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Direito ambiental Edição Uniube Uberaba 2013 UNIVERSIDADE DE UBERABA

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Page 1: Direito Ambiental CORTE

Direito ambiental

Edição UniubeUberaba

2013

UNIVERSIDADE DE UBERABA

Page 2: Direito Ambiental CORTE

© 2013 by Universidade de Uberaba

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio,

eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização,

por escrito, da Universidade de Uberaba.

Universidade de Uberaba

Reitor: Marcelo Palmério

Pró-Reitora de Ensino Superior:Inara Barbosa Pena Elias

Pró-Reitor de Logística para Educação a Distância:Fernando César Marra e Silva

Assessoria Técnica:Ymiracy N. Sousa Polak

Produção de Material Didático:• Comissão Central de Produção

• Subcomissão de Produção

Editoração:Supervisão de Editoração

Equipe de Diagramação e Arte

Capa:Toninho Cartoon

Edição:Universidade de Uberaba

Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

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Sobre os autores

Carolina Oliveira Pinto

Graduada em Engenharia Ambiental e em Psicologia pela Universidade de Uberaba. Atualmente é docente da Universidade de Uberaba no curso de Engenharia Ambiental.

Rodrigo Borges de Barros

Mestre em Bioética pela Universidade do Vale do Sapucaí. Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba. Docente da Universidade de Uberaba - UNIUBE/MG.

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ApresentaçãoNeste livro, inicialmente estudaremos uma introdução ao Direito Ambiental e as competências dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) nessa área. Posteriormente, iremos abordar a Política Nacional de Recursos Hídricos e de Recursos Florestais. A seguir, analisaremos a Política Nacional de Meio Ambiente e o Parcelamento do Solo. Finalizaremos com estudo sobre a biotecnologia relacionado ao direito ambiental e os crimes ambientais e suas respectivas responsabilidades.

Segundo Machado (2012), a denominação Direito Ambiental abarca o que se pretende proteger e normatizar. Assim o capítulo 1 - Introdução ao Direito Ambiental inicialmente apresenta os conceitos de meio ambiente e a evolução da relação do ser humano com a natureza sob o ponto de vista do Direito Ambiental.

Dando prosseguimento, abordaremos os princípios gerais do Direito Ambiental e finalizaremos o capítulo 1 abordando as competências no Direito Ambiental.

O capítulo 2 - Recursos Hídricos e Florestais proporciona o conhecimento da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Novo Código Florestal, da inter-relação entre essas políticas e a gestão ambiental. Inicialmente estudaremos a Política Nacional de Recursos Hídricos, enfocando a água como bem de uso comum do povo, dotado de valor econômico.

A seguir, nos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, veremos planos de recursos hídricos, enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os seus usos preponderantes, outorga de direito de uso, cobrança pelo uso das águas e o sistema de informações sobre recursos hídricos, bem como a composição e competências do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos.

Finalizaremos o capítulo 2 com a abordagem ao Novo Código Florestal, comentado, relacionando competências, poder de política, etc.No Capítulo 3 - Política Nacional de Meio Ambiente e Parcelamento do Solo - inicialmente abordaremos a estrutura do Sistema Nacional de Meio Ambiente apontando as principais competências do CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente.

Na sequência, abordaremos as competências dos entes federados, conforme a Lei Complementar 140/2011, sobre as autorizações e licenças ambientais, assim como suas espécies, como licenças ambientais de obras e atividades.

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Encerrando o capítulo 3, estudaremos o parcelamento do solo, abordando noções de legislação urbanística, desde a fundamentação pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal 1988 e pelo Estatuto da Cidade.

No Capítulo 4 - Direito Ambiental e Biotecnologia, abordaremos inicialmente a Biotecnologia, como fornecedora de grandes oportunidades para o uso sustentável da diversidade biológica, por intermédio de técnicas modernas que permitem utilização sustentável dos recursos biológicos e da variabilidade genética.

A responsabilidade administrativa, civil e penal sob os aspectos ambientais e a lei de crimes ambientais finalizam nossos estudos de legislação e direito ambiental.

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Sumário

Capítulo 1 Introdução ao estudo do Direito Ambiental ......................................... 1

Capítulo 2 Recursos hídricos e florestais ........................................................... 43

Capítulo 3 Política nacional do meio ambiente e parcelamento do solo .......... 103

Capítulo 4 Direito ambiental e Biotecnologia.................................................... 171

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO AMBIENTAL

Neste capítulo, inicialmente iremos estudar os conceitos de meio ambiente e a evolução da relação do ser humano com a natureza sob o ponto de vista do direito ambiental.

De início, deveremos conhecer algumas terminologias, natureza jurídica, a evolução dos intrumentos legais e a relação do direito ambiental com as demais áreas do direito, bem como as classificações do meio ambiente.

Abordaremos os princípios gerais de direito ambiental: Princípio do Desenvolvimento Sustentável; Princípio da Prevenção e da Precaução; Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal; Princípio da Responsabilidade Ambiental (poluidor-pagador); Princípio da Participação; Princípio do Acesso à Informação; Princípio da Educação Ambiental; Princípio da função sócioambiental da propriedade e Princípio da cooperação entre os povos.

Em competência em matéria ambiental, veremos a evolução do direito brasileiro, a consolidação da Constituição Federal no que tange os aspectos relacionados ao meio ambiente, classificando e repartindo as competências entre todas as esferas.

Portanto, o primeiro capítulo proporciona o conhecimento dos princípios ambientais e da repartição das competências em matéria ambiental, a relação do direito ambiental com as outras áreas do direito.

1Introdução

Rodrigo Borges de BarrosCarolina Oliveira Pinto

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Ao término dos estudos propostos neste capítulo, esperamos que você esteja apto(a) a:

• conceituar o meio ambiente, através das diversas doutrinas, estabelecendo, de início, uma visão crítica sobre a matéria;

• estabelecer a natureza jurídica do Direito Ambiental;

• promover um estudo histórico sobre as normas ambientais e sua evolução;

• estabelecer uma visão do meio ambiente como direito fundamental;

• estabelecer uma inter-relação entre o Direito Ambiental com matérias afins, como o Direito Constitucional, Administrativo, Internacional, Penal etc.;

• analisar as espécies de Patrimônio Ambiental: Natural, Cultural e Artificial;

• ressaltar a importância da inter-relação da matéria com outras ciências;

• analisar os princípios internacionais de proteção ambiental;

• debater os princípios estabelecidos na ECO/92, no Rio de Janeiro;

• analisar os novos princípios de proteção ambiental;

• estudar os princípios e referências constitucionais ambientais – explícitas e implícitas – inseridos na Constituição Brasileira de 1.988, especialmente no art. 225;

• conceituar competência em matéria ambiental no Direito Brasileiro; o Estado Democrático de Direito, o Federalismo, a Soberania e Autonomia e normas gerais. Repartição de competências: a predominância de interesses, regras de competência: competência material exclusiva; competência legislativa exclusiva; competência material comum; competência legislativa concorrente; regras de garantia.

Objetivos

Esquema

1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE:

2 HISTÓRIA DA RELAÇÃO DO SER HUMANO COM A NATUREZA

2.1 Idade Antiga

2.2 Idade Média

2.3 Idade Moderna

3 DIREITO AMBIENTAL

3.1 Terminologia

3.2 Natureza jurídica

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3.3 Relacionamento com as demais áreas do Direito

3.4 Evolução dos instrumentos legais

4 CLASSIFICAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

4.1 Meio Ambiente Natural ou Físico

4.2 Meio Ambiente Cultural

4.3 Meio Ambiente Artificial

4.4 Meio Ambiente do Trabalho

5 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO AMBIENTAL

5.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável

5.2 Princípio da Prevenção e da Precaução

5.3 Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal

5.4 Princípio da Responsabilidade Ambiental (poluidor-pagador)

5.5 Princípio da Participação

5.6 Princípio do Acesso à Informação

5.7 Princípio da Educação Ambiental

5.8 Princípio da função sócioambiental da propriedade

5.9 Princípio da cooperação entre os povos

6 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA AMBIENTAL

6.1 Direito brasileiro

6.2 Federalismo

6.3 País e Forma de Estado

6.4 Estado Democrático de Direito

6.5 Território e Forma de Estado

6.6 Soberania e Autonomia

6.7 Repartição das competências

6.8 Classificação das competências

6.9 Competência legislativa, concorrente ou suplementar dos Estados em matéria ambiental

6.10 Competência ambiental comum, material, administrativa ou de execução

6.11 A importância do Município

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1 Conceito de Meio Ambiente

Pode-se definir Direito Ambiental como o sistema e princípio que regem as relações dos seres humanos com os elementos que compõem o ambiente natural.

Esses sistema é composto por normas (leis, atos administrativos, resoluções) e princípios, porque seus elementos possuem uma lógica que os vincula entre si, o que vai além da simples existência de alguma característica em comum.

Assim, faz-se necessária a introdução de alguns conceitos referentes a termos recorrentes dessa disciplina jurídica.

Meio vem do latim “mediu” que significa por via popular, então meio é a situação de permeio; lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos; ambiente], enquanto que ambiente (do latim “ambiens” + “entis” = que rodeia) é aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados, envolvente; meio; o conjunto de condições materiais e morais que envolve alguém; atmosfera.

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981 (Política Nacional do Meio Ambiente) – define meio ambiente como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. (Art. 3º, I).

2 História da relação do ser humano com a natureza

2.1 Idade Antiga

O estudo das obras de Platão e de Aristóteles, por exemplo, permite-nos observar uma relação com a physis (natureza) bastante peculiar, pois sempre considerada como integrada no cosmos, o que contrasta com a visão preponderante na modernidade. Aqueles filósofos buscavam conhecer a essência dos objetos, e, para tanto, os elementos naturais, principalmente os corpos celestes, operavam como significantes básicos. Os desígnios de Deus, ou o bem, em Platão, eram decodificados através dos elementos fundamentais.

2.2 Idade Média

Houve na Idade Média uma integração das concepções greco-romanas com as ideias judaico-cristãs, o que pode ser verificado, por exemplo, na obra de São Tomás de Aquino. Nela, o Universo é criação de Deus e expressa em seus mínimos detalhes a ordenação racional e hierárquica de essências, ainda que imersas em um jogo permanente entre a forma que as revela e a matéria que as oculta, em uma Terra que é o centro do Universo.

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2.3 Idade Moderna

Na modernidade, a natureza é basicamente objeto a ser conhecido, dominado e explorado, ou seja, é reduzida a instrumental para a realização das finalidades humanas. E essa relação vai perdurar basicamente até o final da década de 60, quando uma série de fatores leva ao surgimento do que estamos designando por moderna questão ambiental.

O processo crescente de industrialização e o avanço tecnológico na sociedade contemporânea, notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, importaram em significativas mudanças sociais e políticas.

Na primeira metade do Século XX, havia uma crença quase que absoluta de que o progresso da humanidade se daria a partir de grandes avanços tecnológicos que garantiriam o total domínio da natureza. Natureza, é claro, sempre reduzida à condição de objeto exterior, alheio e passivo.

No final da década de 50, a preocupação com a degradação do ambiente já era uma das notas características das demonstrações antibombas nucleares na Inglaterra. O movimento pacifista e pelos direitos civis nos Estados Unidos, sobretudo ao longo da Guerra do Vietnã, já passa a indicar que a preocupação com o meio ambiente não mais se restringe aos cientistas, mas começa a ganhar dimensões de um movimento de massas.

No final da década de 60, uma série de eventos contribuíram de várias formas para demonstrar a fragilidade do modelo de desenvolvimento da sociedade industrial, baseado na confiança em um crescimento econômico ilimitado. A crise energética, o aumento da inflação e do desemprego não foram os únicos fatores a indicar a crise desse modelo. Concorreram numerosos outros fatores, como a incessante destruição dos recursos naturais, a desorganização dos territórios contíguos a áreas industriais, a explosão demográfica das áreas urbanas, a incapacidade de controle de resíduos, a perda de identidade da comunidade humana.

Todos esses fatores, além de fazerem vacilar a crença em um crescimento econômico ilimitado, demonstraram o risco ecológico e o perigo que ele significa para a vida humana.

Em meio a esse contexto, surge não apenas um crescente interesse dos atores políticos e institucionais tradicionais acerca do tema meio ambiente, bem como novos atores, como os movimentos civis organizados, entram em cena, o que pode ser comprovado pela progressiva elaboração de políticas ambientais que se propõem a enfrentar o problema.

Destaca também as atividades do chamado “Clube de Roma” como um indicador da preocupação de cientistas, industriais e empresários com o meio ambiente. Os objetivos do Clube de Roma eram “promover o entendimento dos componentes

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variados, mas interdependentes – econômicos, políticos, naturais e sociais – que formam o sistema global em que vivemos; chamar a atenção dos que são responsáveis por decisões de alto alcance, e do público do mundo inteiro, para aquele novo modo de entender, e, assim, promover novas iniciativas e planos de ação.

O “Clube de Roma” financiou o trabalho Limites do crescimento (Limits to growth), também conhecido como Relatório Meadows, produzido por uma equipe de especialistas do Massachusetts Institute of Tecnology – MIT, no qual se buscava apontar a extensão e a natureza dos principais problemas ambientais, utilizando-se um modelo cibernético da realidade do planeta. O documento causou grande impacto, tornando-se uma referência do movimento ambientalista da década de 70.

Acontecimento digno de nota na consolidação do debate em torno dos modernos problemas ambientais foi a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em junho de 1.972, em Estocolmo.

O evento pretendeu marcar a inserção dos Estados no âmbito de um debate global sobre o ambiente no planeta. Entretanto, o fato mais notório desde a fase preparatória do encontro foi uma cisão entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Os primeiros pretendiam que os compromissos com a conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente fossem assumidos de forma equânime por todos os Estados, independentemente do grau de desenvolvimento econômico. Os países em desenvolvimento, em posição contrária, sustentavam que suas condições econômicas e necessidades deveriam ser consideradas quando da assunção de responsabilidades para com a conservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental.

Ao final da Conferência foi adotada a Declaração sobre o Meio Ambiente. Dividida em duas partes, a Declaração inicialmente proclama a condição do ser humano como criatura e criador de seu meio ambiente, destaca que a proteção do meio ambiente está intimamente relacionada com o desenvolvimento econômico de todo o mundo, aponta o subdesenvolvimento como causa de degradação do meio ambiente, e conclama à cooperação internacional para conservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental. Em sua segunda parte, a Declaração contém 26 princípios, os mais importantes relacionados com a emancipação econômica dos países subdesenvolvidos e com o compromisso solidário na conservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental do planeta.

Após a Conferência de Estocolmo, pôde-se observar que diversos Estados passaram a consagrar normas de conservação, recuperação e melhoria da qualidade do meio ambiente. Em verdade, antes de 1.972, o único país que já havia deflagrado um processo consistente de normatização das ações de conservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental eram os Estados Unidos, através do National Environmental Policy Act (1.969) e do Clean Air Act (1.970).

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3 Direito Ambiental

3.1 Terminologia

Para os professores Sérgio Ferraz (1.972) e Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1.975) a melhor terminação era Direito Ecológico, assim definido: “conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio ambiente”.

O ilustre Prof. Tycho Brahe Fernandes Neto conceitua Direito Ambiental como “o conjunto de normas e princípios editados objetivando a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente”.

Característica do Direito Ambiental é a sistematização, responsável pela articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência referentes aos elementos que integram o ambiente (águas, atmosfera, solo, florestas, fauna, biodiversidade,...).

3.2 Natureza jurídica

A preocupação jurídica do ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente, como bem difuso, é tema recente. Pode-se dizer que estas questões só vieram alcançar interesse dos estados a partir da constatação da deterioração da qualidade ambiental e da limitabilidade do uso dos recursos naturais (Declaração de Estocolmo, junho de 1.972).

No dizer do Prof. Samuel Murgel Branco, esta interdependência é assim simplificada. “O homem pertence à natureza tanto quanto – numa imagem que me parece apropriada – o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e desenvolvimento, não lhe dando nada em troca. É seu dependente, mas não participa (pelo contrário, interfere) de sua estrutura e função normais. Será um simples embrião se conseguir sugar a natureza, permanentemente de forma compatível, isto é, sem produzir desgastes significativos e irreversíveis; caso contrário, será um câncer, o qual se extinguirá com a extinção do hospedeiro”.

Por outro lado, não é possível conceituar o meio ambiente fora de uma visão antropocêntrica, pois sua proteção jurídica depende de uma ação humana (Princípio 1 – Conferência do Rio 92: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”). Ressalte-se, no entanto, que esta visão antropocêntrica pode ser aliada a outros elementos e um pouco menos centrada no homem, admitindo-se uma reflexão de seus valores, tendo em vista a proteção ambiental globalizada.

Articulada uma noção genérica, cabe, agora, frisar algumas preocupações centrais e alguns valores que devem guiar a conduta antropocêntrica em relação ao meio

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ambiente: “a) o ser humano pertence a um todo maior que é complexo, articulado e interdependente; b) a natureza é finita e pode ser degradada pela utilização perdulária de seus recursos naturais; c) o ser humano não domina a natureza, mas tem de buscar caminhos para uma convivência pacífica entre ela e sua produção, sob pena de extermínio da espécie humana; d) a luta pela convivência harmônica com o meio ambiente não é somente responsabilidade de alguns grupos preservacionistas, mas missão política, ética e jurídica de todos os cidadãos que tenham consciência da destruição que o ser humano está realizando, em nome da produtividade e do progresso”.

3.3 Relacionamento com as demais áreas do Direito

O entendimento da matéria só é possível com o desenvolvimento de uma metalinguagem, em que elementos e requisitos básicos de todos os ramos do Direito se envolvam, ordenadamente, para que se tenha a regra de relacionamento entre eles, cujo resultado é uma sistematização imune a sofismas.

Muitos juristas consideram o Direito Ambiental inserido na 3ª geração, porém, considero mais conveniente inseri-lo na 4ª geração (liberdade, igualdade, fraternidade e solidariedade). Frise-se: não se pode, de plano, instituir uma escala de importância entre os direitos e a geração em que se encaixam, devendo sempre ser realizado o exame por uma apurada interpretação sistemática, aplicando-a ao caso concreto, para que um não venha a excluir outro, mas sim adaptar o direito fungível para manter vivo o infungível, compatibilizando-os.

Tem como sua base de estudos, ramos da ciência como: biologia; antropologia; ciências sociais; sistemas educacionais; princípios de Direito Internacional, dentre outros.

• Direito Constitucional: disciplina das normas fundamentais do meio ambiente;• Civil: direito de propriedade; direito de vizinhança;...;• Administrativo: poder de polícia; atos administrativos;• Direito Processual: princípios processuais e ações coletivas;• Penal: normas de proteção à saúde e crimes ambientais;• Tributário: incidência ou isenção de tributos em áreas de relevante interesse

ambiental;• Internacional: sistematização de regras internacionais por meio de

convenções.

3.4 Evolução dos instrumentos legais

• Código das Águas – 1.934;• Código Florestal - 1.965;• Código de Caça – 1.967;• Código de Mineração – 1.967;• Lei 6.938/81 – Institui a Política Nacional do Meio Ambiente;

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• Lei 7.347/85 – Disciplina a Ação Civil Pública;• CF/88 – Art. 225;• Lei dos Recursos Hídricos – 9.433/97;• Lei dos Crimes Ambientais – 9.605/98;• Lei de Educação Ambiental – 9.795/99;• Lei do SNUC – 9.985/00;• Lei do Estatuto da Cidade – 10.257/01;• Política Nacional de Saneamento 11.445/07;• Política Nacional de Resíduos sólidos 12.305/10.

3.5 Menções diretas da Constituição ao meio ambiente

Artigo 5°,(...)LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Artigo 20 São bens da União:I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser

atribuídos;II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras,

das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e à unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;VII -os terrenos de marinha e seus acrescidos;VIII-os potenciais de energia hidráulica;IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos

e pré-históricos;XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

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§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

§ 2º - A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Artigo 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições

democráticas e conservar o patrimônio público;II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia

das pessoas portadoras de deficiência;III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII -preservar as florestas, a fauna e a flora;VIII-fomentar a produção agropecuária e organizar o

abastecimento alimentar;IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria

das condições habitacionais e de saneamento básico;X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,

promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos

de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII- estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

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Artigo 24Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e

urbanístico;II - orçamento;III - juntas comerciais;IV - custas dos serviços forenses;V - produção e consumo;VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,

defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IX - educação, cultura, ensino e desporto;X - criação, funcionamento e processo do juizado de

pequenas causas;XI - procedimentos em matéria processual;XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;XIV- proteção e integração social das pessoas portadoras de

deficiência;XV - proteção à infância e à juventude;XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias

civis.§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da

União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais

não exclui a competência suplementar dos Estados.§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados

exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Artigo 26 Incluem-se entre os bens dos Estados:I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes

e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

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Artigo 91(...)

§1°Compete ao Conselho de Defesa Nacional:(...)III - propor os critérios e condições de utilização de áreas

indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo;

Artigo 129São funções institucionais do Ministério Público:(...)III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos

Artigo 170A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios

(...)VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Artigo 173Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.(...)§5° A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos

dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Artigo 174Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

(...)§3° Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira

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em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.

Artigo 186A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos(...)II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e

preservação do meio ambiente;

Artigo 200Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:(...)VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido

o do trabalho;

Artigo 216Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:(...)V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico;

Artigo 220A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição(...)§3 -Compete à lei federal:I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao

Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

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Artigo 225Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao

Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais

e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.(Regulamento)

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à

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proteção dos ecossistemas naturais.§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter

sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Artigo 231São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as

por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

3.6 Menções indiretas da Constituição ao meio ambiente

Menções indiretas da Constituição ao meio ambienteSão aqueles artigos que correspondem às questões ambientais mas não citam diretamente; só tem correspondência

Artigo 21Compete à União(...)XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos

hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

(...)XXIII- explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer

natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-

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vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

XXIV- organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da

atividade de garimpagem, em forma associativa.

Artigo 22Compete privativamente à União legislar sobre: (...)IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;(...)XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;(...)XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;

Artigo 23É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:(...)III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

Artigo 24Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(...)II - orçamento;(...)VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

Artigo 30 Compete aos Municípios:(...)IX promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Artigo 182A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções

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sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:I - parcelamento ou edificação compulsórios;II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Artigo 196.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

4 Classificação do meio ambiente

Em sua acepção mais ampla, meio ambiente significa tudo o que nos cerca, pode ser decomposto, para os fins das diferentes normas que o regem nos seguintes aspectos: físico, artificial, cultural e do trabalho.

4.1 Meio Ambiente Natural ou Físico

É constituído por solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem.

O meio ambiente natural é mediatamente tutelado pelo caput do art. 225 da Constituição Federal e imediatamente pelo §1°, I e VII.

4.2 Meio Ambiente Cultural

É integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também

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é cultural) pelo sentido de valor especial, constante no art. 216, da Constituição Federal de 1988.

O bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil.

4.3 Meio Ambiente Artificial

É compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto).

O meio ambiente artificial recebe tratamento constitucional não apenas no art. 225, mas também nos arts. 182, ao iniciar o capítulo referente à política urbana; 21, XX, que prevê a competência material da União Federal de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; 5°, XXIII, entre alguns outros.

A mais importante norma vinculada ao Meio Ambiente Artificial é o Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/01).

4.4 Meio Ambiente do Trabalho

É o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).

Caracteriza-se pelo complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa ou sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que a frequentam.

Recebe tutela imediata da Constituição Federal no seu art. 200, VIII.

Assim como em todos os outros casos, a tutela mediata do meio ambiente do trabalho concentra-se no caput do art. 225 da CF.

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5 Princípios gerais de Direito Ambiental

“Princípios” são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos segundo conceituação de Gomes Canotilho (MACHADO, 2005).

Por princípios, deve-se entender os mandamentos ou enunciados que formam o núcleo de determinado sistema. Dentro do sistema jurídico, os princípios constituem a base das normas jurídicas podendo ou não estarem escritos.

O estudo dos princípios é essencial para que o operador do Direito possa interpretar corretamente as normas e aplicar de forma acertada os institutos. Como as normas são formadas por um conjunto de palavras, devem necessariamente ser interpretadas. Caso não existissem os princípios para balizar essa interpretação, ela poderia variar radicalmente de acordo com o int´rrprete, causando incertezas jurídicas. Daí a importância desses alicerces, que delimitam o espaço dentro do qual um determinado sentido é aceito, evitando-se, assim, graves conflitos.

São princípios do direito ambiental:• Princípios do desenvolvimento sustentável• Princípio da Prevenção e da Precaução• Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal• Princípio da Responsabilidade Ambiental (poluidor-pagador)• Princípio da Participação• Princípio do Acesso à Informação• Princípio da Educação Ambiental

5.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável

O direito ao desenvolvimento sustentável deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas as necessidades das gerações presentes e futuras (CF/1.988, art. 225, caput). No inciso V, do artigo 225, da Constituição Federal de 1988, prevê que o poder público, para assegurar o direito a um meio ambiente, equilibrado ecologicamente, deverá “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.(...)V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;(...)”

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Segundo o documento Our Common Future (World Comission on Environment and Development. Our Common Future. New York: Oxford, 1.987, p.4):

“(...) forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus próprios interesses. Essa idéia contém dois conceitos chaves:a) O conceito da necessidade (social), em particular as

necessidades essenciais dos países pobres, para as quais deve ser dada prioridade absoluta;

b) A idéia da existência de limitações à capacidade do meio ambiente de satisfazer as necessidades atuais e futuras impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social”.

Esse princípio procura compatibilizar desenvolvimento econômico-social e preservação da qualidade do meio ambiente. Assim, para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.

O princípio do desenvolvimento sustentável não tem por finalidade impedir o crescimento econômico, mas procura determinar que as atividades sejam desenvolvidas utilizando todos os meios colocados à disposição para a menor degradação possível. Na prática, esse princípio vem sendo cumprido mediante a correta instalação disposição de filtros nas chaminés das fábricas, correta disposição dos resíduos sólidos, utilização racional da água etc.

ATENÇÃO!

5.2 Princípio da Prevenção e da Precaução

Prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e internacional é concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico especialmente nas últimas três décadas.

A atuação dos agentes públicos e privados deve buscar a redução máxima do risco de degradação do meio ambiente (CF/1.988, art. 225, §1°, inciso VII).

A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981) inseriu como objetivos dessa política pública a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art 4º, I e VI).

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Quando se começou a pensar em proteção do ambiente natural, tendo em vista nossa absoluta dependência dos bens e serviços que a natureza nos oferece, já foi constatado, que em consequência das características dos prejuízos a ela causados, que seria melhor previne-los, minimizar os danos causados ao ambiente natural em virtude de atividades humanas.

O princípio da precaução surgiu em decorrência do avanço tecnológico, sendo que essa não se confunde com o princípio da prevenção. Assim o princípio da precaução diz respeito à necessidade de se agir com cautela quando existam dúvidas ou incertezas acerca do dano que pode ser causado por determinada atividade. Em outras palavras, a incerteza científica sobre o resultado de certas ações humanas não pode servir para afastar medidas preventivas. Havendo fundado receio de que determinada atividade antrópica possa gerar danos ao ambiente, ou seja, considerado o perigo e a ausência de informações suficientes sobre ele, providências devem ser tomadas no sentido de afastá-lo ou minimizá-lo.

O principio da precaução está presente no princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, produto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92):

“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência absoluta de certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Já na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), qual segundo Machado (2005) basta haver ameaça de sensível redução de diversidade biológica, enquanto que na Convenção de Mudança do Clima não se exigiu que a ameaça fosse de dano sério ou irreversível.

SAIBA MAIS

O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E A ENGENHARIA GENÉTICA

Na França, o Conselho de Estado concedeu medida liminar (sursis a exécutioni) em processo movido pela Association Greenpeace France contra a empresa Norvartis, suspendendo a portaria do Ministro da Agricultura de 5 de fevereiro de 1998 que permitia o cultivo do "milho transgênico" ou obtido através de manipulação genética. O Tribunal francês acolheu a argumentação de que o processo estava incompleto

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

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no referente “à avaliação de impacto sobre a saúde pública do gene de resistência à ampicilina contido nas variedades de milho transgênico", como, também, o não-respeito ao "princípio da precaução", enunciado no art. L. 200-1 do Código Rural.

A ex-ministra do Meio Ambiente, jurista Corinne Lepage, afirmou que o posicionamento do Conselho de Estado "ultrapassa o caso do milho transgênico, pois o princípio deverá ser aplicado para todos os organismos geneticamente modificados (OGMS)". O art. L. 200-1 do Código Rural, mencionado no julgado, diz que o princípio da precaução é aquele "segundo o qual a ausência de certeza, levando em conta os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não deve retardar a adoção de medidas efetivas e proporcionais visando a prevenir o risco de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, a um custo economicamente aceitável".

Martine Remond-Gouillod, comentando a referida decisão, afirma: "Longe de paralisar o progresso, a precaução disciplina a inovação, assegurando-lhe um lugar legítimo em nossa civilização tecnológica. A precaução ensina a resistir à pressão da conjuntura imediata, podendo extrair-se da decisão do Conselho de Estado a seguinte mensagem: pode ser urgente esperar".

No Brasil intentou-se medida cautelar, ajuizada" pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC contra a União Federal, Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda., visando a impedir a autorização para qualquer pedido de plantio da soja transgênica round up ready antes que se proceda à devida regulamentação da matéria e ao prévio Estudo de Impacto Ambiental. O parecer do Ministério Público Federal é da autoria do Dr. Aurélio Veiga Rios.

O Juiz Federal titular da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Antônio Souza Prudente, decidiu, entre outras medidas, que: 1) as empresas rés, Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda., apresentem Estudo Prévio de Impacto Ambiental como condição indispensável para o plantio, em escala comercial, da soja round up ready; 2) ficam impedidas as referidas empresas de comercializar as sementes da soja geneticamente modificada até que sejam regulamentadas e definidas, pelo Poder Público competente, as normas de biossegurança e de rotulagem de OGMS; 3) sejam intimados, pessoalmente, os Sr. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para que não expeçam qualquer autorização às promovidas antes de serem cumpridas as determinações judiciais, ficando suspensas as autorizações que, porventura, tenham sido expedidas nesse sentido. O Juiz do processo acolheu expressamente o princípio da precaução.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, em erudito e independente julgamento manteve a decisão de primeira instância, sendo

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Relatora a Juíza Assusete Magalhães, participando os Juízes Jirair Aram Meguerian e Carlos Fernando Mathias.

Machado, P. A.L. Direito Ambiental Brasileiro. 13º Edição. Malheiros Editores. São Paulo. SP. 2005. P. 68-69.

O Princípio da prevenção refere-se ao dano conhecido, para o qual se impõem ações no sentido de evitá-lo ou, ou, pelo menos, minorá-lo. Nesse caso, existe conhecimento acerca dos efeitos que serão produzidos por determinada atividade e devem ser tomadas medidas que assegurem o menor grau possível de degradação. Isso porque nem sempre é possível evitar-se por completo a produção de impactos ao ambiente natural. Atividades como mineração, a construção de estradas, a expansão urbana, a agricultura são consideradas imprescindíveis, e os impactos por elas causados são amplamente conhecidos.

Portanto, os dois princípios em questão tratam dos riscos que as atividades humanas geram para o equilíbrio ambiental. Em relação a algumas atividades, os danos ao meio ambiente por elas causados já são amplamente conhecidos e, por isso, deverá o empreendedor agir no sentido de evitá-los ou quando não for possível, de minimizá-lo. A precaução, entretanto, trata de danos desconhecidos, diante da incerteza científica que ainda paira sobre determinada ação humana.

Exemplo clássico é o da liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente, em que não se tem certeza das consequências seja para a saúde humana, seja para o ambiente natural. Entretanto, essa ausência de certeza científica não pode servir como fundamento para a liberação da atividade, pois os danos ao meio ambiente são, em geral, irreversíveis, o que determina cuidados com qualquer tipo de ação que possa eventualmente provocar alterações prejudiciais aos elementos que o compõem.

Daí o fundamento para a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor o ônus de provar que sua atividade não é poluidora.

Os principais instrumentos para implementar a prevenção/precaução são o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: DIAGNÓSTICO DO RISCO AMBIENTAL

A aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das atividades humanas. O "Estudo Prévio de Impacto Ambiental" insere na sua metodologia a prevenção e a precaução da degradação ambiental! Diagnosticado

SAIBA MAIS

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o risco, pondera-se sobre os meios de evitar o prejuízo. Aí entra o exame da oportunidade do emprego dos meios de prevenção. A Declaração do Rio de Janeiro/92 preconizou também o referido Estudo Prévio de Impacto Ambiental, dizendo no Princípio 17: "A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de uma autoridade nacional competente".

Na Austrália, as recomendações do Relatório Young de 1993 contêm mecanismos de aplicação do princípio de precaução. "O instrumento especial proposto é o Estudo de Impacto Ambiental!. Este instrumento deverá, segundo o relatório, ser adaptado e conter uma etapa de fiscalização mais importante, como, da mesma forma, os padrões a serem respeitados devem ser mais estritos, levando-se em conta os fenômenos da irreversibilidade”.

O Brasil já havia adotado em sua legislação esse instrumento jurídico de prevenção do dano ambiental.

A CF/88 diz no § 1º, do art. 225: "Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ... IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a que se dará publicidade".

Nesse estudo avaliam-se todas as obras e todas as atividades que possam causar degradação significativa ao meio ambiente. A palavra “potencialmente" abrange não só o dano de que não se duvida, como o dano incerto e o dano provável!.

"A implementação do princípio de precaução pode ser olhada como exigências que os Estados incorporam, entre outras, no planejamento e na legislação, através do procedimento do estudo de impacto ambiental", afirma Catherine Tinker.

A Resolução 1/86 CONAMA diz que o Estudo de Impacto Ambiental desenvolverá "a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alterativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: ... os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais" (art. 6º, II).

Determinar o grau de perigo, ou seja, apontar a extensão ou a magnitude do impacto, é uma das tarefas do Estudo de Impacto Ambiental, como se vê da regulamentação acima referida. É também objeto da avaliação o grau de reversibilidade do impacto ou sua irreversibilidade. Como se constata, a legislação do Estudo de Impacto Ambiental contempla, também, uma avaliação de risco.

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É preciso ressaltar a necessidade de os consultores do Estudo Prévio de Impacto Ambiental serem "competentes e independentes para avaliar os riscos". Falando da "crise da perícia", diz Axel Kahn: "Assiste-se, às vezes, ao fenômeno singular e humano da confusão entre perícia e promoção da técnica examinada, pela razão de que os peritos (ou especialistas), sendo experientes no terreno que examinam, são levados, às vezes, a defendê-Ia em vez de avaliar verdadeiramente".

No caso da aplicação do princípio da precaução, é imprescindível que se use um procedimento de prévia avaliação, diante da incerteza do dano, sendo este procedimento o já referido Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Outras análises, por mais aprofundadas que sejam, não podem substituir esse procedimento.

Decidiu o egrégio TRF da 5ª Região, com sede em Pernambuco, que "o Relatório de Viabilidade Ambiental não é idôneo e suficiente para substituir o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório". Muito acertada a decisão judicial, pois a multiplicidade de procedimentos não só geraria confusão, como enfraqueceria as garantias jurídicas de seriedade, de amplitude e de publicidade já inseridas no Estudo de Impacto Ambiental.

A prática dos princípios da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões dos aparelhos burocráticos é que alicerça e torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente.

Machado, P. A.L. Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editora, SP, 2005. p. 78-80.

5.3 Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal

Para garantir as bases do desenvolvimento sustentável, deve o Poder Público intervir, necessariamente, na planificação, administração e controle da utilização dos recursos ambientais (CR/1.988, art. 225, §1°).

A gestão do meio ambiente não é matéria que diga respeito somente à sociedade civil, ou uma relação entre poluidores e vítimas da poluição. Os países, tanto no Direito interno como no Direito internacional, têm que intervir ou atuar.

A atuação do Poder público nos anos 1980-2000 registrou mudanças sensíveis nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Houve a diminuição da presença estatal no setor da produção, por exemplo, nas hidroelétricas e nas telecomunicações. Mas não se instaurou um Estado ausente, em que só as relações de mercado fixariam as regras. O Poder Público passa a ter as chamadas “agências reguladoras”.

Agências Reguladoras:É uma entidade integrante da administração indireta, geralmente instituída sob a forma de autarquia especial, detendo caráter eminentemente técnico, tendo por finalidade primordial

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a implementação e a fiscalização da concretização de políticas públicas estabelecidas para determinados segmentos econômicos, sendo tal entidade detentora de um estatuto de autonomia que busca blindá-la dos efeitos de eventuais injuções de natureza político-partidária.

O Poder Público passa a figurar não como proprietário dos bens ambientais (água, ar, e solo, fauna e florestas, patrimônio histórico ), mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão. A aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público a ter que prestar contas sobre a utilização dos bens “de uso comum do povo”.

5.4 Princípio da Responsabilidade Ambiental (poluidor-pagador)

O causador de danos ambientais encontra-se obrigado a reparar o meio ambiente lesado (CR/1.988, art. 225, §3°).

“Art 225. (...)(...)§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.(...)” (Constituição Federal 1988)

“Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. “ (Lei 6.938/1981)

O principio traduz-se na obrigação do empreendedor de internalizar as externalidades negativas nos custos de produção (como a poluição, a erosão, os danos à fauna e à flora etc.) bem como daquele que causa degradação ambiental de arcar com os custos de sua prevenção e/ou reparação. Isso porque o processo produtivo produz prejuízos que, quando afastado esse princípio, acabam sendo suportados pelo Estado e, consequentemente, pela sociedade, enquanto o lucro é auferido apenas pelo agente privado. Para minimizar esse custo imposto à sociedade, impõe-se sua internalização, consubstanciada na obrigação de que o produtor arque com o ônus da prevenção/reparação.

Em primeiro lugar, portanto, ações preventivas deverão ser buscadas pelo agente econômico, como a utilização de tecnologias mais modernas, menos poluidoras,

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o acondicionamento mais adequado dos resíduos etc. Se não forem estas suficientes, ocorrendo danos ao ambiente, deverão os responsáveis diretos ou indiretos repará-los. Como a responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva, havendo uma ação e como consequência desta, um dado ambiental, independentemente da existência de dolo ou culpa, deverá o seu causador arcar com os custos de reparação.

Deve-se ter cuidado, portanto, para não interpretar o princípio do poluidor-pagador como uma autorização ilimitada para poluir, desde que se pague um preço por isso. A ideia, ao contrário, é justamente a de evitar o dano, mas havendo degradação, deve a mesma ser reparada, ainda que esteja o empreendedor agindo legalmente.

O princípio do usuário-pagador, que está intimamente ligado ao princípio do poluidor-pagador, refere-se àquele que se utiliza de um determinado recurso natural, ainda que na qualidade de consumidor final, e que deve arcar com os custos necessários a tornar possível esse uso, evitando-se que seja suportado pelo Poder Público ou por terceiros. Em outras palavras, quem utiliza o recurso, deve pagar por ele. Desse modo, a crítica sofrida pelo princípio do poluidor-pagador, no sentido de que o consumidor final é que acabaria arcando com o ônus da preservação, na medida em que o custo seria repassado ao produto, foi respondida. Nesse caso, permitindo os mecanismos do mercado que o custo total da prevenção/reparação dos danos ambientais seja repassado ao produto, o que nem sempre ocorre, somente arcará com ele aquele que efetivamente o utilize, e não toda a sociedade, como ocorria antes.

5.5 Princípio da Participação

As comunidades envolvidas e a população de uma maneira geral têm o direito de participar dos processos que definem políticas públicas para o meio ambiente (CR/1.988, art. 225, §1°, inciso VI). Assim, o princípio da participação diz respeito ao cumprimento, pela coletividade, de cuidar do meio ambiente.

Esse princípio se perfaz pela atuação de associações de defesa do meio ambiente, da iniciativa popular para a elaboração de leis de proteção ambiental, da consulta direta às populações interessadas relativamente a questões afetadas ao meio ambiente, da participação em audiências públicas, do ajuizamento de ações judiciais ou oferecimento de recursos administrativos visando à revisão de atos prejudiciais ao ambiente natural, dentre muitos outros.

5.6 Princípio do Acesso à Informação

Toda pessoa deve ter acesso às informações relativas ao meio ambiente. Mesmo que não haja uma demanda específica, as autoridades ambientais têm o dever de

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manter à disposição da população as informações referentes às políticas para o meio ambiente (CF/1.988, art. 225, §1°, incisos IV e VI).

A participação da sociedade na elaboração e implementação de políticas públicas ambientais somente é possível quando há informações suficientes acerca da qualidade do meio ambiente, de que disponham as autoridades públicas. Desse modo, as informações ambientais, com exceção daquelas que envolvam segredo industrial, legalmente protegido, devem ser sistematicamente transmitidas à sociedade, não podendo se restringir, como vem acontecendo, às ocasiões em que ocorreram acidentes ou desastres.

O princípio da informação engloba a obrigação do Estado de oferecer educação ambiental em todos os níveis de ensino, conforme disposto no inciso VI, do §1º, do artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Somente mediante a conscientização induzida pela educação/informação é que se forma uma sociedade ciente da importância de proteger o ambiente natural, capaz, assim, de cumprir a obrigação constitucional de protegê-lo e preservá-lo para as presentes e para as futuras gerações.

O princípio da informação está, na verdade, contido na obrigação da Administração Pública de dar publicidade a todos os seus atos, inscrita no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Publicidade não implica, necessariamente, publicação, mas remete à necessidade de que o conteúdo dos atos praticados estejam à disposição de quem quiser deles tomar conhecimento.

Quando a ação administrativa envolve problemas relacionados ao ambiente natural, além de públicos, deverão ser informados à sociedade, possibilitando, por parte desta, ações tendentes à sua proteção.

A informação ambiental não tem o fim exclusivo de formar a opinião pública. Valioso formar a consciência ambiental, mas com canais próprios, administrativos e judiciais, para manifestar-se. O grande destinatário da informação – o povo, em todos os seus segmentos, incluindo o científico não governamental – tem o que dizer e opinar.

A informação ambiental deve ser transmitida de forma a possibilitar tempo suficiente aos informados para analisarem a matéria e poderem agir diante da Administração Pública e do Poder Judiciário. A informação ambiental deve ser prevista nas convenções internacionais de forma a atingir não somente as pessoas do país onde se produza o dano ao ambiente, como também atingir as pessoas de países vizinhos que possam sofrer as consequências do dano ambiental.

5.7 Princípio da Educação Ambiental

Reforçando os princípios da participação e da informação, a implementação da educação ambiental, já consagrada na Lei 9.795/1999e, e devidamente

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regulamentada pelo Decreto 4.281/2002, buscará preservar o meio ambiente por meio da construção de valores sociais e atitudes voltadas à preservação desse bem.

A educação ambiental deve ser desenvolvida como instrumento capaz de:a) aprimorar a capacidade de participação da população nos processos de

definição das políticas relativas ao meio ambiente; e,b) permitir o pleno exercício da cidadania ambiental (CR/1.988, art. 225, §1°,

inciso VI).

5.8 Princípio da função sócioambiental da propriedade

Por esse princípio, busca-se afirmar que o direito de propriedade deve ser exercido levando-se em conta a noção de sustentabilidade ambiental. A função social da propriedade não se limita à propriedade rural, mas também à propriedade urbana.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, prevê ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado direito de todos, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e para as futuras gerações. Estabeleceu a Carta Federal, portanto uma função – a função ambiental, cuja titularidade foi outorgada ao Estado e à sociedade de um modo geral. Até então, a tutela do meio ambiente era apenas reflexa, na medida em que restava o Estado obrigado a garantir a saúde, a preservar o patrimônio histórico e artístico ou a proteger bens ambientais econômica ou estrategicamente relevantes, alcançando-se, assim, de forma indireta, ações que acabavam por produzir efeitos de proteção ao ambiente natural ou a alguns de seus elementos.

Outro exemplo seria a decretação, por Getúlio Vargas, em 1934, do Código das Águas e do primeiro Código Florestal, cuja motivação estava mais calcada na necessidade de regulamentação de uso de recursos estratégicos, tendo em vista o projeto de industrialização que se desenhava, do que efetivamente de preservação dos mesmos. A inovação traduzida pela Constituição Federal de 1988 deu-se, assim, em duas ordens: conferiu proteção específica ao meio ambiente e repartiu entre o Estado e a sociedade o dever de protegê-lo e preservá-lo para as presentes e para as futuras gerações.

Assim, a função ambiental está relacionada à garantia de que todos possam usufruir de um ambiente sadio, ela atua sobre a integralidade dos bens ambientais e sobre cada um, de forma singular, gerando, por isso, muitas vezes, restrições à sua utilização. Tratando-se de bens ambientais privados, faz surgir restrições ao exercício do direito de propriedade, o que se justifica por serem os bens ambientais, independentemente de seu regime dominial, bens de interesse público, sujeitos, por isso, a um peculiar regime de uso e gozo, bem mais restritivo de que o regime afeto aos bens que não possuem essa natureza. A sujeição de bens ambientais

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privados a um regime jurídico especial é a causa de grande parte dos conflitos ambientais, eis que, aparentemente, já um choque entre o direito de propriedade e o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como qualquer ação protetora implica, quase que sempre, limitação do direito de propriedade, a solução dos conflitos demanda a compreensão dos contornos atuais desse direito, caracterizado, hoje, como limitado e condicionado internamente, seja por normas de vizinhança, seja pela obrigatoriedade de que a propriedade cumpra sua função social.

5.9 Princípio da cooperação entre os povos

Na área ambiental, destaca-se esse princípio pelo fato de que as agressões ao ambiente não ficam restritas ao limite territorial do país em que ocorrem, mas, pelo contrário, podem espalhar-se para os países vizinhos.

A cooperação internacional para a preservação do meio ambiente determina que resguardados a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o governo brasileiro prestará, no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação a outro país, devendo, ainda, manter sistema de comunicação apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de informações com órgãos de outros países (arts, 77 e 78, da Lei 605/1998).

O princípio da cooperação impõe a cooperação entre países, no âmbito internacional; e entre União, Estados e Municípios/Poder Público e sociedade, no âmbito interno, a fim de tornar possível o desafio de se alcançar o desenvolvimento sustentável.

A respeito de cooperação entre os povos, diversos documentos internacionais abordam o tema como a Declaração sobre o Ambiente Humano, resultante da Conferência de Estocolmo, em 1972, ou a agenda 21, produzida durante a Rio-92.

A aplicação desse princípio não significa renúncia à soberania do Estado ou à autodeterminação dos povos, mas a necessidade de cooperação internacional, em especial entre países industrializados e países subdesenvolvidos, na medida em que o intercâmbio de tecnologias, informações, ou conhecimentos científicos são essenciais para que se possam buscar formas alternativas ao atual modo de produção, e que vem gerando contínua e crescente depleção dos recursos naturais.

No âmbito interno, não apenas as diversas entidades estatais devem cooperar entre si, uma vez que a competência material para proteção do meio ambiente e controle da poluição comum, repartindo-se entre União, Estados, Distrito Federal e Município, nos termos do artigo 23 da Constituição Federal de 1988, mas também Poder Público e sociedade devem agir conjuntamente, na escolha de prioridades e nos processos decisórios da política e gestão ambientais.

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6 Competência em matéria ambiental

6.1 Direito brasileiro

A Constituição brasileira garante o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Além disso, conceitua o meio ambiente como “bem de uso comum do povo” e, dessa forma, não pode ser apropriado e é extracomércio.

A partir da Constituição Federal de 1.988, a estrutura política em matéria ambiental passou a ter seus fundamentos fixados em dois dispositivos constitucionais apontados no art. 1º da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), com redação determinada pela Lei n. 8.028/90: os arts. 23, VI e VII, e 225.

6.1.1 Regras de competência

Competência material exclusiva

Constituição Federal 1988, artigo 21:Compete à União:(...)IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;(...)XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;(...)XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)(...)

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XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.

Competência legislativa exclusiva

Constituição Federal 1988, artigo 22: Compete privativamente à União legislar sobre:(...)IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;(...)XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;(...)XIV - populações indígenas;(...)XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;(...)Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Competência material comum

Constituição Federal 1988, artigo 23É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:(...)III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;(...)VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;(...)IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;(...)XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

Competência legislativa concorrente

Constituição Federal 1988, artigo 24Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

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I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;(..)VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;(...)§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Constituição Federal 1988, artigo 30Compete aos Municípios:I - legislar sobre assuntos de interesse local;II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;(...)VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Regras de garantia

Constituição Federal 1988, artigo 5ºTodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:a) partido político com representação no Congresso Nacional;b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;(...)LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de

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entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Constituição Federal 1988, artigo 129O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:(...)III, posse do Prefeito e do Vice-Prefeito no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição;

Constituição Federal 1988, artigo 37A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(...)§4º, Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Constituição Federal 1988 artigo 103Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)I - o Presidente da República;II - a Mesa do Senado Federal;III - a Mesa da Câmara dos Deputados;IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)VI - o Procurador-Geral da República;VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias

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e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

6.2 Federalismo

O Federalismo significa uma forma de Estado, denominada Estado Federal ou Federação, caracterizada pela união de Estados-membros, dotados de autonomia político-constitucional.

O Estado Federal é dotado de personalidade jurídica de direito público internacional, enquanto a União é a entidade federal com personalidade jurídica de direito público interno, autônoma em relação aos Estados-membros e a quem cabe o exercício das prerrogativas de soberania do Estado brasileiro.

O meio ambiente – assim especificamente denominado pela Constituição – está previsto como sendo de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal, de forma concorrente (art. 24). Como competência comum para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estão previstos a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em quaisquer de suas formas (art. 23).

A concorrência enseja a possibilidade de iniciativa na área da legislação ambiental para os Estados e para o Distrito Federal, se a União se mantiver inerte. A competência concorrente poderá exercer-se não só quanto à elaboração de leis, mas de decretos, resoluções e portarias.

Para atender às peculiaridades próprias, os Estados poderão exercer a competência legislativa plena, desde que não exista “lei federal sobre normas gerais” (art. 24, §3º). Essa competência chamada “plena”, entretanto, sofre dupla limitação – qualitativa e temporal: a norma estadual não pode exorbitar da peculiaridade ou do interesse próprio do Estado e terá que se ajustar ao disposto em norma federal ambiental superveniente.

A Constituição brasileira não conceitua norma geral. Resta à doutrina e à jurisprudência essa tarefa. A norma geral visa à aplicação da mesma regra em um determinado espaço territorial. A norma geral federal ambiental, ou em outra matéria de competência concorrente, não precisa necessariamente abranger todo o território brasileiro. Uma norma geral ambiental federal poderá dispor, por exemplo, sobre as áreas previstas no art. 225, §4º - Floresta Amazônica Brasileira, Serra do Mar, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira. A norma geral pode abranger somente um ecossistema, uma bacia hidrográfica ou somente uma espécie vegetal ou animal.

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A União está obrigada a inserir na norma geral o conteúdo dos acordos, tratados ou convenções internacionais já ratificados, depositados e promulgados pelo Brasil, como, evidentemente, guardar fidelidade à Constituição em vigor.

6.3 País e Forma de Estado

A palavra país revela-nos a ideia de unidade geográfica, onde se assenta a manifestação da cultura, história e economia do povo brasileiro.

O conceito de país não se confunde com o de Estado. Com efeito, este é a ficção jurídica que possui poder com fim específico e essencial destinado a regular as relações entre os membros de uma população sobre determinado território. Retiram-se do conceito de Estado quatro elementos essenciais: povo, território, poder e finalidade.

Dessa forma, não podemos ter pelo conceito de país o mesmo de Estado. Exemplificando, é correto afirmar que o nome do nosso país é Brasil, enquanto o do nosso Estado é República Federativa do Brasil.

6.4 Estado Democrático de Direito

Vale observar que o art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, preceitua que: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito.”

6.5 Território e Forma de Estado

Território é o limite espacial onde o Estado exerce o seu poder de império. A forma de Estado é o modo pelo qual será exercido esse poder, visando a aplicação dos seus fins sobre a população.

Se o exercício desse poder de império não se encontra ramificado, estamos diante de um Estado Unitário, enquanto um Estado Federal caracteriza-se pela união de vários Estados, que cederam sua soberania a um ente central, mantendo somente poderes de autoconstituição, auto-organização, autogoverno e autoadministração.

6.6 Soberania e Autonomia

No federalismo, deve-se frisar que o titular da soberania é o Estado Federal, enquanto os Estados-membros são detentores de autonomia.

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Como titular da soberania, o Estado Federal exerce-a no aspecto externo, pelo fato de ser pessoa jurídica de direito público externo. Já no âmbito interno, vê-se representado pela União, detentora do exercício desse poder.

Com relação à autonomia, esta é formada por dois elementos essenciais: a) existência de órgãos governamentais próprios; e b) posse de competências exclusivas.

6.7 Repartição das competências

Na repartição de competências legislativas aplica-se o princípio da predominância dos interesses, de modo que à União caberão as matérias de interesse nacional, aos Estados, as de interesse regional, enquanto aos Municípios tocarão as competências legislativas de interesse local.

O legislador constituinte adotou o sistema alemão de repartição de competências, criando, para tanto, as exclusivas, as privativas como possibilidade de delegação, as concorrentes com a formação das normas gerais e as suplementares e residuais dos Estados e Municípios.

6.8 Classificação das competências

As competências são divididas em material e legislativa.

A competência material se divide em:• Exclusiva – art. 21 da CF• Comum – art. 23 da CF

A competência legislativa se divide em:• Exclusiva – art. 25, §§1º e 2º, da CF• Privativa – art. 22, par. ún., da CF• Concorrente – art. 24 da CF• Suplementar – art. 24, §2º e art. 30, II, da CF

6.9 Competência legislativa, concorrente ou suplementar dos Estados em matéria ambiental

A CF atribui competência legislativa sobre assuntos do meio ambiente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, conforme dispõe o art. 24, V, VI e VII. Como se observa, trata-se de competência legislativa concorrente, estando limitada a União a estabelecer normas gerais (art. 24, §1º). Aos Estados e ao Distrito Federal caberá a suplementação dessas normas gerais.

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Não se deve perder de vista que aos Municípios também é atribuída a competência legislativa suplementar, determinando o art. 30, II, competir a eles suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Com isso, é correto afirmar que não é a União que detém em nosso ordenamento jurídico o maior número de competências exclusivas e privativas; os Estados, os Municípios e mesmo o Distrito Federal passaram, a partir de 1.988, a ter maior autonomia no sentido de poderem legislar sobre grande número de matérias.

Diz o art. 24, §2º, da CF: “A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”.

Suplemento é o que supre, a “parte que se ajunta a um todo para ampliá-lo ou para aperfeiçoá-lo. O que serve para suprir qualquer falta”. A capacidade suplementária está condicionada à necessidade de aperfeiçoar a legislação federal ou diante da constatação de lacunas ou de imperfeições da norma geral federal.

Ressalte-se que não se pode suplementar um texto legal para descumpri-lo ou para deturpar sua intenção, isto é, para desviar-se da mens legis ambiental federal.

6.10. Competência ambiental comum, material, administrativa ou de execução

A proteção do meio ambiente está adaptada à competência material comum, ou seja, proteção ambiental adstrita a normas que conferem deveres aos entes da Federação e não simplesmente faculdades.

Aludida competência material comum está preceituada no art. 23, VI e VII, da CF.

O art. 23 merece ser colocado em prática em concordância com o art. 18 da mesma CF, que determina: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

A autonomia não significa desunião dos entes federados. Também não deve produzir conflito e dispersão de esforços. Mas a autonomia deve ensejar que o Município tenha ou possa ter sistemas de atuação administrativa não semelhantes ou desiguais aos vigentes nos Estados. Os Estados, por sua vez, poderão ter, também, sua organização administrativa ambiental diferente do Governo Federal. Assim, as normas gerais federais ambientais não podem ferir a autonomia dos Estados e dos Municípios, exigindo dos mesmos uma estrutura administrativa ambiental idêntica à praticada no âmbito federal.

A competência dos Estados para legislar, quando a União já editou uma norma geral, pressupõe uma obediência à norma federal, se editada de acordo com a

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Constituição Federal. Situa-se no campo da hierarquia das normas e faz parte de um sistema chamado de “fidelidade federal”. Não é a mesma situação perante a implementação administrativa da lei (art. 23 da CF), onde não há hierarquia nas atuações das diferentes Administrações Públicas.

Leis infraconstitucionais não podem repartir ou atribuir competências, a não ser que a própria Constituição Federal tenha previsto essa situação, como o fez explicitamente no art. 22, parágrafo único, quando previu que a competência comum estabelecendo normas de cooperação será objeto de lei complementar.

6.11 A importância do Município

O Município, adotado como ente federativo, conforme preceituam os arts. 1º e 18 da CF, recebeu autonomia, possuindo competências exclusivas (art. 30) e organização política própria (art. 29).

Interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município competência para legislar sobre assuntos locais, está se referindo aos interesses que atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local, “não deixam de afetar o Estado e mesmo o país”.

Neste capítulo, verificamos os conceitos básicos de meio ambiente e os princípios fundamentais do direito ambiental e as competências em matéria ambiental.

Resumo

Atividades

Atividade 1

Atividade 2

Conceitue o princípio do Desenvolvimento Sustentável e descreva os aspectos relacionando-os com a Eco-92 e os instrumentos que resultaram dessa Convenção.

Acerca da Constituição Federal e do meio ambiente marque a afirmativa correta:

a) aquele que explorar recursos minerais não está obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei;

b) as usinas que operam com reator nuclear deverão ter sua localização

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definida em Plano de Controle Ambiental e Licenciamento ambiental, sem o qual não poderão ser instaladas;

c) para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, é exigido apenas o licenciamento ambiental, sendo que o estudo prévio de impacto ambiental é apenas a publicidade que se dá ao licenciamento desse empreendimento;

d) para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao poder público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

e) as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas, a sanções administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Diferencie o princípio da prevenção do princípio da precaução no Direito Ambiental. Atividade 3

Atividade 4A respeito da Constituição Federal e do meio ambiente, marque (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as afirmativas falsas.

a) ( ) Na Constituição Federal, são expressamente previstos como patrimônio nacional, a Serra do Mar, a floresta Amazônica o Pantanal Mato-grossense e a caatinga, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

b) ( ) Segundo a Constituição, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, ficando automaticamente declarados de interesse público para desapropriação futura.

c) ( ) Os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade da sociedade brasileira, incluídos os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico são parte do meio ambiente cultural protegidos pela Constituição Federal 1988.

d) ( ) São bens disponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

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Com relação aos princípios do direito ambiental, assinale a afirmativa correta:

a) São considerados norteadores do direito ambiental, entre outros, os princípios: do direito à sadia qualidade de vida, do desenvolvimento sustentável, do acesso eqüitativo aos recursos naturais, da precaução e da informação.

b) A precaução caracteriza-se pela ação compensatória diante do risco ou do perigo.

c) Os princípios da participação comunitária e da eqüidade intergeracional têm sede constitucional, uma vez que a Constituição brasileira estabelece a faculdade de a coletividade praticar atos com vistas à proteção do meio ambiente e sua preservação em prol das presentes e futuras gerações.

d) O princípio do desenvolvimento sustentável preconiza um elo entre o social e o econômico, estando referido em diversas declarações internacionais, mas, por não estar previsto expressamente na Constituição brasileira, atua apenas como aspiração social e vetor ideológico para a atividade econômica, preconizando a maximização dos lucros com a geração de renda.

e) O princípio da precaução é amplamente observado pelos Estados, de modo a proteger o meio ambiente sempre que houver certeza científica da ameaça de danos sérios ou irreversíveis ao mesmo.

Atividade 5

LEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito Ambiental.Elsevier. Rio de Janeiro. RJ. 2008. ISBN: 978-85-352-2919-6

LIMA, Silvio Wanderley do Nascimento. Agências Reguladoras e Meio Ambiente. Caderno Doutrina. In: Revista IOB de Direito Administrativo. Ano II, nº 15, Março de 2007. ISBN: 18097448.

MACHADO, P.A.L. Direito Ambiental Brasileiro. 13. Ed. Malheiros Editores. São Paulo. SP. 2005 ISBN 85-7420-635-0

Referências

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RECURSOS HÍDRICOS E FLORESTAIS

Neste capítulo, inicialmente iremos estudar os fundamentos, objetivos e diretrizes da política nacional de recursos hídricos, bem como seus instrumentos sob o ponto de vista do direito ambiental.

De início, deveremos conhecer a água como bem de uso comum do povo, dotado de valor econômico e a abrangência da dominialidade pública.

Abordaremos os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos a partir da relação da água com o desenvolvimento sustentável e da prevenção de enchentes.

Nos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, veremos planos de recursos hídricos, enquadramento dos corpos de água de classes, segundo os seus usos preponderantes, outorga de direito de uso, cobrança pelo uso das águas e o sistema de informações sobre recursos hídricos, bem como a composição e competências do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos.

Também será abordado cada artigo do Código Florestal, comentados, relacionando competências , poder de política etc.

Portanto, o segundo capítulo proporciona o conhecimento da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Código Florestal, da inter-relação entre essas políticas e a gestão ambiental.

2Rodrigo Borges de Barros

Carolina Oliveira Pinto

Introdução

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Ao término dos estudos propostos neste capítulo, esperamos que você esteja apto(a) a:

• estudar o Meio Ambiente Natural, bem como suas principais espécies: ar, água, solo, fauna e flora;

• interpretar a Política Nacional de Recursos Hídricos;• compreender a importância da gestão integrada e descentralizada dos

Recursos Hídricos;• compreender os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos,

sua aplicação e suas restrições.

Objetivos

Esquema1. Bens ambientais na constituição da república1.1. Águas1.2. Recursos minerais e energia nuclear e hidráulica2. Política nacional de recursos hídricos2.1. Princípios da política nacional de recursos hídricos2.2. Objetivos da política nacional de recursos hídricos2.3. Diretrizes gerais de ação2.4. Instrumentos da política nacional de recursos hídricos 2.4.1. Planos de recursos hídricos2.4.2 Enquadramento dos corpos de água de classes, segundo os seus usos

preponderantes2.4.3. Outorga2.4.3.1. Conceito, finalidade e prazo2.4.3.2. Natureza jurídica 2.4.3.3. Abrangência 2.4.3.4. Competência para outorgar e delegação da outorga 2.4.3.5. Não exigibilidade da outorga2.4.3.6. Suspensão da outorga2.4.3.7. Outorga e estudo prévio de impacto ambiental2.4.3.8. Outorga e licenciamento ambiental2.4.4. Cobrança pelo uso das águas2.4.4.1. Finalidade2.4.4.2. Natureza jurídica dos valores arrecadados 2.4.4.3. Cobrança e outorga2.4.4.4. Cobrança pelo uso de recursos pelas concessionárias de energia elétrica2.4.4.5. Fixação dos valores a serem cobrados2.4.4.6. Aplicação dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos

hídricos2.4.5. Sistema de informações sobre recursos hídricos

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2.5. Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos 2.5.1. Composição2.5.1.1. Conselho nacional de recursos hídricos2.5.1.2. Agência nacional das águas - ana2.5.1.3. Conselhos estaduais2.5.1.4. Comitês de bacias hidrográficas 2.5.1.5. Agências de águas3. Código florestal3.1. Base constitucional3.1.1. Direito de propriedade é relativo3.1.2. Competência legislativa3.2. Poder de polícia florestal é vinculado3.3. Comentários ao código florestal

1 BENS AMBIENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

1.1 ÁGUAS

Regime dominial (art. 20, incisos III e IV e art. 26, inciso I);

Art. 20. São bens da União: (...)III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos/critérios de outorga do direito de uso da água (art. 21, inciso XIX);

Art. 21. Compete à União:(...)XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

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Compensação financeira pela exploração de recursos hídricos para geração de energia elétrica (art. 20, §1°);

Art. 20. (...)§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Competência para legislar sobre águas (art. 22, inciso IV);

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:(...)IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão

Aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas (art. 231, §3°; art. 49, inciso XVI).

Art. 231. (...)§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:(...)XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;

1.2. Recursos Minerais e energia nuclear e hidráulica

Regime dominial (art. 20, incisos VIII e IX; art. 176, caput);

Art. 20. São bens da União:(...)VIII - os potenciais de energia hidráulica;IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

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Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

Obrigação constitucional de recuperação de áreas afetadas por atividades de mineração (art. 225, §2°);

Art. 225.§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Competência para legislar sobre energia (art. 22, inciso IV);

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:(...)IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão

Aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas (art. 231, §3°; art. 49, inciso XVI);

Art. 231. (...)§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:(...)XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;

Monopólio da União sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados (art. 21, inciso XXIII; art. 177, inciso V);

Art. 21. Compete à União:(...)XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os

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seguintes princípios e condições:a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

Art. 177. Constituem monopólio da União:(...)V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

Responsabilidade civil por danos nucleares (art. 21, inciso XXIII, “c”);

Art. 21. Compete à União:(...)XXIII – (...)c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

Localização de usinas com reatores nucleares (art. 21, inciso XXIII, “a”; art. 49, inciso XIV).

Art. 21. Compete à União:(...)XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

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Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:(...)XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares.

2 POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOSAntes de proferirmos quaisquer comentários a respeito da política nacional de recursos hídricos, imprescindível é fazermos algumas considerações acerca de Meio Ambiente, bem como do Direito Ambiental, ramo do Direito a que pertence a matéria objeto desta exposição.

Tanto a palavra “meio” como a “ambiente” têm diversas conotações. Juridicamente, que é o sentido que nos interessa, existem duas acepções da palavra meio ambiente, uma estrita e uma ampla. Na visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio natural e as relações com e entre os seres vivos. Já em sentido amplo, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, bem como os bens culturas correlatos. Neste sentido, temos de um lado meio ambiente natural, constituído pelo, solo, pela água, pelo, ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, de outro, o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Adotando essa visão larga, José Afonso da Silva definiu o meio como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

Adotando essa visão ampla, com base no nosso ordenamento jurídico e sem entrar no mérito das disputas doutrinárias acerca da existência ou não do Direito ambiental, Édis Milaré definiu o Direito do ambiente como “o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”.

Curiosidade

Édis Milaré afirma que a controvérsia sobre a existência do Direito Ambiental ainda não está totalmente superado, vez que Paulo de Bessa Antunes afirmava em seu livro de 1992 que esse ramo do direito não existia por não estarem seus princípios amadurecidos, tendo, entretanto, modificado seu entendimento em 1999. Lembra ainda, que Toshio Mukai na terceira edição de seu livro “Direito ambiental sistematizado” continua a negar autonomia científica ao Direito ambiental.

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Os princípios informadores desse ramo do Direito, segundo Paulo Affonso Leme Machado são:

• princípio do direito à sadia qualidade de vida (significa que hoje, não basta viver ou conservar a vida, é justo buscar-se a “qualidade de vida”. Direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado) ;

• princípio do acesso equitativo aos recursos ambientais (não basta vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização);

• princípios usuário-pagador e poluidor-pagador (o primeiro significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível essa utilização, bem como os custos advindos de seu próprio uso; o segundo obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que o já foi) ;

• princípio da precaução (significa que, na ausência de informação científica ou de dúvida sobre a existência do risco de dano ambiental, as medidas que visam prevenir esse dano devem ser tomadas);

• princípio da prevenção (significa que uma vez constatada a existência da possibilidade de dano ambiental, as medidas para evitá-lo devem ser tomadas. Pressupõe o conhecimento do que prevenir);

• princípio da reparação (significa que uma vez ocorrido o dano, surge a obrigação do causador de repará-lo. No Brasil, a responsabilidade é objetiva);

• princípio da informação (que dizer que o povo tem direito às informações sobre o meio ambiente para que possam posicionar-se diante delas);

• princípio da participação (expressa a ideia de que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada ênfase à cooperação entre Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política ambiental);

O Direito ambiental encontra seu fundamento no art. 225 da Carta Magna. De acordo com este dispositivo constitucional, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Os parágrafos do art. 225 da CF/88, por sua vez, trazem os instrumentos e ações a serem desenvolvidos para que esse direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja efetivado.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

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II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

A água, como foi dito, é um dos bens ambientais. A esse recurso ambiental, a Carta Magna dispensou amplo tratamento. Assim, em seus arts. 20, III e 26, I, a CF/88 disciplinou o regime de propriedade dos recursos hídricos.

Art. 20. São bens da União: (...)III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

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Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

De acordo com esses dispositivos constitucionais, as águas são de domínio da União ou do Estado. São de domínio da União as águas marítimas, os potenciais de energia hidráulica, as águas interiores superficiais (rios, lagos e quaisquer águas correntes) situadas em terreno de seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e praias fluviais. Já de domínio dos Estados são as águas superficiais situadas apenas em seus respectivos territórios, salvo as represas decorrentes de obra da União, bem como as águas subterrâneas, independentemente de suas extensões.

A nossa Carta Magna também dispôs que compete à União instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso (art. 21, XIX).

Já no que se refere à competência legislativa em matéria de recursos hídricos, a Lei Maior determina, no seu art. 22, IV, que compete à União privativamente legislar sobre água. Por outro lado, estabeleceu a Carta Magna de 1988 a competência comum da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para, dentre outras coisas, promover programas de construção de moradias e de saneamento básico (art. 23, IX); proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, VI); registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art. 23, IX).

Parada Obrigatória

Paulo Affonso Leme Machado ensina que legislar sobre águas significa que os padrões de qualidade das águas deverão ser estabelecidos somente pela União. Assim, dar critério para classificação das águas dos rios, lagos, lagoas, etc. compete somente à União. Contudo, nas águas estaduais, competirá aos órgãos estaduais fazer a aplicação dos critérios federais e fazer a classificação. Neste sentido, podem os Estados legislar sobre o que pode ser lançado na água, bem como a quantidade permitida, porque isso é matéria que diz respeito primeiramente ao poder de polícia dos Estados. Entretanto, conforme forem essas normas, poder-se-á atingir ou não o padrão de qualidade determinado pela norma federal. Assim, a norma de emissão estadual deverá conformar-se com a norma federal de qualidade das águas.

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Então, regulamentando o art. 21, XIX da Constituição Federal/88, foi editada em 9/01/1997, a Lei nº 9433/98, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Antes de analisarmos as leis que instituíram a política nacional de recursos hídricos, para melhor compreensão do tema, imprescindível é uma pequena passagem pela evolução histórica- legislativa da proteção jurídica das águas no Brasil.

Antônio Hermam de Vasconcelos e Benjamim identifica 3 momentos históricos na evolução legislativo-ambiental brasileira: a fase da exploração desregrada, a fase fragmentária e a fase holística.

A fase da exploração desregrada, que compreendeu o período entre o descobrimento do Brasil, em 1.500 até aproximadamente meados do século XIX, foi caracterizada pela edição de parcas e esparsas normas ambientais que eram coniventes com a exploração desenfreada. Essas normas, ao contrário do que deveria ser, estimulavam a ação dos predadores e a exploração ambiental não sustentável. Eram normas que visavam, primeiramente, assegurar interesses econômicos (protegendo recursos naturais preciosos em acelerado processo de exaurimento, como o pau-brasil e demais riquezas florestais) e resguardar a saúde. Neste período foi editado o Código Civil de 1916, que apesar de regular o direito de uso das águas, não se referiu diretamente ao seu domínio (a proteção por ele efetivada fundava-se basicamente no direito de vizinhança e na utilização da água como bem privado e de valor econômico limitado). Também veio o Código de Águas (Decreto 24.634/34), onde foi a água tratada como um dos elementos básicos de desenvolvimento, por ser matéria-prima para a geração de eletricidade, um subproduto essencial da industrialização, entre outras.

Já a fase fragmentária caracterizou-se por uma valoração jurídica do meio ambiente, embalada pela proliferação, no mundo, de um novo pensamento: o “ecológico”, iniciado pelo biólogo alemão Ernst Haeckel. Esta consciência foi despertada realmente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre ambiente humano, em Estocolmo, em 1972, onde foram estabelecidos os princípios de um novo ramo do Direito: o Direito ambiental. Neste período, houve uma maior preocupação ecológica com o ambiente por parte do legislador que impôs limites legais às atividades exploratórias. Essa preocupação foi, entretanto, específica, ou seja, setorizada por categorias de recursos hídricos (isto porque não se tinha a consciência de que esses recursos fazem parte de um sistema uno e complexo). Durante esse período, foram editadas, entre outras leis, o Código Florestal e a Lei da Ação Popular.

Por fim, tem-se a fase holística. Nesta fase, houve a solidificação do pensamento jurídico ambiental no sentido de se preservar o meio ambiente como um sistema ecológico integrado (onde as partes, os bens ambientais, são protegidos como um todo) e com autonomia valorativa (por ser em si mesmo um bem jurídico). O início do pensamento holístico começou com a edição da Lei 6938/81, que além de tutelar de forma dispersa os diferentes bens ambientais, tratou o meio ambiente

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como um todo. Posteriormente, foi editada a Lei da Ação Civil Pública (que criou o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente), bem como promulgada a CF/88, que substitui laconismo existente na Carta Magna anterior, dedicando um capítulo inteiro ao sistema jurídico ambiental.

No que concerne ao bem ambiental “água”, a Constituição Federal/88 o caracterizou como um recurso econômico, dispensando-lhe também enorme tratamento (arts. 20, §1º; 21, XII, b e XIX; 43, § 2º, IV e § 3º’; 176, “caput” e § 1º; CF/88). Uma das maiores alterações foi a extinção do domínio privado da água, previsto no Código de Águas. Em relação a este recurso ambiental, importante foi também a edição da Lei 9433/97, conforme veremos.

Por último, fechando esta fase, até o momento, pelo menos, tivemos a Lei dos Crimes contra o meio ambiente (lei 9.605/98), onde há a previsão de sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Antes, ainda, de analisarmos as leis que instituíram a política nacional de recursos hídricos, cabe-nos esclarecer que, em que pese alguns especialistas distinguirem os termos “recursos hídricos” e “águas”, que de fato são diferentes, adotando o posicionamento de Paulo Affonso Leme Machado, os empregaremos nesta exposição como sinônimos, pois a lei que institui a Política nacional de Recursos Hídricos não os empregou com uma divisão rigorosa.

Dicas

Aninho M. Irachande e Demétrios Christofidis, afirmam que o termo “recursos hídricos” deve ser empregado apenas quando se tratar de questões atinentes ao uso e o termo “águas” quando forem incluídas aquelas que não devem ser usadas por questões ambientais. Ou seja, sempre que a proteção ambiental das águas for considerada, o termo “água” deve ser substituído por “recursos hídricos”.

2.1 PRINCÍPIOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS

De acordo com a lei, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) tem 6 princípios ou fundamentos.

O primeiro fundamento diz que a água é um bem de domínio público. Assim, água é tida pela lei como um bem público. Paulo Afonso Leme Machado ensina que se trata, na verdade, de um bem público pertencente à categoria de bem de uso comum do povo. Isto porque como é um dos elementos do meio ambiente, a ela

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aplica o art. 225 da Constituição Federal, que qualifica o meio ambiente como bem de uso comum do povo.

Curiosidade

Ensina Helly Lopes Meireles : “A expressão domínio público ora significa o poder que o Estado exerce sobre os bens próprios e alheios, ora designa a condição desses bens. A mesma expressão pode ainda ser tomada como o conjunto de bens destinados ao uso público (direto ou indireto – geral ou especial) – (uti singuli ou uti universi), como pode designar o regime a que se subordina esse complexo de coisas afetadas de interesse público.” Diz ainda: “Neste sentido amplo e genérico o domínio público abrange não só os bens das pessoas jurídicas de Direito Público interno como as demais coisas que, por sua utilidade coletiva, merecem a proteção do poder público, tais como a água, as jazidas, as florestas, a fauna, o espaço aéreo e as que interessam ao patrimônio histórico e artístico nacional”.

Destaque-se que a dominialidade pública da água não transforma o Poder Público federal e estadual em proprietário da água, mas apenas em gestor desse bem no interesse de todos (assim, podemos dizer que o ente público só é proprietário da água no sentido puramente formal, sendo, na substância, um simples gestor do bem de uso coletivo).

Ponto chave

Na verdade, a presença do poder público no setor hídrico objetiva, como se observa do art. 11 da Lei 9433/97, visa assegurar o controle qualitativo e quantitativo dos usos da água bem como o efetivo exercício dos direitos de acesso a água.

Dessa conceituação da água como “bem de uso comum do povo” decorrem várias conseqüências. Assim, o uso da água não pode ser apropriado por uma pessoa, física ou jurídica, ou grupo de pessoas, com a exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado e a concessão ou autorização (ou qualquer outro tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada pelo gestor público.

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Importante é também destacarmos que como a Lei 9433/97 usa a locução “água é um bem de domínio público”, não especificando a água a ser considerada, todas elas passaram a ser de domínio público, estando, dessa forma, revogado o art. 57 do Código de Águas que afirma que são particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos particulares.

De acordo, com a nossa Constituição (arts. 20, II; 26, I;) as águas podem de domínio da União ou do Estado. São de domínio da União as águas marítimas, os potenciais de energia hidráulica, as águas interiores superficiais (rios, lagos e quaisquer águas corrente) situadas em terreno de seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenha, bem como os terrenos marginais e praias fluviais. Já de domínio dos Estados são as águas superficiais situadas apenas em seus respectivos territórios, salvo as represas decorrentes de obra da União, bem como as águas subterrâneas, independentemente de suas extensões.

Importante

Destaque-se que nem a CF/88 e nem a Lei nº 9.433/97 trataram das águas pluviais (que são as que procedem das chuvas); o Código de Águas, na parte que trata da propriedade dessas águas, está em vigor. Esse Código estabelece que se as águas das chuvas caírem em terreno privado, ao seu proprietário inicialmente pertencerão. Se caírem em terrenos ou lugares públicos, todos poderão ir apanhá-las. Segundo este, ainda, a apropriação será feita de acordo com as necessidades tanto do proprietário privado como de qualquer um do povo. No caso, inclusive, de águas pluviais caídas em terreno privado, o proprietário deste não poderá desperdiçá-las nem desviá-las de seu curso normal.

O segundo fundamento da política nacional de recursos hídricos é a água é um recurso limitado de valor econômico;

Trata-se da consagração do entendimento de que os recursos hídricos são esgotáveis e vulneráveis, ao contrário do que se raciocinou anteriormente no mundo e no Brasil.

A própria lei 9433/97, em seu art. 19, afirma que “a cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I- reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor....”.

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Ressalte-se que, apesar de a lei impor a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a água necessária para as necessidades básicas de cada pessoa, em que cada um vai diretamente abastecer-se, é gratuita, pois se trata de uma captação insignificante do ponto de vista econômico, consoante interpretação dos arts. 20 e 12, $ 1º, I e II, da Lei 9433/97.

Destaque-se que, apesar de ter passado a água a ser mensurada dentro dos valores da economia, isto não significa que se possam ser admitidas condutas que possibilitem as pessoas usarem esse recurso natural a seu bel-prazer mediante o simples pagamento.

Essa valorização econômica, ressalte-se, deve levar em conta o preço da conservação, da recuperação e da melhor distribuição desse bem. O terceiro e quarto fundamentos são intimamente ligados e expressam a ideia de que “a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas” sendo que “em situações de escassez, uso prioritário é o consumo humano e a dessedentação de animais”;

Assim, o princípio geral é o de que “a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas”, mas em “situações de escassez”, o uso prioritário é o consumo humano e a dessedentação de animais”.

Esse fundamento expressa a tendência moderna de legislações nacionais e tratados internacionais de buscar um equilíbrio entre os diversos usos da água, estabelecendo-se as prioridades a partir das necessidades sociais vigentes.

Dessa forma, presente a escassez das águas, cumpre o órgão público federal ou estadual pela outorga dos direitos de uso das águas suspender parcial ou totalmente as outorgas que prejudiquem o consumo humano e a dessedentação dos animais (obs.: essa suspensão é atividade vinculada e não discricionária).

Importante

Importante é destacarmos que no consumo humano somente está compreendido o uso apenas para as necessidades mínimas, ou seja, água para beber, para comer e para higiene, não estando incluído o uso para o lazer, como piscina, e nem para a jardinagem.

No que se refere aos animais, apesar de se assegurar água para a sua dessedentação, não há prioridade para a utilização de água para o abate e comercialização destes animais, devendo-se seguir, nesta parte, as normas comuns de racionamento, a serem previstas na regulamentação.

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Já o uso múltiplo das águas (fundamento essencial da política nacional de recursos hídricos e que vem substituir o atual uso dominante para fins energéticos), deve ser procurado através do Plano de Recursos Hídricos quando for abordar as “prioridades de uso dos recursos hídricos” (art. 7º, VIII, da Lei 94.33/97), já que a multiplicidade dos usos das águas é imensa e não está enumerada na sua totalidade pela lei. Proíbe, a lei, dessa forma, que o Poder Público privilegie um ou alguns do uso da água.

Sintetizando

Do fundamento do uso múltiplo das águas decorre a proibição de ser privilegiado um ou somente alguns usos. Dessa forma, é imperativo o estudo da viabilidade ecológica da outorga de vários e concomitantes direitos de uso, sendo expressa a lei, no seu art. 13, parágrafo único, nesse sentido ao dispor que “a outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo destes”

O quinto fundamento da política brasileira nacional de recursos hídricos é que ”a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos é a bacia geográfica”;

Assim, apesar das águas serem de domínio da União ou dos Estados, conforme os arts. 20 e 26 da Carta Magna, a implementação da política nacional e estadual dos recursos hídricos não será embasada nos limites da União ou dos Estados, mas, sim, nos limites da bacia hidrográfica.

Paulo Affonso Leme Machado ensina “que a implementação dessas diretrizes, através dos Comitês de Bacias Hidrográficas, é que vai tornar efetiva a ideia da “bacia hidrográfica” como unidade territorial básica para efetivação da Política Nacional de Recursos Hídricos.”

Apesar da lei não ter conceituado “bacia hidrográfica”, aceita-se a sua definição como a área total de drenagem que alimenta uma determinada rede hidrográfica, que é dada pelos glossários científicos.

O último princípio da política nacional de recursos hídricos é que “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”.

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Parada Obrigatória

Vários tratados e declarações internacionais (em especial a Declaração de Dublin, Irlanda, de 1992) já recomendavam expressamente a descentralização na administração dos recursos hídricos, de forma a proporcionar uma parceria entre órgãos públicos, privados e cidadãos interessados no aproveitamento e conservação das águas.

Ensina Paulo Affonso Leme Machado: “A lei comentada prevê organismos em quatro níveis, tendo na base as “Agências de Água” e os “Comitês de Bacia Hidrográfica” e no ápice o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Descentralizar vai significar que nem o Conselho Nacional e nem os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e Distrito Federal vão eles mesmos diretamente administrar as águas. A gestão ou a administração das águas deve ficar com as bases mencionadas. Essa descentralização deve ser efetivada através .... com a transferência de atribuições ou poderes tradicionais da União e dos Estados para os novos órgãos hídricos. (....)

O poder da Agência Nacional de Águas- ANA para arrecadar as receitas vindas da cobrança pelo uso das águas (art. 4º, IX) é uma inovação que deixa dúvidas no cumprimento da política de descentralização da gestão dos recursos hídricos.”

De acordo com esse fundamento, a gestão poderá ser pública ou mista (pública e privada), dependendo da escolha da União, dos Estados, dos Municípios, dos usuários e das organizações cívicas. Não pode, entretanto, ser totalmente privada, pois os Poderes Públicos, Federal e dos Estados, conforme for o domínio dos mananciais, deverão exercer o controle dos usos das águas através da outorga dos direitos de uso (arts. 11, 29, II, e 30, I, todos da Lei 9433/97).

Quanto à gestão participativa dos recursos hídricos, a lei, inovando, criou mecanismos institucionais de participação dos cidadãos e comunidades usuárias, incluindo seus representantes no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e nos Comitês de Bacia Hidrográfica, órgãos que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Importante

Saliente-se que a participação de órgãos públicos nos Comitês de Bacia Hidrográfica é legalmente limitada à metade do total de representantes, de forma a proporcionar, pelo menos em tese, uma representação minimamente equitativa de Estado e sociedade.

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2.2 OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS

A Política Nacional de Recursos Hídricos tem como objetivos principais:

• assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

• a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vista ao desenvolvimento sustentável;

• a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos hídricos (catástrofes, enchentes, inundações, etc).

Os dois primeiros objetivos constituem, na verdade, apenas a inserção, na legislação sobre recursos hídricos, do princípio do desenvolvimento sustentável, já previsto no art. 225 da Constituição Federal (que assegura a todos os cidadãos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações).

Já a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos hídricos constitui objetivo da política nacional de recursos hídricos porque, ao contrário do que muitos pensam, as enchentes ou inundações ou cheias dos cursos de água são previsíveis e evitáveis.

De acordo com Paulo Affonso Leme Machado, duas diretrizes gerais de ação que auxiliam a consecução desse objetivo são: articulação dos planejamentos dos recursos hídricos e integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão do solo.

2.3 DIRETRIZES GERAIS DE AÇÃO

A Lei 9433/97, procurando orientar os organismos públicos e privados responsáveis pela administração dos recursos hídricos, na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos formulou “diretrizes gerais de ação”, em seu art. 3º.

Assim, a lei prescreve que a gestão dos Recursos Hídricos no Brasil deve:

a) ser sistemática, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;

b) levar em consideração as diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País. Acrescentando a doutrina abalizada que essa gestão deve levar em consideração as diferenças entre as várias bacias hidrográficas, por serem elas as unidades territoriais básicas de implementação da Política Nacional de 0,Recursos Hídricos (PNRH);

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c) integrar-se com a gestão ambiental. Isto porque como a água faz parte do meio ambiente não pode ser gerida de forma isolada em relações aos outros recursos ambientais;

d) articular-se com os setores usuários, e com os planejamentos, regional, estadual e nacional, bem como com a gestão do uso do solo e dos sistemas estuários e zonas costeiras.

Importante é destacarmos que para serem colocadas em prática e não serem excluídas do cotidiano do gerenciamento hídrico é indispensável que sejam inseridas nas várias fases do procedimento de outorga de uso de águas, na elaboração do Plano de Recursos Hídricos e na efetivação do sistema de cobrança pelo uso das águas.

2.4 INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS

Os instrumentos necessários à concretização dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e à gestão integrada dos recursos hídricos, conforme a lei, são:

• os Planos de Recursos Hídricos;• o enquadramento de corpos de água em classes, segundo os usos

preponderantes da água;• outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;• cobrança pelo uso dos recursos hídricos;• sistema de Informações sobre recursos hídricos.

Falemos de cada um deles.

2.4.1 Planos de Recursos Hídricos

Os planos de recursos hídricos são planos diretores que visam fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e o gerenciamento dos recursos hídricos.

Parada Obrigatória

De acordo com Édis Miralé, a razão da criação desses planos de recursos hídricos é a necessidade, para a gestão hídrica, de planejamento institucionalizado. De acordo com esse jurista, não pode o uso das águas ser condicionado apenas a planos setoriais e à decisão de cada caso concreto, sem vinculação com o planejamento do uso dos recursos hídricos da bacia. O plano visa, segundo ele, evitar, entre outras coisas, casuísmos.

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São planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e de seus projetos. Dito prazo é sugerido pelas Agências de Águas, a quem cabe a elaboração do Plano, competindo aos Comitês de Bacia Hidrográfica, aprovar ou não esse prazo.

Paulo Affonso Leme Machado ensina: “O Plano deve ter uma durabilidade condizente com sua implantação e aceitação. Mudanças muito constantes podem levar à inaplicabilidade do Plano. Contudo, o Plano precisa prever sua revisão, para adaptar-se a fatos supervenientes.”

Os planos serão elaborados por bacia, por Estado e para o País. Destaque-se que, como ensina Paulo Affonso Leme Machado, o plano mais importante é o da bacia hidrográfica, porque ela é a unidade territorial de atuação e planejamento do Sistema Nacional e porque a gestão é descentralizada. Dessa forma, as prioridades de usos das águas, p.ex., serão primeiramente procuradas na bacia hidrográfica. Em seguida, fazendo-se os planos estaduais, eles deverão integrar as prioridades apontadas nos planos da bacia hidrográfica. Por fim, o plano do país deve integrar os planos estaduais para estabelecerem as prioridades nacionais.

Questão interessante é que o plano de recurso hídrico do Brasil não precisa ser elaborado através de lei, o que, entretanto, não impede que os Estados prevejam que seus planos sejam veiculados através dessa espécie legislativa. Esses planos podem ter tripla abrangência territorial, isto porque eles têm relação com a área de atuação do comitê de bacia hidrográfica, a qual pode ser uma bacia hidrográfica, uma sub-bacia hidrográfica e um grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas. Assim, o Plano de recursos hídricos pode abranger somente uma sub-bacia ou grupo de sub-bacias hidrográficas, a totalidade de uma bacia ou grupo de bacias hidrográficas.

Destaque-se que, conforme a lição de Paulo Affonso Leme Machado, o Plano de Recursos hídricos estadual não deve planejar somente para os limites políticos do Estado, mas para a realidade de todas as bacias hidrográficas, levando em conta suas relações hídricas com os outros Estados brasileiros e até com países vizinhos.

Esses planos devem ter um conteúdo mínimo indicado pela lei, em seu art. 7º, de forma que a ausência de referido conteúdo é causa de nulidade absoluta do mesmo.

Art. 7º Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão o seguinte conteúdo mínimo:I - diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de

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evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;IV - metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;V - medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas;VI - (VETADO)VII - (VETADO)VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;IX - diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;X - propostas para a criação de áreas sujeitas à restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.

2.4.2 Enquadramento dos Corpos de Água de Classes, segundo os seus Usos Preponderantes

Já o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os seus usos preponderantes, constitui uma medida inerente ao poder de polícia ambiental que visa combater, de forma preventiva, a poluição das águas, através da avaliação dos níveis de qualidade da água, a fim de estabelecer metas a serem atingidas segundo os usos (principais) a que se destinam.

Segundo a lei, esse enquadramento objetiva:

• assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas;

• diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.

O estabelecimento das classes dos corpos de água é atribuição da legislação ambiental, estando atualmente previstas na Resolução CONAMA 357/2005, que estabelece nove classes de uso preponderante, sendo 5 para as águas doces, 2 para as águas salgadas e 2 para as salinas.

O termo “estabelecer” significa, numa primeira fase, dar as características de cada classe e, numa segunda fase, constatar as características existentes de um corpo hídrico e propor as metas para alcançar determinada classe e, finalmente, a fase de classificação de cada corpo hídrico na classe devida.

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Já o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso é atribuição das Agências de Águas, que deveram propô-lo aos Comitês de Bacia Hidrográfica para posterior encaminhamento ao Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais, de acordo com o domínio destes.

Importante é ressaltarmos que apesar do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos poderem concordar com a atual classificação das águas ou com as proposições de estabelecimento de novos níveis de qualidade a serem alcançados, não poderá efetuar nova classificação, o que cabe aos órgãos do meio ambiente.

Outro aspecto relevante é que o enquadramento dos corpos de água deve ser baseado não necessariamente no seu estado atual, mas nos níveis de qualidade que deveriam possuir para atender as necessidades das comunidades.

Destaque-se, também, que toda outorga de direitos de uso de recursos hídricos deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado, conforme determina o art. 13 da lei.

Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.

2.4.3 Outorga

2.4.3.1 Conceito, Finalidade e Prazo

É o ato administrativo que faculta, a particulares e a prestadores de serviços públicos, o uso das águas, em condições preestabelecidas, por tempo determinado. Segundo Édis Miralé, é o mais importante instrumento da PNRH, por ser através dela que será efetivamente implantada a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).

De acordo com o art. 11 da Lei 9433/97, “o regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.” Diante disso, os governos (tanto federal como estadual) não podem conceder ou autorizar usos que agridam a qualidade e a quantidade das águas, assim como não podem agir sem equidade no darem acesso à água.

A outorga de direito de uso de recursos hídricos será concedida por prazo determinado de, no máximo, 35 anos, renovável uma única vez por igual prazo.

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Importante

Como a lei não foi regulamentada, cabe à autoridade competente, discricionariamente, estabelecer referido prazo, considerando a finalidade do uso pretendido, o horizonte do projeto e, sobretudo, os planos da bacia.

Sua renovação deve ser feita antes do término do prazo, sob pena de perda do direito de uso das águas.

Destaque-se que diante da inconstância da disponibilidade hídrica, os outorgados não têm direito adquirido a que o Poder Público lhe forneça o “quantum” de água indicado na outorga. O Poder Público não pode arbitrariamente alterar a outorga, mas pode modificá-la motivadamente, de acordo com o interesse público.

2.4.3.2 Natureza Jurídica

No que respeita a natureza jurídica, de acordo com a lição de Édis Miralé, apesar da lei não ter definido-a, doutrinariamente, parece vingar o entendimento de que se trata de uma autorização. Uma autorização, entretanto, especial, diferente da autorização administrativa, pois com prazo determinado (o que retira a natureza precária desta autorização), e condicionada pois enquanto estiver cumprindo os termos da outorga, o autorizatário terá direito ao uso da água.

Isto porque a outorga, para Helly Lopes Meireles, “será expedida por meio de autorização, que é ato administrativo discricionário e precário pelo o qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade ou a utilização especial de um bem público”.

Destaque-se, também, que para a concessão da outorga não há necessidade de licitação, vez que esta outorga não configura prestação de serviço público, como ocorre quando uma empresa destina-se a distribuir água em uma cidade. (ver art. 175 da CF/88)

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários;III - política tarifária;IV - a obrigação de manter serviço adequado.

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2.4.3.3 Abrangência

Os usos de recursos hídricos sujeitos à outorga pelo Poder Público são (art. 12 da lei das águas):

• derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

• extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

• lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

• aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; • outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água

existente em um corpo de água.

Destaca Paulo Affonso Leme Machado que no inciso V, do art. 12, a lei deu à Administração Publica a possibilidade de alargar os casos em que a outorga hídrica seja obrigatória. A Administração Pública, contudo, terá o ônus de provar a respeito da possibilidade de alteração do regime, da quantidade e/ou qualidade de água existente em um corpo de água.

Já Edis Miralé ressalta que a expressão “tratados ou não”, constante do inciso III do art. 12, não significa a permissão para poluir, mas que todo lançamento deve ser objeto de outorga. Lembra, ainda, que nos termos da Resolução CONAMA 020/86, é possível lançamento sem tratamento desde que os padrões de emissão estabelecidos sejam respeitados.

Destaque-se, por fim, que a ausência de outorga nos casos anteriormente citados configura infração das normas de utilização (art. 49, da lei das águas).

2.4.3.4 Competência para outorgar e delegação da outorga

A outorga efetiva-se por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal, conforme o domínio das águas. Assim, tratando- se de águas da União cabe a mesma conceder a outorga e, de águas de domínio dos Estados e do Distrito Federal, a estes.

Importante é ressaltar, entretanto, que o Poder Executivo Federal poderá delegar competência aos Estados e ao Distrito Federal conceder outorga de direito de uso de recurso hídrico de domínio da União (art. 14, § 1º da lei).

Destaque-se, também, que em qualquer das hipóteses a outorga estará sempre condicionada aos seguintes fatores:

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• prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos;• classificação em que o corpo de água estiver enquadrado na conformidade

da Resolução 357/2005 do Conama;• manutenção da navegabilidade se o rio for efetivamente navegado;• preservação do uso múltiplo das águas.

Obs.: Conforme o art. 21, XIX da CF/88, compete à União definir os critérios de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos. Isso explica porque a lei da águas em seu art. 30, I, determinou que cabe aos Estados e Municípios outorgar os direitos de uso dos recursos hídricos. Na verdade, quando a lei federal assim estabelece está definindo critérios gerais de outorga. Determina, assim, que a área de outorga não pode ficar na gestão privada.

2.4.3.5 Não exigibilidade da outorga

Já os usos que independem de outorga são:

• o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;

• as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;• as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.

Explicando melhor

Paulo Affonso Leme Machado lembra que o critério de insignificância nas hipóteses nos itens b e c não pode ser idêntico para todas as bacias, pois deve levar em consideração a diferença de vazão dos corpos de água, as estações do ano, entre outros fatores.

Para utilização dessas isenções pelo usuário necessário é, entretanto, que o Poder Público edite Regulamento definindo-as e estabelecendo seus limites. (o que até agora não fez)

Para Paulo Affonso Leme Machado, essas isenções configuram verdadeiro direito subjetivo do usuário de usar a água sem a intervenção prévia do Poder Público.

2.4.3.6 Suspensão da outorga

A lei prevê hipóteses em que a outorga de direito de uso de recursos hídricos pode ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado.

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Dentre elas, temos, por exemplo: não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga; ausência de uso por três anos consecutivos; e necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas, dentre outras (art. 15 da lei).

Paulo Affonso Leme Machado ensina que “suspende-se a outorga pela superveniência das circunstâncias acima apontadas. São circunstâncias que não existiam no momento da outorga do direito de uso dos recursos hídricos, porque se essas existissem, a outorga não poderia ter sido legalmente emitida.” Lembra ainda que “A suspensão irá ocorrer pelo advento de circunstâncias que não são de responsabilidade da Administração Pública, nem de responsabilidade do outorgado. É o interesse público geral que torna necessária a suspensão. A medida deverá ser revestida de proporcionalidade e, assim, será por prazo determinado ou definitiva.”

Por fim, destaque-se que não há necessidade de processo administrativo, estando, no entanto, o Poder Público obrigado a motivar o ato de suspensão, por força do princípio da legalidade. Bem como que, pelo menos na legislação referente à Política Nacional de Irrigação (art. 33 do decreto 89496/94, que regulamentou a Lei 6662/79), a regra é a não indenização nos casos de extinção de concessão ou autorização.

2.4.3.7 Outorga e estudo Prévio de Impacto Ambiental

A outorga é instituto diverso do estudo prévio de pacto ambiental. Por isso a outorga não dispensa o estudo prévio de impacto ambiental. Este constitui exigência prevista diretamente na CF/88. Destaque-se, inclusive, que se esse estudo for exigível e não foi exigido, não deve o órgão público conceder a outorga enquanto tal estudo não for apresentado, sob pena de responsabilização civil e criminal. Em sendo apresentado, poderá a autoridade exigir esclarecimentos, vistorias e diligência da equipe multidisciplinar.

Ressalte-se também que o rol constante do art. 2º, VII da Resolução CONAMA 1/86, é meramente exemplificativo.

Caso seja prevista a apresentação do licenciamento ambiental após o deferimento da outorga, a autoridade outorgante poderá ter interesse em acompanhar o estudo, pois este terá repercussão na renovação da outorga.

2.4.3.8 Outorga e Licenciamento Ambiental

Esses dois institutos guardam grande aproximação, podendo até ser unificados, se para tanto houver interesse da Administração Pública. Atualmente, a outorga tem um campo mais amplo, pois deve considerar os planos de recursos hídricos.

A apresentação prévia da licença ou da autorização ambiental dependerá do que constar na legislação ambiental federal, estadual ou municipal pertinente.

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Atualmente, a resolução Conama 237/97 condiciona o licenciamento ambiental à previa outorga do direito do uso dos recursos hídricos.

2.4.4 Cobrança pelo Uso das Águas

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um dos mais importantes instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Essa cobrança introduz no setor hídrico o princípio do usuário-poluidor-pagador previsto na lei da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 4º, VII).

A cobrança pelo uso de recursos hídricos efetiva o princípio da “internalização” dos custos ambientais por aqueles que se aproveitam dos recursos naturais, em geral, e, em especial, das águas. Hoje, estes custos são “externalizados”, ou seja, são pagos por toda a sociedade, inclusive por quem não se aproveita do recurso usado.

2.4.4.1 Finalidade

De acordo com o art. 19, da lei 9433/97, os objetivos dessa cobrança são: a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

b) incentivar a racionalização do uso da água; c) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Destaque-se que como a obtenção dos recursos hídricos só pode ser feita de acordo com o Plano de Recursos Hídricos, sem a existência deste não há modo legal de aplicarem-se os recursos arrecadados pelo uso dos mesmos. Por isso, Paulo Affonso Leme Machado entende que é ilegal a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, se inexistir o Plano de Recursos Hídricos ou se ele for incompleto ou inadequado.

2.4.4.2 natureza jurídica dos valores arrecadados

Imprescindível também é destacarmos que o preço do uso dos recursos hídricos não tem natureza de tributo. Trata-se de preço público, pago pelo uso de um bem público, no interesse particular.

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2.4.4.3 Cobrança e outorga

Os usos que estão sujeitos a cobrança são apenas aqueles que dependem de outorga. Dessa forma, não estão sujeitos à cobrança os usos que independem de outorga.

Importante também é destacar:

• a outorga é ato exclusivo do Poder Publico;• a cobrança decorre dos usos das águas, não sendo uma punição;• nos casos onde é inexigível a outorga, também não se exige a cobrança;• em havendo suspensão de outorga, haverá também a suspensão da

cobrança;• já a cominação da penalidade embargo definitivo acarreta obrigatoriamente

a revogação da outorga, e, por consequência, não se poderá mais efetuar a cobrança;

• a penalidade de embargo provisória, por sua vez, por ter caráter cominatório, não suspende nem revoga a outorga e, consequentemente, não confere ao outorgado o direito de deixar de pagar os valores referentes ao uso dos recursos hídricos.

2.4.4.4 cobrança pelo uso de recursos pelas concessionárias de energia elétrica

Destaque-se também que a previsão de participação nos lucros, prevista no art. 20, § 1º da Constituição Federal/88, não se confunde com a cobrança pelo uso das águas. Assim, as concessionárias de energia elétrica devem pagar pelo simples uso da água, além de pagar pela obtenção de resultados ou lucros, na forma do dispositivo constitucional mencionado.

Dica

Verificar lei federal 7990/89. Dispõe sobre o percentual.

Paulo Affonso Leme Machado lembra, ainda, esse mesmo princípio deve se utilizado para outros usos de água em que haja co-participação nos lucros do Poder Público.

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2.4.4.5 fixação dos valores a serem cobrados

No que concerne à fixação do valor de referida cobrança, esta deverá observar:

• nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;

• nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.

Destaque-se que a análise físico-química, biológica e à referente a toxicidade do efluente, procedidas na fixação dos valores, são independentes das normas de emissão dos efluentes determinadas pelos órgãos ambientais. Assim, todos os lançamentos devem ser cobrados, estejam ou não nos limites das normas de emissão.

2.4.4.6 Aplicação dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos

Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados, observando também o plano de recurso hídrico.

Dica

Verificar o art. 4º da lei 9984/2000

Referidos valores serão utilizados:

• no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;e

• no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Importante é ressaltar que a utilização dos recursos para o pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é limitada a 7,5 % do

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valor total arrecadado. Assim, 92,5% do valor arrecadado com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos deverão ser utilizados obrigatoriamente no financiamento de estudos, programas, projetos e realização de obras, previstos nos Planos de Recursos Hídricos.

2.4.5 Sistema de Informações Sobre Recursos Hídricos

Um outro instrumento da política nacional de RH é o sistema de informações.Ele se constitui num sistema de coleta, tratamento e armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão.

Quanto à criação e gerenciamento desse sistema, em âmbito nacional, cabe ao Poder Executivo Federal, em âmbito estadual, ao Poder Executivo dos Estados e DF em âmbito estadual; e a as agências de água na sua área de atuação.

Os dados gerados pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos serão incorporados ao Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.

O funcionamento do Sistema Nacional de Informações tem como princípios:

• a descentralização da obtenção e produção de dados e informações; • a coordenação unificada do sistema; • e o acesso aos dados e informações garantido à toda a sociedade.

O Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos tem como objetivos:

• reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil;

• atualizar permanentemente as informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo o território nacional;

• fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.

A organização, implantação e gestão do Sistema Nacional de informações sobre Recursos Hídricos cabem, de acordo com a Lei 9.984/2000 (art.4º, XIV), à ANA.

2.5 SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS

Para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e consecução de seus objetivos, foi criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que se constitui no conjunto de órgãos e entidades que atuam na gestão dos recursos hídricos do Brasil.

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2.5.1 Composição

O Sistema Nacional de Recursos Hídricos é composto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos; pela ANA (Agência Nacional de Águas); pelos Conselhos Estaduais e Distrital de Recursos Hídricos; pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; pelos órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; e pelas Agências de Água.

Importante é destacarmos que esse sistema é, analogicamente, ao que ocorre com o SINAMA, Sistema Nacional de Meio Ambiente. Por isso, é integrado por órgãos dos três níveis de poder, pelos Conselhos Estaduais e pelos Comitês de Bacia hidrográfica, independentemente de serem federais ou estaduais.

Falemos de cada um deles.

2.5.1.1 Conselho Nacional de Recursos Hídricos

É o órgão maior do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGRH) ao qual a lei conferiu importante papel normativo e de articulador do planejamento dos recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários.

O CNRH é composto por representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos; representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; representantes dos usuários dos recursos hídricos e representantes das organizações civis de recursos hídricos.

Dentre as competências do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, destacam-se:

• a promoção da articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários;

• estabelecimento de diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

• estabelecimento de critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso.

2.5.1.2 Agência Nacional das Águas - ANA

É uma autarquia federal sob regime especial ligada ao Ministério do Meio Ambiente, que tem atribuições de órgão técnico, executivo e implementador da PNRH.

A Agência Nacional das Águas (ANA) tem duas ordens de atribuições: as relativas à Política Nacional de Recursos Hídricos e as concernentes às águas de domínio da União.

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Como atribuições relativas à Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), podemos citar: a supervisão, o controle e a avaliação sobre as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos, bem como, a organização, implementação do sistema de informações sobre de recursos hídricos (SNIRH), entre outros.

Já as principais competências em relação às águas federais são: outorgar o direito de uso desses recursos e arrecadar, distribuir e aplicar as receitas auferidas por intermédio da cobrança pelo uso dos recursos hídricos e fiscalizar os usos desses recursos.

2.5.1.3 Conselhos Estaduais

Quanto aos Conselhos Estaduais, esses tem competência para, dentre outras coisas:

• deliberar sobre acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso quando esses recursos forem de domínio estadual;

• autorizar a criação de agências de água em bacias de domínio estadual;• servir de instância recursal para as decisões tomadas pelos comitês de

bacia hidrográfica de rios de domínio estadual.

2.5.1.4 Comitês de Bacias Hidrográficas

São órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas nas bacias hidrográficas de sua área de atuação. Eles funcionam como parlamentos onde se tomam as decisões políticas sobre a utilização das águas.

Apesar de denominar-se “comitê de bacia hidrográfica”, a área de atuação dessa espécie de parlamento pode ser uma bacia hidrográfica; uma sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou um grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.Interessante questão diz respeito à natureza do comitê quando na bacia que ele atua houver rios federais e estaduais. A pergunta que se faz é se estaríamos diante de um comitê “misto” de bacia hidrográfica?

A solução para este problema está na Resolução CNRH 5/2000, que dispôs: “Os Comitês de Bacia Hidrográfica, cujo curso de água principal seja de domínio da União, serão vinculados ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos.” Paulo Affonso Leme Machado lembra que a vinculação desses comitês somente será obrigatória, se nos cursos de água estaduais e tributários do curso principal da União não estiverem sido estabelecidos comitês em sua sub-bacia hidrográfica, como permite o art. 37, II da Lei.

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2.5.1.5 Agências de Águas

As agências de águas são órgãos com personalidade jurídica, criadas para dar apoio aos Comitês de Bacia e arrecadar e gerir os recursos advindos da cobrança pelo uso da água. Por isso, são requisitos para a sua criação a prévia existência do comitê de bacia e sua viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso da água .

Quanto à sua natureza jurídica, Édis Milaré entende que não obstante seja a agência de água na sua essência necessariamente ligada a um ou mais comitês de bacia, não deve ter personalidade jurídica de direito público, mas constituir-se em entidade de direito privado sem fins lucrativos. De acordo com o referido jurista, as agências de águas devem constituir-se sob a forma de uma organização social ou organização da sociedade civil de interesse público, entidades não governamentais autorizadas a executar funções de interesse público. Ressalte-se que uma agência de água pode ter como área de atuação relativa a mais de um comitê.

As agências de águas têm funções típicas de órgão de apoio técnico e outras ligadas à cobrança pelo uso da água.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:

• I - da União; • II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que

parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; • III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; • IV - dos usuários das águas de sua área de atuação; • V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na

bacia.

Dentre as suas competências destacam-se:

• aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; • acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir

as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; • estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e

sugerir os valores a serem cobrados;

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Dentre as primeiras, podemos citar:

• manter balanço atualizado da disponibilidade de água; • promover estudos para a gestão das águas;• elaborar o Plano de Recursos Hídricos;• propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica

o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes;

Dentre as segundas, destacamos:

• analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos;

• acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação; para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica;

• propor os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos; • efetuar a cobrança pelo uso de recursos hídricos por delegação do

outorgante;

3 CÓDIGO FLORESTAL

O novo Código Florestal é a Lei n° 4.771, de 15.09.1965. Atualmente, o Código Florestal é a lei que estabelece critérios e graus de exigência à obediência da função social pelo direito de propriedade, cuja verificação é objeto do poder de polícia.

É o Código Florestal também específico, porque trata da flora, um dos componentes do meio ambiente. Sendo assim, devem prevalecer em relação às demais legislações, no conflito aparente entre leis especiais e gerais.

Agora, em relação ao Código Civil, tanto o de 1916 quanto o de 2002, aplica-se o art. 2°, § 2°, da LICC, não revogando as normas do Código Florestal as normas contidas no Código Civil de1916, tampouco revogando as normas do Código Civil de 2002, as normas contidas no Código Florestal.

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3.1. BASE CONSTITUCIONAL

3.1.1 Direito de Propriedade é relativo

Segundo a Constituição Federal de 1988, o direito de propriedade garantido no inciso XXII, do art. 5°, sofre limitação de igual grandeza, a saber, o atendimento a sua função social (inciso XXIII, do referido artigo). Ambos os dispositivos são autoaplicáveis, consoante parágrafo primeiro do mesmo artigo.

Registrando

A Constituição de muitos países prevê a função social da propriedade, quais sejam, a Constituição do Japão (1946), da Itália (1948), da Alemanha (1949), da Espanha (1978), da Colômbia (1991), e a do Paraguai (1992).

O art. 186 da Constituição Federal de 1988, ao tratar da propriedade rural, apresenta quatro requisitos determinantes da função social, entre eles a preservação do meio ambiente (inciso II), ao tempo em que remete o estabelecimento de critérios e graus de exigência à lei. E o art. 225, da Constituição Federal 1988, reservado ao meio-ambiente, é extensão do inciso II, do art. 186. Por sua vez, os incisos e parágrafos do art. 225 também remetem à lei infraconstitucional quando aborda a limitação da propriedade.

Claro está, portanto, que o tratamento conferido à matéria é de reserva legal, diminuindo o campo de delegação de competência legislativa feita ao poder executivo, sendo de se aplicar o art. 25 do ADCT, entendimento adotado pela jurisprudência pátria (AC 106272/96, TRF-1, Rel. Juíza Eliana Calmon).

3.1.2 Competência legislativa

A Constituição Federal de, 1988, nos seu art. 22, prevê a competência privativa da União, quando a norma estabelecer ou conceituar elementos e requisitos de institutos de direito, ou limitar o exercício de um direito.

Por outro lado, o art. 24, incisos VI e VII, da Constituição Federal de,1988, estabelece a competência concorrente entre a União, estados e Distrito Federal, cabendo à União o estabelecimento de normas gerais, e aos demais, normas supletivas. Então, se ao invés de tratar sobre os elementos, requisitos ou limites de um direito, tratar do efeito jurídico ou do exercício dele, leva-se em consideração

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a competência legislativa concorrente, podendo haver legislação supletiva ou específica, somente naquilo que não contrariar as normas gerais editadas pela União.

O art. 1° do Código Florestal, ao tratar do exercício do direito de propriedade, não pretende entrar no conceito ou extensão do referido direito, pois não intenciona retirar o poder do particular de uma das qualidades da propriedade (usar, gozar, dispor e reaver). Logo, é caso de competência concorrente entre União, estados e Distrito Federal. A única exceção é o plano diretor da política urbana, de competência municipal. Esse é o entendimento da jurisprudência, ao tratar de inúmeros casos envolvendo matéria ambiental.

3.2. PODER DE POLÍCIA FLORESTAL É VINCULADO

Apesar do poder de polícia ser, em regra, discricionário, o poder de polícia florestal é vinculado, porque o Código Florestal prevê o modo e a forma da Administração Pública proceder, bem como as penalidades em caso de inobservância do modo e da forma, não deixando espaço para juízo de conveniência ou oportunidade.

CompetênciaEm matéria de poder de polícia florestal a competência é comum, entre a União, estados e do Distrito Federal, bem como o município, se houver interesse local. No caso de conflito entre os entes federativos, aplica-se o direito que melhor proteger o meio ambiente, seja prevenindo ou sancionando.

3.3. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO FLORESTAL

Art. 1°Ele estabelece alguns conceitos importantes, utilizados ao longo do Código Florestal, sobretudo na aplicação de proibições, restrições e limites de licenciamento (v. arts. 2°, 3°, 16 e 44 , do Código Florestal). Trata-se de um caso de interpretação autêntica.

Uso nocivo da propriedadeSegundo o Código Civil (art. 554, no de 1916, art. 1277, no de 2002), o uso nocivo da propriedade é caracterizado pelo prejuízo à segurança, ao sossego e à saúde. O § 1° do art. 1°, do Código Florestal, adiciona condutas específicas. Por sua vez, a Constituição Federal 1988, no seu art. 225 adicionou o conceito de sadia qualidade de vida, trazida por um meio ambiente equilibrado, incluindo, além do ser humano, todos os seres vivos que compõem o habitat.

Para impedir o uso nocivo da propriedade, foi previsto o procedimento sumário, de acordo com o art. 1°, § 1°, do Código Florestal, c/c art. 275, inciso II, g, do Código

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Processual Civil (nos casos previstos em lei, nas causas de quaisquer valor).

O procedimento sumário deve ser observado até mesmo na ação civil pública, posto que o objeto é obrigação de não fazer (o proprietário deverá retomar o uso da propriedade nos limites autorizados pela lei, deixando de fazer algo nocivo ou continuando a usar a propriedade, mas adequando a utilização aos limites legais), já que a Lei da Ação Civil Pública – LACP, prevê tal condenação (art. 3°, última figura, da Lei n° 7.437, de 24.07.1985), além de não possuir um rito processual definido, havendo aplicação subsidiária do Código Processual Civil, segundo o art. 19 da LACP.

Pequena propriedade ou propriedade familiar (art. 1°, § 2°, inciso I, do Código Florestal)Crítica: a definição trazida pelo Estatuto da Terra (Lei n° 4.504, de 30.11.1964) é mais realista e técnica.

O Código Florestal não explica o que seja atividade agroflorestal, sendo definido pela doutrina como exploração não sazonal, ou seja, uma agricultura perene, centrada em vegetação arbórea.

Além disso, exige que 80% da renda familiar seja obtida dessa forma, critério insuficiente, pois apenas o extrativismo, mesmo ocupando toda a área prevista pode não ser o bastante para sustentar uma família, o que obriga a família a fazer voto de pobreza ou até mesmo de miséria. Para piorar a situação, não foi previsto apoio financeiro para garantir a atividade agroflorestal.

A falha somente pode ser corrigida pela interpretação restritiva do dispositivo, retirando a vinculação de 80% da renda, para as áreas cujo número de módulos rurais de efetivo aproveitamento seja inferior ao especificado pelo INCRA, na região considerada, para a caracterização da propriedade familiar, consoante o Estatuto da Terra.

Área de preservação permanente (art. 1°, § 2°, inciso II, do Código Florestal)O Código Florestal resolveu a antiga polêmica sobre o objeto da preservação permanente: área ou vegetação. Ao adotar a primeira, vinculou a área à função ambiental de preservar os recursos ambientais, protegendo-os melhor do que se fosse exigido o licenciamento para a exploração de atividades nessas áreas. Tal medida importou a quase absoluta proibição de atividades nessas áreas (salvo a hipótese do art. 3°, § 1°, do Código Florestal).

Distinção entre área de preservação permanente e a de reserva legalOutra evolução importante trazida pelo Código Florestal. Antes a área de preservação permanente era computada na área de reserva legal, posto que a primeira, sendo área qualitativa, deveria preencher a área quantitativa, representada pela segunda. Além disso, o princípio constitucional da estrita legalidade implica a oneração mínima a ser imposta ao particular. Por fim, a redação original do art. 16, ao tratar da área de reserva legal, não especificava o seu local, determinado, segundo o próprio dispositivo legal, a critério da autoridade competente.

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Hoje a área de reserva legal é um plus à área de preservação permanente, tendo finalidade paralela. Ao contrário da preservação permanente, que vincula imóvel específico à função ambiental, a reserva legal leva em consideração a biodiversidade regional, não se limitando ao ecossistema interno da propriedade. Não bastasse esse motivo, o art. 1°, § 2°, inciso III, do Código Florestal, introduzido pela MP n° 2.166/01-67 (ainda em vigor, a teor do art. 2° da emenda constitucional n° 32), excluiu expressamente a área de preservação permanente da área de reserva legal.

Tal modificação provocou um aumento de área de servidão administrativa, pois mesmo nas propriedades em que a área de reserva legal já estava definida, foi necessário um aumento para se adequar ao novo tratamento legal, haja vista inexistir direito adquirido a regime jurídico de exploração.

A área de reserva legal é mais onerosa do que a APP, porque nesta cessa o dever de guarda e vigilância da área quando há transferência para o poder público, enquanto que naquela, além de não poder utilizá-la, ainda persiste a possibilidade de preservação do proprietário.

Além disso, a APP incide em domínio público ou privado, enquanto que a ARL incide somente no domínio privado.

Utilidade pública e interesse socialToda a legislação, incluindo a Constituição Federal, não conceitua utilidade pública nem interesse social, devido à volatilidade dessas expressões, que impede o legislador de prever todas as situações concretas que envolvam tais conceitos.

Ao invés de conceituá-los, o que os engessaria, a solução encontrada foi obrigar a Administração Pública a motivar as suas decisões fundadas na utilidade pública ou no interesse social, de modo a possibilitar o controle da moralidade e da impessoalidade administrativa.

Art. 6°, do Decreto-lei n° 3.365/41: “A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, governador, interventor ou prefeito.”

O Código Florestal, no art. 1°, § 2°, incisos IV, a, e V, a e c, ao mencionar resolução do CONAMA, impõe ao decreto que reconhecer a utilidade pública ou o interesse social a obrigação de conter expressamente o referido ato normativo. Em simetria, os decretos estaduais ou municipais devem se referir aos atos normativos editados pelos respectivos conselhos do meio ambiente.

Rol exemplificativoDiante do exposto, conclui-se que o rol das hipóteses de utilidade pública ou de interesse social é exemplificativo, não numerus clausus. Aliás, além do rol previsto no Código Florestal, dispositivos previstos em outras leis também trazem outras hipóteses: art. 5°, do Decreto-lei n° 3.365, de 21.06.1941 (casos de utilidade pública); art. 2°, da Lei n° 4.132, de 10.09.1962 (casos de interesse social); o art. 590, do CC de 1916 (casos de necessidade ou utilidade pública).

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Registrando

O Código Civi l de 2002, nos arts. 1.228, § 3°, e 1.275, IV, menciona apenas a perda da propriedade decorrente de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou ainda por interesse social, sem se referir às hipóteses, como fez o Código Civi l , de 1916.

Art. 2°Trata das áreas de preservação permanente de pleno direito, sendo autoaplicável, sem a necessidade de declaração por ato do poder público.

As normas desse artigo devem ser vistas de forma sistemática, em conjunto com as normas dos arts. 10, 15, 16, 19, 26 e 44 dessa lei.

Vegetação ciliar (alíneas a a c)Protege-se a vegetação localizada nas margens dos cursos de água, seja corrente (rios, alínea a), seja parada (b e c).

A alínea b, que trata das lagoas, lagos e reservatórios de água, não prevê nenhuma metragem, devendo ser considerada como de preservação a de menor metragem (30 metros), por uma série de motivos apontados pela doutrina, entre eles: água parada não causa erosão; como a desobediência ao limite mínimo pode gerar até mesmo infração penal, a lei deve ser interpretada restritivamente, além de observar o princípio in dubio pro reo.

Natureza jurídica da área de preservação permanente (APP)O poder público, por ato de império, pode retirar ou restringir direitos dominiais, ou sujeitar o uso da propriedade ao interesse público, mediante duas maneiras: limitação administrativa ou desapropriação.

A limitação administrativa é uma imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionante do exercício de direitos ou atividades particulares à função social. Consiste em obrigação de fazer ou não fazer, mas sem retirar a utilização econômica do bem. Em havendo essa retirada, caberá composição patrimonial, não mais sendo caso de limitação administrativa, mas de restrição, o que leva ao instituto da servidão administrativa.

Como a APP é estabelecida no intuito de proteger a propriedade em si (caráter extra-ambiental), o seu uso, além do meio ambiente regional, como um todo. Trata-se, portanto de limitação administrativa de uso, em princípio.

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Ponto chave

Segundo Paulo Leme Machado, não é indenizável a APP prevista no art. 2° do Código Florestal, por causa da generalidade da limitação administrativa ao direito de propriedade, sendo gratuita. Ao contrário, a APP prevista no art. 3° do Código Florestal é indenizável.

O Estado, ao exercer sua soberania, restringe o direito individual e fundamental de propriedade. No caso em apreço, ao definir, mediante ato legislativo, áreas de preservação ambiental, o Estado está impondo uma limitação administrativa ao imóvel, posto que afeta o conteúdo econômico do direito de propriedade. Segundo a norma constitucional contida no art. 37, § 6°, da CR/88, é obrigado a indenizar o particular. Esse é o entendimento do STF (RE 134297-8-SP, fonte: www.stf.gov.br), bem como do STJ (v. REsp 10731/91, fonte: www.stj.gov.br).

Mediante a compensação, obtida via indenizatória, harmoniza-se a soberania nacional com o direito de propriedade.

Prazo prescricional

O prazo prescricional para a obtenção da indenização deverá ser o quinquenal, se a atitude do poder público for legal, mas decorrente de legislação posterior mais restritiva. Se for ilegal, importando, p. ex., em desapropriação indireta, o prazo é o vintenário (para direitos reais, haja vista que o Estado age como esbulhador, havendo posse de má-fé), contemplado na súmula 119, do STJ. (sobre prazo prescricional, vale a pena conferir o ponto 2.9, de direito civil, sobre prescrição e decadência).

A União pretendeu reduzir o prejuízo editando a MP n° 2.183/01-56, que alterou o art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei n° 3.365/41, ao prever diminuição do prazo prescricional vintenário. Mas tal restrição não poderia nem mesmo constar de emenda constitucional. A Constituição Federal 1988, no seu art. 5°, inciso XXIV, estabeleceu quando e como restringir o direito de propriedade, via desapropriação. Qualquer outra forma de adentrar o patrimônio do particular é inconstitucional, por se tratar de cláusula pétrea o direito de propriedade constitucionalmente garantido.

Inconstitucionalidade/ilegalidade dos arts. 3° e 4° da Resolução 04/85 do CONAMAOs referidos dispositivos aumentaram as limitações legais à propriedade, matéria de reserva legal, conforme expresso na Constituição Federal 1988. Não se pode, por isso, cogitar de delegação ao poder executivo. Daí a inconstitucionalidade da

Indenização.

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resolução.E, como foi feita por ato administrativo, importou em inovação, não estando adstrito à regulamentação da lei. Além disso, a competência do CONAMA está destinada à atividade humana, não ao direito de propriedade (v. art. 8°, da Lei n° 6.938/81). Logo, caracterizada também a ilegalidade.

Proteção do soloO autor acha que as alíneas d a h deveriam integrar o art. 3° do Código Florestal, pois tratam de espécies de proteção do solo.

Competência municipal (parágrafo único)Foi recepcionado pela Constituição Federal 1988 como regulamentação do seu art. 182, § 2°. A redação atual foi dada pela Lei n° 7.803/89.

Interessante notar que o parágrafo único do referido artigo, ao estender a aplicação das normas do art. 2° a áreas não rurais, faz expressamente duas imposições. A primeira: observância das disposições do Código Florestal, além das contidas nos planos diretores e leis de uso do solo, até mesmo em áreas urbanas, assim definidas por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.

A segunda: os planos diretores e leis de uso do solo respeitarão os princípios e limites fixados nesse artigo do Código Florestal, e por normas gerais da União, em razão do incisos IX e XX, do art. 21, da Constituição Federal 1988.

Explicando melhor

A Lei n° 6.766/79 contém as normas gerais urbanísticas. Substituiu o Decreto-lei n° 58/37, aplicável somente aos parcelamentos para fins rurais, e o Decreto-lei n° 271/67, que subsiste apenas para a concessão de direito real de uso. Ainda em relação a Lei n° 6.766/79, vale ressaltar que o parcelamento é para fins urbanos, e não parcelamento do solo urbano. Logo, esta lei é aplicada também a áreas rurais, desde que sejam para fins urbanos.

Entendeu o TRF da 2ª Região que a Lei n° 7.803/89 transferiu para os municípios a competência para aplicar o Código Florestal nas respectivas áreas urbanas, deferindo-lhes o dever de fiscalizar o seu cumprimento, atuando a União apenas em caráter supletivo. Ou seja, são eles os encarregados da regulamentação florestal dentro do perímetro urbano.

Art. 3°São consideradas as áreas de preservação ambiental declaradas por ato do poder público.

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Tanto as alíneas d a h do art. 2°, como todas as alíneas do art. 3°, ambos do Código Florestal, protegem o meio ambiente de danos de difícil recuperação, em virtude de afetar o espaço geológico, envolvendo não apenas a propriedade como também toda uma região, cujo equilíbrio ecológico, matéria de interesse público, se quer preservar. A diferença entre ambos reside no fato de que os casos do art. 2° prescindirem de ato do poder público. Mas em todos os casos está presente o mesmo motivo já indicado.

DecretoO ato do poder público requerido pelo Código Florestal é o decreto, uma vez que é ele o único ato administrativo normativo destinado a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas de modo expresso, explícito ou implícito pela legislação. Entre os demais atos administrativos normativos, quais sejam, os regulamentos, regimentos, resoluções e deliberações, o único que poderia também ser empregado é a resolução.

Ocorre que a política nacional do meio ambiente, contida na Lei n° 6.938/81, que previu o SISNAMA (Sistema Nacional Do Meio Ambiente), estabeleceu como único órgão deliberativo o CONAMA (Conselho Nacional Do Meio Ambiente). Mas a competência do CONAMA é de estabelecer normas, critérios e padrões, de maneira impessoal, sem considerar a localização geográfica de uma área específica.

Por outro lado, o art. 3°, do Código Florestal, fez referência ao Poder Público, de maneira genérica, enquanto que o art. 49 se referiu ao poder executivo; já o art. 7°, da Lei n° 6.938/81, menciona o chefe do poder executivo, sendo o decreto o instrumento típico de atuação do referido chefe.

Supressão de área de preservação permanenteApenas é permitida, se houver prévia autorização do poder executivo federal e presente a utilidade pública e/ou o interesse social.

Não se deve olvidar que o poder de polícia florestal, conforme visto anteriormente, é ato administrativo vinculado, de maneira que a autorização ambiental, após o advento da Constituição Federal 1988 (direito ambiental como matéria de reserva de lei), deve ser entendida como licença.

Terras indígenasDa conjugação dos arts. 3°, § 2°, e 3-A, conclui-se que o regime de preservação permanente é aplicado em toda a vegetação florestal das terras indígenas, independentemente de sua localização. Para a autorização (licença) de exploração dessas áreas florestais, o art. 3-A criou um requisito adicional: vinculação da exploração à subsistência das comunidades indígenas, desde que não estejam coincidentemente em área de preservação permanente, determinada de acordo com os arts. 2° e 3° do Código Florestal.

Somente quando houver regulamentação do que seja a subsistência dos índios, é que poderá haver licença ambiental. Enquanto não houver, há proibição da referida exploração.

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Art. 4°É considerada a supressão de vegetação em área de preservação permanente.

Autoridade competente para conceder a licençaSegundo o º 1°, do art. 3°, do Código Florestal, em se tratando de floresta de preservação permanente, a competência é do poder executivo federal.

O interessado deve primeiro se dirigir à esfera estadual, que possui a competência residual em matéria de licenciamento, de acordo com o art. 10, da Lei n° 6.938/81. Verificando o poder público estadual se tratar de vegetação caracterizadora de floresta, remeterá o processo ao ente federal.

Caso constate que a área sob exame esteja dentro de perímetro urbano, tendo o município plano diretor e órgão similar ao CONAMA, enviará o processo à esfera municipal. Em não sendo observada nenhuma das duas situações anteriores, prosseguirá o ente estadual a apreciar o processo de licenciamento.

Interessante ressalvar a inconstitucionalidade da Resolução n° 237, do CONAMA, que permite a delegação de competência estadual aos municípios. Ora, a Constituição Federal 1988 exige lei (não resolução) para regular o licenciamento, bem como o estudo de impacto ambiental.

Pois bem, a Lei n° 6.938/81, atribui competência para realizar o licenciamento a órgão estadual. E o CF somente permite às esferas federal e municipal o licenciamento nas hipóteses legalmente previstas, não prevendo a possibilidade de delegação pelo órgão estadual.

Reservatórios artificiais (art. 4°, § 6°)Ao criar artificialmente os reservatórios, o empreendedor faz surgir uma restrição administrativa. Então, passa a ser ele, não o poder público, o responsável pela indenização das áreas de preservação permanente que criou.

O tamanho da área é definido pelas conclusões do EIA/RIMA. Apenas o parâmetro e o regime de uso serão definidos pelo CONAMA.

Arts. 5° e 6° - revogados pela Lei n° 9.985, de 18.07.2000O art. 60, da Lei n° 9.985/00, que trata do Sistema Nacional das Unidades de conservação – SNUC, expressamente revogou os arts. do Código Florestal sob apreço.

Aspecto relevante dessa lei está na conceituação de inúmeros institutos de grande importância em matéria de direito ambiental, feita no seu art. 2°.

Também regulamenta regras e parâmetros de grande parte do zoneamento ambiental, conforme previsto no art. 225, § 1°, inciso III, da Constituição Federal 1988. Prevê, inclusive, a criação de um cadastro nacional das unidades de conservação de qualquer das esferas, no seu art. 50.

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Estabelece dois tipos de unidades de conservação: as de proteção integral e as de uso sustentável.

Superposição entre áreas de preservação permanente (APP) e unidades de conservação (UC)Pela interpretação sistemática, há duas conclusões:

• quando houver APP, o órgão responsável pela administração da unidade de conservação deve participar do licenciamento previsto no art. 4°, do Código Florestal, quando o órgão de gestão de uma e outra, e, necessariamente, quando a unidade de conservação estiver localizada em zona urbana;

• se a unidade de conservação compreender área indígena, na elaboração do plano de manejo previsto no art. 3°–A, do Código Florestal, deve participar o grupo de trabalho previsto no art. 57, da Lei n° 9.985/00.

Art. 7°A proibição do corte da árvore deverá ser feita mediante tombamento, que pode recair sobre local paisagístico. Mas se impuser excessivas despesas de preservação ao proprietário, acarretará indenização, ou até mesmo a desapropriação.

Art. 8°Trata da impossibilidade de desapropriação, para fins de colonização e reforma agrária, de áreas de floresta que sejam exploradas para fornecimento de madeira ou outro produto florestal, após receberem aprovação prévia para exploração, sob responsabilidade do IBAMA, consoante art. 19 do Código Florestal.

A partir desse artigo, o Código Florestal começa a tratar apenas de florestas, sem se preocupar com as demais vegetações. Por floresta, segundo a doutrina, deve ser entendida a vegetação arbórea densa, um aglomerado de árvores de grande porte, cujas copas se tocam, e cobrem grandes extensões de terras. Daí a importância do laudo pericial definir os elementos caracterizadores das florestas, levando em consideração sobretudo a espécie de vegetação.

Art. 9°Uma floresta particular, confinante a uma outra floresta de regime especial, mas sem haver demarcação entre as duas, também sofre as restrições impostas pela lei florestal, de maneira a evitar danos à floresta de regime especial.

Regime especial inclui todas as limitações feitas pela lei florestal. Há disposições idênticas no campo administrativo e civil, para ambas as florestas. Mas no âmbito penal, em virtude do princípio da legalidade e da tipicidade, não pode haver a extensão referida, de maneira que o art. 9° do Código Florestal não compreende as disposições penais.

Art. 10Cuida da proibição, em regra, de derrubada de florestas situadas nas áreas íngremes especificadas (declive entre 22 e 45 graus). É caso de limitação

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administrativa, que pode ser tida como complementação à hipótese do art. 2°, e, do Código Florestal (área de preservação permanente, em declive maior de 45 graus).

Se a exploração da área de floresta, por meio de manejo florestal (arts. 15 e 16 do Código Florestal), submetida à limitação florestal, não prejudicar o meio ambiente, tal área deve ser adicionada ao cálculo da reserva legal, necessária ao cumprimento da limitação do art. 16, do Código Florestal.

Art. 11Exemplo de limitação da iniciativa privada, pelos critérios e graus determinados por lei, consoante previsão dos arts. 170 e 186, ambos da Constituição Federal 1988.

Art. 12As florestas plantadas cuja extração é permitida pelo referido artigo são as provenientes da atividade humana, desde que cultivadas em áreas não classificadas nos arts. 2° e 3°, tampouco façam parte da reserva legal do art. 16, todos do Código Florestal. Ou seja, elas não servir para recomposição de tais áreas.

Art. 13Corresponde à regulamentação da atividade comercial realizada de forma extrativista, cujo objeto recai sobre a vegetação retirada diretamente das florestas. Se produzidas em viveiros, não necessitarão de licença ambiental.Atualmente, essas atividades estão relacionadas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Poluidoras ou Utilizadoras de recursos Ambientais (art. 17, inciso II, da Lei n° 6.938/81), especificado pela Portaria do IBAMA n° 113/97.

Art. 14

Princípio da reserva legalNem todas as normas do art. 14 foram recepcionadas pela Constituição Federal 1988.

A alínea a não foi recepcionada, pois corresponde a uma autorização legislativa conferida ao poder executivo de maneira incondicionada, violando o princípio da reserva legal, impedimento a delegações puras, que conferem aos atos administrativos o poder de inovar no ordenamento jurídico, papel exclusivo da lei.

Além disso, a delegação contida nessa alínea não é objetiva, pelo contrário, é por demais genérica, não permitindo o controle do abuso ou desvio de poder do ato administrativo. Vale lembrar ainda que o poder de polícia florestal é vinculado.

Quanto à alínea b, a combinação dela com o caput do art. 14 cria hipótese objetiva, indicativa de sua recepção constitucional. Algumas observações são necessárias. Em primeiro lugar, ela se refere à vegetação específica – florestas. Além disso,

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trata-se de ato administrativo complexo, pois a verificação da lista de espécies em extinção e a medição da área a ser protegida são de responsabilidade do ministério/secretaria do meio ambiente, sendo a decretação de proibição ou limitação de corte ato do chefe do poder executivo. Por último, se afetado o valor econômico da propriedade, caberá indenização.

Por fim, a alínea c, muito embora pudesse ter sido recepcionada pela Constituição Federal 1988, encontra-se derrogada tacitamente pelo art. 17, inciso II, da Lei n° 6.938/81, que criou o referido cadastro.

Poder de polícia florestalO complemento do poder de polícia florestal contido no Código Florestal está na Lei n° 7.804/89, que deu nova redação à Lei n° 6.938/81, sobretudo em matéria de procedimento, instrumentos de atuação e licenciamento de atividades ambientais, entre elas, a florestal.

Art. 15Proíbe a exploração sob a forma empírica das florestas primitivas da bacia amazônica (tipo específico de vegetação).Não se proíbe o aproveitamento econômico, apenas se exige a forma técnica de exploração, com manejo florestal.O Decreto n° 1.282/94 regulamenta esse artigo.

Art. 16Estabelece a obrigação de ser mantido um percentual (reserva legal) da propriedade com vegetação, no intuito de recompor espécies nativas.

O art. 44 do Código Florestal menciona o mesmo tipo de obrigação aos proprietários rurais.

Natureza jurídica da área de reserva legal (ARL)Elas não são instituídas em benefício do proprietário, como acontece com as áreas de proteção permanente. O benefício é exclusivamente da coletividade, é indiviso. Por outro lado, para a propriedade particular ela é economicamente gravosa. Até porque, delimitada a área de reserva legal, ela não poderá ter sua destinação alterada por qualquer motivo (art. 16, § 8°), inclusive com a sua averbação no registro de imóveis correspondente. Ou seja, o patrimônio particular, fisicamente explorável, pois não está vinculado a nenhuma necessidade de proteção de recursos naturais, não mais o será, por determinação legal.

De acordo com o art. 217, da Lei n° 6.015 (Lei de Registros Públicos), de 31.12.1973, a averbação da ARL pode ser feita por qualquer pessoa, inclusive pelo Ministério Público. (Comentários sobre livros e capítulos)

Diante do prejuízo do particular e do benefício exclusivo de terceiros, que nada pagaram ou contribuíram, o poder público se vê forçado a providenciar o equilíbrio

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patrimonial, sob pena de enriquecimento ilícito. Não há mais sentido a gratuidade, em havendo direito à indenização. A essa altura, claro está que a ARL não pode ser mera limitação de uso. Ao contrário, ela é uma restrição administrativa, comprovadamente uma servidão administrativa.

Diferenças entre os zoneamentos urbanos e ruraisa) A iniciativa de se submeter ao zoneamento urbano, aplicável em zonas urbanas

ou de expansão urbana (definas por lei municipal), é do particular. Já no caso de zoneamento rural, em que há o estabelecimento de áreas de reserva legal, não há opção do proprietário.

b) Inexistência de enriquecimento ilícito do poder público, no caso do zoneamento urbano, pois, com a passagem das medidas de hectare (ha) a metro quadrado, mesmo diante a reserva, no loteamento, de 35% do terreno para ocupação de áreas públicas, há um aumento no patrimônio do particular. Só haverá indenização, se houver posterior aumento de limitação imposta à propriedade particular (entendimento do STJ). Ao revés, em se tratando de zoneamento rural, não surge nenhuma compensação patrimonial em relação ao proprietário particular.

Necessidade de procedimento administrativoA participação da autoridade pública aos atos preparatórios da averbação da ARL é necessária, no sentido de delimitar uma determinada área, dentre as áreas possíveis, o que demanda decisão administrativa definitiva, fundamente, observados os requisitos do art. 16, § 4°, do Código Florestal, e o devido processo legal (art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal 1988). Entendimento manifestado pelo STF.

A obrigação de averbar trata-se de termo, não de condição, posto que tal obrigação é criada por lei, sendo certa.

Reserva legal, desapropriação indireta e posições dos tribunais judiciais

O tema da desapropriação indireta passou a ser interessante sobretudo pelas somas milionárias envolvidas nas indenizações, em virtude de laudos incompletos ou imperfeitos, forçando os tribunais superiores a adotarem uma postura conservadora. O interesse na postulação indenizatória depende da prova da aptidão da área para a exploração econômica.

Desapropriação indiretaAquela que é feita com desrespeito à propriedade alheia, ao contrário da desapropriação propriamente dita, quando é depositado o preço estimado pelo expropriante.

Uma vez demonstrada tal aptidão, os tribunais distinguem dois tipos de apossamento:

a) restrição por ato do poder público estadual ou municipal Na grande maioria dos casos, gera o direito de indenização, cujo pedido se

baseia em legislação editada pelo exercício da competência suplementar dos

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estados e municípios, ou via decreto. V. REsp 228942-SC, REsp 142713-SP e REsp 168929-SP, fonte: site www.stj.gov.br.

b) restrições do Código Florestal (APP e ARL) – questão polêmica Há uma parte do STJ que defende o não cabimento de indenização nas

intervenções feitas à propriedade privada, em decorrência do CF. Essa corrente parte do pressuposto de que é indiferente a classificação da intervenção do poder público, pois o CF é de 1965 e, mesmo diante da prescrição vintenária do CC/1916 (Súmula 119 do STJ), o direito de ação prescreveu (AgReg 146358-PR e REsp 123835-SP, fonte: site www.stj.gov.br).

Quando se tratar de APP instituída de pleno direito, realmente, estaria prescrito o direito de pleitear indenização, uma vez que tais áreas são instituídas de pleno direito, por critérios objetivos, não havendo necessidade de vistoria pela autoridade competente. Já em relação à ARL é diferente.Em primeiro lugar, deve ser considerado o aumento da reserva legal, devido ao aumento linear na região da floresta amazônica, na região de cerrado da Amazônia, na vegetação de campos gerais, ou ainda devido à exclusão da APP da ARL, anteriormente vista. A decorrência lógica de tal fato é que há evidente prejuízo.

Outrossim, é necessário, consoante entendimento do STF, o procedimento administrativo para a instituição da reserva legal, visto logo acima. Enquanto tal procedimento não for concluído, sendo favorável à restrição administrativa, e averbada a ARL na matrícula do imóvel, o termo inicial da prescrição não se venceu, posto que não houve ainda a instituição da reserva legal que ensejaria o direito de indenização, que, portanto, não estaria prescrito.

Há de ser considerada ainda a maior onerosidade da área de reserva legal, em relação à área de preservação permanente, conforme visto anteriormente.

O que é ainda altamente discutível é a fórmula para se calcular o valor da indenização, estabelecendo a jurisprudência, caso a caso, algumas regras, como as descritas nos seguintes arestos: REsp 64638-3-SP, Agv 94.01.33721-7-ACRE-TRF1, AC 504440-TRF5; fonte: sites dos tribunais na internet.

A área de reserva legal não se confunde com os parques nacionais, estaduais ou municipais, nem com as reservas biológicas, criados estes dois últimos tanto pelo direito nacional quanto pela Convenção de Washington em áreas exclusivamente de direito público. Pelo mesmo motivo, não se confundem com as florestas nacionais, estaduais ou municipais.

CuriosidadeConvenção de Washington é uma Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas dos Países da América, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n° 3, de 13.02.98, e promulgada pelo Decreto n° 58.054, de 23.03.66.

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Enfim, a área de reserva legal possui destinação inalterada, quer a propriedade seja transferida entre vivos ou causa mortis.

Art. 17Este artigo é aplicado à diferença de área entre a área de preservação permanente até o limite da área de reserva legal.

Para o autor, a interpretação literal do artigo fere o princípio da isonomia, previsto no art. 5°, caput e inciso XLI, da Constituição Federal 1988, uma vez que o tratamento diverso, dado ao loteamento de propriedades rurais e consequente condomínio, não seria justificável, não havendo correlação lógica entre a discriminação legal e a diferença existente na realidade. O critério usado foi o número de proprietários, não as características físicas da propriedade, sendo, dessa forma, odioso.

Não bastasse isso, a extensão do benefício legal poderia ser facilmente obtida, diante, p. ex., do loteamento rural e da posterior doação a ascendentes ou descendentes, sem que isso implicasse em burla à lei, pois, nesse caso, estar-se-ia apenas adequando o uso da propriedade à atividade econômica, como se fora uma espécie de “elisão fiscal”, similar à elisão tributária, ambas sendo permitidas em direito.

Tal prerrogativa deveria ser de todos os proprietários. Logo, se o artigo for interpretado extensivamente, para incluir o proprietário singular, haverá constitucionalidade.

Art. 18A legislação ambiental, mais do que preservar, deseja criar uma situação. Ou seja, na APP, não basta manter uma vegetação, é preciso criar florestas.

A expressão “sem desapropriá-las”, utilizada no caput, significa apenas a desnecessidade de modificação do titular da propriedade privada, para realizar a obrigação legal. Não implica na inexistência de indenização, haja vista o § 1°, do referido artigo.

Organizações não governamentais propuseram inúmeras ações, cujo pedido era uma condenação em obrigação de fazer o (re)florestamento das áreas de preservação permanente, se aproveitando da responsabilidade civil objetiva, em matéria ambiental.

A jurisprudência tem rebatido tais pretensões, em virtude de, mesmo nos casos do poluidor (art. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/81) ou do infrator (art. 225, § 3°, da Constituição Federal 1988), há sempre a necessidade de comprovação do nexo causal entre a conduta e o dano ao meio ambiente. Se o proprietário já adquiriu a propriedade com a floresta devastada, não praticou a conduta e, portanto, não pode ser responsabilizado.

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O mais correto, como passou a fazer tais organizações, seria pedir o cumprimento do regime jurídico de restrição da propriedade (criação imediata da área de reserva legal de 20%). Assim tem entendido o STJ (v. REsp 214714-PR e REsp 264173-PR; fonte: site www.stj.gov.br).

Na área de reserva legal também há a obrigação de (re)florestamento, a teor do art. 44, do Código Florestal. No entanto, não se autoriza a intervenção direta do poder público, sendo tal obrigação transferida ao proprietário.

Não incidência do IPTU na APPA competência para estipular as regras da área de preservação permanente no perímetro urbano é municipal (art. 2°, parágrafo único, do Código Florestal). Tais regras são estipuladas por meio do plano diretor, em atendimento à função social da propriedade (art. 182, § 2°, da Constituição Federal 1988). Mas na composição do plano diretor e das regras de parcelamento do solo urbano, o município deve obedecer à lei federal (Lei n° 6.766/79, que proíbe o parcelamento do solo em área de preservação ecológica, no seu art. 3°).

Por outro lado, o imposto incidente sobre propriedade predial e territorial urbana é o IPTU, tendo como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel, a teor do art. 32 do CTN. Ora, como a área de preservação permanente não faz mais parte da propriedade do particular (sequer podendo ser loteada, conforme logo acima), em face do exercício da soberania estatal, que impôs restrição absoluta sobre o terreno em questão, não há incidência do referido tributo sobre a área aqui considerada.

Importante

A proibição de uso e de gozo da APP é fortalecida pelo art. 18, da Lei n° 6.938/81, que transforma a APP em reservas ou estações ecológicas. Além disso, em se tornando APP, passa ao poder público (v. MS 22164-0, fonte: site www.stf.gov.br), não se aplicando a teoria da propriedade limitada, segundo a qual um particular adquire a propriedade com as mesmas características e restrições impostas ao antigo proprietário. E em passando ao domínio público, não há como identificar o contribuinte.

Não incidência do ITR na área de preservação permanenteO ITR possui a mesma hipótese de incidência do IPTU, dele se diferenciando exclusivamente pelo objeto: imóveis situados fora da zona urbana. Logo, também valem as considerações anteriores, no sentido de que, diante da impossibilidade de exploração econômica da área, como não há posse, domínio útil ou propriedade, face ao apossamento administrativo, não há incidência do imposto de que se cuida.

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Vale lembrar apenas que a exploração econômica da propriedade rural é tratada pelo art. 50, § 4°, da Lei n° 4.504/64 (Estatuto da Terra), com redação dada pela Lei n° 6.746/79, a qual indica que apenas as áreas exploráveis economicamente são tributáveis.

Art. 19

Poder de polícia florestalO artigo em tela autoriza o poder público a exercer o poder de polícia florestal, limitado aos critérios e graus estabelecidos em lei, segundo a Constituição Federal 1988. Em princípio é competência do ente federal, mas de acordo com o art. 22, pode ser delegado aos outros entes federativos.

A Lei n° 6.938/81 também regulamenta o poder de polícia florestal, sendo uma regra geral, mais abstrata, principiológica. Não basta para o exercício de tal poder, caso contrário, tudo causaria dano ao meio ambiente e todos seriam infratores, interpretação que levaria ao absurdo.

Para conferir maior segurança jurídica, era necessário uma legislação especial, que veio a ser o Código Florestal, que prevê as florestas, limita objetivamente a propriedade, cria tipo penal especial e serve de apoio à excludente de antijuridicidade do exercício legal de um direito. Com a necessária aplicação do Código Florestal, são observados outros princípios constitucionais de natureza processual, como o princípio do contraditório e da ampla defesa. V. Código Civil, no STJ, 10.634-6 e MAS 113461, no TRF1.

Objetos do poder de políciaAs atividades submetidas à autorização ambiental são de três ordens:a) toda atividade realizada nas áreas de preservação permanente (arts. 2° e 3° do Código Florestal). b) atividades necessárias a compor a reserva legal (arts. 16 e 44 do Código Florestal).c) toda atividade constante do Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras de Recursos Ambientais (art. 17, inciso II, da Lei n° 6.938/81, hipótese extravagante ao Código Florestal), independentemente da área.

O artigo fala de florestas e formações sucessivas. Estas não podem ser entendidas como qualquer outra vegetação (interpretação absurda, pois toda atividade necessitaria de autorização). É consideradas apenas a exploração da propriedade dentro da reserva legal, posto que a preocupação básica é com a manutenção de florestas, devendo as formações sucessivas ser (re)florestadas, a teor do art. 18 do Código Florestal ou do art. 99, da Lei n° 8.171/91.

O artigo não poderia contemplar objeto diverso, pois o poder de polícia, tendo como razão de se coibir excessos, não poderia causar outro excesso, qual seja, interferir na propriedade particular além das restrições impostas por lei. Aliás, o excesso do poder público violaria o princípio da estrita legalidade.

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Regulamentação do art. 19: Feita pelo Decreto n° 1.282, de 19.10.1994.

Prioridade de espécies nativas – parágrafo únicoHá duas situações: a) extração de madeira, na forma de reserva extrativistaO pedido de exploração é de iniciativa do particular, havendo uma troca entre a plantação de espécies florestais e o levantamento da proibição.b) (re)florestamento de área de preservação permanente (art. 18 do Código Florestal) e de área de reserva legal (Lei n° 8.171/91)

A necessidade de (re)florestamento decorre da lei, sendo prescindível a vontade do particular. Nesse caso, deve a Administração Pública fornecer as mudas de espécies nativas ou, em havendo escassez de viveiros contendo essas espécies em quantidade e preço compatíveis, mudas de outras espécies florestais.

Art. 20Prevê a obrigação das empresas industriais que consumirem grandes quantidades de matéria-prima florestal preservar o meio ambiente, de maneira que o plantio de novas áreas sejam no mínimo equivalentes ao consumido pelo abastecimento.

Vale ressaltar a desvinculação feita entre a atividade (sujeita à restrição neste artigo) e a propriedade.

A fiscalização dessa obrigação é iniciada desde o projeto empresarial, pois as indústrias deverão requerer o cadastramento no IBAMA, devido a sua atividade estar prevista no Cadastro Técnico Federal.

Regulamentação: É feita pelo Decreto n° 1.282/94, arts. 9° a 18.

Base de cálculo da multaA árvore suprimida de área diversa da área de reserva legal, como pode ser explorada livremente, não faz parte da base de cálculo da multa. Deve-se fazer uma comparação entre o que foi extraído e o volume que poderia ser extraído com base no plano de manejo florestal, pois é a diferença a base de cálculo.

Tal diferença somente pode ser determinada após a delimitação física do terreno e do número de árvores nativas suprimidas, o que demanda procedimento administrativo, atendido o princípio do devido processo legal.

Importante: independentemente da multa, há o dever de recomposição do consumo feito além do previsto no manejo florestal, imposto ao proprietário, cuja responsabilidade é objetiva (art. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/81).

Art. 21Pelo princípio da isonomia o parágrafo único do art. 20 também é aplicável ao art. 21, já que ambas as atividades foram tratadas de maneira igual pelo poder público.

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Regulamentação: Feita pelo Decreto n° 1.282/94, que regulou totalmente a matéria prevista no Decreto n° 97.628/89.

Art. 22Em princípio, o artigo em questão refere-se tão-somente à administração direta.

Mas a interpretação não deve ser meramente literal e estrita. Ela deve ser restritiva, pois a mesma lei (Lei n° 7.803/89) que deu a atual redação do art. 22 também introduziu a redação do art. 19 do Código Florestal, que atribui tais condutas a uma autarquia federal, o IBAMA (Lei n° 7.735/89, alterada pela Lei n° 8.028/90).

Art. 23O referido artigo estabelece a importância de serviços especializados, realizados por cargos técnicos em todos os órgãos de fiscalização ambiental, pois, na maioria das vezes, a existência do tipo penal é determinada pela verificação in loco da área ou vegetação suprimida/prejudicada. A especialização é constatada pela aprovação em curso superior.

Vale a Súmula 361, do STF, que afirma ser nulo o exame pericial realizado por um só perito leigo. Em todo caso, só haverá nulidade se comprovado o prejuízo.

Mas a fiscalização e guarda de florestas não é exclusivo do serviço especializado, contando também com a participação da autoridade policial.

Art. 24Concede porte de arma aos funcionários florestais que, no exercício de suas funções, são equiparados aos agentes de segurança. A arma deve ser do poder público ou do próprio agente, mas cadastrada para o uso no serviço, não fora dele (quando está desafetado o uso público da arma e caracterizará o abuso de poder).

Art. 25: Esse artigo regulamenta o art. 22, inciso II, da Constituição Federal 1988.

Arts. 26 a 36Em virtude desses artigos versarem sobre contravenções penais e crimes, estando muitos deles revogados sobretudo pela Lei n° 9.605/98 (os crimes contra a flora são previstos nos arts. 38 a 53), não serão tratados a fundo neste resumo. Para o estudo da matéria, remetemos o leitor aos pontos relativos às contravenções penais e aos crimes contra o meio ambiente.

Quase todas as contravenções previstas no art. 26 foram revogadas pela Lei n° 9.605/98, tendo sido convertidas em crimes. Estão em vigor apenas as alíneas g, j, l e m não foram revogadas. Nas três primeiras alíneas o tipo penal é aberto, pois contém um elemento normativo que depende de valoração, necessitando de uma norma de extensão. Na última, a tipicidade é indireta, pois há tipo de extensão expresso, como na tentativa e na co-autoria.

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O art. 27 proíbe o uso, sem motivação, do fogo. É regulamentado pelo Decreto Federal n° 2.661/98, que contém normas gerais, podendo ser suplementada pelos outros entes da federação. Em regra, a queimada é proibida, sobretudo se o fogo é ateado em floresta ou mata. Mas isso não quer dizer que as a prática da queimada da cana esteja terminantemente proibida, conforme entendeu o STJ.

O art. 29 estabelece um rol exemplificativo de co-autoria ou participação, haja vista a norma insculpida no art. 30, que determina a aplicação subsidiária do CP e da Lei de contravenções penais.

O art. 31 elenca circunstâncias agravantes.

O art. 33 não foi recepcionado pela Constituição Federal 1988, que firmou nova distribuição de competência, quanto ao inquérito policial, que deverá ser presidido pelo delegado de polícia, salvo nos crimes militares. Tampouco foram recepcionados os arts. 34 e 36, haja vista a competência privativa do Ministério Público, consoante art. 129, inciso I, da Constituição Federal 1988.

O art. 35 trata do perdimento de bens, tendo sido revogado pelo art. 25, da Lei n° 9.605/98.

Art. 37Proíbe o registro de atos de transmissão no cartório de imóveis ou a constituição de ônus reais sobre imóveis da zona rural, sem a apresentação de certidão negativa de débitos (CND) referentes a multas previstas no Código Florestal e em lei estadual supletiva, por decisão transitada em julgado.

Para o autor, não abrange as multas de caráter penal, por dois motivos: ao falar em CND, deixa claro o caráter extrapenal da multa, não presente no direito penal, haja vista a permissão de conversão da pena de multa em detenção (art. 51, Código Penal); a competência para legislar sobre direito penal é exclusiva da União, não se admitindo legislação estadual supletiva.

Contudo, data maxima venia, tal posicionamento não merece prosperar, em virtude da multa penal, uma vez transitada em julgado a decisão que a impõe, torna-se dívida de valor, e, portanto, possuindo cunho extrapenal.

Além disso, a conversão de multa em pena restritiva de direito não é mais possível (v. resumo sobre penas). Por fim, o fato de não existir legislação estadual supletiva impondo multa penal, não é obstáculo para que as multas penais, previstas em lei federal, devam ser pagas e exigidas para os atos previstos pelo art. 37 do Código Florestal. Tal constatação é mais pertinente ao espírito da lei protetora do meio ambiente.

Art. 37-A (introduzido pela MP n° 2.166/01-67)Trata de uma limitação extra-ambiental feita à propriedade rural, agregada aos arts. 2°, 3° e 16, todos do Código Florestal, que estipulam área de preservação

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permanente, área de reserva legal e, em casos especiais, unidades de conservação de uso sustentável.

O uso adequado da propriedade importa a caracterização da propriedade produtiva, estabelecida no art. 6°, da Lei n° 8.629/93. Tal lei não especifica a quem cabe a elaboração da tabela de produtividade, mas da análise da legislação de organização do poder executivo federal, conclui-se que o órgão responsável é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, a teor do art. 4°, inciso I e II, do Decreto n° 2.291/97.

Art. 38Foi revogado pela Lei n° 5.106/66, que dispõe sobre benefícios fiscais concedidos à atividades de (re)florestamento. Prevê o abatimento da quantia usada em tais empreendimentos florestais, no imposto de renda de pessoa física ou jurídica, para esta limitando a redução a 50% do valor do imposto.

Art. 41Estabelece a prioridade dos projetos que envolvam empreendimentos florestais, que deve ser dada pelos estabelecimentos oficiais de crédito.

Cabe ao Conselho Monetário Nacional a estipulação de regras de financiamento de tais empreendimentos.

Art. 42Revela a importância da educação ambiental, ao impor a obrigação de se adotarem textos de educação florestal nas escolas, a divulgação da proteção ambiental pelas estações de rádio e televisão, a inclusão em mapas e cartas oficiais de zonas florestais protegidas, além da criação e desenvolvimento, pela União e estados, de escolas para o ensino florestal, dentro das condições que especifica.

O autor faz uma denúncia, ao afirmar ser o presente artigo letra morta, apesar da sua importância, sendo caso de ação civil pública, devendo merecer atenção do Ministério Público.

Art. 43Institui a semana florestal, a ser fixada por decreto federal. Já existe o dia da árvore (21 de setembro), em cuja semana são realizadas palestras e outras atividades, a critério discricionário do governo.

Art. 44Estipulada a área de reserva legal pelo art. 16, o art. 44 trata do manejo dessa área, havendo a preocupação com a melhoria ambiental da reserva legal.

IndenizaçãoÉ indenizável, pela desapropriação indireta, conforme visto anteriormente (art. 16, do Código Florestal). Pressupõe processo expropriatório (Lei n° 9.985/00),

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uma vez que todos os tipos de unidades de conservação previstas nesse artigo (parque nacional ou estadual – art. 11, § 1°, da Lei n° 9.985/00; floresta nacional – art. 17, § 1°, da mesma lei; reserva extrativista – art. 18, § 1°; reserva biológica – art. 10, § 1°; e estação ecológica – art. 9°, § 1°) são de posse e domínio público.

Art. 44-A e 44-B (introduzidos pela MP n° 2.166/01-67)Instituem, respectivamente, a servidão florestal e a Cota de Reserva Florestal – CRF.

A diferença entre ambos os arts. é que o primeiro se dirige ao proprietário, também beneficiário da servidão, podendo computar as áreas de servidão para a instituição de reserva legal em outra do mesmo interessado.

Quanto a servidão do segundo artigo, ainda não há regulamentação, mas o autor acredita ter procedimento similar ao de uma cédula hipotecária, bem como ser prevista a obrigação de comunicação entre o cartório de registro de imóveis e o órgão de proteção ambiental, para a troca de informações e autorização para o registro e cancelamento do título.

Art. 44-CA penalidade nele prevista não pode retroagir a 98, mas apenas a 27.05.2000, um dia após a data da MP n° 1.965/00-50, que primeiro previu tal restrição. Vale a regra segundo a qual a lei só se aplica a fatos futuros, sendo possível retroagir se for mais benéfica ao particular.

Art. 45Impõe a obrigação de registro no IBAMA de estabelecimentos que comercializem motosserras e prevê a licença para o seu porte e uso. Na parte que prevê crime, foi derrogado pelo art. 51, da Lei n° 9.605/98.

Art. 46Trata do zoneamento ecológico-econômico, ao prever a necessidade de se preservar áreas de potencial econômico para a produção agrícola e pecuária, sendo uma regra limitadora ao princípio da livre iniciativa (art. 170, da Constituição Federal, 1988).

Observa-se a preocupação com o equilíbrio entre a função social e a livre iniciativa.

O zoneamento abrange tanto a área de reserva legal quanto a liberação de área preferencial ao plantio e à pastagem.Mais uma vez se exige que o poder público cadastre as propriedades, como início ao exercício do poder de polícia.

Art. 47Prevê a revisão de todos os contratos, convênios, acordos e concessões relacionados à exploração ambiental, para o enquadramento ao Código Florestal, de acordo com o princípio da supremacia da ordem pública.

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99

Art. 48Atualmente, o órgão consultivo da política florestal brasileira não é mais o Conselho Florestal, mas o Conselho de Governo, segundo a Lei n° 8.028/90, que alterou o art. 6°, da Lei n° 6.938/81, que estabelece a política nacional do meio ambiente e o sistema de órgãos encarregados de implementá-la (SISNAMA).

Art. 49Trata da regulamentação do Código Florestal. Os arts. 3°, 7°, 14, 15, 16 e 27, expressamente delegam competência ao poder público. Os arts. 19, 20 e 21, por envolverem poder de polícia, implicitamente preveem a regulamentação pelo poder executivo.

É preciso ter o cuidado para que a regulamentação não extrapole a lei, tornando-se um abuso de poder, com a consequente nulidade do ato do poder público. Vale lembrar que o poder de polícia florestal é vinculado.

3.4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Por se tratar o meio ambiente de direito difuso, pertencente à 3ª geração dos direitos humanos (relacionados ao conceito de solidariedade, de participação do Estado e da sociedade civil), evidente a importância da participação do Ministério Público.

A sua atuação se faz tanto em matéria cível, em que possui a legitimação concorrente para ingressar com a ação civil pública, quanto em matéria penal, dotado de legitimação privativa.

Para um aprofundamento maior da participação do Ministério Público não só em relação ao Código Florestal, mas a todo o direito ambiental, devem ser conferidos livros de ação civil pública ou institucionais (sobre o Ministério Público), como os de Hugo Nigro Mazzili, Mancuso e outros tratadistas. Vale a pena analisar também os livros de direito ambiental, especialmente o capítulo II, do Título V, do livro de Paulo Leme Machado.

ResumoNeste capítulo, aprendemos a Política Nacional de Recursos Hídricos, o sistema de nacional de gerenciamento de recursos hídricos, bem como comentários sobre o código florestal.

Abordaremos também a distinção entre área de preservação permanente e a de reserva legal. Ao contrário da preservação permanente, que vincula imóvel específico à função ambiental, a reserva legal leva em consideração a biodiversidade regional, não se limitando ao ecossistema interno da propriedade. Essa distinção entre área de preservação permanente provocou um aumento de

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área de servidão administrativa, pois mesmo nas propriedades em que a área de reserva legal já estava definida, foi necessário um aumento para se adequar ao novo tratamento legal, haja vista inexistir direito adquirido a regime jurídico de exploração.

Atividades

Atividade 1São fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos:

a) a água é um bem de domínio público e a gestão dos recursos hídricos deve ser centralizada dos recursos hídricos;

b) a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;

c) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

d) a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, assegurarando à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

e) em situações de escassez, o uso preferencial dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais, e sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

Atividade 2Mesmo possuindo o mesmo significado, os termos recursos hídricos e água possuem no direito ambiental uma terminologia específica. Explique a diferença entre os termos recursos hídricos e água.

Atividade 3O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água. Quanto à outorga de direitos de uso de recursos hídricos, analise as afirmativas a seguir.

I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos;

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III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

IV - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes;

V - outros usos insignificantes que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água;

VI - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

Dentre as afirmativas anteriores, os usos sujeitos à outorga pelo Poder Público, estão contidos em:

a) I; III; V apenasb) I; II; III apenasc) III; V; VI apenasd) I; III; VI apenase) I; V; VI

Atividade 4As florestas existentes no território nacional e das demais formas de vegetação são bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Assim, qual a relação entre o interesse comum e no uso adequado das florestas com o princípio da função social e ambiental da propriedade?

Atividade 5Com relação ao Código Florestal, analise as seguintes afirmativas:

I - servidão florestal é a renuncia voluntária, em caráter permanente ou temporário, aos direitos de supressão ou exploração da vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com vegetação de preservação permanente, pelo proprietário rural.

II - área de preservação permanente: área protegida coberta por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;

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IV - A servidão florestal não é averbada no registro de imóveis competente, apenas, possui a declaração de anuência do órgão ambiental estadual competente, pois é vedada, durante o prazo de sua vigência, a alteração da destinação da área, nos casos de transmissão a qualquer título, de desmembramento ou de retificação dos limites da propriedade.

As afirmativas corretas estão contidas em:

a) II e IV apenasb) I e III apenasc) I e IV apenasd) I e II apenase) II e III apenas

ReferênciasLEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito ambiental. Elsevier. Rio de Janeiro. RJ. 2008. ISBN: 978-85-352-2919-6

LIMA, Silvio Wanderley do Nascimento. Agências reguladoras e meio ambiente. Caderno Doutrina. In: Revista IOB de Direito Administrativo. Ano II, nº 15, Março de 2007. ISBN: 18097448.

MACHADO, P.A.L. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005

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POLíTIcA NAcIONAL DO

MEIO AMBIENTE E PARcELAMENTO

DO SOLO

Neste capítulo, inicialmente, iremos estudar os fundamentos, objetivos e di-retrizes da política nacional de meio ambiente, bem como seus instrumentos sob o ponto de vista do direito ambiental.

Abordaremos a estrutura do Sistema Nacional de Meio Ambiente, apontando as principais competências do CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente

De grande importância, coloca-se a competência dos entes federados sobre as autorizações e licenças ambientais, assim como suas espécies, como licenças ambientais de obras e atividades. O graduando deverá estabelecer a diferenciação da Licença Ambiental com e sem a necessidade de EIA.

A avaliação dos impactos ambientais – AIA, o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. De grande importância para a compreensão do tema é a conceituação e o objetivo do EIA, assim como o estudo dos diplomas normativos referentes ao EIA. Para um estudo abrangente, faz-se mister estabelecer o momento de preparação do EIA, assim como a iniciativa, elaboração, custeio, as diretrizes e o conteúdo do EIA/RIMA. Para finalizar, o graduando deverá saber que poderá ocorrer modificação, suspensão e cancelamento das autorizações e licenças ambientais e qual é a finalidade da auditoria ambiental.

No parcelamento do solo, estudaremos noções de legislação urbanística, desde a fundamentação pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal 1988, e pelo Estatuto da Cidade que estabelece todos os instrumentos de política urbana.

3Rodrigo Borges de Barros

Carolina Oliveira Pinto

Introdução

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Ao término dos estudos propostos neste capítulo, esperamos que você esteja apto(a) a:

• conceituar e estabelecer a importância da Política Ambiental brasileira e do Sistema Nacional do Meio Ambiente;

• estabelecer a origem, os princípios e a estruturação de ambos, assim como seus objetivos;

• analisar os Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente;• a avaliação dos impactos ambientais – AIA, o Estudo de Impacto Ambiental

– EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. De grande importância para a compreensão do tema é a conceituação e o objetivo do EIA, assim como o estudo dos diplomas normativos referentes ao EIA. Para um estudo abrangente, faz-se mister estabelecer o momento de preparação do EIA, assim como a iniciativa, elaboração, custeio, as diretrizes e o conteúdo do EIA/RIMA;

• conceito e distinções sobre licenças ambientais, assim como estabelecer as licenças como instrumentos de controle ambiental.

Objetivos

Esquema

2.1 Política nacional do meio ambiente2.1.1 Objetivos da política nacional do meio ambiente2.1.2 Princípios da política nacional do meio ambiente2.1.3 SISNAMA – Sistema nacional do meio ambiente3.1.4 Instrumentos de realização do direito ambiental

2.2 Parcelamento do solo urbano: considerações preliminares2.2.1 Parcelamento do solo urbano2.2.2 Crimes relativos ao parcelamento do solo urbano2.2.3 Parcelamento do solo urbano - Lei nº 6.766/1979

2.1 Política nacional do meio ambiente (Lei Federal N° 6.938/81)

A Lei n° 6.938/81, de 31.08.1981, posteriormente alterada pela Lei n° 7.804, de 18.07.1989, dispõe sobre a política nacional do meio ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação.

Segundo Antunes (2011), a Política Nacional de Meio Ambiente é um conjunto de instrumentos legais, técnicos, científicos, políticos e econômicos dirigidos à promoção do desenvolvimento sustentado da sociedade e economia brasileiras.

2.1.1 Objetivos da política nacional do meio ambiente

São objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente:

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a) preservação do meio ambiente, no sentido de perenizar, perpetuar, proteger os recursos naturais;

b) melhoria do meio ambiente, estimulando o manejo ambiental, de forma a tornar a qualidade do meio ambiente progressivamente superior;

c) recuperação do meio ambiente, traduzida na busca do status quo ante as áreas degradadas, não bastando a simples imposição de penas.

Os demais objetivos e diretrizes estão contidos nos artigos 4° e 5º da Lei da Políti-ca Nacional do Meio Ambiente, que adota a ótica do desenvolvimento sustentado, que, por sua vez, considera as boas condições ambientais com importante ele-mento indutor de desenvolvimento socioeconômico e da dignidade da vida huma-na, atendidos os interesses da segurança nacional.

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:I - à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;III - ao estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.Art. 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei.Parágrafo único. As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente.

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2.1.2 Princípios da política nacional do meio ambiente

Nem todos os incisos do art 2º são princípios, sendo a maioria uma orientação à ação governamental, submetida aos princípios gerais do direito ambiental, já que a Política Nacional do Meio Ambiente é uma parcela do direito ambiental positivo brasileiro. E na contradição entre um princípio setorial e um princípio geral do direito ambiental prevalecerá o mais favorável à proteção do meio ambiente.

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Um princípio implícito na Política Nacional do Meio Ambiente é o do meio ambiente como direito humano fundamental, pois está na Constituição Federal/88, além de outros, previstos no art. 225. Antunes (2011) destaca, dentre os princípios contidos na Política Nacional do Meio Ambiente, o princípio democrático, contido no inciso X, como um dos mais importantes da Política Nacional do Meio Ambiente. Observa, ainda, o princípio do limite, traduzido nos incisos II, III e V.

São princípios gerais do direito ambiental (explícitos ou implícitos):

a) Do direito humano fundamental (CF/88, art. 225, caput): os seres humanos são o centro da preocupação com o meio ambiente.

b) Democrático: os movimentos reivindicatórios dos cidadãos contribuíram para o surgimento do direito ambiental. O princípio assegura a todos os

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cidadãos o direito pleno de participar das políticas públicas ambientais, materializando-se no direito à informação e à participação, nas mais diversas formas. Previsto constitucionalmente, tanto no art. 225, quanto na parte da defesa dos direitos individuais e coletivos.

c) Da precaução, prudência ou cautela: não se pode intervir no meio ambiente sem a prévia certeza de que a intervenção não será adversa. Diante da incerteza científica, a prudência é o melhor caminho, devendo ser evitada a atividade econômica respectiva (in dubio pro ambiente). Materializa-se na exigência constitucional e legal do estudo de impacto ambiental (EIA).

d) Da prevenção: muito próximo do princípio anterior, o princípio da prevenção é aplicado a impactos ambientais já conhecidos, enquanto que a precaução se relaciona aos desconhecidos. Informa tanto o licenciamento ambiental, quanto o EIA.

e) Do equilíbrio: segundo o qual, devem ser sopesadas diversas implicações de uma intervenção ao meio ambiente, a fim de adotar a solução melhor ao meio ambiente.

f) Do limite (CF/88, art. 225, §1°, V): cabe à administração pública a fixação de padrões, de parâmetros, às atividades nocivas ao meio ambiente, que devem ser obedecidos, sob pena de sanções. Consideram-se a proteção ambiental e a melhor tecnologia disponível, em determinada época. Ex.: limites da presença de certos produtos na água.

g) Da responsabilidade (CF/88, art. 225, §3°): é objetiva, em se tratando de danos ambientais. Há responsabilidade ainda quando a intervenção ao meio ambiente traga retorno econômico individualizado, independentemente da caracterização de dano. Leva-se em consideração também o sentido pedagógico ao poluidor e à sociedade.

h) Do poluidor pagador: os custos ambientais devem ser incorporados aos pre-ços dos produtos, para que o mercado reflita a escassez dos recursos naturais utilizados. Não está fundado na responsabilidade, mas sim na solidariedade social.

O art. 3º traz vários conceitos importantes para o direito ambiental, dentre os quais se destacam as definições de degradação da qualidade ambiental e poluição. O primeiro, a lei define como a alteração adversa das características do meio am-biente e o segundo como a alteração adversa das características do meio ambien-te, resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem- estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições es-téticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

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II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;c) afetem desfavoravelmente a biota;d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)

2.1.3 SISNAMA – Sistema nacional do meio ambiente

O SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente congrega os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, com a seguinte estrutura:

I. Órgão Superior (Conselho de Governo)II. Órgão Consultivo e Deliberativo (CONAMA)III. Órgão Central (Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República

- MMA)IV. Órgão Executor (IBAMA)V. Órgãos Seccionais (Órgãos estaduais)VI. Órgãos Locais (Órgãos municipais)

A cada um compete precipuamente o exercício do poder de polícia ambiental. Segundo Antunes (2011), a fiscalização das atividades nocivas ao meio ambiente tem sido hipertrofiada e pouco eficiente, em virtude da excessiva centralização do sistema e da incapacidade de cada órgão realizar o seu papel, sobrecarregando o IBAMA, que é uma autarquia pobre de recursos materiais e humanos, com competência supletiva em relação aos órgãos estaduais e para a supervisão dos licenciamentos concedidos pelos Estados.

Consoante Silva (2011) há, entre os diversos âmbitos da federação, um sistema de cooperação administrativa, segundo as seguintes diretrizes: acesso da opinião pública às informações ambientais; regionalização de medidas, mediante elaboração de normas e padrões supletivos e complementares; prestação de informações ao CONAMA, pelos órgãos seccionais, por meio de relatórios anuais;

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desburocratização; fornecimento dos resultados das análises técnicas aos interessados; preservação do sigilo industrial, evitando-se a concorrência desleal, inclusive com a eventual tramitação de processos sob sigilo administrativo.

O órgão Superior é composto pelo Conselho de Governo (Lei 9649/98), com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, criado pela Lei 6938/81, é o órgão consultivo e deliberativo, tendo por finalidade de assessorar, estudar e pro-por ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;

A Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República é o órgão central res-ponsável por planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente (atualmente: Ministério do Meio Ambiente).

São competências do Ministério do Meio Ambiente: (art. 14, XIII, da MP 1799-3, hoje MP 2216-37/01)

• Política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos; • Política de preservação, conservação e utilização sustentável de

ecossistemas, e biodiversidade e florestas; • Proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e

sociais para a melhoria da qualidade ambiental e do uso sustentável dos recursos naturais;

• Políticas para integração do meio ambiente e produção; • Políticas e programas ambientais para a Amazônia Legal.

O órgão executor é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (art. 2º, da Lei 7735/89 com nova redação dada pela MP 2216-37/01), com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente.

Art. 2º, da Lei 7735/89 com nova redação dada pela MP 2216-37/01: “É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, entidade autárquica de regime especial, dotada de personalidade jurídica de Direito Público, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de executar as políticas nacionais de meio ambiente referentes às atribuições federais permanentes relativas à preservação, à conservação e ao uso sustentável dos recursos ambientais e sua fiscalização e controle, bem como apoiar o Ministério do Meio Ambiente na execução da Política Nacional de Recursos Hídricos e na execução das ações supletivas da

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União, de conformidade com a legislação em vigor e as diretrizes daquele Ministério”.Incumbe ao IBAMA o exercício do poder de polícia no concernente às florestas de preservação permanente (art. 3º do Código Florestal). Tem como uma de suas finalidades a de formular a política florestal, orientar, coordenar e executar ou fazer executar a im plantação das medidas visando à utilização racional, à proteção e à conservação dos recursos renováveis.

Os órgãos seccionais são os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades ca-pazes de provocar a degradação ambiental, enquanto que os órgãos locais são aqueles órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscaliza-ção dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições.

2.1.3.1 Órgãos ambientais federais - (Estrutura organizacional)

Figura 1: Estrutura Organizacional Federal.

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Parada obrigatória

TransdisciplinaridadeOs recursos do mar são gerenciados pela CIRM – Comissão Interministerial dos Recursos do Mar, cuja Secretaria Executiva é a SECIRM, integrando es-ses organismos o Ministério da Marinha. A exploração mineral está sujeita ao Departamento Nacional da Produção Mineral, que está vinculado ao Ministério da Agricultura. O patrimônio cultural e natural, objeto de tombamento, faz parte das atribuições do Ministério da Cultura. O Ministério da Saúde é competente para fiscalizar alimentos, bebidas e água para consumo humano.

2.1.4 Instrumentos de realização do direito ambiental

O direito ambiental divide-se nas seguintes linhas fundamentais:

• controle de atividades modificadoras do meio ambiente;• proteção da diversidade biológica;• gestão de recursos hídricos.

Os principais instrumentos de controle de atividades modificadoras do meio ambien-te são:

• estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;• avaliação de impactos ambientais (procedimento administrativo do EIA/

RIMA);• licenciamento ambiental;• monitoramento e controle da qualidade do meio ambiente;• zoneamento ambiental;• responsabilidade ambiental.

Já para a proteção da biodiversidade, destacam-se os principais instrumentos:

• criação de espaços ambientais especialmente protegidos;• disciplina da caça, da pesca e da utilização dos recursos da flora;• zoneamento ambiental;• responsabilidade ambiental.

O Comitê do Fundo Nacional do Meio Ambiente (CFNMA) tem como objetivo desenvolver os projetos que visem o uso racional e sustentável de recursos naturais, incluindo a manutenção, melhoria ou recuperação da qualidade ambiental no sentido de elevar a qualidade de vida da população.

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Enquanto que, para a Gestão de Recursos Hídricos, os principais instrumentos são:

• os Planos de Recursos Hídricos;• o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos prepon-

derantes da água;• a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;• a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

o Sistema de informação sobre Recursos Hídricos.

Os Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente estão dispostos no artigo 9º da Política Nacional de Meio Ambiente. São os seguintes:

I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais;IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumento de Defesa Ambiental;IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias, não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental;X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes;XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais;XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.

Os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente possuem a finalidade de concretizar os objetivos anteriormente mencionados. Sua base constitucional está especialmente no § 1° e seus incisos, do art. 225 da Constituição Federal/88.

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2.1.4.1 Novos procedimentos administrativos

• Direito à publicidade ambiental (art. 10, §1°, da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente) – divulgação preliminar de projetos com potencial de causar dano ambiental, de maneira a reunir a comunidade e a administração públi-ca na defesa do meio ambiente, via troca de informações.

• Direito à informação ambiental (art. 6°, §3°, da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente) – é o direito que todo cidadão tem de acompanhar a ativi-dade fiscalizatória do Poder Público, fundado ainda no art 5°, inciso XXXIII, da Constituição Federal/88, e no art. 1° da Lei n° 9.501, de 18.5.1995, não havendo necessidade de comprovar a legitimidade de seu interesse, pois há presunção de veracidade.

• Fase conciliatória – a conciliação dos interessados serve tanto para licenciar uma atividade, quanto para puni-la, buscando-se uma harmonia entre os interesses econômico e ecológico; o Poder Público deve ser o árbitro entre os empresários e a comunidade.

2.1.4.2 Estudo do impacto ambiental (EIA)

O EIA é um procedimento público, exigido, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambien-tal, composto de verificações e análises que terminam em um juízo de valor, favo-rável ou desfavorável ao projeto, tendo como características:

• Prévio – deve ser anterior à autorização da obra ou atividade.• Exigido pelo Poder Público.• Objeto – exigido para instalação de obra ou para funcionamento de atividade.• Publicidade – não se trata simplesmente de ser acessível ao público, o

estudo há de ser publicado, ressalvados os segredos industrial e comercial.

A função do EIA não é influenciar decisões administrativas sistematicamente a favor das considerações ambientais, em detrimento de eventuais vantagens econômicas e sociais do projeto, mas dar ao Poder Público informações sérias e úteis à tomada da decisão, que deve sopesar os diversos interesses envolvidos.

Como é público, não pode ser um estudo privado, sob encomenda do proponente do projeto, posto que é imprescindível a intervenção inicial do órgão público ambiental desde o início do procedimento.

O CONAMA é competente para estabelecer as normas gerais sobre o EIA, segundo o art. 8°, inciso I, da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente. Muitos aspectos do EIA estão contidos na Resolução 1/86 do CONAMA.

Art. 8º Compete ao CONAMAI - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA.

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O EIA compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, traba-lhos de campo, análises de laboratório e o relatório de impacto ambiental (RIMA), que transmite, por escrito, as atividades totais do EIA. O EIA e o RIMA vinculam o órgão público e a equipe multidisciplinar.

O conteúdo mínimo do EIA é:

• área de influência do projeto e sua descrição, alternativas à ação proposta, planos e programas governamentais;

• identificação e avaliação dos impactos ambientais (positivos e negativos) do projeto;

• medidas para corrigir os impactos ambientais desfavoráveis e a respectiva previsão no orçamento;

• medidas compensatórias (formas de indenização);• medidas preventivas de riscos maiores e catástrofes, distribuição dos ônus

e benefícios sociais do projeto, análise do desenvolvimento sustentado, análise jurídica do projeto. As despesas são arcadas pelo empreendedor.

Fundamento constitucional: art. 225, § 1°, da CF/88.

Art. 225. (...)§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Toda e qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (Constituição da República, art. 225, §1°, IV), está sujeita ao procedimento do EIA/RIMA.

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As atividades consideradas como potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental pela Resolução CONAMA n° 01/86 são:

a) estradas de rodagem de duas ou mais faixas de rolamento;b) ferrovias; portos e terminais de minérios, petróleo e produtos químicos; ae-

roportos;c) oleodutos, gasodutos, minerodutos, tronco coletores e emissários de esgo-

tos sanitários;d) linhas de transmissão de energia elétrica acima de 230 Kv;e) obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos;f) extração de combustíveis fósseis e de minérios;g) aterros sanitários, pro-

cessamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;h) usinas de geração de eletricidade com potencial acima de 10 MW;i) indústrias, agroindústrias e complexos e distritos industriais;j) atividade de silvicultura em áreas superiores a 100 hectares ou menores,

quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental;

k) projetos urbanísticos com mais de 100 hectares, ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério do órgão licenciador;

l) atividades utilizadoras de carvão vegetal em quantidade superior a 10 ton/dia;

m) projetos agropecuários com área superior a 1.000 hectares, ou em áreas significativas em termos percentuais ou de importância ambiental.

No Brasil, estudo prévio de impacto ambiental é um procedimento administrativo destinado a estabelecer a viabilidade ambiental de empreendimento, obra ou atividade que possa causar significativas modificações do meio ambiente, vinculando a administração pública e limitando a discricionariedade administrativa no âmbito do processo de licenciamento ambiental.

As fases de um EIA/RIMA são:

a) informações básicas/termo de referência;b) elaboração dos estudos pela equipe multidisciplinar e do relatório de impacto

ambiental;c) análise dos estudos por equipe técnica do órgão ambiental; (Realização de

audiência pública)d) apreciação dos estudos pelo órgão licenciador. (Juízo de viabilidade

ambiental)

Importante!

NOÇÕES DISTINTAS:

Juízo de viabilidade ambiental/aprovação do EPIA/RIMA é diferente de Concessão da Licença Prévia.

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A abrangência dos estudos:

a) identificação da área de influência do projeto (considerando a bacia hidrográfica na qual se localiza);

b) diagnóstico ambiental;c) avaliação dos impactos ambientais;d) definição de medidas de mitigação e compensação;e) definição dos parâmetros fundamentais de acompanhamento e controle de

impactos.

São procedimentos:

• empreendedor encaminha o estudo de impacto;• no prazo de 120 dias, deve ser enviado ao órgão licenciador o denominado

“parecer de compatibilidade ambiental”, acompanhado do relatório da consulta pública;

• se, no prazo de 120 dias, nada for encaminhado ao órgão licenciador, presume-se favorável o parecer (deferimento tácito).

2.1.4.3 Licenciamento ambiental

Licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambien-tal competente autoriza a localização, instalação, ampliação e operação de empre-endimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, estabelecendo as condições, restrições e medidas de con-trole ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica.

Já licença ambiental é o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Licença e autorização, muitas são usadas sem o devido rigor técnico. Em termos ambientais, o termo adequado é autorização, pois o ato do Poder Público é precário, não vinculado, necessitando de renovação periódica. A autorização não é presumida, deve ser regulada por lei em sentido estrito.

As bases legais do licenciamento ambiental são: Lei Federal n° 6.938/81; Decreto Federal 99.274/90; Resolução CONAMA n° 237/97 e a Lei Complementar nº 140/2011.

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A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de em-preendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio li-cenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

Os empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considera-das efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capa-zes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental listados no anexo da Resolução CONAMA 237/1997 estão sujeitos ao licenciamento ambiental.

O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, de-finirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA é o órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, de empreen-dimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional que:

a) localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União;

b) localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;c) cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País

ou de um ou mais Estados;d) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar

e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN;

e) bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

O IBAMA fará o licenciamento ambiental após considerar o exame técnico procedi-do pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a ativida-de ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvi-dos no procedimento de licenciamento.

O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.

As ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-pios deverão ser desenvolvidas de modo a garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais.

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São ações administrativas da União:

• formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente;

• exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;• promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente nos âm-

bitos nacional e internacional;• promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da

administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, relacionados à proteção e à gestão ambiental;

• articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à Política Nacional do Meio Ambiente;

• promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à prote-ção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;

• promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com as de re-cursos hídricos, desenvolvimento regional, ordenamento territorial e outras;

• organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da adminis-tração pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA);

• elaborar o zoneamento ambiental de âmbito nacional e regional;• definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente prote-

gidos;• promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a proteção do meio ambiente;• controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

• exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribui-ção para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;

• promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:

a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental

ou na zona econômica exclusiva;c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas

pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APA);e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos

de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;

g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN);

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h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.

• aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em:

a) florestas públicas federais, terras devolutas federais ou unidades de conservação instituídas pela União, exceto em APA;

b) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pela União.

• elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção e de espécies sobre-explotadas no território nacional, mediante laudos e estudos técnico-científicos, fomentando as atividades que conservem essas espécies in situ;

• controlar a introdução no País de espécies exóticas potencialmente inva-soras que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e espécies nativas;

• aprovar a liberação de exemplares de espécie exótica da fauna e da flora em ecossistemas naturais frágeis ou protegidos;

• controlar a exportação de componentes da biodiversidade brasileira na for-ma de espécimes silvestres da flora, micro-organismos e da fauna, partes ou produtos deles derivados;

• controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas;• exercer o controle ambiental da pesca em âmbito nacional ou regional;• gerir o patrimônio genético e o acesso ao conhecimento tradicional associa-

do, respeitadas as atribuições setoriais;• exercer o controle ambiental sobre o transporte marítimo de produtos perigo-

sos; • exercer o controle ambiental sobre o transporte interestadual, fluvial ou ter-

restre, de produtos perigosos.

O licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitan-temente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, as-segurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.

São ações administrativas dos Estados:

• executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional do Meio Ambiente e demais políticas nacionais relacionadas à proteção ambiental;

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• exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;• formular, executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Estadual

de Meio Ambiente;• promover, no âmbito estadual, a integração de programas e ações de ór-

gãos e entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distri-to Federal e dos Municípios relacionados à proteção e à gestão ambiental;

• articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente;

• promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à prote-ção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;

• organizar e manter, com a colaboração dos órgãos municipais competentes, o Sistema Estadual de Informações sobre Meio Ambiente;

• prestar informações à União para a formação e atualização do SINIMA;• elaborar o zoneamento ambiental de âmbito estadual, em conformidade

com os zoneamentos de âmbito nacional e regional; • definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente prote-

gidos;• promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a proteção do meio ambiente;• controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

• exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribui-ção para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados;

• promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos uti-lizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvados aqueles de competência da união e dos municípios;

• promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos lo-calizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APA);

• aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em:

a) florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APA);

b) imóveis rurais;c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados,

ambientalmente, pelo Estado.

• elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção no respectivo território, mediante laudos e estudos técnico-científicos, fo-mentando as atividades que conservem essas espécies in situ;

• controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas destina-das à implantação de criadouros e à pesquisa científica;

• aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre;• exercer o controle ambiental da pesca em âmbito estadual;• exercer o controle ambiental do transporte fluvial e terrestre de produtos peri-

gosos.

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São ações administrativas dos Municípios:

• executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as Políticas Nacional e Esta-dual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais relaciona-das à proteção do meio ambiente;

• exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;• formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio Ambiente;• promover, no Município, a integração de programas e ações de órgãos e en-

tidades da administração pública federal, estadual e municipal, relacionados à proteção e à gestão ambiental;

• articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Nacional, Estadual e Municipal de Meio Ambiente;

• promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à prote-ção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;

• organizar e manter o Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambien-te;

• prestar informações aos Estados e à União para a formação e atualização dos Sistemas Estadual e Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;

• elaborar o Plano Diretor, observando os zoneamentos ambientais;• definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente prote-

gidos; • promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a proteção do meio ambiente;• controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

• exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribui-ção para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município;

• observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou em-preendimentos:

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade;

b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APA).

As ações administrativas do Distrito Federal são as mesmas ações administrati-vas dos Estados e dos municípios.

As licenças podem se divididas em licença prévia, licença de instalação e licença de operação.

A licença prévia (LP) é a licença concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.

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A licença de instalação (LI) é a licença que autoriza a instalação do empreen-dimento ou atividade, de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes. Nesta fase, é apresentado e aprovado o Plano de Contro-le Ambiental – PCA.

Depois de concedida a Licença de Instalação, é possível promover-se a cassação da Licença Prévia?

Não. Em tal circunstância, a licença prévia simplesmente exaure sua funcionalidade procedimental, podendo haver, quando muito, a revisão do ato de aprovação da viabilidade ambiental do empreendimento.

A licença de operação (LO) é a licença que autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento das condicionantes previstas para as licenças anteriores e das medidas de controle ambiental e con-dicionantes determinadas para a fase de operação.

As etapas fundamentais do licenciamento ambiental são:

• definição pelo órgão ambiental competente dos documentos, projetos e es-tudos ambientais necessários ao início do processo de licenciamento, cor-respondente à licença a ser requerida;

• requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade;

• análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, dos do-cumentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;

• solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambien-tal competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

A Licença Prévia gera direitos para o empreendedor?

A concessão da licença prévia pelo órgão ambiental encerra a etapa re-lativa ao exame da localização e concepção de um determinado proje-to, reconhecendo-se administrativamente sua viabilidade no que tange às diversas variáveis ambientais.

Se a licença prévia for concedida, a atividade pode ser implantada no local escolhido, conforme a concepção aprovada, desde que, obvia-mente, observe os requisitos e condicionamentos impostos pelas eta-pas posteriores do licenciamento, representadas pela Licença de Insta-lação e pela Licença de Operação.

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• audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação perti-nente;

• solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementa-ções não tenham sido satisfatórios;

• emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;• deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publici-

dade.

O prazo máximo para a concessão das licenças, segundo a Resolução CONAMA n° 237/97, é de 6 meses a contar do protocolo do requerimento de licenciamento até seu deferimento ou indeferimento, ressalvados os casos em que houver EIA/RIMA e/ou necessidade de realização de audiência pública, quando o prazo será de até 12 meses.

Se os órgãos ambientais deixarem transcorrer estes prazos sem uma decisão sobre a concessão das licenças, o licenciamento fica sujeito à ação do órgão que detenha competência para atuar supletivamente. Trata-se, portanto, de uma das circunstâncias que, além da omissão e da inépcia, justifica a invocação da suple-tividade.

Os custos de análise para a obtenção das licenças ambientais deverão ser esta-belecidos por dispositivo legal, visando o ressarcimento, pelo empreendedor, das despesas realizadas pelo órgão ambiental competente.

As licenças ambientais têm os seguintes prazos de validade, de acordo com a Resolução CONAMA n° 237/97:

• Licença Prévia (LP): no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elabo-ração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos.

• Licença de Instalação (LI): no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos.

• Licença de Operação (LO): deverá considerar os planos de controle ambien-tal e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos.

As licenças ambientais podem ser modificadas, suspensas ou canceladas quando ocorrer, conforme a Resolução CONAMA n° 237/1.997:

• violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;• omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a

expedição da licença;• superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

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Segundo a Lei Federal n° 6.938/81, as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios, ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA;

A consequência jurídica para aquele que instala, opera ou amplia atividade sem licenciamento ambiental constitui numa infração administrativa e crime capitulado no art. 60, da Lei Federal n° 9.605/98.

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Já para o funcionário público que concede licença em desacordo com as normas ambientais, o fato constitui crime capitulado no art. 67, da Lei Federal n° 9.605/98. Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:Pena - detenção, de um a três anos, e multa.Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

2.1.4.4 Auditoria ambiental

É o procedimento de exame e avaliação periódica ou ocasional do comportamen-to de uma empresa em relação ao meio ambiente. Pode ser pública ou privada, dependendo de quem a realize.

Será sempre posterior ao EIA, salvo quando este é feito não para a instalação de obra ou funcionamento de atividade, mas para nova autorização de funcionamen-to ou operação.

O Ministério Público tem o direito de requisitar os relatórios da auditoria ambiental obrigatória, assim como a competência para exigi-la, via ação civil pública.

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2.1.4.5 Infrações administrativas ambientais

É toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, caput, da Lei n° 9.605/98, que pode ser suplementada pelos estados-membros e municípios).

Ao contrário do direito penal, são muito poucas as infrações administrativas tipi-ficadas em lei. São apuradas em processo administrativo próprio, obedecidos o princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, da Constituição Fede-ral/88), e as disposições das Leis n° 9.605/98 e 9.784/99.

A lei estipulou prazos máximos para a apuração da infração ambiental. As san-ções são as seguintes: advertência; multa simples; multa diária; apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, instrumentos de qualquer natureza; destruição ou inutilização de produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos.

São obrigatórias para a União, mas os estados-membros e municípios podem acrescentar outras.

2.1.4.6 Financiamento

Nem o dinheiro público, nem o privado, podem financiar a degradação da natureza, ficando a sua destinação atrelada à moralidade e a legalidade. As normas jurídicas, constitucionais ou não, que regem o sistema financeiro nacional, o Conselho Monetário Nacional e o Banco do Brasil contemplam a proteção ao meio ambiente.

Os bancos e financiadores, públicos ou privados, deverão exigir a apresentação de autorização ambiental, antes de aprovarem e concederem financiamento. E têm a obrigação de verificar se o financiamento está cumprindo a legislação ambiental, sob pena de corresponsabilidade. Podem os legitimados, entre eles o Ministério Público, fazer uso da ação civil pública para obter informações sobre a observância da legislação ambiental em financiamento, quando houver o sigilo bancário, ou para obstar a liberação do financiamento.

2.1.4.7 Zoneamento

O zoneamento deve ser a consequência do planejamento, com destaque para a política do controle do uso do solo, urbano e rural. Um planejamento mal-estrutu-rado, mal-fundamentado, poderá ensejar um zoneamento incorreto e inadequado. Um plano abrangente deve ser sempre o pré-requisito do zoneamento e de outras atuações do poder de polícia através do controle do uso do solo.

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Os planos de desenvolvimento devem conter, também, a previsão da conservação e recuperação dos recursos naturais. O Plano Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico traça, também, normas para o zoneamento industrial ao estabelecer uma política de localização industrial.

Os zoneamentos a serem estabelecidos, tanto a nível federal como estadual e municipal, deverão cumprir os objetivos do plano nacional. A contrariedade às finalidades mencionadas vicia o conteúdo do zoneamento e pode ser arguida ju-dicialmente.

No planejamento nacional inclui-se a persecução dos objetivos nacionais perma-nentes, matéria que interessa, também, à política da segurança nacional. O zone-amento ambiental não é da competência exclusiva do Presidente da República, podendo o Congresso Nacional legislar sobre a matéria sem nenhuma restrição.

A figura do zoneamento ambiental amplia o conceito, porque não será mais ape-nas um zoneamento urbano, como instrumento que preconiza uma estrutura mais orgânica para as cidades, dado que não se limita ao ambiente destas, mas não muda a sua essência nem sua natureza. Dá mais ênfase à proteção de áreas de significativo interesse ambiental, mas ainda assim continua a ser zoneamento de uso e ocupação do solo, sempre no interesse do bem-estar e da realização da qualidade de vida da população.

Assim, o zoneamento requer a participação do público, passando por um debate amplo e aberto, mas sem morosidade e confusão.

Podemos dividir o zoneamento ambiental em duas áreas: a urbana e a rural. Em ambas, a divisão metodológica é dada pela classificação do território nas chama-das zonas de uso, ou seja, o elenco das atividades proibidas e as permitidas em certo espaço territorial.

Como vimos, em ambos os casos, o zoneamento ambiental não pretende o sim-ples ordenamento para a melhor qualidade de vida, mas o alcance da qualidade de vida atingida pela utilização racional dos recursos naturais dentro de um terri-tório, classificado pelas suas peculiaridades e pelas atividades ali desenvolvidas.

O fundamento constitucional do zoneamento está no art. 21, IX e no art. 182, § 1°, ambos da CF/88.

Art. 21. Compete à União:(...)IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções

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sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

a) Divisão da cidade em zonas

O desenvolvimento urbano merece ser redimensionado, devendo partir especial-mente de dois pontos: “o homem visto concretamente como membro de uma co-munidade local e o território na sua realidade de ambiente ecológico, redescobrin-do-se nele seus valores específicos, promovendo-o, além de utilizá-lo”.

O bem-estar da população, principalmente no concernente à sua saúde, tranqui-lidade, trabalho adequado, segurança, lazer e cultura dos valores espirituais, é o fim primacial da divisão de uma cidade em zonas.

b) Participação do público no zoneamento

Normas jurídicas não foram ainda estabelecidas a nível federal e estadual, esta-belecendo qual deva ser o procedimento da União e dos Estados para estabele-cerem o zoneamento em que as pessoas públicas intervenham.

Entretanto, a nível municipal, pode-se ter uma visão de conjunto através das leis orgânicas municipais; há municípios que explicitamente preveem o zoneamento regulado através de lei e aqueles que admitem seja a matéria objeto apenas de decreto do prefeito municipal. Há outros, em que a legislação, ainda, exige quo-rum qualificado das câmaras municipais para, com a sanção do prefeito, dispor sobre os planos de desenvolvimento municipais. Entendemos, nesses casos, que o zoneamento está contido no planejamento mencionado.

A iniciativa da lei de zoneamento tanto pode ser do prefeito municipal como da câmara municipal, assim como a posterior modificação. Normalmente, o zonea-mento não deverá conter disposição sobre a matéria financeira, mas se contiver, então, a iniciativa da lei caberá com exclusividade ao prefeito municipal.

c) O direito de propriedade no zoneamento

O zoneamento ambiental é um dos aspectos do poder de polícia administrativa, que atua com a finalidade de garantir a salubridade, a tranquilidade, a paz, a saúde e o bem-estar do povo. O zoneamento, ao discriminar usos, representa uma limitação do direito dos cidadãos. A propriedade não poderá ser utilizada da maneira desejada unicamente pelo proprietário.

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A Constituição Federal, no art. 182, §2°, e 186, não esperou a lei ordinária, mas ela mesma previu o preenchimento, ou não, da função social da propriedade.

d) O zoneamento industrial urbano e sua criação por lei

Zonear vai significar, em parte, indicar onde se vão localizar as indústrias. Com-petirá ao Município dizer o local das indústrias e das zonas de reserva ambien-tal. Contudo, a lei fala em esquema de zoneamento. Localizar as indústrias não equivale a criar zonas industriais, porque a lei reservou aos governos estaduais aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas estrita e predo-minantemente industriais. Institui-se, assim, o poder de tutela estadual ou federal sobre a ação municipal de zoneamento industrial.

Não será admissível a intervenção direta da União ou dos Estados para fazer o esquema de zoneamento urbano. Entretanto, a lei reservou a possibilidade de ação indireta dos Estados para todos os tipos de zonas industriais, pois de nada vale-rá o Município indicar o local, se não houver a aprovação da delimitação em fase posterior.

O zoneamento urbano tem como marco inicial o art. 182, §1°, da CF/88, que deter-mina ser competência do Plano Diretor a política de desenvolvimento e expansão urbana, em que deverá constar o projeto de ordenamento urbano, com a previsão das vias, zoneamento e espaços verdes.

Silva (2011) elenca as seguintes possibilidades de:

• zona de uso estritamente residencial;• zona de uso predominantemente residencial;• zona de uso misto;• zona de uso estritamente industrial;• zona de uso predominantemente industrial;• zona de uso comercial;• zona de uso de serviços;• zona de uso institucional (educação, saúde, lazer, esporte, cultura, culto e

serviço público);• zona de usos especiais;• zona de uso turístico.

Dois são os campos em que o município deve respeitar a regra geral federal: flora e poluição industrial. No primeiro, devemos lembrar que o Código Florestal, em seu art. 2°, parágrafo único (Lei n° 4.771/65), determina que as áreas de preserva-ção permanente constantes do referido artigo devem ser respeitadas pelo Plano Diretor e leis de uso do solo editadas pelo município.

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A poluição industrial, por seu aspecto danoso, ir além dos limites do município, ne-cessita que a União edite regra geral sobre o zoneamento industrial, havendo nes-se sentido o Decreto-lei n° 1.413/75 (regulamentado pelo Decreto n° 76.389/75), modificado pela Lei n° 6.803/80, que em conjunto sistematizam a matéria.

Por fim, devemos concluir que o zoneamento ambiental não é um elemento apar-tado ou diferenciado do zoneamento urbano, mas requisito essencial deste que, após a Constituição Federal, tornou-se obrigatório, pois coincidentes as exigên-cias do ordenamento urbano (art. 182. “... garantir o bem-estar de seus habitan-tes...”) e o meio ambiente (art. 225. ”Todos têm direito... ...à sadia qualidade de vida...”).

e) Zoneamento ambiental rural

Para a compreensão completa do tema, há necessidade de se dividir o zoneamento ambiental rural em três fases:

• macro: art. 225, §1°, inciso III, CF – zoneamento ecológico-econômico, es-tabelecido apenas em razão da localização territorial e dos elementos que necessitam proteção, independentemente de exame do regime legal da pro-priedade;

• médio: classificando-se em áreas públicas e áreas privadas, o que diferen-cia o regime de uso do solo;

• micro: restrições absolutas, que atingem áreas públicas e privadas, pela falta de regime especial.

e1) Zoneamento ambiental rural: nível macro

A primeira menção sobre o tema está no art. 9°, inciso II, da Lei n° 6.938/81, vindo a ser regulamentado pelo Decreto n° 4.297/02, determinando as normas específi-cas para a realização do zoneamento ecológico-econômico da região amazônica.

A competência para sua realização é do Ministério do Meio Ambiente, nos termos do art. 27, inciso XV, alínea f, da Lei n° 10.683/03:Art. 27. Os assuntos que constituem área da competência de cada Ministério são os seguintes:XV – Ministério do Meio Ambiente:f) zoneamento ecológico-econômico.

e2) Zoneamento ambiental rural: nível médio

Realizado o mapeamento nacional, temos de identificar em toda área do levan-tamento as de domínio público e as de domínio privado, pois aquelas possuem várias afetações e regimes de uso diferenciado (exemplo: parques nacionais, ter-ras devolutas, estações ecológicas etc.), para que se chegue à segunda parte do zoneamento ambiental rural.

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Bem público Norma aplicávelParques e Reservas Biológicas

Art. 11, Lei n° 9.985/00

Estações Ecológicas Art. 1° a 7°, Lei n° 6.902/81

Terras e Reservas Indígenas Art. 26, Lei n° 6.001/73, e art. 9°, Decreto n° 1.141/94Recursos Hídricos Art. 31, Lei n° 9.433/97Bens Dominicais Art. 99, Lei n° 10.406/02 (CC) e Decreto-lei n° 9.760/46Mata Atlântica Art. 14, Lei n° 4.771/65, e Decreto n° 750/93Zona Costeira Lei n° 7.661/88

Terras DevolutasLei n° 6.431/77; Decretos-leis n° 1.414/75, 1.799/80, e 2.375/87; Decretos n° 95.956/88 e 96.084/88

Encontramos tais áreas por exclusão, partindo daquelas em que haja expressa declaração do Poder Público, o que se faz por meio de decreto, na forma prevista no art. 2°, da Lei n° 6.902/80.

No caso dos Parques Públicos Nacionais, seu regulamento está no Decreto n° 84.017/79, sendo os estaduais e municipais por legislação própria. Já as esta-ções ecológicas possuem suas especificações nos art. 25 a 27, do Decreto n° 99.274/90.

Temos, também, os bens públicos dominicais (art. 99, III, CC/2002), os quais obe-decerão às mesmas regras ambientais dos bens particulares, salvo estipulação em contrário.

As demais áreas públicas são aquelas previstas na Constituição, constantes dos art. 20 (bens da União) e 26 (bens dos Estados).

Os bens da União possuem regime jurídico próprio, estipulado pelo Decreto-lei n° 9.760/46, cabendo aos Estados edição de regra similar. Em geral, todos seguem as mesmas regras de uso da propriedade privada, com as especialidades relati-vas a cada uma das áreas, que podem ser encontradas nas seguintes leis:

O art. 20, II, Constituição Federal, elenca como bem da União as terras devolutas indispensáveis à preservação do meio ambiente, definidas em lei. O problema é que não existe a lei específica que trate do assunto, havendo necessidade de o jurista identificar a regra geral que se aplique ao caso, para que não ocorra a antinomia. Fechando a lacuna, o art. 225, §5°, da Constituição Federal, estipula que as terras devolutas dos Estados indispensáveis à proteção dos ecossistemas naturais são indisponíveis também, mas não há, nesse caso, a obrigatoriedade de lei para definir quais sejam essas áreas.

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Contudo, existem certas hipóteses em que a referida lei não é necessária: os casos previstos no §4°, do art. 225, da Constituição Federal. Ora, havendo terras devolutas nessas áreas, consideradas patrimônio nacional, não há necessidade de lei para considerá-las indispensáveis à preservação do meio ambiente, quando a própria constituição assim já as qualificou.

Nos demais casos, para que as terras devolutas da União sejam consideradas indispensáveis à preservação do meio ambiente, temos que, até a edição de lei específica sobre o assunto, deve-se utilizar o procedimento estatuído no Decreto-lei n° 9.760/46, o qual foi recepcionado pela Constituição Federal, para regular o uso dos bens imóveis da União.

O Ministério do Meio Ambiente ou o IBAMA, entendendo que uma área de terras devolutas possui interesse ambiental, fizesse consulta ao SPU e, sendo a resposta negativa sobre o interesse de utilização dessas terras devolutas para uma destinação específica de interesse público, basta que o Ministério do Meio Ambiente ou o IBAMA solicite ao Secretário do Patrimônio da União expeça portaria, declarando a área de interesse público para preservação do meio ambiente, como prevê o art. 5° e seu par. ún. do Decreto-lei n° 2.398/87.

e3) Zoneamento ambiental rural: nível micro

Art. 9°, da Lei n° 6.938/81, art. 9° da Lei n° 6.902/80, e art. 15 da Lei n° 9.985/00.

Por fim, independentemente da criação de áreas específicas, o Código Florestal dá o direito de o particular explorar sua propriedade, contanto que sejam preservadas as áreas de preservação permanente, caso existam, e, de qualquer forma, a restrição de um percentual da área (art. 16), em que é proibida qualquer atividade, ou seja, cada propriedade se submeterá a restrições administrativas, como monitoramento básico de todo o sistema de zoneamento ambiental, devendo-se frisar que os locais da propriedade para a instituição dessa restrição será a critério da autoridade competente, como estipula o art. 16 do Código Florestal.

f) O zoneamento ambiental e os Estados

A lei não foi feliz e o dispositivo se ressente de duvidosa constitucionalidade ao afirmar em seu art. 10 “caput”: “caberá aos governos estaduais”, isto porque privilegia um dos poderes do Estado – o executivo estadual – para intervir com exclusividade. Ora, a matéria foi tratada no âmbito federal, com o advento da Lei 6.803/80, pelos poderes executivo e legislativo; também, na esfera estadual deveria sê-lo.

A incumbência dos Estados em instalar e manter serviços de segurança e prevenção de acidentes prejudiciais ao meio ambiente se reveste de duas características marcantes: são serviços permanentes e não temporários e não se retira, com

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justeza, o direito de os Estados cobrarem taxas ou preços públicos das indústrias, pelos serviços prestados nas zonas industriais.

g) A implantação de zonas industriais e a união

A criação de zona estritamente industrial com objetivo de localizar polos petro-químicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares dependerá de prévia aprovação da União.

Não poderá ser a União quem na linha decisória profira a última decisão. A pessoa de Direito Público interno que há de dizer a última palavra sobre a implantação e delimitação dos locais para a instalação dos polos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares será o Município. Se a União tiver desa-provado o projeto, o Município não poderá aprovar. Contudo, se a União tiver aprovado, o Município conserva o direito de desaprovar.

h) Critérios para estabelecer os padrões ambientais

Nos padrões ambientais, temos que distinguir os padrões de emissão e os pa-drões de qualidade do meio ambiente. Os padrões de emissão vão fornecer os valores máximos de lançamento de poluentes permitidos. Os padrões de qualida-de vão indicar as condições de normalidade da água, do ar e do solo.

A lei não dá parâmetros concretos de emissão ou de qualidade. Agiu acertadamen-te. É tarefa que deve ser reservada para os órgãos técnicos, o que lhes possibilita maior profundidade e exatidão científica na fixação dos índices. Considerando-se a constante modificação do conhecimento humano, seria muito rígida a previsão desses padrões por lei, pois dificultaria uma rápida reformulação.

A SEMA, ao fixar as normas e padrões ambientais, haverá de ter presente as regras existentes nos organismos internacionais e levará em conta a diversidade das regiões brasileiras (art. 3°, do Decreto federal 76.389/75), evitando provocar danosa competição econômica entre países e regiões.

i) A instituição de zonas pela lei

As zonas destinadas à instalação são classificadas em: zona de uso estritamente industrial, zona de uso predominantemente industrial e zona de uso diversificado. Na zona de reserva ambiental será vedada a localização de estabelecimentos industriais.

Foram estabelecidos dois tipos de exceção: as indústrias que por suas características devem ter suas instalações próximas às fontes de matéria-prima e indústrias que por interesse público pretendem instalar-se fora das zonas industriais. A regra geral, portanto, é a implantação das indústrias nas zonas industriais.

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Quanto às exceções para a aprovação das indústrias fora das zonas industriais acresce notar que são atos administrativos vinculados, isto é, exigem a comprovação do motivo. Não estão na faixa dos atos discricionários. Se a Administração não comprovar que a indústria tenha uma reconhecida característica que a obrigue a ficar próxima da fonte de matéria-prima e que essa fonte de matéria-prima inexista na zona industrial ou próximo a ela, o ato será ilegal e poderá ser anulado judicialmente ou pela própria Administração. Não se poderá, também, invocar um inominado interesse público para se autorizar a instalação de indústrias fora da zona industrial. Este interesse público deverá ser indicado com clareza induvidosa. Dessa forma, evitar-se-á que a exceção se converta em regra.

i1) Zona de uso estritamente industrial

Não se conquista na zona de uso estritamente industrial um direito de poluir para o futuro. Mesmo na zona estritamente industrial haverá a obrigação de constante adaptação a novos métodos de combate à poluição. Não se adquirem direitos de permanecer numa situação agressora à saúde da população, da fauna e da flora. Não se pode pôr à margem a consideração do ataque dos poluentes na própria zona de uso estritamente industrial sobre as pessoas que trabalham no seu interior.

Não poderão existir escolas e áreas residenciais nesse tipo de zona. Questão de interesse jurídico é a responsabilidade pela reparação do dano nessa zona industrial. Havendo ação judicial, em primeiro lugar deverá ser responsabilizado o Poder Público que autorizou a instalação inadequada de atividades não essenciais ou que estão sofrendo os efeitos prejudiciais da poluição.

i2) Zona de uso predominantemente industrial

Nesta zona, serão registrados efeitos da poluição. Entretanto, esses efeitos não poderão causar “incômodos” apreciáveis ou manifestos às outras atividades urba-nas. O repouso noturno da população mereceu especial referência.

Ressalte-se que tanto “anéis verdes” como áreas verdes pequenas não constitui-rão filtros e cortinas aptas a impedir a passagem dos poluentes. Se não se desti-narem áreas verdes, não só gramados como também a preservação das florestas existentes na região, com extensão suficientemente grande para a depuração dos poluentes, o que teremos são álibis para poluir.

i3) Zona de uso diversificado

Nas zonas de uso diversificado, as atividades industriais não terão necessidade de uso de métodos especiais de controle, pois serão aquelas atividades que com-

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i6) Zoneamento ambiental: componentes e seu relacionamento

patibilizam com o meio urbano ou rural, não ocasionando qualquer gravame para a saúde, o bem-estar e a segurança das populações.

i4) Zona de reserva ambiental

A Lei 6.803/80 não definiu o que sejam “áreas especiais”. Posteriormente, a Lei 6.902, de 27.4.1981, previu a “área de proteção ambiental”.

i5) Relocalização de indústrias poluidoras

Não podemos deixar de salientar um valioso meio legal para diminuir a poluição: a relocalização da atividade industrial. Mais do que as penas de multa e ocasio-nais suspensões e até a difícil interdição, a transferência da atividade poluidora possibilitada pelo art. 1°, §3°, e incentivada pelo direito de “condições especiais de financiamento” (art. 12, par. único) poderá trazer bons resultados. Não se trata de exportar o problema ou simplesmente mudar o local cujo ambiente será agredido. Ter-se-á em conta a aplicação dos métodos adequados de controle e tratamento dos efluentes e os níveis de saturação do local onde funciona a indústria e do local para onde se indica a sua transferência.

A atividade econômica não sofrerá paralisação e, de outra parte, quanto ao aspecto social, não haverá desemprego, ainda que haja necessidade de transferência de residência dos empregados e empregadores ou a locomoção dos mesmos até o novo local.

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2.2 Parcelamento do solo urbano: considerações preliminares

Antes de proferirmos quaisquer comentários a respeito do tratamento legal dis-pensado pelo ordenamento jurídico pátrio ao parcelamento do solo urbano, são necessárias algumas considerações preliminares acerca do direito urbanístico, ramo do direito dentro do qual repousa a matéria em epígrafe.

Passemos, inicialmente, a algumas distinções conceituais. O termo “urbanização” é empregado para designar o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Este é um fenômeno moderno, cuja origem repousa na revolução Francesa do século XVI. No Brasil, em que as políticas de ocupação e povoamento sempre estiveram atreladas aos ciclos econômicos, esse fenômeno somente ocorre a partir do início do século XIX.

O crescimento desenfreado e descontrolado dos centros urbanos, todavia, despertou uma série de problemas, dentre os quais podemos citar: a desorganização social, carência de habitações, desemprego, problemas de higiene e de saneamento básico, modificação da paisagem urbana etc.

Em contraposição a esse fenômeno, surge o conceito de “urbanificação”, entendi-do como o processo deliberado de correção da urbanização, promovido pelo Po-der Público. É nesse contexto que surge o urbanismo como uma técnica (ciência ou arte) de reorganização das cidades, visando ao bem-estar coletivo. Meirelles (2004) define-o como conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida aos homens na comunidade.

A atividade urbanística consiste na ação direcionada à realização dos fins e prin-cípios do urbanismo. Essa atividade compreende momentos distintos, dentre os quais o da ordenação do solo, onde se insere o tema do parcelamento do solo, objeto da presente análise.

O Poder Público exerce-a mediante a intervenção na propriedade privada na vida econômica e social das aglomerações urbanas, com vistas à consecução dos pro-pósitos anteriormente mencionados. Corresponde, portanto, a uma função públi-ca, motivo pelo qual deve desenvolver-se nos estritos ditames da lei. Sujeita-se, assim, ao princípio da legalidade, presente no art. 5º, inciso II, da Constituição Fe-deral de 1988.

Caberá à lei a difícil tarefa de harmonizar os interesses privados dos loteadores, voltados exclusivamente para o melhor aproveitamento e maior exploração do solo, com o interesse coletivo, consubstanciado na ordenação adequada do espa-ço físico. Esse conjunto de leis compõe o chamado direito urbanístico, que pode ser compreendido sob dois aspectos:

a) direito urbanístico objetivo: conjunto de normas reguladoras da atividade urbanística;

b) direito urbanístico como ciência: objetiva o conhecimento sistematizado das

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normas e princípios informadores e reguladores da atividade urbanística. Meirelles (2004) conceitua-o como o ramo do Direito Público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo.

Dentre os princípios que informam esse ramo do direito, podemos citar, com influência do direito comparado, os seguintes, enunciados pelo professor Silva (2011):

a) princípio de que o urbanismo é uma função pública. Esse princípio atribui ao direito urbanístico o caráter de instrumento normativo por meio do qual o Poder Público intervém, atua no domínio privado, com vistas à realização do interesse coletivo;

b) princípio da conformação da propriedade privada;c) princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, segundo o qual a

eficácia de tais normas decorre de sua aplicação em conjunto, e não isola-damente;

d) princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanização, que quer significar a necessidade de custeamento da urbanização pelos proprietários dos terrenos beneficiados com a melhoria das condições de edificabilidade;

e) princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística.

Passemos à análise dos fundamentos constitucionais do direito urbanístico. A Constituição Federal de 1988 dispensou um extenso tratamento à temática da ocupação do solo e planejamento das cidades. O art. 21, inciso XX, declara com-petir à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano. O art. 182, em contrapartida, atribui a formulação da política de desenvolvimento urbano ao Po-der Público Municipal.

A elaboração dessa política, desse modo, será promovida em diversos níveis: no âmbito nacional ou macrorregional, constituirá competência federal; e no âmbito local, configurará competência municipal. Os Estados também poderão elaborar normas estabelecendo planos urbanísticos no âmbito de sua circunscrição (art. 24, inciso I), além da competência que lhes é outorgada para instituir, mediante lei complementar, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Decorre do disposto no art. 21, inciso IX, a competência da União para elaborar planos nacionais e regionais do território.

O planejamento urbanístico local, todavia, é atribuído ao Município (art. 30, VIII), como competência exclusiva, não suplementar. Tal planejamento tem por objeto o uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano, e ele se exterioriza por meio do Plano Diretor, alçado pela vigente ordem constitucional à categoria de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

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Concluímos, assim, competir à União a elaboração de normas urbanísticas de caráter geral; aos Estados, a edição de normas regionais; e aos Municípios cabe a formulação da política de desenvolvimento urbano, com o fito de proporcionar o atendimento da função social da cidade e de garantir o bem-estar da sociedade.

2.2.1 Parcelamento do solo urbano

A atividade urbanística, como já tivemos a oportunidade de nos referir, constitui uma função do Poder Público. Não raro, todavia, essa atividade é exercida por particulares. O processo de urbanificação, ou de ordenamento das cidades, tradi-cionalmente exercido pelos particulares é o do parcelamento do solo urbano, que vem a ser regulamentado pela Lei nº 6.766, de 19.12.1979.

O parcelamento urbanístico do solo, nas palavras do professor Silva (2011), é o processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas.

O parcelamento do solo urbano pode ser executado por intermédio de diversas ope-rações materiais. O art. 2º, da Lei de Loteamento, como ficou conhecida a Lei nº 6.766/79, ou Lei de Lehmann, regula duas dessas operações: o loteamento e o des-membramento.

Considera-se loteamento a subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edi-ficação, com aberturas de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou com o prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes (art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.766/79).

Os “loteamentos fechados” são equiparados, por parte da doutrina, aos “condomí-nios fechados”, regulados pela Lei nº 4.591, em virtude do traço comum relativo ao ingresso permitido apenas aos moradores e pessoas por eles autorizadas. Tal equiparação, todavia é imprópria, não se confundindo os dois institutos: nos loteamentos fechados, os espaços comuns, vias e logradouros públicos são trans-feridos ao Poder Público, mas têm sua utilização assegurada somente aos mora-dores, por meio de concessão ou permissão de uso; nos condomínios fechados, em contrapartida, os equipamentos e os serviços urbanos são próprios e as vias internas não são bens públicos.

O parágrafo 2º do mencionado dispositivo legal traz, por sua vez, o conceito de desmembramento, isto é, a subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edifi-cação, com o aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modifi-cação ou ampliação daquelas já existentes.

Consideram-se lotes, para fins legais, os terrenos dotados de uma infraestrutura básica (escoamento de águas pluviais, iluminação pública, rede de esgoto sanitário e abastecimento de água potável e de energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação – art. 2º, § 5º), cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos previstos no plano diretor ou na lei municipal, conforme o disposto no § 4º, do art.

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2º, do diploma legal em apreço. Para as zonas habitacionais tidas como de interes-se social, os requisitos mínimos de infraestrutura são aqueles previstos no § 6º do dispositivo em análise.

Somente os solos situados em zonas urbanas, ou de expansão urbana ou de urbanização específicas, assim descritas no plano diretor ou em leis municipais, admitem o parcelamento, conforme o disposto no art. 3º, da Lei de Loteamento.

A Lei nº 6.766/79 elenca algumas áreas nas quais não será permitida a realização do parcelamento do solo, quais sejam:

I. em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as provi-dências para assegurar o escoamento das águas;

II. em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente sanados;

III. em terrenos com declividade superior a 30%, salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV. em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;V. em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça con-

dições sanitárias suportáveis, até a sua correção (art. 3º, parágrafo único).

Os loteamentos deverão atender, inicialmente, a determinadas exigências, descritas em seu art. 4º, sem o cumprimento dos quais o loteamento não poderá ser aprovado. São os seguintes os chamados requisitos urbanísticos:

1. necessária proporcionalidade entre as áreas destinadas aos sistemas de circulação e a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, bem como aquelas dirigidas aos espaços livres de uso público e a densidade de ocupação prevista no Plano Diretor ou a lei municipal;

2. os lotes terão uma área mínima de 125 m², salvo quando a legislação estadual ou municipal fixar maiores exigências;

3. reserva obrigatória de uma faixa “non aedificandi”, gravada com ônus de servidão pública, de 15 metros, ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, ressalvada a possibilidade de fixação de exigências mais rigorosas;

4. as vias de loteamento deverão articular-se com as vias oficiais adjacentes, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

Preceitua, ainda, o art. 5º, da Lei de Lehmann, que o Poder Público poderá exigir, complementarmente, em cada loteamento, a reserva de uma faixa “non aedifican-di” destinada a equipamentos urbanos.

Os equipamentos públicos podem ser comunitários ou urbanos. Destinam-se es-tes ao abastecimento de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado (art. 5º, parágrafo único). Aqueles consistem em equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e similares (art. 4º, § 2º, da Lei de Loteamento).

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Os processos de loteamento e de desmembramento, descrito na Lei nº 6.766, compõem-se de diversas etapas. Passemos incontinentes, à análise de cada uma delas:

Iniciam-se com a consulta prévia, prevista no art. 6º, do mencionado diploma le-gal, e que consiste na solicitação feita à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Fede-ral, antes da elaboração do projeto de loteamento ou de desmembramento, que tem por objetivo a definição acerca das diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, sistema viário, espaços livres e áreas reservadas aos equipamentos urba-nos e comunitários.

O requerimento deverá vir instruído com plantas do imóvel, contendo uma série de requisitos elencados no art. 6º. Uma vez expedidas tais diretrizes, elas vigorarão por um prazo máximo de 4 anos (art. 7º, parágrafo único). Se, ao término desse prazo, o projeto não tiver sido apreciado pelo órgão competente, as diretrizes se-rão revalidadas. Essa primeira fase poderá ser dispensada nos Municípios com menos de 50 mil habitantes e naqueles em cujo plano diretor já estejam fixadas tais diretrizes, conforme o disposto no art. 8º, da Lei de parcelamento do solo ur-bano.

Ultrapassada essa primeira fase, segue-se à elaboração do projeto urbanístico, que será encaminhado ao órgão responsável pela apreciação, acompanhado de uma série de documentos, previstos no art. 9º, tais como: desenhos; memorial descritivo; cronograma de execução das obras com duração máxima de 4 anos; certidão de matrícula da gleba; certidão negativa de tributos municipais; instru-mento de garantia etc. Segundo o disposto no § 2º, inciso III, do referido disposi-tivo legal, o memorial descritivo deverá conter a indicação de áreas públicas que passarão ao domínio do Município no ato de registro do loteamento.O § 3º, do art. 9º, com redação alterada pela Lei nº 9.785/99, determina que, em se constatando, a qualquer tempo, que a certidão de matrícula apresentada não guarda correspondência com os registros e averbações cartorárias, serão consideradas insubsistentes tanto as diretrizes expedidas pelo órgão competente, quanto as consequentes aprovações.

A terceira fase diz respeito à aprovação do projeto de loteamento ou de desmem-bramento. Tal projeto, conforme o disposto no art. 12, da lei em análise, deverá ser apreciado e aprovado pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, salvo nas hipóteses previstas pelo art. 13, em que aos Estados caberá disciplinar a aprovação. São elas:

I. quando os terrenos localizarem-se em áreas de interesse especial; II. quando se localizarem em áreas limítrofes de Municípios, em regiões me-

tropolitanas ou em aglomerações urbanas; III. e quando abrangerem uma área superior a 1 milhão de m².

No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de Município in-

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tegrante de uma região metropolitana, o exame e a aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana (art. 13, parágrafo único).

Prescreve o art. 16 que a lei municipal definirá os prazos dentro dos quais deverá ocorrer a aprovação ou a rejeição dos projetos urbanísticos, bem como a aceita-ção ou a recusa das obras executadas. Nos Municípios em que a legislação for omissa, contudo, segundo o § 2º, do art. 16, vigorarão os prazos de 90 dias para a aprovação ou rejeição dos projetos, e de 60 dias, para a aceitação ou recusa das obras. Decorrido esse prazo sem a manifestação do órgão competente, será considerado rejeitado o projeto e recusadas as obras, em conformidade com o disposto no § 1º, do suprarreferido dispositivo, sendo assegurada, todavia, indeni-zação por eventuais prejuízos decorrentes da omissão.

O projeto de loteamento ou desmembramento deverá descrever como preceitua o diploma legal regente dos parcelamentos do solo para fins urbanos, e como disse-mos anteriormente, as áreas que passarão para o domínio público com o registro do parcelamento.

Tais áreas, que compreendem os espaços livres de uso comum, as vias de circu-lação e os logradouros públicos e aquelas destinadas a equipamentos urbanos e comunitários, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, após a apro-vação do projeto, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, observadas as regras contidas no art. 23, que trata do cancelamento do registro, e que serão, doravante, analisadas.

A mesma proibição se aplica aos Municípios, isto é, não podem esses entes fede-rativos, por qualquer ato normativo, alterar a destinação daqueles espaços cons-tantes do projeto e do memorial descritivo. O Judiciário tem sido chamado, com frequência, a se pronunciar acerca da legalidade de atos de certos Municípios que, com autorização da Câmara Municipal, alienam, a título oneroso ou gratuito, áreas públicas de uso comum do povo, ou concedem seu uso, por tempo indeter-minado, a particulares.

Tais atos são claramente ilegais, uma vez que as áreas destinadas à implantação de equipamentos públicos e de espaços livres de uso geral são consideradas áreas institucionais, ou seja, consagradas, por força de lei, pelo loteador a um fim coletivo.

Com o registro, como veremos, tais espaços são transferidos para o domínio pú-blico, passando à categoria de bens públicos de uso comum (art. 99, inciso I, do novo Código Civil), e, nessa qualidade, enquanto tal destinação se mantiver, não poderão ser objeto de desafetação legal, ainda que tal alteração se revista dos mais altos propósitos. Ademais, carece de competência o Município para legis-lar sobre direito urbanístico, competência esta atribuída, concorrentemente, pela Constituição Federal, à União, aos Estados e ao Distrito Federal, conforme o dis-posto no art. 24, inciso I. Sobre essa questão, vejamos alguns acórdãos:

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“Ação popular. Área destinada a leito de via pública, conforme previsão de loteamento. Doação a empresa comercial para edificação de hipermercado. Ausência de interesse público a aconselhar a desafetação e a alienação. Ausência, outrossim, de desafetação de fato do trecho – que é área doada, o que importa na impossibilidade jurídica de desafetação legal. Os bens de uso comum do povo não podem ser alienados, enquanto cumprirem sua destinação originária, posto que tais bens possuem uma inalienabilidade intrínseca e não jurídica, que somente as circunstâncias de fato serão capazes de superar (desuso, abandono etc.). Enquanto servem ao ‘uso comum do povo’ e cumprem, portanto, de fato sua destinação, não podem ser desafetados legalmente” (TJPB, Des. Geraldo Ferreira Leite. Apelação Cível, processo nº 1102/90).

“Ação Civil Pública. Desafetação de bem de uso comum do povo. Transformação em dominical. Forma irregular. Desvio de finalidade. Dano ambiental. Nulidade de doação, bem como de sua posterior alienação. Admissibilidade. Área destinada à implantação de jardins e praças. Alteração da destinação. Importância das áreas verdes na preservação da qualidade de vida urbana. Art. 180, VII, da vigente Constituição Estadual. Limitação normativa. Ação procedente. Recurso provido. Destinada uma área para determinada finalidade, defeso é ao Município a alteração desta, ainda que tal se revista dos mais altos propósitos” (TJSP, Rel. Roque Mesquita, Apelação Cível 215797-1).

“Ação Civil Pública. Desafetação de áreas verdes e de lazer para construção de casas populares. Ilegitimidade do ato. Áreas vitais à preservação do meio ambiente e à manutenção da qualidade de vida” (TJSP, Rel. Campos Mello, Apelação Cível 150340-1).“Ação Civil Pública. Meio ambiente. Prejuízo ecológico. Concessão de Direito de Uso sobre área verde do loteamento. Área reservada. Destinação originária alterada. Desafetação ilegal da área” (TJSP, Rel. Alexandre Germano, Apelação Cível 192179).

“Desafetação de área de uso comum do povo para área dominial. Concessão de direito real de uso, a título gratuito, a empresa privada, para construção de mercado. Destinação e fins específicos que não podem ser alterados. Violação ao art. 180, VII, da Constituição Estadual. Anulação da Lei Municipal que autorizou a cessão. Inconstitucionalidade decidida incidentalmente. Desnecessidade de ação direta” (TJSP, Rel. Ruy Coppola, Apelação Cível 270573-1).

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Após a aprovação do projeto pela autoridade responsável, o interessado assi-nará um termo de acordo, no qual se comprometerá a executar a obra no prazo estipulado no cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação, conforme o disposto no parágrafo único, do art. 12. Como garantia das obriga-ções assumidas no termo, o interessado prestará caução proporcional aos custos da obra, que poderá ser substituída por fiança prestada por estabelecimento de crédito. Os bens caucionados, todavia, somente serão liberados após a realiza-ção de todas as obras e a devida vistoria do órgão competente. Somente após a prestação da caução ou da fiança é que será expedida a licença para construir. Nenhuma obra poderá ter início sem a respectiva licença ou autorização do órgão público competente, sob pena de configurar a conduta criminosa descrita no inciso I, do art. 50, da Lei nº 6.766.

Com a aprovação do projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá, nos termos do art. 18, proceder ao registro da obra no cartório de registro imobiliário, no prazo de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação. Este é um dos mais importantes atos do processo de loteamento, posto que é a partir desse momento, como vimos, que as vias e logradouros públicos, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto, passam a integrar o domínio do Município, conforme o dis-posto no art. 22, da Lei de Lehmann. Produz, portanto, o registro efeito constitutivo do direito do Município sobre os bens.

O pedido de registro deverá vir acompanhado de uma série de documentos enu-merados no art. 18, dentre os quais título de propriedade do imóvel (que será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, nos termos dos § 4º e 5º, do mencionado dispositivo), certidões negativas de tributos federais estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel, de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 anos, de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a administração pública, certidões dos cartórios de protestos de títulos e de ações pessoais e penais, relativas ao loteador, pelo período de 10 anos (no que tange a esses últimos documentos, sua existência não impedirá o registro do par-celamento, se o requerente comprovar que as ações e os protestos não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes, exceto as ações penais referentes a crimes contra o patrimônio e a administração pública, nos termos do § 2º, do art. 18).

Tal pedido poderá vir a ser objeto de impugnação, no prazo de 15 dias, a contar da publicação do último edital pelo oficial do registro. Em não havendo impugnação nesse prazo, procederá o oficial ao registro imediatamente. Se houver impugna-ção, todavia, o oficial do registro imobiliário intimará o requerente e a Prefeitura Municipal ou o Distrito Federal a fim de que se manifestem, remetendo os autos, em seguida, para o juiz competente, que após o pronunciamento do Ministério Pú-blico, decidirá de plano ou após uma instrução sumária, devendo, todavia, remeter os interessados às vias ordinárias, caso a matéria encerre alguma complexidade, exigindo maiores indagações. É o disposto no art. 19 e seus parágrafos, da Lei nº 6.766/79.

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Se o perímetro loteado estiver em área de mais de uma circunscrição imobiliária, o registro deverá ser efetuado em todas elas, começando por aquela em que se situe a maior parte da área loteada. O loteamento somente será considerado re-gistrado após a realização dos registros em cada uma das circunscrições imobili-árias em que situarem parcelas do terreno. Ressalte-se, por fim, que nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição. Essa é a regra contida no art. 21, do diploma legal em exame.

O art. 23 permite o cancelamento do registro por decisão judicial, a requerimento do loteador, quando nenhum lote tiver sido objeto de contrato, ou a requerimento conjunto do loteador e dos adquirentes, com a devida anuência do Município ou do Distrito Federal nas duas últimas hipóteses. Segundo o seu § 1º, a Prefeitura e o Estado somente poderão se opor ao cancelamento do registro se dele resultar, comprovadamente, inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências. Assim como o pedido de registro, o de cancelamento poderá ser alvo de impugnação, no prazo de 30 dias, contados da última publicação do edital. Ocorrendo ou não impugna-ção, o processo será remetido ao juiz competente para a homologação do pedido, o que será feito após o pronunciamento do Ministério Público (§ 2º), e desde que reste comprovada a inexistência de adquirente instalados na área loteada (§ 3º). Não se refere, todavia, a lei ao retorno dos bens transferidos para o patrimônio público ao domínio privado, com o cancelamento do registro, questão que deverá ser debatida e solucionada pelos tribunais em todo o país. A melhor solução, data venia, é a que considera que a transferência para o domínio público é feita sob condição resolutiva, que se opera quando do cancelamento do registro.

Enquanto pender de registro o loteamento ou o desmembramento, é expressa-mente vedado proceder a venda ou mesmo celebrar promessa de venda de parte ou de lote do terreno. É o que dispõe o art. 37, da LPSU.

Constatada, pelo Poder Público, a existência de loteamentos ou desmembramentos não autorizados ou executados em dissonância com a licença exarada, poderá o Município ou o Distrito Federal agir de duas formas:

1) poderá, nos termos do art. 38, proceder à notificação do loteador a fim de que supra a falta de registro ou de aprovação (o Ministério Público, da mes-ma forma, detém legitimado para promover a notificação do loteador para os fins descritos no mencionado dispositivo);

2) poderá, ainda, para evitar lesões aos seus padrões de desenvolvimento urbano e em defesa dos direitos dos adquirentes dos lotes, proceder, nos termos do art. 40, do diploma legal em estudo, à regularização do loteamento ou desmembramento.

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No que concerne à atuação do Ministério Público, temos que a Lei nº 6.766/79 somente prevê a intervenção do membro do Parquet na fase judicial do processo de loteamento ou de desmembramento, isto é, quando há pedido de cancelamento ou impugnação ao registro imobiliário. O diploma legal em apreço, editado há mais de 20 anos, todavia, devera ser analisado e interpretado à luz da vigente Constituição Federal. Hodiernamente, portanto, é perfeitamente cabível a intervenção do membro do Ministério Público tanto na fase administrativa, de aprovação e execução do projeto, quanto na judicial, em face de suas atuais incumbências constitucionais de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e dos demais interesses difusos e coletivos (art. 129 e seus incisos, da Constituição Federal).

2.2.2 Crimes relativos ao parcelamento do solo urbano

Em que pesem as críticas formuladas às normas penais incriminadoras previstas na Lei nº 6.766/79, foi festejada pela doutrina a previsão de condutas delituosas em matéria de parcelamento do solo urbano. Isto porque, antes do avento do diploma legal em estudo, pretendia-se a adaptação dos dispositivos penais previstos na Lei nº 4.591/64, que cuidou do condomínio em edificações e das incorporações imobiliárias, a matéria de loteamento. Seu art. 65 considerava crime contra a economia popular a conduta de quem viesse a “promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção de edificações”.

O art. 3º, do Decreto-lei nº 271/67, também pretendia tipificar as infrações relacionadas ao parcelamento do solo urbano como crimes contra a economia popular. Tal pretensão, todavia, traria o óbice de depender, para a sua configuração, do surgimento de adquirentes lesados. A Lei nº 6.766, indo de encontro a tal entendimento, estabeleceu que as infrações por ela definidas são crimes contra a Administração Pública (artigos 50 a 52). O que se protege, em última análise, por meio de tais tipos penais é o regular desempenho do poder de polícia urbanística, isto é, o poder de que se vale o Estado para exercer a atividade regulamentar do ordenamento da cidade. Eis o objeto jurídico tutelado pela norma incriminadora.

Passemos, nesse momento, a uma breve análise dos delitos previstos na Lei de parcelamento do solo urbano.

Art. 50. Constitui crime contra a administração pública:

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

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(...)Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o salário mínimo vigente no país.

Caracteriza-se tal delito como de ação múltipla ou de conduta variada. O tipo penal descreve a conduta de “dar início”, isto é, praticar atos ou procedimentos materiais que objetivem o parcelamento, e a de “efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos”, que significa implantar, realizar o parcelamento.

Discute-se, na doutrina, se a alienação de lotes “na planta”, quando não se iniciaram as obras físicas, configuraria o delito em apreço. Alguns autores distinguem duas situações:

1) se o agente queria implantar um loteamento, mas procurou primeiro comer-cializar os lotes, para adquirir os recursos necessários a sua construção, in-correria na conduta criminosa prevista no art. 50, inciso I, da Lei nº 6.766/79, na sua forma qualificada;

2) se o propósito do agente, todavia, era o de simplesmente simular a venda de lotes, para, iludindo pessoas de boa-fé, obter proveito ilícito em detrimento delas, sua conduta configurará o delito de estelionato, previsto no art. 171, do Código Penal pátrio.

Três são as modalidades delitivas previstas no tipo em estudo:

a) dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urba-nos, sem autorização do órgão competente;

b) dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urba-nos, em desacordo com as disposições da Lei nº 6.766;

c) dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urba-nos, em desacordo com as normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios.

Trata-se de normas penais em branco, ainda que a complementação seja ofereci-da pela própria lei que previu os tipos penais.

Discute-se, na doutrina, acerca da qualificação de tais delitos como crimes formais ou crimes de mera conduta. A jurisprudência dominante, todavia, tem defendido a caracterização dos crimes previstos no art. 50, da Lei de Loteamento, como cri-mes formais. A consumação, desse modo, ocorre com a prática do ato, indepen-dentemente da constatação de dano patrimonial ou efetivo prejuízo ao interesse da administração pública.

O delito caracteriza-se como crime instantâneo, na conduta de “dar início”, e como crime permanente, na conduta de “efetuar”. Esse entendimento, todavia, não é pacífica, posto que há autores que defendem a configuração da segunda conduta

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como delito instantâneo de efeitos permanentes, existindo, inclusive, decisão pro-ferida pelo STF nesse sentido. Predomina, no entanto, o entendimento inicial, que vem a ser corroborado por acórdão prolatado pelo STJ.

A tentativa não é possível em qualquer das condutas, isto porque a conduta de “dar início” constitui delito instantâneo, consumando-se a conduta com a simples realização do ato, e a forma tentada da conduta de “efetuar” corresponde a “dar início” ao parcelamento do solo urbano.

Quanto aos sujeitos do delito, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, proprie-tário ou não da gleba. Trata-se, portanto, de crime comum. O sujeito passivo, como vimos, é o Estado, e, de forma indireta, o particular lesado pela conduta do loteador.

O elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de dar início ou efetuar parcelamento do solo urbano, sem autorização do Municí-pio ou do Distrito Federal, em desacordo com as normas previstas na Lei nº 6.766 ou com aquelas editadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Questão de grande relevância diz respeito aos efeitos da regularização do parce-lamento pelo loteador sobre a ação penal. Em que pese o entendimento doutri-nário assentado no fato de constituir a conduta crime formal, a jurisprudência tem declarado a ausência de justa causa para a ação penal, quando o agente, antes do oferecimento ou do recebimento da denúncia, regulariza o parcelamento, posto que, diante da regularização, desaparece a lesão ao interesse da administração pública.

Bucci (1998) defende que, se não há justa causa para a ação penal, uma vez regularizado o parcelamento antes do oferecimento da denúncia, também não haveria se a regularização ocorrer logo após o oferecimento da denúncia. Todavia, não há julgados nesse sentido.

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo da licença;(...)Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o salário mínimo vigente no país.

Na modalidade delitiva prevista no inciso II, do dispositivo em tela, o agente obteve a devida licença para realização das obras concernentes ao parcelamento, todavia, às inicia ou efetua em desacordo com as determinações contidas no ato administrativo. Cuida-se, como se percebe, de norma penal em branco, que terá de ser complemento nas diretrizes consignadas na licença concedida pelo órgão competente.

Assim como ocorre nos delitos previstos no inciso I, do art. 50, a consumação se dá com o início ou a realização de quaisquer obras relativas ao parcelamento;

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desse modo, não admitem a forma tentada. São crimes formais.

No que diz, tange aos sujeitos do delito e ao elemento subjetivo, reportamo-nos ao exposto a respeito do crime previsto no inciso I, do art. 50.

III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o salário mínimo vigente no país.

As condutas descritas no inciso III representam verdadeiras espécies de crime de falsidade ideológica. Duas são as modalidades delitivas previstas no dispositivo em apreço:

a) na conduta de “fazer” afirmação falsa, é necessário que a falsidade da de-claração verse sobre a legalidade do loteamento ou desmembramento, e que ela tenha sido veiculada em proposta, contrato, prospecto ou comunica-ção ao público ou a interessados;

b) na conduta de “ocultar”, a omissão deve recair sobre fato relevante referente ao loteamento ou ao desmembramento. A doutrina considera que a simples existência do parcelamento do solo para fins urbanos gera o dever jurídico de informar adequadamente a seu respeito.

Caracterizam-se como crimes formais. Consumam-se, desse modo, com a sim-ples afirmação falsa ou com a omissão, independentemente da ocorrência de um resultado lesivo para a administração pública ou para os particulares. A modali-dade comissiva admite a tentativa, salvo quando a afirmação for proferida ver-balmente. A segunda conduta, por sua vez, constitui crime omissivo próprio, não admitindo, pois, o “conatus”.

O elemento subjetivo é o dolo genérico de realizar, de forma livre e consciente, uma das condutas. Não se distinguem das demais condutas delituosas trazidas pela Lei nº 6.766, no que concerne aos sujeitos do delito.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no registro de imóveis competente;II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco )anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país.

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O parágrafo único, do art. 50, descreve duas formas qualificadas das condutas previstas em seus incisos. A primeira delas repousa na proibição expressa de alienação de lotes antes do registro imobiliário do parcelamento (art. 37, da Lei nº 6.766). Para a sua configuração, é necessário que a intenção de vender reste comprovada expressa e concretamente. A segunda qualificadora é aplicada quan-do da ausência de título legítimo de propriedade do terreno objeto de parcelamen-to, ou quando da omissão fraudulenta de fato a ele relativo, como a existência de ônus real sobre o imóvel, ações anulatórias da escritura em curso etc.

Uma das críticas que têm sido formuladas às figuras qualificadas diz respeito à pena aplicada, isto porque se assemelham as penas mínimas cominadas aos delitos previstos tanto em sua forma simples como em sua forma qualificada (um ano de reclusão). Em face disso, têm decidido os Tribunais que, cominando o legislador igual pena ao tipo simples e ao qualificado, não pode o juiz fixar a pena-base acima do mínimo legal, em razão da existência de uma das qualificadoras.

Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar o registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no país, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

Três são as condutas descritas no tipo penal:

a) registrar parcelamento não aprovado pelos órgãos competentes;b) registrar compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão

de direitos de loteamento ou desmembramento não registrado;c) registrar contrato de venda de loteamento ou desmembramento não

registrado.

Ressalve-se que não constitui delito a conduta de lavrar a escritura de venda, pro-messa ou cessão de direitos de lote de parcelamento não aprovado, desde que o tabelião não a registre.

A consumação se dá com o registro do parcelamento não aprovado ou dos ins-trumentos contratuais, sem o devido registro do loteamento ou desmembramento. São, portanto, delitos instantâneos. A tentativa, todavia, é perfeitamente admissí-vel, dada a qualidade de crimes plurissubsistente inerente às condutas em análise.

Trata-se de crime próprio, posto que o sujeito ativo é o oficial do Registro Imobili-ário ou quem, interinamente, exerça suas funções. O sujeito passivo é o Estado. O elemento subjetivo é o dolo genérico de realizar uma das condutas descritas no art. 52.O art. 51, por fim, traz uma regra concernente ao concurso de pessoas, que é con-siderada despicienda pela doutrina, posto que a matéria encontra tratamento legal

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no art. 29, do CP, aplicado subsidiariamente. Entende a doutrina que a enumera-ção daqueles que poderão caracterizar-se como coautores ou partícipes, prevista no dispositivo em estudo, é meramente exemplificativa.

2.2.3 Parcelamento do solo urbano – Lei nº 6.766/1979

Com advento deste Diploma Legal, embora não haja conceituação, o parcelamento do solo deixou de ser simples meio de venda de terrenos à prestação. A Lei no 6766/79 procura imprimir uma técnica voltada para um melhor aproveitamento urbanístico do solo.

Açambarca aspectos criminais, civis, urbanísticos e administrativos, imprimindo ainda normas cogentes, de ordem pública ao parcelamento do solo urbano. Essa lei veio substituir com vantagens, portanto, o Decreto-Lei no 58/37, que apenas é aplicável desde 1979, aos parcelamentos, para fins rurais, bem como o Decreto-Lei no 271, de 1967, também revogado no que pertine a loteamentos e desmembramentos urbanos. Subsiste apenas no que dispõe sobre concessão de direito real de uso (arts. 7o e 8o).

2.2.3.1 Meios legais de parcelamento do solo urbano

O verbete “parcelamento” transmite-nos a ideia de divisão de uma área de terreno em lotes, sob a forma de desmembramento ou loteamento. O parcelamento do solo urbano é instituto de direito urbanístico que tem por finalidade precípua ordenar o espaço urbano destinado à habitação.

Para Silva (2011), o parcelamento do solo urbano visa “a urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas”. Assim, não se sujeita, segundo a doutrina, aos termos da lei em foco, o parcelamento proveniente de divisão amigável ou judicial, destinada a extinguir condomínios, pois não se está colocando a área para a implantação de zona populacional.

Outras vezes, procura-se disfarçar loteamentos dando outras configurações jurídicas, como doações ou alienações, cabendo aí a intervenção quando evidente a alteração da ordem urbana, com o aumento ou a intensificação na ocupação do solo urbano.

Regulamentando o disposto no § 4º, do art. 182, da CF/88, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) dispõe que lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização de compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para a implementação da referida obrigação.

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Trata-se de atividade peculiarmente induzida pela administração pública, no sentido de fomentar os particulares a ordenarem o solo urbano, sob sua vigilância.

Inicialmente, alguns conceitos merecem destaque para o melhor entendimento da matéria.

Gleba é a área de terreno que ainda não foi objeto de loteamento ou desmembra-mento regular, isto é, aprovado e registrado.

Após o registro do parcelamento, o imóvel deixa de existir juridicamente como gle-ba e passa a existir juridicamente como coisa loteada ou desmembrada, composta de lotes e áreas públicas (vias de circulação, praças e outros espaços livres, áreas destinadas a equipamentos urbanos e comunitários etc., constantes do projeto e do memorial descritivo).

Podem ser apresentadas duas definições de lote, a técnica e a legal. Tecnica-mente, lote é a parcela de terra resultante do loteamento ou desmembramento, destinada à edificação ou à recreação.

No art. 2º, da Lei 6.766, alterado pela Lei 9.785, consta outra definição: considera--se lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.

Por sua vez, considera-se infraestrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não.

Pretendeu-se, com a mencionada definição, garantir a implantação de infraes-trutura completa nos parcelamentos urbanos, de modo que um terreno sem a infraestrutura exigida legalmente não é lote. Cabe notar, no entanto, que os equi-pamentos componentes da definição de infraestrutura básica não constituem, sempre, obras a cargo do loteador, ante o disposto nos art. 2º, § 6º e 18, V, ambos da Lei 6766/79.

Sobre o tema infraestrutura, merece ser salientado o § 6º, do art. 2º, da Lei 6.766, o qual estabelece que a infraestrutura básica dos parcelamentos situados em zo-nas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consiste, no mínimo, de vias de circulação, escoamento de águas pluviais, rede para o abaste-cimento de água potável e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.

A despeito da intenção do legislador nesse tópico em diminuir o custo dos lotes direcionados à população de baixa renda, é evidente que a redução de exigências para as ZHIS contém elementos de segregação social, por se deixar de requerer a iluminação pública e contenta-se apenas com soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.

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Segundo a lei, o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante duas formas: loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e das legislações estaduais e municipais pertinentes.

Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas ur-banas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.

2.2.3.2 Loteamento

É a primeira forma prevista na legislação de parcelamento do solo urbano, tendo a Lei no 6766/79 conceituado (art. 2o, § 1o) que se “considera loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

Vê-se que a definição de loteamento dado pela lei não leva em consideração a forma de venda dos terrenos, pois apenas indica ser a forma de parcelamento como sendo a divisão das quadras em lotes com frente para logradouro público.

Revestindo-se de processo de urbanização, o loteamento envolve relações civis, penais e administrativas. Aí se vislumbra o importante papel urbanístico desempe-nhado pelas municipalidades no sentido de organizar o uso e a ocupação do solo. O loteamento mais comum é o destinado a residências, nada impedindo outras destinações, mas desde que respeitada a aprovação do Poder Público.

Existem dois tipos de loteamentos ilegais, a saber:

a) os clandestinos, que são aqueles que não foram aprovados pela Prefeitura Municipal;

b) os irregulares, que são aqueles aprovados pela Prefeitura, mas não foram inscritos, ou o foram, mas são executados em desconformidade com o plano e as plantas aprovadas.

Para evitar casos assim, a área a ser loteada deve obedecer a uma série de trâmites para ser legalizada. Neste sentido, o magistério de Meirelles (2004):

“Após a aprovação pela prefeitura, o loteamento será levado à inscrição no registro imobiliário competente, sendo passível de levantamento de dúvida pelo oficial do Registro e impugnação por terceiros, as quais serão processadas e decididas judicialmente”.

Segundo o art. 3º, parágrafo único, não será permitido o parcelamento do solo:

• em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as provi-dências para assegurar o escoamento das águas;

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• em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde públi-ca, sem que sejam previamente saneados;

• em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

• em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;• em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça

condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Nesse ponto a autoridade municipal não poderá agir com discricionariedade, ante a natureza do ato de aprovação ser vinculado. Não cabe a utilização da conve-niência e da oportunidade. Eis a ratio essendi da licença administrativa: “ato ad-ministrativo unilateral, vinculado, pelo qual se faculta o exercício de determinada atividade material, que sem ela seria vedada”.

Entre os requisitos urbanísticos, tem-se que o Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos; bem como estipular a área mínima de cada lote e a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, muito embora exista posicionamento no sentido de aplicar, em relação a qualquer curso d’água, as medidas do Código Florestal; por fim, exige, ainda, que a articulação das vias dos loteamentos com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, devera harmonizar-se com a topografia local.

A aprovação do projeto se desenvolve em duas fases:

1ª Fase: solicitação à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, mediante requerimento e planta do imóvel, de definição das diretrizes para o uso do solo, traçados dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário. De acordo com a Lei nº 9.785, de 29.01.1999, as diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de quatro anos. Os Municípios com menos de cinquenta mil habitantes e aqueles cujo plano diretor contiver diretrizes de urbanização para a zona em que se situe o parcelamento poderão dispensar, por lei, a fase de fixação de diretrizes previstas nos artigos 6º e 7º, da Lei 6.766/79.

2ª Fase: elaboração do projeto definitivo, contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de quatro anos, apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 18. Caso se constate, a qualquer tempo, que a certidão da matrícula apresentada como atual não tem mais correspondência com os registros e averbações cartorárias do tempo da sua apresentação, além das consequências penais cabíveis, serão

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consideradas insubsistentes tanto as diretrizes expedidas anteriormente, quanto as aprovações consequentes.

Art. 18 (...)§ 4º. O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999, DOU 01.02.1999).

O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, devendo ser executado no prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da apro-vação.

De acordo com a redação original da lei, cabia aos Estados o exame e a anuência prévia para a aprovação, pelos Municípios, de loteamento e desmembramento. Hoje, cabe aos Estados disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:

I. quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de pro-teção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;

II. quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;

III. quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m2 (um milhão de metros quadrados).

Resta ao órgão competente aprovar, ou não, o projeto. A lei municipal definirá os prazos para que um projeto de parcelamento apresentado seja aprovado ou rejei-tado e para que as obras executadas sejam aceitas ou recusadas. Diferentemente dos comentários iniciais em torno da Lei, atualmente, transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, o projeto será considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a indenização por eventuais danos derivados da omissão. Além disso, com Lei nº 9.785, de 29.01.1999, supriu-se a lacuna, pois restou ex-presso que nos Municípios cuja legislação for omissa, os prazos serão de noventa dias para a aprovação ou rejeição e de sessenta dias para a aceitação ou recusa fundamentada das obras de urbanização.

Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, salvo as hipó-teses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do artigo 23 desta lei.

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Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:I - por decisão judicial;II - a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;III - a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.§ 1º. A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências (segue na página seguinte).§ 2º. Nas hipóteses dos incisos II e III, o oficial do registro de imóveis fará publicar, em resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser impugnado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última publicação. Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o processo será remetido ao juiz competente para homologação do pedido de cancelamento, ouvido o Ministério Público.§ 3º. A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida de vistoria destinada a comprovar a inexistência de adquirentes instalados na área loteada.

Algumas leis municipais têm previsto a figura do loteamento fechado, parcelamen-to implantado segundo a Lei 6.766, mas cujas vias públicas internas são poste-riormente objeto de concessão, permissão ou autorização de uso outorgada pelo Poder Público municipal a uma associação constituída pelos moradores. Muitos entendem que esses loteamentos fechados não têm sustentação jurídica, são nulos.

Para essa corrente, o fechamento do perímetro do loteamento por muros ou cer-cas e o consequente uso exclusivo das vias públicas contrariaria todo o espírito das normas sobre loteamento constantes da Lei 6.766.

A lei inclui como requisito urbanístico para os loteamentos a articulação das vias a serem implantadas com as vias adjacentes. A lei exige a reserva de áreas para implantação de equipamentos públicos de educação, cultura, saúde e recreação, que, como as vias de circulação, também passam para o domínio do Município no ato de registro do parcelamento e serão utilizados por toda a coletividade.

Além disso, o uso privativo de vias públicas, bens de uso comum do povo, deve ser admitido apenas excepcionalmente, não como regra, e os contratos de con-cessão ou permissão exigem licitação.Para essa corrente, para a implantação de empreendimentos com perímetro fe-chado e controle de acesso de não moradores impõe-se o regime condominial, não se aceitando assim o loteamento fechado, mas apenas o condomínio urba-nístico, nas áreas da cidade onde a legislação municipal prever a possibilidade de sua implantação. No regime condominial, a obrigação de instalação e manutenção

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de infraestrutura e equipamentos internos é dos condôminos. Não há apropriação de investimentos públicos por um grupo específico de pessoas.

Do outro lado, Mukai (2010), por exemplo, sustenta a possibilidade de se firmarem contratos de concessão ou permissão de uso de vias públicas no caso de lotea-mentos implantados na forma da Lei 6.766, com base na dispensa de licitação por inviabilidade de competição. De todo modo, pende divergências quanto à essa espécie de parcelamento, haja vista a inexistência de legislação específica.

2.2.3.3 Desmembramento

Desmembramento, em tema de Direito Urbanístico, significa o “parcelamento da terra em lotes, não sendo necessária a abertura de logradouros.” Trata-se de uma espécie de parcelamento do solo urbano, mas com alguma diferença entre os institutos destinados ao parcelamento do solo urbano.

A propósito, o art. 2o, § 2o da lei 6.766 considera desmembramento subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

O que individualiza o desmembramento é a não abertura de novas vias ou lo-gradouros públicos e pelo não prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Curiosidade

Pretendia-se alterar com a Lei 9.785/99 a conceituação dada a desmembramento. Vale transcrever as razões do veto, litteris:“A redação dada ao § 2º, do artigo 2º, da Lei nº 6.766, de 1979, altera a definição de desmembramento para admitir “a modificação, a ampliação e o prolongamento de vias e logradouros públicos já existentes ou a abertura de uma única via pública ou particu-lar de acesso exclusiva aos novos lotes.” (segue).De acordo com a tradição jurídica, as únicas formas de parcelamento do solo são o loteamento e o desmembramento, sendo o primeiro a repartição de gleba de lotes, com atos de urbanização, e o segundo repartição de glebas sem atos de urbanização. O loteamento distingue-se do desmembramento por implicar “abertura de novas vias de circulação ou logradouros públicos.” A relevância da distinção consiste no fato de que o loteamento acarreta ônus para o loteador, que é obrigado a destinar área da gleba ao Poder Público, para sistema de circulação viária, implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público.Ao admitir o desmembramento com acréscimo do sistema viário, a proposta confunde ambas as figuras, estimulando a adoção de desmembramento, já que para essa moda-lidade de parcelamento não se exige a destinação de área da gleba ao Poder Público, o que provocará, seguramente, escassez de espaço para a implantação de escolas, centros de saúde, praças e outros equipamentos necessários aos futuros parcelamen-tos, em prejuízo da comunidade local”.

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Meirelles (2004) afirma que o desmembramento é apenas repartição da gleba, sem atos de urbanização, e tanto pode ocorrer pela vontade do proprietário (ven-da, doação etc.) como por imposição judicial (arrematação, partilha etc.), em am-bos os casos sem qualquer transferência ao domínio público.

Ao processo de desmembramento se aplicam, no que couber, as disposições ur-banísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas para os loteamentos.

Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará re-querimento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, acom-panhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, ressalvada o disposto no § 4º, do artigo 18, e de planta do imóvel a ser desmembrado contendo:

I. a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos; II. a indicação do tipo de uso predominante no local; III. a indicação da divisão de lotes pretendida na área.

Não obstante a lei federal se referir apenas a loteamento e desmembramento, há outras modalidades de parcelamento do solo urbano: o reparcelamento ou desdobro, o parcelamento em condomínio ou condomínio urbanístico, e o remem-bramento.

Parte das disposições da Lei 6.766, inclusive as exigências ambientais constantes do parágrafo único de seu art. 3º, segundo parte da doutrina se aplicam a todas as modalidades de parcelamento, e não apenas aos loteamentos e desmembra-mentos.

Não há que se confundir desmembramento com desdobro.

Desdobro é tido como a subdivisão de lote, ao passo que o desmembramento resulta da subdivisão de gleba, que é uma área de terra não urbanizada.

Silva (2011) assegura que “desdobro de lote é a divisão da área do lote para for-mação de novo ou de novos lotes”.

Nessa perspectiva, todavia, a Lei 6.766/79 equipara o reparcelamento ao des-membramento no parágrafo único de seu art. 11, que dispõe que o Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos exigíveis para a aprova-ção de desmembramento de lotes decorrentes de loteamentos cuja destinação de área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1º, do art. 4º, da lei.

Resulta daí que a Lei Federal deixou ao talante da Administração Pública muni-cipal a regulamentação dos critérios para o desdobro de lote. Pende divergência doutrinária, no tocante à dispensa, ou não, de aprovação e registro do desdobro

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nos termos da Lei 6.766.

Rizzardo (2008) entende que a Lei 6.766 trata exclusivamente do aproveitamento do solo urbano para a exploração habitacional, entrevendo que a legislação se aplica às áreas destinadas ao aproveitamento habitacional, numa atividade co-mercial de exploração do solo pela venda. Assim, se, como no caso do desdobro, procura criar outras individualidades a partir da repartição do lote existente, sem o caráter de implantar um aglomerado de novas habitações no local, não se aplica a Lei 6.766.

Entende, entrementes, que se deveria submeter aos regramentos do plano diretor, especialmente quanto às exigências mínimas de dimensionamento e índices urba-nísticos.

Cita o referido autor decisões do TJSP, e a opinião de Vallim (1984), no sentido de que se o que se pretende é a divisão do lote e não da gleba, não se tem por aplicável a Lei 6.766/79.

Entre outras formas de parcelamento, tem-se ainda a figura do remembramento, que consiste no reagrupamento de lotes contíguos para constituição de lotes maiores.

O arruamento, por sua vez, é unicamente a abertura de vias de circulação na gleba, como início de urbanização, mas que por si só não caracteriza loteamento ou desmembramento, e tanto pode ser feito pelo proprietário, com prévia aprovação da Prefeitura e transferência gratuita das áreas das ruas ao Município, como pode ser realizado por este para interligação do seu sistema viário caso em que deverá indenizar as faixas necessárias às vias públicas. Assim, pode haver arruamento sem loteamento ou desmembramento, mas não pode haver aquele ou este sem vias públicas, abertas, anterior ou concomitantemente com o parcelamento da gleba.

2.2.3.4 Registro do loteamento e do desmembramento

Dispõe a Lei 6.766/79 no Capítulo VI acerca do registro do loteamento e do des-membramento. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o lo-teador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Na hipótese de o prazo ter sido ultrapassado, Rizzardo (2008) entende não ser exigível novo projeto, mas apenas revalidação. Entre os documentos exigidos, o título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse,

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desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação.

Ressalte-se, ainda, que, no caso anterior, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI do art. 18, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na im-prensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos.

Art. 18, (...)IV - certidões:a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos;b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos;c) de ônus reais relativos ao imóvel;d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos;V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; (Redação dada ao inciso pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999, DOU 01.02.1999).

Entre as certidões negativas exigidas, encontra-se exigência estranha (certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel), pois o único tributo incidente sobre o imóvel é de competência municipal.

Apenas as condenações por crime contra o patrimônio e contra a administração, enquanto não reabilitado o requerente, impedirão o registro. Se em andamento, aguarda-se o julgamento.

Exige-se, também, certidão de ônus reais relativos ao imóvel, levando a crer que não impede o registro a sua existência. O que pretende a lei é torná-los públicos. No entanto, deverá o requerente demonstrar a inexistência de prejuízo aos futuros adquirentes, razão pela qual o Dec. Lei 58 exigia escritura pública onde o titular estipularia a forma como os lotes seriam liberados.

Outro documento de suma importância consiste na declaração ou termo de verifi-cação do Poder Público, concernente à execução de obras vitais para o início do aglomerado humano, nos termos do art. 18, inc. V, da Lei 6.766/79.

A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as refe-

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rentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o regis-tro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o oficial do registro de imóveis jul-gar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.

Exige-se, por fim, declaração do cônjuge do requerente de que consente no regis-tro do loteamento, não dispensando o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.

O procedimento cartorário preliminar se dá com base no art. 19, da Lei 6.766/79, onde consta a primeira intervenção do Ministério Público. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o oficial do registro de imóveis encaminhará comunicação à Prefeitura e fará publicar, em resumo e com pequeno desenho de localização da área, edital do pedido de registro em 3 (três) dias consecutivos, podendo este ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da última publicação.

Se não houver impugnação, será feito imediatamente o registro. Se houver im-pugnação de terceiros, o oficial do registro de imóveis intimará o requerente e a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal, quando for o caso, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de arquivamento do processo.

Em seguida a tais manifestações, o processo será enviado ao juiz competente para decisão, momento em que se ouve o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, após o que o juiz decidirá de plano ou após instrução sumária, devendo re-meter o interessado às vias ordinárias caso a matéria exija maior indagação.

Para que não haja rejeição in limine, mandado o impugnante ao juízo contencioso, mister que a oposição se funde em direito real seu ou ainda em violação ao patri-mônio público. De todo modo, mesmo registrado o loteamento, os direitos não são extintos, podendo haver inclusive sua anulação.

Por fim, mister ressaltar que o oficial do registro de imóveis que efetuar o registro em desacordo com as exigências desta lei ficará sujeito à multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fixados para o registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartório, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis. Registrado o loteamento, o oficial de registro comunicará, por certidão, o seu registro à Prefeitura. O desmembramento não será registrado, mas averbado, nos termos do art. 167, II, 4, da Lei 6015/73.

O registro se dará no livro próprio, por extrato. Segundo Ceneviva (2010), constitui pressuposto necessário à realização do registro a atribuição legal de uma área determinada a certo oficial. As cidades maiores se dividem em duas ou mais cir-cunscrições, ou zonas imobiliárias.

Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro será requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada a maior parte da área loteada.

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Procedido o registro nessa circunscrição, o interessado requererá, sucessivamen-te, o registro do loteamento em cada uma das demais, comprovando perante cada qual o registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em to-das.

Denegado o registro em qualquer das circunscrições, essa decisão será comuni-cada, pelo oficial do registro de imóveis, às demais para efeito de cancelamento dos registros feitos, salvo se:

- o indeferimento do registro do loteamento em uma circunscrição não deter-minar o cancelamento do registro procedido em outra, e

- se o motivo do indeferimento naquela não se estender à área situada sob a competência desta, e desde que o interessado requeira a manutenção do registro obtido, submetido o remanescente do loteamento a uma aprovação prévia perante a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso.

Nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição e é defeso ao inte-ressado processar simultaneamente, perante diferentes circunscrições, pedidos de registro do mesmo loteamento, sendo nulos os atos praticados com infração a esta norma.

Além disso, é de se ressaltar que enquanto não procedidos todos os registros de que trata este artigo, considerar-se-á o loteamento como não registrado para os efeitos desta lei.

No que concerne à indisponibilidade dos espaços públicos, desde a data do regis-tro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, em conformidade com o art. 17 da Lei.

Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do artigo 23 desta lei.

O cancelamento do registro pode ocorrer de três formas:

- por decisão judicial; (I)- a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Fede-

ral quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato; (II)

- a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes (em sentido amplo, abrangendo inclusive os promitentes compradores) de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Esta-do. (III)

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Veja-se que a Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.

Nesse momento (do cancelamento), surge a segunda intervenção do Ministério Público prevista pela Lei 6.766/79, art.23, § 2º. Nas hipóteses dos incisos II e III, o oficial do registro de imóveis fará publicar, em resumo, edital do pedido de can-celamento, podendo este ser impugnado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última publicação. Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o processo será remetido ao juiz competente para homologação (precedida de vistoria in loco destinada a comprovar a inexistência de adquirentes instalados na área loteada) do pedido de cancelamento, ouvido o Ministério Público.

O art. 22 prescreve que desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

E se cancelado o registro? A doutrina analisada se divide quanto à resposta.Rizzardo (2008) embora admita que os espaços públicos só serão públicos en-quanto registrado o loteamento, adverte para o fato de o Município e o Estado se-rem ouvidos, levando a crer tal norma “objetiva a estas entidade definirem as áre-as que permanecerão no domínio público, recaindo naquelas onde se localizarem os lotes negociados, bem como seus acessos obrigatórios às ruas oficiais. Não se permite retornarem ao poder dos particulares, com total prejuízo aos adquirentes e promissários, que ficariam sem passagem ou comunicação às vias principais.”

De outro lado, Viana (2009) perfilha o entendimento segundo o qual a propriedade do Município seria resolúvel aduzindo: “Não se perca de vista que a propriedade sobre tais áreas, por parte do Município, tem caráter resolúvel. E assim o é por-que, se ocorrer o cancelamento do registro, o loteamento desaparece, voltando a área a existir como unidade, tal como ocorria anteriormente. Está implícita a con-dição resolutória. Quando se procede ao registro do loteamento a transmissão ao Município é feita sob condição.”

Acredito, com maior razão, a primeira opinião. A lei inseriu no capítulo dedicado aos contratos artigo relacionado a qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado dispondo que tal medida dependerá de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da apro-vação da Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, devendo ser depositada no registro de imóveis, em complemento ao projeto original, com a devida averbação.

No que se refere à transmissão da propriedade loteada, vê-se que o adquirente se sub-roga nos direitos e nas obrigações dos alienantes, seja a transferência me-diante ato inter vivos, ou por sucessão causa mortis, ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as

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suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado.

Por fim, em caso de falência ou estado de insolvência, não se resolvem os contra-tos de compromisso de compra e venda ou de promessa de cessão que tenham por objeto a área loteada ou lotes da mesma.

Se a falência ou insolvência for do proprietário da área loteada ou do titular de direito sobre ela, incumbirá ao síndico ou ao administrador dar cumprimento aos referidos contratos. Se do adquirente do lote, seus direitos são levados à praça.

O processo do loteamento e os contratos depositados em cartório poderão ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pa-gamento de custas ou emolumentos, ainda que a título de busca.

2.2.3.5 Dos contratos

No regime do imóvel loteado, a súmula 166 do STF já previa a impossibilidade de arrependimento quando considerava inadmissível o arrependimento no compro-misso de compra e venda sujeito ao regime do D.L. 58, de 10.12.1937.

A Lei 6.766/79 veio corroborar tal entendimento; corroborando o entendimento jurisprudencial anterior prescrevendo que são irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito à ad-judicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a ter-ceiros (art. 25).

A redação dada ao comando retro é redundante, haja vista que toda e qualquer promessa de compra e venda de imóvel loteado se coaduna com a adjudicação compulsória que é sua consequência natural.

Antes da Lei 9.785/99 se discutia acerca do momento da transmissão do domínio. Parte da doutrina, liderada por Passos (2004) entendia que bastava o registro da promessa de compra e venda e sua quitação para que se operasse a transmissão, com espeque nos arts. 27 e 41, da Lei 6.766/79.

De outro lado, Carvalho (1998) perfilhava o entendimento de que o art. 41 valia só para o loteamento irregular, quando a escritura definitiva era dispensada.

A Lei 9.785/99 acrescentou o §6º ao art. 26 dispondo que os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.

Em relação à necessidade de registro para se obter o imóvel via ação adjudica-tória, a jurisprudência do STJ tem afirmado que a inscrição do compromisso de

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compra e venda no registro imobiliário não é essencial à adjudicação compulsória, e, assim, mesmo que não registrada, a promessa de compra e venda assegura o direito à adjudicação compulsória. Isso se dá justamente porque tal direito não decorre da inscrição, mas do próprio compromisso.

O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, independendo da anuência do loteador, mas, em relação a este, seus efeitos só se produzem depois de cientificado, por escrito, pelas partes ou quando registrada a cessão. Malgrada a redação do art. 31, basta que uma das partes dê conhecimento ao loteador para que o fim almejado pela norma seja alcançado.

Uma vez registrada a cessão, feita sem anuência do loteador, o oficial do registro dar-lhe-á ciência, por escrito, dentro de 10 (dez) dias. A lei dispõe que vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30 (trinta) dias de-pois de constituído em mora o devedor, consubstanciando tal regra na chamada mora ex persona.

Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis deverão ser indenizadas, salvo as feitas em desconformi-dade com o contrato ou com a lei, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário.

O escólio do STJ é no sentido de que a rescisão de promessa de compra e venda de imóvel mesmo não loteado depende de prévia interpelação judicial nos termos do Decreto-Lei nº 745, de 1969, sendo ineficaz a cláusula de resolução expressa.

No que concerne à intimação da mulher, da mesma forma, deve ser procedida, haja vista que o compromisso é forma de alienação de imóvel, devendo o cônjuge ser também interpelado, sob pena do mesmo não o sendo, pagar os prejuízos decorrentes da mora.

A Lei 6.766/79 estipulou que se o adquirente do imóvel pagou menos do que 1/3 do preço ajustado, perderia tais prestações para o vendedor. Se houvesse o pa-gamento de mais de 1/3, o vendedor estaria obrigado a devolver.

Ocorre, todavia, que nos termos da jurisprudência do STJ, pode o juiz, autoriza-do pelo disposto no art. 924 do Código Civil, e para evitar o enriquecimento sem causa, reduzir a patamar justo à cláusula que prevê a perda total das parcelas pagas em compra de imóvel, mesmo que tenha sido ela firmada antes da vigência do código de defesa do consumidor. Para tanto, a jurisprudência da quarta turma tem considerado razoável, em princípio, a retenção pelo promitente vendedor de 10% do total das parcelas quitadas pelo comprador, levando-se em conta que o vendedor fica com a propriedade do imóvel, podendo renegociá-lo.

Nas disposições gerais, a lei vedou a venda ou promessa de venda de parcela de loteamento ou desmembramento não registrado, considerando tal conduta como crime nos termos do que dispõe os art. 50 e 51.

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O adquirente do lote deverá suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o loteador para suprir a falta, quando verificar que o loteamento ou des-membramento não se acha registrado ou regularmente executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal. Ocorrendo a suspensão do pa-gamento das prestações restantes, na forma do caput deste artigo, o adquirente efetuará o depósito das prestações devidas junto ao registro de imóveis compe-tente, que as depositará em estabelecimento de crédito.

A notificação anterior poderá ser promovida pela Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, ou o Ministério Público¸ trazendo a Lei mais uma forma de intervenção ministerial.

Outrossim, requer a lei a audiência do Ministério Público, quando regularizado o loteamento pelo loteador, este promover judicialmente a autorização para levantar as prestações depositadas, com os acréscimos de correção monetária e juros, sendo necessária a citação da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, para integrar o processo judicial.Após o reconhecimento judicial de regularidade do loteamento, que também exi-girá, segundo a doutrina, a participação do Ministério Público, o loteador notificará os adquirentes dos lotes, por intermédio do registro de imóveis competente, para que passem a pagar diretamente as prestações restantes, a contar da data da notificação.

Se ocorrer o desatendimento da notificação por parte do loteador, não poderá, a qualquer título, exigir o recebimento das prestações depositadas, pois servirá para a regularização do loteamento procedida pelo Município. É o que dispõe o art. 40, onde se evidencia, a despeito da redação do comando, uma obrigatoriedade em regularizar o loteamento imposta ao Poder Público.

2.2.3.6 Disposições penais da lei do parcelamento do solo urbano

A Lei 6.766/79 erigiu as condutas tipificadas nos art. 50 a 52 como crimes contra a Administração Pública. Como é evidente, o agente passivo do delito é o Estado, por figurar como titular do direito público atingido. De todo modo, por via reflexa, a conduta delituosa pode ter outro sujeito passivo, qual seja, o adquirente de um lote em loteamento ilegal.

Inicialmente, observa-se que o art. 50, da lei do parcelamento do solo urbano, traz seis figuras delituosas, tipificadas como crimes contra a Administração Pública:

- dar início ou efetuar, de qualquer modo, loteamento ou desmembramento urbano, sem autorização da autoridade competente;

- dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento para fins urbanos, com autorização do órgão público competente, mas em desacordo com as normas da Lei no 6.766/79;

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- dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento para fins urbanos, com autorização do órgão público competente, mas em desacordo com as normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

- dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo urbano sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

- fazer ou veicular proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de parcelamento do solo para fins urbanos;

- ocultar fraudulentamente fato relativo a parcelamento do solo urbano para fins urbanos.

Em síntese, os tipos referidos tutelam a boa-fé dos que procuram comprar terre-nos loteados, coibindo o ato de iludir realizado por quem deseja parcelar o solo urbano de maneira ilícita.

Gasparini (2010), no que se refere ao disposto no art. 5,1 leciona que “as figuras do mandatário de loteador, do diretor ou gerente de sociedade são, nessa dispo-sição, meramente exemplificativas. De sorte que os agentes públicos (todos os que mantêm vínculo com a Administração Pública) de qualquer esfera de governo, podem ser co-autores desses crimes.”

Questão assaz interessante é a da responsabilidade penal dos que participam das vendas de loteamentos clandestinos. A propósito, oportuno julgado de respeitada TJSP:

“O simples fato de terceiro auxiliar nas vendas de lotes não constitui crime, pois caso contrário, todos os corretores e intervenientes nas vendas de lotes clandestinos seriam co-autores.”

Inexiste ação privada; o que há é ação penal de iniciativa privada. Assim, segundo os processualistas de escol, constitui atecnia grave para o operador do Direito dizer “ação privada”. Mesmo de iniciativa a cargo do particular, a ação continua sendo pública, deduzida ante o órgão jurisdicional competente.

Entrementes, diz o art. 100, do CP que “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.” Nos casos de crimes previstos na Lei n 6.766/79, a deflagração processual fica a cargo do Dominus Litis, o Ministé-rio Público, não se condicionando à representação de quem quer que seja. É de iniciativa pública incondicionada.

Vale ressaltar que o ofendido pode não apenas intervir como assistente do Minis-tério Público, como também propor a ação penal de iniciativa privada, subsidiária da de iniciativa pública, consubstanciada no art. 5o, LIX, da Constituição Federal de 1988.

Mais uma vez, ressalte-se, a atuação do MP se resume à intervenção no proce-dimento de impugnação ao registro de parcelamento, prevista no art. 19, § 2º, à

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notificação do loteador para suprir a falta no registro ou execução de obras do par-celamento, mencionada no art. 38, § 2º e à previsão de oitiva do Ministério Público no processo judicial em que o loteador pleiteie o levantamento das prestações depositadas em juízo.

Além dessa atuação prevista expressamente, a mencionada lei federal tipificou o parcelamento ilegal do solo como delito contra a administração pública, nos art. 50 a 52, os quais, por tratarem-se de crimes de ação pública, também ensejarão atuação ministerial, na esfera criminal.

Importante, frise-se que, tanto na atuação nos procedimentos de impugnação de registro de parcelamento e de levantamento de parcelas depositadas, quanto a atuação criminal, referem-se a casos de intervenção tradicional do Ministério Pú-blico, quer como fiscal da lei, quer como titular da ação penal pública.

Por outro lado, a prerrogativa de notificação do parcelador para regularização do parcelamento ilegal constitui medida claramente protetiva ao direito do adquirente de lote, trata-se de atuação precursora na defesa do consumidor.

Afinal, o princípio 21, da Declaração de Estocolmo, dispôs que os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, e a política nacional de meio ambiente tem por objetivo a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental propicia à vida, assegurando ao país condições de desenvolvimento sócioeconô-micos sem comprometer as gerações presentes e futuras.

Na parte destinada à política urbana, aprendemos os fundamentos político–cons-titucionais que deverão nortear a execução pelo Poder Público municipal, da po-lítica de desenvolvimento urbano, e os instrumentos de planejamento urbano que asseguram o pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades e a garantia do bem-estar dos seus habitantes.

Atividade 1O procedimento de licenciamento ambiental obedeca algumas etapas. Acerca das etapas do procedimento de licenciamento, assinale a alternativa correta.

a) No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, facultativamen-te, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de em-preendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supres-são de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes.

Atividades

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b) Requerimento da licença ambiental pelo SISNAMA, acompanhado dos do-cumentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade.

c) Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade durante a realização da audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente.

d) Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empre-endedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requeri-da.

e) Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo empreendedor, de-correntes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios.

Atividade 2A inobservância ou ausência de licença ou autorização é crime previsto na Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/1998). Qual é o crime e sua pena?

Atividade 3São instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente:

a) zoneamento ambiental e o sistema nacional de informações sobre recursos hídricos.

b) estabelecimento de padrões de qualidade ambiental e o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais.

c) avaliação de impactos ambientais e os Planos de Recursos Hídricos.d) licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras

e outorga dos direitos de uso de recursos hídricos.e) incentivos à produção e compensação ao município.

Atividade 4Escreva como é formada a estrutura dos órgãos responsáveis pelo meio ambiente de seu Estado e do seu Município.

Atividade 5Diferencie gleba de lote.

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Referências

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MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

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RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano. 7. ed. São Paulo: Editora RT, 2008.

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VIANA, Marco Aurélio S. Manual do condomínio edilício. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

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DIREITO AMBIENTAL E

BIOTEcNOLOgIA

Iremos abordar, inicialmente, neste capítulo, biotecnologia. A biotecnologia pode fornecer grandes oportunidades para o uso sustentável da diversidade biológica, através de técnicas modernas que permitem utilização sustentável dos recursos biológicos e da variabilidade genética.

A biotecnologia é o estudo de técnicas de melhoramento de qualquer OV (Organismo Vivo) com o emprego da engenharia genética (biotecnologia moderna), resultando em um OVM (Organismo Vivo Modificado), conforme denominação dada pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, ou, através de técnicas convencionais (biotecnologia antiga), resultando em organismos híbridos. O que diferencia a biotecnologia utilizada antigamente da biotecnologia moderna, como os cientistas a tratam atualmente, é o emprego da engenharia genética ou também chamada de técnica do DNA (ácido desoxirribonucleico) recombinante.

Dando prosseguimento, iremos estudar a responsabilidade administrativa, civil e penal sob os aspectos ambientais. Segundo Meirelles (1996), citado por Leuzinger e Cureau (2008), as esferas de responsabilidade, a princípio, são independentes, ou seja, não se comunicam. Entretanto, a absolvição criminal afastará a responsabilidade civil e administrativa quando ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor.

Finalizando os estudos de Legislação e direito ambiental, veremos a Lei de crimes ambientais. A destruição do ambiente constitui, sem nenhuma dúvida, um dos mais ingentes problemas que a humanidade tem deparado na segunda metade do século XX, cuja, gravidade é de todos conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do homem.

Destarte, toda política ambiental deve procurar equilibrar e compatibilizar as necessidades de industrialização e desenvolvimento com as de proteção, restauração e melhora do ambiente.

4Rodrigo Borges de Barros

Carolina Oliveira Pinto

Introdução

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Ao término dos estudos propostos neste capítulo, esperamos que você esteja apto(a) a:

• considerações gerais sobre responsabilidade ambiental administrativa, civil e penal;

• importância do Poder de Polícia Ambiental, sua conceituação e sua competência, assim como a determinação das infrações e sanções administrativas;

• faz-se necessário estabelecer a competência para apuração de infrações ambientais, o processo administrativo para apuração de infração ambiental e as responsabilidades administrativas previstas na Lei 9.605/98;

• o dano ambiental e as formas de reparação do dano ambiental, a culpa no Direito tradicional e a objetividade na responsabilidade civil ambiental, a irrelevância da ilicitude da atividade e a irrelevância do caso fortuito, da força maior e do fato de terceiro;

• estabelecer quem é o sujeito responsável e a solidariedade passiva, assim como o empreendedor como sujeito responsável principal;

• a responsabilidade do Estado por Dano Ambiental e a responsabilidade civil do profissional por Dano Ambiental;

• estabelecimento da responsabilidade civil objetiva da pessoa jurídica em face da Lei n° 9.605/1.998;

• análise da responsabilidade penal ambiental nas normas estrangeiras;

• as normas penais ambientais e as normas penais em branco;

• bem jurídico protegido, tipicidade, elemento subjetivo, sujeito ativo e passivo, responsabilidade penal ambiental da pessoa física e jurídica, opiniões doutrinárias e jurisprudenciais;

• os crimes ambientais, segundo a Lei n° 9.605/98.

Objetivos

Esquema

3.1. Biotecnologia3.2. Responsabilidade ambiental3.3. Lei de crimes ambientais

3.1. BiotecnologiaNo último século, vivenciamos a era da Revolução Verde, que consistiu na preocupação e preservação da natureza devido ao desenvolvimento industrial desordenado e à degradação indiscriminada ao meio ambiente.

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Atualmente, o foco é outro: a engenharia genética e a biotecnologia. Biotecnologia pode ser uma palavra estranha à maioria da população, mas, é utilizada, como visto anteriormente, desde 1.750 a.C. na fermentação de pães e vinhos pelas leveduras. Essa técnica antiga foi substituída pela denominada biotecnologia moderna que se caracteriza pela manipulação de genes através da engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante que significa “ácido desoxirribonucléico; hélice dupla (duas fitas) com sequências de bases do tipo purina (adenina e guanina) e pirimidina (citosina e timina), mantidas emparelhadas por pontes de hidrogênio.” (BORÉM, 2002, p. 240).

Explicando melhor o parágrafo anterior, citamos:

A biotecnologia pode fornecer grandes oportunidades para o uso sustentável da diversidade biológica, através de técnicas modernas que permitem utilização sustentável dos recursos biológicos e da variabilidade genética. Por outro lado, temos que balancear cuidadosamente o uso dessas biotecnologias para evitar possíveis prejuízos à conservação e uso sustentável da diversidade biológica. Devemos buscar uma forma de promover os usos e usufruir os benefícios da biotecnologia e ao mesmo tempo conservar e usar, de forma sustentável, a biodiversidade. (ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE BIODIVERSIDADE E TRANSGÊNICOS, 1999, p. 30).

Há pouco tempo, o Brasil vivenciou um dos problemas derivados da biotecnologia moderna. Todos acompanharam as discussões travadas acerca da liberação ou não da safra de soja transgênica. Com tremendo espanto, a sociedade contra esse tipo de alimento e as Organizações Não Governamentais (ONGs), assim como o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) assistiram suas pretensões insatisfeitas. A safra de soja pôde ser comercializada internamente e externamente com o apoio do governo ao editar a Medida Provisória nº 113, de 26 de março

de 2.003 que, hoje, é a Lei nº 10.688, de 13 de junho de 2.003. Mesmo sendo produto ilícito, uma vez que as sementes foram contrabandeadas da Argentina, estando proibida a liberação em campo por uma liminar da justiça, devido à falta de um EPIA/RIMA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente), para que se possibilite avaliar os efeitos adversos que tais plantas possam ocasionar ao meio ambiente e à saúde humana, foi possível legalizar tal excrecência.

Plantas Transgênicas

Podem ser definidas, de forma didática, como “os organismos que tiveram seu material genético alterado por métodos não naturais (NORDARI, 1999, p. 141-150).

Essa liminar, que era a responsável pela suspensão das atividades como o cultivo e a comercialização da soja transgênica Roundup Ready, de propriedade da Monsanto, no Brasil, desde 1.998, caiu com uma decisão monocrática proferida no recurso de apelação nº 1998.34.00.027682-0 tendo como apelante a Monsanto do Brasil, em 2.003, composta por mais de 700 páginas pela Desembargadora Federal Selene de Almeida. Decisão essa, de cunho precário, pois, “contra legem” uma vez que no

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corpo da Lei nº 10.688, de 13 de junho de 2.003, em seu artigo 5º, traz: “Para o plantio da safra de soja de 2004 e posteriores, deverão ser observados, rigorosamente, os termos da legislação vigente, especialmente da Lei no 8.974, de 1995, e demais instrumentos legais pertinentes.” Como se não bastasse, fundada em fatos inverídicos contestados nos meios de comunicação pelos próprios responsáveis. Segue parte da decisão:

... Em síntese, a lide transcende os interesses das partes pois trata de questões que dizem respeito ao desenvolvimento de técnicas agrícolas para o desenvolvimento sustentável do país, a competitividade do Brasil no mercado internacional de commodities, o avanço na área da pesquisa científica para a redução dos custos da produção agrícola com a diminuição de agrotóxicos e o direito do consumidor à informação. Destarte, estão presentes os requisitos para concessão de efeito suspensivo à apelação de União Federal e outros e por isso defiro-o nos termos do pedido e com base na fundamentação do voto já proferido. Intimem-se (pessoalmente a União e o Ministério Público Federal). Comunique-se o juízo a quo. Publique-se. Brasília-DF, 7 de agosto de 2003. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida – Relatora.(www.trf1.gov.br)

Logicamente, tal excrecência não poderia perdurar por muito tempo. A 5º TRF – Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª região, em Brasília (DF), cassou no dia 08 de setembro de 2.003, por dois votos a um, a liminar anteriormente transcrita. O MMA (Ministério do Meio Ambiente, Amazônia Legal e Desenvolvimento Sustentável) divulgou nota à imprensa no mesmo dia, a qual consideramos relevante citar:

O provimento do Agravo Regimental proposto pelo IDEC e Ministério Público Federal contra a liminar concedida pela Desembargadora Selene Maria de Almeida, vem ao encontro do entendimento do Ministério do Meio Ambiente da necessidade de realização de EIA/RIMA e o seu consequente licenciamento ambiental para o plantio em escala comercial da soja transgênica. Com isso, fica restabelecida a decisão de primeira instância proferida pelo Juiz Federal Antônio Prudente*.Ressalta ainda o Ministério do Meio Ambiente que mesmo antes do deferimento do Agravo, o plantio comercial da soja transgênica não estava autorizado, pois sua liberação comercial continuava condicionada ao licenciamento ambiental de tais atividades, nos termos das Leis 8974/95 e 6938/81 e da Resolução CONAMA nº 305/02.O Governo Federal continua a desenvolver esforços, no âmbito do Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, no sentido de propor um marco legal que regulamente de forma clara as atividades comerciais e de pesquisa envolvendo OGMs - Organismos Geneticamente Modificados.*A decisão de primeira instância dispõe que: a) exigia a realização de EIA/RIMA para o plantio em escala comercial da Soja Round up

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Ready (RR); b) proibia a comercialização de sementes da Soja RR até a regulamentação da matéria relativa à segurança alimentar; c) suspendia o plantio comercial até que fossem esclarecidas falhas da CTNBio; d) proibia o Ministério da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e da Saúde à expedição de autorização; e) suspendia as autorizações emitidas.(http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=12016, acesso em 08.setembro.2.003)

Algumas regras a respeito dos transgênicos mudaram do governo Fernando Henrique Cardoso para o de Luís Inácio Lula da Silva. As principais mudanças estão no Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2.003, que revogou o Decreto nº 3.871, de 18 de julho de 2.001.

Atualmente, de acordo com a nova norma, regulamenta-se o direito à informação, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, trazendo, em seu texto, o seguinte: tanto os alimentos ou ingredientes transgênicos destinados ao consumo humano ou animal (antigamente o texto legal trazia somente o consumo humano), que excederem o limite de 1% (um por cento) (no Decreto anterior o limite era de 4%), deverão ser rotulados como tais; tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou “in natura” (a norma anterior regulava somente os produtos embalados) deverão ser rotulados como transgênicos; o consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no rótulo; os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos também deverão constar como transgênicos.

A maior parte da sociedade não possui conhecimentos básicos referentes à biotecnologia e, diante desses fatos, perguntam-se no que consiste tal tecnologia. Propiciando a compreensão, é de importância extrema expor o seguinte:

A novidade da biotecnologia reside em sua habilidade de explorar o universo do código genético para combinar, em um só organismo, características adaptativas majoritárias que evoluíram em braços filogenéticos diferentes. Genes que expressam características agronômicas importantes, provenientes de micróbios, plantas, animais e do próprio homem, foram introduzidos em diversas espécies cultivadas. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 38).

A biotecnologia é o estudo de técnicas de melhoramento de qualquer OV (Organismo Vivo) com o emprego da engenharia genética (biotecnologia moderna), resultando em um OVM (Organismo Vivo Modificado), conforme denominação dada pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, ou, através de técnicas convencionais (biotecnologia antiga), resultando em organismos híbridos. O que diferencia a biotecnologia utilizada antigamente da biotecnologia moderna, como os cientistas a tratam atualmente, é o emprego da engenharia genética ou também chamada de técnica do DNA (ácido desoxirribonucleico) recombinante.

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Outros conceitos de relevância no mundo científico não poderiam faltar ao trabalho, por isso selecionamos:

A biotecnologia pode ser entendida como a tecnologia que explora os sistemas biológicos em vez dos organismos vivos. Neste particular, a preservação dos sistemas biológicos com sua diversidade pode ser considerada prioridade e desafio para a humanidade. (BORÉM, 2002, p. 172);Genericamente, podemos dizer que biotecnologia é o nome que se dá às tecnologias e processos que utilizam organismos vivos ou substâncias produzidas por eles para a obtenção de produtos de interesse econômico. (BONETTI, 2001, p. 74)

Parada obrigatória

Ao ser realizada a manipulação genética, o legislador é chamado a intervir nesse campo porque não se pode negar a existência de riscos para os seres humanos, para os animais e para as plantas.

Hermite e Noiville (1993) apud Machado (2005, p. 961) mencionam alguns riscos como:

• aparecimento de traços patógenos para humanos, animais e plantas;

• perturbações para os ecossistemas;

• transferência de novos traços genéticos para outras espécies, com efeitos indesejáveis;

• dependência excessiva face às espécies, com ausência de variação genética.

A engenharia genética apareceu para revolucionar os meios convencionais de melhoramento de plantas e animais. Por meios estranhos à natureza, é capaz de introduzir genes de diferentes tipos de organismos no intuito de mesclar características que possam ser benéficas ou não, pois sabe-se que a carência de estudos científicos capazes de comprovarem a não lesividade à saúde humana e ao meio ambiente é real. Para tanto, está mais bem explicado da forma seguinte:

A biotecnologia de alimentos abrange muitas atividades – que vão desde o desenvolvimento de levedo para fazer cerveja, queijo ou pão até técnicas avançadas para desenvolvimento de novas características em plantas. Com a evolução da biotecnologia, pode-se identificar e inserir um gene específico em uma planta, dando a ela uma característica desejada, como resistência a pragas, teor nutritivo mais elevado ou capacidade de amadurecimento mais lento, por exemplo. (CIB, 2001, p. 6)

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Outra obra de grande expressão na realização e desenvolvimento do presente trabalho, explicita:

Muitos destes genes procederão de animais e microrganismos, os quais não encontrariam este caminho através de meios naturais. Estes fatores levantam a questão dos riscos da experimentação em campo e da comercialização de plantas cultivadas transgênicas. O impacto da introdução de OGMs no ambiente apresenta similaridades com a introdução de espécies alienígenas, muito embora seus efeitos sejam mais críticos em nível da diversidade genética. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 38)

Portanto, além da possibilidade do aparecimento de certos recombinantes inesperados, sintetizando moléculas novas ou exprimindo vírus aparentemente inativos, quando se fabricam os organismos geneticamente modificados, outros riscos surgem, ligados à disseminação voluntária dos organismos geneticamente modificados. Pode ocorrer a perda de controle dos OGMs ou do gene introduzido, ou poderá ser constatado prejuízo para o meio ambiente.

3.1.1. O fator transferência gênica

O temor maior, que aflige os ecologistas, está na denominada transferência horizontal e contaminação dos ecossistemas. As preocupações não se restringem a esses fatos, mas, são pontos cruciais. Além deles, existe a probabilidade de afetar espécies não alvo. Exemplificando o exposto anteriormente, temos:

“Na Indonésia foram extintas cerca de 1.500 variedades de arroz, enquanto em Taiwan, um maciço fluxo gênico, proveniente de variedades cultivadas, foi transferido para espécies selvagens, reduzindo a sua adaptabilidade ao ambiente e provocando a extinção de inúmeras espécies selvagens.” (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 33)

O que os cientistas alegam em referência ao ocasionado no exemplo supracitado é que há possibilidade de transferência horizontal, seja de uma variedade cultivada, seja de um organismo geneticamente modificado, para espécies selvagens aparentadas. Isso é um fator natural de seleção que vem acontecendo desde os primórdios dos tempos. Inexiste, entretanto, risco de transferência gênica de uma determinada espécie, cultivada ou modificada geneticamente, para outra que não seja aparentada.

O dano a espécies não alvo vem sendo bastante especulado. Existem estudos comparativos do aumento gradativo da área de cultivo de transgênicos relacionado com o decréscimo de algumas espécies úteis. É o caso, por exemplo, das borboletas Monarca que têm apresentado um ligeiro declínio em regiões em que o cultivo de OGMs vem aumentando com o passar dos anos. Esses transgênicos, no caso, o

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milho Bt (Bacillum thuringiensis) possui um transgene para codificar uma toxina natural, afastando as pragas da lavoura, aumentando os ganhos na produção, pois, sem serem atacados por pragas diminuem as perdas e o aparecimento de fungos.

Como sabemos, toda espécie presente no ecossistema possui seu valor para o mesmo, até que seja um parasita. O ecossistema se autorregula uma vez que todas as espécies pertencentes a ele encontram-se em equilíbrio. Caso aconteça algum fator que venha a extinguir ou diminuir a população de uma espécie, estará comprometido todo o ecossistema, pois, perde-se o equilíbrio ecológico. Nesses moldes, necessitamos preservar e prevenir todo o meio ambiente quanto a futuros danos, sendo tudo que nos circunda extraído dele.

Registrando

“Se, por um lado, os benefícios que poderão advir dessas novas técnicas são apro-ximadamente previsíveis, pois que geralmente são bastante utilizados pelo funciona-mento basal dos seres vivos em questão, o potencial maléfico é absolutamente ilimi-tado. Considerando-se aí não só os possíveis acidentes, mas a manipulação espúria, com objetivos militares, eugênicos ou de dominação sociológica, ou, prinicipalmente, econômica. Em verdade, nunca a humanidade contou com uma força tão extrema e ambivalente. E, como sempre, concentrada nas mãos de pouquíssimos, razão pela qual todo o esforço deve ser feito no sentido da coibição de abusos que possam ser perpetrados atualmente e, principalmente, no futuro. A segurança é primordial”

Parte do Relatório do senador Ronan Tito na apreciação do projeto de Lei 8.974/95, Diário do Congresso Nacional 14.12.94, p, 9.073 apud Machado (2005).

3.1.2. Produtos biotecnológicosPodemos estar fazer uso de muitos produtos biotecnológicos sem nem sequer ter conhecimento disso. É sabido que muitos alimentos geneticamente modificados já entraram em nosso território e foram usados normalmente pela indústria alimentícia.

Exemplos de alguns desses produtos são o óleo de soja, as margarinas e as bolachas. As indústrias alegam que no ato do refino, do processo de fabricação desses alimentos, devido às elevadas temperaturas, toda proteína é desnaturada, incluindo-se aí o material genético. Portanto, se o material geneticamente modificado fosse fazer mal à saúde de alguma pessoa não mais faria, pois é inexistente ao fim do processo.

Juridicamente, consideramos, com apoio de boa parte de doutrinadores, uma afronta ao direito do consumidor. Temos, por lei, o direito de conhecer a procedência de cada produto e, além do mais, o direito de escolha sobre os mesmos. Atualmente, como visto no início do trabalho, a lei obriga a rotulagem de alimentos geneticamente modificados quando passar de 1% (um por cento) da substância total referida.

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Importante!

Limoges (1993) apud Machado (2005, p. 962) ressalta que a impressão geral da co-munidade científica é que os riscos são mais ligados à utilização das técnicas de Engenharia Genética do que às técnicas elas mesmas, ainda que a probabilidade do aparecimento de recombinantes não desejados não seja totalmente desprezível a longo prazo.

3.1.3. Os impactos socioeconômicos e ambientais da biotecnologia

Não existem casos de avanços científicos sem impactos, mesmo que mínimos, não são considerados irrelevantes. Trataremos no próximo tópico sobre a ciência que é responsável pelo estudo destes impactos, a Biossegurança.

Como abordado anteriormente, o cunho transdisciplinar da matéria em pauta leva-nos a estudar os impactos decorrentes da biotecnologia em suas diferentes áreas de atuação, quais sejam, as diversas ciências que circundam o desenvolvimento sustentável (Direito, Ecologia, Economia, Sociologia etc.).

Passando à análise do crescimento populacional em relação à oferta de alimentos e outros recursos inerentes, temos que:

De acordo com o World Bank, nos próximos trinta anos, o crescimento da população da Terra está projetado em dois-terços; assim, seus atuais 5,5 bilhões se elevarão a 8,5 bilhões, dos quais cerca de 7 bilhões viverão nos países em desenvolvimento. Tal crescimento elevará significativamente a demanda de alimentos, energia, água, cuidados com a saúde, saneamento e moradia; estes, por sua vez, continuarão induzindo a uma séria conversão, pelo homem, de hábitats naturais em uma variedade de usos. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 24)

Exemplificando

Argumenta-se que a Engenharia Genética faria crescer a produção de grãos - e, com isso, seria eliminada a fome no mundo. Em sentido contrário, outras fontes, como El País, de 2 de julho de 2000, em sua reportagem “Genes & genomas. Polémicas: los transgénicos y su influencia en el medio natural” afirma que não é a escassez de ali-mentos o que condena à fome milhões de pessoas no Planeta, mas o desigual acesso aos alimentos.

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Devido ao fato de a biotecnologia ser empregada com intuito de auferir valor comercial aos seus produtos traz com isso outro problema, a Biopirataria. A maioria dos países detentores da megabiodiversidade, como demonstrado na Figura 1, são pobres, em desenvolvimento. Esse fator é de profunda consideração, pois estimula, porque não dizer, propicia a pirataria de espécies vivas, ou suas partes, para países ricos que possuem alta infraestrutura no ramo biotecnológico, sendo capacitado a dar destinação em larga escala comercial. Não são raros os pedidos de quebra de patente pela circunstância de uma espécie endêmica, ou seja, somente existente em um determinado local, ser patenteada em uma região geograficamente oposta, possuidora de condições climáticas não condizentes com a origem da espécie em questão. Essas ações também ocasionam conseqüências, como o exposto:

Atividades humanas que perturbam profundamente o ambiente, como o desmatamento e a retirada seletiva de determinadas espécies, produzem o mesmo efeito de diminuição de diversidade dos hábitats e coloca seriamente em risco a diversidade local de espécies. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 37)

Figura 1: Centros de diversidade estabelecidos por Vavilov

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Os riscos da transferência gênica, também já abordados no princípio, devem ser valorados, uma vez que já houve casos de contaminação de áreas livres de organismos geneticamente modificados, pois, tratavam-se de espécies aparentadas e acarretaram danos aos agricultores. Temos o exemplo do agricultor nos Estados Unidos, Sidney Nelson, que foi surpreendido com uma ação cobrando-lhe os royalties sobre o uso da variedade transgênica, nesse caso, o milho Bt. Esse pode ser um dos problemas biológicos e jurídicos mais frequentes futuramente, conforme o que se segue:

A introdução de genes que aumentam a adaptabilidade, tais como resistência a doenças e a pragas, em plantas cultivadas desta categoria poderá alterar o balanço em direção a uma maior propensão à invasibilidade em áreas onde estas plantas são atualmente cultivadas com segurança, ou promover a invasibilidade em variedades atualmente consideradas seguras. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 40);

Consideravelmente maior é a possibilidade de surgirem problemas mais sérios com espécies aparentadas que já são invasoras, através da aquisição de genes da cultura transgênica que conferem adaptabilidade, por hibridização e introgressão (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 38);

Introgressão é a incorporação de genes de uma espécie ao grupo gênico de outra. O processo precisa começar com hibridização, mas é mais complexo. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 41)

O tipo de evento descrito anteriormente, transferência gênica, poderá ocorrer na relação planta versus animal. As espécies animais que se utilizam de variedades transgênicas (quando abordarmos o vocábulo transgênico ou ogm, estaremos fazendo referência a produtos da engenharia genética) podem assimilar os efeitos inseticidas, por exemplo, tornando-se mais resistentes segundo a evolução natural, ou em outro caso sendo extinto. Para melhor crítica, transcrevemos:

Estratégias de resistência a pragas e doenças precisam também ser consideradas. Existe a possibilidade do uso de um número limitado de genes que conferem resistência em várias espécies de plantas cultivadas, impondo, portanto, uma intensa pressão de seleção para populações de pragas e doenças. Por exemplo, os genes que codificam para a produção de toxinas inseticidas, isolados da bactéria Bacillus thuringiensis (B. thuringiensis ou B.t.) foram inseridos em várias plantas cultivadas, conferindo resistência contra alguns insetos herbívoros. No entanto, as culturas transgênicas, assim como o B. thuringiensis inalterado, poderão tornar-se inefetivos se forem criadas condições para uma evolução acelerada de resistência nas populações de insetos. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 45)

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O relatado anterior também poderá ter um efeito inverso, como o destacado:

Uma espécie de planta silvestre, liberada de controle natural significante, tornar-se-ia competidora mais apta, capaz de reduzir a densidade de espécies competidoras. Efeitos secundários poderiam incluir declínios em populações animais dependentes destas espécies e até mudanças na estrutura da vegetação. Por outro lado, existe também a possibilidade de a planta silvestre, uma vez tendo incorporado o gene exógeno ao seu genoma, vir a se tornar menos adaptada à variabilidade natural e, portanto, vulnerável à extinção. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 46).

As preocupações e combinações de riscos são inúmeras considerando a inexistência de estudos analíticos sérios que descrevam, certamente, os problemas decorrentes do uso de tal tecnologia. Mais exatamente dispõe:

(...) estão listadas seis categorias de preocupações ambientais e evolutivas, relativas aos riscos potenciais ao meio ambiente e à biodiversidade destas novas biotecnologias: 1) origem de novas plantas daninhas; 2) amplificação dos efeitos de plantas daninhas existentes; 3) danos a espécies não-alvo; 4) perturbação de comunidades bióticas; 5) efeitos adversos em processos dos ecossistemas; e 6) desperdício de valiosos recursos biológicos. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 39).

O principal ramo de sustentação da biotecnologia e seu emprego no melhoramento de plantas não seria outro, logicamente, senão a agricultura. Considerada a base das causas de assoreamento dos rios, lixiviação do solo, desperdício de água, agora abarca as causas pró-transgênicos, como afirmado a seguir:

Agora, entramos na era da biotecnologia, onde um novo horizonte de inovação científica complementa e modifica os métodos mecânicos e químicos empregados nos cultivos da terra. (BONETTI, 2001, p. 74).

O plantio de alguns organismos geneticamente modificados tem o seu valor quanto à proteção do solo, pois, permite o plantio direto, sem remover a terra, o que diminui a lixiviação e, consequentemente, o assoreamento. Mas, juntamente com esse benefício aparecem outros prejuízos, como o emprego do glifosato, um agrotóxico altamente tóxico que poderá atingir os aquíferos subterrâneos, contaminando-os, além dos prejuízos levantados anteriormente às outras espécies.

Nesse sentido, oportunamente é válido ressaltar:

A agricultura tem exercido papel importante no declínio da biodiversidade, porque ela é a atividade humana que afeta a maior parte da superfície da terra e é o maior usuário de água no mundo (World Bank, 1996). Sua expansão e intensificação são considerados os maiores fatores de extinção de hábitats e

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de redução da biodiversidade em todo o globo terrestre. O crescimento da população mundial lança à Humanidade, o desafio de encontrar caminhos para aumentar a produção agrícola sem destruir os muitos benefícios providos pela biodiversidade, inclusive para a própria agricultura. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 24).

Biologicamente, não podemos classificar as plantas silvestres, após sua transformação gênica pela engenharia genética, na mesma espécie aparentada, de maneira que criada está outra espécie, com características antes impossíveis por métodos naturais ou convencionais. A ABIA – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação enxerga isso positivamente, confirmando, ressaltamos:

Cada novo transgênico representa uma nova variedade disponível. Além da biodiversidade existente, que é preservada, a transgenia tem um potencial incalculável para aumentar significativamente a biodiversidade. As novas variedades, quando aprovadas, estarão disponíveis para o agricultor, da mesma maneira que as variedades obtidas pelos meios convencionais, isto é, não serão as únicas existentes. Sempre existirão as chamadas variedades convencionais, as quais, como atualmente, convivem com a grande diversidade disponível no mercado. (ABIA, 2002, p. 143).

3.1.4. Biossegurança

O meio ambiente encontra-se protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro de forma ampla e rica em mecanismos, destacando-se todo o capítulo VI, do título VIII da Constituição Federal de 1988, trazendo em seu artigo 225, várias previsões legais relativas à biossegurança.

Segundo o artigo 225 da CFRB/88, em relação à biossegurança, verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações.§1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(...)II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;(...)V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

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A biossegurança é uma ciência que visa proteger a saúde humana e o meio ambiente dos resultados obtidos pela biotecnologia; sendo assim, trata-se de um direito difuso, ou, como prefere alguns doutrinadores, um direito transindividual. Bastante criticada no Brasil, essa ciência vem sendo muito estudada e polemizada, forçando um desenvolvimento mais ágil de normas para regular o avanço científico verificado nos últimos anos.

Confirmada a corrente expressa anteriomente, temos:

Classifica-se o meio ambiente como um direito difuso, ou seja, um direito transindividual. É um direito essencial à efetividade de muitos outros direitos fundamentais, como os direitos humanos, o direito de ir-e-vir, o direito de reunião, e o direito à vida, pois a preservação do meio ambiente significa a manutenção da própria vida humana, uma vez que, sem natureza, não há vida e, sem a vida, de nada adianta todo o ordenamento jurídico. Neste sentido, o direito ao meio ambiente saudável deve ser tratado da forma mais ampla possível. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 102).

Os Estados e os Municípios têm a liberdade de legislar sobre o desenvolvimento de experimentos que envolvam técnicas de engenharia genética em seu território, uma vez que trata-se de competência concorrente (artigo 24, da CF/88), podendo a legislação estadual ou municipal serem mais restritivas, nunca menos rigorosas, o que acarretaria, caso acontecesse, na vigência do texto federal.A Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada no Brasil pelo Decreto 2.519/1998, afirma que

“Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso, estabelecer ou manter meios para regulamentar, administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados resultantes da Biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa afetar a conservação e a utlização sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana”. (MACHADO; 2005; p.963)

A Lei n. 8.974/95 regulamentava os incisos II e V do §1mº, do artigo 225 da CFRB/88, fixando regras para o “uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente, de organismos geneticamente modificados.” Esta Lei era composta por 18 artigos, sendo que os artigos 5º e 6º foram vetados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, restando apenas 16 artigos, porém de grande eficiência e utilidade para a sociedade. Nos artigos 13 e 14 estava regulada a parte penal sobre a biossegurança.

Contudo, como toda lei, esta também não se encontrava completa, pois tratava apenas dos organismos geneticamente modificados (OGMs), não regulando a importação ou o deslocamento de uma região para outra de organismos domesticados ou silvestres. Daí decorrer o princípio maior do Direito Ambiental, o

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da precaução-prevenção, devido à pouca familiaridade com a biotecnologia atual. A Lei considerava organismo “toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou transferir material genético, incluindo vírus, príons e outras classes que venham a ser conhecidas.”

Todas as atividades que envolvam OGMs são objeto de regulamentação pela lei, inclusive as atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e produção industrial. Como bem indica Machado (2005, p. 730), deve-se entender o ensino e a pesquisa quando acompanhadas de experimentos, pois não seria lícito uma lei infraconstitucional violar o princípio da livre expressão intelectual, científica e de comunicação, independente de censura ou de licença.

Em 2005, foi publicada a nova Lei de Biossegurança, n. 11.105, de 24 de março, revogando a Lei 8.974/95. A nova Lei veio para “regulamentar os incisos II, IV e V do § 1o ,do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.”

3.1.5. Avanços e benefícios da biotecnologia

Argumentos a favor dos transgênicos e contra não faltam. Basicamente, a ala que apoia a engenharia genética nos produtos alimentícios defendem: a maior produtividade; menor degradação do solo pelo plantio direto; menor uso de agrotóxicos; maior especificidade quanto a possíveis danos à saúde etc. Já o outro lado, ou seja, os cientistas contra os transgênicos, pregam: maiores riscos à saúde pelo fato de não haver estudos eficazes; aspectos toxicológicos que se manifestam nesses alimentos; possível alergenicidade; erosão genética; origem de novas plantas daninhas ou amplificação das já existentes etc.

3.1.6. Segurança ambiental das plantas geneticamente modificadas

A Lei 11.105, de 2005, regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º, do art. 225 da Constituição Federal, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS e reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.

Ela dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança, ou seja, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área

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de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

A Política Nacional de Biossegurança estabelece algumas proibições e comportamentos vinculados, dentre os quais destacam-se:

Art. 6ª (...)V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação;VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação.

Ou seja, a liberação comercial significa a possibilidade de exercer as atividades de uso comercial de OGM e seus derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais, com um parecer favorável da CNBio.

Caberá à CTNBio identificar as atividades e os produtos decorrentes do uso de organismos geneticamente modificados e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana.

Art. 14. Compete à CTNBio: (...)XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;

Caso haja a probabilidade de que as atividades e produtos que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados causem degradação ambiental, haverá necessidade de licenciamento ambiental.

Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas

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a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação:(...)§ 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente:(...)III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.

Quanto à segurança das plantas geneticamente modificadas, existe o princípio da equivalência substancial (ES). Esse princípio consiste em:

Em 1993, a Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) formulou o conceito de equivalência substancial (ES) como uma ferramenta-guia na avaliação de segurança de alimentos geneticamente modificados, ferramenta que tem sido aperfeiçoada ao longo dos anos (FAO/WHO, 1996). O conceito de ES faz parte de uma estrutura de avaliação de segurança que se norteia pela idéia de que alimentos já existentes podem servir como base para a comparação do alimento geneticamente modificado com o análogo convencional apropriado. (LAJOLO, Franco Maria; NUTTI, Marília Regini, 2.003, p. 30)

Tudo bem que exista método como o supracitado, porém, isso é utilizado para prevenir riscos quanto à alergenicidade, toxicidade, pois é levado em consideração o histórico da planta equivalente ou análoga a ser transformada. Agora, quanto à segurança ao meio ambiente é outra história. Testes em campo precisam ser elaborados com todas as medidas de precaução possíveis no intuito de, realmente, avaliar os impactos ambientais dos organismos geneticamente modificados.

Existem várias resultantes da ES nas plantas geneticamente modificadas, por exemplo:

O estabelecimento da ES pode resultar em três possíveis cenários:1. o alimento ou ingrediente alimentar geneticamente modificado é substancialmente equivalente ao análogo convencional quanto à sua composição e aos seus aspectos agronômicos e toxicológicos;2. o alimento ou ingrediente alimentar geneticamente modificado é substancialmente equivalente ao análogo convencional, exceto por algumas poucas diferenças definidas com clareza;

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3. o alimento ou ingrediente alimentar geneticamente modificado não é substancialmente equivalente ao análogo convencional (DONALDSON; MAY, 1999) (LAJOLO, Franco Maria; NUTTI, Marília Regini, 2.003, p. 30)

As pesquisas em laboratórios também são reguladas por diversos itens. Entre eles, o mais importante é o CQB (Certificado de Qualidade em Biossegurança) que serve para avaliar, classificar e verificar se determinada instituição é idônea e apta a exercer as atividades previstas em lei. Esse certificado é expedido, a pedido da entidade interessada, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), sendo concedido desde que preenchidos os requisitos e obedecidos os critérios estipulados pelas normas de biossegurança. Compete à solicitação do CQB todas as entidades que lidem com construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados, sejam elas nacionais ou estrangeiras.

4.1.7. A pesquisa e a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)

A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente.

Assim, a CTNBio, cuida da matéria relacionada à biossegurança, a respeito de qualquer atividade que envolva organismos geneticamente modificados (OGMs), com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente, sendo que encontra-se criada no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia. Sua composição, competência e os procedimentos adotados encontram-se regulamentados pelo Decreto n. 1.572, de 20 de dezembro de 1995.

A CTNBio não tem personalidade jurídica, não sendo autarquia, fundação, empresa pública ou agência. Ela integra a pessoa jurídica da União. O aspecto multidisciplinar da comissão se caracteriza pela diversidade de conhecimentos e de disciplinas referentes à biossegurança, não podendo haver predominância ou exclusividade de uma só disciplina.

São competências da CTNBio (Art. 14):

I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM;II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a OGM e seus derivados;

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III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados;IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM ou seus derivados; VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e seus derivados; VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e internacional;VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor;IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa;X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados;XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização referidos no art. 16 desta Lei;XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso;XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como quanto aos seus derivados;XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios estabelecidos no regulamento desta Lei;XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na biossegurança de OGM e seus derivados;XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua competência;XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante;XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;

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XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio;XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da biossegurança de OGM e seus derivados;XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e Tecnologia.

Como visto no tópico anterior, todo laboratório que realize pesquisa com organismo geneticamente modificado deve possuir o CQB. O laboratório que quiser trabalhar com esse tipo de organismo deve se submeter a diversas regras como, a seguir, descrito:

Para a obtenção do CQB, exigem-se diversas informações. A pessoa jurídica deve apresentar: CGC, localização, nome e endereço do responsável legal da entidade e da unidade operativa onde se está desenvolvendo a pesquisa objeto do pedido, o organograma da unidade operativa (facultativo), dois dos seguintes comprovantes de idoneidade financeira da entidade: certidão negativa de cartório de protesto de títulos, certidão negativa de processos em vara de execução, duas referências bancárias e duas referências comerciais.

Também deve-se indicar a finalidade a que se propõe o projeto: se é pesquisa, avaliação de campo, avaliação de produto, ensino, produção comercial, comercialização, transporte, descarte ou armazenamento de organismos geneticamente modificados. Se o objeto é uma planta, animal, micro-organismo ou fungo, deve indicar em qual grupo está classificado; e a relação dos organismos que serão objetos da atividade. Com relação às instalações, exige-se a descrição pormenorizada do ambiente onde estão sendo desenvolvidas as pesquisas e o pessoal empregado nos trabalhos, com a dimensão, a localização, as características relacionadas à biossegurança; os equipamentos utilizados para a pesquisa e para a segurança do pessoal; e os equipamentos médicos disponíveis para situações de emergência. Com relação ao pessoal profissional, o curriculum vitae resumido de todos os graduados. Neste caso, objetiva-se proteger os trabalhos exercidos nos laboratórios, bem como toda a coletividade.

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Tabela 1: Modelo de declaração para a obtenção do certificado de qualidade em biossegurança

DECLARAÇÃO

Declaro, para fins de obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB, a ser expedido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, criada pela Lei n. 8.974, de 05/01/95, que o ____________________________________________________ (nome da unidade operativa e da instituição) dispõe de infraestrutura adequada e pessoal técnico competente para desenvolver com segurança atividades com __________________ (natureza das atividades) com _________________________________________________ (tipos de organismos, como plantas ou animais ou micro-organismos), geneticamente modificados do Grupo ______________ (I ou II) ____________________________ (nome da unidade operativa) dispõe-se a receber os membros da CTNBio a qualquer tempo ou momento, para avaliação das condições físicas, técnicas, de infraestrutura e de pessoal da instituição, com vistas à concessão, manutenção ou revogação do CQB.

_____________________________ ___________________________________ Responsável Legal Responsável Legal pela Unidade Operativa

Fonte: Instrução Normativa CTNBio nº 1, de 05.09.96

Ainda, exige-se a relação de pessoas que integram a Comissão Interna de Biossegurança e uma declaração formal dos requerentes quanto à competência técnica e à infraestrutura da unidade operativa para a execução do trabalho programado. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p.128).

A declaração referida anteriormente deve seguir um modelo padrão da CTNBio, pois é ela que emite o CQB, com o seguinte esboço:

A CTNBio tem como atribuição a de exarar instruções normativas a respeito de organismos geneticamente modificados. Trata-se de um órgão transdisciplinar, abarcando em sua composição dezoito membros e seus respectivos suplentes, sendo sete representantes do governo e onze da sociedade civil. Além disso, como se trata de um órgão criado especialmente para tratar dos assuntos sobre biossegurança, é responsável por emitir um parecer técnico conclusivo sobre os riscos da introdução, pesquisa, manipulação, transporte e cultivo de OGMs. A discussão atual é se esse parecer tem caráter vinculativo ou não.

Ponderamos pelo caráter vinculativo do parecer da CTNBio somente em relação às normas de biossegurança. Portanto, o que a CTNBio decidir sobre os critérios estritamente técnicos sobre a biossegurança, de qualquer que seja o organismo modificado geneticamente, não há o que contradizê-la. Porém, como esse órgão exerce apenas um papel consultivo sobre a biossegurança, não exercendo o papel de fiscalização, é estranho ao órgão que defina sobre a liberação de quaisquer formas dos organismos geneticamente modificados.

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Tabela 2: Folha de informação ao público

FOLHA DE INFORMAÇÃO AO PÚBLICO

As informações fornecidas nesta folha se destinam à distribuição ao público. Uma linguagem simples deverá ser utilizada.

Nome da organização:____________________________________________________Endereço da organização:_________________________________________________Nome da pessoa para contato:______________________________________________Telefone de contato:______________________________________________________Fax:___________________________________________________________________E-mail:_________________________________________________________________World Wide Web (WWW):__________________________________________________Breve resumo sobre o OGM a ser liberado. O uso de termos técnicos deve ser minimizado.Organismo a ser liberado:__________________________________________________Localização e dimensão planejada:__________________________________________Agências consultadas antes da liberação (relacione as aprovações obtidas):__________

Fonte: Instrução Normativa CTNBio nº 10, de 19.02.98

Alguns exemplos de autorizações de importação de organismos geneticamente modificados pela CTNBio temos na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3: Linhagens de milho ogm cuja importação foi autorizada pela CTNbio

LINHAGEM GENE INSERIDO Págs. do Processo

176 Cry 1 AB 23 a 40

Bt 11 Pat/bar 54 a 68

MON 810 Cry 1AB 81 a 98

Bt cry 9C Cry 9C 114 a 138

GA 21 Mepsps 175 a 188

DBT 418 Cry 1AC 247 a 263

T-25 Pat/bar 289 a 287

Fonte: Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias – Proposta de fiscalização e controle nº 34, de 2.000

O princípio da informação deve ser respeitado, seja através de audiências públicas, seja de publicação no Diário Oficial. Essa informação ao povo se faz real quando o órgão disponibiliza, também, uma folha para as manifestações da sociedade, como no modelo a seguir:

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Da mesma forma, trazemos dados sobre os ensaios com áreas superiores a 15 hectares, autorizados pela CTNBio.

Tabela 4: Ensaios com áreas superiores a 15 ha, autorizados pela CTNBio

Tamanho da área (ha)

Nº do Comunicado da CTNBio Nº do Processo Produto Empresa Data

110 43 01200.000674/98-99 Soja Monsanto Jul/98

60 138 01200.002204/2000-08 Milho Monsanto Abr/01

58 19 01200.003123/97-51 Soja Monsanto Set/97

Fonte: Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias – Proposta de fiscalização e controle nº 34, de 2.000.

Para os procedimentos de licenciamento ambiental de estabelecimentos destinados ao recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos utilizados nas lavouras também são atribuídas várias exigências constantes da Resolução nº 334, de 3 de abril de 2.003, que passamos a enumerá-las pelos seguintes critérios técnicos mínimos para postos e centrais de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos:

I - Localização: preferencialmente em zona rural ou zona industrial, em área de fácil acesso a qualquer tempo.II - O terreno deve ser preferencialmente plano, não sujeito à inundação, e possuir sistema de controle de águas pluviais e de erosão do solo, adequado às características do terreno.III - A área escolhida para a construção do posto ou central de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos e afins deve estar ou dispor:

a) distante de corpos hídricos, tais como: lagos, rios, nascentes, pontos de captação de água, áreas inundáveis etc., de forma a diminuir os riscos de contaminação em caso de eventuais acidentes;b) distância segura de residências, escolas, postos de saúde, hospitais, abrigo de animais domésticos e depósitos de alimentos, de forma que os mesmos não sejam contaminados em casos de eventuais acidentes;c) devidamente identificada com placas de sinalização, alertando sobre o risco e o acesso restrito a pessoas autorizadas;d) de pátio que permita a manobra dos veículos transportadores das embalagens.IV - O empreendedor ou responsável pelo posto ou central deve apresentar um plano de gerenciamento, estabelecendo e providenciando, no mínimo:a) programa educativo visando à conscientização da comunidade do entorno sobre as operações de recebimento, armazenamento temporário e recolhimento para destinação final das embalagens vazias de agrotóxicos e afins devolvidas pelos usuários;

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3.1.8. Rotulagem e informação

O Código de Defesa do Consumidor traz em seu corpo, de maneira taxativa:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.§1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

b) programa de treinamentos específicos para os funcionários, com certificação, relativos às atividades previstas nestes locais;c) plano de monitoramento toxicológico periódico dos funcionários;d) plano de ação preventiva e de controle para possíveis acidentes;ee) sistema de controle de entrada e saída das embalagens vazias recebidas, capaz de emitir relatórios periódicos com a identificação do proprietário das embalagens, quantidade, tipo e destino final.V - O empreendedor ou responsável estabelecerá, juntamente com o encarregado ou supervisor do posto ou central, um protocolo contendo os procedimentos a serem adotados para o recebimento, triagem, armazenamento temporário e recolhimento para destinação final das embalagens vazias.VI O empreendedor ou responsável deverá fornecer ao usuário, no momento da devolução, um comprovante de recebimento das embalagens vazias, devendo constar, no mínimo, os seguintes dados:a) nome do proprietário das embalagens;b) nome da propriedade/endereço; ec) quantidade e tipo (plástico, vidro, ou metal) de embalagens recebidas.VII A prática da inspeção visual é necessária e deve ser realizada, por profissional treinado, nas embalagens rígidas, para separar as lavadas das contaminadas, devendo essas últimas ser armazenadas separadamente.VIII - O empreendedor ou o responsável pela unidade de recebimento deverá fornecer equipamentos de proteção individual adequados para a manipulação das embalagens vazias de agrotóxicos, e cuidar da manutenção dos mesmos.IX - Condições mínimas necessárias para a instalação e a operação de postos e centrais de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos e afins.

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§3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. (grifo acrescido)

O cerne da questão está em saber se a informação que determinado produto seja ou não geneticamente modificado, representa relevante significado para os consumidores. O que é informação precisa? Como determinar a origem dos produtos geneticamente modificados? Isso é que veio regular o Decreto 4.680, de 24 de abril de 2.003, ao impor em seu artigo 2º, parágrafo 2º em que o “consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes”. Por vários motivos, essa identificação se faz extremamente necessária, pois, um grande número de pessoas apresenta rejeição às técnicas de engenharia genética, podendo ser os motivos: religiosos, econômicos, éticos ou de segurança.

Neste sentido, manifestou-se a Consumers International, uma das maiores associações do mundo ligadas ao consumidor:A segurança dos Alimentos Geneticamente Modificados não é o único ponto importante. Consumidores têm também o direito de escolha. A escolha pode ser baseada nas características do produto, tais como sabor, valor nutricional e preço, o que pode ser afetado pela engenharia genética. Também pode ser baseado em relação ao como o alimento foi produzido. (...)Finalmente, o processo de engenharia genética também suscita questões morais e religiosas para algumas pessoas que podem querer não comprar produtos produzidos por estas técnicas. (VARELLA; FONTES; GALVÃO, 1999, p. 148).

O consumidor, que deveria ser tratado como hipossuficiente, se depara com alimentos rotulados indevidamente, sem precisão e informações claras, incapazes de lhe proporcionar o direito de escolha. Os alimentos “Frankenstein”, como são denominados pelas ONGs, contrariamente à segurança que as empresas detentoras de técnicas de engenharia genética dizem ter, possuem um histórico de insucessos com quadros alergênicos que, além de terem provocado doenças irreversíveis, causaram mortes.

A catástrofe mais conhecida derivada de organismos geneticamente modificados é relatada no livro Bioética e Biorrisco, de autoria do Dr. Sílvio Valle, que destaca a empresa japonesa Showa Denko, em uma filial nos EUA, quando produzia o aminoácido triptofano, fabricado a partir de bactérias transformadas geneticamente, e, após os testes de equivalência, foram postos no mercado ocasionando a morte de várias pessoas no final da década de 80, além de doenças irreversíveis em mais de mil pessoas. Contudo, ninguém teve acesso às pesquisas referentes à bactéria em discussão, uma vez que a empresa supracitada desapareceu com os arquivos e estudos acerca da bactéria engenheirada geneticamente.

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Regulamentando o direito à informação, assegurado pela Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis é que adveio o Dec. nº 4.680, de 24 de abril de 2.003, o qual já foi comentado no tópico número 7, deste trabalho.

3.1.9. O estudo prévio de impacto ambiental e o princípio da precaução

Quando se começou a pensar em proteção do ambiente natural, tendo em vista nossa absoluta dependência dos bens e serviços que a natureza nos oferece, já foi constatado, que em consequência das características dos prejuízos dos prejuízos a ela causados, que seria melhor preveni-los, minimizar os danos causados ao ambiente natural em virtude de atividades humanas.

Segundo Machado (2005), o dano potencial demanda uma análise detalhada para identificá-lo, levantar suas consequências e riscos, além dos meios para mitigá-los ou reduzi-los. O princípio utilizado para isso é o princípio da precaução.

O princípio da precaução diz respeito à necessidade de se agir com cautela quando existam dúvidas ou incertezas acerca do dano que pode ser causado por determinada atividade. Em outras palavras, a incerteza científica sobre o resultado de certas ações humanas não pode servir para afastar medidas preventivas. Havendo fundado receio de que determinada atividade antrópica possa gerar danos ao ambiente, ou seja, considerado o perigo e a ausência de informações suficientes sobre ele, providências devem ser tomadas no sentido de afastá-lo ou minimizá-lo. O instrumento previsto pela Constituição Federal e pela Política Nacional de Meio Ambiente utilizado para a aplicação desse princípio é o Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

A Convenção da Diversidade Biológica, em vigor no Brasil desde 29.05.1994, tratou da conservação "in situ", que significa a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham suas propriedades características".

Segundo o artigo 8º da Convenção, cada país deve, na medida do possível, “estabelecer ou manter meios para regulamentar, administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismo vivos modificados resultantes da biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa afetar a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana”.

Portanto, a Convenção da Diversidade Biológica preceitua não só a avaliação do Impacto ambiental da liberação do organismos geneticamente modificado, como determina que se controlem os riscos detectados que possam afetar a diversidade biológica, como os riscos para a saúde humana.

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Tabela 6: Número de autorizações concedidas pelo governo brasileiro para pesquisas com transgênicos

ANO NÚMERO DE AUTORIZAÇÕES2000 207*2001 1592002 862003 4**

*Média **Pedidos à espera de autorização

Fonte: adaptado de CTNBio, www.ctnbio.gov.br

A explicação para tal decadência está no medo da população, pela ausência de estudos científicos que demonstrem a ausência de perigo na utilização da biotecnologia para os alimentos geneticamente modificados e no fato do conhecimento histórico e confiança nos alimentos convencionais, os quais não apresentam grandes riscos. Um caso interessante, relatado na obra Biotecnologia Simplificada, de Borém e Santos, (2002), Universidade Federal de Viçosa, é de uma

3.1.10. O futuro da biotecnologia no Brasil

É de uma clareza solar a falta de estrutura, física e técnica, do Ministério da Agricultura e Abastecimento, capazes de avaliar o impacto ambiental decorrente da introdução de organismos geneticamente modificados nos ecossistemas naturais ou agrícolas do Brasil.

Necessário se faz a criação de uma rede de peritos para avaliarem os riscos ambientais, através de consultorias independentes e de fácil acesso aos ministérios, assim como, propiciar aos órgãos que regulam e fiscalizam determinada matéria, todos os recursos a eles inerentes. Visando, também, as gerações futuras, deve-se primar pela educação ambiental, realizando campanhas de informação à população, incluindo esse assunto nas grades curriculares das escolas.

O governo tem se posicionado desfavoravelmente à liberação de transgênicos, como podemos constatar sua redução através da Tabela 6:

mulher residente nos EUA que faleceu em decorrência da constância em se alimentar de brócolis (convencional). Portanto, mesmo tratando de alimentos não transgênicos, podem resultar danos decorrentes do excesso e a falta de equilíbrio na alimentação. Os brócolis produzem uma toxina natural, que é tolerada em condições normais de uso, entretanto, o excesso poderá acumular tal substância podendo resultar no descrito anteriormente.

Agora, em termos mercadológicos, dados nos mostram também a preferência por alimentos orgânicos, com no gráfico seguinte:

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Figura 2: Área orgânica certificada na União Europeia, 1985-99Fonte: http://www.worldwatch.org.br

Embora, como visto anteriormente, a sociedade prefere os alimentos orgânicos aos modificados geneticamente, o desenvolvimento tecnológico em todos os setores é inevitável, pois, como sabemos, fazemos uso do computador, do telefone celular, do forno de micro-ondas sem sequer termos certeza de seus efeitos sobre nossa saúde e do meio ambiente. Consideramos, então, somente um fator de tempo até recepcionarmos a biotecnologia nos alimentos.

3.2. Responsabilidade ambientalO dano ambiental possui algumas características que lhe são próprias, como o prejuízo à uma pluralidade difusa de vítimas, a grande dificuldade de ou, muitas vezes, impossibilidade de sua reparação, produção de efeitos que se prolongam no tempo e sua difícil valoração (MILARÉ, 2001 apud LEUZINGER; CUREAU, 2008). Por essas razões, as ações de prevenção devem sempre prevalecer sobre as de reparação/recuperação dos bens ambientais que, dificilmente, retornarão ao status quo ante. Entretanto, ocorrido o dano, seu agente deverá repará-lo, incidindo a chamada responsabilidade civil extracontratual objetiva, podendo, ainda, por esse mesmo fato, responder administrativamente e penalmente, dependendo do caso, suportando, assim, três espécies distintas de sanção.

As esferas de responsabilidade, a princípio, são independentes, ou seja, não se comunicam. Entretanto, a absolvição criminal afastará: responsabilidade civil e a administrativa quando ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor (MEIRELLES, 1996, apud LEUZINGER; CUREAU, 2008). Afora essas hipóteses, pode haver absolvição no juízo penal e condenação à reparação de danos, além de condenação ao pagamento de multa administrativa, por exemplo.

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Curiosidade

Segundo definições do direito penal, o delito não existe sem uma ação ou omissão que deve: a) ajustar-se à situação descrita na lei; b) contrariar o direito; e c) ser atribuível ao sujeito a título de dolo ou culpa.

A responsabilidade administrativa é a que resulta de ilícitos administrativos sendo a infração apurada pela própria Administração Pública, que deverá instaurar procedimento adequado para essa finalidade, no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa (DI PIETRO, 2002 apud LEUZINGER; CUREAU, 2008), aplicando diretamente a sanção cabível, observado o princípio da proporcionalidade.

A responsabilidade administrativa pode ser analisada do ponto de vista da natureza da responsabilidade do exercício simultâneo do poder de polícia no que tange à atribuição sancionatória e da aplicação de penalidades com base em lei emanada de outro ente federado.

Acerca da natureza da responsabilidade administrativa ambiental, alguns autores, como Heraldo Vitta e Fábio Osório (LEUZINGER; CUREAU, 2008), defendem a responsabilidade subjetiva, dependente por isso, de comprovação de dolo ou culpa do agente para usa caracterização. Tal entendimento decorre do caráter subjetivo da responsabilidade administrativa em matéria ambiental, a qual não se baseia no risco criado pela atividade e pressupõe aferição da culpabilidade, ou seja, da ocorrência de conduta dolosa, ou, ao menos culposa, por parte do agente autuado.

A responsabilidade administrativa por danos ao meio ambiente, nos termos do art. 70 da Lei nº 9.605/1998, constitui-se como "toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente". Não há, portanto, em relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade do ilícito penal, não sendo as infrações, via de regra, definidas com precisão (Di Pietro, 2002 apud LEUZINGER; CUREAU, 2008). Isso não significa, contudo, que não necessitem de previsão legal. Ao contrário, face ao princípio da legalidade, tanto a conduta infracional quanto a sanção devem estar contidas em leis formais.

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O resultado lesivo ao direito, decorrente da ação do sujeito, há de lhe ser atribuído mediante a aferição do elemento subjetivo (culpa lato sensu – dolo ou culpa).

Segundo a teoria psicológica, a culpabilidade exaure-se na prática voluntária, intencional ou inadvertida (dolo ou culpa) da ação típica. Já na teoria normativa, a culpabilidade é um juízo de reprovação contra o autor de um fato antijurídico, na qual é representada pelo confronto entre a vontade do agente e a vontade expressa na norma.

A doutrina espanhola vem sustentando que no âmbito do Direito Administrativo Sancionador a culpabilidade desempenha uma função essencialmente preventiva, com o intuito de evitar o cometimento de novas infrações que possam colocar em perigo ou lesar os bens e valores juridicamente tutelados.

Assim, para a caracterização da responsabilidade administrativa a conduta típica é culpável pela simples razão de ser atribuível ao agente por dolo ou culpa, não importando, como seria próprio no direito penal, em qualquer juízo ético-moral sobre o comportamento conforme ou não ao ordenamento jurídico.

Em essência, não há diferenças ontológicas entre as responsabilidades civil, penal e administrativa, no que se refere ao requisito da culpabilidade. Inexiste uma culpa civil, outra penal e outra administrativa, embora, em termos dogmáticos ou mesmo normativos, a culpa possa apresentar determinadas nuances em cada um desses ramos do Direito.

• O pressuposto da culpa é a vontade;

• Não há distinção entre a vontade que gera responsabilidade penal ou responsabilidade administrativa;

• Mesmo ato – mesma culpa.

Relativamente às sanções, encontram previsão no art. 72, da Lei nº 9.605/98, dividindo em:

• advertência;

• multa simples;

• multa diária;

• apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na Infração;

• destruição ou inutilização do produto;

• suspensão de venda e fabricação do produto;

• embargo de obra ou atividade; demolição de obra;

• suspensão parcial ou total de atividades;

• restritiva de direitos.

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Nos termos do § 1º, do art. 72, se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, as sanções cabíveis serão aplicadas de forma cumulativa. A advertência, segundo estabelece o § 2º, poderá, em qualquer circunstância, ser aplicada sem prejuízo das demais sanções previstas no art. 72.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:I - advertência;II - multa simples;III - multa diária;IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;V - destruição ou inutilização do produto;VI - suspensão de venda e fabricação do produto;VII - embargo de obra ou atividade;XIIII - demolição de obra;IX - suspensão parcial ou total das atividades;X - (VETADO)XI - restritiva de direitos.§ 1º. Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.§ 2º. A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.§ 3º. A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha,II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.§ 4º. A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.§ 5º. A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.§ 6º. A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.§ 7º. As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.§ 8º. As sanções restritivas de direito são:I - suspensão de registro, licença ou autorização;II - cancelamento de registro, licença ou autorização;III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;

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V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.

A divergência acerca da natureza da responsabilidade administrativa, anteriormente mencionada, reside, em parte, no comando inserto no § 3º, do artigo em questão. Isso porque ele exige negligência ou dolo do agente para a aplicação de multa simples, quando este, advertido por irregularidades, tenha deixado de saná-Ias, ou quando opuser embaraço à fiscalização.

Entendemos, entretanto, tratar-se de exceção à regra da responsabilidade objetiva, na média em que as demais espécies de sanção não exigem a presença de um elemento subjetivo da conduta para sua aplicação.

Portanto, pode-se notar uma diferença entre os ilícitos civil, penal e administrativo, pois esses residem apenas na natureza e na finalidade da consequência jurídica:

a) responsabilidade civil = compensatória/reparatória;b) responsabilidade penal = punitiva/expiatória;c) responsabilidade administrativa = punitiva/preventiva.

Importante!

Os regimes jurídicos relativos ao ilícito penal e ao ilícito administrativo compartem um mesmo substrato principiológico e uma substância comum, constituindo manifestações do ius puniendi único do Estado.Ou seja, o ius puniendi estatal se subdivide em:I – Direito Penal;II – Direito Administrativo Sancionador.

Os princípios e regras do Direito Penal aplicam-se subsidiariamente no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.

Lei n° 9.605/98“Art. 79 – Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”.

A responsabilidade em Direito é, em regra, sempre subjetiva, não correspondendo ao ideal de justiça, em princípio, a imposição a alguém de qualquer sorte de responsabilidade jurídica sem que tenha praticado ou concorrido voluntariamente para a consecução da conduta antijurídica.

Não é possível punir-se alguém que não sabia o que estava fazendo ou, mesmo sabendo, não podia se comportar de modo diverso, nas circunstâncias.

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Responsabilidade Subjetiva

1. Civil:1.1. Art. 159 do Código Civil de 1.916;

1.2. Art. 186 c/c art. 927 do novo Código Civil.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2. Penal:2.1. Art. 5°, incisos XLV e XLI da CF/1.988 (proibição de que a pena passe da pessoa do condenado e obrigatoriedade de individualização da pena);

2.2. Art. 18 do Código Penal: Princípio da Culpabilidade.

Quando a lei deseja excepcionar o regime geral de responsabilidade subjetiva, ela o diz expressamente, fazendo cessar a necessidade de verificação do dolo ou da culpa como elementos identificadores da volição do agente e geradores de responsabilidade jurídica.

Responsabilidade Objetiva

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, como previsto no §1º, do artigo 14, da Política Nacional de Meio Ambiente.

1. Civil:

1.1. Art. 21, inciso XXIII, alínea “c”, da CF/1.988: danos nucleares;

1.2. Art. 37, §6° da CF/1.988: danos causados pelo Estado na prestação de serviços públicos;

1.3. Art. 4° da Lei n° 6.453/1.977: reparação do dano nuclear e a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969, preveem a responsabilidade objetiva sem culpa.

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1.4. Art. 14, §1° da Lei n° 6.938/1.981: reparação ou indenização dos danos causados ao meio ambiente;

“Art. 14. (...)§1°. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.

Saiba mais

Quando a Lei inclui “a terceiros, afetados por sua atividade” segundo Machado (2011) tornou claro que no meio ambiente estão incluídos os seres humanos que integram o próprio meio ambiente e que tenham sido afetados pela atividade degradadora.

1.5. Art. 12 do Código de Defesa do Consumidor: responsabilidade por defeitos do produto ou serviço;

1.6. Arts. 19 e 20 da Lei n° 10.308/2.001: dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos. Nos depósitos iniciais, a responsabilidade independe de culpa ou dolo e pertence ao titular de autorização para operar a instalação. Nos depósitos intermediários e finais, a responsabilidade também é objetiva, porém a cargo da CNEN.

2. Administrativa:

2.1. Art. 136, do Código Tributário Nacional: a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente. A doutrina tem afirmado, no entanto, que o mencionado dispositivo apenas dispensa o dolo (intenção do agente), sendo suficiente a conduta culposa para que surja a responsabilidade do agente.

2.2. Art. 20, da Lei de Defesa da Concorrência: constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados que produzam os efeitos previstos na lei, ainda que não sejam alcançados. As hipóteses previstas na lei parecem apenas dispensar o dolo, exigindo a conduta ao menos culposa.

No caso, porém, da responsabilidade administrativa ambiental, bem como ao contrário da responsabilidade de natureza civil consagrada no art. 14, §1°, da Lei n° 6.938/1.981, não só inexiste qualquer ressalva legal, quanto, pelo contrário, o

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caráter subjetivo é expressamente reafirmado pela própria Constituição da República e pela legislação federal.

Constituição da República

Art. 225 (...)§3°: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Lei n° 9.605/1.998

“Art. 3°. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”.

“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco de direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade. Por isso, é imperioso que se analisem oportunamente as modalidades de reparação do dano ecológico, pois muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal.

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa.

O problema da responsabilização da pessoa jurídica é o mesmo para os ilícitos civis, penais e administrativos.

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Figura 3: Personificação

Código Civil de 1.916“Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.

Novo Código Civil“Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”.

Se a evolução para a teoria da realidade há muito superou as resistências à aceitação da responsabilidade civil da pessoa jurídica, fora de dúvida que não pode haver obstáculos ao sancionamento administrativo e até mesmo penal dos entes morais.

Figura 4: Culpabilidade de pessoa física

Culpabilidade - Pessoa Jurídica

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O art. 3°, da Lei n° 9.605/1.998, não diz que a pessoa jurídica pode ser autora material de infração administrativa ou de crime. Apenas prevê que ela é por eles responsável.

A culpabilidade da pessoa jurídica é reflexo do elemento subjetivo buscado na conduta e na vontade de seus órgãos.

São consequências da natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental:

1. aceitação de excludentes de causalidade e escusativas de responsabilidade jurídica: caso fortuito e força maior;

2. aceitação de causas excludentes de culpabilidade, principalmente o erro de tipo e o erro de proibição.

A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, que não se confunde com a responsabilidade penal nem com a administrativa, pode ser definida como a obrigação de reparar danos ambientais causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos.

“Art. 21. Compete à União:XXIII...c) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”.

“Art. 225. (...)§3° - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Dever de reparar pecuniariamente ou de promover a recuperação em espécie dos danos causados ao meio ambiente, que incide sobre qualquer pessoa física ou jurídica que cause degradação ou poluição ambiental – art. 14, §1° da Lei Federal n° 6.938, de 31.08.81: o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar os danos causados ao meio ambiente.

Assim, quem causa danos ao meio ambiente tem o dever jurídico de repará-los, independente de ter agido com dolo ou culpa, sendo suficiente, para que surja esta obrigação, a existência de nexo de causalidade entre a ação e o resultado.

A lei não confere o dever de reparação de danos futuros e eventuais. A responsabilidade pressupõe o dano, que deve estar configurado, o que não elide o dever de evitá-lo, seguindo as medidas de mitigação e prevenção do impacto ambiental exigidas em lei e em regulamentos administrativos pertinentes. Obrigação de reparar, contudo, só surge de um dano ambiental atual ou passado. A reparação envolve danos morais e patrimoniais.

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Os danos ambientais podem ser classificados quanto à amplitude, ao interesse dos envolvidos, interesses objetivados e à extensão do ano.

Quanto à amplitude do bem tutelado, ele é dividido em:

• dano ambiental stricto sensu ou ecológico (elementos naturais dos ecossistemas);

• dano ambiental lato sensu (abrange todos os componentes do ambiente, inclusive aspectos naturais);

• dano ambiental de caráter individual ou pessoal (reflexo, ricochete ou por intermédio do meio ambiente – suportado pela pessoa ou seus bens).

Quanto ao interesse envolvido, é classificado em:

• dano de reparabilidade direta (referente a interesses individuais lesados por reflexo);

• dano de reparabilidade indireta (referente a interesses difusos e coletivos).

Quanto à extensão do dano:

• dano ambiental patrimonial (indenização/recuperação do bem lesado);• dano ambiental extrapatrimonial (lesão moral ambiental).

Quanto aos interesses objetivados, é dividido por:

• de interesse da coletividade (relativo ao macrobem ambiental);• de interesse individual (relativo ao microbem ambiental, por reflexo);• de interesse subjetivo individual fundamental (através da ação popular).

É necessário provar que foi de uma determinada atividade desenvolvida pelo possível responsável que decorreu o dano a ser reparado. Pela responsabilidade objetiva, há a necessária adaptação do nexo causal, que não é mais o laço de causa e efeito entre o fato e o dano, mas entre a atividade e o dano.

Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (cf. art. 3°, inciso IV da Lei n° 6.938/1.981).

A lei definiu claramente quem seja o autor do evento danoso, distanciando-se da disciplina tradicional da responsabilidade civil apenas por considerar aquele que indiretamente contribuiu para o dano ambiental.

Há, ainda, a possibilidade de o dano ter sido causado por mais de um poluidor. Neste caso, há a aplicação da solução oferecida pela segunda parte do art. 1.518 do Código Civil de 1.916, que reputa todos os causadores responsáveis solidariamente pela reparação. Ou seja, em caso de mais de um poluidor, qualquer um deles pode ser demandado para reparar integralmente o dano sofrido.

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As consequências da adoção do sistema de responsabilidade civil objetiva por dano ambiental:

• dispensa do elemento subjetivo;• irrelevância da regularidade do empreendimento;• inaplicabilidade de causas de exclusão de causalidade e responsabilidade.

Os atentados ecológicos são, em geral, irreversíveis. Muitas vezes, as sansões civis e administrativas não se mostram suficientes para coibir as agressões ao meio ambiente.

A luta na defesa do meio ambiente tem encontrado no Direito Penal um de seus mais significativos instrumentos. O “estigma” de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam. São tantas as agressões ao meio ambiente que, segundo o entendimento de muitos, somente com a aplicação de sanção penal, conseguir-se-á refreá-las.

Os países normatizam os crimes ambientais, basicamente, de três formas distintas:

1. introdução dos tipos penais no Código Penal. Ex.: Portugal, Espanha, México, Bolívia;

2. legislação dispersa em vários textos legais. Ex.: Itália, EUA, Brasil, antes da 9605/98;

3. edição de uma lei específica, ou geral, para os delitos ambientais. Ex.: Venezuela (Lei de 1.992) e Brasil após a Lei 9.605/98.

No âmbito jurisdicional, um Tribunal Internacional do Meio Ambiente é o grande projeto de muitos internacionalistas, como o juiz Amadeu, da Suprema Corte Italiana, para quem a extraordinária gravidade, complexidade e globalização dos danos ambientais e das crises ecológicas impõe escolhas claras e responsáveis, porque está em jogo a sobrevivência da vida sobre a Terra.

A responsabilidade civil da pessoa jurídica é inegável, discute-se a responsabilidade penal das empresas, que em regra são as que mais danos causam ao meio ambiente. Existem, basicamente, duas posições no direito comparado: a primeira orientação é de sancionar penalmente as pessoas jurídicas que se impôs na Inglaterra, França, EUA, Canadá, Austrália, Holanda etc.; a segunda orientação é de acentuar a impossibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, como em Portugal, Alemanha, Espanha, Itália etc.

Observa o desembargador do TJRS, Eládio Lecey a existência de três modelos legislativos: o primeiro é o dos países que aceitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica, sem maiores indagações, por exemplo os EUA; o segundo é o dos países que a repelem, por exemplo, a Itália; terceiro, adotado pelo Brasil, admite a responsabilidade, mas condicionada à determinadas situações definidas pelo legislador.

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O tipo penal ambiental é um dos aspectos que têm merecido a maior parte das críticas dos juristas. E isto é facilmente compreensível. Quem sabe o que é importante para a preservação de um ambiente sadio são os cientistas, professores e técnicos dos órgãos ambientais, que efetivamente acompanham os resultados de uma política ambiental mal conduzida.

Uma das ocorrências é a norma penal em branco, isto é, aquela que depende de uma complementação normativa prévia para a sua tipificação adequada. A Lei 9.605/98, base do ordenamento ambiental penal, foi pródiga no emprego desta técnica. O comportamento proibido vem enunciado de forma vaga, clamando por complementação ou integração através de outros dispositivos legais ou atos normativos extravagantes. Ex.: art. 29, §4º, incisos I e VI; art. 34, caput e par. ún., incisos I e II; art. 35, incisos I e II; art. 36; art. 37; art. 38; art. 45; art. 50; art. 56; art. 62.

Outra ocorrência é a de tipo penal aberto, que são aquelas que não apresentam uma descrição; é a existência típica completa, exigindo que seja realizada, pelo julgador, uma atividade valorativa. Por força do princípio da legalidade ou da reserva legal, CP art. 1º, a norma penal deve descrever, por completo, as características do fato, a fim de que o agente possa defender-se. Em matéria de direito penal ambiental, isto nem sempre é possível. É que as condutas lesivas ao meio ambiente, não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva. Observa-se que o mesmo se passa em outros países: Colômbia, Canadá etc.

Nos crimes ambientais, o bem jurídico precipuamente protegido é o meio ambiente em sua dimensão global.

Na formulação dos tipos penais, não pode o legislador perder a perspectiva eminentemente preventiva que embasa todo o direito ambiental. É isso que justifica a tendência da moderna ciência penal em conceber o crime ecológico, cada vez mais, com o crime de perigo. Nessa linha, procurou o legislador de 1.998 desenhar também os tipos de perigo, especialmente de perigo abstrato, para os quais é suficiente a mera probabilidade de dano.

Os crimes ambientais são crimes de dano e de perigo (concreto ou abstrato). De modo geral, os crimes de perigo abstrato são associados a uma norma penal em branco.

Até a edição da Lei 9.605/98, basicamente, puniam-se os crimes ambientais dolosos. Assim, andou bem o legislador ao formular, em vários artigos, tipos penais sob a modalidade culposa, visando diminuir a impunidade que até então era a regra. Segundo a Lei 9.605/98, a modalidade culposa aparece, por exemplo, nos tipos descritos nos artigos 38, 40, 41, 49, 54, 56, 62, 67, 68 etc.

Há os sujeitos ativos e o passivo.

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São sujeitos ativos :

a) Doutrina Penal Tradicional: é quem pratica a figura típica descrita na lei. É o homem, é a criatura humana, isolada ou associada, isto é, por autoria singular ou coautoria. Só ele pode ser agente ou autor do crime.

b) Doutrina da desconsideração da personalidade jurídica: esboçada nas jurisprudências Inglesa e Norte-Americana, é conhecida no Direito Comercial como a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. O propósito dessa doutrina é demonstrar que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, posto que, pode e deve ser contido pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso do direito (RT 410, págs. 12 a 24).

c) Desconsideração da personalidade jurídica no CDC, art. 28: de elaboração recente no Brasil, a desconsideração da personalidade jurídica é uma das mais expressivas tendências experimentadas pelo Direito, neste último quartel do século XX. Verifica-se, como tendência crescente, em nosso direito, a possibilidade de desfazer o mito da intangibilidade da pessoa jurídica, sempre que for usada para acobertar a fraude à lei ou abuso das formas jurídicas.

d) Desconsideração da personalidade jurídica na lei 9.605/98, art. 4º: a lei 9.605/98, em seu art. 4º, acolheu os postulados da desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Nos delitos ambientais, o sujeito passivo direto será sempre a coletividade por ser o bem ou interesse tutelado, considerado de uso comum do povo. É o que dispõe o art. 225 da CF. No entanto, nada impede que um delito tenha dois ou mais sujeitos passivos. Em um crime ambiental, muitas vezes isso acontecerá.

A responsabilidade penal resulta de um processo político de escolha de quem deve suportar a pena imposta pela violação da norma penal.

A natureza jurídica da ação penal não difere daquela da ação civil; na verdade, a diferença entre o ilícito penal e o ilícito civil repousa na natureza da sanção. Quando ocorre um crime,surge o direito subjetivo de punir, o qual é mais que o dever de punir, embora não seja ilimitado, pois para exercê-lo, é necessário que haja processo e julgamento.

A responsabilidade penal, isto é, a obrigação que o autor de um ilícito terá que suportar em relação às consequências penais de sua conduta, no sistema jurídico brasileiro, é, de regra, atribuída às pessoas naturais.

Entretanto, a Constituição Federal de 1998, no §3º, do art. 225, expressamente, dispôs que "as condutas e as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sansões penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante

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legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.

Alguns pontos contra:Alemanha (Von Beling), Espanha (Muñoz Conde), Itália (Francesco Carrara), Argentina (Zaffaroni), Chile (Luis Conseño), Brasil (Nelson Hungria, Heleno Fragoso, Magalhães Noronha, Pierangelli, Mirabete, Alberto Silva Franco, Bittencourt, Luiz Régis Prado).

Principais argumentos: a polêmica sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas apresenta inúmeros problemas, dentre os quais se podem destacar, como principais, os seguintes:

a) as questões de política criminal;b) o problema da incapacidade de ação;c) a incapacidade de culpabilidade;d) o princípio da personalidade da pena;e) as espécies ou natureza das penas aplicáveis às pessoas jurídicas.

Alguns pontos a favor:Alemanha (Franz Von Liszt), França (Aquiles Mestre), Brasil (Édis Milaré, Paulo Affonso Leme Machado, Paulo José da Costa Jr., Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, Damásio, João Marcelo Araújo Jr., Sérgio Salomão).Principais argumentos: de ver-se que a Constituição Federal de 1.988, em seu art. 225, §3º, determina que a legislação ordinária estabeleça a punição da pessoa jurídica nos atos cometidos contra o meio ambiente. Embora haja controvérsia quanto ao conteúdo do texto de reconhecer que deixa margem à admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em suma, alterando a posição anterior, hoje reconhecemos invencível a tendência de incriminar-se a pessoa jurídica como mais uma forma de reprimir a criminalidade.

O Prof. Miguel Reali Júnior, em artigo publicado na RF 345/121, assevera que a Lei 9605/98 é destituída de técnica jurídica, afronta a tradição do nosso direito e que, ao estabelecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica, é absolutamente inconstitucional. Utilizando-se da interpretação histórica da constituição, destaca a supressão, durante o processo constituinte da expressão criminal do conteúdo do Art. 173 da CF/88, que estabelece a responsabilidade da pessoa jurídica nos crimes financeiros; para concluir que o § 3º, do Art. 225, da CF/88, deve ser interpretado no sentido de que as pessoas físicas ou jurídicas sujeitam-se, respectivamente a sanções penais e administrativas. No campo da interpretação sistemática, o autor anota que falta à pessoa jurídica capacidade criminal.

A visão do Prof. Miguel Reale Júnior é basicamente a mesma defendida por Luiz Regis Prado e Maurício Zanoide de Moraes, no sentido de que falta à pessoa jurídica capacidade criminal, pois se a ação delituosa se realiza com o agente realizando uma vontade em direção ao descumprimento de um valor cuja positividade a lei penal impõe, se é uma decisão em que existe um querer, e um

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querer valorativo, vê-se que a pessoa jurídica não tem essa capacidade do querer dotado dessa postura axiológica negativa.

A Constituição Federal estabelece que a pena não passará da pessoa do condenado (inc. XIV, do Art. 5º) e o inciso seguinte diz que a lei individualizará a pena. A individualização da pena é feita com base na culpabilidade. Esta significa o quanto de reprovação, de censurabilidade merece a conduta, sendo absolutamente incongruente com a admissão da pessoa jurídica como agente de delitos. Portanto, há uma incapacidade penal da pessoa jurídica, que a análise sistemática do texto constitucional torna evidente.

Some-se ainda que o legislador brasileiro copiou o francês, sem, contudo, fazer as adaptações necessárias no âmbito do processo penal. Na França, houve prévia Lei de Adaptação, com dispositivos penais e processuais penais, além de disciplinar a execução das penas aplicadas à pessoa jurídica, questões não enfrentadas no Brasil, onde todo o processo penal se rege tendo em vista a pessoalidade do agente.

3.3. Lei de crimes ambientaisA destruição do ambiente constitui, sem nenhuma dúvida, um dos mais ingentes problemas que a humanidade tem deparado na segunda metade do século XX, cuja gravidade é de todos conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do homem.

O informe sobre a Situação Social no Mundo, da Organização das Nações Unidas, de 1982, destacou que “há algumas grandes esferas de preocupação que são comuns a todos os países, tais como a contaminação que alcança níveis perigosos na água, no ar, no solo e nos seres vivos; a necessidade frequentemente urgente de conservar os recursos naturais não renováveis; as possíveis perturbações do equilíbrio ecológico da biosfera, emergente da relação do homem com o meio ambiente, e as atividades nocivas para a saúde física, mental e social do homem no meio ambiente por ele criado”.

A questão ambiental emerge, portanto, no terreno político-econômico e da própria concepção da vida do homem sobre a Terra.

Destarte toda política ambiental deve procurar equilibrar e compatibilizar as necessidades de industrialização e desenvolvimento com as de proteção, restauração e melhora do ambiente.

A competência legislativa concorrente dos Estados e do Distrito Federal em matéria ambiental (Art. 24, Inc VI da CF/88) não pode violar os limites constitucionalmente definidos (Art. 22, Inc I, CF). O legislador estadual ou distrital não poderá definir crimes, estabelecer penas ou seus consectários. Poderá, por exemplo, produzir um ordenamento que venha completar “normas penais em branco” de nível federal, porém lhe é vedado criminalizar ou punir penalmente condutas que considere

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indesejáveis. Poderá, outrossim, definir sanções não penais ( administrativas ou civis), mas nunca ter como crime aquilo para o qual o legislador da União restou silente.

A compatibilização exegética dos dois dispositivos constitucionais supra indicados aponta, portanto, para a incompetência absoluta do legislador estadual ou distrital para estabelecer figuras penais ou seus corolários; essa matéria é de competência exclusiva da União.

Primeiramente, convém observar que a Lei 9605/98 buscou dar um tratamento penal unívoco à matéria, aglutinando os vários elementos que compõem o meio ambiente, em favor de uma harmonização das normas incriminadoras e de suas respectivas penas.

É oportuno ressaltar o seu caráter altamente criminalizador, visto que erige à categoria de delito uma grande quantidade de comportamentos que, a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas ou, quando muito, de contravenções penais.

Na verdade, de acordo com a doutrina majoritária, a Lei 9605/98 trata-se de uma lei de natureza híbrida em que se misturam conteúdos díspares-penal, administrativo, internacional, e em que os avanços não foram propriamente significativos.

As leis criminais ambientais brasileiras pretéritas, em parte vigorantes, constituíam-se em verdadeira catástrofe (prolixas, casuísticas e tecnicamente imperfeitas), daí a esperança de que esta lei viesse a modificar o quadro legislativo existente, o que não ocorreu até porque o legislador de 1998 foi pródigo em se utilizar de conceitos amplos e indeterminados, muitas vezes eivados de impropriedades técnicas, linguísticas e lógicas, permeados por cláusulas valorativas e, frequentemente, vazadas em normas penais em branco (Artigos 34,38,40,45,60 etc.), com excessiva dependência administrativa. Merece ser lembrado que aqueles crimes ou contravenções que não tenham sido expressamente revogados pela Lei 9605/98, permanecem vigentes em nosso ordenamento jurídico positivo.

A Lei 9605/98 tem como inovações marcantes a não utilização do encarceramento como norma geral para as pessoas físicas criminosas, já que a maioria das penas restritivas de liberdade podem ser substituídas nos termos do Art. 7º da referida lei por penas restritivas de direito; além da responsabilização penal das pessoas jurídicas, assunto de grandes discussões doutrinárias.

O acolhimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei 9605/98 mostra que houve atualizada percepção do papel das empresas no mundo contemporâneo. Nas últimas décadas, a poluição, a degradação, o desmatamento intensivo, a caça e a pesca predatória não são mais praticados só em pequena escala. O crime ambiental é principalmente corporativo.

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Vários autores, a exemplo de Walter Claudius Rathemburg, Luiz Flávio Gomes, Ada Pellegrini, defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica e, portanto, a constitucionalidade do Art. 3º da Lei 9605/98, apontando em linhas gerais que responsabilidade criminal dos entes coletivos releva-se, assim, como forma de melhor conferir eficácia ao direito penal, que não tem atingido todos os agentes da prática delituosa, em especial aqueles que, com seu poder e estrutura, cometem crimes mais facilmente. É imposição de uma nova realidade de justiça, conclamada nos mais variados sistemas jurídicos, pelo reconhecimento da força social e econômica dos grupamentos.

Conservar-se só a responsabilidade da pessoa física frente aos crimes ambientais é aceitar a imprestabilidade ou a inutilidade do Direito Penal para colaborar na melhoria e recuperação do meio ambiente.

Depreende-se do art. 3º a responsabilização penal da pessoa jurídica o seguinte:

a) existência de infração penal;

b) cometida por decisão do representante legal ou contratual da pessoa jurídica ou de seu órgão colegiado;

c) no interesse ou benefício da sua entidade. Desse modo, fica assentada, quanto à autoria, a necessidade de conduta punível, realizada por ato decisório e autor qualificado (rep. legal ou contratual ou órgão colegiado), não sendo cingida a figura do empregado subalterno ou do preposto, sem nenhum poder de decisão.

O termo, pessoa jurídica, deve ser entendido em sentido lato; isso significa que, à exceção do Estado em si, qualquer pessoa jurídica de direito público ou de direito privado pode ser responsabilizada, mesmo porque a lei não faz distinção alguma. Ipso jure, convém destacar, como conditio sine qua non da responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma pessoa física (ou um grupo de pessoas); isso quer dizer: há de se pressupor necessariamente um substratum humanus, que encarna a pessoa jurídica, intervindo por ela e em seu nome. Também os elementos objetivos e subjetivos integradores de determinada infração penal-imputada à pessoa moral- dizem respeito, na verdade, ao ser humano – pessoa natural.

Por fim, é importante salientar que para que se caracterize a responsabilidade penal da pessoa jurídica é indispensável que o agente (resp. legal ou contratual, ou órgão colegiado) pratique a infração penal sempre no interesse (vantagem de qualquer natureza-política, moral etc.) ou benefício (favor, ganho, proveito econômico) da pessoa jurídica.

As normas gerais de aplicação da pena estão contidas nos artigos 6º ao 2º.

Art. 6º – Estabelece as regras pelos quais deve se basear o julgador para individualizar a pena, conforme o princípio constitucional da pena (art. 5º, XLVI. CF )

Conditio sine qua nonÉ uma expressão oriunda do latim que pode ser traduzida como “sem a qual não pode deixar de ser”.

Substratum humanusFundamento humano

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• Gravidade do fato, motivos da infração e consequências para a saúde pública;

• Antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação ambiental;

• Situação econômica do infrator

• O contido no Art. 6º não é suficiente para a real determinação da pena, devendo-se recorrer ao Art. 59, do Código Penal, subsidiariamente.

Art. 7º – Trata das penas restritivas de direitoDiversamente do Código Penal (Art. 44 I), determina que as penas restritivas de direitos substituem as penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos, enquanto o CP só admite tal substituição para as penas privativas de liberdade inferiores a 1 ano.

Art. 16 – Sursis – Suspensão Condicional da PenaPelo art. 16, o requisito objetivo da quantidade da pena para a aplicação suspensão condicional da pena tornou-se mais elástico em relação aos crimes ambientais, isto é, condenação à pena privativa de liberdade não superior a três anos, portanto um ano além do previsto do Código Penal. Todavia diante do silêncio no que toca ao prazo de suspensão da pena, depreende-se seja de 2 a 4 anos.Art. 14 e 15 – Tratam das circunstâncias, atenuantes ( baixo grau de instrução do infrator, arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano) e agravantes (reincidência nos crimes de natureza ambiental, ter cometido o crime em domingos e feriados).

Art. 18 – Cálculo da pena de multaSerá calculada segundo os critérios do Código Penal, porém se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até 3 vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.

Art. 21 a 24 – Tratam das penas que podem ser aplicadas isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas. São elas:

• multa;• restritivas de direito;• prestação de serviço à comunidade.

Crítica ao sistema de imposição de penas às pessoas jurídicas:

• a parte especial não dispõe de penas destinadas às pessoas jurídicas no tipo incriminador;

• excessivo poder discricionário do julgador;• integração da parte geral com a especial (muito subjetivo).

O instituto jurídico da transação penal (Art. 76 da Lei 9099) foi incorporado em sua inteireza pelo Art. 27, da Lei 9605/98, à qual acrescentou ao contido no §2º, do

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citado art. 76, a condição de haver prévia composição do dano ambiental, salvo no caso de comprovada impossibilidade.

O Art. 28 trata do instituto da suspensão condicional do processo definido no Art. 89 da lei 9099/95, nos crimes ambientais, com as alterações e adequações estabelecidas pela própria lei 9605/98, que são:

• extinção da punibilidade previsto no §5º, após laudo de constatação de reparação do dano ambiental, salvo comprovada impossibilidade;

• possibilidade de prorrogação da suspensão quando o laudo apontar que não foi completa a reparação, no período estabelecido;

• no período de prorrogação não se aplicam as medidas ou condições previstas no §2º do Art. 89 (proibição de frequentar determinados lugares etc.);

• nova prorrogação, caso o laudo não reconheça a reparação do dano no período de prorrogação anterior;

• decorrido o último prazo a extinção da punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove que o acusado tomou as providências necessárias à reparação integral do dano.

Os crimes ambientais, segundo a Lei 9.605/98, são:

1. crimes contra a fauna (Arts. 29 a 37);

2. crimes contra a flora (Arts. 38 a 53);

3. crimes relativos à poluição e outros (Arts. 54 a 61);

4. crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (Arts. 62 a 65);

5. crimes contra a administração ambiental (Arts. 66 a 69).

Anteriormente à vigência da Lei 9605/98, os ilícitos penais praticados contra a fauna estavam contemplados na Lei de Contravenções Penais e nas Leis 5197/67, 7643/87 e 7679/88. A Lei 9605/98, entretanto, não logrou revogar todos os tipos existentes para reorganizá-los em um texto único e sistemático, de modo que apenas aqueles dispositivos expressa ou tacitamente revogados deixam de vigorar em função de nova previsão na Lei 9605/98.

Os crimes contra a fauna estão tipificados nos artigos 29 ao 37, da Lei 9605/98, de modo que abordaremos apenas o que achamos mais importantes:

• Art. 29 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécies da fauna silvestre.....

– Bem Jurídico: O meio ambiente, em especial, a fauna silvestre, representada pelos animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, sejam nativos ou em rota migratória. Segundo Luiz Regis Prado, a fauna silvestre, a teor do Art. 1º da Lei 5197/67, é propriedade do Estado. “Sendo assim não foi incluída entre os bens da União. Portanto, não constitui seu domínio patrimonial de que ela possa gozar e dispor”.

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- Sujeitos: ativo – qualquer pessoa /passivo é a coletividade

– Tipo objetivo: As condutas típicas alternativas (matar, perseguir, capar,....). Os objetos materiais das condutas alternativamente incriminadas são as espécies de fauna silvestre, nativos ou em rota migratória.

– Tipo subjetivo: O dolo

– Classificação: Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado; material comum, instantâneo e comissivo.

• Art. 32 Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir..., animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

– Bem jurídico: O meio ambiente, enfocando-se particularmente a fauna silvestre, doméstica ou domesticada.

– O presente artigo revogou de forma tácita a contravenção insculpida no Art. 64, da LCP.

Art. 33 – Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes...

– Bem Jurídico: O meio ambiente, em particular, a fauna ictiológica existente em águas jurisdicionais brasileiras.

– O inciso III consigna normal penal em branco

– O Art. 33 revogou tacitamente o disposto no Art. 27, §2º, da Lei 5197/67

– É indispensável a realização de perícia nos animais mortos a fim de se demonstrar o nexo de causalidade entre seu perecimento e a emissão de efluentes ou carreamento de materiais.

– Tipo subjetivo: O dolo, consistente na consciência e vontade de realizar o tipo objetivo

• Arts. 34 e 35 – Tratam de crimes relacionados com a pesca.

– O decreto 221/67 dispõe sobre a Proteção e Estímulos à Pesca e dá outras providências

– Tipo subjetivo: O dolo

– O Art. 35 revogou de forma tácita o Art. 8º, da Lei 7679/88

– No caso do Art. 35, caso se verifique perigo à integridade de física, à vida, ou ao patrimônio de outrem, configura-se o delito acostado no Art. 251, do Código Penal.

Art. 37 – Elenca as causas de exclusão da ilicitude da conduta, dispondo que não constitui crime o abate de animal, quando realizado: “I – em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II – para proteger lavouras e da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente

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autorizado pela autoridade competente; III – Vetado; IV – por ser nocivo o animal, desde que caracterizado pelo órgão competente“.

Aplicam-se aos tipos penais especiais referentes aos crimes contra e fauna, os dispositivos de parte geral, no que couber, referentes suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo, cálculo da pena de multa etc.

Os crimes contra a flora estão arrolados nos artigos 38 a 53 da Lei 9605/98. Nesta seção estão tipificados diversos delitos contra a flora, os quais revogaram tacitamente o Art. 26 e suas alíneas, com exceção das alíneas “e“, “l“ e “m“, do Código Florestal (Lei 4771/65).

Art. 38 – Destruir ou danificar floresta de preservação permanente...– Admite a conduta culposa.– Sujeitos: ativo – qualquer pessoa, física ou jurídica, sem restrições,

inclusive o proprietário ou possuidor da área coberta pelas formações florestais. Sujeitos passivos materiais são a coletividade e, de forma indireta, o proprietário ou possuidor da referida área.

– Trata-se de norma penal em branco.Art. 41 – Provocar incêndio em mata ou floresta

– Admite a conduta culposa.

– Se o agente faz o fogo, por qualquer modo, em lavoura ou pastagem, sem tomar as precauções adequadas, responde pelo delito ancorado no Art. 250, §1º, II, h, Código Penal, visto que o Art. 41 versa apenas sobre mata ou floresta.

– Para hipótese de poluição atmosférica oriunda de queimada, com resultados lesivos à saúde humana, aos animais e à flora, deve-se se aplicar o Art. 54 da Lei 9605/98.

– Se o agente faz fogo, por qualquer modo, em floresta e demais formas de vegetação, sem tomar as precauções adequadas (queima controlada ou queimada), responde pela contravenção penal ínsita na alínea “e“ do Art. 26 do Código Florestal, e não pelo delito de incêndio doloso ou culposo (Art. 250, CP), desde que não haja risco à coletividade. Caracteriza-se de outro lado, o delito insculpido no Art. 41, da Lei 9605/98, quando do incêndio não advier perigo à incolunidade pública, visto que aquele dispositivo tutela o ambiente, resguardando a integridade das matas e florestas. Se o fogo, porém, for provocado em lavoura ou pastagem, poderá incorrer o agente nas penas do Art. 250 do CP, já que o Art. 41, da Lei dos Crimes Ambientais, refere-se tão somente às matas e florestas.

Art. 52 – Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente.

– Bem Jurídico: é a preservação do ambiente, particularmente no que toca à integridade da flora e fauna existente nas Unidades de Conservação.

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– Tipo Objetivo: a conduta punida consiste em penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias... Penetrar significa adentrar, transpor, invadir. A lei não exige a caça ou exploração de produtos. Trata-se, pois, de infração de perigo, não se exigindo nenhum material.

– Unidades de Conservação definidas no Art. 40, §1º, e 40-A, §1º.

Também se aplicam aos crimes em espécie contra a fauna, as regras gerais previstas na parte geral da Lei 9605/98. Assim como os dispositivos previstos na Parte especial que trata dos crimes contra a fauna e de poluição, também existem nos crimes contra a flora, várias normas penais em branco, que carecem do complemento de outra norma integrando a definição do delito.

A saúde humana, os animais e a flora foram protegidos com intensidade diferente no Art. 54. Este artigo pode ser analisado em duas partes. A primeira parte descreve crime de resultado e crime de perigo. É crime causar poluição em níveis tais que resultem danos à saúde humana, como, também, é crime causar poluição que possa resultar danos à saúde humana. Segunda parte do Art. 54 considera crime causar poluição em níveis que provoquem a mortandade de animais ou a destruiçãosignificativa da flora. Nessa segunda parte não ficou considerado o crime de perigo e excluiu-se a fauna aquática, já protegida no Art. 33.

Apesar da valorização que a lei conferiu à autorização, à licença e à permissão e suas exigências, a tipificação do Art. 54 não ficou condicionada ao descumprimento das normas administrativas. As normas administrativas ambientais federais e estaduais serão levadas em conta para caracterizar o comportamento poluidor. Contudo, se essas normas forem inidôneas, inadequadas ou inexistentes para caracterizar os atos poluentes, a incriminação poderá ser feita de forma independente das normas administrativas, apontando-se, através de perícia, a possibilidade de danos à saúde humana ou os resultados danosos à saúde humana, a morte dos animais e a destruição significativa da flora.

Estão contemplados no Art. 54 e seu §1º os comportamentos dolosos e culposos.

No §2º, não foi prevista a forma culposa nas figuras enumeradas, o crime será punido na forma dolosa, quando o agente (pessoa física ou jurídica) quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Art. 55 – Executar pesquisas, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.

O novo texto da Lei 9605/98 abrange todo tipo de trabalho levado a efeito no terreno mineral, incidindo sobre a pesquisa, a lavra ou a extração de recursos minerais sem prévia intervenção do Poder Público, através de autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.

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Não é a obtenção de substâncias minerais que configura o crime, mas a realização dos trabalhos. Assim, se houver trabalhos sem a concordância da Administração

Pública e não se conseguir a extração de minerais ou os mesmos não forem encontrados, já há tipificação do crime.

Atividade 1

Biotecnologia é uma técnica desde 1.750 a.C. na fermentação de pães e vinhos pelas leveduras. Hoje, modernizada, ela caracteriza-se pela manipulação de genes através da engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante. Quais são as implicações do uso da biotecnologia atualmente?

Atividade 2

Escreva a definição de responsabilidade administrativa e civil.

Atividade 3

Segundo a Lei de crimes ambientais, são consideradas sanções:

a) multa diária; suspensão da venda e fabricação do produto e detençãob) multa simples; multa diária e reclusãoc) restritiva de direitos; suspensão parcial de atividades; demolição de obrad) multa, destruição ou inutilização do produto, detençãoe) apreensão de animais, detenção e reclusão

Atividades

Resumo

Inicialmente, verificamos a relação da engenharia genética e do meio ambiente sob os aspectos jurídicos. O melhoramento genético de animais e plantas já vem sendo utilizado há muitos anos. Sob o aspecto jurídico, verificam-se os riscos da engenharia genética para os seres humanos, para a fauna, para a flora e para todo o ecossistema.

Depois, estudamos as responsabilidades administrativa, civil e penal. Aprendendo que essas responsabilidades, a princípio, são independentes, ou seja, não se comunicam, porém a absolvição criminal afastará responsabilidade civil e a administrativa quando ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou a ausência de culpa ou dolo.

Finalizamos com os crimes ambientais, em que foi apresentada a Lei 9.605/1998,que buscou dar um tratamento penal unívoco à matéria, aglutinando os vários elementos que compõem o meio ambiente, em favor de uma harmonização das normas incriminadoras e de suas respectivas penas.

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Atividade 4

Com relação às responsabilidades e à Lei de Crimes Ambientais, analise as seguintes afirmativas.

I - Somente as pessoas físicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

II - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

III - A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica poderá consistir em custeio de programas e de projetos ambientais e execução de obras de recuperação de áreas degradadas.

As afirmativas corretas estão contidas em:

a) I e II apenasb) II e III apenasc) I e III apenasd) II apenase) I, II e III

Atividade 5

Escreva quais são os princípios observados para a imposição da gradação da penalidade.

Referências

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BORÉM, Aluízio; SANTOS, Fabrício R. Biotecnologia simplificada. Visconde do Rio Branco 2.002.

BONETTI, Luiz Pedro. A polêmica dos transgênicos. Cruz Alta/RS: Editora Centro Gráfico UNICRUZ, 2.001.

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COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MEIO AMBIENTE E MINORIAS. PROPOSTA DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE Nº 34, DE 2000. Propõe que a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias fiscalize os procedimentos adotados pelo Poder Executivo para autorizar a liberação de plantas transgênicas no País. 2000. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/21110.pdf. acessado em 05/07/2012.

COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA - CTNBio. Instrução Normativa CTNBio nº 1, de 05.09.96. Estabelece as normas para emissão do Certificado de Qualidade em Biossegurança A, no uso de suas atribuições legais e regulamentares, 1996.

COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA - CTNBio. Instrução Normativa CTNBio nº 10, de 19.02.98. Estabelece as normas simplificadas para liberação planejada no meio ambiente de vegetais geneticamente modificados que já tenha sido anteriormente aprovada pela CTNBio, 1998.

LEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. ISBN: 978-85-352-2919-6.

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