dilema brasileiro

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A16 Internacional DOMINGO, 27 DE SETEMBRO DE 2015 O ESTADO DE S. PAULO Dilema brasileiro l ] PETER HAKIM ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’ NOVA YORK O presidente de Cuba, Raúl Cas- tro, garantiu ontem em seu pri- meiro discurso na Assembleia- Geral das Nações Unidas que o embargo americano é “o princi- pal obstáculo para o desenvolvi- mento econômico” de seu país. Raúl disse que o restabeleci- mento das relações entre Cuba e EstadosUnidos é“um importan- te avanço”, e destacou que o blo- queio “causa danos e privações ao povo cubano”, além de afetar outras nações e prejudicar em- presas e cidadãos americanos. O líder cubano lembrou que essa política “é rejeitada por 188 membros das Nações Uni- das”, que pedem seu fim. Há meses, após o anúncio do processo para a normalização das relações com Cuba, o presi- dente dos EUA, Barack Obama, reivindica ao Congresso ameri- cano o levantamento do embar- go unilateral, reforçado com a Lei Helms-Burton, de 1996. “O restabelecimento das rela- ções diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, a abertura de embaixadas e as mudanças que o presidente Barack Obama de- clarou na política para o nosso país constituem um importan- te avanço, que incitou o mais amplo apoio da comunidade in- ternacional”, lembrou Raúl. “No entanto, persiste o blo- queio econômico, comercial e financeiro contra Cuba por mais de meio século”, lamen- tou depois. O presidente cubano, que dis- cursou no marco da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável da ONU, denunciou os “níveis inaceitáveis de pobreza” com que sofrem muitas partes do mundo, o aumento da lacuna en- tre Norte e Sul e o aumento da “polarização da riqueza”. Segundo ele, “a instabilidade em várias regiões tem sua raiz na situação de subdesenvolvi- mento na qual vivem dois ter- ços da população mundial”. Nesse sentido, o líder cubano considerou que os avanços al- cançados nos últimos 15 anos com os Objetivos do Milênio fo- ram “insuficientes” e estiveram “desigualmente distribuídos”. Ele apontou como exemplo as enormes diferenças na taxa de mortalidade infantil e materna que persiste entre países ricos e países em desenvolvimento. Raúl criticou o fato de que “ri- cos e companhias transnacio- nais ficam cada vez mais ricos” mesmo com a crise, enquanto o número de pobres aumenta. O líder cubano pediu uma solução para o problema da dívida sobe- rana “já paga várias vezes”. “Seria preciso construir ou- tra arquitetura financeira inter- nacional, eliminar o monopólio tecnológico e do conhecimen- to, e mudar a ordem econômica internacional vigente”, defen- deu. O presidente cubano ainda considerou que países indus- trializados deveriam “aceitar sua dívida histórica e exercer o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciados”. Segundo a agenda da cúpula, o discurso seria feito pelo vice- presidente cubano, Miguel Díaz Canel, mas a direção do evento surpreendeu a todos ao chamar Raúl para falar. Esta foi a primeira participação de Raúl em um evento da ONU como chefe de Estado. O líder cubano deve voltar a discursar amanhã perante a Assembleia-Geral, no mesmo dia em que o presidente Barack Obama. / EFE N o próximo mês, o Congresso brasileiro deverá votar a ins- tauração ou não do processo de impeachment da presidente Dil- ma Rousseff, impedindo que ela ter- mine seu mandato presidencial, me- dida que atualmente tem o apoio da grande maioria da população. A saí- da da presidente talvez atenda aos interesses do Brasil. É possível que seja necessária uma nova liderança para restaurar a confiança da socie- dade no governo e dar nova vida à economia moribunda do país. Entre- tanto, sem um quadro razoavelmen- te claro do que se seguirá a isso, se- ria temerário dar um passo extrema- mente importante quanto a retira- da da presidente do cargo. Sem um consenso em torno dos novos rumos do país e de suas priori- dades, a saída da presidente, inde- pendentemente de quão ruim tenha sido seu desempenho, poderá aca- bar deixando o Brasil em situação pior. Seria melhor, para o futuro do Brasil, a conclusão de um amplo acordo entre seus líderes políticos a respeito do arcabouço necessário para a solução dos mais graves pro- blemas, a recessão econômica e a inflação, o esquema de corrupção da Petrobrás e a profunda rejeição aos políticos do governo que per- meia todo o país. Mas, no mínimo, é crucial que, antes da saída de Dilma, exista clareza quanto à escolha de um novo presidente, particularmen- te considerando as incertezas relati- vas aos candidatos na linha sucessó- ria que a Constituição exige. Não é difícil enumerar as razões pelas quais tantos brasileiros que- rem a saída de Dilma da presidência. Nos cinco anos em que ela esteve no poder, a situação do Brasil se deterio- rou profundamente. A economia enco- lheu. Eclodiu seu mais grave escândalo de corrupção, sua outrora florescente posição no cenário internacional desa- pareceu e hoje o país caminha ladeira abaixo. Até que ponto Dilma é respon- sável por estes revezes é algo que pode ser discutido, mas, para a maioria dos brasileiros, ela deixou de ser uma líder confiável, embora tenha sido reeleita para um segundo mandato há menos de um ano. Em sua defesa, é preciso dizer que, apesar dos erros, Dilma procurou ado- tar uma linha de ação apartidária, prag- mática, para sanar os múltiplos e inter- ligados problemas do Brasil. É difícil negar seus esforços para lidar com o escândalo de corrupção da Petrobrás, por exemplo. Os promotores e os investigadores ti- veram a maior liberdade de ação e auto- ridade para perseguir a atividade crimi- nosa nos mais altos níveis do governo. E Dilma, recentemente, voltou a nomear o juiz principal e o chefe da promotoria no caso da Petrobrás, ambos ampla- mente reconhecidos no Brasil por sua competência e determinação na identi- ficação e punição dos responsáveis. Além disso, ela reuniu uma equipe de assessores econômicos de primeira classe, cujas propostas iniciais foram aplaudidas pelos principais represen- tantes do setor privado e do setor ban- cário, por economistas da maior capa- cidade profissional e pelas institui- ções financeiras internacionais, como o remédio correto para restaurar a al- quebrada economia do país. No entan- to, suas iniciativas foram continua- mente enfraquecidas ou rejeitadas pe- lo rebelde Legislativo brasileiro. Ela não conseguiu conquistar um apoio significativo da sociedade para seu pro- grama econômico. Muitos a conside- ram sem a menor capacidade política e de liderança para conduzir o País no atual ambiente carregado. Se Dilma renunciasse ou se fosse obrigada a fazê-lo, seu vice-presidente nos últimos cinco anos, Michel Temer, seria o próximo na linha sucessória pa- ra substituí-la. Embora não seja absolu- tamente um líder carismático de pres- tígio nacional, Temer fortaleceria de algum modo a presidência. Trata-se de um político experiente que ocupou al- tos cargos legislativos e partidários. Durante vários anos, foi o líder da Câ- mara e, antes disso, presidente do PMDB, o maior partido do Brasil. Este partido, que participou de todas as coalizões de governo desde que a de- mocracia foi reinstaurada no Brasil, em 1985, poderá ser seu maior trunfo, mas é também um ponto particularmente fraco. Carecendo de uma forte convic- ção ideológica, o partido poderá pro- porcionar uma base para a construção de uma política de maior consenso no Brasil. Mas o partido está dividido em relação a questões fundamentais, co- mo o impeachment da presidente. Co- mo o PT de Dilma, muitos na liderança do PMDB foram implicados nos escân- dalos de suborno na década passada. Aliás, o próprio vice-presidente po- deria também ser ameaçado de impea- chment. Uma das acusações mais dis- cutidas que motivariam tal medida, a ser levantada contra Dilma, é o fato de sua campanha, no ano passado, ter si- do em parte financiada por doações ile- gais. Se esta acusação for mantida, Te- mer, que concorreu na mesma chapa de Dilma, poderia também ser obriga- do a deixar o cargo. Se isso ocorresse, o próximo na fila seria o atual líder da Câmara dos Deputados, Eduardo Cu- nha, do mesmo partido de Temer, mas ele também já foi formalmente acusa- do de receber suborno e quase certa- mente seria considerado inaceitável como candidato presidencial. O lí- der do Senado, Renan Calheiros, se- ria o seguinte, mas está sendo inves- tigado por corrupção. A saída de Dil- ma acarretaria uma série de proble- mas na ordem sucessória. No Brasil, muitos são favoráveis à realização de novas eleições, o que assinalaria um novo começo para um país muito mal administrado nos últimos anos. Além disso, um processo eleitoral aberto poderia produzir um candidato de consen- so, ao qual caberia apresentar um programa prático para tentar recu- perar a economia e sanar outros pro- blemas prementes. Mas esta é mais uma esperança do que uma expectativa realista. Hoje, no Brasil, é difícil mencionar possí- veis concorrentes que tenham o prestígio e a credibilidade necessá- rios para superar as profundas divi- sões no eleitorado brasileiro. As elei- ções do ano passado, das quais Dil- ma saiu vitoriosa, foram duramente contestadas e deixaram o País extre- mamente dividido. A realização de novas eleições, agora, poderia mer- gulhá-lo numa encarniçada batalha partidária, exatamente no momen- to em que a tarefa crucial é encon- trar um terreno comum. O caminho mais promissor para a solução da atual crise é provavel- mente o mesmo que o Brasil sempre trilhou para superar crises passadas – o da necessidade de as lideranças do país, tanto no setor público quan- to no privado, deixarem temporaria- mente de lado os interesses regio- nais concorrentes, as diferenças par- tidárias e as rivalidades políticas, pa- ra formarem um amplo acordo ou um arcabouço que permita tratar dos múltiplos desafios econômicos e sociais do País, um acordo pelo qual seja possível encontrar um meio adequado para encerrar a pre- sidência de Dilma. Mas, se esta for a única questão em torno da qual pos- sa haver um acordo, a agonia do Bra- sil deverá se prolongar ainda mais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA ] É PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO Tânia Monteiro ENVIADA ESPECIAL / NOVA YORK Altamiro Silva Junior NOVA YORK Depois de se reunir com os re- presentantes do G-4 – grupo que inclui, além do Brasil, Ja- pão, Alemanha e Índia – a presi- dente Dilma Rousseff voltou a defender ontem uma ampla re- forma no Conselho de Seguran- ça das Nações Unidas. Este tam- bém será um dos temas que a presidente abordará em seu dis- curso na abertura da 70.ª Assem- bleia-Geral da ONU, amanhã. “Nós precisamos de um con- selho que reflita adequadamen- te a nova correlação de forças mundial”, declarou a presiden- te, ao dizer que vai procurar apoio de Rússia e China, que têm assento no Conselho, mas são emergentes como o Brasil, para conseguir avançar na am- pliação da representatividade do órgão. A presidente Dilma afirmou que existem “problemas gra- ves” no Conselho e o aniversá- rio de 70 anos da Assembleia- Geral da ONU é um “momento simbólico” para se conseguir reabrir a discussão. Mas o G-4, tem se mostrado um fracasso ao longo dos anos e nem mes- mo uma reunião entre os presi- dentes dos quatro países que querem assento no órgão se rea- lizava desde 2004. O encontro de ontem, porém, nãosignifica que ocorrerãoavan- ços,poishádisputasentreospaí- ses-membros e muitos dos atuais integrantes querem evi- tar a inclusão de outros que têm problemas em suas relações co- mo é o caso de Japão e China. Mas Dilma se mostrou espe- rançosa. “O que nos torna oti- mistas é que temos tido contato com vários outros países que também pleiteiam esta transfor- mação”, disse. Atualmente, o ór- gão conta com cinco membros permanentes: Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China, além de outros dez paí- ses que são rotativos e mudam a cada dois anos. Dilma falou da importância de o Brasil estar no Conselho, assim como países da África. Ao defender a inclusão dos quatro países do G-4 no Conse- lho, Dilma lembrou que eles re- presentam um terço da popula- ção mundial e um quarto do PIB do mundo. Além disso, a última vez que o Conselho foi amplia- do, de 11 para 15 membros, foi em 1963. “A representação com estes quatro países traria mais representatividade nas ações do Conselho”, comentou ela. Existem propostas de aumen- tar o Conselho para até 25 repre- sentantes. “Precisamos de um Conse- lho de Segurança representati- vo, legítimo e eficaz. Reafirmo nessas palavras iniciais o firme compromisso do Brasil com o G-4, com o nosso objetivo co- mum de fortalecer o sistema multilateral de paz e seguran- ça”, disse. Para Dilma, o Conselho tem de discutir, “de forma consen- sual” assuntos que não têm en- contrado a devida atenção. “O Conselho de Segurança teria de buscar soluções que resolvam conflitos que se espalham no mundo”, comentou ela, ao lem- brar que hoje há desafios como terrorismo, conflitos armados regionais, que acabam criando um outro problema que é o dos refugiados, referindo-se à Síria e ao Haiti. “Este é um problema dramáti- co”, declarou, citando, em segui- da, a foto do garoto refugiado que foi encontrado morto em uma praia da Turquia durante fuga de sua família da Síria. “A reforma doConselho de Se- gurança da ONU permanece co- mo a principal questão penden- te na agenda da organização. Nós precisamos de um Conse- lho que reflita adequadamente a nova correlação de forças mun- dial”,afirmou apresidente. “Pre- cisamos de um Conselho repre- sentativo, legítimo e eficaz. Rea- firmo nessas palavras iniciais o firme compromisso do Brasil com o G-4, com o nosso objetivo comum de fortalecer o sistema multilateral de paz e seguran- ça”, completou. VISÃO GLOBAL l Escapada A presidente saiu escondida do hotel em Nova York para ir a um restaurante sem ser vista pelos jornalistas. Após o almoço, ao saber da presença da imprensa, escapou por uma porta lateral. Dilma defende ampla reforma no Conselho de Segurança Presidente cubano destacou que política de embargo é rejeitada por 188 membros das Nações Unidas DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–15/9/2015 Após reunião do G-4, presidente diz que órgão de segurança deve refletir a nova correlação de forças mundial Bloqueio é principal obstáculo para avanço de Cuba, diz Raúl TIMOTHY A. CLARY/AFP ONU. Raúl faz seu primeiro discurso na Assembleia-Geral Sem consenso sobre os novos rumos do Brasil, impeachment contra a presidente poderá deixar o País em situação pior

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Do autor Hakim, matéria publica no jornal Estadão em 27 de setembro de 2015

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A16 Internacional DOMINGO, 27 DE SETEMBRO DE 2015 O ESTADO DE S. PAULO

Dilema brasileiro

l]PETERHAKIMESPECIAL PARA O ‘ESTADO’

NOVA YORK

O presidente de Cuba, Raúl Cas-tro, garantiu ontem em seu pri-meiro discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas que oembargo americano é “o princi-pal obstáculo para o desenvolvi-mento econômico” de seu país.

Raúl disse que o restabeleci-mento das relações entre Cuba eEstadosUnidosé“um importan-te avanço”, e destacou que o blo-queio “causa danos e privaçõesao povo cubano”, além de afetaroutras nações e prejudicar em-

presas e cidadãos americanos.O líder cubano lembrou que

essa política “é rejeitada por188 membros das Nações Uni-das”, que pedem seu fim.

Há meses, após o anúncio doprocesso para a normalizaçãodas relações com Cuba, o presi-dente dos EUA, Barack Obama,reivindica ao Congresso ameri-cano o levantamento do embar-go unilateral, reforçado com aLei Helms-Burton, de 1996.

“O restabelecimento das rela-ções diplomáticas entre Cuba eEstados Unidos, a abertura deembaixadas e as mudanças queo presidente Barack Obama de-clarou na política para o nossopaís constituem um importan-te avanço, que incitou o maisamplo apoio da comunidade in-ternacional”, lembrou Raúl.

“No entanto, persiste o blo-

queio econômico, comercial efinanceiro contra Cuba pormais de meio século”, lamen-tou depois.

O presidente cubano, que dis-cursou no marco da Cúpula deDesenvolvimento Sustentávelda ONU, denunciou os “níveisinaceitáveis de pobreza” comque sofrem muitas partes domundo,o aumento da lacuna en-tre Norte e Sul e o aumento da“polarização da riqueza”.

Segundo ele, “a instabilidadeem várias regiões tem sua raizna situação de subdesenvolvi-mento na qual vivem dois ter-ços da população mundial”.

Nesse sentido, o líder cubanoconsiderou que os avanços al-cançados nos últimos 15 anoscom os Objetivos do Milênio fo-ram “insuficientes” e estiveram“desigualmente distribuídos”.

Ele apontou como exemplo asenormes diferenças na taxa demortalidade infantil e maternaque persiste entre países ricos e

países em desenvolvimento.Raúl criticou o fato de que “ri-

cos e companhias transnacio-nais ficam cada vez mais ricos”

mesmo com a crise, enquanto onúmero de pobres aumenta. Olíder cubano pediu uma soluçãopara o problema da dívida sobe-rana “já paga várias vezes”.

“Seria preciso construir ou-tra arquitetura financeira inter-nacional, eliminar o monopóliotecnológico e do conhecimen-to, e mudar a ordem econômicainternacional vigente”, defen-deu.

O presidente cubano aindaconsiderou que países indus-trializados deveriam “aceitarsua dívida histórica e exercer oprincípio de responsabilidadescomuns, mas diferenciados”.

Segundo a agenda da cúpula,o discurso seria feito pelo vice-presidente cubano, MiguelDíaz Canel, mas a direção doevento surpreendeu a todos aochamar Raúl para falar. Esta foia primeira participação de Raúlem um evento da ONU comochefe de Estado. O líder cubanodeve voltar a discursar amanhãperante a Assembleia-Geral, nomesmo dia em que o presidenteBarack Obama. / EFE

N o próximo mês, o Congressobrasileiro deverá votar a ins-tauração ou não do processo

de impeachment da presidente Dil-ma Rousseff, impedindo que ela ter-mine seu mandato presidencial, me-dida que atualmente tem o apoio dagrande maioria da população. A saí-da da presidente talvez atenda aosinteresses do Brasil. É possível queseja necessária uma nova liderançapara restaurar a confiança da socie-dade no governo e dar nova vida àeconomia moribunda do país. Entre-tanto, sem um quadro razoavelmen-te claro do que se seguirá a isso, se-ria temerário dar um passo extrema-mente importante quanto a retira-da da presidente do cargo.

Sem um consenso em torno dosnovos rumos do país e de suas priori-dades, a saída da presidente, inde-pendentemente de quão ruim tenhasido seu desempenho, poderá aca-bar deixando o Brasil em situaçãopior. Seria melhor, para o futuro doBrasil, a conclusão de um amploacordo entre seus líderes políticos arespeito do arcabouço necessáriopara a solução dos mais graves pro-blemas, a recessão econômica e ainflação, o esquema de corrupçãoda Petrobrás e a profunda rejeiçãoaos políticos do governo que per-meia todo o país. Mas, no mínimo, écrucial que, antes da saída de Dilma,exista clareza quanto à escolha deum novo presidente, particularmen-te considerando as incertezas relati-vas aos candidatos na linha sucessó-ria que a Constituição exige.

Não é difícil enumerar as razõespelas quais tantos brasileiros que-rem a saída de Dilma da presidência.Nos cinco anos em que ela esteve no

poder, a situação do Brasil se deterio-rou profundamente. A economia enco-lheu. Eclodiu seu mais grave escândalode corrupção, sua outrora florescenteposição no cenário internacional desa-pareceu e hoje o país caminha ladeiraabaixo. Até que ponto Dilma é respon-sável por estes revezes é algo que podeser discutido, mas, para a maioria dosbrasileiros, ela deixou de ser uma líderconfiável, embora tenha sido reeleitapara um segundo mandato há menosde um ano.

Em sua defesa, é preciso dizer que,apesar dos erros, Dilma procurou ado-tar uma linha de ação apartidária, prag-mática, para sanar os múltiplos e inter-ligados problemas do Brasil. É difícilnegar seus esforços para lidar com oescândalo de corrupção da Petrobrás,por exemplo.

Os promotorese osinvestigadores ti-veram a maior liberdade de ação e auto-ridade para perseguir a atividade crimi-nosa nos maisaltos níveis do governo. EDilma, recentemente, voltou a nomearo juiz principal e o chefe da promotoriano caso da Petrobrás, ambos ampla-mente reconhecidos no Brasil por suacompetência e determinação na identi-ficação e punição dos responsáveis.

Além disso, ela reuniu uma equipede assessores econômicos de primeiraclasse, cujas propostas iniciais foramaplaudidas pelos principais represen-tantes do setor privado e do setor ban-cário, por economistas da maior capa-cidade profissional e pelas institui-ções financeiras internacionais, comoo remédio correto para restaurar a al-quebrada economia do país. No entan-to, suas iniciativas foram continua-mente enfraquecidas ou rejeitadas pe-lo rebelde Legislativo brasileiro. Elanão conseguiu conquistar um apoiosignificativo da sociedade para seu pro-grama econômico. Muitos a conside-ram sem a menor capacidade política ede liderança para conduzir o País noatual ambiente carregado.

Se Dilma renunciasse ou se fosse

obrigada a fazê-lo, seu vice-presidentenos últimos cinco anos, Michel Temer,seria o próximo na linha sucessória pa-ra substituí-la. Embora não seja absolu-tamente um líder carismático de pres-tígio nacional, Temer fortaleceria dealgum modo a presidência. Trata-se deum político experiente que ocupou al-tos cargos legislativos e partidários.Durante vários anos, foi o líder da Câ-mara e, antes disso, presidente doPMDB, o maior partido do Brasil.

Este partido, que participou de todasas coalizões de governo desde que a de-mocracia foi reinstaurada no Brasil, em1985, poderá ser seu maior trunfo, masé também um ponto particularmentefraco. Carecendo de uma forte convic-ção ideológica, o partido poderá pro-porcionar uma base para a construçãode uma política de maior consenso noBrasil. Mas o partido está dividido em

relação a questões fundamentais, co-mo o impeachment da presidente. Co-mo o PT de Dilma, muitos na liderançado PMDB foram implicados nos escân-dalos de suborno na década passada.

Aliás, o próprio vice-presidente po-deria também ser ameaçado de impea-chment. Uma das acusações mais dis-cutidas que motivariam tal medida, aser levantada contra Dilma, é o fato desua campanha, no ano passado, ter si-do em parte financiada por doações ile-gais. Se esta acusação for mantida, Te-mer, que concorreu na mesma chapade Dilma, poderia também ser obriga-do a deixar o cargo. Se isso ocorresse, opróximo na fila seria o atual líder daCâmara dos Deputados, Eduardo Cu-nha, do mesmo partido de Temer, masele também já foi formalmente acusa-do de receber suborno e quase certa-mente seria considerado inaceitável

como candidato presidencial. O lí-der do Senado, Renan Calheiros, se-ria o seguinte, mas está sendo inves-tigado por corrupção. A saída de Dil-ma acarretaria uma série de proble-mas na ordem sucessória.

No Brasil, muitos são favoráveis àrealização de novas eleições, o queassinalaria um novo começo paraum país muito mal administradonos últimos anos. Além disso, umprocesso eleitoral aberto poderiaproduzir um candidato de consen-so, ao qual caberia apresentar umprograma prático para tentar recu-perar a economia e sanar outros pro-blemas prementes.

Mas esta é mais uma esperança doque uma expectativa realista. Hoje,no Brasil, é difícil mencionar possí-veis concorrentes que tenham oprestígio e a credibilidade necessá-rios para superar as profundas divi-sões no eleitorado brasileiro. As elei-ções do ano passado, das quais Dil-ma saiu vitoriosa, foram duramentecontestadas e deixaram o País extre-mamente dividido. A realização denovas eleições, agora, poderia mer-gulhá-lo numa encarniçada batalhapartidária, exatamente no momen-to em que a tarefa crucial é encon-trar um terreno comum.

O caminho mais promissor para asolução da atual crise é provavel-mente o mesmo que o Brasil sempretrilhou para superar crises passadas– o da necessidade de as liderançasdo país, tanto no setor público quan-to no privado, deixarem temporaria-mente de lado os interesses regio-nais concorrentes, as diferenças par-tidárias e as rivalidades políticas, pa-ra formarem um amplo acordo ouum arcabouço que permita tratardos múltiplos desafios econômicose sociais do País, um acordo peloqual seja possível encontrar ummeio adequado para encerrar a pre-sidência de Dilma. Mas, se esta for aúnica questão em torno da qual pos-sa haver um acordo, a agonia do Bra-sil deverá se prolongar ainda mais. /

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

]

É PRESIDENTE EMÉRITO DO

DIÁLOGO INTERAMERICANO

Tânia MonteiroENVIADA ESPECIAL / NOVA YORKAltamiro Silva JuniorNOVA YORK

Depois de se reunir com os re-presentantes do G-4 – grupoque inclui, além do Brasil, Ja-pão, Alemanha e Índia – a presi-dente Dilma Rousseff voltou adefender ontem uma ampla re-forma no Conselho de Seguran-ça das Nações Unidas. Este tam-bém será um dos temas que apresidente abordará em seu dis-

curso na abertura da 70.ª Assem-bleia-Geral da ONU, amanhã.

“Nós precisamos de um con-selho que reflita adequadamen-te a nova correlação de forçasmundial”, declarou a presiden-te, ao dizer que vai procurarapoio de Rússia e China, quetêm assento no Conselho, massão emergentes como o Brasil,para conseguir avançar na am-pliação da representatividadedo órgão.

A presidente Dilma afirmouque existem “problemas gra-ves” no Conselho e o aniversá-rio de 70 anos da Assembleia-Geral da ONU é um “momentosimbólico” para se conseguirreabrir a discussão. Mas o G-4,tem se mostrado um fracassoao longo dos anos e nem mes-mo uma reunião entre os presi-

dentes dos quatro países quequerem assento no órgão se rea-lizava desde 2004.

O encontro de ontem, porém,nãosignifica queocorrerãoavan-ços,poishá disputasentre ospaí-ses-membros e muitos dosatuais integrantes querem evi-tar a inclusão de outros que têmproblemas em suas relações co-mo é o caso de Japão e China.

Mas Dilma se mostrou espe-rançosa. “O que nos torna oti-mistas é que temos tido contatocom vários outros países quetambém pleiteiam esta transfor-mação”, disse. Atualmente, o ór-gão conta com cinco membrospermanentes: Estados Unidos,Rússia, Grã-Bretanha, França eChina, além de outros dez paí-ses que são rotativos e mudam acada dois anos. Dilma falou da

importância de o Brasil estar noConselho, assim como paísesda África.

Ao defender a inclusão dosquatro países do G-4 no Conse-lho, Dilma lembrou que eles re-presentam um terço da popula-ção mundial e um quarto do PIBdo mundo. Além disso, a últimavez que o Conselho foi amplia-do, de 11 para 15 membros, foiem 1963. “A representação comestes quatro países traria mais

representatividade nas açõesdo Conselho”, comentou ela.Existem propostas de aumen-tar o Conselho para até 25 repre-sentantes.

“Precisamos de um Conse-lho de Segurança representati-vo, legítimo e eficaz. Reafirmonessas palavras iniciais o firmecompromisso do Brasil com oG-4, com o nosso objetivo co-mum de fortalecer o sistemamultilateral de paz e seguran-ça”, disse.

Para Dilma, o Conselho temde discutir, “de forma consen-sual” assuntos que não têm en-contrado a devida atenção. “OConselho de Segurança teria debuscar soluções que resolvamconflitos que se espalham nomundo”, comentou ela, ao lem-brar que hoje há desafios como

terrorismo, conflitos armadosregionais, que acabam criandoum outro problema que é o dosrefugiados, referindo-se à Síriae ao Haiti.

“Este é um problema dramáti-co”, declarou, citando, em segui-da, a foto do garoto refugiadoque foi encontrado morto emuma praia da Turquia durantefuga de sua família da Síria.

“AreformadoConselhode Se-gurança da ONU permanece co-mo a principal questão penden-te na agenda da organização.Nós precisamos de um Conse-lho que reflita adequadamente anova correlação de forças mun-dial”,afirmou apresidente. “Pre-cisamos de um Conselho repre-sentativo, legítimo e eficaz. Rea-firmo nessas palavras iniciais ofirme compromisso do Brasilcom o G-4, com o nosso objetivocomum de fortalecer o sistemamultilateral de paz e seguran-ça”, completou.

VISÃOGLOBAL

l EscapadaA presidente saiu escondida dohotel em Nova York para ir a umrestaurante sem ser vista pelosjornalistas. Após o almoço, aosaber da presença da imprensa,escapou por uma porta lateral.

Dilma defende ampla reforma no Conselho de Segurança

Presidente cubanodestacou que política deembargo é rejeitada por188 membros dasNações Unidas

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–15/9/2015

Após reunião do G-4,presidente diz que órgãode segurança deverefletir a nova correlaçãode forças mundial

Bloqueio é principal obstáculopara avanço de Cuba, diz Raúl

TIMOTHY A. CLARY/AFP

ONU. Raúl faz seu primeiro discurso na Assembleia-Geral

Sem consenso sobre os novos rumos do Brasil, impeachment contra a presidente poderá deixar o País em situação pior