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V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 V Mostra de Pesquisa da Pós- Graduação Direita e Esquerda: conceitos em agonia na política contemporânea? Marcos Paulo dos Reis Quadros , Dr. Rafael Machado Madeira (orientador) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, PUCRS. Resumo A ideologia emanada dos partidos políticos constitui importante elemento para que a dilatação do prestígio destes grupos exerça influxo real na sociedade como um todo, eventualmente modificando ou direcionando o conteúdo da opinião pública. Com efeito, uma das prerrogativas essenciais dos partidos seria justamente “a formação da opinião pública, o que demonstra que os partidos políticos exercem um papel visivelmente ideológico” (Petersen, Pedroso & Ulrich, 1999, p. 93). Porém, se desejássemos elucidar integralmente o significado epistemológico dos valores que compõem a “ideologia”, fatalmente seríamos absorvidos por um labirinto conceitual e filosófico que definitivamente não pode ser comportado nos moldes aqui propostos. Dentre toda uma gama complexa – e talvez ininteligível - de significados e valores, nos parece plausível dissertar a respeito de um aspecto elementar que compõe a ideologia político-partidária em específico: referimo-nos à velha díade direita-esquerda e seus desdobramentos. Tendo sua primeira designação no desenrolar da Assembleia Constituinte convocada diante da agitação revolucionária vivida pela França setecentista, os conceitos de Direita (Girondinos, sentados à direita da Assembléia) e Esquerda (Jacobinos, sentados à esquerda) permanecem fortemente assentados no vocabulário político contemporâneo. Ainda que seu emprego tenha sido originalmente adotado para os fins específicos de uma situação em particular, nota-se que a validade da terminologia transcendeu não apenas o espaço físico francês e europeu, mas também a própria marcha dos séculos. Enriquecidas por uma bagagem axiológica multifacetada adquirida através dos sucessivos contextos históricos e culturais, as palavras “direita” e “esquerda” sofreram mutações, mas seguem presentes. 184

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V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010

V Mostra de

Pesquisa da Pós-Graduação

Direita e Esquerda: conceitos em agonia na política contemporânea?

Marcos Paulo dos Reis Quadros

, Dr. Rafael Machado Madeira (orientador)

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, PUCRS.

Resumo

A ideologia emanada dos partidos políticos constitui importante elemento para que a

dilatação do prestígio destes grupos exerça influxo real na sociedade como um todo,

eventualmente modificando ou direcionando o conteúdo da opinião pública. Com efeito, uma

das prerrogativas essenciais dos partidos seria justamente “a formação da opinião pública, o

que demonstra que os partidos políticos exercem um papel visivelmente ideológico”

(Petersen, Pedroso & Ulrich, 1999, p. 93). Porém, se desejássemos elucidar integralmente o

significado epistemológico dos valores que compõem a “ideologia”, fatalmente seríamos

absorvidos por um labirinto conceitual e filosófico que definitivamente não pode ser

comportado nos moldes aqui propostos. Dentre toda uma gama complexa – e talvez

ininteligível - de significados e valores, nos parece plausível dissertar a respeito de um

aspecto elementar que compõe a ideologia político-partidária em específico: referimo-nos à

velha díade direita-esquerda e seus desdobramentos. Tendo sua primeira designação no

desenrolar da Assembleia Constituinte convocada diante da agitação revolucionária vivida

pela França setecentista, os conceitos de Direita (Girondinos, sentados à direita da

Assembléia) e Esquerda (Jacobinos, sentados à esquerda) permanecem fortemente assentados

no vocabulário político contemporâneo. Ainda que seu emprego tenha sido originalmente

adotado para os fins específicos de uma situação em particular, nota-se que a validade da

terminologia transcendeu não apenas o espaço físico francês e europeu, mas também a própria

marcha dos séculos. Enriquecidas por uma bagagem axiológica multifacetada adquirida

através dos sucessivos contextos históricos e culturais, as palavras “direita” e “esquerda”

sofreram mutações, mas seguem presentes.

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Entretanto, a utilização irrestrita dos citados conceitos está sendo objeto de

relativização nas cogitações de determinadas correntes intelectuais nos dias que correm.

Balizando-se, em última análise, na constatação de que a superação do modo de vida moldado

pelo industrialismo teria provocado, já em meados do século XX, a ascensão de um novo

código de estruturação e comportamento social, inúmeros pensadores dão crédito ao advento

de uma nova era histórica na atualidade, onde as demandas políticas estariam voltadas à

resolução das questões pós-materialistas. Condensando-se na literatura através do rótulo de

“pós-modernidade”, “hipermodernidade” ou “modernidade tardia”, os novos tempos

necessariamente imporiam seus universos simbólicos inéditos também ao campo político,

gerando o “fim das ideologias” como até então são concebidas (Bauman, 2007; Giddens,

1994; Fukuyama, 1992; Lipovestky & Charles, 2004; Toffler, 1980).

Mesmo diante de tais advertências, para muitos autores (Bobbio, 1995; Duverger,

1980, Singer, 2002; entre outros) parece claro que a nomenclatura encerra em si um grau de

razoabilidade ainda capaz de relacionar a abstração conceitual com a esfera real da práxis

política propriamente dita, associando-as satisfatoriamente na maior parte das ocorrências. Tal

razoabilidade se daria por meio de um enraizamento plurissecular em pelo menos três esferas:

no senso comum dos cidadãos/eleitores (atingindo níveis desiguais de compreensão de acordo

com fatores sócio-culturais e históricos particulares de cada indivíduo ou sociedade), no

entendimento dos atores políticos (mandatários e militantes sociais ou partidários) e na ampla

literatura difundida pela ciência política atual, com especial relevo à obra de Bobbio (1995).

Introdução

O presente trabalho encontrou motivação a partir das pesquisas realizadas para a

formulação da dissertação exigida como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre

em Ciências Sociais. Considerando que nossa temática envolve o estudo da ideologia de um

partido político (no caso, o Partido Progressista – PP), mostrou-se indispensável recorrer à

ideia de esquerda-direita como parâmetro conceitual para a localização do citado partido no

espectro ideológico da política brasileira. Contudo, a problematização relacionada ao uso

indiscriminado desta díade não pode ser ignorada, fato que nos levou a empreender um estudo

acerca das diferentes fundamentações teóricas que norteiam a discussão do assunto na

literatura da ciência política. Assim sendo, os dados advindos deste estudo servirão como

alicerces para a construção do primeiro capítulo da nossa dissertação, o que de fato já está

sendo posto em prática.

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a nomenclatura tradicional ainda teria pertinencia
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Metodologia

Até o presente momento foi realizada a revisão bibliográfica que abrange a temática,

dando-se especial ênfase aos autores referenciais e aos principais trabalhos publicados em

periódicos científicos nacionais e estrangeiros. Em uma fase posterior da pesquisa, pretende-

se também realizar entrevistas com membros do Partido Progressista (PP) do Rio Grande do

Sul, almejando apreender pormenores relativos às ideologias políticas defendidas por cada um

dos entrevistados e a possível imbricação destes postulados com a doutrina social da Igreja

Católica apropriada por setores do partido, notadamente através da Fundação Tarso Dutra.

Resultados

Os paradigmas suscitados pelo “líquido mundo moderno” (Bauman, 2007) podem

corroborar para a sustentação das teorias que diagnosticam o fim das ideologias. O advento

das questões pós-materialistas teria estabelecido novas clivagens que modificariam

significativamente as pautas sociais, com reflexos evidentes na política. Confrontadas com

problemas como ecologia, direitos humanos, bioética, etnicidade e eutanásia, partidos de

direita e esquerda processariam auto-reconfigurações intermitentes, inclusive com vistas na

satisfação das demandas oriundas do eleitorado. Sob estas preocupações, os partidos políticos

estariam fulminando posicionamentos rígidos e a fim de atingir a maioria dos eleitores (catch-

all parties), o que concorreria para uma indiferenciação programática e ideológica entre

grupos políticos historicamente antagônicos.

Porém, verificou-se que os conceitos de “direita” e “esquerda”, mesmo impactados por

essa nova realidade, permanecem presentes como elementos de identidade política. No que

tange ao seu emprego pelos cidadãos/eleitores, observa-se que a abstração potencialmente

encerrada pelos termos não foi suficiente para suprimi-los, ao menos sob a perspectiva do

imaginário social brasileiro (conforme observam, por exemplo, Bresser-Pereira, 2006; Singer,

2002; Carreirão, 2007) e europeu (Freire, 2004). Quanto à adesão da maioria dos

parlamentares à auto-identificação em um continuum ideológico direita-esquerda, os estudos

também apontam para a persistência dos conceitos (Power e Zucco, 2008; Freire, 2004), o

mesmo ocorrendo para o acatamento da díade como elemento teórico real pela ciência política

(Bobbio, 1994; Duverger, 1980, Figueiredo e Limongi, 1999; entre outros).

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Referências

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O paradoxo da esquerda no Brasil. Novos estudos – CEBRAP. N° 74 (2006), pp. 25-45. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/nec/n74/2963-8.pdf. Acesso em 22 mai. 2010.

CARREIRÃO, Yan S. Identificação ideológica, partidos e voto na eleição presidencial de 2006. Opinião Pública. Vol. 13, N° 2 (2007), pp. 307 – 339.

DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Brasília: Editora da UNB, 1980.

FUKUYAMA, Francis. O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1992.

GIDDENS, Anthony. Para Além da Esquerda e da Direita. São Paulo: Editora UNESP, 1994.

LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sebastien. Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.

PETERSEN, Áurea T.; PEDROSO, Elizabeth M.; ULRICH, Maria A. Política Brasileira: regimes, partidos e grupos de pressão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

POWER, Timoty; ZUCCO, César. Estimating ideology of brazilian legislative parties, 1990-2005. A research communication. Disponível em http://www.princeton.edu/~zucco/czuc-co_-files/paperlarr.pdf. Acesso em: 26 mai. 2010.

SINGER, André Vitor. Esquerda e Direita no Eitorado Brasileiro. São Paulo: Edusp, 2002.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. A morte do industrialismo e o nascimento de uma nova civilização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1980.

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