a anÁlise da tutela civil do nascituro no …siaibib01.univali.br/pdf/gabriela cristina da...

88
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO GABRIELA CRISTINA DA SILVA Itajaí, 09 de junho de 2010.

Upload: vuliem

Post on 09-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

GABRIELA CRISTINA DA SILVA

Itajaí, 09 de junho de 2010.

Page 2: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

GABRIELA CRISTINA DA SILVA

Monografia submetida à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientadora: Professora MSc. Denise Schmitt Siqueira Garcia

Itajaí, 09 de junho de 2010.

Page 3: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, por sempre me mostrar o caminho correto e por ter sido o melhor

conselheiro.

Meus sinceros agradecimentos aos meus pais Osmar e Cristina, que são a razão da minha vida e

sempre tiveram ao meu lado em todas as minhas decisões, nos momentos de alegrias e nos

momentos difíceis, sempre me apoiando.

Aos meus irmãos Júnior e Fernando, de quem sinto muito orgulho, longe ou perto, sempre presentes.

Ao meu namorado Raphael, por sempre me apoiar e por fazer eu ver a vida de uma maneira diferente, me

incentivando em todos os momentos que precisei deixo aqui minha eterna gratidão.

Meu sincero agradecimento a minha amiga Karolina, por sempre me ouvir e dar os conselhos pertinentes e por estar no meu lado em qualquer banquinho da

Univali.

Aos meus amigos Fabian, Giuliano e Lana, por emprestarem o código de aluno quando necessário,

por entregarem os livros na biblioteca e também pela amizade e confiança a mim dedicados.

A professora Denise pela maravilhosa orientação apoio e sugestão, também por ter “segurado” a

minha ansiedade, muito valiosa para a conclusão do presente trabalho.

Por fim, meu profundo agradecimento a todos que acreditam em mim e que tornaram possível a

conclusão desta monografia.

Page 4: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

iv

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais por acreditarem na minha capacidade e por oportunizarem a

realização do meu sonho, o amor a mim dedicado é meu alimento e amparo sendo sempre meu porto

seguro.

Page 5: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

v

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade do mesmo.

Itajaí, 09 de junho de 2010.

Gabriela Cristina da Silva Graduanda

Page 6: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da

universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Gabriela

Cristina da Silva, sob o título Tutela Civil do Nascituro, foi submetida em 09.06.2010,

à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Itajaí, 09 de junho de 2010.

Professora MSc Denise Schmitt Siqueira Garcia Orientadora e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

Page 7: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

ROL DE CATEGORIAS

ABORTO

Atentar contra a vida do feto.

ADOÇÃO

A possibilidade de durante a gestação, a mãe manifestar sua vontade de não criar o filho e entregá-lo para colocação em família substituta.1

ALIMENTOS

Meio de garantir a subsistência do alimentando.

ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Quantia equivalente à necessária contribuição do pai no que tange aos gastos adicionais da mulher durante o período de gravidez.

CAPACIDADE

Aptidão ou faculdade legal de que dispõe a pessoa de praticar atos da vida civil.

DANO MORAL

Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido sem repercussão patrimonial, podendo ser a dor física, a dor oriunda de lesão material, seja a dor sentimento de causa material.2

DOAÇÃO

Destinar a outrem sem ônus coisa pertencente a si.

FILIAÇÃO

Reconhecimento de filho.

FETO

Pessoa localizada nas entranhas maternas.

INTEGRIDADE FÍSICA

1 COSTA, Leôncio Paulo da. Adoção de Nascituros: discussão doutrinária no direito positivo

brasileiro.Dissertação (mestrado). Univali. p.130. 2 REIS, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Page 8: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

8

A proteção do feto no útero materno.

NASCITURO

Ente concebido mais ainda não nascido.

NASCIMENTO

Perfeita separação de um homem vivo da mãe.

PESSOA

A criatura humana; homem ou mulher.

PERSONALIDADE

Aptidão para praticar atos que tenham valor jurídico.

REPRESENTAÇÃO

Significa a formação de vontade de um sujeito (representando) por outro (representante) em razão de poderes outorgados pelo interessado ou se assim não puder fazê-lo (incapaz) pela lei.

SUCESSÃO

Capacidade para suceder e a aptidão para se tomar herdeiro ou legatário numa determinada herança.

TEORIA CONCEPCIONISTA

Preconiza que a personalidade do homem possuí como termo inicial a concepção.

TEORIA NATALISTA

A personalidade civil do homem inicia-se com o nascimento com vida.

TEORIA PERSONALIDADE CONDICIONAL

A personalidade civil do homem inicia-se com o nascimento com vida, porém o nascituro teria direitos que estariam subordinados a uma condição suspensiva consistente no nascimento com vida.

VIDA

É o direito de se desenvolver desde o útero materno e nascer dignamente.

Page 9: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................ XI

INTRODUÇÃO ...................................................................................10

CAPÍTULO 1 ......................................................................................13

CONSIDERAÇÃO GERAL SOBRE O NASCITURO.........................13

1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO NASCITURO NO MUNDO 13

1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DOS DIREITOS DO NASCITURO NO BRASIL.......................................................................................................... 16

1.3 O NASCITURO NO DIREITO ESTRANGEIRO ............................................. 21

1.4 CONCEITO DE NASCITURO ........................................................................ 23

1.5 DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE JURÍDICA............................ 24

CAPÍTULO 2 ......................................................................................30

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO NASCITURO NA LEGISLAÇÃO CIVIL ..........................................................................30

2.1 OS DIREITOS DO NASCITURO ELENCADOS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO ....................................................................................................... 30

2.2 DIREITO A VIDA............................................................................................ 31

2.3 DIREITO A INTEGRIDADE FÍSICA............................................................... 32

2.4 DIREITO A ALIMENTOS ............................................................................... 33

2.5 DIREITO AO RECEBIMENTO DE DOAÇÕES .............................................. 35

2.6 DIREITO À FILIAÇÃO ................................................................................... 37

2.7 DIREITO À REPRESENTAÇÃO.................................................................... 40

2.8 DIREITO À SUCESSÃO ................................................................................ 41

2.9 DIREITO AO DANO MORAL......................................................................... 43

2.10 DIREITO A ADOÇÃO .................................................................................. 44

CAPÍTULO 3 ......................................................................................48

TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO ......................................................................48

Page 10: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

x

3.1 TEORIA CONCEPCIONISTA ........................................................................ 48

3.2 TEORIA NATALISTA..................................................................................... 50

3.3 TEORIA PERSONALIDADE CONDICIONAL................................................ 53

3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL..................................................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................64

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...........................................66

ANEXOS.............................................................................................69

Page 11: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

RESUMO

O presente trabalho de monografia, intitulado a Tutela Civil do Nascituro tem por

intuito a análise doutrinária e jurisprudencial das teorias que regem o início da

personalidade civil, dando enfoque ao nascituro. Tratando-se de um instituto

relativamente novo, bem como o art. 2º, do Código Civil de 2002, deixar

controvérsias em relação a esse ser, eis que preceitua o início da personalidade civil

com o nascimento com vida, porém põe a salvo os direitos do nascituro. Foram

encontradas três correntes doutrinárias na doutrina brasileira: a teoria

concepcionista, a teoria natalista e a teoria da personalidade condicional. Inicia-se o

presente trabalho fazendo uma explanação da evolução história do nascituro, uma

breve comparação com as legislações estrangeiras, sem a pretensão de realização

de um direito comparado, ato contínuo conceitua-se nascituro e diferencia-se

personalidade de capacidade. Doravante, traz-se a baila os direitos, atualmente,

reconhecidos ao nascituro e, por fim, analisa-se as três teorias e faz-se uma análise

jurisprudencial, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no período dos anos de

2005 a 2010. Objetivo deste trabalho de conclusão de curso é a interpretação de

diferente maneiras do início da personalidade civil do homem. Quanto à Metodologia

empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo,

na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos

Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Page 12: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

10

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objetivo geral analisar as

teorias existentes acerca do início da personalidade civil. Tem como objetivos

específicos, demonstrar a evolução histórica do nascituro; identificar os direitos

resguardados ao nascituro e explanar as teorias que explicam o início da

personalidade civil.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da evolução

histórica do nascituro no mundo e no Brasil, a visão do nascituro na legislação

estrangeira, sem a pretensão de realizar um direito comparado, o conceito do

nascituro e por fim, a diferença entre personalidade civil e capacidade civil, bem

como suas particularidades.

No Capítulo 2, tratando dos direitos inerentes ao nascituro, cita-

se o direito a vida, a integridade física, a possibilidade de: alimentos, recebimento de

doações, filiação, representação sucessão, dano moral e adoção.

No Capítulo 3, tratando das teorias defendidas pelos

doutrinadores, bem como pela jurisprudência catarinense, no período de 2005 a

2010. Entre elas: a concepcionista, a natalista e a da personalidade condicional.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre as

teorias da personalidade civil.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

problemas:

O nascituro é um ser autônomo ou faz parte do corpo de sua

genitora?

São resguardados ao nascituro direitos patrimoniais?

Page 13: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

11

Qual a teoria adotada pela doutrina brasileira e pela

jurisprudência catarinense para o surgimento da personalidade

civil?

E foram levantadas as seguintes hipóteses:

Hipótese 01: Verifica-se que o nascituro é um ser autônomo,

entendido como o concebido mais ainda não nascido.

Hipótese 02: Os direitos patrimonais só serão assegurados ao

nascituro se nascer com vida, mesmo havendo muita

divergência, em razão das três correntes existentes para

explicar o início da personaldiade civil: a concepcionista, a

natalista e a da personalidade condicional.

Hipótese 03: Verifica-se que a doutrina e a jurisprudência

catarinense são uníssonas em adotar a corrente natalista para

explicar o início da personalidade civil.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação3 foi utilizado o Método Indutivo4, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano5, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

3 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

4 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

5 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

Page 14: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

12

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente6, da Categoria7, do Conceito Operacional8 e da Pesquisa

Bibliográfica9.

6 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o

alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

7 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

8 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

9 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

Page 15: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÃO GERAL SOBRE O NASCITURO

1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO NASCITURO NO MUNDO

Para uma melhor compreensão sobre o nascituro se faz

necessário um breve relato sobre a evolução histórica dos seus direitos no mundo e

no Brasil.

No direito romano, para o nascimento ser considerado perfeito

eram necessários quatro elementos constitutivos: separação da mãe, completa

separação, vida do neonato após a completa separação e natureza humana, sendo

a verificação da vida feita por quaisquer sinais. Assim se a criança morresse logo

depois do nascimento já teria conquistado capacidade jurídica. Contudo para

conquista - lá era necessário o nascimento. Vale ressaltar, que negava-se a

personalidade aos monstros ou crianças nascidas sem forma humana, por exemplo,

a existência de um membro a mais ou a menos. 10

Na época de Justiniano, Imperador Romano do Oriente desde

1 de Agosto de 527 até à sua morte11, o récem-nascido não podia ser um mostro

nem tampouco um aborto, era considerado uma porção da mulher. O pai podia

instituir por testamento um tutor para o filho que ainda se encontrasse no útero, o

qual era tratado como se já houvesse nascido. No entanto, quando tratava-se do

interesse do nascituro era considerado como se já tivesse nascido não significando

que existisse como pessoa antes do nascimento.12

10 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 20. 11 JUSTINIANO. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Justiniano. Acesso em09.10.2009. 12 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. 3 ed. Rio de

Janeiro: 1962. p.129. PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997. p.159.

Page 16: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

14

Para os adeptos da teoria natalista13, não há dúvidas de que

para os juristas romanos, o feto era apenas parte das vísceras da mãe, não

podendo, portanto, ser considerado pessoa. E, assim, considerando o nascituro

como parte integrante do corpo da mulher, a personalidade jurídica coincidia com o

nascimento. O feto, nas entranhas maternas, era uma parte da mãe e não uma

pessoa.14

Existia, ainda, uma diferenciação cristalina de capacidade

jurídica na população romana, eis que a personalidade era negada para os

escravos, se a mãe no tempo do nascimento fosse escrava, mas livre da concepção,

poderia ser por tempo intermediário, o filho nasceria livre. A idéia romana acerca do

nascituro era de uma parte integrante do corpo da geradora, não admitindo-se

punições a um atentado moral ou físico contra ele, mas apenas contra a mãe.15

Na Idade Média, o cristianismo preconiza que a tutela do

nascituro no tocante à sua expectativa de vir à luz. Os papas, eram considerados

símbolos de autoridade, unificadores do mundo medieval, bem como exerciam forte

influência nas promulgações das leis, uma vez que os reis tomavam o cuidado de

antes consultá-los. 16

Santo Agostinho e São Jerônimo compartilhavam a opinião de

que a alma entrava no feto apenas quando ele tomasse forma humana, julgando,

importante não o momento da concepção, mas, sim, aquele em que o nascimento

apresentasse movimentos, indicando, uma vida própria. 17

Ensina, G. Gandolgi, ao término de seu estudo sobre a história

do nascituro:

(...) o princípio “conceptus pro iam nato habetur” assumiu um significado intencionalmente mais amplo em relação ao que era já latente no mundo romano, ao expressar exigência de salvaguardar a vida do feto, quando se fosse já dotado de alma, antes de assegurar-

13 Preceitua que o nascituro é simples esperança de pessoa e que será melhor tratada no capítulo 3. 14 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva , 2000. p.20. 15 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.23. 16 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 48. 17 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 50.

Page 17: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

15

lhe os interesses patrimoniais, Sob o pressuposto de que, para o nascituro animado, já iniciada uma existência eterna, o aborto provocado é, em tal caso, considerado um homicídio.18

Na Grécia, nos meados da Idade Média, o atentado físico

contra ao feto aborto, somente era incriminado : “(...) se verificaria se o feto fosse

dotado de alma, o que ocorria aos quarenta dias, para o homem, e aos três meses

para a mulher, quando, então, já havia os lineamentos do corpo do feto.” 19

No tocante, as legislações penais quanto ao direito à vida do

feto e do homem, posiciona-se Anselmo de Fuerbach, no sentido que não é devido a

equiparação dos direitos do feto e do nascido e condena o conceito que iguala

aborto e homicídio, em consonância com os interesses demográficos do Estado.20

A lei romena foi o primeiro diploma legal a positivar alguns dos

direitos da personalidade, mas especificamente a de 18 de março de 1895, que

garantia o direito ao nome. A partir da entrada em vigor do novo Código Civil

Italiano, o qual serviu de modelo para outros códigos, que foi dado ênfase aos

direitos da personalidade tais como: direito do próprio corpo, ao nome, sua tutela e

sua tutela por razões familiares, ao direito de pseudômino e ao direito à imagem.21

No nosso entendimento, o ponto crucial de toda evolução histórica dos direitos humanos foi a edição da Declaração Universal de Direitos Humanos, na qual ocorreu um processo de universalização e sedimentação do direito à vida na Lei Máxima de uma infinidade de países. Ocorreu o que chamamos de efeito blindagem que protegeu de forma definitiva qualquer atentado à personalidade, já que esta é indivisível em relação à vida.22

Conclui-se que no direito romano para o nascimento ser

considerado perfeito condicionava-se quatro elementos para sua constituição:

separação da mãe, completa separação, vida do neonato, após a completa

18 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 51. 19 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.19. 20 CUELLO, Calón. Três temas penales, cit., p.15/16, apud ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela

Civil do Nascituro. p.52. 21 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília

Jurídica,2006. 22 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. p. 29-30.

Page 18: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

16

separação e natureza humana. A verificação do nascimento era feita através de

quaisquer sinais, podendo a criança vir a falecer logo após o nascimento, que já

havia adquirido a capacidade jurídica. Os direitos patrimoniais já eram assegurados

ao nascituro (por exemplo: testamento e doação). Salienta-se que o direito romano

foi o primeiro a codificar alguns dos direitos da personalidade.

1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DOS DIREITOS DO NASCITURO NO BRASIL

No presente item, serão feitas considerações no que diz

respeito a evolução dos direitos do nascituro no Brasil, com embasamento no

ordenamento jurídico.

Proclamada a independência do Brasil, passou a vigorar a Lei

de 20 de outubro de 182323, até que se organizasse um novo Código.

Nas ordenações Filipinas, eram assegurados a posse de

alguns bens quando a mulher encontrava-se grávida e o direito a herança do

nascituro, em conformidade com o Livro 3°, Título XVIII, §7°, bem como com o Livro

4º, Título, LXXXII,§5º, respectivamente: “E poderá ouvir e julgar sobre demanda, que

faça parte alguma mulher, que ficasse prenhe, pedindo que a mettam24 em posso de alguns

bens que lhe pertencerem por razão da criança, que tem no ventre.” 25

Outrosi26, se o pai, ou mãi27 ao tempo do testamento não tinha filho legítimo, e depois lhe sobreveio, ou o tinha, e não era disso sabedor,

23 Lei das Províncias: Pedro I do Brasil, a qual tinha por objeto centralizar o poder. 24 Mettam = metam. Dicionário Priberam da Lígua Portuguesa. www.priberam.pt acessado em

15.09.2009 25 Ordenações e Leis do Reino de Portugual. Recopiladas per mandado del Rei, D. Phelippe, o

primeiro, 13 ed. Coimbra, Impresa da Universidade, 1865,t.2. ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 178.

26 Outrosi = outro. Dicionário Priberam da Lígua Portuguesa. Disponível em: www.priberam.pt. acessado em 15.09.2009

27 Mãi = mãe. Dicionário Priberam da Lígua Portuguesa. Disponível em: www.priberam.pt. acessado em 15.09.2009.

Page 19: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

17

e é vivo ao tempo da morte do pai, ou mãi, assi28 o testamento, como os legados nelle29 conteúdos são nenhuns e de nenhum vigor.30

Em 1865, iniciou-se o projeto de consolidação das Leis Civis de

Teixeira Freitas, finalizada em 1868, no seu art.1° conservava os direitos do

nascituro para o tempo do nascimento desde que nascessem vivos, tais como:

direito a sucessão, a posse em nome do ventre – curadoria, bem como a doação.31

O projeto de Código Civil de Texeira Filho foi denominado

Esboço, haja vista, ter sido atribuído caráter provisório, eis que não objetivava

terminá-lo sem antes passar pelo crivo da crítica dos seus compatriotas, adotou a

teoria concepcionista, uma vez que de acordo com o art.222 tal projeto só diz

respeito á doação e a à herança. 32

Decorridos aproximadamente cinco anos, 1873, iniciou-se o

projeto de Código Civil de José Thomaz Nabuco de Araújo e não foi concluído, haja

vista a morte de seu autor. Preconizava o art. 11 que: “a capacidade geral para

adquirir e exercer os direitos que este Código compreende, é inerente a todas as

pessoas naturais”. Incluindo as pessoas por nascer no rol dos absolutamente

incapazes, dos menores impúberes, dos alienados, dos surdos mudos e dos

ausentes. Da mesma maneira que o Esboço de Teixeira filho, reconhece o direito

sucessório, a curadoria e a doação. 33

Ato contínuo, o Senador Joaquim Felício dos Santos, após a

morte de Nabuco de Araújo, obteve a permissão pelo Ministro da Justiça para

gratuitamente elaborar um novo Projeto, o qual ultimou em 1881. O nascituro neste

projeto era considerado como pessoa, desde a concepção. O autor – Felício dos

28 Assi = assim. Dicionário Priberam da Lígua Portuguesa. Disponível em:www.priberam.pt. acessado

em 15.09.2009. 29 Nelle = dele. Dicionário Priberam da Lígua Portuguesa. Disponível em: www.priberam.pt. acessado

em 15.09.2009. 30 Ordenações e Leis do Reino de Portugal, cit., t.3. apud ALMEIDA, Silmara Chinelato e, 2000, p.

178. 31 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 178 32 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro p. 180-183. 33 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 184.

Page 20: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

18

Santos, inclusive menciona que não compreende a razão jurídica da distinção entre

absolutamente incapazes e relativamente incapazes, porque com exceção dos

nascituros, não há pessoa absolutamente incapaz.34

Em 24 de janeiro de 1890, entrou em vigor o Decreto n.181,

dispondo que o status do filho legítimo advém da concepção e independe do

nascimento com vida.35

Em 1890, mas precisamente em 12 de julho, através de um

contrato , Coelho Rodrigues, comprometeu-se a terminar em três anos o novo

Projeto de Código Civil e o fez, apresentando o trabalho ao governo em 23 de

fevereiro de 1893. No que diz respeito ao nascituro estabelece que todo aquele que

nasce com vida e forma humana é considerado pessoa natural e capaz de direitos

civis, como por exemplo, a aquisição de herança e admite também a adoção à prole

eventual, tendo em vista o casamento de determinada pessoa.36

O presente trabalho foi imputado de peregrinismo e causou

confusão política, levando o Ministro Epitácio Pessoa a convidar Clóvis Beliváquia

para elaborar um novo projeto, iniciado em abril de 1899 e concluído seis meses

depois. Adotou-se a teoria concepcionista, expressando-se de modo expresso a

favor da paridade entre o nascituro e nascido.37

(...) Realmente, se o nascituro é considerado sujeito de direitos, se a lei civil lhe confere um curador, se a lei criminal o protege cominando penas contra a provocação de aborto, a lógica exige que lhe reconheça o caráter de pessoa, como o fizeram os códigos e projetos acima citados. 38

Preconizava o art. 4° do Código Civil de 1916: A personalidade

civil do homem começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a

concepção os direitos do nascituro. 34ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.184/185. 35 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p 186. 36 COELHO, Rodrigues, apud, ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 187-

188 37 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.191/193. 38 Projeto Primitivo, art.3°, análise à nota de Teixeira de Freitas ao art.221 do Esboço de Código Civil.,

apud, ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.193.

Page 21: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

19

Referido artigo teve sua origem no mesmo número do Projeto

revisto e não no Projeto Primitivo de Clóvis Beviláquia, e na mesma esteira que o

Projeto de Coelho Rodrigues estabelece que a personalidade civil inicia-se com o

nascimento com vida. 39

Para uma melhor elucidação do artigo supra citado, vale

transcrever a explicação de Clóvis Beviláquia:

A personalidade civil do homem começa com o nascimento, diz concisamente o Código. Basta que a criança dê sinais inequívocos de vida, para ter adquirido a capacidade civil. Entre os sinais apreciáveis estão os vagidos e os movimentos característicos do ser vivo; mas, particularmente, perante a fisiologia, é a inalação do ar cuja penetração, nos pulmões, vai determinar a circulação do sangue no novo organismo, o que denota ter o recém-nascido iniciado a sua vida independente. Realizado o nascimento, pouco importa que, momentos depois, venha a morrer o recém-nascido, A capacidade jurídica já estava firmada, direitos já podiam ter sido adquiridos, que se transmitiram aos herdeiros do falecido. Não há também que distinguir, se o parto foi realizado naturalmente, ou se exigiu intervenção obstetrícia.40

É necessário estabelecer a diferença de nascimento e o de

nascimento com vida. O nascimento segundo Savigny: “é a perfeita separação de

um homem vivo da mãe” 41. Já o nascimento com vida é explicado pela docimasia,

que em conformidade com Oswaldo Pataro42:

(...) é exame, experiência, verificação seja para fixar a instantaneidade ou não da morte, distinguindo se ela foi súbita ou agônica, seja para pesquisar se uma criança nasceu viva ou morta, i.e, se chegou a respirar, se teve vida autônoma.

O Código Civil de 1916, assegurava ao nascituro direitos e não

expectativas, ressaltando que existem direitos que não dependem do nascimento

com vida, entre eles: direito à vida, à integridade física, à saúde, direitos absolutos

39 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.193-194. 40ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 193-194 41 Apud ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 195. 42 Apud ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.195

Page 22: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

20

erga omnes43 o direito a alimentos, a curatela e a representação.44 Apenas, no

tocante aos direitos patrimoniais – doação e herança (legítima e testamentária),

exigem o nascimento com vida, ou seja, a eficácia do negócio jurídico fica pendente

desta condição.

Destarte, nos termos do art.119, do Código Civil o ato vigorará, podendo exercer-se desde a concepção o direito por ele estabelecido; uma vez verificado o nascimento sem vida, a partir de então, para todos os efeitos o direito se extingue. Se ocorrer o nascimento com vida, os direitos ficarão “irrevogavelmente adquiridos”, segundo já lecionava Teixeira de Freitas no art.222 do Esboço. Assim, poderão ser transmitidos a terceiros, mesmo que o nascituro morra logo após ter nascido com vida.45

Com o advento da Constituição Federal da República de 1988,

consagrou-se de uma forma mais abrangente os direitos e garantias fundamentais,

bem como houve a constitucionalização da dignidade humana.46

A dignidade é um dos mais relevantes valores ‘espirituais’ e ‘morais’ inerentes à pessoa humana, manifestando-se na subjetividade e autodeterminação de sua vida, ao mesmo em que impõe a pretensão de respeitabilidade em relação as demais pessoas.47

Decorridos dezoito anos, em 2002, foi aprovado o Código Civil,

o qual entrou em vigor em 2003 e no seu art. 2° fez menção ao nascituro não

alterando o disposto no antigo Código Civil, de acordo com a atual redação:

Art. 2o. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento

com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

43 Erga omens = efeitos de algum ato ou lei que atingem todos os indivíduos de uma determinada

população. dicionario.sensagent.com/erga+omnes/pt-pt. Acessado em 31/08/2009. 44 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.197. 45 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.199 46 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília

Jurídica,2006.p. 35. 47 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas. 2002. p.19.

Page 23: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

21

Do todo, denota-se que a lei não confere personalidade jurídica

material ao nascituro, contudo segue a orientação do direito romano: “Non est

pupillus qui in utero est”48

Por fim, denota-se que os direitos patrimoniais (herança e

doação) foram assegurados em toda a história do ordenamento jurídico brasileiro. O

que difere uma consolidação ou projeto de lei, até mesmo um código civil é a teoria

de personalidade adotada para o nascituro.

1.3 O NASCITURO NO DIREITO ESTRANGEIRO

No referido item serão explanados a situação do nascituro em

alguns países da América Latina, não tendo-se a pretensão de realização de um

direito comparado.

Em relação a Argentina, o Código Civil foi elaborado em 1875

por Dalmacio Velez Sarsfield reconhecendo em seu art. 54 que o nascituro tem

personalidade jurídica, sendo absolutamente incapaz, equiparando-o aos menores

impúberes, aos dementes, aos surdos-mudos que não sabem expressar por escrito

e aos ausentes.49

Estabelece o art. 70 do Código Argentino: Desde a concepção, no útero materno, começa a existência das pessoas; e antes de seu nascimento podem adquirir alguns direitos, como se já houvessem nascido. Esses direitos Tornam-se irrevogavelmente adquiridos, se o concebido no útero materno nascer com vida, ainda que só por instantes, depois de estar separado de sua mãe.50

Neste vértice, se considerar apenas a primeira parte do art.70

estará concluído que a personalidade jurídica do ser humano se inicia com a

concepção, porém se analisar o artigo no todo a personalidade começa do

48 Non est pupillus qui in utero est = não há pupilo quem em útero existe.

Http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_glossary&Itemid=82&catid=40&func=display&search=est&search_type=1. acessado em 05.10.2009.

49 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.85. 50 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.35.

Page 24: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

22

nascimento com vida, sendo imprescindível a existência real da pessoa, dotada de

capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações. 51

No que diz respeito ao Chile, o seu Código Civil reconhece a

personalidade condicional ao nascituro, subordinada ao nascimento com vida,

atuando como condição suspensiva, que caso não se realize os direitos do nascituro

passariam a outras pessoas, como se ele jamais tivesse existido. 52

Ocorre que, de maneira expressa em seu art.75 é conferido ao

nascituro direitos incondicionais, não estando estes subordinados ao nascimento

com vida, sendo eles: o direito à própria vida e o direito à saúde.53

O Código Civil Peruano, por sua vez, defende que o nascituro

tem direito a vida, o de ser reconhecido para efeitos de filiação, o de receber

indenização por danos causados por terceiros, por exemplo, morte do pai e o direito

a alimentos, ou seja, os direitos não patrimoniais não necessitam do nascimento

com vida, como condição resolutiva.54

No tocante aos direitos patrimoniais, exige-se o nascimento

com vida, citando-se o recebimento de herança e de doação, pois tal condição atua

como condição resolutiva e não suspensiva.55

É digno, no entanto, de elogios o Código Civil peruano, porque, conforme observa P.Catalano, mesmo partindo do conceito abstrato de “sujeito de direitos”, defende concretamente a existência dos nascituros, filiando-se à tradição romana, ibérica e americana ao concentrar a atenção no valor da vida humana.56

Por fim, o Código Civil Paraguaio, discrepa que o nascituro tem

capacidade de direitos desde a concepção para adquirir bens por doação, herança

51 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.37. 52 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.91. 53 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.91. 54 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.95 55 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.95. 56 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.96.

Page 25: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

23

ou legado e a irrevogabilidade da aquisição está subordinada à condição de que

nasça com vida, ainda que por instantes depois de separada do seio materno.57

Denota-se que, as legislações estrangeiras consideram o

nascituro sujeito de direitos, contudo condicionam a aquisição de direitos

patrimoniais ao nascimento com vida.

1.4 CONCEITO DE NASCITURO

O objetivo desse tópico será traçar os conceitos basilares no

que diz respeito ao conceito de nascituro, apontando-se como pontos confrontantes

os quesitos do nascituro ser ou não pessoa, se tem ou não tem personalidade

jurídica.

No ponto de vista biológico, a fecundação do óvulo pelo

gameta masculino dá origem ao ovo, que, em via de regra, instala-se na membrana

interna do útero, ocorrendo o fenômeno da nidação58. O ovo germina por cerca de

três semanas, surgindo o embrião. Compreende o estágio embrionário o período

entre a quarta e a sétima semanas após a concepção, apresentando o concepto as

principais estruturas orgânicas que compõe o ser humano. Este ser que está se

formando é o nascituro, que embora já concebido ainda não nasceu. 59

Coleciona-se alguns conceitos de nascituro:

Nascituro, de acordo com a etimologia do vocábulo (de nasciturua-a-um) é aquele que há ou deve nascer. Distingue-se da prole eventual, também protegida pelo direito (CC 16, art.1718 in fine) e a diferença específica, à face da ciência jurídica, está no fato de ser o nascituro ente já concebido. Assim, para os jurisperitos, nascituro é a pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno.60

Malgrado a personalidade civil da pessoa comece do nascimento (CC, art.2º). Este é o ‘ser já concebido, mas que ainda encontra no ventre materno”, segundo Silvio Rodrigues, que acrescenta: “A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se

57 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.99. 58 Nidação é o momento em que, na fase de blástula, o embrião fixa-se no endométrio. Disponível em http://pt.wikipedia.org. Acessado em 15.06.2010. 59 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. Belo Horizonte: 2006. p.143. 60 FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988.

Page 26: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

24

nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva os interesses futuros, tomando medidas para salvanguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.” 61

“Cuida-se do ente concebido, embora ainda não nascido. Embora o nascituro não seja pessoa, ninguém discute que tenha direito à vida e não mera expectativa.” 62

“Mesmo o nascituro, isto é, aquele concebido, mas ainda não nascido, apesar de ainda não ter personalidade”.63

“É o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida.” 64

Em conformidade com a lição dos autores supra citados,

conclui-se que o nascituro trata-se de um ente concebido, mas ainda não nascido,

condicionado ao nascimento com vida.

1.5 DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE JURÍDICA

No referido item, serão explanados o significado e a diferença

entre os institutos da capacidade civil e da personalidade civil.

O ordenamento jurídico brasileiro diferencia personalidade de

capacidade, atribuindo diferentes significados para estes institutos, sendo que srá

demonstrado as diferenças e as pecularidades da personalidade e da capacidade.

Vale dizer que toda pessoa natural ostenta o atributo da

personalidade, estando autorizado a praticar qualquer ato jurídico que deseja, salvo

se houver proibição expressa. 65

61GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva,

2007.v. 1. 62 GANGLIANO, Paulo Solze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.

7 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. p. 91/ 93. 63 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: parte geral. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.138 64 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2 ed. Campinas: Bookseller. 2003. t. 1. p..27 65 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. p. 157.

Page 27: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

25

Inicia-se pela personalidade, para explanar a respeito,

primeiramente faz-se necessário explicar o termo pessoa.

Sabe-se que o vocábulo pessoa provém do latim persona,

oriundo da linguagem teatral, na antiguidade romana, onde significava máscara, que

ajustavam ao rosto, para dar eco às palavras66. Doravante, ampliou-se o conceito de

persona passando a significar o próprio indivíduo que representava, ou seja, o ator,

bem como o ser humano que participava da comunhão sociopolítica-jurídica,

praticando atos que tinham valor jurídico.67

Contudo, nem todos eram considerados pessoa, os escravos

não eram pessoas e houve ordenamento jurídico que não considerava a mulher

como tal. 68

No direito romano, só considerava-se sujeito de direitos,

segundo o princípio de seu jus civile69, quando o homem era livre, cidadão romano e

independente do poder familiar. 70

Os estrangeiros, também, não eram reconhecidos como

titulares de direito, rotulava-se-o como inimigo. Para uma melhor elucidação: os

alemães só gozariam na França dos direitos que os franceses teriam na Alemanha,

e, assim, por diante. 71

Pode-se dizer que pessoa é o sujeito de direitos e a

personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, ações exceções e também

ser sujeito de direitos e obrigações. 72

66 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997,

p.155. 67 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. p.137. 68 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. p.140 69 Jus Civile = Direito dos cidadãos romanos. http://br.geocities.com/jrvedovato/direito_romano.htm.

acessado em 07.10.2009. 70 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997,

p.157. 71 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. parte geral. São Paulo: 1999. v.1. p.119. 72 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997,

p.157.

Page 28: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

26

A personalidade civil do homem, como suscetibilidade de

direitos e obrigações, começa com o nascimento com vida 73 sendo suficiente no

direito pátrio, que a pessoa viva algum tempo, por menor que seja, após deixar o

útero materno, mesmo que desprovido de órgãos vitais ou com pequeníssima

perspectiva de vida.74

E a personalidade civil, termina com a morte, admitindo-se a

presunção de morte, apenas para fins patrimoniais, quando desaparecido o titular de

direito por mais de 10 (dez) anos após a sentença declaratória de ausência (art.37,

do Código Civil). Vale ressaltar que não gera o término da personalidade. 75

Passa-se a explanar acerca da capacidade civil, que é a

aptidão ou faculdade legal de que dispõe a pessoa de praticar atos da vida civil,

como contratar, adquirir direitos e contrair obrigações. A capacidade civil é o limite

da personalidade, pode ser de direito e de fato. 76

Distingue-se a capacidade de fato da de direito. A capacidade

de fato, da mesma maneira chamada de capacidade de exercício ou de negócio, o

indivíduo pode praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem necessitar de

assistência ou de representação. Já a capacidade de direito é a possibilidade de

adquirir e contrair direitos e obrigações por si ou terceiros.77

A incapacidade civil pode ser absoluta ou relativa. A

incapacidade absoluta implica em completo impedimento para a execução dos atos

da vida civil, o incapaz tão-somente poderá agir por intermédio de seus

representantes legais. Os absolutamente incapazes, de acordo com o art. 3°, do

Código Civil de 2002,são: os menores de dezesseis anos; os que por enfermidade

73 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997,

p.158. 74 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. p.146. 75 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. p.158 76 PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. p.161 77 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.135.

Page 29: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

27

ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses

atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.78

Os menores de dezesseis anos,são os menores impúberes,

que ainda não atingiram a maturidade suficiente para participar da atividade jurídica,

levando se em conta o desenvolvimento mental do indivíduo. 79

No que diz respeito aos privados do necessário discernimento

por enfermidade ou deficiência mental:

a lei refere se a qualquer distúrbio mental que possa afetar a vida civil do indivíduo. A expressão abrange desde os vícios mentais congênitos até aqueles adquiridos no decorrer da vida, por qualquer causa. Por essa razão, era muito criticada a expressão loucos de todo gênero. De qualquer modo, a intenção do legislador sempre foi a de estabelecer uma incapacidade em razão do estado mental. Uma vez fixada a anomalia mental, o que é feito com auxílio da Psiquiatria, o indivíduo pode ser considerado incapaz para os atos da vida civil.80

Em relação aos que, mesmo por causa transitória, não

puderem exprimir sua vontade, destaca-se as pessoas que não puderem exprimir

sua vontade por causa transitória, ou em razão de alguma patologia. Cita-se:

arteriosclerose, excessiva pressão arterial, paralisia, embriaguez não habitual, uso

eventual e excessivo de entorpecentes ou de substâncias alucinógenas, hipnose ou

outras causa semelhantes, porém não permanentes.81

No tocante aos relativamente incapazes, o art. 4°, do Código

Civil de 2002, são: os maiores de dezesseis e menores de dezoito; os ébrios

habituais; os viciados em tóxicos; os que, por deficiência mental, tenham o

discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e

os pródigos.

Como primeira modalidade de relativamente incapazes tem-se

os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos, a maturidade plena para

78 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. p.152. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. p. 51. 80 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. p.177. 81 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. p. 53.

Page 30: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

28

a vida civil é alcançada, aos 18 anos. Contudo, o menor de 18 anos e maior de 16

pode praticar livremente diversos atos, como, por exemplo, firmar recibos de

pagamento de cunho previdenciário; equipara-se ao maior no que toca as

obrigações por atos ilícitos (art. 928,Código Civil de 2002).82

Ato contínuo, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os

deficientes mentais de discernimento reduzido, vale ressaltar que tão-somente os

alcoólatras e os toxicômanos são considerados relativamente incapazes.83

Por fim, os excepcionais, sem desenvolvimento mental

completo e os pródigos. Para a deficiência mental há uma gradação, ou seja,

quando privar totalmente o amental do necessário discernimento para a prática dos

atos civis, acarretará a incapacidade absoluta e quando for apenas a sua redução

enquadrara-se na incapacidade relativa.84 Pródigos são aqueles que se desfazem

de sua fortuna de tal monta que afeta a saúde mental do indivíduo como um todo.85

As pessoas incapazes devem ser representadas

(absolutamente incapaz) ou assistidas (relativamente incapaz), essa medida tem por

finalidade protegê-las e ao mesmo tempo, proporcionar a participação delas no

mundo jurídico. 86

Cessa a incapacidade civil pela maioridade ou pela

emancipação. A maioridade,ocorre aos 18 (dezoito) anos e acarreta a aptidão à

prática dos atos civis. A emancipação é a antecipação da outorga de capacidade de

exercício ao menor. Contudo, nem sempre a emancipação, coloca o menor no

patamar da maioridade, cita-se como exemplo a responsabilidade dos pais

indiretamente pela prática de atos ilícitos praticados pelo filho menor, inteligência do

art.932,I, do Código Civil87, transcreve-se o referido artigo:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

82 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. p.182. 83 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. p. 55. 84 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. p. 55. 85 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. p.182. 86 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral.p.165. 87 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. p.169.

Page 31: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

29

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (...)

As emancipações encontram-se na modalidade de voluntária e

judicial, ambas devem ser inscritas no Registro Público (art.9°, I, do Código Civil),

produzindo efeitos após a anotação. Na emancipação judicial compete ao

magistrado comunicar o Oficial de Registro Público ex officio. A emancipação legal

produz efeitos posteriormente ao ato que a ensejou esteja completo, dispensando

anotação no Registro Civil de Pessoas Naturais. 88

Desta maneira, conforme a explanação a personalidade e a

capacidade são dotadas de particularidades, porém uma está ligada a outra, ou seja,

a personalidade é o titular do direito e a capacidade é aptidão de praticar atos da

vida civil.

As teorias que regem o início da personalidade civil serão

abordadas no terceiro capítulo com amparo no entedimento jurisprudencial do

Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

No próximo capítulo será explanado acerca dos direitos

inerentes ao nascituro, reconhecidos na legislação pátria.

88 GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. p.172.

Page 32: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

CAPÍTULO 2

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO NASCITURO NA LEGISLAÇÃO CIVIL

2.1 OS DIREITOS DO NASCITURO ELENCADOS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

No presente capítulo serão abordados de forma sucinta os

principais direitos protegidos pela legislação pátria aos nascituros. Considerando-o

não apenas como sujeito de direitos, mas também como menor absolutamente

incapaz.

Vale transcrever:

Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro [...], como o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos [...]; a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores [...], de recebe herança [...], a ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n.º 1.046/89, n.º 7, do Conselho da Europa), passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT 593:258) e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, § 3º). Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial e obrigacional terá.89

Inicia-se a explanação sucintamente de cada direito inerente ao

nascituro, quando possível acompanhado de exemplos.

89 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 7.

Page 33: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

31

2.2 DIREITO A VIDA

O direito a vida é o mais fundamental de todos os direitos

assegurados ao homem, eis que é pré-requisito à existência e exercício de todos os

demais direitos.90

Em razão do direito a vida ser o mais fundamental, permite ao

nascituro o direito de se desenvolver naturalmente no útero materno, para que possa

viver e nascer dignamente. 91

O desenvolvimento do nascituro, em qualquer dos estágios,

cita-se: zigoto, mórula, blástula, pré-embrião, embrião e feto, significam a

continuidade do mesmo ser, que não se modificará depois do evento do nascimento,

tão-somente seguirá as etapas posteriores de desenvolvimento, passando de

criança a adolescente e de adolescente a adulto.92

A Carta Magna proclama o direito à vida, cabendo ao Estado

assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira o direito de continuar vivo e a

segunda de se ter vida digna quanto à subsistência. 93

O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal94, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ou um zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez95.

Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto

representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se

confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida

90 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 30. 91 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília Jurídicica,

2006. p.58. 92 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.p.300. 93 Acórdão do Egrégio Tribunald e Justiça, relatado pelo Desembargador Renam Lotufo. Cadernos

de Direito Constitucional e Ciência Política. n° 04.p.299-302; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 31.

94 MATTOS, Tereza Batista. A proteção do nascituro. RDC 52/34, apud, MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 31.

95 Apud, MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 31.

Page 34: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

32

do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe.96 A constituição,é

importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive a uterina.97

O pacto de San José da Costa Rica ou Convenção Americana

de Direitos Humanos98 (1969) foi ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e

ingressou no direito interno pelo Decreto n.678, 06 de novembro de 199299.

Estabelece no Capítulo II – Direitos Civis e Políticos, art. 4° - Direito à vida:

“Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Esse

direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.

Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

Do todo, percebe-se que o nascituro deverá ter o seu direito a

vida resguardado, haja vista, a Constituição Federal assegurar desde o útero

materno o direito de se desenvolver e nascer dignamente.

2.3 DIREITO A INTEGRIDADE FÍSICA

A embriologia é a ciência que informa a Perinatologia, ramo da

medicina que destina-se ao feto e ao recém-nascido, citando-se como exemplo as

cirurgias intra-úterina em aparelho urinário e respiratório, as quais objetivam salvar a

vida do nascituro em gestação de alto risco. 100

Em razão da diversidade das técnicas médicas intra-uterinas

indica que a ciência se preocupa com o nascituro em qualquer fase de

desenvolvimento, como ser autônomo e independente da mãe.101

96 BITTAR, Carlos Alberto. O direito de família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva,

1989. p.41 ; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 31. 97 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 31.

98 Disponível em: http://reservadejustica.wordpress.com/2009/05/18/convencao-americana-sobre-direitos-humanos. acessado em 05.05.2010.

99 Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. acesso em 05.05.2010. 100 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.312-313. 101 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.312-313.

Page 35: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

33

Nesta diapasão, o nascituro é pessoa, biologicamente e

juridicamente, se sua integridade física não se confunde com a da genitora, ainda

que estabeleça com ela relação de dependência não há como negar-lhe o direito a

integridade física.102

Desta maneira, não pode a genitora negar ser submetida a

intervenção médica que objetive a resolução de problemas com o feto, ou seja, não

cabe a genitora dispor de direito á vida, à integridade física que não lhe pertence e

sim ao nascituro, podendo ser, inclusive, civilmente e penalmente

responsabilizada.103

Nesse contexto, denota-se a importância de ser assegurado o

direito a integridade física do nascituro, uma vez que trata-se da proteção ao feto,

em gestação de alto risco.

2.4 DIREITO A ALIMENTOS

No presente item será abordado de maneira concisa o direito

de receber alimentos do nascituro, o qual visa resguardar o desenvolvimento sadio

do embrião até que assuma a condição de pessoa.

O nascituro é o que está por nascer, ou seja, o feto durante a

gestação, mesmo não preenchendo o primeiro dos requisitos necessários à

existência do homem – o nascimento, desde o momento da concepção já é

protegido, no campo patrimonial, todavia o ordenamento jurídico não reconheça-o

como sujeito de direitos, leva em consideração o fato que futuramente, o será,

devido a isso protege-o, antecipando os direitos que ele virá a ter.104

São devidos ao nascituro os alimentos em sentido lato, ou seja,

alimentos civis, na esfera que os alimentos garantem a subsistência do alimentando,

e, neste vértice, está estritamente ligado ao direito à vida, que é direito da

personalidade a todos assegurados pela Carta Magna, admitindo-se que a aquisição

102 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.312-313. 103 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.312-313. 104 ALVES, Moreira. apud, CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais

Ltda., 2002. p.355.

Page 36: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

34

dar-se-á desde a concepção apenas para a titularidade de direitos da personalidade,

sem cunho patrimonial. Pois, os direitos patrimoniais estão condicionados ao

nascimento com vida.105

Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e esta seria comprometida se à mãe necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.106

O nascituro é o titular ativo da relação obrigacional, contudo os

alimentos serão prestados à mãe para uma confortável gravidez, ensejando o

desenvolvimento do feto as despesas de assistência médica,decorrentes do parto.

Vale dizer, que a primeira alimentação, ainda que no período de recuperação da

mãe, já serão devidas à pessoa humana propriamente dita, já então existente. 107

Defende-se também que ao nascituro é possível a prestação

alimentícia, sob o fundamento de que a lei ampara a concepção. 108

Rizzardo observa que: (...) desde que presentes os requisitos

próprios, como o fumus boni iuris e a certeza de quem é o pai, mesmo os

alimentos provisionais é possível conceder, com o que se garantirá uma adequada

assistência pré-natal ao concebido'. 109

Os alimentos gravídicos foram instituídos pela Lei 11.804/08,

que regulamenta este direito da gestante, bem como a forma como será exercido.

Dizem a respeito a quantia equivalente à necessária contribuição do pai no que

tange aos gastos adicionais da mulher durante o período de gravidez, como

consultas, exames e alimentação especial, por exemplo, além de incluírem

despesas com o parto, internação, medicamentos e demais prescrições médicas. 110

105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro : Direito de Família. 4 ed. São Paulo:

Saraiva, 2007. p.489. 106 PEREIRA, Caio Mario da Silva.Instituições de Direito Civil:Direito de Família. 16. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2006. v. 5. p. 517. 107 CHAVES, Benedita Inez Lopes. A Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.93. 108 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p.397-398. 109 Apud, VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 397-398 110 Agravo de Instrumento N° 2009.015437-9. Terceira Câmara de Direito Civil. Tribunal de Justiça de

Page 37: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

35

Colhe-se da Jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. CABIMENTO. O agravante não nega o relacionamento amoroso mantido com a agravada, tampouco que tenha mantido relação sexual com ela à época da concepção. Alegação de dúvida sobre a paternidade não infirma o disposto no art. 2º do CC quanto à proteção aos direitos do nascituro. Precedentes. Recurso desprovido. 111

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. INDÍCIOS DE PATERNIDADE. CABIMENTO. A lei 11.804/08 regulou o direito de alimentos da mulher gestante. Para a fixação dos alimentos gravídicos basta que existam indícios de paternidade suficientes para o convencimento do juiz. AGRAVO PROVIDO. EM MONOCRÁTICA.112

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. LEI Nº 11.848/08. Considerando a existência de indícios da paternidade do demandado, cabível a fixação de alimentos gravídicos. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 113

A relação obrigacional de prestar alimentos engloba as classes

de sujeitos, relacionadas por parentesco, na seguinte ordem: pais, outros

ascendentes, irmãos (bilaterais e unilaterais). É de competência da genitora o

exercício da ação alimentar contra os obrigados, em nome próprio, todavia, o

nascituro sempre será o sujeito ativo, não podendo jamais ser passivo, por pertencer

a uma categoria de ficção jurídica. 114

2.5 DIREITO AO RECEBIMENTO DE DOAÇÕES

Santa Catarina. Relator: Marco Túlio Sartorato. Julgado 25/08/2009.

111 Agravo de Instrumento Nº 70029200391. Oitava Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 22/06/2009.

112 Agravo de Instrumento Nº 70029315488, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 31/03/2009.

113 Agravo de Instrumento Nº 70028667988, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 06/03/2009.

114 CHAVES, Benedita Inez Lopes. A Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo:LTr,2000. p.93.

Page 38: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

36

No que diz respeito a este subitem, irá ser abordado o direito

que os concebidos e não nascidos – nascituro, possuem de receber as doações.

Para a validade da doação é necessário que o donatário esteja

concebido desde o momento em que é feita, e não naquele que ocorre a aceitação 115.

“O código foi lógico ao admitir a doação feita ao nascituro, já

que desde a concepção põe a salvo seus direitos, embora não lhe reconheça

personalidade 116.”

Nesse sentido, o Código Civil de 2002, preceitua:

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

Lêoncio Paulo da Costa, cita Barreira, que comenta que as

doações feitas ao nascituro não são diferentes das doações feitas aos nascidos. No

seu entender, os nascituros podem ser beneficiários de todos os direitos concedidos

aos nascidos, sejam de que natureza forem. Consequentemente, as doações de

parentes ou estranhos feitas por liberalidades puras e simples, devem ser

consideradas aceitas pelos pais que não aceitá-las.117

Nesse sentido, entende Maria Helena Diniz, que:

o nascituro poderá receber doações, mas a aceitação deverá ser manifestada por aquele a quem incumbe cuidar de seus interesse: pai, mãe ou curador. Se nascer morto, embora aceita a liberalidade,

115 ALVES, João Luiz. Código Civil anotado. Rio de Janeiro: F.Briguiet, 1917.p.800. ALMEIDA,

Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.p.231. 116 SANTOS, Carvalho. Código Civil interpretado: Direito das obirgações. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas

Batos.1955.p.360. ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.p.231.

117 COSTA, Leôncio Paulo da. Adoção de Nascituros: discussão doutrinária no direito positivo brasileiro.Dissertação (mestrado). Univali. p. 149.

Page 39: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

37

esta caducará e, se tiver um instante de vida, receberá o benefício, transmitindo-o a seus sucessores.118

E, ainda, colhe-se do ensinamento de Carvalho Santos119:

O nosso código foi lógico ao admitir a doação feita ao nascituro e, por isso, se põem a salva os seus direitos, embora não lhe reconehça personalidade. Deveria, sem dúvida, considera-ló capaz de receber doação, porque o mesmo é tratado como se fosse uma pessoa já existente, entendendo a lei que, se o anscituro não tem personalidade, claro, não poderia aceitar a doação. Mas, como este elemento é essencial para a perfeição do contrato, seus representantes legais terão a qualidade para aceitá-la em seu nome.

Com referência ao nascimento com gêmeos, caso seja

realizada a doação a favor do primogênito, surgirá a dúvida sobre a qual dos

gêmeos tem essa qualidade, contudo a lei dá preferência ao mais velhos dos filhos.

Entretanto, há a possibilidade de que a concepção dos gêmeos tenha se dado pela

ordem inversa da dos nascimentos, devendo os pais tomarem a preucação de

diferencia-los por qualquer sinal externo, para a prova da precedência no

nascimento, haja vista, não poderem haver dois primogênitos, nem dois igualmente

mais velhos. 120

2.6 DIREITO À FILIAÇÃO

Neste subitem será explanado acerca da possibilidade do

nascituro ter uma filiação, na condição de sujeito de direitos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, bem como do

Código Civil de 2002, os filhos passaram a ser protegidos, não importando se

fossem fruto do casamento ou de uma união livre, restando claro que todo que

nasce é filho, sem discriminação.

118 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 803; CHAVES,

Benedita Inez Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.84 119 SANTOS, J.M de Carvalho. Código Civil Brasileiro interpretado. 13 ed. Rio de JANEIRO:

Freitas BASTOS,1991. p.360; CHAVES, Benedita Inez Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.84.

120 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: limonad, 1995. P. 204/205; CHAVES, Benedita Inez Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p.85.

Page 40: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

38

Neste vértice, dispõe ao art.227,§6°, da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Para se estabelecer o nexo de filiação, há de ser levado em

conta o concurso de quatro elementos, a saber: a cópula, a derivação biológica do

casal, a gestação materna e o nascimento dentro do período legal da concepção.121

Contudo, a cópula deixou de ser indispensável, sendo a

derivação biológica, por si só, necessária, porém insuficiente na caracterização da

filiação, devendo a paternidade ser combinada com a relação sexual.122

No caso, de não poder provar-se diretamente a paternidade, a

civilização ocidental trabalha a idéia de filiação num jogo de presunções, por

exemplo: o casamento pressupõe as relações sexuais dos cônjuges e fidelidade da

mulher, desta maneira, o filho que é concebido durante o matrimônio tem por pai o

marido de sua mãe.123

Nesse sentido:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

122 CHAVES, Benedita Inez Lopes. A Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo:LTr,2000. p.86. 123 MARIO, Caio. Instituições do Direito Civil. v.5. p. 315; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito

Civil Brasileiro: Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.283.

Page 41: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

39

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O reconhecimento voluntário do filho pode ser feito no registro

de nascimento; por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em

cartório; por testamento, ainda que incidentalmente manifestado e, ainda, por

manifestação perante o juiz, mesmo que o reconhecimento não haja sido o único

objeto e principal do a que o contém (art.1.609, do Código Civil de 2002).

A perfilliação pode anteceder ao nascimento se o filho já estiver concebido e também pode ser feita após sua morte, se o filho deixar descendentes (art. 1.609, parágrafo único; antigo, art. 357, parágrafo único; an. 26 da Lei n. 8.069/90). Quanto ao reconhecimento do já concebido, recordemos que a personalidade começa com o nascimento, mas a lei resguarda os direitos do nascituro (as. 2°; antigo, art. 4°). A perfilhação antes do nascimento pode representar uma cautela do pai que tenha receio de sua morte prematura, por exemplo, assegurando a certeza de paternidade ao futuro filho.124

São legitimados ativamente para essa ação o investigante,

geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro também pode demandar a

paternidade, como autoriza o art. 1.609, parágrafo único (art. 26 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, repetindo disposição semelhante do parágrafo único do

art. 357 do Código Civil de 1916. Nos termos do art. 226, § 6º da Constituição de

1988, os filhos têm ação contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhes o

reconhecimento da filiação. Trata-se, de direito personalíssimo, indisponível125 e

imprescritível. 126

124 VENOSA, Silvio deSalvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 307. 125 Art.1606, do Código Civil de 2002: A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver,

Page 42: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

40

2.7 DIREITO À REPRESENTAÇÃO

Neste subitem tratar-se-á do instituto da representação do

nascituro, quem tem poderes/ legitimidade para representá-lo em juízo.

Representação significa a formação de vontade de um sujeito

(representando) por outro (representante) em razão de poderes outorgados pelo

interessado ou se assim não puder fazê-lo (incapaz) pela lei.127

Entende-se que a procuração outorgada unicamente pelos

genitores do menor absolutamente incapaz autoriza o advogado a postular direitos

em nome deste, desde que se encontre evidente seu interesse na postulação posta

a efeito pelo profissional.

Nesse sentido:

REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - MENOR IMPÚBERE - PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PARTICULAR OUTORGADA POR SUA REPRESENTANTE – VALIDADE. A representação processual de menor impúbere, pode se dar através de procuração por instrumento particular.128

No tocante ao pleito de alimentos em juízo, o Tribunal de

Justiça de Santa Catarina se manifesta:

Em podendo a obrigação decorrente do direito a alimentos começar antes do nascimento e depois da concepção, têm os pais, mesmo tratando-se de direito personalíssimo, legitimidade para pleiteá-los pelo nascituro, que será indiretamente beneficiado, enquanto se nutrir do sangue de sua mãe, e diretamente após seu nascimento, pois já que o Código Civil coloca a salvo os direitos do nascituro, e não dispõe este ainda de personalidade civil, os legitimados para representá-lo desde a gestação seriam seus pais.129

passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

126 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Direito Civil, 5 ed., São Paulo: Atlas, 2005. v. 6. p. 285.

127 COELHO, FÁBIO Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. 128 Apelação Cível n. 99.001596-3, de Criciúma, Relator Des. Nilton Macedo Machado, Quarta

Câmara Civil, j. 19-8-99. 129 Agravo de Instrumento n. 2.0000.00.321247-9, Rel. Des. Duarte de Paula, j. em 10.02.2001.

Page 43: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

41

Desta maneira, tratando do sujeito de direitos – nascituro,

quem possuí legitimidade para pleitear em juízo seus direitos são seus genitores ou

na impossibilidade deles seu representante legal.

2.8 DIREITO À SUCESSÃO

No que diz respeito ao direito de sucessão do nascituro será

explanado quanto a sua capacidade para suceder e a aptidão para se tomar

herdeiro ou legatário numa determinada herança.

Primeiramente, traz-se a baila alguns dispositivos legais para

uma melhor elucidação do assunto. Veja-se que segundo o art. 1.798 do Código de

2002: ”legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento

da abertura da sucessão”.

Vê-se, portanto, que o nascituro possui legitimidade para ser

herdeiro.

É suficiente, no direito brasileiro, para a aquisição de personalidade jurídica que a pessoa viva algum tempo, por menor que seja, após deixar o útero materno. Uma só breve respiração basta para que o direito considere pessoa o recém -nascido. É indiferente se a minúscula vida vivida apresenta, ou não, perspectivas reais de evolução. Tendo vivido um segundo que seja após nascer, o nascituro terá preservado todos os seus direitos desde a concepção. Isto é, receberá direitos de quem for sucessor e, se vier a falecer logo em seguida, os transmitirá a seus próprios sucessores. Definir se a criança é natimorta ou chegou a respirar é relevantíssimo em determinadas hipóteses. 130

No que diz respeito a herança, se o nascituro nasce com vida,

torna-se herdeiro desde a concepção; formada a pessoa jurídica e após a morte do

testador que a instituiu, ou a condicionou, confirma-se a ela a delação da herança.131

Colhe-se da jurisprudência:

O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja

130 COELHO. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. p. 146. 131 GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1981. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito

Civil: Sucessões. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 6. p. 59.

Page 44: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

42

aquisição até então ficará sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3° da Lei n. 6.194/74 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal).132

A herança é jacente quando não conhecemos quais são os herdeiros, ou então quando os herdeiros conhecidos repudiaram a herança, renunciaram, não existindo substitutos. A exemplo de outras situações, a herança jacente abraça uma série de medidas que têm por objetivo proteger os bens de um titular ainda desconhecido. O mesmo ocorre nos casos de nascituro e do ausente. Daí porque não podemos negar uma forma de personificação dessas situações, como a própria lei processual o faz.133

No tocante a sucessão testamentária, transcreve-se os

art.1798 e 1.799, do Código Civil de 2002:

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão': Vê-se, portanto, que o nascituro possui legitimidade para ser herdeiro.

Art. 1.799. Podem também ser chamados a suceder:

I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

II - as pessoas jurídicas;

III - as pessoas jurídicas, cuja organização for dererminada pelo testador sob a forma de fundação."

Os nascituros até a abertura da sucessão serão equiparados

aos absolutamente incapazes para adquirir herança por testamento, salvo se a

disposição testamentária se referir a prole eventual de pessoa designada pelo

testador e existente, ao tempo de sua morte. Nesse vértice, é necessário que o

beneficiado esteja, ao menos, concebido por ocasião de óbito do testador, embora a

lei permita que se contemple prole futura de um herdeiro instituído, ou seja, se o

132 TJSC; Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. em

29/06/2006. 133 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. p. 63-4.

Page 45: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

43

herdeiro nomeado existir por ocasião da abertura da sucessão, o legado estará

assegurado ao filho que, futuramente, vier a ter. 134

Neste vértice, conclui-se que o nascituro poderá ser herdeiro

desde que nasça com vida, retroagindo o seu direito ao momento da concepção.

2.9 DIREITO AO DANO MORAL

No referido item será abordado a possibilidade ou não de

reparação de dano moral, por abalo sofrido pelo nascituro.

Para uma melhor ilucidação do assunto, conceitua-se dano

moral: “Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente

protegido sem repercussão patrimonial, podendo ser a dor física, a dor oriunda de

lesão material, seja a dor sentimento de causa material.”135

No tocante ao nascituro, entende-se que o ente não se tornou

pessoa, ou seja, não é sujeito de direitos, dessa maneira não deixou bens ou

herança o que implica dizer que o seu representante legal não pode-se ter a

qualidade de herdeiro legal.136

Nesse sentido, coleciona-se os seguintes julgados

SEGURO OBRIGATÓRIO. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Pagamento na sua totalidade por ter havido o reembolso das despesas hospitalares - Cobrança de diferenças de indenização por filha da vítima. Descabimento - Invalidez parcial caracterizada, sendo indevida a indenização à mãe pela morte do feto, pois o nascituro não nasceu com vida para lhe gerar direito - Ação improcedente. Recurso não provido" (TACívSP, AI n. 1.094.802-8, Juiz Cyro Antonio Facchini Ribeiro de Souza - sem o grifo no original).

SEGURO OBRIGATÓRIO. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Perda de filho em razão de interrupção da gestação, por aborto decorrente do aludido acidente. Aquisição da personalidade jurídica, pelo nascituro, somente com o nascimento com vida. Cobrança improcedente. Recurso desprovido. Voto vencido (TACívSP, 1 Rec, n.1.224.297-0, Juiz Paulo Roberto Grava Brazil).

134 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.1.052 LOPES,

Benedita Inez . A Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo:LTr,2000. p.81. 135 REIS, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 136 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 134.

Page 46: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

44

RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - COLISÃO DE VIATURA POLICIAL - MORTE DA GENITORA PARTURIENTE E DO NASCITURO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - PETIÇÃO INICIAL - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL NO VALOR DE TREZENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS POR AMBOS OS ÓBITOS - SENTENÇA QUE ARBITROU A INDENIZAÇÃO NO VALOR DE TREZENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS PELA MORTE DA GENITORA E TRINTA SALÁRIOS MÍNIMOS PELA MORTE DO NASCITURO – VALORES CONFIRMADOS PELO ACÓRDÃO DA APELAÇÃO -ALEGADA OFENSA AO ARTIGO 460 DO CPC - OCORRÊNCIA - SENTENÇA ULTRA PETITA – REDUÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA AO QUANTUM REQUERIDO PELAS AUTORAS - ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 20, § 4º E 70, INCISO III, DO CPC, 1.524 DO CÓDIGO CIVIL E 38 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.137

Do todo, conclui-se que a indenização por danos morais

decorrente de sinistro envolvendo nascituro não é devida, haja vista, o Código Civil

de 2002, não adotar a teoria concepcionista.

2.10 DIREITO A ADOÇÃO

No presente item será abordado de maneira sucinta a

possibilidade do instituto da adoção do nascituro.

Com a vigência do Código Civil de 2002138, permaneceu em

vigor a regulamentação da adoção, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo Estatuto

da Criança e do adolescente139, como lei especial, no que não estiver em desacordo

com a Lei nº 10.406, a qual alterou alguns dos requisitos do instituto.

Nesse sentido preceitua o art. 1.618, do Código Civil:

Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

137 Recurso especial nº 472.276 - SP (2002/0140533-0). Relator: Ministro Franciulli Netto.

D.J:26.07.2003. 138 Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002o . 139 Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.

Page 47: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

45

O novo Código Civil não faz menção à adoção do nascituro. (...) não mais cabe tal modalidade (...), pois o conceito de criança, fornecido pelo Estatuto da Criança e do adolescente, refere-se a ser humano que tem de zero a doze anos incompletos de idade, logo, já nascido. (...) Ademais, a sobrevivência do nascituro ao parto é incerta do parto é incerta (...) não se pode sujeitar a adoção a fato futuro e incerto. (...)140

Denota-se que, o atual Código Civil foi omisso em relação a

adoção do nascituro e tal omissão não é suprida pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, uma vez que este diploma, apenas consagra a criança e o adolescente

como tutores do direito a adoção. E, entende-se como criança do zero anos de idade

até os doze anos incompletos e adolescente entre os doze e dezoito anos de idade. 141

Galgdino Augusto Coelho Bordallo traz a baila o comentário de

Rocha, Dutra e Zalamena dizendo ser aceitável a possibilidade de durante a

gestação, a mãe manifestar sua vontade de não criar o filho e entregá-lo para

colocação em família substituta. Neste caso, a genitora deverá ser orientada pela

equipe técnica para que exerça, com consciência e discernimento, seu inarredável

direito de manifestar sua vontade livre e espontaneamente no sentido de prestar o

consentimento judicial para a adoção.142

O Código Civil de 1916, exigia o consentimento do adotado, ou

de seu representante quando se tratasse do indivíduo embrionário, cânone que

alguns achavam sem recepção pelo paradigma constitucional. Ocorre que, com o

surgimento posterior do diploma que regrou o instituto somente para crianças e

adolescentes não afetou dita posição, persistindo a possibilidade de perfilhar a quem

não se dera à luz. Agora, diversamente do texto passado o novo código não faz

referência alguma à adoção do nascituro, sendo pertinente dar eficácia aos

140 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Da adoção. In O novo Código Civil: LIVRO IV do direito

de família, Almeida Amin et al, p. 267, apud, COSTA, Leôncio Paulo da. Adoção de Nascituros: discussão doutrinária no direito positivo brasileiro.Dissertação (mestrado). Univali. p.129.

141 Art. 2º, do Estatuto da Criança e do adolescente. 142 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Da adoção. In O novo Código Civil: LIVRO IV do direito

de família, Almeida Amin et al, p. 267, apud, COSTA, Leôncio Paulo da. Adoção de Nascituros: discussão doutrinária no direito positivo brasileiro.Dissertação (mestrado). Univali. p.130.

Page 48: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

46

dispositivos do estatuto menorista, antes obscurecidos pela existência de norma

abonadora.”143

Pelos teoristas da personalidade civil, o presente tema é

controvertido, dos adeptos da doutrina natalista informam que o Estatuto da Criança

e do Adolescente prevê um estágio de convivência com o possível adotado, o que

não é possível em se tratando de nascituro. Dizem, portanto, que a adoção do

nascituro será regulada pela Lei Civil, e não pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, e que os seus efeitos estarão sempre condicionados ao nascimento

com vida.

Por sua vez, os concepcionistas, consideram que o Estatuto da

Criança e do Adolescente agasalha a hipótese de adoção do nascituro, pois

considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, uma vez que, para

eles, o nascituro já está incluído no conceito de criança do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Neste caso comungam no entendimento de que a sua adoção pode

ser realizada tanto pelo Código Civil quanto pelo Estatuto, sendo que em ambos os

casos a eficácia da adoção deve ser plena e resguardada a igualdade de filiação.144

Ante as controvérsias do instituto da adoção, a princípio, não

será possível conceder a guarda do nascituro para os adotantes. Tendo em vista,

que tal instituto não está previsto na atual legislação pátria e a Lei especial –

Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecer como criança a faixa etária de

zero a doze anos incompletos. Diante da omissão da lei, cada caso será decidido

por analogia, costume ou pelos princípios gerais do direito.145

A nova lei de adoção, Lei 12.010, deu nova disposição ao

parágrafo único do art. 13, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 13. (...)

143 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Adoção do nascituro.www.ibdfam.org.br. acessado em

06.04.2010.144 OLIVEIRA, José Sebastião de; QUEIROZ, Meire Cristina. a tutela dos direitos do nascituro e o

biodireito. www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_378.pdf. acesso em 06.04.2010. 145 Art. 4o , da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942).

Page 49: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

47

Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude.

Desta maneira, o Estado deverá prestar assistência

psicológica, social e jurídica à gestante e à mãe, justamente na perspectiva de evitar

que a mesma abra mãe de seu filho.

No próximo capítulo será tratado sobre as teorias que regem o

início da personalidade civil, sob o enfoque doutrinário e jurisprudencial.

Page 50: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

CAPÍTULO 3

TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Com relação ao termo inicial da personalidade jurídica a

doutrina adota basicamente os seguintes posicionamentos: a teoria concepcionista,

a teoria natalista e a teoria da personalidade condicional.

Neste capítulo serão abordadas as teorias que regem o início

da personalidade civil, com enfoque no entendimento do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, no período de 2005 a 2010.

3.1 TEORIA CONCEPCIONISTA

Neste item será abordado acerca da teoria concepcionista, a

qual considera que o nascituro adquire personalidade desde a concepção.

A teoria concepcionalista preconiza que a personalidade do

homem possuí como termo inicial a concepção 146 equiparando-se aos já nascidos.

Do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a concepção. (...) ressalva-se que é com a nidação do ovo, no útero147, que se inicia a gravidez, momento em que é garantida, em tese, a viabilidade do desenvolvimento e sobrevida do ovo, que se transformará em embrião e feto. 148

Sob o prisma biológico, o embrião ou feto, representa uma

carga genética própria, embora herde gens do pai e da mãe, constituindo a sua

146 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília

Jurídica,2006.p.45. 147 Tratamos aqui da gravidez normal, ainda que exista a possibilidade de o ovo imprantar-se fora do

útero, originando a gravidez ectópica, com poucas possibilidades de ser viável. ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 161.

148 Enfatize-se, uma vez mais, que a teoria da viabilidade não foi acolhida pelo direito brasileiro como requisito para o reconhecimento da personalidade, ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p.161.

Page 51: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

49

própria identidade ou unidade biológica inconfundível e distinta de qualquer outra, ou

seja, o nascituro é uma pessoa distinta da mãe, não constituindo simples parte de

seu corpo. 149

Portanto, esta teoria fundamenta suas razões sustentando que

se o nascituro é sujeito de direitos, se a lei civil lhe confere um curador, se a norma

penal o protege, então manda o bom senso que se lhe reconheça o caráter de

pessoa. 150

A presente teoria admite que se adquire a personalidade desde

a concepção, ressalvando-se os direitos patrimoniais, decorrentes da herança,

legado e doação que ficam condicionados ao nascimento com vida.151“Se nascer

com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum

direito patrimonial e obrigacional terá.”152

A teoria concepcionista preconiza que a personalidade jurídica

inicia a partir da concepção, sob o fundamento que se o nascituro tem direitos, deve

ser considerado pessoa, para ser sujeito de direitos e detentor de personalidade

jurídica. Caso assim não fosse, não teria porque o concebido ter direitos, sem ser

considerado pessoa e ainda, se é punível o crime de aborto como crime contra a

pessoa, não pairam dúvidas que o nascituro é considerado como tal e tem

personalidade civil.153

Ademais, o inciso XXXVIII, do art.5° da Constituição Federal

Brasileira reconhece a instituição do Tribunal do Júri com competência para

julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entre os quais se inclui o aborto.

Gastão Grossé Saraiva, partidário da doutrina concepcionista,

explica que em leitura atenta ao art. 2° do Código Civil Brasileiro, constatam-se

divergências entre a primeira parte, que estabelece o início da personalidade civil do

149 LUSIA, José Botella. Derechos humanos Del embríon, apud, ALMEIDA, Silmara Chinelato e.

Tutela Civil do Nascituro. p. 162. 150 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 61 ed. São Paulo, 1975. p.109. 151 GONÇALVES, Carlos Roberto.Direito civil: parte geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.60. 152 Código Civil Anotado, Saraiva, 2003, p. 7. 153 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo: LTr,2000. p.26.

Page 52: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

50

nascimento com vida e a segunda, entendendo que desde a concepção, são

colocados a salva os direitos do nascituro:

A respeito da primeira entende que o feto vive desde a concepção, faltando apenas a existência individual, pois o nascituro tem personalidade jurídica e é titular de direitos porque não se concebe, em um instituto jurídico, direitos sem sujeito. Quanto à segunda parte, entende que a verdadeira figura jurídica do nascituro éa de titular de direitos, subordinada a uma condição suspensiva, evento futuro e incerto, que é o nascimento com vida e, enquanto esta condição não se verificar, não adquirirá o direito objetivado pelo ato jurídico.154

No que diz respeito a teoria concepcionista, observa-se que o

art. 2° do Código Civil é contraditório ao estabelecer o inicio da personalidade civil

com o nascimento com vida e doravante colocar a salvo os direitos do nascituro.

Outro argumento relevante é o fato dos crimes atentados em face do nascituro, o

aborto, por exemplo, estarem previstos no capítulo dos crimes dolosos contra a vida.

3.2 TEORIA NATALISTA

No tocante a teoria natalista, agasalhada pelo texto do Código

Civil (art.4, in fine), denomina o nascituro de spes hominis (simples esperança de

pessoa), utilizando como argumentos os seguintes preceitos: a) o embrião, nem

jurídica, nem filosoficamente é pessoa; b) é difícil atribuir capacidade se inexiste

pessoa; c) a teoria oposta encerra o inconveniente de implicar que a simples

alegação infudada de gravidez possa modificar o curso das relações jurídicas.155

Demais, ante a prenhez da mulher, podemos nos encontrar em face de situações diferentes, resultantes da gravidez aparente, visto que se pode tratar de falsa prenhez, como possibilidade de parto suposto, ou simulado criminosamente e, verificando o parto, ocorre, por vezes, a expulsão do feto ou nascituro sem vida, e, de outras, o nascimento de gêmeos, anotando os autores outros inconvenientes da doutrina da personalidade ligada à concepção. 156

154 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. p. 29. 155 FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988. 156 NASCIMENTO, Sandy Cabral Gusmão. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro, direção

J.M.Carvalho Santos. Rio de Janeiro: Borsoi. V.34 p.9/14, apud, ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 148.

Page 53: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

51

A teoria natalista preconiza que antes do nascimento o feto não

é ser humano, não possuindo personalidade jurídica, existindo meramente uma

expectativa de personalidade, razão pela qual pune-se o aborto provocado, ficando

os direitos do nascituro resguardados ao nascimento com vida.157

Nesta diapasão, sustenta-se que o ser humano ainda não

separado do ventre materno, não tem existência própria, fazendo parte das vísceras

maternas e, se o nascituro fosse considerado pessoa, alem de sujeito de direitos

seria sujeito de obrigações. 158

Preconiza, Vicente Ráo, acerca da proteção dispensada ao

nascituro:

Não importa reconhecimento nem atribuição de personalidade, mas equivale, apenas, a uma situação jurídica de expectativa, de pendências, a situação que só com o nascimento se aperfeiçoa, ou, então, indica situação ou fato em virtude do qual certas ações podem ser propostas ou ao qual se reportam, retroativamente, os efeitos determinados atos futuros.”159

Outra justificativa para a teoria natalista é que considerando

que, a lei não concede personalidade ao nascituro, somente se nascer com vida,

como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva

os interesses futuros, tomando medidas para assegurar os direitos que, com muita

probabilidade, em breve serão seus.160

Da mesma maneira, antes de nascer o fruto do corpo humano

não é homem e não tem personalidade jurídica, no intervalo entre a concepção e o

nascimento existe uma expectativa de personalidade, uma spes hominis161, por esta

157 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. p.25. 158 CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. p.25. 159 RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 2 ed. São Paulo: Resenha

Univesitária,1978.p.143,apud, CHAVES, Benedita Inez Lopes. Tutela Jurídica do Nascituro. p.146.

160 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 3 ed. São Paulo: Mas lIminas,1967.p62-3. ALMEIDA, Silmara Chinelato. Tutela Civil do Nascituro. p. 146.; GOMES, ORLANDO. Introdução ao Direito Civil. p. 141.

161 Spes hominis = existe homem. Pequeno Dicionário de Latim Jurídico. www.mundodosfilosofos.com.br/latim.htm#S. acessado em 05.04.2010.

Page 54: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

52

razão o aborto provocado é punido pelas leis penais e a legislação civil reserva e

acautela direitos.162

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, cita-se

Orlando Gomes:

A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que o concebido nasça vivo. O natimorto não adquire personalidade. Entende-se que alguém nasceu com vida quando respirou. Se viveu ou não é questão que só se resolve mediante perícia médico-legal.163

Da jurisprudência, colhe-se:

Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, o seu direito somente pode ser efetivado do dia de seu nascimento em diante, ficando latente até verificar-se o parto. Dessa maneira, os direitos que se reconhecem ao nascituro, que ainda não é pessoa, permanecem em estado potencial.164

Ainda, nesse sentido:

Nascendo morta a criança, não chega a adquirir personalidade. Não recebe e nem transmite direitos. (...) a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Logo, o ser que foi gerado no ventre. não foi capaz de direitos e obrigações na ordem civil, porque não chegou a adquirir essa qualidade que é a personalidade civil; e não chegou porque não teve nascimento com vida165 .

Como defensores dessa escola na doutrina brasileira, dentre

outros, pode-se destacar, os autores Sérgio Abdalla Semião, Caio Mário da Silva

Pereira, Sílvio Rodrigues, Washington de Barros Monteiro, Arnoldo Wald e Humberto

Theodoro Júnior.166

162 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 148. 163 TJSP; Apelação Cível n. 340.115-4/0. Rel. Des. SILVÉRIO RIBEIRO. 164 TJSP; Apelação Cível n. 340.115-4/0. Rel. Des. SILVÉRIO RIBEIRO. 165 RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito: Lei 9.503/97. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 2001. p. 230. 166 VIVIANI, Maury Roberto. Aspectos controvertidos do crime de aborto a autorização judicial e o

conflito de direitos fundamentais da gestante e do nascituro. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2000, p. 80. Dissertação. Direito.

Page 55: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

53

3.3 TEORIA PERSONALIDADE CONDICIONAL

A teoria da personalidade condicional considera o nascituro

pessoa condicional, uma vez que a aquisição da personalidade está sob a

dependência de condição suspensiva – nascimento com vida. Não trata-se de uma

terceira teoria propriamente dita e sim de um desdobramento da teoria natalista.167

"O nascituro é pessoa condicional; a aquisição da

personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento

com vida"168

Sustenta a teoria da personalidade condicional que o início da

personalidade da pessoa humana começa no momento da concepção, porém com a

condição suspensiva do nascimento com vida, desta maneira, se o feto nascer com

vida, sua personalidade retroage à data de sua concepção, 169se os direitos não

forem reconhecidos, desde o momento da concepção, teríamos a anomalia de

direitos sem sujeito. 170

De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o sistema do nosso Código Civil, fica subordinada à condição de que o feto venha a ter existência; se tal sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido uma aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direito, como deverá de suceder, se o nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em tais casos, não se dá uma perda ou transmissão de direito, como deverá suceder, se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em tais casos, não se dá a aquisição de direitos. 171

Vale ressaltar que, a condição de nascimento não é para que a

personalidade exista, mas sim para que se consolide a sua capacidade jurídica. Isto

posto, cumpre dar resposta aos argumentos da corrente contrária - teoria natalista:

167 GONÇALVES, Carlos Roberto.Direito civil: parte geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.60. 168 MONTEIRO, Washington Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991.

pág. 59. 169 NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília Jurídica,

2006.p.44. 170 LEAL, Câmara. Manual elementar de Direito Civil; introdução, parte geral e Direito de Família.

São Paulo: Livraria Acadêmica, 1930. v.1. p.66 171 ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. p. 154.

Page 56: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

54

a) é incabível supor que em ciência se possa admitir o valor de qualquer alegação infundada. No caso de gravidez, a alegação supõe a prova por perícia médico-legal. Por outro lado, embora a personalidade comece com a concepção, como vimos, a capacidade jurídica só se consolida com o nascimento. b) A capacidade realmente supõe a personalidade, e esta, como veremos ao considerarmos o primeiro argumento contrário, existe a partir da concepção, quer filosoficamente, quer do ponto de vista jurídico. c) o nascituro, e o feto, é pessoa desses dois pontos de vista; 1) Filosoficamente, sem que nos seja necessário o apoio de toda uma corrente respeitada pelo pensamento humano (aristotélico-tomista), o nascituro é pessoa porque já traz em si o germe de todas as características do ser racional. A sua imaturidade não é essencialmente diversa dos récem-nascidos, que nada sabem da vida e também não são capazes de se conduzir. O embrião está para a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios do desenvolvimento de um mesmo e único ser: o homem, a pessoa.172

Conclui-se que os direitos assegurados ao nascituro

encontram-se em estado potencial, sob a tal condição suspensiva. Conforme dispõe

o art.130 do Código Civil, o titular de direito eventual, como o nascituro, nos casos

de condição suspensiva ou resolutiva, poderá exercer os atos destinados a

conservá-lo, como, por exemplo, ser representado pela mãe, a suspensão do

inventário, em caso de morte do pai, estando a mulher grávida e não havendo outros

descendentes, para se aguardar o nascimento; ou, ainda, propor medidas

acautelatórias, em caso de dilapidação por terceiro dos bens que foram doados.173

(...) a questão do início da personalidade tem relevância porque, com a personalidade, o homem se torna sujeito de direitos. [..] Verificamos o nascimento com vida por meio da respiração. Se comprovarmos que a criança respirou, então houve nascimento com vida. Nesse campo, o Direito vale-se dos ensinamentos da Medicina. [...] Se a criança nascer com vida e logo depois vier a falecer, será considerada sujeito de direitos. Tal prova, portanto, é importante, mormente para o direito sucessório, pois a partir desse fato pode receber herança e transmiti-la a seus sucessores [...]. O nascituro é um ente já concebido que se distingue daquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo de uma prole eventual; isso faz pensar na noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade para o que nem ainda foi concebido [...]. Sob o prisma do direito eventual, os direitos do nascituro ficam sob condição suspensiva. [...] O fato de o nascituro ter proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. O fato de ter ele capacidade para alguns atos não significa que o ordenamento lhe

172 FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988. 173 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 2007. p.79-80

Page 57: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

55

atribuiu personalidade. [...] Está só advém do nascimento com vida174.

Neste vértice, o ser humano que não nasce com vida não

adquire personalidade jurídica e não se torna pessoa física, em virtude disto não

será reputado sujeito de direitos enquanto se encontrava no útero materno.175

A teoria natalista e a teoria da personalidade condicional diferem

em razão da primeira sustentar que a personalidade civil do homem inicia-se com o

nascimento com vida e a segunda alega que a personalidade civil do homem inicia-

se com o nascimento com vida, porém o nascituro teria direitos que estariam

subordinados a uma condição suspensiva consistente no nascimento com vida.

Do todo, observa-se que ante as teorias, a adotada pela

legislação brasileira é a teoria natalista. Sou defensora da teoria concepcionista,

uma vez que se a legislação somente considera o nascituro sujeito de direitos se

este nascer com vida reconhece que ele é assegurado de direitos e deveres, então

não reconhecê-lo como um ser desde a concepção, é tratar desigualmente os iguais.

3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Neste subitem será feito uma abordagem do entendimento

jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no período de 2005 a 2010,

em relação as teorias que regem o início da personalidade civil.

O Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina é adepto da

teoria natalista, a qual preceitua ser nascituro sujeito de direitos, contudo sua

personalidade civil somente inicia-se com a vida.

Entretanto, no período dos anos de 2005 a 2010, foram

encontrados poucos julgados que versavam acerca da teoria natalista, somente no

número de 03 (três).

174 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: Parte Geral. p. 160-161. 175 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.145.

Page 58: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

56

Em conformidade com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina,

nascituro passa a ter personalidade jurídica com seu nascimento com vida, sendo

lhe assegurados direitos tais como: o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts.

1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos [...]; a uma adequada assistência

pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de

seus genitores [...], de recebe herança [...], a ser contemplado por doação (CC, art.

542); a ser reconhecido como filho, entre outros, permanecendo os direitos

patrimoniais em estado em potencial.

Senão vejamos:

CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) ACIDENTE DE VEÍCULO. AUTORA QUE EM DECORRÊNCIA DO SINISTRO SOFRE ABORTO. GESTAÇÃO NO SEXTO MÊS. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 3º DA LEI 6.194/74 (MORTE DE PESSOA DECORRENTE DE ACIDENTE COM VEÍCULO AUTOMOTOR). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74 (seguro obrigatório para o beneficiário da vítima fatal) (grifo) 176.

Ainda, neste vértice:

O Código Civil de 2002, em seu artigo 2º, dispõe que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A priori, cabe ressaltar que o estudo do tema sobre a personalidade ou não do nascituro está longe do fim. Muito embora existam doutrinadores (Teixeira de Freitas e Silmara Juny de Abreu Chinelato Almeida) que advogam a tese de que a personalidade civil da pessoa existe desde a sua concepção, compartilha este julgador da doutrina natalista, no sentido de que o ser humano somente adquire personalidade com o nascimento, desde que seja com vida, ainda que assegurados alguns direitos e prerrogativas anteriores à vinda à luz. Para Pontes de Miranda, o nascituro seria o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação

176 Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato. Terceira

Câmara De Direito Civil. D.J : 29.06.2006. D.P: 13/07/2006 (grifo).

Page 59: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

57

ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida (Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral. Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas, Borsoi, 1954, p. 166).

De acordo com o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça

o nascituro possui personalidade jurídica formal, haja vista, ter a pessoa carga

genética diferenciada da materna desde a concepção e no evento do nascimento

com vida alcança a personalidade jurídica material, fazendo jus aos direitos

patrimoniais e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial.

Vejamos:

Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro [...], como o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos [...]; a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores [...], de recebe herança [...], a ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n.º 1.046/89, n.º 7, do Conselho da Europa), passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT 593:258) e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (Código Civil, art. 1.800, § 3º). 177

CIVIL. NASCITURO. Proteção de seu direito, na verdade proteção de expectativa, que se tornara direito, cassiane se ele nascer vivo. venda feita pelos pais a irmã do nascituro. as hipóteses previstas no código civil, relativas a direitos do nascituro, são exaustivas, não os equiparando em tudo ao já nascido178 Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, o seu direito somente pode ser efetivado do dia de seu nascimento em diante, ficando latente até verificar-se o parto. Dessa maneira, os direitos que se reconhecem ao nascituro, que ainda não é pessoa, permanecem em estado potencial 179.

Colhe-se da jurisprudência no sentido que, o nascituro poderá

ser sujeito de direito no futuro, dependendo de uma prole eventual, porém visa-se 177 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. Saraiva, 2003, p. 7. 178 Recurso Especial n. 99.038, de São Paulo. Relator: Ministro William Patterson.Sexta Turma do

Superior Tribunal de Justiça. D.J: 09.09.1996. 179 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Civil n. 340.115-4/0, de São Paulo. Des. Silvério

Ribeiro.

Page 60: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

58

resguardar a vida e o bem estar do nascituro através da gestante, a sua

representante legal, sendo o direito aos alimentos incontroversos, eis que essenciais

ao bom desenvolvimento do feto.

Extrai-se dos julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AJUSTE DE ALIMENTOS. ESTIPULAÇÃO DO QUANTUM E DATA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RENÚNCIA AO DIREITO. COBRANÇA DE PARCELAS VENCIDAS ANTERIORMENTE AO NASCIMENTO DO ALIMENTANDO. VIABILIDADE MÁXIMA CONSTITUCIONAL VISANDO RESGUARDAR A QUALIDADE DE VIDA E O BEM-ESTAR DA GESTANTE (CF/88, ART. 227) REPERCUSSÃO DA ASSISTÊNCIA EM BENEFÍCIO DO NASCITURO. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS (CPC, ART. 585, II). SENTENÇA TERMINATIVA CASSADA.180

É que, in casu, resultou nítido que a intenção dos contratantes com o negócio jurídico celebrado foi a de prover recursos destinados a custear despesas da gestante e a de suprir as necessidades básicas do menor, beneficiando-o, por via oblíqua, até que viesse à luz, mediante adequada assistência de sua genitora, e uma vez consumado o nascimento com vida, já estando o infante investido na titularidade da pretensão de direito material, passaria este, então, a ser diretamente atingido pelos efeitos positivos da verba alimentar, o que, aliás, vem ao encontro da máxima estabelecida no art. 227 da Carta Política de 1988 (é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde [...]), pois a incolumidade física da criança, em muitos aspectos, está indissociavelmente ligada à saúde da genitora durante o período de gestação, vale dizer, a qualidade de vida desta ou sua a ausência repercute diretamente na saúde do concebido.

No que diz respeito a subsistência do nascituro, entende-se que os alimentos são devidos, haja vista, serem essenciais ao bom desenvolvimento do feto.

Assim, não é desarrazoado considerar que a falta de personalidade material que será adquirida com o nascimento com vida não retira essa espécie de personalidade jurídico formal que a lei confere ao concebido (CC/2002, art. 2º, § único) e que, conforme visto nos dispositivos acima referidos, alcança mais do que interesses pessoais de ordem moral e patrimonial, visando a estender ao nascituro não a totalidade das prerrogativas outorgadas aos já nascidos, mas apenas as reputadas essenciais ao desenvolvimento

180 Apelação Cível n. 2006.044219-6, de Navegantes. Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva.

TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CIVIL. DJ: 17/04/2007. D.P: 20/06/2007.

Page 61: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

59

seguro e saudável, pondo a salvo direitos essenciais à manutenção da vida propter spem nascendi.

De início, cumpre ressaltar que, não obstante as partes sejam livres para estabelecerem direitos e obrigações mutuamente, a ordem jurídica pátria impõe, além das formalidades exigidas por lei (CC/2002, art. 104, I, II e III), restrições específicas no tocante à realização de negócios jurídicos, determinando expressamente que de início, cumpre ressaltar que, não obstante as partes sejam livres para estabelecerem direitos e obrigações mutuamente, a ordem jurídica pátria impõe, além das formalidades exigidas por lei (CC/2002, art. 104, I, II e III), restrições específicas no tocante à realização

No mesmo sentido, leciona Yussef Said Cahali:

[...] embora seja indisponível o direito aos alimentos devidos por lei, consideram-se perfeitamente válidas as convenções estipuladas entre as partes com vistas à fixação de pensão, presente ou futura, e ao modo de sua prestação. (Dos alimentos. 3. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 117)

É que, in casu, resultou nítido que a intenção dos contratantes com o negócio jurídico celebrado foi a de prover recursos destinados a custear despesas da gestante e a de suprir as necessidades básicas do menor, beneficiando-o por via oblíqua até que viesse à luz, mediante adequada assistência de sua genitora e, uma vez consumado o nascimento com vida, já estando o infante investido na titularidade da pretensão de direito material, passaria este, então, a ser diretamente atingido pelos efeitos positivos da verba alimentar.

Nesse contexto, imperioso destacar que essa circunstância revela que o pagamento da pensão em benefício do nascituro nas condições acima referidas não põe a salvo direitos meramente patrimoniais (CC/2002, art. 2º, par. único), mas sim o próprio direito à vida (CF/88, art. 5º), na medida em que torna efetiva a máxima estabelecida no art. 227 da Carta Política de 1988 (é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde [...]¿), pois a incolumidade física da criança, em muitos aspectos, está indissociavelmente ligada à saúde da genitora durante o período de gestação, vale dizer, a qualidade de vida desta ou sua a ausência repercute diretamente na saúde do concebido, tema este que constitui objeto de constante preocupação do Estado, revelada por meio dos diversos dispositivos infraconstitucionais que determinam a adoção de políticas sociais públicas visando assegurar o bem-estar das gestantes (v.g. ECA, arts. 7, 8, 9 e 10).

Por isso é que, a despeito da controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca de quais direitos poderiam ser reservados ao nascituro, não é desarrazoado considerar que falta de personalidade

Page 62: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

60

material que será adquirida com o nascimento com vida não retira essa espécie de personalidade jurídico formal que a lei confere ao concebido (CC/2002, art. 2º, par. único) e que, conforme visto nos dispositivos acima referidos, alcança mais do que interesses pessoais de ordem moral e patrimonial, visando a estender ao nascituro não a totalidade das prerrogativas outorgadas aos já nascidos, mas apenas os reputados essenciais ao desenvolvimento seguro e saudável, pondo a salvo direitos imprescindíveis à manutenção da vida propter spem nascendi, justamente o fim maior da prestação alimentícia: prover, mediante recursos financeiros, a subsistência da vida.

Possuindo a mesma regra do dever de alimentar concedida ao

já nascido, conforme Yussef Said Cahali, citando também o entendimento de

Oliveira e Cruz:

[...] o maior desses direitos é, sem dúvida o de ser alimentado e tratado para poder viver; assim pode a mãe pedir alimentos para o nascituro, hipótese em que, na fixação, o juiz levará em conta as despesas que se fizerem necessárias para o bom desenvolvimento da gravidez, até o seu termo final, incluindo despesas médicas e de medicamentos.

Em contexto assemelhado, vale transcrever ensinamento de

Pontes de Miranda181:

A obrigação de alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção (Código Civil, arts. 397 e 4), pois, antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recusasse atendimento a tais relações interumanas, solidamente fundadas em exigências de pediatria. (Sob essa perspectiva, portanto, nada há que macule tal estipulação em benefício do menor que, na qualidade de terceiro, tornou-se credor de obrigação alimentar em foco, podendo, assim, exigir seu cumprimento, conforme prescreve o parágrafo único do art. 436 do Código Civil (ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la [...]¿), inclusive das prestações anteriores ao seu nascimento, ressaltando-se que, existindo um direito protetivo assistencial, evidentemente que este não poderia ser exercido antes da vinda à luz do menor senão por intermédio da genitora. De outro lado, após o nascimento com vida, foi o infante investido de legitimidade para postular a satisfação do crédito, na forma da lei, ou seja, representado por sua mãe, sendo, sob esse prisma, permissível a convenção de alimentos visando assegurar a vida intra-uterina, e bem assim o crescimento pós-parto.

181 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. 4. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1974, § 1001, tomo IX, p. 215

Page 63: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

61

Corroborando o exposto, vale colacionar precedente do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Em podendo a obrigação decorrente do direito a alimentos começar antes do nascimento e depois da concepção, têm os pais, mesmo tratando-se de direito personalíssimo, legitimidade para pleiteá-los pelo nascituro, que será indiretamente beneficiado, enquanto se nutrir do sangue de sua mãe, e diretamente após seu nascimento, pois já que o Código Civil coloca a salvo os direitos do nascituro, e não dispõe este ainda de personalidade civil, os legitimados para representá-lo desde a gestação seriam seus pais. (AI n. 2.0000.00.321247-9, Rel. Des. Duarte de Paula, j. em 10.02.2001)

E, por fim:

APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUTORA COM 35 (TRINTA E CINCO) SEMANAS DE GESTAÇÃO. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA E TITULARIDADE DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, EM TERMOS DE LEI SUCESSÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ALTERAÇÃO EX OFFÍCIO DA SENTENÇA A QUO QUE CONDENOU AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO PELO PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DA LEI N. 1.060/50. RECURSO DESPROVIDO.

No que diz respeito ao direito eventual, os direitos do nascituro

ficam sob condição suspensiva, contudo o ordenamento jurídico concede

capacidade para alguns atos não significando que lhe atribuiu personalidade,

podendo citar como exemplo, o direito a indenização de caráter patrimonial,

argumenta a Corte Catarinense que a aquisição de tal direito ficará condicionada, eis

que os pais enquanto o nascituro é sujeito de direitos não possuem direito

sucessório.

"O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3° da Lei n. 6.194/74 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal)" (TJSC; Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. em 29/06/2006).

Page 64: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

62

A Lei n. 6.194/74 em seu artigo 4°, trata dos legitimados a receber a indenização securitária e, dentre eles, encontram-se os herdeiros legais da vítima.

Diante do que dispõe a lei, a discussão acerca do direito dos pais em receber a indenização paira, não sobre o nascituro, mas sobre a questão de ter direito sucessório.

Com efeito, é herdeiro aquele que sucede na totalidade da herança, ou de parte alíquota desta, sem determinação de valor ou individualização de objeto.

Contudo, como destaca Sílvio de Salvo Venosa182:

"para suceder, não basta que alguém invoque a ordem de vocação hereditária ou seu aquinhoamento no testamento. Há certas condições a serem verificadas. A pessoa deve reunir três condições básicas: a) estar viva; b) ser capaz; e c) não ser indigna" (sem grifo no original).

Enquanto sujeito de direitos é incerto que o nascituro nascerá

com vida, que será capaz de dirimir os atos da vida civil e se não será indigno, ou

seja, não reúne as condições para que conceda-se aos seus genitores o direito

sucessório.

Portanto, no caso em apreço, não existe direito de pleitear indenização já que o nascituro não nasceu com vida, não tendo, assim, se tornado herdeiro. Isso porque o nascituro, assim considerado como o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno, conquanto tenha seus interesses legalmente protegidos (artigo 2°, CC/2002), somente adquire personalidade jurídica, tornando-se, portanto, titular de direito, ao nascer com vida.

o nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida. 183.

Isso porque o nascituro, assim considerado como o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno, conquanto tenha seus interesses legalmente protegidos (artigo 2°, CC/2002), somente adquire personalidade jurídica, tornando-se, portanto, titular de direito, ao nascer com vida. Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, o seu direito somente pode ser efetivado do dia de seu nascimento em diante, ficando latente até verificar-se o parto. Dessa maneira, os direitos que se reconhecem

182 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 74. 183 MONTEIRO, Washington Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. pág. 59.

Page 65: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

63

ao nascituro, que ainda não é pessoa, permanecem em estado potencial.184

Por fim, leciona Arnaldo Rizzardo:

"Nascendo morta a criança, não chega a adquirir personalidade. Não recebe e nem transmite direitos. (...) a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Logo, o ser que foi gerado no ventre... não foi capaz de direitos e obrigações na ordem civil, porque não chegou a adquirir essa qualidade que é a personalidade civil; e não chegou porque não teve nascimento com vida".185 (in:).

Em análise aos três julgados não se discute que o nascituro

tenha direito à vida, e não mera expectativa de direito, bem como que seus pais

assim já podem ser considerados antes mesmo do nascimento, bem como se a

criança nascer com vida e logo depois vier a falecer, será considerada sujeito de

direitos ao contrário do natimorto, eis que não adquire personalidade, pois já nasce

sem vida.

Por fim, conclui-se que a jurisprudência catarinense em

conjunto com a legislação civil (art.2°, do Código Civil de 2002), adota a teoria

natalista, sob o fundamento de que o nascituro possui personalidade formal antes do

nascimento e após o nascimento com vida faz jus aos direitos patrimoniais e

obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, adquirindo a personalidade

material.

Do todo, conclui-se que a doutrina possui três teorias: a

concepcionista, a natalista e a da personalidade condicional. A concepcionista

consiste em afirmar que o nascituro adquire a personalidade civil a partir da

concepção, a natalista preconiza que a personalidade civil tem início no nascimento

com vida e a da personalidade condicional discrepa que o nascituro é sujeito de

direitos, porém fica condicionado ao nascimento com vida.

184 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 340.115-4/0. Rel. Des. SILVÉRIO RIBEIRO. 185 A reparação nos acidentes de trânsito: Lei 9.503/97. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. pág. 230.

Page 66: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho de monografia verificou-se que o

silêncio do legislador em algumas ocasiões, possibilitou a formação de três

correntes para explicar o início da personalidade civil.

As três hipóteses foram confirmadas, senão vejamos:

Primeiramente, vale ressaltar que o nascituro teve uma

considerável evolução histórica a título de exemplos cita-se o direito romano, no qual

o nascituro para ser considerado perfeito eram necessários quatro elementos

(separação da mãe, completa separação, vida do neonato após a separação e

natureza humana), na época de Justiniano o feto era considerado uma porção da

mãe, doravante na Idade Média era necessário que o feto apresentasse movimentos

para indicar uma vida própria.

A primeira hipótese foi confirmada, entretanto na atual

concepção de nascituro, entende-se por um ser já concebido e ainda não nascido

sendo ele autônomo, possuindo, inclusive, uma carga genética própria embora

herde gens de seus genitores, ou seja, o nascituro é uma pessoa distinta de sua

genitora, não sendo parte de seu corpo.

A segunda hipótese de igual forma foi confirmada, no que diz

respeito aos direitos inerentes ao nascituro, constatou-se que tais direitos: o direito à

vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos

[...]; a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus

interesses em caso de incapacidade de seus genitores [...], de recebe herança [...], a

ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho, entre

outros, são assegurados desde a concepção.

Todavia, os direitos patrimoniais ficam em condição suspensiva

ao nascimento com vida, eis que o nascituro não reúne as condições necessárias

para fazer jus a esses direitos. Como por exemplo, ao direito sucessório, para

pleitear tal direito exige-se a legislação pátria que seja pessoa vida, possua

Page 67: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

65

capacidade civil e não seja indigna e apenas como sujeito de direitos o nascituro não

reúne essa exigências.

E a terceira hipótese, por sua vez, também foi confirmada, no

tocante ao início da personalidade civil divide-se a doutrina brasileira em três

correntes: a teoria concepcionista, que alega ser a concepção o termo inicial da

personalidade civil, a teoria natalista que sustenta ser o nascimento com vida o inicio

da personalidade civil e a teoria da personalidade condicional que preconiza ser o

nascimento com vida o termo inicial da personalidade civil, contudo os direitos

inerentes ao nascituro ficam numa condição suspensiva até o nascimento com vida.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina,discrepa que a teoria mais relevante e a adotada é a teoria natalista, haja

vista, só depois do nascimento com vida o nascituro adquirir a personalidade

material, antes deste evento apenas é consagrado pela personalidade formal,

possuindo a pretensão de adquirir direitos não patrimoniais.

No meu ponto de vista, a teoria mais adequada é a

concepcionista, no sentido que, se o embrião possuí carga genética própria, mesmo

mantendo relação de dependência com a mãe é autônomo, e, se os crimes contra o

feto estão previstos no capítulo de crime contra a pessoa, bem como se o Código

Civil põe a salvo os seus direitos desde a concepção o nascituro é pessoa

biologicamente e juridicamente, não podendo condicionar ao nascimento com vida

para a aquisição de sua personalidade. Devendo tão-somente resguardar os direitos

patrimoniais para após o evento do nascimento com vida.

Page 68: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.

ALVES, João Luiz. Código Civil anotado. Rio de Janeiro: F.Briguiet, 1917.

BITTAR, Carlos Alberto. O direito de família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2002.

CHAVES, Benedita Inez Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v. 1. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

COSTA, Leôncio Paulo da. Adoção de Nascituros: discussão doutrinária no direito positivo brasileiro.Dissertação (mestrado). Univali.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2003.

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 61 ed. São Paulo: Saraiva, 1975.

FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988.

GANGLIANO, Paulo Solze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v. 1.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GIORGIS, José Carlos Teixeira. Adoção do nascituro. disponível em: www.ibdfam.org.br. acesso em 06.04.2010.

GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. Belo Horizonte: 2006. p.143.

GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro : Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. v. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Page 69: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

67

GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: limonad, 1995.

LEAL, Câmara. Manual elementar de Direito Civil; introdução, parte geral e Direito de Família. v. 1.São Paulo: Livraria Acadêmica, 1930.

LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LOPES, Benedita Inez . A Tutela Jurídica do Nascituro. São Paulo:LTr,2000.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2 ed. Campinas: Bookseller. 2003. t. 1.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. t IX.

MONTEIRO, Washington Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas. 2002.

NASCIMENTO, Sandy Cabral Gusmão. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro, direção J.M.Carvalho Santos. Rio de Janeiro: Borsoi. v. 34 p.9-14.

NORBIM, Luciano Dalvi. O direito do nascituro à personalidade civil. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

OLIVEIRA, José Sebastião de; QUEIROZ, Meire Cristina. a tutela dos direitos do nascituro e o biodireito. www.conpedi.org/manaus/arquivos /anais/ brasilia/ 11_378 .pdf. acesso em 06.04.2010.

PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008.

PEREIRA, Caio Mario da Silva.Instituições de Direito Civil:Direito de Família. V.5.16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

PINHEIRO, Waldomiro Vanelle. Teoria Geral do Direito Civil. Frederico Westphalen: URI, 1997.

RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 2 ed. São Paulo: Resenha Univesitária,1978.

REIS, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito: Lei 9.503/97. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 3 ed. São Paulo: Mas lIminas,1967.

Page 70: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

68

SANTOS, Carvalho. Código Civil interpretado: Direito das obirgações. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Batos.1955.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Direito Civil. v. 6. 5 ed., São Paulo: Atlas, 2005.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: parte geral. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

VIVIANI, Maury Roberto. Aspectos controvertidos do crime de aborto a autorização judicial e o conflito de direitos fundamentais da gestante e do nascituro. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2000, Dissertação. Direito.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: parte geral. v. 1. São Paulo: 1999.

Page 71: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

69

ANEXOS

Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma.

Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato.

CIVIL AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) ACIDENTE DE VEÍCULO AUTORA QUE EM DECORRÊNCIA DO SINISTRO SOFRE ABORTO GESTAÇÃO NO SEXTO MÊS NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 3º DA LEI 6.194/74 (MORTE DE PESSOA DECORRENTE DE ACIDENTE COM VEÍCULO AUTOMOTOR) SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO.

O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74 (seguro obrigatório para o beneficiário da vítima fatal).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.039028-9, da Comarca de Criciúma (2ª Vara Cível), em que é apelante Rosângela Pedro e apelada Real Seguros S/A:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

I RELATÓRIO:

Rosângela Pedro ajuizou ação de cobrança em face de Real Seguros S/A pretendendo, em síntese, o recebimento da quantia de R$ 10.300,00 correspondente ao valor do seguro obrigatório (DPVAT) em face do acidente de trânsito que sofreu em 14.2.1999, o qual ocasionou o aborto de seu feto, que contava Rosângela Pedro ajuizou ação de cobrança em face de Real Seguros S/A pretendendo, em síntese, o recebimento da quantia de R$ 10.300,00 correspondente ao valor do seguro obrigatório (DPVAT) em face do acidente de trânsito que sofreu em 14.2.1999, o qual ocasionou o aborto de seu feto, que contava à época com 6 (seis) meses de existência. Em contestação (fls. 48/54), a ré aduziu, em suma, que o nascituro não é pessoa de direito, pois a personalidade civil só começa com o nascimento com vida. Sustentou ainda que, com o aborto, o nascituro não adquiriu direitos além dos garantidos à condição em que se encontrava, sendo fato impeditivo para o recebimento do valor

Page 72: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

70

pleiteado a título de seguro obrigatório. Apresentada réplica (fls. 76/84), o MM. Juiz de Direito julgou antecipadamente o feito (fls. 89/91), tendo assim consignado no dispositivo da sentença:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na AÇÃO DE COBRANÇA aforada por ROSÂNGELA PEDRO em face de REAL SEGUROS S.A., ficando a autora condenada no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 800,00, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC, ficando suspensa a cobrança em face encontrar-se a mesma protegida sob o pálio da justiça gratuita.

Irresignada com o veredicto, a parte sucumbente interpôs recurso de apelação (fls. 96/105), no qual reedita os argumentos expendidos na petição inicial, notadamente a tese de que o feto natimorto tem personalidade civil apta a garantir o recebimento do seguro obrigatório.

A apelada apresentou contra-razões (fls. 111/117) pela manutenção do decisum.

II VOTO:

O Código Civil de 2002, em seu artigo 2º, dispõe que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A priori, cabe ressaltar que o estudo do tema sobre a personalidade ou não do nascituro está longe do fim. Muito embora existam doutrinadores (Teixeira de Freitas e Silmara Juny de Abreu Chinelato Almeida) que advogam a tese de que a personalidade civil da pessoa existe desde a sua concepção, compartilha este julgador da doutrina natalista, no sentido de que o ser humano somente adquire personalidade com o nascimento, desde que seja com vida, ainda que assegurados alguns direitos e prerrogativas anteriores à vinda à luz.Para Pontes de Miranda, o nascituro seria o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida (Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas, Borsoi, 1954, p. 166).Sobre a personalidade civil, disserta Sílvio de Salvo Venosa: a questão do início da personalidade tem relevância porque, com a personalidade, o homem se torna sujeito de direitos. [..] Verificamos o nascimento com vida por meio da respiração. Se comprovarmos que a criança respirou, então houve nascimento com vida. Nesse campo, o Direito vale-se dos ensinamentos da Medicina. [...] Se a criança nascer com vida e logo depois vier a falecer, será considerada sujeito de direitos. Tal prova, portanto, é importante, mormente para o direito sucessório, pois a partir desse fato pode receber herança e transmiti-la a seus sucessores [...]. O nascituro é um ente já concebido que se distingue daquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo de uma prole eventual; isso faz pensar na noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade para o que nem ainda foi concebido [...]. Sob o prisma do direito eventual, os direitos do nascituro ficam sob condição suspensiva. [...] O fato de o nascituro ter proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. O fato de ter ele capacidade para alguns atos não significa que o ordenamento lhe atribuiu personalidade. [...] Está só advém do nascimento com vida (Direito Civil: Parte Geral, Atlas, 2003, p. 160/161 sem grifos no original).Também

Page 73: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

71

para o saudoso mestre Orlando Gomes, Também para o saudoso mestre Orlando Gomes, a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que o concebido nasça vivo. O natimorto não adquire personalidade. Entende-se que alguém nasceu com vida quando respirou. Se viveu ou não é questão que só se resolve mediante perícia médico-legal (Introdução ao Direito Civil, Forense, 2001, p. 141 sem grifos no original). Com relação aos direitos dos nascituros, pondera Maria Helena Diniz: Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro [...], como o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos [...]; a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores [...], de recebe herança [...], a ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n.º 1.046/89, n.º 7, do Conselho da Europa), passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT 593:258) e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, § 3º). Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial e obrigacional terá (Código Civil Anotado, Saraiva, 2003, p. 7 sem grifos no original).

Nesse sentido, colhe-se os seguintes precedentes:

CIVIL. NASCITURO. Proteção de seu direito, na verdade proteção de expectativa, que se tornara direito, se ele nascer vivo. venda feita pelos pais a irmã do nascituro. as hipóteses previstas no código civil, relativas a direitos do nascituro, são exaustivas, não os equiparando em tudo ao já nascido (RE n.99.038, Min. Francisco Rezek).Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, o seu direito somente pode ser efetivado do dia de seu nascimento em diante, ficando latente até verificar-se o parto. Dessa maneira, os direitos que se reconhecem ao nascituro, que ainda não é pessoa, permanecem em estado potencial (TJSP, AC n. 340.115-4/0, Des. Silvério Ribeiro).

Destarte, conquanto lamentável a situação vivenciada pela apelante, não há como prosperar a tese de que teria direito à percepção da indenização do seguro DPVAT por morte em razão do aborto que sofreu.

É que, uma vez adotada a premissa acima delineada de que o natimorto nunca adquiriu personalidade civil, inexoravelmente não há como se admitir a ocorrência do fato jurídico previsto no art. 3º da Lei 6.194/74 (acidente de trânsito com morte de pessoa).

Neste norte:

SEGURO OBRIGATÓRIO. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Pagamento na sua totalidade por ter havido o reembolso das despesas hospitalares Cobrança de diferenças de indenização por filha da vítima. Descabimento Invalidez parcial

Page 74: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

72

caracterizada, sendo indevida a indenização à mãe pela morte do feto, pois o nascituro não nasceu com vida para lhe gerar direito Ação improcedente. Recurso não provido (TACívSP, AI n. 1.094.802-8, Juiz Cyro Antonio Facchini Ribeiro de Souza sem o grifo no original). SEGURO OBRIGATÓRIO. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Perda de filho em razão de interrupção da gestação, por aborto decorrente do aludido acidente. Aquisição da personalidade jurídica, pelo nascituro, somente com o nascimento com vida. Cobrança improcedente. Recurso desprovido. Voto vencido¿ (TACívSP, 1 Rec, n.1.224.297-0, Juiz Paulo Roberto Grava Brazil). RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE DE NASCITURO. Prêmio de seguro obrigatório. Inviabilidade do pedido em face do nosso direito não lhe conferir personalidade civil. Dado provimento ao recurso (TJDF, AC n. 2000.011.004.499-5, Des. João Timóteo de Oliveira).

Pelas razões acima expostas, vota-se pelo desprovimento do recurso.

III DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, negaram provimento ao recurso. Participou do julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 29 de junho de 2006.

Fernando Carioni

PRESIDENTE COM VOTO

Marcus Tulio Sartorato

RELATOR

Apelação Cível n. 2006.044219-6, de Navegantes.

Relator:a: Desa. Salete Silva Sommariva.

APELAÇÃO CÍVEL EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL AJUSTE DE ALIMENTOS ESTIPULAÇÃO DO QUANTUM E DATA DE PAGAMENTO POSSIBILIDADE AUSÊNCIA DE RENÚNCIA AO DIREITO COBRANÇA DE PARCELAS VENCIDAS ANTERIORMENTE AO NASCIMENTO DO ALIMENTANDO VIABILIDADE MÁXIMA CONSTITUCIONAL VISANDO RESGUARDAR A QUALIDADE DE VIDA E O BEM-ESTAR DA GESTANTE (CF/88, ART. 227) REPERCUSSÃO DA ASSISTÊNCIA EM BENEFÍCIO DO NASCITURO EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO REQUISITOS PREENCHIDOS (CPC, ART. 585, II) SENTENÇA TERMINATIVA CASSADA. I - Em se tratando de alimentos, sem embargo da vedação legal à realização de negócio jurídico que implique em renúncia a esse direito (CC/2002, art. 1.707),

Page 75: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

73

admite-se a transação no tocante ao valor da obrigação alimentar, porquanto inexiste qualquer dispositivo legal definindo um quantum mínimo a ser destinado pelo alimentante em benefício do filho, podendo as partes estabelecer este patamar em limite razoável, sem que isso redunde em abdicação à prerrogativa de alimentos a que faz jus o menor. II - Obrigando-se o cônjuge varão, por meio de instrumento particular firmado com a genitora, a pagar pensão em benefício do filho quando este ainda não havia nascido, pode o infante, após o parto, devidamente representado, exigir a satisfação da obrigação alimentar devida (CC/2002, art. 436), inclusive daquelas parcelas vencidas antes de seu nascimento. É que, in casu, resultou nítido que a intenção dos contratantes com o negócio jurídico celebrado foi a de prover recursos destinados a custear despesas da gestante e a de suprir as necessidades básicas do menor, beneficiando-o, por via oblíqua, até que viesse à luz, mediante adequada assistência de sua genitora, e uma vez consumado o nascimento com vida, já estando o infante investido na titularidade da pretensão de direito material, passaria este, então, a ser diretamente atingido pelos efeitos positivos da verba alimentar, o que, aliás, vem ao encontro da máxima estabelecida no art. 227 da Carta Política de 1988 (¿é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde [...]¿), pois a incolumidade física da criança, em muitos aspectos, está indissociavelmente ligada à saúde da genitora durante o período de gestação, vale dizer, a qualidade de vida desta ou sua a ausência repercute diretamente na saúde do concebido. Assim, não é desarrazoado considerar que a falta de personalidade material ¿ que será adquirida com o nascimento com vida ¿ não retira essa espécie de personalidade jurídico formal que a lei confere ao concebido (CC/2002, art. 2º, § único) e que, conforme visto nos dispositivos acima referidos, alcança mais do que interesses pessoais de ordem moral e patrimonial, visando a estender ao nascituro não a totalidade das prerrogativas outorgadas aos já nascidos, mas apenas as reputadas essenciais ao desenvolvimento seguro e saudável, pondo a salvo direitos essenciais à manutenção da vida propter spem nascendi. III - A convenção firmada entre os genitores do menor, subscrita por duas testemunhas, é dotada de plena exeqüibilidade, porquanto estabelece obrigação incondicionada de pagamento de quantia específica em momento certo, revestindo-se de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução (CPC, arts. 586 c/c 585, II).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2006.044219-6, da Comarca de Navegantes (Vara Única), em que é apelante L. H. S., menor impúbere, representado por sua genitora R. P. dos S., menor púbere, assistida por sua mãe R. P. C. dos S., sendo apelado C. S.:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso para, cassando a sentença terminativa, determinar que o processo retome seu curso normal no juízo a quo, sendo inaplicável, in casu, o

Page 76: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

74

disposto no art. 515, § 3º, do CPC, vez que a causa não se encontra em condições para a imediata apreciação.

Custas na forma da lei. I RELATÓRIO: L. H. S., menor impúbere, representado por sua genitora R. P. dos S., menor púbere assistida por sua mãe R. P. C. dos S. ajuizou ação de execução por quantia certa contra devedor solvente (autos n. 135.06.003280-8) em face de C. S., pretendendo à satisfação da quantia de R$3.730,61 (três mil, setecentos e trinta reais e sessenta e um centavos), lastrando a pretensão expropriatória em ¿Termo de Responsabilidade¿ firmado pelo devedor, por meio do qual este se comprometeu a destinar mensalmente 35% (trinta e cinco por cento) de seus proventos ao pagamento de pensão alimentícia a seu filho, requerendo, por fim, a concessão da assistência judiciária gratuita. Recebida a inicial, o magistrado a quo deferiu a assistência judiciária gratuita e extinguiu o feito sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI), ao fundamento da iliquidez, incerteza e inexigibilidade do título que lastreia a execucional, ante o fato de ser inviável a fixação de alimentos por meio de instrumento particular, bem como por não ter o exeqüente participado da negociação, sendo parte ilegítima para cobrar o suposto crédito. Diante disso, o juiz sentenciante impôs o ônus sucumbencial sobre o exeqüente, sobrestando a exigência do encargo face a concessão da benesse da Lei n. 1.060/50 (fls. 12/13). Irresignado, a tempo e modo, o exeqüente apelou (fls. 16/22), pugnando pela reforma da sentença sob a alegação de que o contrato estipulando alimentos foi celebrado por seus genitores em seu benefício, o que lhe confere legitimidade ativa para figurar como exeqüente, ressaltando inexistir qualquer irregularidade apta a obstar o prosseguimento da lide expropriatória, porquanto lastrada em título executivo extrajudicial. Recebido o recurso e dispensada a intimação da parte adversa, ante a não angularização da relação processual, os autos ascenderam a este egrégio Tribunal. Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Sérgio Antônio Rizelo, que opinou pelo provimento do recurso para que fosse reformada a deliberação de primeiro grau e determinado o prosseguimento da lide expropriatória de forma célere. II VOTO: Presentes os pressupostos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento do recurso por este órgão julgador, passando-se à análise das questões deduzidas nas razões recursais. O apelante, em seu arrazoado recursal, pugna pela cassação da deliberação a quo para que seja dado regular andamento ao feito execucional, firmando-se na

Page 77: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

75

premissa de que a ação está lastrada em título executivo extrajudicial constituído de acordo com as formalidades legais (CPC, art. 585, II), sendo plenamente viável fundar a demanda expropriatória em instrumento particular em que o devedor e a genitora ajustaram os alimentos em benefício do menor exeqüente. O fundamento da sentença que extinguiu a lide sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI) firmou-se na premissa de que o título extrajudicial em que embasada a execucional é ilíquido, incerto e inexigível, entendendo o togado de primeiro grau ser inviável a fixação de alimentos por meio de acordo não homologado judicialmente, principalmente ante o fato de a estipulação ser entabulada sem a presença do exeqüente. O equacionamento da controvérsia depende, portanto, da verificação acerca da possibilidade jurídica de os genitores formularem transação extrajudicial estipulando alimentos em benefício de menor impúbere, bem como da aferição quanto à eficácia do instrumento particular em que firmado referido acordo, no sentido de amparar procedimento expropriatório. De início, cumpre ressaltar que, não obstante as partes sejam livres para estabelecerem direitos e obrigações mutuamente, a ordem jurídica pátria impõe, além das formalidades exigidas por lei (CC/2002, art. 104, I, II e III), restrições específicas no tocante à realização de negócios jurídicos, determinando expressamente que de início, cumpre ressaltar que, não obstante as partes sejam livres para estabelecerem direitos e obrigações mutuamente, a ordem jurídica pátria impõe, além das formalidades exigidas por lei (CC/2002, art. 104, I, II e III), restrições específicas no tocante à realização de negócios jurídicos, determinando expressamente que só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação (CC/2002, art. 841), fazendo-se imprescindível a intervenção estatal nas contendas em que o objeto do litígio alcance direitos patrimoniais não incluídos no âmbito da disponibilidade. Isto quer dizer que a faculdade de transacionar se limita às relações de caráter puramente patrimonial, não podendo abranger direitos indisponíveis (por exemplo, o estado da pessoa e o direito de família) demandam de autorização judicial e da participação do órgão do Ministério Público. Entretanto, cumpre não perder de perspectiva que, em se tratando de alimentos, sem embargo da vedação legal à realização de negócio jurídico que implique em renúncia a esse direito (CC/2002, art. 1.707), é permitida a transação no tocante ao valor da obrigação alimentar, porquanto inexiste qualquer dispositivo legal definindo um quantum mínimo a ser destinado pelo alimentante em benefício do filho, podendo as partes estabelecer este patamar em limite razoável, sem que isso redunde em abdicação à prerrogativa de alimentos a que faz jus o menor (cf. VENOSA, Silvio Salvo de. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. II, p. 284). Essa mesma percepção do tema é revelada pelo magistério de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: Da mesma forma, o direito de alimentos é insuscetível de transação. Nada impede, porém, que haja concessões recíprocas quanto ao valor devido desde que não importe em renúncia - até mesmo pelo fato de que não há preceito legal

Page 78: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

76

estabelecendo qual o valor mínimo necessário para a contribuição de alguém para o sustento de outrem¿. (Novo Curso de Direito Civil Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2006, v. II, p. 205). No mesmo sentido, leciona Yussef Said Cahali: [...] embora seja indisponível o direito aos alimentos devidos por lei, consideram-se perfeitamente válidas as convenções estipuladas entre as partes com vistas à fixação de pensão, presente ou futura, e ao modo de sua prestação. (Dos alimentos. 3. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 117) Dessa forma, reputa-se lícita a estipulação extrajudicial de alimentos na forma entabulada entre os genitores do exeqüente, uma vez que, ao estabelecerem pensão mensal na razão de 35% (trina e cinco por cento) dos proventos do devedor em benefício do menor, não afrontaram o art. 1.707 do Código Civil, porquanto apenas exerceram a faculdade de definir quanto da remuneração seria destinado à mantença do filho antes e depois de seu nascimento, não caracterizando qualquer renúncia à verba alimentar. Ainda em relação à validade do acordo extrajudicial firmado entre os genitores do exeqüente, há que se frisar que a ausência do menor quando da formalização da avença não acarreta qualquer prejuízo, e tampouco impede este de postular em juízo a satisfação do crédito decorrente da transação. Isso porque, obrigando-se o cônjuge varão, por meio de instrumento particular, a pagar pensão em benefício do filho quando este ainda não havia nascido (seis meses antes), pode o infante, após o parto, devidamente representado, exigir a satisfação da obrigação alimentar devida (CC/2002, art. 436), inclusive daquelas parcelas vencidas antes de seu nascimento. É que, in casu, resultou nítido que a intenção dos contratantes com o negócio jurídico celebrado foi a de prover recursos destinados a custear despesas da gestante e a de suprir as necessidades básicas do menor, beneficiando-o por via oblíqua até que viesse à luz, mediante adequada assistência de sua genitora e, uma vez consumado o nascimento com vida, já estando o infante investido na titularidade da pretensão de direito material, passaria este, então, a ser diretamente atingido pelos efeitos positivos da verba alimentar. Nesse contexto, imperioso destacar que essa circunstância revela que o pagamento da pensão em benefício do nascituro nas condições acima referidas não põe a salvo direitos meramente patrimoniais (CC/2002, art. 2º, par. único), mas sim o próprio direito à vida (CF/88, art. 5º), na medida em que torna efetiva a máxima estabelecida no art. 227 da Carta Política de 1988 (é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde [...]), pois a incolumidade física da criança, em muitos aspectos, está indissociavelmente ligada à saúde da genitora durante o período de gestação, vale dizer, a qualidade de vida desta ou sua a ausência repercute diretamente na saúde do concebido, tema este que constitui objeto de constante preocupação do Estado, revelada por meio dos diversos dispositivos infraconstitucionais que determinam a

Page 79: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

77

adoção de políticas sociais públicas visando assegurar o bem-estar das gestantes (v.g. ECA, arts. 7, 8, 9 e 10). Por isso é que, a despeito da controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca de quais direitos poderiam ser reservados ao nascituro, não é desarrazoado considerar que falta de personalidade material ¿ que será adquirida com o nascimento com vida não retira essa espécie de personalidade jurídico formal que a lei confere ao concebido (CC/2002, art. 2º, par. único) e que, conforme visto nos dispositivos acima referidos, alcança mais do que interesses pessoais de ordem moral e patrimonial, visando a estender ao nascituro não a totalidade das prerrogativas outorgadas aos já nascidos, mas apenas os reputados essenciais ao desenvolvimento seguro e saudável, pondo a salvo direitos imprescindíveis à manutenção da vida propter spem nascendi, justamente o fim maior da prestação alimentícia: prover, mediante recursos financeiros, a subsistência da vida. No tocante aos direitos dos nascituros, considera Maria Helena Diniz: Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro [...], como o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos [...]; a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores [...], de recebe herança [...], a ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n.º 1.046/89, n.º 7, do Conselho da Europa), passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT 593:258) e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, § 3º). Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial e obrigacional terá¿ (Código Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 7) Yussef Said Cahali, citando também o entendimento de Oliveira e Cruz consignado na obra Dos Alimentos, registra que, no tocante aos direitos do nascituro: "[...] o maior desses direitos é, sem dúvida o de ser alimentado e tratado para poder viver; assim pode a mãe pedir alimentos para o nascituro, hipótese em que, na fixação, o juiz levará em conta as despesas que se fizerem necessárias para o bom desenvolvimento da gravidez, até o seu termo final, incluindo despesas médicas e de medicamentos". (Dos alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 552) Em contexto assemelhado, vale transcrever ensinamento de Pontes de Miranda: "A obrigação de alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção (Código Civil, arts. 397 e 4), pois, antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recusasse atendimento a tais relações interumanas, solidamente

Page 80: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

78

fundadas em exigências de pediatria". (Tratado de Direito Privado. Parte Especial. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, § 1001, tomo IX, p. 215) Sob essa perspectiva, portanto, nada há que macule tal estipulação em benefício do menor que, na qualidade de terceiro, tornou-se credor de obrigação alimentar em foco, podendo, assim, exigir seu cumprimento, conforme prescreve o parágrafo único do art. 436 do Código Civil (¿ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la [...]¿), inclusive das prestações anteriores ao seu nascimento, ressaltando-se que, existindo um direito protetivo assistencial, evidentemente que este não poderia ser exercido antes da vinda à luz do menor senão por intermédio da genitora. De outro lado, após o nascimento com vida, foi o infante investido de legitimidade para postular a satisfação do crédito, na forma da lei, ou seja, representado por sua mãe, sendo, sob esse prisma, permissível a convenção de alimentos visando assegurar a vida intra-uterina, e bem assim o crescimento pós-parto. Corroborando o exposto, vale colacionar precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Em podendo a obrigação decorrente do direito a alimentos começar antes do nascimento e depois da concepção, têm os pais, mesmo tratando-se de direito personalíssimo, legitimidade para pleiteá-los pelo nascituro, que será indiretamente beneficiado, enquanto se nutrir do sangue de sua mãe, e diretamente após seu nascimento, pois já que o Código Civil coloca a salvo os direitos do nascituro, e não dispõe este ainda de personalidade civil, os legitimados para representá-lo desde a gestação seriam seus pais. (AI n. 2.0000.00.321247-9, Rel. Des. Duarte de Paula, j. em 10.02.2001) Ultrapassada essa questão, resta saber se o documento com que o credor ampara a lide expropriatória constitui título hábil para esse fim. Nesse sentido, oportuno gizar que o apelante ajuizou ação de execução por quantia certa, lastrando a pretensão expropriatória em título executivo extrajudicial instrumento particular subscrito pelo devedor e por duas testemunhas, na forma do art. 646 e seguintes da lei adjetiva civil. Com efeito, o diploma legal em apreço confere eficácia executiva a determinados documentos particulares, ainda que não derivados de sentença ou acordo judicial, desde que contenham os elementos formais exigidos para a aferição da certeza, liquidez e exigibilidade, conforme preconiza o caput do art. 586 do CPC, estando os instrumentos reputados títulos extrajudiciais elencados no art. 585 do CPC, o qual, em seu inciso II prescreve: Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (...) II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas; o instrumento de

Page 81: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

79

transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores. (grifo nosso) Cândido Rangel Dinamarco descreve os documentos particulares configurados como títulos executivos: São documentos particulares dotados de eficácia executiva os escritos feitos e assinados pelo autor de uma declaração, ou somente assinados por ele, embora feitos por outrem e por conta de quem assinou e, ao assinar, reconheceu-se a si próprio como sendo um devedor (...); em qualquer das hipóteses, será sempre um sujeito a manifestar a vontade de assumir uma obrigação e a promessa de cumpri-la. Haverá a executividade instituída pelo art. 585, inc. II, do Código de Processo Civil, qualquer que seja a natureza da obrigação, mas desde que presentes os requisitos da certeza e da liquidez (...). (Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004, v. IV. p. 275). Em atenção ao dispositivo infraconstitucional acima aludido, esta corte já assentou em diversos julgados que o instrumento particular firmado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas possui eficácia executiva e constitui título extrajudicial (cf. AC n. 2003.016684-0, da Capital, Rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 14.12.2006; AC n. 2003.025630-0, de Rio do Sul, j. em 09.11.2006; e, AI n. 2002.023913-0, de Xanxerê, Rel. Des. Fernando Carioni, DJ 06.03.03). E, no caso em enfrentamento, uma vez constatada a possibilidade de transação em relação ao valor da verba alimentar, torna-se despicienda a homologação judicial, porquanto os genitores confeccionaram documento particular em que se convencionou o pagamento de alimentos em benefício do ora exeqüente, dentre outras obrigações, estando esse instrumento devidamente assinado por 02 (duas) testemunhas (fl. 11), de sorte a não remanescer dúvida quanto à natureza de título executivo extrajudicial, subsumindo-se, portanto, às hipóteses constantes no art. 585, II do CPC, mormente por trazer em suas cláusulas o expresso reconhecimento do devedor de pagar importância certa em prazo determinado. Desse modo, o acordo firmado entre os pais do apelante é dotado de plena exeqüibilidade, porquanto estabelece obrigação incondicionada de pagamento de quantia específica em momento certo, revestindo-se de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução. Concernente à matéria, elencam-se precedentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AÇÃO DE EXECUÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA FUNDADA EM ACORDO EXTRAJUDICIAL - HOMOLOGAÇÃO EM JUÍZO - DESNECESSIDADE - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL ELENCADO NO ART. 585, II, DO CPC - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. O acordo extrajudicial firmado pelos genitores da autora acerca do reconhecimento e dissolução da sociedade de fato, partilha dos bens do casal e pensão alimentícia destinada à filha menor constitui título executivo extrajudicial, vez que elencado nas hipóteses previstas no art. 585, II, do CPC, sendo, portanto, documento hábil a embasar a ação de execução.¿ (AC

Page 82: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

80

n. 1.0035.03.017599-2/001, Rel. Des. José Domingues Ferreira Esteves, j. em 19.10.2004) Nesse mesmo quadrante: Execução de alimentos. Acordo extrajudicial. Título executivo. Estipulação em favor de terceiro. Menor beneficiária. Legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação, independentemente de homologação judicial da convenção celebrada por seus genitores. Apelação provida para cassar a sentença e determinar o prosseguimento do feito. (AC n. 1.0000.00.206747-8/000, Rel. Des. José Francisco Bueno, DJ 11.05.2001) Ainda: Pensão alimentícia. Contrato particular. Possibilidade. Exeqüibilidade. Não havendo empecilho legal à contratação de alimentos, por instrumento particular, legítimo é o ajuizamento de processo de execução contra o devedor inadimplente. (AC n. 1.0000.00.145727-4/000, Rel. Des. Pinheiro Lago, DJ 18.08.2000) Por derradeiro, registre-se que a exigência de título executivo judicial ocorre somente quando a contenda expropriatória for proposta na forma do art. 732 e seguintes do CPC, não sendo este o caso da hipótese em exame, na qual, conforme assentado alhures, o credor deflagrou a ação executiva nos termos do art. 646 e seguintes do CPC, amparada em título extrajudicial. Nesse norte, achando-se a execução aparelhada com título executivo hábil a lastrar a ação de execução por quantia certa proposta em face de devedor solvente, a presente ação preenche todos os pressupostos processuais e condições da ação (CPC, arts. 614, I, e 585, II), razão pela qual merece provimento o recurso para que, anulada a sentença desafiada, o processo retome seu curso normal no juízo a quo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, vez que a causa não se encontra em condições para a imediata apreciação. À vista do exposto, o voto é no sentido de dar provimento ao recurso para, cassando a sentença extintiva da lide ante o reconhecimento da executoriedade do título, determinar que o processo retome seu curso normal no juízo a quo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, vez que a causa não se encontra em condições para a imediata apreciação. III - DECISÃO: Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, dar provimento ao recurso para, cassando a sentença extintiva da lide ante o reconhecimento da executoriedade do título, determinar que o processo retome seu curso normal no juízo a quo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, vez que a causa não se encontra em condições para a imediata apreciação. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni e Marcus Tulio Sartorato.

Page 83: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

81

Florianópolis, 17 de abril de 2007. Fernando Carioni PRESIDENTE COM VOTO Salete Silva Sommariva RELATORA Apelação Cível n. 2008.014362-7, de Chapecó

Relator: Juiz Henry Petry Junior

APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUTORA COM 35 (TRINTA E CINCO) SEMANAS DE GESTAÇÃO. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA E TITULARIDADE DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, EM TERMOS DE LEI SUCESSÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ALTERAÇÃO EX OFFÍCIO DA SENTENÇA A QUO QUE CONDENOU AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO PELO PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DA LEI N. 1.060/50. RECURSO DESPROVIDO.

"O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3° da Lei n. 6.194/74 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal)" (TJSC; Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. em 29/06/2006).

"Não há que se cogitar de prequestionamento, quando toda a matéria posta em juízo foi suficientemente debatida e equacionada, não evidenciando a postulante recursal os pontos do `decisum’ que teriam acarretado violação de dispositivos de lei" (TJSC; Apelação cível n. 2006.017793-8, de Blumenau. Rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, j. em 03/05/2007)."

"Deferido o pedido de assistência judiciária, dada a presumida insuficiência de recursos do beneficiário, a condenação deste aos ônus de sucumbência fica suspensa enquanto perdurar sua incapacidade financeira, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos, conforme preceitua o artigo 12 da Lei n. 1.060/50" (TJSC; Apelação Cível n. 2006.028342-0, de Chapecó. Rel. Des. FERNANDO CARIONI, j. em 28/11/2006).

Page 84: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

82

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.014362-7, da comarca de Chapecó (2ª Vara Cível), em que são apelantes Nivaldo da Silva e Marcia Regina da Silva, e apelada Liberty Seguros S/A:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso, negando-lhe provimento e suspendendo a exigibilidade da cobrança dos honorários advocatícios pelo prazo de 5 (cinco) anos. Custas legais.

RELATÓRIO

1. A ação

Na comarca de Chapecó, NIVALDO DA SILVA e MARCIA REGINA DA SILVA, ajuizaram ação de indenização do seguro obrigatório DPVAT em face de LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A., pretendendo, em síntese, o recebimento da quantia de R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), correspondente ao valor do seguro obrigatório (DPVAT) em face do acidente de trânsito que sofreram em 13/09/2003, o qual ocasionou o aborto do feto da autora, que contava à época com 35 (trinta e cinco) semanas de gestação.

Requereram a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Adequadamente processado o pleito, houve apresentação de contestação (fls. 30/38), impugnação à contestação (fls. 66/83), e audiência de conciliação (fl.103), sobreveio decisão.

2. A sentença

No ato compositivo da lide (fls. 105/110), em 23/01/2008, o magistrado a quo, Juiz Rogério Carlos Demarchi, decidindo antecipadamente a lide, julgou improcedente o pedido dos autores, com fulcro no artigo 269, inciso I, do CPC. Condenou, ainda, os autores ao pagamento de honorários advocatícios, estes na importância de R$ 500,00 (quinhentos reais), bem como ao pagamento das custas processuais.

3. O recurso

Irresignados com o veredicto, as partes sucumbentes interpuseram recurso de apelação (fls. 113/124), no qual reeditam os argumentos expendidos na petição inicial, notadamente a tese de que o feto natimorto tem personalidade civil apta a garantir o recebimento do seguro obrigatório. Requerem esclarecimentos acerca do artigo 3°, da Lei 6.194/74; e arts. 2°, 542, 794, 1.609 e 1.779 do CC/2002, bem como a manutenção do benefício da justiça gratuita.

Contra-razões ao recurso de apelação fls. 125/135.

Após, ascenderam os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Page 85: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

83

1. A admissibilidade do recurso

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Do mérito

Malgrado o evento trágico e infeliz, a indenização não é devida.

A Lei n. 6.194/74 em seu artigo 4°, trata dos legitimados a receber a indenização securitária e, dentre eles, encontram-se os herdeiros legais da vítima.

Diante do que dispõe a lei, a discussão acerca do direito dos pais em receber a indenização paira, não sobre o nascituro, mas sobre a questão de ter direito sucessório.

Com efeito, é herdeiro aquele que sucede na totalidade da herança, ou de parte alíquota desta, sem determinação de valor ou individualização de objeto.

Contudo, como destaca SÍLVIO DE SALVO VENOSA:

"para suceder, não basta que alguém invoque a ordem de vocação hereditária ou seu aquinhoamento no testamento. Há certas condições a serem verificadas. A pessoa deve reunir três condições básicas: a) estar viva; b) ser capaz; e c) não ser indigna" (in: Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. pág. 74). (grifo nosso)

Portanto, no caso em apreço, não existe direito de pleitear indenização já que o nascituro não nasceu com vida, não tendo, assim, se tornado herdeiro.

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO considera que "o nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida" (in: Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. pág. 59).

Isso porque o nascituro, assim considerado como o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno, conquanto tenha seus interesses legalmente protegidos (artigo 2°, CC/2002), somente adquire personalidade jurídica, tornando-se, portanto, titular de direito, ao nascer com vida.

É o entedimento desta Corte:

"CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). ACIDENTE DE VEÍCULO. AUTORA QUE EM DECORRÊNCIA DO SINISTRO SOFRE ABORTO GESTAÇÃO NO SEXTO MÊS. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 3º DA LEI 6.194/74 (MORTE DE PESSOA DECORRENTE DE ACIDENTE COM VEÍCULO AUTOMOTOR). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO

Page 86: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

84

O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74 (seguro obrigatório para o beneficiário da vítima fatal)" (TJSC; Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. MARCUS TÚLIO SARTORATO, j. em 29/06/2006).O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74 (seguro obrigatório para o beneficiário da vítima fatal)" (TJSC; Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. MARCUS TÚLIO SARTORATO, j. em 29/06/2006).

A Desa. ODETE KNAACK DE SOUZA, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem destacou que "paira grande discussão a respeito da situação jurídica do nascituro, dividindo-se a doutrina entre teoria natalista, que somente admite a existência de personalidade jurídica após o nascimento com vida e, logo, o nascituro teria, apenas, mera expectativa de direito, e a teoria concepcionista, segundo a qual o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção. Todavia, ninguém discute que o nascituro tenha direito à vida, e não mera expectativa de direito, bem como que seus pais assim já podem ser considerados antes mesmo do nascimento" (TJRJ; Apelação Cível n. 2006.001.13466, j. em 04/05/2006).

Contudo, SÍLVIO DE SALVO VENOSA esclarece que "o fato de o nascituro ter proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. O fato de ter ele capacidade para alguns atos não significa que o ordenamento lhe atribuiu personalidade" (in:Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2003. pág. 161).

Nesse sentido é a jurisprudência:

"Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, o seu direito somente pode ser efetivado do dia de seu nascimento em diante, ficando latente até verificar-se o parto. Dessa maneira, os direitos que se reconhecem ao nascituro, que ainda não é pessoa, permanecem em estado potencial" (TJSP; Apelação Cível n. 340.115-4/0. Rel. Des. SILVÉRIO RIBEIRO).

Portanto, segundo ARNALDO RIZZARDO:

"Nascendo morta a criança, não chega a adquirir personalidade. Não recebe e nem transmite direitos. (...) a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Logo, o ser que foi gerado no ventre... não foi capaz de direitos e obrigações na ordem civil, porque não chegou a adquirir essa qualidade que é a personalidade civil; e não chegou porque não teve nascimento com vida" (in: A reparação nos acidentes de trânsito: Lei 9.503/97. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. pág. 230).

Page 87: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

85

Assim, ainda que tenha o nascituro resguardado a proteção dos direitos fundamentais, como o direito à vida ou à integridade física, se o ato do nascimento com vida não se operou e se não houve vida fora do útero materno, a indenização securitária, DPVAT, não é devida.

No caso em exame, a tragédia dos apelantes pode abrir-lhes, em tese, a perspectiva de reparação pelo dano material e/ou moral, mas tal não implica na indenização pretendida.

2.1. Do prequestionamento da matéria

No que se refere ao prequestionamento dos artigos 3º da Lei 6.194/74; arts. 2º, 542, 794, 1.609 e 1.779 do CC/2002, entende-se como impróprio, porquanto as questões relacionadas ao objeto do recurso foram decididas, consoante as razões e fundamentos acima expostos.

O recurso de apelação cível não se presta para prequestionar dispositivos de lei federal, mas para combater a decisão de primeiro grau.

Imperioso ressaltar que o julgador não está obrigado a discorrer sobre todos os dispositivos prequestionados mencionados pelas partes durante o trâmite da lide e seus debates, bastando que as decisões proferidas sejam fundamentadas de forma satisfatória, em cumprimento à ordem prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Ademais, conforme declaração do Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO:

[...] Em outras palavras, não é necessário que do acórdão local conste expressa referência ao artigo de lei cuja violação se pretenda argüir na via excepcional, bastando tenha havido apreciação da matéria por tal preceito disciplinada¿? (Recurso Especial n.º 20.474-8/SP, DJU 01/04/95).

No mesmo sentido, extrai-se da jurisprudência desta Corte:

[...] Não tendo a parte recorrente especificado com precisão os aspectos decisionais que implicariam em violação das normas legais invocadas, não há que se cogitar de possibilidade de prequestionamento, mormente quando a matéria impugnada foi abordada na sentença atacada e reexaminada na instância recursal. (Apelação Cível n.º 2000.007988-0, de Palmitos. Rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, j. em 06.11.2000).

E ainda:

A pretensão ao prequestionamento de tópicos da sentença prolatada torna-se de total inocuidade, quando, além de não haver o recorrente especificado de modo preciso os aspectos do decisum que teriam afrontado os dispositivos legais dados como violados, mormente quando o conteúdo do ataque recursal foi reexaminado de modo suficiente pela instância ad quem (Apelação Cível n.º 1999.021926-7, de Coronel Freitas. Rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, j. em 05.04.2001).

Page 88: A ANÁLISE DA TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO …siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Cristina da Silva.pdf · Entende-se como a dor resultante da violação de um bem juridicamente protegido

86

A par disso, descabido é o pedido da apelante para prequestionar os artigos invocados, uma vez que a matéria foi suficientemente abordada pelo juízo de primeiro grau e reexaminada por este órgão colegiado.

2.2. Da assistência judiciária gratuita

Conforme se extrai do documento de fl. 26, os autores são beneficiários da justiça gratuita, nos termos da Lei 1.060/50. Contudo, o magistrado a quo, quando da prolação da sentença, condenou, sem suspensão da exigibilidade, os autores ao pagamento de honorários processuais e custas processuais.

O benefício da assistência judiciária, de acordo com o art. 4° da Lei 1.060/50, deverá ser concedido sempre que houver declaração da parte requerente afirmando "que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família."

Assim, apesar da condenação, deve ser observado o disposto no art. 12, da Lei n. 1.060/50, ficando suspensa sua cobrança por até cinco anos.

À vista do exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se a deliberação a quo que julgou improcedente o pleito inaugural e condenou os autores ao pagamento de R$ 500,00 (quinhentos reais) de honorários advocatícios, sobrestada a exigibilidade das despesas processuais e verba honorária, pelo prazo prescricional de 5 anos, por força do artigo 11, §2º e art. 12, ambos da Lei 1.060/50, nada obstando que, dentro do lapso temporal especificado, seja efetuada a cobrança da verba de sucumbência, se demonstrada a alteração da situação econômica dos devedores.

DECISÃO

Ante o exposto, por unanimidade, a Câmara decide conhecer do recurso, negando-lhe provimento e suspendendo a exigibilidade da cobrança dos honorários advocatícios pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos supra.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, dele participando o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 22 de abril de 2008.

Henry Petry Junior RELATOR