltados à ideia de um consenso inicial: “O homem nasceu livre e por toda parte ele está agrilhoado. Aquele que se crê senhor dos outros não deixa de ser mais escravo que eles. Como se deu essa mudança? Ignoro-o. O que pode legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.4 Ele sustentava que a ordem social não advém da natureza, mas funda-se em convenções, uma vez que “o mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em direito e a obediência em dever”.5

E adiante: “dizer que um homem se dá gratuitamente é dizer uma coisa absurda e inconcebível; este ato é ilegítimo e nulo, pelo simples fato de que quem o pratica não está em seu juízo perfeito. Dizer o mesmo de todo um povo é supor um povo de loucos: a loucura não estabelece o direito”.6

Para Rousseau, antes de buscar compreender o ato pelo qual um povo elege um soberano, um Estado Leviatã, é preciso examinar o ato pelo qual um povo é um povo e é aí que reside a ideia de um pacto inicial com vistas a uma comunhão de forças suficiente à fundação da sociedade.

Argumentou que Robinson Crusoé e Adão, enquanto sozinhos em seus respectivos mundos, não necessitavam de pacto inicial algum. Contudo, a partir o momento em que passaram a coexistir, o pacto inicial necessitava ser firmado.

Com o pacto inicial Rousseau pressupôs a unanimidade em um tempo remoto qualquer. Se assim não o fizesse “onde estaria a obrigação de os menos numerosos se submeterem à escolha dos mais numerosos e de onde vem o direito de cem indivíduos, que querem um senhor, votar por dez que não o querem?”.7

Rousseau não esteve imune a críticas. Entretanto, concretizou a ideia de Estado como instrumento hábil à busca de um objetivo comum e limitado no tocante à possibilidade de manejar direitos individuais.

Estava formado o caldo de ideias iluminista. A burguesia, classe já fortalecida, não mais se contentava somente com o poder econômico e não mais suportava os abusos absolutistas. Os burgueses queriam o poder político. Advinha a Revolução Francesa sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade. O Terceiro Estado8 tomava o poder.

Instituiu-se Assembleia Nacional para a criação de uma Constituição democrática para o país e, após a invasão popular, em 1789, da velha prisão da Bastilha, símbolo do absolutismo monárquico, Luís XVI via-se forçado a reconhecer a legitimidade da Assembleia.

Proclamou-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Em 1791 concluíram-se os trabalhos constituintes. Surgia o Estado Liberal, absenteísta. A burguesia precisava dos princípios do laissez-faire, de modo a possibilitar o desenvolvimento do capitalismo, base de seu poderio econômico. O Estado tinha por base a lei codificada. O que não era proibido era permitido. Protegiam-se direitos de primeira geração (vida, liberdade, segurança).

4ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 09. 5 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 12. 6 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 14. 7 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 19-20. 8 SIEYES, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers-état?Paris: Éditions du Boucher, 2002.

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1.2.4. O ESTADO SOCIAL

No início do século XX o Estado Liberal entrou em crise. O regime capitalista acarretou concentração de poder e de riquezas nas mãos de poucos. A contribuição da Revolução Industrial foi evidente, seja pelo drástico incremento do poderio econômico daqueles que se apropriaram dos meios de produção ou com o consequente surgimento do proletariado, classe social de operários oprimidos com árduas jornadas de trabalho e ínfimos salários. O crescimento exponencial da população também foi um fator determinante, pois se passou a obter grande oferta de mão-de-obra a baixo custo, ampliando a opressão por parte dos industriais e limitando ainda mais as condições de sobrevivência de grande parte do povo.

Intensificaram-se os conflitos sociais. Adveio a Primeira Guerra Mundial e difundiu-se o ideal socialista na Rússia. Confeccionou-se a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar (1919). Ambas inauguraram a ideia de Estado Social, garantidor dos direitos de segunda geração (saúde, educação, previdência).

O Estado passa a ser responsável não somente por se abster de interferir na economia e de propiciar ambiente propício à manutenção do regime capitalista. O Estado Social tem de oferecer prestações positivas aos cidadãos, tais como educação, saúde, previdência social, assistência aos desamparados, etc., passando de mero espectador a protagonista de inúmeros atos destinados a estabelecer padrões ideais de existência aos respectivos habitantes.

A promessa do Estado Social, como alternativa viável ao absenteísmo que predominou no mundo ocidental ao menos até o apagar das luzes do século XIX, ainda não se realizou a contento de todos na República Federativa do Brasil.

Poucos anos passaram, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, para que se percebessem dificuldades na realização do Estado Democrático de Direito9 nos moldes preconizados pela Assembleia Nacional Constituinte: a despeito da facilmente verificável densidade normativa dos chamados direitos de primeira geração, os deveres positivos impostos à federação como decorrência lógica do reconhecimento dos direitos de segunda geração vêm sendo implementados com muita dificuldade no Brasil.

O que se pretendeu, com a promulgação da CF/88, foi construir uma sociedade livre justa e solidária, erradicar da pobreza e da marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais10, possibilitar o respeito à prevalência dos direitos humanos11. Enfim, erigiu-se dignidade da pessoa humana à qualidade de fundamento de uma República12 destinada a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos13.

O Estado Social, entre nós, ainda tem muito a realizar. A dignidade da pessoa humana, propugnada no inciso III do artigo 1˚ da Constituição Federal, e a sadia qualidade de vida mencionada no caput do artigo 225, também da CF, somente poderiam ser efetivamente observáveis se cada cidadão brasileiro obtivesse o que se convencionou denominar mínimo existencial.14

9 CF, art. 1˚, caput. 10 CF, art. 3˚, inciso I. 11 CF, art. 4˚, inciso II. 12 CF, art. 1˚, inciso III. 13 CF, Preâmbulo. 14 "A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à

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De acordo com o artigo 6˚, caput e inciso IV da Constituição Federal, o piso vital mínimo (para usarmos as palavras de Celso Antônio Pacheco Fiorillo15) deveria proporcionar o gozo de direitos sociais tais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, além do direito, aos desamparados, à assistência social.

Estado Social (ou Estado Democrático de Direito, como prefere Lênio Streck16) só será possível quando as receitas provenientes de tributos forem arrecadadas e utilizadas de modo a possibilitar a efetiva implementação dos serviços públicos inerentes aos direitos de segunda geração.

1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

A doutrina costuma utilizar diversos critérios para classificar as constituições, entre eles destacam-se, quanto ao conteúdo, à forma, ao modo de elaboração, à origem, à estabilidade e à extensão.

1.3.1. QUANTO AO CONTEÚDO

O texto materialmente constitucional será aquele que designa as normas de conteúdo relativas à regulação do Estado, organização dos poderes, estabelecimento de direitos fundamentais, sejam elas escritas ou costumeiras, inseridas ou não em um único documento.

Já a constituição formal é aquela escrita, estabelecida pelo poder constituinte originário e que somente pode ser alterada segundo um processo legislativo por ela estabelecido. Nestas constituições, como é exemplo a Constituição brasileira de 1988, todas as normas nela inseridas são normas constitucionais, independentemente de sua importância. Em consequência, entre essas normas não há hierarquia distinta. Ou seja, no corpo da constituição, não há normas superiores e normas inferiores, todas gozam da mesma hierarquia, tanto o texto permanente, quanto o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ademais, conforme o § 3º do art. 5º da Constituição Federal, que foi inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, chamado cláusula de equivalência, os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

1.3.2. QUANTO À FORMA

A norma constitucional pode ser escrita, quando sistematizada em um único documento escrito que visa à organização fundamental de determinado Estado. Daí surge o conceito de constituição legal, a norma mais importante, colocada no ápice da pirâmide normativa.

Contudo, nem todas as constituições são unificadas em um único documento solene, elas podem decorrer de leis esparsas, de jurisprudência, de convenções e de costumes, são as chamadas Constituições não escritas.

1.3.3. QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO

Algumas constituições são fruto de um longo e contínuo processo resultante da história e da formação e fortalecimento da tradição ou costume. São as chamadas Constituições históricas.

alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.) 15 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 13. 16 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 4 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 33-60.

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Por outro lado, pode acontecer de uma Constituição ser fruto da prevalência de um contexto, uma hegemonia política que, por meio de um órgão constituinte, sistematiza os dogmas ou ideias fundamentais acerca da teoria política e do direito dominantes naquele momento. Como resultado, cria-se uma constituição escrita de caráter dogmático.

1.3.4. QUANTO À ORIGEM

As constituições podem ser promulgadas, quando, sua origem decorre de um órgão constituinte composto por representantes do povo eleitos para essa finalidade. Por exemplo: as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.

As constituições podem ser, também, outorgadas, quando elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo; são aquelas impostas pelos governantes ou detentores do poder. Exemplos: Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e sua Emenda nº 1 de 1969.

Ainda que outorgadas, algumas constituições podem requerer posterior ratificação ou referendo popular, são as chamadas constituições cesaristas.

1.3.5. QUANTO À ESTABILIDADE

Constituições que não estabelecem nenhuma forma de revisão de suas normas não chamadas de imutáveis, graníticas ou intocáveis. As constituições são consideradas rígidas quando exigem um procedimento especial de alteração de seu texto, ou seja, exige-se um procedimento mais solene e complexo que o das demais normas. A Constituição de 1988 se enquadra nesse modelo, nos termos do seu artigo 60. Também assim o foram as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967/69.

Quando não há propriamente hierarquia entre Constituição e lei infraconstitucional, de modo que a própria lei ordinária pode mudar constantemente o texto constitucional, diz-se que a norma constitucional é flexível. Em regra, são Constituições não escritas, porém, excepcional-mente, é possível que sejam escritas.

As constituições podem, ainda, ser semiflexíveis ou semirrígidas, isso quer dizer que, em seu texto, elas contemplam um processo legislativo rígido para determinadas matérias e flexível para outras. Um bom exemplo disso é a Constituição do Império do Brasil, nos termos do seu artigo 17817. Essa divisão pode ser notada, também, na CF/88, porquanto possui um núcleo temático imodificável (cláusulas pétreas), levando alguns autores a classificar a Constituição brasileira de “superrígida”.

1.3.6. QUANTO À EXTENSÃO

Chamam-se de sintéticas ou concisas, as constituições que prevêem tão somente os princípios gerais ou enunciam regras básicas de organização e funcionamento do Estado. Essa estrutura possibilita maior dinamicidade ao processo de estabilização e flexibilização da Constituição de modo a facilitar o acompanhamento da evolução da sociedade. Exemplos seriam a Constituição dos EUA, a da França de 1946 e as do Chile de 1833 e 1925.

Por sua vez, as constituições analíticas, ou prolixas, são aquelas que buscam analisar e regulamentar o máximo de assuntos cuja pertinência se identifique com o modelo de Estado em constituição. Em geral trazem em seu texto matérias de conteúdo não-constitucional que poderiam ser regulamentadas no plano.

Portanto, a Constituição de 1988, é classificada como sendo formal, escrita, dogmática, promulgada, rígida e analítica.

17 Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as

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1.4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

1.4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1824 – A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL

Outorgada, a primeira Constituição do Brasil foi concebida para ajudar a manter a unidade nacional logo após a independência do país.

A constituição que se impunha por vontade do poder do imperador era vital para auxiliar o novo país a sufocar os movimentos regionais que compreendiam a independência a Portugal como uma oportunidade para a criação de países independentes naquele espaço comum de língua portuguesa.

O constitucionalismo, que defendia a tese de uma Constituição centralizadora e uniformizante do território nacional, se propunha a servir como principal elemento aos interesses daqueles que não desejavam ver o Brasil dividido em algumas pequenas nações. Assim sendo, foi marcada pelo centralismo administrativo e político, utilitarismo e absolutismo.

Assim, a Constituição de 1824 estruturou um mecanismo centralizador e também pacificador dos distúrbios sociais que ameaçaram a existência do território brasileiro como o conhecemos hoje em dia.

Quando à divisão dos Poderes, um dos pontos que mais chamam atenção refere-se à existência do Poder Moderador. Além das funções executivas, legislativas e judiciárias, estabeleceu-se a função moderadora, exercida pelo imperador. Conforme a própria Constituição, “o Poder Moderador é a chave de toda a organização Política.” Em termos práticos, o poder moderador permitia ao imperador: nomear senadores, sancionar ou vetar proposições do Legislativo, dissolver a Câmara dos Deputados, convocando outra, nomear e demitir livremente os Ministros de Estado e suspender os Magistrados.

A Constituição de 1824, apesar de outorgada, organizada a partir de uma divisão quatripartite de poderes (executivo, judiciário, legislativo e moderador) trouxe uma das primeiras manifestações sobre direitos fundamentais no espaço constitucional se comparada a outras constituições do mundo ocidental.

Nesse sentido se pode considerar o inédito artigo 179, da Constituição de 1824 que sob o título de “Garantia dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros” buscava estabelecer algumas diretrizes sobre o tema, mesmo em um país imperial e com um absolutismo ilustrado. Este artigo 179, extenso e bastante detalhado para a época reconhecia, entre outros direitos, àqueles ligados à legalidade, à igualdade, à liberdade de pensamento, bem como, à propriedade e à inviolabilidade de domicílio.

Este artigo 179, mais do representar o tema da presença dos direitos fundamentais em uma Constituição em nosso país, revela também a influência que aquilo que se denomina de primeira dimensão de direitos exercia em nosso ordenamento jurídico. Esta primeira dimensão, marcadamente liberal e tendo no indivíduo o seu principal sujeito buscava a defesa de um universo calcado nas condições do mercado, da propriedade e da idéia de lei escrita positivada, que buscava a proteção, fundamentalmente, dos direitos civis dos sujeitos.

Em suma, estas são as principais características da Constituição de 1824:

a) Divisão do território em províncias.

b) Governo monárquico hereditário, constitucional e representativo.

c) Religião oficial católica apostólica romana.

d) Capital do Império: Rio de Janeiro

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e) Divisão harmônica dos quatro poderes (teoria quadripartite de Benjamin Constant (Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Moderador).

f) Eleição indireta e voto censitário para o legislativo.

g) Poder executivo federal exercido por ministros de Estado.

h) O veto era um exercício exclusivo do Poder Moderador, exercido pelo Imperador.

i) Declaração de Direitos no artigo 179 da Constituição.

j) Centralização político-administrativa.

1.4.2. A CONSTITUIÇÃO DE 1891

A Constituição de 1891, segunda da história brasileira, primeira da República e primeira constituição promulgada, sofreu grande influência da Constituição dos Estados Unidos da América. A influência veio a ser decisiva para o ordenamento jurídico como um todo, uma vez que a Constituição passou até mesmo a adotar um modelo de controle de constitucionalidade, seguindo o padrão norte-americano, de natureza difusa.

Por essa Constituição, o Brasil adotou o modelo da República Federativa, e a federação passava a constituir-se dos dois elementos fundamentais que seguem até hoje: união perpétua dos entes federados e indissolubilidade.

Entre as inovações que trouxe, estão as seguintes:

a) define o regime representativo;

b) o presidencialismo;

c) a organização do Estado em apenas três poderes, que passam a adotar a fórmula de serem independentes e harmônicos entre si;

d) reconhece a autonomia dos estados-membros;

e) adota a figura do habeas corpus como ação constitucional.

f) A separação do Estado da Igreja, uma vez que passamos a nos constituir como um Estado de Natureza Laica, na medida em que não se reconhece mais uma “religião oficial”.

Com essa primeira Constituição da República, se fixa o bicameralismo federativo, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sendo a primeira reconhecida como a ‘casa do povo’ e a segunda como a ‘casa do país’.

Apesar de modificações significativas, no que diz respeito ao voto, este continuaria a ser não-secreto, pois se exigia a obrigatória assinatura na cédula pelo eleitor. Por outro lado, a nova Constituição trouxe o fim do voto censitário, que antes definia a qualidade do eleitor a partir de sua renda (o voto era conhecido pela expressão censitário).

Ainda assim, a exclusão da participação política se manteve ampla, pois estavam excluídos do direito ao voto:

a) Menores de 21 anos

b) Analfabetos

c) Mulheres

d) Praças-de-pré

e) Religiosos sujeitos à obediência eclesiástica

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f) Mendigos

Ao Congresso Nacional se reservou o direito à regulamentação do sistema eleitoral para as eleições dos cargos políticos federais, bem assim às assembleias estaduais a regulamentação para as eleições estaduais e municipais.

No campo dos direitos fundamentais, a Constituição de 1891 manteve as proteções às clássicas liberdades privadas, civis e políticas, ou seja, ela ainda buscava a proteção às expressões de autonomia do indivíduo e de proteção a sua capacidade de agir enquanto sujeito capaz de firmar a sua autonomia e vontade, por essa razão, a Constituição de 1891 não restringiu o conceito de igualdade, ao contrário, inovando, estendendo-o aos estrangeiros. Além disso, pela primeira vez, houve expressa previsão do remédio constitucional do habeas corpus.

Além disso, ela previu, por exemplo, a gratuidade do casamento, os direitos de reunião e associação, bem assim o direito à ampla defesa e muitos outros conforme o seu artigo 72, que apesar de ser extenso como o anterior artigo 179 da Constituição de 1824, não reconheceu direitos sociais da classe operária que se constituía lentamente a partir de um processo de urbanização igualmente lento pela sobrevida da tradição agropecuária de nosso país.

1.4.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Constituição de 1934 veio precedida de grandes transformações sócio-político-econômicas, uma vez que em 1930 o Brasil transforma a natureza da própria República com o movimento que ficou conhecido como “Revolução de 1930”. O sonho de construir uma nação voltada à indústria e à urbanização se inicia.

A partir dessa “revolução”, as condições que representavam o país foram alteradas por um projeto de modernização econômica, ampliação dos espaços urbanos e a emergência de novos grupos sociais no poder.

A Constituição de 1934 se fez, assim, necessária, já que as mudanças sociais exigiram uma nova formatação jurídico-constitucional. A Constituição de 1934 é a terceira da história brasileira, segunda promulgada, segunda da república.

Ela manteve os princípios formais fundamentais que estavam presentes na Constituição anterior. Entretanto, apresentou algumas importantes novidades, tais como:

a) Ampliou o poder do executivo.

b) Alterou o bicameralismo rígido, pois passou a atribuir o exercício do Poder legislativo apenas para a Câmara dos Deputados, já que transformou o Senado Federal em órgão colaborador da primeira.

c) O voto feminino veio a ser admitido.

d) Criação da Justiça Eleitoral.

e) O mandado de segurança passa a ser uma ação constitucional de garantia dos direitos do cidadão.

A Constituição de 1934 ainda se mantivesse presa a defesa dos direitos e garantias individuais de primeira dimensão, porém, acrescentou o ao nosso ordenamento jurídico a segunda dimensão, como se percebe no título sobre a ordem econômica e social, sobre a família, educação e a cultura, e sobre o trabalho, com normas de natureza programáticas, bem ao encontro desta dimensão que se reconhece como a dimensão dos direitos sociais.

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Influenciada pelas constituições européias pós-primeira guerra mundial, fundamentalmente a Constituição de Weimar, de 1919 e pela Constituição do México, de 1917, a Constituição de 1934 pode avocar para si o fato de que ela inaugurou o que se reconhece como “Estado Social Brasileiro”, estado amplamente intervencionista na medida em que se colocava como um Estado provedor da proteção dos direitos sociais de seus concidadãos.

A Constituição de 1934 reconheceu uma série de direitos sociais, como se pode observar em seu artigo 113 e 121, importantes que foram para lançarem as bases do que mais tarde será o futuro Ministério do Trabalho e da Consolidação das Leis do trabalho, a CLT, pois reconhece que “a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.”

Contudo, esta constituição teve um curtíssimo prazo de vigência, pois foi logo substituída pela Constituição do Estado Novo.

1.4.4. A CONSTITUIÇÃO DE 1937

A Constituição de 1937, quarta da história brasileira, segunda outorgada, foi de autoria de Francisco Campos. Também conhecida como Polaca, por ter sido baseada na Constituição autoritária da Polônia. Seu grande objetivo era o fortalecimento do Poder Executivo, permitindo-lhe realizar uma mais rápida e eficaz intervenção nos espaços do poder, inclusive quanto à elaboração das leis, nesse sentido, muitos avanços anteriormente elaborados foram interrompidos pelo período ditatorial que se estabelecia a partir daquilo que se denominou chamar de “Era Vargas”.

Essa intervenção no espaço jurídico significou:

a) possibilidade do Poder Executivo, em princípio, propor a iniciativa de leis;

b) em certos casos, expedir decretos-lei;

c) reduzir o papel do Parlamento Nacional, inclusive quanto à sua função precípua na elaboração da Lei.

Conforme os termos do artigo 38 da Constituição de 1937, o Poder Legislativo seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República. O bicameralismo veio a ser mantido, mas na sua composição se pode perceber uma alteração significativa: Câmara dos Deputados e Conselho Nacional (o Senado deixou de existir ao longo do Estado Novo).

No que diz respeito à Câmara, ela seria composta de representantes, eleitos mediante o sufrágio indireto, para um mandato de 04 anos.

No caso da eleição para presidente da República, esse seria escolhido também pela via indireta, com um mandato de 06 anos.

Suas principais inovações:

a) O mandado de segurança não foi previsto pela Constituição.

b) A ação popular não veio a ter a sua previsão na Constituição.

c) O direito à manifestação do livre pensamento foi restringido.

d) O artigo 178 dissolveu a Câmara, o Senado, as Assembleias dos estados e as Câmaras municipais.

e) Os partidos políticos foram proibidos.

f) Possibilidade de aplicação da pena de morte para crimes de natureza política.

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g) O direito de greve foi proibido.

h) Política de nacionalização da economia.

A Constituição criada sob essas condições consequentemente proibiu os partidos políticos, a imprensa tornou-se alvo de censura e controle através do DIP (departamento de imprensa e propaganda), órgão do governo Vargas e repressão severa justificada através de uma ampla extensão do poder do presidente da república.

Entretanto, mesmo nesta Constituição, se pode anotar a presença do artigo 122 que ainda reconhece alguns direitos individuais, uma vez que a política externa de Vargas, ainda que simpática aos países do Eixo (Alemanha-Itália-Japão) não buscava um afastamento aberto com os ideais das nações ainda democráticas.

1.4.5. A CONSTITUIÇÃO DE 1946

A Constituição de 1946 foi marcada tanto pela derrocada da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quanto pela renúncia de Getúlio Vargas, que não conseguiu se manter à frente do poder na medida em que a vitória das nações aliadas significaram a emergência dos valores democráticos dessas nações que se tornaram impossíveis de conviver com um país ditatorial.

A Constituição de 1946 é a quinta da história brasileira, a terceira promulgada, uma vez que veio a representar uma reabertura da política e a consolidação da democracia ocidental em nosso país.

Essa Constituição buscou inspiração nas Constituições de 1891 e 1934, uma vez que se queria recuperar as condições político-ideológicas do liberalismo e do Estado-social, igualmente da livre iniciativa, bem assim da justiça social.

Importa destacar os seguintes aspectos ratificados por essa Constituição:

a) A previsão do artigo 4º do ADCT, que destaca o fato da transferência da Capital da União para o planalto central.

b) Manutenção do estado laico.

c) A teoria tripartite dos poderes do Estado foi restabelecida.

d) Organização do Poder Legislativo no Congresso Nacional, reorganizando o bicameralismo no reconhecimento da existência da Câmara dos Deputados e do Senado.

e) Eleição direta para presidente da República, para um mandato de 05 anos.

f) O mandado de segurança e a ação popular são restabelecidos no texto constitucional.

g) Restabelecimento do pluripartidarismo.

h) Vedação da pena de morte, de banimento, de confisco e a de caráter perpétuo.

A Constituição de 1946 se deu a partir de uma recuperação da discussão do tema sobre as garantias e os direitos individuais e sociais, os quais se viram revigorados pelo contexto do pós-guerra.

Recuperando os princípios da Constituição de 1934, nos títulos que desenhavam os temas da “Nacionalidade e a Cidadania”, bem como naquele dos “Direitos e Garantias Individuais”, a Constituição de 1946 foi amplamente marcada pela defesa do pluralismo, do pluripartidarismo, do direito à liberdade, à igualdade, bem assim construída sob a égide da Declaração Universal dos direitos do Homem, de 1948, que inaugura uma nova dimensão de direitos, a 3º.

Esta nova dimensão busca centrar a sua proteção sobre bens abstratos, que transcendam ao imediato individuo e ao mediato social. São bens tais como:

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a) liberdade

b) solidariedade

c) paz

d) fraternidade

e) felicidade

f) direitos difusos

g) direito ao meio ambiente

h) direito ao patrimônio histórico e cultural

i) defesa dos direitos abstratos

A liberdade de pensamento, não era total no que dizia respeito a diversões públicas e espetáculos, mas, foram abolidas as penas de morte e prisão perpétua e foram restaurados os institutos do habeas corpus, mandado de segurança e ação popular, bem como também a integralidade dos princípios da irretroatividade da lei e da legalidade.

Esta Constituição, marcada pela experiência anterior da Era Vargas chegou a estabelecer que as liberdades e garantias individuais não podiam vir a ser cerceadas por meio de condições e estratégias autoritárias, numa clara manifestação de proteção aos princípios democráticos. Neste sentido, até mesmo quando se tratava da possibilidade do Estado de Sítio a Constituição impedia a vontade soberana do chefe do executivo e atribuía tal condição excepcional ao Congresso Nacional.

Ela também reconheceu o direito de greve aos trabalhadores, reafirmando, constitucionalmente o direito do repouso semanal remunerado e a participação obrigatória e direta nos lucros da empresa. Importa destacar que uma das maiores inovações da Constituição de 1946 veio a ser a instituição, no capítulo dos direitos individuais da norma que determinava que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”, o que significava afirmar que a partir da experiência histórica vivida por nosso país esta Constituição, em particular, instituía ao mesmo tempo um Estado de direito, mas uma limitação da vontade deste em relação ao direito da inafastabilidade do sujeito em se socorrer do poder judiciário, pois se reconhecia a condição de harmonia entre os três poderes.

1.4.6. A CONSTITUIÇÃO DE 1967

Os eventos que culminaram para a emergência desta Constituição estão determinados pelas condições de crise institucional interna pela qual vivia o Brasil nos anos 60. Para justificar o novo poder, era imperativo realizar uma nova Constituição que viesse a legitimar o status quo daquele período.

A Constituição de 1967, a sexta da história brasileira, a terceira outorgada, se impunha na medida em que os atos institucionais impostos pelos militares careciam de legalidade, uma vez que não estavam previstos pela Constituição de 1946.

Seus principais elementos podem ser assim compreendidos:

a) Centralização política sem o abandono da forma federalista.

b) Brasília é reconhecida como a capital do Brasil.

c) Manutenção da natureza laica do Estado brasileiro.

d) Manutenção meramente decorativa da divisão dos poderes.

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e) Reconhecimento do Poder Legislativo do presidente da República por decretos-leis.

f) Institucionalização dos atos institucionais.

g) Possibilidade de suspensão dos direitos políticos por um período de 10 anos.

A Constituição de 1967 veio a consolidar uma série de arbitrariedades que se fizeram sentir, desde 1964, pelos decretos dos Atos Institucionais, os “AI”, instrumentos excepcionais que acabaram ampliando o poder da junta militar.

Sem poder assumir a condição explícita de um regime efetivamente autoritário, o Brasil tentava demonstrar a presença de um clima de estabilidade constitucional, uma vez que o Congresso Nacional fora convocado, por meio do Ato Institucional n° 4, para discutir e votar um novo texto constitucional, justificando legalmente a condição excepcional e conflituosa entre a antítese dos ‘AIs’ e a Constituição de 1946. Em 1967, o resultado foi a promulgação de uma nova Constituição essencialmente centralizadora, que requereu para o âmbito federal uma série de competências que antes pertenciam aos estados-membros e aos municípios, ampliando a força dos militares e da ditadura.

Sem abandonar a defesa de direitos individuais e direitos sociais dos trabalhadores a Constituição de 1967, por outro lado, reduziu ao limite a autonomia individual, já que ela permitia suspender direitos e garantias constitucionais.

Foi editado o Ato Institucional n° 5, o que veio a representar na prática o controle sem limites do poder executivo e a limitação inquestionável dos direitos fundamentais longamente construídos pelo nosso sistema constitucional anterior.

A Constituição de 1969, a sétima da história brasileira, a quarta outorgada, nasceu no processo de golpe militar e de ruptura da ordem que começara em 1964 e que se consolidava 05 anos depois.

Importa lembrar que a emenda constitucional que deu origem à Constituição de 1969 visou institucionalizar e constitucionalizar o Ato Institucional de n.º 5, que representava na prática um regime autoritário e repressivo em nosso país. Entre as suas iniciativas podem ser destacadas:

a) Fechamento do Congresso Nacional por 10 meses.

b) Suspensão da garantia do habeas corpus quando ocorresse crime político, contra a segurança nacional, ordem econômica e social e economia popular.

c) Proibição ao pluripartidarismo (reconhecimento da existência de duas estruturas sociais que agiam como partidos sem o serem: A Aliança renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

d) Eleição indireta para presidente da República.

1.4.7. A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988, a oitava da história brasileira e a quarta promulgada, veio a acontecer após um longo processo histórico que levou a sociedade brasileira ao movimento das Diretas Já, bem como ao fim do período militar e o retorno de todos os direitos que sofreram uma diminuição ao longo da ditadura militar.

Esta Constituição representou a retomada da trajetória democrática em nosso país, buscando reapresentar todos os principais grupos sócio-ideológicos presentes em nossa realidade social.

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A Constituição inovou em inúmeros campos, não somente por destacar em sua primeira parte normas materiais que exalam a invasão dos princípios fundamentais no texto constitucional.

A técnica que o constituinte originário buscou desenvolver veio a ser a de consagrar os direitos e garantias individuais e coletivos, bem como a apresentação do procedimento legislativo, das competências dos entes da República Federativa, como a competência de todos os institutos que formam os três poderes independentes e harmônicos entre si.

A Constituição de 1988, a constituição cidadã, não apenas restaurou os direitos e garantias individuais como ampliou a capacidade jurídica dos princípios que informam a defesa do ser humano em se metamorfosearem enquanto regras jurídicas impositivas, permitindo a Constituição uma força principiológica que é hoje a base de todo o ordenamento jurídico.

NORMAS CONSTITUCIONAIS

2.1. PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS

Analisando-se a evolução dos princípios gerais de Direito aos princípios constitucionais, Paulo Bonavides18 utiliza a doutrina alemã de Robert Alexy para enfrentar a diferença entre regras e princípios.19 Ambos são considerados normas jurídicas, porém princípios possuem alto grau de generalidade, enquanto regras são mais específicas.

Os princípios, na atualidade, rompem com o velho paradigma jusprivatista de que seriam meras fontes de teor supletório passando a constituir fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.20 Desse contexto é que surge a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que “violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer”.21

Um dado importante a ser destacado é que inexiste princípio com incidência absoluta ou peso maior sobre todos os demais. Por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, em que pese sua posição privilegiada no núcleo normativo constitucional, não necessariamente irá prevalecer sobre todos os demais princípios constitucionais existentes. Como já referido, a análise de uma série de circunstâncias, em especial a análise do caso concreto (com a ponderação dos bens e interesses contrapostos), é que irá permitir a tomada de decisão de modo a não se anular um princípio em detrimento do outro, mas sim compatibilizá-los frente ao antagonismo da situação.

18 BONAVIDES, op. cit., p. 255 e segs. 19 “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. [...] Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à promoção.” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 70). 20 BONAVIDES, op. cit., p. 289. 21 “Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. [...] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 902-903.

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2.2. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal, como norma fundamental, é o fundamento de validade de todas as demais normas existentes no ordenamento jurídico. A Constituição deve ser interpretada através dos métodos clássicos (gramatical, histórico, teleológico e sistemático), mas obedece a princípios especiais de interpretação, decorrentes principalmente de sua supremacia. São eles:

- Unidade da constituição: a Constituição deve ser interpretada como um conjunto de normas, uma unidade normativa. Suas normas encontram-se harmonicamente estabelecidas, devendo ser afastadas aparentes contradições. Não se interpreta uma norma constitucional de forma isolada, ela deve ser vista em um contexto normativo.

- Efeito integrador: a Constituição não pode ser vista como instrumento de desagregação social. Ao contrário, ela deve buscar a integração política e social, reforçando a unidade do ordenamento jurídico.

- Máxima efetividade (ou interpretação efetiva, ou princípio da eficiência): as normas constitucionais devem ser interpretadas extraindo-se delas o sentido que lhe atribua maior efetividade.

- Concordância prática (ou harmonização): decorre da inexistência de hierarquia entre as normas constitucionais e exige do intérprete a harmonização entre as diversas normas, e em consequência entre os valores constitucionalmente protegidos. Com isso, evita-se o sacrifício de um direito em detrimento de outro.

- Força normativa: a Constituição é norma fundamental e como tal produz eficácia jurídica. Dessa maneira, dentre as interpretações possíveis, deve o intérprete adotar aquela que atribua maior eficácia às normas constitucionais.

2.3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À APLICABILIDADE

Segundo a consagrada classificação proposta por José Afonso da Silva, em sua obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, levando em conta sua aplicabilidade, as normas constitucionais apresentam-se como:

Normas Constitucionais de Aplicabilidade Plena: são aquelas normas constitucionais que produzem eficácia de forma direta, imediata e plena. Ou seja, independentemente de qualquer norma complementar, possuem aptidão para produzir eficácia integral. Ex. Art. 14, § 2º.

Normas Constitucionais de Aplicabilidade Contida (ou restringíveis): são normas que possuem aplicabilidade direta e imediata, mas que podem ser restringidas quanto a sua abrangência. A restrição será possível através da lei. Mas, se não houver lei restritiva, a eficácia será plena. Ex. Art. 5º, § XIII.

Normas Constitucionais de Aplicabilidade Limitada: não produzem os seus efeitos de forma plena, pelo menos imediatamente, necessitando de normas complementares. No entanto, produzem uma eficácia imediata, embora reduzida (eficácia negativa, interpretativa e revogadora). Ainda com base na classificação de José Afonso da Silva, estas normas subdividem-se em:

Normas de princípio institutivo (ex. art. 102, § 1º);

Normas de princípio programático (ex. art. 7º, XX); as normas programáticas são aquelas que buscam atingir metas públicas, programas de governo, estabelecidos na CF.

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2.4. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

O objeto da interpretação/aplicação constitucional pode ser dividido em duas linhas: a) aplicação direta da norma constitucional como, por exemplo, a realização do plebiscito veiculado pelo artigo 2˚ do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;22 b) verificação de compatibilidade vertical de uma norma inferior com as disposições constitucionais (aqui a norma da Constituição funciona como paradigma).

As normas constitucionais têm peculiaridades a serem observadas pelo intérprete/aplicador. Dentre tais peculiaridades podem ser mencionadas as seguintes: a) superioridade hierárquica; b) natureza da linguagem; e c) caráter político.23

A questão relativa à natureza da linguagem merece destaque. As regras constitucionais, por sua própria natureza, podem apresentar um altíssimo grau de abstração. Basta mencionarmos os princípios da igualdade24, da moralidade25, da justiça social26, a função social da propriedade27, a dignidade da pessoa humana28.

Quanto maior a abstração de uma norma, mais espaço de atuação, de discricionariedade, dispõe aquele que a pretende interpretar/aplicar. A esse espaço de atuação J.J. Gomes Canotilho diz que:

“Situadas no ‘vértice’ da ‘pirâmide normativa’, as normas constitucionais apresentam, em geral, uma maior abertura (e, consequentemente, uma menor densidade) que torna indispensável uma operação de concretização na qual se reconhece às entidades aplicadoras um ‘espaço de conformação’ (‘liberdade de conformação’, ‘discricionariedade’) mais ou menos amplo”.29

É verdade que grande parte das normas contidas na Constituição de 1988 não detêm tanto grau de abstração como as há pouco mencionadas. Isto se deve ao fato de que se está diante de uma Constituição analítica na qual há diversas normas só formalmente constitucionais.

As normas com alto grau de abstração são chamadas de princípios. Não existe exata definição do que seriam esses conceitos jurídicos indeterminados.

Como não há possibilidade de chegar-se a um consenso a respeito de qual seria um conceito ideal de moralidade, justiça social ou dignidade da pessoa humana, a única maneira de serem aplicados esses conceitos jurídicos indeterminados seria mediante a análise isolada de cada caso concreto, de cada situação submetida ao crivo interpretativo.

Desta forma, resta fácil perceber que o intérprete desse tipo de norma tem maior espaço interpretativo do que quando ele se depara com aquelas previstas de forma casuística.

Quando nos referimos às normas casuísticas, em franca oposição às normas abertas, queremos nos reportar àquela espécie na qual o legislador busca fixar, do modo mais completo possível, as situações concretas a serem por elas abrangidas.

22 “Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.” 23 Estas características são apontadas por Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Sairaiva, 2003, p. 107). Entretanto, o autor ressalta que há diversos outros modos de apontar as peculiaridades das normas constitucionais e cita como exemplo as obras de J.J. Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Celso Ribeiro Bastos e Raúl Casosa Usera. 24 CF, artigo 5˚, caput. 25 CF, artigo 37, caput. 26 CF, artigo 170, caput. 27 CF, artigo 5˚, inciso XXIII, artigo 170, inciso III, artigo 182, § 2˚ e artigo 186. 28 CF, artigo 1˚, inciso III. 29 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. 216.

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A utilização de normas o mais específicas possível (tipos) é imprescindível no tocante à previsão das condutas penalmente relevantes, bem como naquelas capazes de viabilizar o surgimento de um fato gerador tributário. Afinal, o que se espera, tanto do intérprete das normas penais incriminadoras, quanto daquele responsável pela análise de eventual subsunção de condutas humanas à hipótese de incidência tributária (para usarmos a expressão de Ataliba30) é somente que ele aplique a norma abstratamente prevista acaso o fato ocorrido no mundo fenomênico, empiricamente observável, esteja em perfeita consonância com o tipo. Não há muito espaço interpretativo.

De forma diametralmente oposta, quando o legislador, seja ele o Constituinte ou o ordinário, utiliza-se de conceitos jurídicos indeterminados como a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade (para ficarmos somente no nível constitucional), é imprescindível que o intérprete construa a norma aplicável a cada caso concreto. É por intermédio desse tipo de norma que se busca a verdadeira concretização do direito. Os conceitos jurídicos indeterminados são os alicerces de uma aplicação otimizada, realista e justa do direito, da norma ao caso concreto.

As cláusulas abertas conferem ao intérprete a possibilidade de atribuição da justiça a cada caso concreto, além de conferir eficácia ao próprio texto legal, senão perene, mais duradoura do que se estivesse ela circunscrita à casuística abstratamente prevista pelo legislador.

A força normativa31 é intensamente maior e assim permanece por muito mais tempo, pois as pressões axiológicas, ainda que se alterem, poderão, no máximo, acarretar alguma diferença quando da construção da norma no decorrer dos tempos. Jamais, entretanto, do próprio texto constitucional.

Não se pode olvidar que, diante da clara abertura dos princípios, o Legislativo atribui ao Judiciário o poder-dever de construir a norma em cada caso concreto. Assim, no caso dos princípios, a jurisprudência detém forte influência, quase nos moldes do sistema de precedentes norte-americano.

Por outro lado, é inegável que as regras constitucionais detenham forte caráter político. Segundo Luís Roberto Barroso:

“Uma Corte Constitucional não deve ser cega ou indiferente às conseqüências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum. Mas somente pode agir dentro dos limites e possibilidades abertas pelo ordenamento. Contra o direito o juiz não deve decidir jamais. Em caso de conflito entre o direito e a política, o juiz está vinculado ao direito” 32.

As decisões do Supremo Tribunal Federal podem ser pintadas com cores políticas. Basta, para tanto, lembrarmos da possibilidade de aquela corte limitar os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou d e outro momento que venha a ser fixado (Lei 9.868/99, artigo 27 e Lei 9.882/99, artigo 11).33

A declaração de inconstitucionalidade, por atingir o plano de validade da norma, gera efeitos retroativos (ex tunc). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal não pode estar alheio ao impacto que as decisões lá proferidas possam causar em termos socioeconômicos.

30 ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 31 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. 32 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112 33 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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2.4.1. PARTICULARIDADES

Deve-se dar grande importância à interpretação sistemática da Constituição, pois é somente mediante uma visão geral da Carta que se consegue respeitar o princípio da unidade da Constituição.

Este postulado preconiza que as normas constitucionais não podem ser analisadas de forma isolada, como se fossem elementos autônomos, independentes, bastantes em si mesmos.

Os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. Eles devem funcionar como horizontes interpretativos em qualquer processo de aplicação das regras constitucionais. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem seguidos. Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma regra.34

2.4.2. PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

Em síntese aponta-se que: a) em caso de dúvida, a inconstitucionalidade da norma não deve ser declarada; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o intérprete optar pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor (esta é a chamada interpretação conforme a Constituição).

2.4.3. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o intérprete optar pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor.

Trata-se de processo que se realiza mediante a observância dos seguintes passos: a) escolha de uma interpretação da norma que a mantenha em harmonia com a Constituição; b) a percepção de que se está a buscar um sentido para a norma que não seja o mais evidente (interpretação literal); c) escolha da interpretação mais coerente com a manutenção do texto legal e a consequente exclusão de outras interpretações que pudessem acarretar incompatibilidade com a Constituição.

Como se percebe, a interpretação conforme a constituição não é um simples procedimento de hermenêutica, mas um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal. Importante destacar que, diferentemente de outras técnicas de controle da constitucionalidade, no caso da interpretação conforme o texto legal permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita.35

2.4.4. UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO

Importante postulado do processo de interpretação das normas constitucionais. Com base neste postulado podemos resolver aparentes antinomias entre, por exemplos, a liberdade de manifestação do pensamento36 e o direito à honra e à intimidade37; entre o direito de propriedade38 e a função social da propriedade39.

34 ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004; DWORKIN, Ronald, Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 35 O STF, ao analisar a constitucionalidade de disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias, pela Receita Federal, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001, regulamentada pelo Decreto 3.724/2001), conferiu-lhes interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta qualquer outra que possa implicar afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário (RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio). 36 CF, artigo 5˚, inciso IV.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Para Paulo Bonavides, “A unidade da Constituição na melhor doutrina do constitucionalismo contemporâneo só se traduz, compreensivelmente, quando tomada em sua imprescritível bidimensionalidade, que abrange o formal e o axiológico, a saber, a forma e a matéria, razão e valor”.40

Isto porque, na aplicação do postulado da unidade constitucional, deve-se atentar à grande importância dos princípios constitucionais, especialmente quando estão eles arrolados dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil.41 Afinal, “O princípio, sobretudo, é o substantivo da ciência constitucional, a bússola de todas as Cartas Magnas na idade dos direitos fundamentais”.42

Nada obstante, lembre-se que não há hierarquia entre normas constitucionais originárias.

2.4.5. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

De acordo com Ferdinand Lassale, questões em nível constitucional não deveriam ser tratadas como questões jurídicas, mas, sim, políticas. Para ele, a Constituição de um país expressaria somente as relações de poder nele dominantes num dado momento histórico-cultural: o poder militar, o poder social, o poder econômico, além do poder intelectual (este ainda que em menor proporção). Seriam somente tais fatores reais de poder os capazes de conformar a Constituição real de um determinado país. Dessa forma, a chamada Constituição Jurídica não passaria de um mero documento escrito, um pedaço de papel incapaz de, em confronto com a Constituição real, exercer força normativa. Profetizou que no caso de conflito entre a por ele denominada folha de papel e fatores reais de poder dominantes no país, seria inevitável a constatação de que a Constituição escrita acabaria, sempre, sucumbindo.43

Konrad Hesse chamou a atenção para a necessidade de se analisar tanto o mundo real quanto o jurídico de forma harmônica, em seu inseparável contexto e no seu condicionamento recíproco.

Para ele, “uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão”. Para aqueles que, como Kelsen e seus seguidores, contemplam apenas a ordenação jurídica, a norma estaria em vigor ou revogada, não havendo possibilidade de se chegar a outras conclusões. Em antítese, quem, como Lassale, considera tão somente a realidade política e social (as reais fontes de poder) não tem condições de compreender a problemática da força normativa das normas constitucionais, acarretando a pura e simples negação do significado da ordenação jurídica.

Hesse, depois de dizer que “a radical separação, no plano constitucional, entre realidade e norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço”, salientou que toda Constituição escrita, desde que escorada na realidade histórica, política, cultural e econômica de um país, com vistas a regular situações futuras de forma eficaz, passível de ulteriores e alterações interpretativas, é dotada de pretensão de eficácia.

Entretanto, essa pretensão de eficácia somente faria sentido se a práxis dos tribunais e de todos aqueles que à Constituição estariam submetidos sinalizasse de forma a atribuir força normativa à norma escrita.

37 CF, artigo 5˚, inciso X. 38 CF, artigo 5˚, inciso XXII. 39 CF, artigo 5˚, inciso XXIII. 40 BONAVIDES, Paulo, Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233. 41 CF, artigo 1˚. 42 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92. 43 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1985.