dificuldades de aprendizagem e retardo mental

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Psicologia da infancia, psicopatologia

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  • Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 1 n. 1, p. 33-42, jan./jun. 2010 33

    Revista de Psicologia

    Revistade Psicologia

    DiFiculDaDes De aPRenDizagem eRetaRDo mental: estuDo De caso 1

    leaRning DisaBilities anD RetaRDation 2mental: a case stuDY

    Teresa Helena Schoen-Ferreira 3 Aline Hanazumi 4 Fernanda Senna Lobo 5Heloisa Galbiatti Abreu 6 Isabela Olszanski Acrani 7 Mrcia Regina Fumagalli Martelet 8

    ResumoO diagnstico precoce sempre um forte aliado na teraputica de qualquer patologia, inclusive em casos de retardo mental. Assim, pode-se planejar uma interveno mais adequada e efetiva, viabili-zando a insero social do indivduo. O objetivo deste estudo observar o quadro de Dificuldades de Aprendizagem como manifestao de Retardo Mental em dois irmos gmeos de 5 anos e 7 meses, cursando o Estgio II (srie que antecede o Ensino Fundamental em dois anos) de uma escola de rede pblica de ensino de So Paulo. Para a sua elaborao foram aplicados, nas crianas, testes do desenvolvimento em vrias reas e um teste de inteligncia, e realizadas entrevistas dirigidas com sua me e suas professoras. Desta forma, dispusemos de informaes acerca do desenvolvimento motor, psicolgico e social dos gmeos, as quais possibilitaro o acompanhamento dos quadros de maneira mais prxima do ideal.

    Palavras-chave: problemas de aprendizagem; retardo mental; educao infantil

    aBstRactThe early diagnosis is always a strong allied in the therapy of any pathology, including cases of mental retard. This way, a more appropriate and effective intervention can be planned, favouring the individuals inclusion on the society. The objective of this study is to observe cases of learning difficulties as a manifestation of mental retard in two twin siblings 5 years, 7 months old, coursing the Stage II (grade that precedes the fundamental education in two years) of a public school of So Paulo, Brazil. In order to conduct this study, development tests in several areas and intelligence tests were applied in the children, and interviews were conducted with their mother and teachers. This way, we got information about the motor, psychological and social development of the siblings, making it possible to accompany these cases closer to the ideal way.

    Keywords: mental retard, learning difficulties, kindengarden

    1 O presente trabalho foi realizado no curso de fonoaudiologia da Universidade Federal de So Paulo.2 The present work was done in the phonoaudiology course at the federal University os So Paulo.3 doutora em Cincias pela Unifest. e-mail: [email protected] Fonoaudilogas5 Idem6 Idem7 Idem8 Idem

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    intRoDuo Os problemas de aprendizagem es-colar so um transtorno referido com fre-qncia como obstculo para o desenvolvi-mento normal.

    Diversos estudos em clnicas-escola (Silvares, 1998; Schoen-Ferreira, Alves, Az-nar-Farias, Silvares, 2001) tm demonstra-do que o principal motivo que leva os pais a procurarem ajuda psicolgica para seus fi-lhos so problemas escolares. Estes podem variar de mau aproveitamento a problemas de comportamento, incluindo adaptao escolar.

    Os transtornos de aprendizagem so problemas neurolgicos que afetam a capa-cidade do crebro para entender, recordar ou comunicar informaes, maximizados por uma srie de comportamentos, tambm de base neurolgica. Dentre eles, temos: fraco alcance de ateno, dificuldade para seguir instrues, imaturidade social, difi-culdade com a conservao, inflexibilidade, problemas de planejamento e organizao mental, distrao, falta de destreza, impul-sividade e hiperatividade (Smith e Strick, 2001).

    Entretanto, nem todos os problemas que afetam crianas em escola podem ser diagnosticados como transtorno. Os Pro-blemas Gerais de Aprendizagem podem se manifestar de muitas maneiras, compro-metendo diversas reas, inclusive a cogni-tiva e social (Schoen-Ferreira, Alves, Aznar-Farias, 2004).

    Pelegrini e Golfeto (2000) propem uma classificao das dificuldades de aprendizagem: a) as desordens especifi-camente escolares; b) as decorrentes do potencial intelectual da criana; c) decor-rentes de um comprometimento da perso-nalidade, ainda em evoluo, associado a

    um conflito psquico; d) as por razes so-ciais (falta de continuidade de ensino, as mudanas de escola, a troca de professores e classes numerosas); e e) as associadas a outros distrbios (desateno, hiperativi-dade e dificuldade de conduta).

    Hbner e Marinotti (2000) tambm consideram diversos fatores para o fracas-so escolar, como a) quadros neurolgicos ou psiquitricos - sendo o retardo men-tal considerado em separado -; b) defasa-gem entre o repertrio individual e o n-vel de exigncia escolar; c) transtornos de aprendizagem;d) falhas no sistema educa-cional, entre outros.

    No conjunto de dificuldades de aprendizagem, incluem-se muitas vezes crianas com deficincias na rea cogniti-va. Se nos distrbios especficos de apren-dizagem ocorre a excluso dos indivdu-os com retardo mental, nas dificuldades de aprendizagem acaba-se incluindo um subgrupo de crianas com esse decrsci-mo. Garcia (1998) atenta para o seguinte: embora por definio as dificuldades de aprendizado no sejam frutos do Retardo Mental, da ausncia de escolarizao ou de problemas emocionais, esta questo da excluso fica matizada podendo dar-se o caso de co-ocorrncia de dificuldades de aprendizagem com outros transtornos do desenvolvimento, da personalidade ou da conduta.

    Ao avaliar-se a criana com suspeita de dificuldades de aprendizagem, essen-cial efetuar uma avaliao cognitiva. Essa incluso justifica-se, pois o insucesso em

    aprender, embora seja multideterminado, pode estar vinculado a dificuldades na rea cognitiva da criana, identificadas no modo como a criana busca, armazena, processa e utiliza informaes para resolver questes e problemas relativos aprendizagem.

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    Segundo o DSM IVTR (American Psychiatric Association, 2002), o Retardo Mental um dficit cognitivo. A caracte-rstica essencial da doena um funcio-namento intelectual significativamente inferior mdia (Critrio A), acompanha-do de limitaes significativas no funcio-namento adaptativo em pelo menos duas das seguintes reas de habilidades: co-municao, autocuidados, vida doms-tica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitrios, auto-su-ficincia, habilidades acadmicas, traba-lho, lazer, sade e segurana (Critrio B). O incio deve ocorrer antes dos 18 anos (Critrio C).

    H inmeras etiologias possveis para o Retardo Mental, e fatores como heredita-riedade, alteraes genticas, anormalida-des antes ou durante o parto e influncias scio-culturais parecem agir fortemente para o desenvolvimento do quadro, que se configura, assim, como o resultado da inte-rao de vrios processos patolgicos que alteram a funcionalidade do sistema nervo-so central (DSM IVTR, 2002).

    Em relao s caractersticas des-critivas e transtornos mentais associados, no h caractersticas de personalidade ou comportamento especficas do Retardo Mental. Os indivduos com RM podem ser vulnerveis a explorao por outros (por ex., sendo fsica e sexualmente abusados) ou sofrer a supresso de seus direitos e oportunidades (DSM-IVTR, 2002).

    A classificao da CID 10 (Organi-zao Mundial de Sade, 1993) para Re-tardo Mental a parada do desenvolvi-mento ou desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual, caracterizados essencialmente por um comprometimen-to, durante o perodo de desenvolvimen-to, das faculdades que determinam o nvel

    global de inteligncia, isto , das funes cognitivas, de linguagem, da motricidade e do comportamento social. O Retardo Men-tal pode acompanhar um outro transtorno mental ou fsico, ou ocorrer de modo inde-pendente.

    No somente o funcionamento in-telectual muito abaixo da mdia (dado por resultado em testes de QI inferior a 70 ou 75) o fator determinante para diagnstico do Retardo Mental. A capacidade adaptati-va do indivduo e suas habilidades sociais so elementos importantes a se conside-rar antes de classific-lo como portador de retardo mental (Bee, 2003). Dessa forma tambm, a Associao Americana de Defi-cincia Mental AAMD - conceitua Retardo Mental.

    Muitas vezes, a hiptese de RM s pensada quando do ingresso na escola, haja vista que muitas das habilidades nas quais o portador tem mau desempenho s so requeridas no ambiente escolar. Por ve-zes, inclusive, so dificuldades de relacio-namento e/ou aprendizagem que evocam a suspeita de uma patologia subjacente.

    De acordo com Rutter (1985), existe uma fase sensvel influncia do ambien-te no desenvolvimento cognitivo, situada no perodo pr-escolar. Para Marturano (2000), a influncia do ambiente familiar, no aprendizado escolar amplamente re-conhecida.

    O impacto positivo do ambiente fa-miliar sobre o desempenho escolar requer a combinao de dois fatores principais: experincias ativas de aprendizagem que promovam competncia cognitiva, um con-texto social que promova autoconfiana e

    interesse ativo em aprender.

    Cabanas (2005) considera a sala de aula um local heterogneo, que apresenta

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    de 5 a 15% de alunos com muita dificulda-de de acompanhar tarefas. Os alunos com Retardo Mental demoram a adquirir auto-nomia nas habilidades dirias, como abo-toar roupa, amarrar sapato, ir ao banheiro, guardar brinquedos. E tambm apresentam mais dificuldades em permanecer numa mesma atividade escolar pelo mesmo tempo que seus colegas. Necessitam, inclusive, de um currculo mais apropriado s suas ha-bilidades e possibilidades (Cabanas, 2005). Neste caso especfico, tarefas que visem de-senvolver a linguagem receptiva e expres-siva, a coordenao motora e habilidades sociais. Sternberg e Grigorenko (2003) en-fatizam a associao entre a linguagem oral e a escrita, considerando crianas de risco para a alfabetizao e seqncia escolar, aquelas que no conseguem desenvolver habilidades metalingsticas. Acreditam que o currculo anterior alfabetizao, na Educao Infantil, deve abranger ativida-des de conscincia fontica de modo mais sistematizado.

    Por meio deste estudo de caso, visa-mos descrever as caractersticas e manifes-taes do Retardo Mental e de alteraes de desenvolvimento que possam estar as-sociadas.

    mtoDo Participaram deste estudo duas crianas do sexo masculino, gmeos (aqui chamadas de Carlos e Alexandre), com 5 anos e 7 meses na ocasio da avaliao, suas professoras e sua me.

    Foram aplicados os seguintes ins-trumentos, alm da anamnese para coletar dados de desenvolvimento e da observao natural das crianas em sala de aula:

    a) Teste de Triagem Desenvolvimen-tal de Denver II (Frankenburg et al, 1990,

    adaptado por Pedromonico et al, 2002), avalia o desenvolvimento em diferentes reas (linguagem, motor fino adaptativo, motor grosso e pessoal-social.

    b) Teste de Vocabulrio por Imagem Peabody (Capovilla & Capovilla, 1997), instrumento de avaliao da linguagem receptiva.

    c) Child Behavior Checklist - CBCL - de 4 a 18 anos (Achenbach, 1991): lista para verificao de problemas de compor-tamento e habilidades sociais na percepo dos responsveis;

    d) Questionrio de Habilidades so-ciais Formulrio para pais de crianas da pr-escola 6 srie do Ensino Funda-mental (Gresham & Elliott, adaptado por Del Prette): lista de verificao de habilida-des sociais da criana, segundo seus res-ponsveis;

    e) Teacher`s Report Form - TRF for ages 1,5 5 (Achenbach, 1991): lista para verificao de problemas de comportamen-to e habilidades sociais na percepo dos professores, derivada do CBCL;

    f) Questionrio de Habilidades so-ciais Formulrio para professores de crianas da pr-escola 6 srie do Ensi-no Fundamental (Gresham & Elliott, 1990, adaptado por Del Prette): lista de verifica-o de habilidades sociais da criana, se-gundo o professor;

    g) Matrizes Progressivas e Coloridas (Raven, Raven & Court, 1988): avalia os processos intelectuais de crianas entre 5 e 11 anos.

    h) Bender (Clawson, 1992): instru-mento de avaliao da maturao percep-to-motora em diferentes reas.

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    PRoceDimento Foi solicitado a uma escola de Edu-cao Infantil da rede pblica de ensino de So Paulo que encaminhasse duas crianas com suspeita de dificuldades de aprendiza-gem. As professoras de Carlos e Alexandre, chamadas aqui de Ivone e Lara, respecti-vamente, relataram que ambos possuam dificuldades em acompanhar as atividades da classe.

    Realizou-se uma avaliao do desen-volvimento global das crianas na prpria escola onde cursam o Estgio II (srie que precede o incio da educao fundamental em dois anos), a partir da combinao das seguintes tcnicas: observao e aplicao de testes nas crianas, e entrevistas com pais e professores. Cada uma das crianas foi tambm observada em sala de aula.

    ResultaDos A escolha dessas tcnicas partiu da premissa que teramos uma imagem global da qualidade de desenvolvimento da crian-a ao avali-la nos vrios aspectos:

    a) Quanto coordenao motora fina, verificou-se um desempenho aqum do esperado em ambas as crianas, a par-tir dos resultados obtidos da avaliao com Denver II e Bender; os dois meninos foram incapazes de copiar o quadrado sem cru-zar linhas, e mesmo o crculo foi produzi-do inadequadamente. Depois de perseverar no desenho do quadrado, Carlos desenhou a figura humana; seu desempenho foi in-ferior ao do irmo, omitindo do desenho olhos, pernas e boca; ambos no uniram os membros ao tronco.

    b) Quanto coordenao motora grosseira, Carlos e Alexandre apresenta-ram um desempenho adequado faixa et-

    ria, segundo a observao em sala de aula e realizaram as provas esperadas para sua idade no Denver II, conseguindo equilibrar-se em cada p por mais de 6 segundos e executando a marcha ponta-calcanhar com sucesso.

    c) Quanto linguagem, ambos apre-sentaram mau desempenho nos testes Denver II e Peabody. O vocabulario deles encontra-se reduzido para a idade, eviden-ciando incapacidade de definir palavras, nomear cores, contar blocos e no uso de adjetivos. Carlos apresentou, tambm, tro-cas na fala.

    d) Quanto s habilidades sociais e comportamentais, partindo-se dos dados fornecidos pelas entrevistas com a me e professoras por meio dos questionrios de Habilidades Sociais, CBCL e TRF, Carlos e Alexandre apresentaram problemas nos relacionamentos sociais, de ateno e de natureza agressiva, de acordo com o pri-meiro protocolo. Segundo a percepo das professoras, Carlos manifesta isola-mento e problemas de ateno, enquan-to Alexandre, alm destes, manifesta comportamentos ansiosos, depressivos e agressivos. Foi assinalado, tambm, que se comportam de maneira infantil, falam mais alto que a maioria das crianas e no sabem esperar a vez.

    Ainda de acordo com as entrevistas realizadas, na percepo da me (CBCL), os gmeos so crianas dceis, atenciosas e autoconfiantes. Da mesma maneira, as professoras (TRF), tanto de Carlos como de Alexandre, os percebem como empticos, participativos e cooperativos, e procuram, sempre, a companhia dos colegas para exe-cutar qualquer atividade.

    e) Quanto capacidade cognitiva, no teste Matrizes Progressivas Coloridas (Ra-

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    ven), ambos apresentaram escores muito abaixo do esperado para sua idade, estan-do classificados no percentil < 5.

    A me, que aqui chamaremos Maria, relatou que os gmeos no apresentaram in-tercorrncias pr, peri ou ps natais, exceto pelo fato de que receberam alta da materni-dade somente aps 5 dias. Refere desenvol-vimento normal. Na residncia moram, alm da famlia nuclear, os avs maternos. Maria informou tambm, que as crianas sofrem maus-tratos por parte da av materna, so ofendidos e sofrem abusos fsicos. Ao ser questionada mais especificamente a respeito das punies verbais e fsicas inflingidas aos filhos, a me negou o fato.

    Quanto dinmica familiar, foram verificados problemas, especialmente, no que se refere ao relacionamento entre o ca-sal e os avs maternos, e deles com seus filhos. Os pais esto desempregados, sendo a renda da casa provida pelos servios es-pordicos que a me executa (lavadeira) e pela aposentadoria do av materno.

    Discusso A anlise dos testes foi somada realidade apresentada pelos agentes esti-muladores (representados, nesta instncia, pela me e pelas professoras dos gmeos) nas entrevistas e confrontadas entre si.

    A observao das crianas em seu ambiente natural permitiu fazer anotaes de campo sobre seu comportamento, visan-do correlacion-las s informaes colhidas com os testes e entrevistas padronizadas.

    Conforme a classificao do DSM-IVTR para Retardo Mental, Carlos e Alexan-dre se enquadraram em todos os critrios, apresentando um funcionamento intelectu-al inferior mdia, e limitaes em diversas

    habilidades: comunicao, habilidades so-ciais/interpessoais, uso de recursos comu-nitrios e habilidades acadmicas. A falta de habilidades comunicativas pode predispor os comportamentos diruptivos (deterioran-do seu relacionamento principalmente com seus pares) e agressivos que substituem a linguagem comunicativa (APA, 2002).

    A me ressaltou o fato de que am-bos so muito desatentos e incapazes de seguir ordens; insistiu que so impulsivos, agindo, por vezes, de maneira imprpria (principalmente, Alexandre: no controla a irritao em situaes de conflito). Por ou-tro lado, Maria referiu que ambos tm fa-cilidade para fazer amizades e so crianas felizes. Estas ltimas informaes destoa-ram do que disse a professora de Alexandre. Lara disse que seu aluno uma criana tris-te e que encontra dificuldades em estabele-cer vnculos de amizade, referindo-se, at, a um comportamento de rejeio por parte das outras crianas (os colegas s o pro-curam na hora da baguna sic). Ambas as professoras descreveram as crianas como inquietas e agitadas.

    As caractersticas comportamentais e inabilidades sociais trazidas por essas ob-servaes permitem-nos a constatao de uma correlao do quadro apresentado pelos gmeos com o que verificado, comumente em crianas com problemas escolares, co-ocorrendo com o Retardo Mental. Segundo Smith e Strick (2001), crianas com difi-culdades de aprendizagem podem ter uma ampla variedade de problemas comporta-mentais. mais difcil para pais e profes-sores lidarem com a inabilidade social das crianas com Retardo Mental do que com a lentido para o aprendizado.

    Dentre os recursos do ambiente fa-miliar que a literatura sugere como facili-tadores do desempenho escolar, podemos

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    citar: o envolvimento dos pais no processo de desenvolvimento dos filhos, a interao de pais-filhos e uso da linguagem no lar, alm de clima emocional positivo, prticas educativas e disciplina apropriada (Martu-rano, 2000). Esses recursos no foram ob-servados em relao a Carlos e Alexandre; os gmeos no recebem o acompanhamen-to da sua vida escolar de forma adequada, e parece no haver uma boa interao en-tre os familiares e as crianas.

    No que se refere ao uso da lingua-gem, ela no parece se dar no grau espe-rado, apesar do nvel de instruo paren-tal no ser to baixo (o pai completou o 2 grau e a me, o 1). Pelaz Beci (1999) indica como causas para o atraso da linguagem, entre tantas, o nvel social desfavorecido e situao gemelar. Associa-se, ainda neste caso, os baixos escores obtidos no teste de inteligncia.

    De acordo com o relato de Maria e das professoras, pudemos verificar que h

    problemas na estrutura familiar dos gme-os: os pais esto desempregados, h muitas brigas (entre os pais e os avs maternos), sendo eles privados de ateno especfica. Segundo Bee (2003), a etiologia do Retardo incorpora condies genticas e ambientais e, em quase todos os casos, os portadores vm de famlias com uma vida muito desor-ganizada ou onde existe privao emocional ou cognitiva. Famlias sob muito estresse, como o caso da famlia destes gmeos, tendem a utilizar mais a negligncia ou a punio como forma de educao de filhos. Este dado s agrava ainda mais a situao destas crianas que necessitam de muito apoio para seu desenvolvimento.

    A escola deve se preocupar com a formao humana e pessoal dos seus alu-nos (Cabanas, 2005), inclusive daqueles com necessidades especiais. Esta forma-

    o envolve a capacitao do indivduo de realizar-se em si mesmo e participar plena-mente da sua comunidade, dentro de suas limitaes e capacidades. Quanto mais a escola atende alunos com dificuldades, mais importante o seu papel de promover o desenvolvimento dos mesmos, pois, como neste caso especfico, a famlia no se en-contra em condies de ajudar seus mem-bros, necessitando ela mesma de apoio da escola para procurar ajuda para seus fi-lhos. Neste caso especfico, as questes que levam os gmeos a apresentarem dificulda-des na escola j estavam presentes muito antes de seu ingresso.

    A idia no diminuir os objetivos escolares, tanto formativos quanto instru-cionais, mas ser flexvel o suficiente para adapt-los s necessidades de seus alunos. Justamente por eles se apresentarem com menores condies de acompanhar as ati-vidades didticas que a escola deve primar por qualidade, pois, provavelmente, ela ser uma das poucas instituies sociais a receber e colaborar com o desenvolvimento destas crianas.

    O professor se encontra em grande dificuldade: pois atender s necessidades especficas de seus alunos demanda mais tempo por aluno, que lhe permitido ter. As classes municipais de Educao Infantil contam com 35 alunos matriculados. Car-los e Alexandre, alm de no conseguirem acompanhar as atividades da classe, as atrapalham com seus comportamentos ina-dequados para a sala de aula. Nesta hora, a Escola de Educao Infantil no parece ser um ambiente suficientemente bom para propiciar o desenvolvimento integral dos gmeos. Apesar do esforo de todo o cor-po docente, a estrutura educacional no se mostra eficaz para receber crianas com Re-tardo Mental. Como um atendimento mais personalizado no costuma ocorrer, acaba

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    no havendo uma verdadeira Incluso Es-colar: apenas um local onde o aluno que necessita de atendimento mais individuali-zado passa seu tempo, sem ser devidamen-te trabalhado nas suas capacidades e limi-taes. Como diria Gomes (2005), a escola acaba por relaxar os seus objetivos.

    Neste estudo de caso, diagnosticamos os dois alunos como portadores de Retardo Mental. Entretanto, saber da sua patologia no significa que o professor ou os pais a compreendam (Sternberg & Grigorenko, 2003). Uma boa formao do professor e a colaborao da equipe que fez o diagnsti-co fundamental para que a criana possa ter suas possibilidades ampliadas e suas limitaes trabalhadas. Por isso, incluso um fator motivante para o professor se aperfeioar e procurar novas alternativas de educao, podero contribuir para a me-lhora da qualidade do ensino ministrado a todos os alunos da Educao Infantil. E para as crianas com problemas se mostra um desafio positivo para desenvolver suas habilidades sociais e cognitivas. Alm dos mais, os pais podem sentir-se pressionados a tomar uma atitude que ajude seus filhos a superarem as dificuldades.

    Esta uma tarefa rdua demais para o professor cumprir sozinho. Necessita de apoio da escola e da comunidade. Faz-se necessrio a colaborao de diversos se-vios pblicos (educacionais, sociais e de sade), para que, juntos, possam fornecer o apoio necessrio para o desenvolvimento integral da criana.

    concluso A partir da avaliao realizada com as crianas Carlos e Alexandre, pudemos compilar dados referentes ao desenvolvi-mento psicomotor, da linguagem e de as-

    pectos scio-comportamentais. Com base nas avaliaes e na literatura revista, foi-nos possvel levantar a hiptese de Retardo Mental de gravidade leve.

    Tanto em relao ao Retardo Mental, quanto s dificuldades de aprendizagem, o diagnstico precoce fundamental, princi-palmente se este se der antes mesmo da alfabetizao formal. Dessa forma poss-vel traar um plano educativo que favorea o desenvolvimento de habilidades necess-rias a uma boa insero escolar e social. Um trabalho preventivo antes que a dificul-dade escolar se instale.

    Este estudo de caso denuncia a fra-gilidade em que se encontra a educao brasileira e permite uma reflexo sobre a poltica educacional de incluso, demons-trando a necessidade de novas posturas de atuao do professor dentro da sala de aula, e da escola como um todo, que permi-tam uma flexibilidade no trabalho, buscan-do os objetivos da educao: formar, infor-mar e transformar.

    Tambm demonstra a importncia da Educao Infantil, agora mais um nvel educacional que colabora com o desenvol-vimento do indivduo e tem a possibilidade de agir preventivamente, e no apenas de forma curativa. Os professores de Educa-o Infantil necessitam de melhor formao para poderem cumprir o papel que a socie-dade os encarregou.

    O nvel scio-econmico-cultural do indivduo portador de Retardo Mental e/ou Dificuldades de Aprendizagem bastante relevante para o prognstico desenvolvi-mental. Logo, um nvel mais baixo implica ao indivduo mais barreiras a transpor e, menos probabilidade de ele atingir um pa-tamar ideal de desenvolvimento. Entretan-to, cabe ao profissional dedicado habilita-o desses indivduos acreditar na ilimitada

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