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DIREITO CIVIL SISTEMATIZADO
Cristiano Vieira Sobral Pinto
11ª edição
ATUALIZAÇÕES
PROIBIÇÃO DE CASAMENTO DE MENORES DE 16 ANOS
E A POSSIBILIDADE DE UNIÃO ESTÁVEL
A capacidade para o casamento está disciplinada nos arts. 1.517 a 1.520, do Código
Civil. A idade núbil, ou seja, aquela a partir da qual é possível se casar, desde que
autorizados os nubentes por ambos os pais ou por seus representantes legais, começa aos
16 anos, de acordo com disposição do art. 1.517 do CC. Antes dessa idade, o casamento só
era admitido sob autorização judicial, que deveria ser concedida tendo por base o melhor
interesse do menor nubente (arts. 1.518 a 1.520 do CC).
Recentemente, foi publicada a Lei n. 13.811, de 12 de março de 2019, alterando a
redação do art. 1.520 do Código Civil, proibindo, a partir de então, o casamento de menores
de 16 anos em qualquer hipótese. Antes da mudança, o dispositivo sob comento previa que
“Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil
(art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de
gravidez.” Tratava-se de hipóteses taxativas, não podendo haver suprimento judicial de
idade, quando não constatada uma das hipóteses presentes. Ressalte-se que não sendo
mais a ação penal de natureza privada, o casamento não funcionaria como perdão. Com a
alteração restam suprimidas as exceções legais permissivas do casamento infantil, passando
a dispor que:
Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem
não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código.
Ficando mantida, assim, a exceção que consta no Código Civil, segundo a qual pais
ou responsáveis de jovens com 16 e 17 anos podem autorizar a união.
Nas justificativas do PLC n. 56/18, que tramitou na Câmara dos Deputados como PL
n. 7.119/17, de autoria da ex-deputada Federal Laura Carneiro, consta que, segundo estudo
publicado em 2015 da ONG Promundo, o Brasil ocupa o quarto lugar de país com mais
casamentos infantis no mundo. Ainda, com base no levantamento, três milhões de mulheres
brasileiras se casaram antes dos 18 anos; 877 mil casaram-se com menos de 15 anos; e que,
à época da concepção do projeto de lei, 88 mil meninos e meninas com idades entre 10 e 14
anos estavam em uniões consensuais, civis ou religiosas no país. Considerando que muitos
jovens que se casam cedo abandonam os estudos.
Tal alteração em relação ao casamento de menores de idade vem dialogar e
coadunar-se com outras legislações e proibições impostas a esses jovens, admitindo que se
é vedado a uma criança ou um jovem de 15 anos o consumo de bebidas alcoólicas, dirigir e
votar, claro está que também o é se casar.
A Lei n. 13.811/2019 entrou em vigor na data de sua publicação.
Apesar da alteração, doutrina autorizada entende que a vedação referente ao
casamento de menores de 16 anos já estava presente em outras normas, e que a despeito
da mudança, apenas corroborou-se um entendimento já consolidado já que a norma
anterior, que excepcionava a possibilidade do casamento do menor de 16 anos, tinham
seus efeitos amenizados por três leis penais, quais sejam, a Lei n. 11.106/2005, a Lei n.
12.015/2009 e a Lei n. 13.718/2018.
A redação anterior do artigo sob comento determinava que “Excepcionalmente, será
permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.” Assim, o casamento
do menor de 16 anos, também denominado como casamento infantil já era vedado pelo
nosso sistema jurídico, como regra geral, havendo apenas duas exceções previstas no
anterior art. 1.520 do Código Civil: i) para evitar a imposição e o cumprimento de pena
criminal; e ii) em caso de gravidez.
Com a edição da Lei n. 11.106/2005, parte da doutrina entendia como tacitamente
revogada a primeira exceção presente no art. 1.520, da lei civil referente a “evitar imposição
ou cumprimento de pena criminal”. Isso se deve ao fato da norma ter promovido a
alteração do art. 107, do Código Penal e abolido expressamente o seu inc. VI e VII, que
previa a possibilidade de o casamento da vítima com o seu abusador extinguir a
punibilidade do crime cometido. Afastou, assim, a extinção da punibilidade nos casos do
chamado estupro presumido, na hipótese de alguém manter relação sexual com uma
criança ou adolescente com idade inferior a 14 anos, casando-se com a vítima
posteriormente.
No entanto, à época, havia vozes no sentido de que perdurava a possibilidade do
casamento. Os argumentos que sustentavam esse entendimento diziam respeito à
impossibilidade de não se considerar revogada a norma civil, pois o menor poderia, em
algumas hipóteses, optar por se casar com aquele que praticara o crime contra os
costumes. Como a ação penal para esse crime, era considerada de natureza privada,
comportando renúncia ou perdão tácito, tal ato se tornaria incompatível com a pretensão
de ver o agente punido, no caso, com a celebração do casamento. Desse modo, querendo
o menor de idade se casar, a sua vontade poderia ser considerada relevante conforme
disposto no Enunciado n. 138 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de
Direito Civil: "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º é
juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes,
desde que demonstrem discernimento bastante para tanto".
Para além, alguns argumentavam sobre a inadequação de se tornar criminoso o pai
da criança, entendendo que o Direito Penal deve ser a última alternativa para solucionar o
caso em questão, tendo primazia o caminho trilhado pelo Direito de Família, que busca a
pacificação social, a vida conjunta em harmonia, com observância do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente e da função social da família.
Tomando por base tais argumentos, o juízo poderia autorizar o casamento
mediante declaração da menor em querer conviver com o pai da criança e desde que
demonstrasse discernimento bastante para tanto, o que seria provado por perícia
psicológica, junte-se a isso, devendo a família ser analisada de acordo com o contexto
social, o casamento com o autor do crime representaria uma forma de abrandar os
resultados negativos de uma gravidez indesejada.
Sobre o tema, Flávio Tartuce nos informa que seu entendimento era no sentido de
analisar o caso concreto, entendendo se seria melhor considerar que o preceito civil não
foi derrogado ou revogado parcialmente de forma tácita. Nesse sentido, determinando
uma leitura civil-constitucional do então art. 1.520 do CC, o teor do Enunciado n. 329 do
Conselho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em outubro
de 2006: "A permissão para casamento fora da idade núbil merece interpretação
orientada pela dimensão substancial do princípio da igualdade jurídica, ética e moral entre
o homem e a mulher, evitando-se, sem prejuízo do respeito à diferença, tratamento
discriminatório".
No ano de 2009, foi editada a Lei n. 12.015, que também abrandou a aplicação da
redação original do art. 1.520, do CC, acrescendo ao Código Penal o art. 217-A que trata
do estupro de vulnerável, determinando ser crime "ter conjunção carnal ou praticar outro
ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos", não sendo mais possível o casamento da
menor com aquele que cometeu o crime antes denominado como de estupro presumido.
De igual importância e colocando fim à discussão sobre a viabilidade do casamento,
foi a alteração do art. 225, da lei penal promovida primeiro pela Lei n. 12.015/2009 e
posteriormente, a Lei n. 13.718/2018, dispondo que, tratando-se de pessoa vulnerável, a
ação penal do crime sexual seria pública incondicionada, deixando de ter natureza
privada, não comportando a renúncia ou o perdão tácito. Assim, a vulnerabilidade, de
acordo com entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, passou a ser
objeto da Súmula n. 593, com o seguinte teor: "O crime de estupro de vulnerável se
configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos,
sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência
sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente".
A Lei n. 13.718/2018 também incluiu o §5º no art. 217-A do Código Penal, dispondo
que "As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se
independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações
sexuais anteriormente ao crime". Corroborando o entendimento dos tribunais superiores.
Assim, com a edição da Lei n. 13.811/2019, a alteração visou apenas à impedir a
segunda exceção referente à permissão para casar antes de atingida a idade núbil em caso
de gravidez dos nubentes.
Discute-se sobre o casamento infantil ser hipótese de nulidade ou anulabilidade. Em
conformidade com a pontuação feita por Tartuce, não havendo qualquer alteração ou
revogação expressa de qualquer outro comando do Código Civil em vigor, e como o menor
de 16 anos já era considerado incapaz para o casamento pelo sistema anterior, seu
entendimento é no sentido de subsistir a nulidade relativa ou anulabilidade do casamento
do menor de 16 anos, vigorando plenamente o art. 1.550, inc. I, da lei civil. O mesmo
entendimento vale para os dispositivos que tratam da possibilidade de convalidação do
casamento do menor, arts. 1.551 e 1.553; da norma que elenca os legitimados para
promoverem a ação anulatória, art. 1.552 e do comando que consagra o prazo
decadencial de 180 dias para o ingresso da ação anulatória do casamento em casos tais,
art. 1.560, § 1º, todos do Código Civil.
Outro ponto, mencionado pelo autor, diz respeito à alteração ter criado uma
hipótese de impedimento para o matrimônio, afirmando sobre isso que
não se pode dizer que a alteração do art. 1.520 tenha criado hipótese de
impedimento matrimonial. [...] Primeiro, porque não houve qualquer
inclusão nesse sentido no art. 1.521 do CC, sendo certo que os
impedimentos não podem ser presumidos ou subentendidos, uma vez
que a norma é restritiva da autonomia privada. Segundo, pelo fato de se
tratar de hipótese de incapacidade que já estava prevista no sistema,
pelo art. 1.517 do Código Civil. Terceiro, porque os impedimentos são
específicos, o que não é o caso. Essa afirmação repercutirá no debate a
respeito da união estável do menor de 16 anos [...].
Tartuce posiciona-se, ainda, contrário à afirmação feita no âmbito doutrinário no
sentido de ser o casamento infantil agora nulo de pleno direito, pois a lei proíbe a prática
do ato sem cominar sanção, presente a chamada nulidade virtual, nos termos do art. 166,
inc. VII, 2ª parte, do Código Civil. Segundo o autor, tal comando geral apenas seria
aplicado no caso de inexistência de todas as disposições específicas sobre o tema, que, em
seu entender, não foram revogadas expressa ou tacitamente. Com o fim de afastar a ideia
relativa à revogação tácita, reforça que o casamento de menor de 16 anos já não era
admitido anteriormente em nossa legislação.
De outro modo entende Cristiano Chaves de Farias, para quem o eventual
casamento de uma pessoa menor dessa idade será hipótese de nulidade, e não
anulabilidade, na medida em que estará violando proibição legal presente no art. 166, da lei
civil. Legitimando-se, inclusive, o promotor de justiça a ajuizar ações de nulidade, na
hipótese de um indevido matrimônio de pessoa com menos de 16 anos de idade.
Para Rolf Madaleno, apesar de o casamento de menor de 16 anos restar
terminantemente proibido, nada esclarece a Lei n. 13.811/2019 acerca de seus efeitos
jurídicos. Mas entende o autor que trata-se de casamento proibido, ingressando nos
impedimentos do art. 1.521 do Código Civil. E segue afirmando que:
Aparentemente, restaria um impasse diante da singeleza da Lei
13.811/2019, que se restringiu a alterar o artigo 1.520 do Código Civil e
proibir o casamento de menores de 16 anos, nada referindo, por exemplo,
acerca dos reflexos jurídicos dos artigos 1.517, 1.518, 1.519, 1.525, II,
1.537, 1.550, I e II, 1.551, 1.552, 1.553, 1.555, 1.560, § 1°, e 1.641, III do
Código Civil, que incontestavelmente se encontram tacitamente
derrogados diante do atual artigo 1.520 (Lei 13.811/2019), e do artigo
1.548, II, este também do Código Civil, que afirma ser nulo o casamento
contraído por infringência de impedimento e impõe a decretação de
nulidade, que inclusive é imprescritível, e pode ser promovida mediante
ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (CC, art.
1.549).
Questão que se impõe também controversa na doutrina diante da recente alteração
legal diz respeito à possibilidade da realização de união estável de menores de 16 anos, já
que resta proibido peremptoriamente o casamento infantil no ordenamento pátrio.
Sobre o tema, Flávio Tartuce dispõe que a união estável é tida como uma união
livre, cujos elementos caracterizadores constam do art. 1.723 da lei civil, segundo o qual é
reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas, "configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição
de família". Inexiste dispositivo que trate da idade mínima para a sua constituição, a
exemplo do que ocorre com o casamento, estando a idade núbil de 16 anos fixada no art.
1.517, do CC. Sobre a união estável, menciona ainda o art. 1.727, da lei civil, que afasta a
sua caracterização em havendo impedimento matrimonial, prevendo que "as relações não
eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato".
Enfatiza o autor que a questão da idade não importa em impedimento para o casamento,
mas em questão afeita à incapacidade matrimonial, e por isso, o último preceito não tem
incidência para o tema relativo à possibilidade de união estável entre menores de 16 anos.
Ainda que ausente norma específica relativa à capacidade para a constituição da
união estável há entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que devem ser
observados, por analogia, os mesmos critérios presentes para o casamento. Nessa
medida, a união estável do menor de 16 anos deve ser tida como nula ou até como
inexistente. Isso porque, em havendo incapacidade para o casamento, esta também se faz
presente para a união estável, aplicando-se o art. 1.517, do CC para a última entidade
familiar. Não se cogita a anulabilidade da união estável pela falta de previsão legal a
respeito da invalidade, ao contrário do que ocorre com o casamento (art. 1.550, inc. I, do
CC).
No mesmo sentido, Rolf Madaleno, entende que enquanto não atingirem os 16
anos de idade, os adolescentes estão proibidos de casar, e igualmente não será reconhecida
qualquer união estável. Nesse sentido costumam concluir os tribunais asseverando que
qualquer outra interpretação seria um desestímulo ao casamento.
No entanto, Tartuce faz menção à possibilidade de um entendimento diverso,
afastando a tese quanto à aplicação do art. 1.517 do Código Civil por analogia, já que se
trata de norma restritiva, que, como tal, não comporta essa forma de integração, prevista
no art. 4º da LINDB. Acerca da equiparação das duas entidades familiares, que culminou
com o julgamento do STF que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código
Civil, mantêm-se a afirmação no sentido de que permanecem as diferenças entre o
casamento e a união estável, sobretudo quanto às normas de constituição e de
formalidades.
Assim, ainda que parcialmente, o Enunciado 641, aprovado na VIII Jornada de
Direito Civil do Conselho da Justiça Federal dispôs que
a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a
inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa
equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se
à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham
por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional
a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato
jurídico que funda o casamento, ausente na união estável.
Sobre o tema ressalta que
A eventual conclusão pela existência e validade da união estável do
menor de 16 anos tem como fundamento a afirmação doutrinária no
sentido de tratar-se de um ato-fato jurídico, um fato jurídico qualificado
por uma vontade não relevante em um primeiro momento, mas que se
revela relevante por seus efeitos. Em havendo tal instituto, mitigam-se as
regras de validade, notadamente as que dizem respeito à capacidade.
Nesse contexto, não deve ser considerada a incapacidade absoluta
prevista no art. 3º do Código Civil, quanto aos menores de 16 anos.
Relativiza-se, ainda, o que consta do art. 166, inc. I, da própria
codificação, no sentido de ser nulo o negócio jurídico celebrado por
absolutamente incapaz, sem a devida representação.
Pautado ainda no princípio da função social da família, afirma que
A melhor expressão de análise casuística da vontade no ato-fato jurídico é retirada do teor do Enunciado 138, aprovado na III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese dos menores de 16 anos, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. Não se pode negar que a constituição de uma união estável é uma situação existencial e, tendo o menor de idade o necessário discernimento para esse ato familiar, pode ele ser tido como plenamente válido.
[...] Todavia, a hipótese fática de união estável do menor de 16 anos traz conclusão em sentido contrário, de efetividade do instituto, sendo viável doutrinariamente adotá-lo em casos tais.[...] Todavia, a ideia de condenar a constituição da família parece ter voltado com a emergência da lei 13.811/2019, na alteração relativa ao art. 1.520 do Código Civil. Seria correto estender tal raciocínio à união estável? Entendo que existem motivos consideráveis para se afirmar que não, dando-se ao sistema jurídico certa margem de liberdade para o exercício
da autonomia privada quanto à escolha de uma ou outra entidade familiar.
Raphael Carneiro Arnaud Neto sobre a matéria relativa à união estável entre
menores de 16 anos, analisando o disposto no art. 1.723, da lei civil entende que a norma
aponta em quais casos a união estável não se constituirá e, para tanto, faz remissão aos
impedimentos do casamento constantes no art. 1.521, evidenciando que, no caso de a
pessoa casada (hipótese de proibição trazida pelo inc. VI) se encontrar separada de fato, a
união estável poderá ser reconhecida. Alerta, ainda, que também não impedirá a união
estável a ocorrência das causas suspensivas, hipóteses que não geram nulidade do
casamento. E segue, dispondo acerca dos impedimentos presentes no art. 1.521, do CC,
observando que, não há em qualquer dos seus incisos, menção ao impedimento de pessoas
menores de 16 anos casarem-se. O autor argumenta que
Assim, ao alterar apenas o artigo 1.520 sem incluir qualquer inciso no
artigo 1.521 que trate da vedação ao casamento de menores de 16 anos,
e, considerando que o artigo 1.723 se utiliza das hipóteses de vedação
consagradas pelo artigo 1.521, sem fazer remissão qualquer ao artigo
1.520, recém-alterado, para estabelecer os impedimentos da união
estável, parece-nos que lei não proibiu o reconhecimento da família de
fato.
Isso porque, como se sabe, não é possível suprimir direitos por analogia e,
assim sendo, seria necessária a inclusão da hipótese de impedimento no
rol do artigo 1.521, ou, por outra via, que se incluísse um parágrafo ao
artigo 1.723 que fizesse menção à vedação trazida pela nova redação do
artigo 1.520. Só assim poder-se-ia dizer que também foi vedado o
reconhecimento da união estável para quem não atingiu idade núbil.
Diante do exposto, é possível observar que ainda há controvérsias a serem
pacificadas pela doutrina e pelos tribunais acerca da recente alteração trazida pela Lei n.
13.811/2019. Sobre o tema, convém, no entanto, mencionar o posicionamento desse autor,
que apesar da omissão relativa ao disposto no art. 1.520, da lei civil, entende que tal
hipótese está incluída nos impedimentos do art. 1.521, do CC.
Fontes
https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI298911,11049-
A+lei+138112019+e+o+casamento+do+menor+de+16+anos+Primeiras+reflexoes.
https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes.
http://www.ibdfam.org.br/noticias/6874/A+nova+regra+da+impossibilidade+de+casamento
+do+menor+de+16+anos+%28a+nova+Lei+13.881-19%29
http://genjuridico.com.br/2019/03/14/casamento-de-menores-de-16-anos-lei-13-811-19/
https://www.conjur.com.br/2019-abr-05/raphael-arnaud-lei-veda-casamento-menor-16-
anos#author
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MP 881/2019, LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA
E ALTERAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL
Recentemente foi publicada a Medida Provisória n. 881, de 30 de abril de 2019,
instituindo a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de
livre mercado, análise de impacto regulatório, e dando outras providências. De acordo com
a exposição de motivos, tal medida tem por objetivo diminuir a intervenção estatal nos
contratos privados e, por conseguinte, proporcionar o aumento da liberdade contratual e
econômica entre os pactuantes, visando à ampliação da competitividade do mercado
interno e internacional, voltando-se ainda ao fomento das atividades dos micro e pequenos
empreendedores.
De acordo com o seu art. 1º, a MP “estabelece normas de proteção à livre iniciativa e
ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como
agente normativo e regulador, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no
parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição.” Fundamenta-se nos
dispositivos constitucionais que tratam da ordem econômica e do princípio da livre
concorrência, estando assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei. Exercendo o Estado o papel de agente normativo e regulador da atividade
econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
O disposto nesta Medida Provisória será observado na aplicação e na interpretação de
direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se
encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das
profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente (§ 1º, art.
1º).
Em seu art. 2º elenca os princípios que norteiam a norma, quais sejam: I - a presunção
de liberdade no exercício de atividades econômicas;; II - a presunção de boa-fé do
particular; e III - a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício
de atividades econômicas. Sobre tal previsão relativa à presunção de boa-fé nas relações
entre particulares, é de grande valia o reforço deste princípio, considerando que este já
pautava as relações contratuais.
E em seu art. 3º traz os direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o
desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo
único do art. 170 da CF/88. O art. 4º trata das garantias da livre iniciativa. E art. 5º prevê
ainda que as propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de
agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade
da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas,
precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e
dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu
impacto econômico.
Em suas Disposições Gerais, a Declaração propõe a alteração de diversos dispositivos
de leis, Busca-se, ademais, maior segurança jurídica nos investimentos, tais como a de
sociedades anônimas, de recuperação judicial, Código Civil entre outras. Algumas destas
disposições, no entanto, necessitam de regulamentação. No âmbito da lei civil, a MP
trouxe importantes modificações que serão objeto de breves considerações e que, suscitou
algumas controvérsias entre doutrinadores civilistas. A primeira alteração diz respeito ao
art. 50, da lei civil, que trata da desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos a antiga
e a nova redação:
Art .50 do CC Art. 50, do CC alterado pela MP n. 881/2019
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para fins do disposto neste artigo,
desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Com fundamento no princípio da separação patrimonial, as pessoas jurídicas devem
responder por suas obrigações com o seu patrimônio, não podendo a execução, como regra
geral, adentrar no patrimônio particular dos sócios ou administradores. Todavia, em certos
casos, o patrimônio dos sócios ou administradores pode ser executado com a devida
aplicação da desconsideração (disregard doctrine). Desconsideração da personalidade
jurídica é a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo.
Como é possível observar, o CC/2002 em seu art. 50, em conformidade com a
redação anterior à alteração trazida pela MP, e mantida nessa nova redação exige a prova
de insolvência, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, adotando a denominada
Teoria Maior. Já o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, em seu art. 28,
optou por adotar a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, pois com a
apresentação da mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas
obrigações, o juiz poderá suspender a eficácia do ato constitutivo, independente de desvio
de finalidade ou confusão patrimonial.
Sobre o tema, o Código Processual Civil de 2015, inovou ao prever em seus arts. 133
a 137 o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Dispondo não só sobre o
incidente, mas positivando tema já tratado pela doutrina e a jurisprudência que sustentam a
chamada teoria da desconsideração inversa, que ocorre com a quebra da autonomia
patrimonial a fim de executar bens da sociedade por dívidas pessoais dos sócios.
A primeira alteração trazida pela MP ao caput do art. 50, da lei civil sugere que a
desconsideração da personalidade jurídica seria possível apenas em relação ao sócio ou
administrador que, direta ou indiretamente, tenha se beneficiado pelo abuso. As demais
alterações feitas com inserção dos §§ 1º ao 5º dizem respeito aos requisitos para a
incidência da desconsideração, como o abuso de direito e confusão patrimonial. Tais
requisitos não são cumulativos e devem ser observados alternativamente para aplicação do
instituto.
O primeiro parágrafo que conceitua o desvio de finalidade dispondo que “é a
utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de
atos ilícitos de qualquer natureza,” nos levando à conclusão de que para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, faz-se necessário o elemento dolo para
configurar o desvio de finalidade. Sobre isso, a doutrina, nomeadamente Flávio Tartuce e
Pablo Stolze consideram verdadeiro retrocesso normativo, tendo em vista que o desvio de
finalidade prescindia do elemento dolo para sua caracterização.
Argumentam que tal previsão se afasta da teoria objetiva do abuso de direito tratada
no art. 187, do CC, já que não leva em consideração nem a culpa nem o dolo do agente,
buscando proteger a parte mais vulnerável que recorre à desconsideração. De acordo com
Tartuce, a MP adotou um modelo subjetivo e agravado, tendo em vista que somente o dolo
e não a simples culpa gera a configuração do desvio. Outro ponto também levantado pelo
doutrinador é que o elemento doloso é exigido pela jurisprudência tão somente para as
hipóteses de encerramento irregular das atividades.
Sobre o parágrafo segundo que conceitua a confusão patrimonial e elenca seus
elementos caracterizadores, Tartuce em relação ao inciso I, que prevê como hipótese de
confusão patrimonial o “cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou
do administrador ou vice-versa;” afirma que o termo “repetitivo” poderia ser abolido da
nova redação, já que a confusão patrimonial pode configurar-se em um único ato com o
intuito de prejudicar os credores. Em análise do inc. III, Stolze afirma que a previsão de que
entende-se como confusão patrimonial “III - outros atos de descumprimento da autonomia
patrimonial.”, resultou em tornar os demais incisos I e II, como meramente exemplificativos,
por conta de sua generalidade.
O parágrafo terceiro apesar de não estar evidente, trata da desconsideração inversa,
que ocorre com a quebra da autonomia patrimonial a fim de executar bens da sociedade
por dívidas pessoais dos sócios e que já é tratada na lei processual civil em seu art. 133, § 2º.
Sobre o artigo, a doutrina entende que deveria ter sido feita referência expressa ao
instituto, bem como, menção ao dispositivo processual a fim de evitar qualquer dúvida que
possa surgir em sua interpretação.
O parágrafo quarto prevê que “a mera existência de grupo econômico sem a
presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica” e replica o que já havia sido objeto do Enunciado n. 406
da V Jornada de Direito Civil, com o seguinte teor: “a desconsideração da personalidade
jurídica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art.
50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as
sociedades”. Assim, de acordo com a doutrina, a nova previsão apenas diz o óbvio, já que a
desconsideração só poderá ser aplicada mediante a presença de seus requisitos. No
entanto, entende que o novo dispositivo possibilita a ampliação de responsabilidades de
uma pessoa jurídica a outra, configurando a chamada desconsideração econômica, indireta
ou a sucessão entre empresas para as obrigações da esfera civil.
O último parágrafo trata do desvio de finalidade, estabelecendo que “não constitui
desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa jurídica.” Trata-se de mais uma previsão sobre o instituto
bastante criticada pela doutrina, tendo em vista que o legislador criou um entrave para o
seu reconhecimento, de acordo com Stolze: “aquele que expande a finalidade da atividade
exercida – como pretende a primeira parte da norma – pode não desviar, mas aquele que
altera a própria finalidade original da atividade econômica da pessoa jurídica, muito
provavelmente, desvia-se do seu propósito.”
A próxima alteração dada pela MP foi destinada ao art. 421, da lei civil, que trata da
função social do contrato, vejamos a antiga e a nova redação do dispositivo:
Art. 421 do CC Art. 421, do CC alterado pela MP n. 881/2019
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional. (NR)
O dispositivo sob comento traz o princípio da função social do contrato. Trata-se de
princípio contratual de ordem pública, não limitando a liberdade de contratar (ilimitada) e
sim legitimando a liberdade contratual (limitada). De acordo com o Enunciado n. 23 da I
Jornada de Direito Civil, “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código
Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse
princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à
dignidade da pessoa humana”. Fato que deve ser destacado é o que o princípio da função
social do contrato está intimamente ligado ao princípio da conservação do contrato, e tal
fato pode ser exemplificado pelo Enunciado n. 22 da I Jornada de Direito Civil do CJF e
demais artigos do Código Civil, como o art. 157, § 2º, e art. 479.
Com a nova redação dada ao caput do art. 421, do CC, a função social do contrato
deverá estar acorde com os ditames da Declaração de Direitos da Liberdade Econômica. Tal
previsão, de acordo com a doutrina, acaba por introduzir um limite na aplicação de tal
princípio, significando um retrocesso já que de acordo com Tartuce, “A MP também parece
voltar ao espírito individualista, que inspirou o Código Civil de 1916, tido por muitos civilistas
como superado e que foi substituído por um modelo mais intervencionista, do Código Civil
de 2002”. Assim, entende-se que os limites ou contornos dados ao princípio deveriam
manter-se sob os critérios da doutrina e da jurisprudência, não sendo desejável que conste
em uma norma.
No que concerne ao parágrafo único introduzido ao dispositivo, traz o princípio da
intervenção mínima do Estado, ao dispor que “nas relações contratuais privadas,
prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e
a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional”. Tal
modificação traz o caráter excepcional da revisão contratual dos contratos civis, já
consagrada pela norma.
Quanto ao intervencionismo estatal e de seus poderes, Tartuce aponta que tal
disposição não surtirá efeitos, tendo em vista que outros dispositivos da lei civil depõem em
contrário, como nas seguintes hipóteses: i) Art. 113 – que determina a necessidade de
interpretação do contrato de acordo com a boa-fé objetiva e as regras de tráfego; ii) Art.
187 – que veda o abuso de direito, trazendo a função de controle e reativa da boa-fé
objetiva e da própria função social do contrato; iii) Art. 413 – que consagra a redução
equitativa da cláusula penal; iv) Art. 416 – que limita o valor da cláusula penal à obrigação
principal; v) Art. 422 – que estabelece a boa-fé objetiva como princípio aplicado a todas as
fases do contrato; vi) Arts. 423 e 424 – que protegem o aderente contratual como
vulnerável da relação jurídica, impondo-se uma interpretação contratual que lhe é favorável
e a nulidade de cláusulas de renúncia prévia a direito inerente ao negócio; vii) Art. 473,
parágrafo único – que estabelece a continuidade do contrato diante de investimentos
consideráveis realizados pelo contratante; e viii) Art. 2.035, parágrafo único – que consagra
a função social do contrato como princípio de ordem pública. Dito isso, para que houvesse
uma real aplicabilidade da nova determinação normativa, seria necessário promover a
revogação dos dispositivos mencionados.
Outro ponto ressaltado pelo renomado civilista é que a MP deixou de reparar dois
equívocos técnicos que já constavam no art. 421 do Código Civil, por autorizada doutrina,
quais sejam:
O primeiro equívoco é a menção à liberdade de contratar – que tem
relação com a parte com quem se contrata e o momento em que se
negocia –, que não é limitada pela função social. No comando deveria
constar a liberdade contratual, relativa ao conteúdo da avença, essa sim
limitada pela função social que o contrato exerce. O segundo erro do
preceito está na menção de ser a função social razão do contrato, quando
essa é formada justamente pela autonomia privada. Com a redação
correta [...] o dispositivo teria a seguinte redação: "A liberdade contratual
será exercida nos limites da função social do contrato".
Art. 423 do CC Art. 423, do CC alterado pela MP n. 881/2019
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente.
Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida. (NR)
O art. 423, da lei civil, dispõe acerca do contrato por adesão, prevendo que na hipótese
de dúvida de alguma de suas cláusulas, será interpretada de maneira mais favorável ao
aderente. A alteração do caput amplia a aplicação da norma, já que não se limita como
anteriormente às “cláusulas ambíguas ou contraditórias”, mas a todas que possam ensejar
dúvidas entre os contratantes. Já o parágrafo único acrescido trata dos contratos que não
tenham sido pactuados por adesão, prevendo a interpretação mais favorável a quem não
redigiu a cláusula controvertida.
Sem correspondentes Arts. 480-A e 480-B, do CC introduzido pela MP n. 881/2019
Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é licito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual. (NR)
Art. 480-B. Nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida. (NR)
Ambos os artigos foram introduzidos em Contratos em Geral no Capítulo II Extinção
dos Contratos, Seção IV Resolução por Onerosidade Excessiva e tratam da paridade nas
relações interempresariais.
O teor do art. 480-A, do CC replica o disposto no Enunciado n. 23 da I Jornada de
Direito Comercial estabelecendo que "em contratos empresariais, é lícito às partes
contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de
revisão e/ou resolução do pacto contratual". Sobre o dispositivo, Tartuce manifesta-se no
sentido de o dispositivo estar mal localizado, já que não tem ligação com o artigo anterior,
sendo mais apropriado estar no art. 478, do CC. Junte-se a isso, que o artigo dá origem a
um microssistema autônomo de revisão voltado para os contratos empresariais dentro da
lei civil o que não se mostra adequado metodologicamente. O autor entende que pode o
julgador afastar tais parâmetros objetivos para a interpretação, revisão ou até resolução do
negócio, já que tanto o art. 478 e em outros comandos da codificação considera como
tendo a natureza de norma cogente ou de ordem pública.
Doutrina autorizada entende que a norma introduzida pela MP, não promove
inovações, tendo em vista que aos contratantes sempre foi possível, no exercício de sua
autonomia privada, estabelecer parâmetros, seja objetivos seja subjetivos, para a
interpretação dos requisitos de revisão ou resolução do contrato, nas relações
interempresariais ou de qualquer outra natureza.
No que tange ao art. 480-B, do CC, sua redação traz os teores de dois enunciados da
I Jornada de Direito Comercial e da V Jornada de Direito Civil, respectivamente: Enunciado
25 - "a revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar
em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a
sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada"; e,
Enunciado n. 439: "A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código
Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais,
observar-se-á a sofisticação dos contratantes e a alocação de riscos por eles assumidas com
o contrato". As mesmas observações feitas ao artigo anterior, podem ser feitas aqui, no
que diz respeito à criação de um microssistema próprio de revisão dos contratos
interempresariais e ainda se mostra inócuo, considerando que a simetria entre os
contratantes é presumida em qualquer relação contratual, e não apenas em relações
interempresariais.
Sem correspondente Arts. 980-A, § 7º do CC introduzido pela MP n. 881/2019
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. [...]
§ 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.
A alteração promovida pela MP introduz o § 7º ao art. 980-A, do CC que trata da
empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), tendo por objetivo ressaltar a
autonomia entre os patrimônios do instituidor e da EIRELI. Sobre o tema, considera-se que
deve ser feita uma observação quanto à fraude e a sua ampliação a fim de possibilitar
também a desconsideração da personalidade jurídica em todos os casos previstos na
legislação. Sobre o tema, convém mencionar o Enunciado n. 470, da V Jornada de Direito
Civil: “O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas
dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a
constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica”.
Sem correspondente Art. 1.052, Parágrafo Único do CC introduzido pela MP n. 881/2019
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Parágrafo único. A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social. (NR)
O dispositivo sob comento trata da sociedade limitada e o parágrafo único a ele
acrescido institui nova espécie de sociedade limitada, considerada pela doutrina como
anômala, denominada sociedade limitada unipessoal. Sobre a matéria, parte da doutrina
manifestou-se no sentido de que com a sua criação, a EIRELI se tornaria esvaziada, já que
constituía-se como única opção para pessoas jurídicas formadas apenas por um sujeito.
Todavia, há aqueles que defendem que a criação do instituto não implicará em problemas
dessa ordem, e apresenta vantagens, pois consagra o princípio da autonomia da vontade,
representa uma desburocratização para a constituição de pessoas jurídicas no país, além
de não estar submetida às restrições impostas à EIRELI, como a exigência de capital social
mínimo de 100 salários mínimos e de vedação de uma mesma pessoa intitular mais de uma
pessoa jurídica dessa forma (art. 980-A, caput e § 1º, CC).
Sem correspondentes Arts. 1.368-C a 1.368-E, do CC introduzido pela MP n. 881/2019
CAPÍTULO X
Do Fundo de Investimento
Art. 1.368-C. O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros.
Parágrafo único. Competirá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no caput. (NR)
Art. 1.368-D. O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto no regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 1.368-C:
I - estabelecer a limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas; e
II - autorizar a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade. (NR)
Art. 1.368-E. A adoção da responsabilidade limitada por fundo constituído sem a limitação de responsabilidade somente abrangerá fatos ocorridos após a mudança. (NR)
A MP n. 881/2019 introduziu no Livro III Do Direito das Coisas, o Capítulo X que trata
do fundo de investimento, disciplinado nos arts. 1.368-C a 1.368- E, do CC. A doutrina
majoritariamente entende que o Código Civil não representa o local adequado para abrigar
tal instituto, que além de possuir suas especificidades, de acordo com o próprio parágrafo
único do art. 1.368-C requer que a Comissão de Valores Mobiliários discipline a matéria.
De acordo com apontamentos de Flávio Tartuce, apesar de “o instituto possuir
traços de negócio fiduciário (trust) e a comunhão de investidores pode formar um
condomínio, mas deveria ganhar corpo normativo por meio de uma lei especial.”
Reforçando a sua inadequação no que concerne à localizar-se na lei civil, afirma que “não
vejo como viável juridicamente tratar do assunto dentro do Código Civil, notadamente no
capítulo de Direito das Coisas. Isso porque a codificação privada está toda fundada na ideia
de que "coisa" é bem corpóreo ou material, sendo os fundos de investimento formados por
bens incorpóreos ou imateriais.
O artigo 1.368-D, do CC indica objetivos legais do regulamento e o art. 1.368-E,
determina que a lei não terá efeito retroativo.
Considerações finais
Após delinearmos alguns pontos importantes sobre as novas alterações
introduzidas no Código Civil pela MP n. 881/2019, cumpre salientar que, em conformidade
com a doutrina majoritária, este autor entende que os temas aqui tratados, não deveriam
ser ventilados por meio de uma medida provisória, ensejando vício de origem, e por
consequência sua inconstitucionalidade formal, que irá gerar dificuldade da sua conversão
em lei. Sua edição descumpre os parâmetros constitucionais relativos à relevância e
urgência, que autorizam que o tratamento de uma matéria seja realizado através de
medida provisória.
Outro ponto já levantando nessa breve análise da MP, mas que é de grande
relevância diz respeito ao retrocesso que algumas alterações trazem a tão caros institutos
civilistas, como a desconsideração da personalidade jurídica, a função social dos contratos
e a interpretação dos contratos de adesão vulnerando a proteção e a segurança das
relações jurídicas privadas.
Por fim, importa ressaltar que tais alterações apesar de preocupantes, restringem-
se à esfera do direito civil, não reverberando nas relações consumeristas que, oxalá,
continuam submetidas à lei especial, o Código de Defesa do Consumidor.
Fontes
FARIAS, Cristiano Chaves de. A medida provisória da liberdade econômica: liberdade sem
igualdade é irresponsabilidade.
TARTUCE, Flávio. A Medida Provisória 881/2019 e as Alterações do Código Civil - Primeira
Parte: Desconsideração da personalidade jurídica e função social do contrato. Disponível
em; < https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/703994479/a-medida-provisoria-881-
2019-e-as-alteracoes-do-codigo-civil-primeira-parte-desconsideracao-da-personalidade-
juridica-e-funcao-social-do-contrato>. Consulta em: maio, 2019.
_____. A Medida Provisória 881/2019 e as alterações do Código Civil. Segunda Parte. Teoria
Geral dos Contratos, Direito de Empresa e Fundos de Investimento. Disponível em; <
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/705118554/a-medida-provisoria-881-2019-e-
as-alteracoes-do-codigo-civil-segunda-parte-teoria-geral-dos-contratos-direito-de-empresa-
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STOLZE, Pablo. A Medida Provisória da “Liberdade Econômica” e a Desconsideração da Personalidade Jurídica (Art.
50, CC) : Primeiras Impressões. Disponível em; < http://genjuridico.com.br/2019/05/06/a-medida-
provisoria-da-liberdade-economica-e-a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-art-50-
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VENOSA, Silvio de Salvo. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (MP 881) e o direito
privado. Disponível em; < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301832,81042-
A+Declaracao+de+Direitos+de+Liberdade+Economica+MP+881+e+o+direito>. Consulta em:
maio, 2019.