diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino...

21
1 Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino superior: a situação brasileira Tania Mariza Kuchenbecker Rosing1 Quem lê sem separar aquilo que, nele, também é espectador e internauta, lê – e escreve – de uma maneira enviesada, incorreta para os adeptos da cidade letrada. Por acaso, quando não existiam televisores, nem computadores, havia uma maneira normal de ser leitor? Não se lê da mesma forma a Cervantes, Kafka, Borges, Chandler, Tolstoi, Joyce, nem eles, que puseram tantas personagens a ler, as imaginaram idênticas, mostra Ricardo Piglia em seu livro O Último Leitor. Qual crítico contemporâneo – nem mesmo os defensores de algum cânone – iria pretender que existe uma única maneira de ler esses autores? (Canclini, 2008, p. 59)2 Uma obrigação? o ingresso do aluno do Ensino Médio no Curso Superior Embora haja um esforço de um grande número de professores do Ensino Médio em tentar explicitar o objetivo desse nível de ensino como uma preparação para o mundo do trabalho, é voz corrente entre os jovens o desejo de saírem desse nível de estudos para cursarem uma faculdade, tornando-se, assim, diferenciados mediante a inserção no mundo universitário. A aquisição de conhecimento pode ser desenvolvida em sala de aula, na biblioteca, por meio do computador, nos tablets, sempre a partir de um processo interativo, usando as múltiplas mídias, de forma não linear. O exame vestibular é o grande obstáculo a ser transposto pelos jovens estudantes quando entendem que o sucesso profissional somente será conseguido à medida que freqüentarem cursos de nível superior. Se a condição para acesso ao curso superior é passar pelo vestibular, pode- se inferir que tal situação implica estarmos diante de jovens proficientes na leitura e na escrita, o que pode ser constatado, mais claramente, entre os candidatos a cursos da área da saúde – medicina, o mais procurado – ou entre os candidatos à área de ciências exatas - engenharias. Estas são as áreas preferidas por um número muito significativo de alunos, podendo se constituir o exame vestibular num processo de seleção dos melhores candidatos. Não podemos esquecer que existe o sistema de quotas em universidades federais reservadas aos negros, entendidos como integrantes das minorias sociais, o que põe, lado a lado, alunos bem preparados e alunos analfabetos funcionais, analfabetos culturais (tem-se notícias de programas de reforço aplicados aos alunos quotistas em instituições de ensino superior federais, tentando elevar sua capacidade de leitura e de escrita nos primeiros níveis de cursos superiores, realidade esta que não pode ser tratada como discriminação, mas como compromisso com a qualificação do ensino e do alunado). 1. Professora da Universidade de Passo Fundo/RS/Brasil. Pesquisadora Produtividade do CNPq na área de Leitura e Formação do Leitor. Criadora e coordenadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo. 2. Canclini, 2008, p. 59

Upload: phungtram

Post on 28-Jan-2019

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

1

Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino superior: a situação brasileira Tania Mariza Kuchenbecker Rosing1

Quem lê sem separar aquilo que, nele, também é

espectador e internauta, lê – e escreve – de uma maneira enviesada, incorreta para os adeptos da cidade letrada. Por acaso, quando não existiam televisores, nem computadores, havia uma maneira normal de ser leitor? Não se lê da mesma forma a Cervantes, Kafka, Borges, Chandler, Tolstoi, Joyce, nem eles, que puseram tantas personagens a ler, as imaginaram idênticas, mostra Ricardo Piglia em seu livro O Último Leitor. Qual crítico contemporâneo – nem mesmo os defensores de algum cânone – iria pretender que existe uma única maneira de ler esses autores?

(Canclini, 2008, p. 59)2

Uma obrigação? o ingresso do aluno do Ensino Médio no Curso Superior Embora haja um esforço de um grande número de professores do Ensino Médio em tentar explicitar o objetivo desse nível de ensino como uma preparação para o mundo do trabalho, é voz corrente entre os jovens o desejo de saírem desse nível de estudos para cursarem uma faculdade, tornando-se, assim, diferenciados mediante a inserção no mundo universitário. A aquisição de conhecimento pode ser desenvolvida em sala de aula, na biblioteca, por meio do computador, nos tablets, sempre a partir de um processo interativo, usando as múltiplas mídias, de forma não linear.

O exame vestibular é o grande obstáculo a ser transposto pelos jovens

estudantes quando entendem que o sucesso profissional somente será conseguido à medida que freqüentarem cursos de nível superior.

Se a condição para acesso ao curso superior é passar pelo vestibular, pode-se inferir que tal situação implica estarmos diante de jovens proficientes na leitura e na escrita, o que pode ser constatado, mais claramente, entre os candidatos a cursos da área da saúde – medicina, o mais procurado – ou entre os candidatos à área de ciências exatas - engenharias. Estas são as áreas preferidas por um número muito significativo de alunos, podendo se constituir o exame vestibular num processo de seleção dos melhores candidatos. Não podemos esquecer que existe o sistema de quotas em universidades federais reservadas aos negros, entendidos como integrantes das minorias sociais, o que põe, lado a lado, alunos bem preparados e alunos analfabetos funcionais, analfabetos culturais (tem-se notícias de programas de reforço aplicados aos alunos quotistas em instituições de ensino superior federais, tentando elevar sua capacidade de leitura e de escrita nos primeiros níveis de cursos superiores, realidade esta que não pode ser tratada como discriminação, mas como compromisso com a qualificação do ensino e do alunado). 1. Professora da Universidade de Passo Fundo/RS/Brasil. Pesquisadora Produtividade do CNPq na área de Leitura e Formação do Leitor. Criadora e coordenadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo. 2. Canclini, 2008, p. 59

Page 2: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

2

Considerando que os cursos onde se constata uma grande procura somente podem atender a um número reduzido de alunos, há um contingente expressivo de jovens que se dirigem a outras áreas do conhecimento para realizar a formação profissional.

A pergunta que se impõe imediatamente é a seguinte: São esses jovens que buscam sua formação em cursos de licenciatura, entre tantos outros, proficientes na leitura e na escrita? Que interesses de leitura apresentam? Que experiências de escrita revelam? Há que se considerar o século, XXI. O ano, 2011. Podemos inferir que estamos diante de jovens leitores, espectadores e internautas. O que lêem, o que apreciam na televisão, com que conteúdos interagem na tela do computador, dos tablets é outro foco de investigação, embora não se possa desconhecer que o fazem de um modo diferente do reconhecido e desejado há alguns anos. Podemos afirmar que esses jovens praticam a leitura e a escrita quando usam a internet para realizar tarefas solicitadas na escola, ou na universidade, para informar-se, para enviar ou receber mensagens, para ouvir música, jogar, comunicar-se pelas redes sociais. Canclini (2008) adverte para o surgimento de uma nova realidade:

“Certos setores procuram êxito social a partir de recursos diferentes dos da cultura letrada. Outros recolocam as publicações em circuitos e modos de informação diferentes, nos quais não se lê menos, mas sim, de outra maneira. Os jornais diminuem a tiragem, mas centenas de milhares os consultam por dia na internet. Diminuem as livrarias, mas aumentam os cibercafés e os meios portáteis de enviar mensagens escritas e audiovisuais. (p.58)3

A proposição de Canclini demonstra uma variedade de espaços de leitura e de escrita, de propósitos de leitura e de escrita, de jeitos novos nas práticas de leitura e de escrita empregados pelos jovens.Esse posicionamento encontra defesa, também, nas investigações desenvolvidas pelo pesquisador holandês Wim Veen(2009)4 ao denominar Homo zappiens à geração de jovens nascida a partir de 1990:

“Essa geração, que chamamos Homo zappiens, cresceu

usando múltiplos recursos tecnológicos desde a infância: o controle remoto da televisão, o mouse do computador, o minidisc e, mais recentemente, o telefone celular, o iPod e o aparelho mp3. Esses recursos permitiram às crianças de hoje ter controle sobre o fluxo de informações, lidar com informações descontinuadas e com a sobrecarga de informações, mesclar comunidades virtuais e reais, comunicarem-se e colaborarem em rede, de acordo com suas necessidades.” (p. 12)

Estamos vivendo um outro momento e uma outra realidade especialmente entre crianças e jovens. Não podemos simplesmente desconsiderar essas novas modalidades de leitura e de escrita emergentes do contexto das inovações tecnológicas. Em relação à leitura, o saudosismo do envolvimento com o livro impresso, com as possibilidades de fazer anotações em suas margens passa a 3. Idem, p. 58. 4. Veen, 2009, p. 12.

Page 3: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

3

relativizar-se à medida que, hoje, essa leitura pode ser feita de outros modos nos meios eletrônicos, escrevendo e reescrevendo, fazendo alterações no enunciado. No passado, não podíamos mudar o enunciado do texto. Em tempos de internet, de tablets, o leitor pode interagir no texto eletrônico, apagando palavras, fragmentos, fazendo deslocamentos, inserindo novas palavras, novas expressões, manifestando sua subjetividade no texto numa perspectiva de escrita cooperativa. É um novo mundo que se apresenta a distintos públicos, na escola, na universidade, no mundo do trabalho. Urge que nos preocupemos com a superficialidade com que são tratados os diferentes assuntos em discussão nesses meios, embora esse espaço seja extremamente dinâmico, oferecendo possibilidades infinitas de interação, de comunicação. As redes sociais, os blogs, os sites estimulam a interatividade, possibilitam o compartilhamento de fotografias, vídeos..., passando a constituir-se num espaço de convergência das mídias onde, segundo Jenkins (2008)5,

“A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana.” (p. 28)

Nessa condição, constatamos, também, um reforço à importância da escrita colaborativa. Os internautas leem, pesquisam, produzem textos, criam linguagem codificada. As tecnologias digitais abrem possibilidades para serem combinadas múltiplas mídias portanto, podendo, inclusive, apresentar conteúdos que trabalham com a multiplicidade de sentidos humanos.

Estamos constatando que tipo de aluno está ingressando no curso superior. Embora estejamos preocupados com o envolvimento de cada um com textos literários, estamos cientes de que o espaço da leitura literária na escola não é suficiente para formar leitores literários. Nem no espaço da universidade. Os professores com os quais os alunos se relacionam em sala de aula não são, em sua maioria esmagadora, leitores, não se constituem, portanto, em exemplos a serem seguidos em termos da relação com materiais de leitura literária. Esses profissionais da educação não estão curtindo os livros impressos, nem os gêneros digitais, considerando que número significativo desses professores ainda não domina ferramentas eletrônicas.

Estamos diante de crianças e de jovens cujos pais, ou mesmo cuidadores, também não são leitores, não estão preocupados com a formação plena de seus filhos, deixando à escola a missão de educar as novas gerações. Não se constituem em exemplos de leitores que possam ser imitados por seus filhos. Não se constituem em exemplos de pessoas que praticam hábitos de higiene para serem imitados. Não são sujeitos que se preocupam com cuidados preventivos de sua saúde, não podendo, por isso mesmo, serem imitados. Não se comprometem com uma alimentação sadir e, por isso mesmo, não servem de exemplo a seus filhos. Estamos constatando, ao lado das condições da família, as condições das escolas em relação ao exame vestibular, só para tratar de uma situação: os conteúdos solicitados nessa prova são trabalhados em sala de aula e os que não fazem parte do programa, desaparecem do espaço escolar, da preocupação dos docentes, dos pais. Assim, sempre quem sai perdendo é o aluno.

O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – criado para avaliar o desempenho dos alunos que concluem esse nível de ensino, tem sido outro

5. Jenkins, 2008, p.28

Page 4: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

4

obstáculo a ser vencido no ingresso ao ensino superior. Em 2009, esse exame passou a ser utilizado como um critério de seleção para o ingresso no ensino superior, substituindo ou complementando o vestibular, assumindo uma dimensão seletiva, em vez de avaliativa. É uma forma de democratizar o acesso às vagas federais de ensino superior, provocando, inclusive, mudanças nos currículos do Ensino Médio.

Em relação à literatura, pesquisa desenvolvida por Fischer(2011)6 e seu

grupo de investigadores, de um total de 1233 questões de todas as provas do Enem, desenvolvidas entre 1998 a 2010, apenas 164 envolvem literatura, das quais 50% podem ser consideradas questões de literatura stricto sensu (história da literatura, análise formal do texto literário, interpretação do texto literário, figuras de linguagem, ou seja, questões que normalmente são encontradas nas provas dos melhores vestibulares). Dentre os resultados importantes e ao mesmo tempo assustadores da investigação, merece destaque o levantamento de quais questões, entre as que envolvem literatura, prescindiriam do ensino dessa disciplina, ou seja, quais poderiam ser respondidas sem que o aluno tivesse assistido a uma única aula de literatura na vida.

O dado encontrado revela que as aulas de literatura são dispensáveis para responder cerca de 80% das questões. Isso porque a maioria das questões do Enem só exige do aluno interpretação direta de um texto dado: nada de relações históricas entre autores ou períodos literários, de contextos estéticos, ou pelo lado da leitura da tradição literária em si, isto é, das linhagens de gênero e tema, os romances, os contos, a poesia épica, a literatura nacionalista, etc. Esta situação pode ser entendida como desastrosa, considerando que as aulas de literatura no ensino médio constituem a única porta de entrada do aluno para as manifestações culturais e artísticas. Essas condições permitem que estejamos preocupados com os jovens que ingressam no ensino superior, lendo e escrevendo, mas demonstrando uma superficialidade na interpretação de diferentes conteúdos, dificuldades na escrita, dificuldades que se manifestam, ainda, na elaboração de frases, em aspectos ortográficos, e o que é pior, empregando um vocabulário reduzido. Esses jovens não se relacionam, mesmo em meio eletrônico, com editoriais de grandes jornais, não lêem artigos importantes apresentados em revistas semanais, não têm contato com música de qualidade, mesmo em se tratando de música popular, não estão acostumados a visitar museus, a elaborar um juízo sobre obras de arte, sobre manifestações culturais e artísticas as mais diversas, entre as quais o teatro, além de um número muito expressivo não possuir condições de desenvolver uma cultura de viagens.

Que trajetória está sendo percorrida por esses jovens que buscam um espaço de formação na universidade? Precisam relacionar-se com que tipo de docente para desenvolverem-se como cidadãos? Não podemos deixar de enfatizar que esses docentes precisam constituir-se em intelectuais, cujo conhecimento humano tem suas bases na Filosofia, nas Ciências Sociais. Sem esse embasamento, são meros repassadores de conteúdos específicos, incapazes de se constituir num exemplo de profissional com perfil intelectual, uma vez que desconhecem não

6. Fischer, 2011, p. 08

Page 5: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

5

apenas as bases da Filosofia, das Ciências Sociais, da Antropologia, mas a natureza das manifestações da cultura letrada, alienando-se do processo de formação integral de um profissional que possa ser imitado por seus alunos como um intelectual disposto a transformar o seu entorno, engajado, portanto. Num país como a Noruega, O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder (1995),7 é encontrado no setor de livros infantis e juvenis em livrarias e bibliotecas, inferindo-se dessa situação quais são as bases da formação dos jovens noruegueses. Diante desse realidade, podemos perguntar quantos professores universitários têm em sua formação fundamentos filosóficos, antropológicos? Quantos já leram obras dos grandes pensadores, ou mesmo O Mundo de Sofia? Em se tratando de estudantes de Letras, ou se tomada a área das licenciaturas, focadas na formação de professores, em que se constitui a formação intelectual desses profissionais? Entre os alunos de Letras, sua formação intelectual inclui conhecimentos lingüísticos, literários, de outras línguas e de outras culturas somente para citar uma parcela do que devem dominar.

Acrescentando-se a esse contexto, o domínio de ferramentas eletrônicas na

leitura desenvolvida por jovens, assume importância significativa a presença dos hiperlinks que são, efetivamente, uma ponte, um elo entre hipertextos eletrônicos de temáticas idênticas ou semelhantes, cuja ligação (interconexão) é determinada pelo autor da página por meio de uma palavra. Segundo Hayles (2009),

“Os primeiros teóricos do hipertexto, George Landow e Jay David Bolter, salientaram a importância do hyperlink como um traço distintivo da literatura eletrônica, extrapolando da habilidade de leitor de escolher que link seguir, para fazer alegações extravagantes sobre hipertexto como um todo liberador que transformaria dramaticamente a leitura e a escrita e, implicitamente, os espaços em que essas atividades são importantes, como a sala de aula de literatura.”(p.43)

Através dos hiperlinks e de seu repertório pessoal o leitor participa da construção da significação que o texto assume, tornando assim cada leitura uma construção particular. Lévy (1996)8 observa a leitura na virtualidade da seguinte forma:

“Enquanto dobramos o texto sobre si mesmo, produzindo assim sua relação consigo próprio, sua vida autônoma, sua aura semântica, relacionamos também o texto a outros objetos, a outros discursos, a imagens, a afetos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui.”(p.38)

Uma oportunidade: a formação intelectual de estudantes universitários Ao tratar da experiência intelectual, o filósofo francês Edgar Morin (2002)9 em seu livro Meus Demônios, pergunta: “O que é um intelectual? Quando nos tornamos intelectuais?” Ele mesmo responde dizendo que somos intelectuais no momento em que “tratamos dos problemas humanos, morais, filosóficos e 7.Gaarder, 1995. 8. Lévy, 199 9. Morin, 2007, p. 216-219

Page 6: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

6

políticos” e não porque temos um grande conhecimento científico ou humanístico. Para Morin (2002: 205), “o termo intelectual tem uma significação missionária, divulgadora, eventualmente militante”. Ao finalizar essas ponderações, ao apresentar os dez itens que integrariam o perfil dessa “missão”, Morin permite que nos debrucemos sobre a seguinte declaração: “A consciência de que o intelectual é ator que ultrapassa a alternativa entre o engajamento e a torre de marfim, no jogo da verdade e do erro, está no centro do jogo da história humana.”(p.216-19) Ao refletir sobre as ponderações do reconhecido filósofo francês, o também reconhecido linguista brasileiro Marcuschi ( )10 entende que essa é a clássica visão humanista e antropológica do intelectual combativo, não mais defendida na atualidade. Ao mesmo tempo em que se recusa a situação do sujeito encastelado na torre de marfim, ocorre a recusa do sujeito somente engajado. Há que se equilibrar essas duas condições num momento em que pouco ou nada se fala sobre a formação intelectual, desaparecendo, inclusive, o uso da palavra intelectual. Refere, ainda, o linguista sua inquietação sobre a formação do “intelectual de Letras”, considerando que o aluno de Letras ocupa-se, além dos conteúdos referidos, com diferentes literaturas, passando pela língua portuguesa, por línguas estrangeiras, pela linguística e suas subáreas, sem deixar de lado a necessária formação política, social e cultural:

“Visto assim, o estudante de Letras afigura-se um forte candidato a generalista, o que não é verdade se observarmos a realidade atual com a exigência de especialização. Além do mais, é óbvio que não se pode mais ser um humanista clássico, formado nos cânones do século XVIII e XIX. Assim, precisamos identificar o que se pode entender com uma “formação intelectual do profissional de Letras”, tendo o cuidado de evitar a sugestão de um catálogo de obras clássicas ou saberes tradicionais acumulados que deveriam ser dominados, pois acredito que o intelectual não é aquele que domina muitos saberes, mas aquele que lida bem com os saberes que domina. O mundo atual está cada vez mais interdisciplinar, multidisciplinar.

. Quando se fala da formação de um intelectual, incluindo como conteúdo as mudanças provocadas pelas inovações tecnológicas, que determinam o domínio dessas ferramentas além do simples uso das mesmas, olhando seus conteúdos, sua estruturação hipertextual e hipermidial, com um olhar ainda mais crítico, considerando a autonomia que as mesmas representam para cada leitor em formação, todos esses aspectos não se equivalem apenas ao domínio de conteúdos cada vez mais abrangentes. Assume importância maior desenvolver entre esses jovens em formação uma autonomia, um pensamento crítico, um compromisso com a ética em se tratando de cidadãos que precisam ser competentes em suas atuações permanentes na sociedade. Preconiza Marcuschi (------) que “Ser competente significa tanto estar apto do ponto de vista dos conhecimentos necessários como estar maduro do ponto de vista da ação sociopolítica.” Essa aptidão de que trata o linguista precisa ser bem maior, uma vez que é necessário a esse intelectual estar conectado com o universo apresentado pelas inovações tecnológicas, capaz de posicionar-se criticamente diante da vida, das possíveis 10. Marcuschi (-----) Ver site A formação do intelectual de Letras

Page 7: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

7

transformações a serem feitas na sociedade em função de tantas possibilidades de interação com os diferentes atores sociais.

Nesse alargamento de conteúdos, faz-se necessário reiterar a necessidade de

esse intelectual em formação entrar em contato com a natureza das manifestações artísticas e culturais – música, pintura, escultura, teatro, dança, arquitetura, fotografia - , contato esse que pode ser presencial em casas de espetáculos, em bibliotecas, em museus, por meio impresso, ou em espaços digitais, entendê-las, apreciá-las e o que é mais esperado, ter a competência de emitir juízos sobre as mesmas ao lado do domínio específico que têm de um determinado conteúdo em sua especificidade. Essas condições não são próprias dos professores em geral, e o que é pior, de um número muito grande de docentes que atuam na diversidade dos cursos de nível superior. Um novo jeito de ler e escrever na escola e na universidade: a efetiva interlocução

Se a leitura e a escrita são pressupostos para o desenvolvimento do estudante universitário, é necessário lembrar que esses jovens não desenvolveram no Ensino Fundamental nem no Ensino Médio um comportamento leitor, muito menos um comportamento de produção de textos de característicos de distintas tipologias. Paralelamente a esse resultado, também utilizaram, no contexto escolar, a escrita como atividade obrigatória e para resolver testes de avaliação. Não tiveram a oportunidade de ler por prazer, nem de escrever por prazer, de ter contato com o universo da língua, propiciando o desenvolvimento da linguagem, o desenvolvimento do gosto pessoal pela manifestação escrita, a oportunidade de explicitarem o que pensam, o que sentem.

As indicações de leitura e as solicitações de escrita não são apresentadas com objetivos a serem alcançados, onde possam visualizar desenvolvimento aliado à satisfação pessoal pelo ato de ler e de escrever. Essa realidade tende a se repetir no ensino universitário, considerando a indiferença de professores pela leitura e pela escrita como situações comunicativas, de significação pelo leitor e produtor de textos. Nessa condição, podemos entender por que esses jovens apreciam sobremaneira comunicar-se pelas redes sociais, onde encontram vários interlocutores, com distintos olhares, dispensando-os do enquadramento escolar, no primeiro momento, onde o único interlocutor é o professor e seus estereótipos, impositor de determinados usos e enquadramentos da linguagem. Esse ato solitário se alarga para uma manifestação solidária de um para muitos, de muitos para muitos.

Ao buscarmos uma interlocução com Bakhtin (1995)10 nesta perspectiva, podemos entender que:

“A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social de interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (p.123)

Essas considerações implicam o entendimento do necessário trabalho com o

texto, oportunidade que permite o uso efetivo da língua como prática de linguagem exitosa, a partir do entendimento de seus mecanismos estruturais e da

Page 8: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

8

10. Bakhtin, 1995, p.205

multiplicidade de significados que pode produzir. Tais premissas focalizam o uso da linguagem como forma de os sujeitos interagirem e produzirem sentido frente ao(s) interlocutor(es). Precisamos, para tanto, entender que o uso da linguagem acontece em determinadas condições de produção de um discurso num determinado contexto social, histórico e ideológico, agindo sobre o(s) interlocutor(es).

Se o professor é importante nesse processo, precisa assumir novos comportamentos ao mediar a relação dos alunos com a leitura e a escrita e suas ações sobre os interlocutores que pretendem atingir, atuando efetivamente como educador e intelectual, constituindo-se exemplo a ser imitado, orientando seus alunos, mostrando patamares de um leitura e de uma escrita qualificadas, estimulando-os a alcançarem novos objetivos que os distinguirão na vida em sociedade. A competência do professor propicia as condições de esclarecer seu(s) aluno(s), definir as normas que garantem o desempenho mínimo esperado na escrita, revisar os resultados, solicitar a formulação de novos parágrafos, textos sem esquecer-se de elogiar criticamente, estimulando a novas tentativas no contexto da diversidade das tipologias textuais, convencendo-o positivamente a ser um produtor do seu próprio texto e leitor do mesmo. Dessa forma, o professor poderá, inclusive, estimular a ampliação das expectativas dos alunos em termos da oferta de uma diversidade de livros a serem significado pela leitura. Para Marcuschi (---------)11, no que diz respeito à formação do intelectual da área de Letras:

“Antes de mais nada, gostaria de frisar que somos sujeitos lingüísticos e lidamos com sujeitos linguísticos, seja como educadores, pesquisadores e cidadãos. E como profissionais de Letras, fazemos isso de uma forma muito especial. Lidamos com a linguagem − que é o maior empreendimento coletivo de socialização e produção de conhecimento da humanidade −, e nossa formação intelectual deveria ser dotada de sensibilidade para as manifestações linguísticas em todas as suas extensões − artística, estética, científica, filosófica etc. −, pois a linguagem, no entender de Norman Fairclough (2001), é um dos mais poderosos instrumentos da prática social e ação política. Entender essa força da linguagem na construção da vida e do mundo social e cultural é vital para a formação intelectual do profissional de Letras. Só assim elepoderá operar criticamente com esse poderoso instrumento cognitivo e sociopolítico da maior importância chamado linguagem”.

Acrescentam-se a essas ações transformadoras da sociedade pelo intelectual propriamente dito e não por uma visão caricatural e mesquinha do mesmo não apenas da área de Letras. No verdadeiro intelectual pode-se encontrar a competência de construir o conhecimento e desconstruí-lo pelo efetivo uso da linguagem numa perspectiva analítica e sempre dialógica. 11. Marcuschi, _________

Page 9: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

9

A questão central à qual nos dedicamos aqui − que tipo de intelectual deveria ser um intelectual de Letras? − mostra que não há algum tipo de indicador único e indiscutível para se identificar um intelectual de Letras. Também não há um cabedal canônico de conhecimentos que um profissional de Letras deveria dominar incondicionalmente. Mas há uma série de aspectos que devem ser considerados e todos eles giram em torno da linguagem, seus problemas e sua circulação social. Minha sugestão básica é: voltemos a aprender a pensar. E para isso, será útil a introdução de disciplinas filosóficas nos currículos de Letras. Não acredito que os documentos oficiais lançados pelos sucessivos planos governamentais federais, estaduais e municipais tenham a melhor solução. Se dermos atenção ao que preceituam os Parâmetros Curriculares Nacionais como normativos para a formação intelectual do aluno de Letras, transformaremos todos os nossos alunos de Letras em bons profissionais do ensino com um conjunto muito interessante de habilidades práticas e teóricas, mas deixaremos de lado inúmeras outras. O mal está em imaginarmos a possibilidade de fórmulas, quando a melhor saída está na discussão permanente e na continuada revisão em perfeita sintonia com as necessidades de seu tempo. A melhor formação intelectual, seja em que área for, continua sendo a formação crítica para uma ação ética responsável na vida social. Uma aprendizagem mais reflexiva: o letramento acadêmico (leitura e escrita na universidade Supomos que dificuldades de leitura e de escrita entre estudantes universitários só acontecem nas instituições de ensino superior brasileiros. O problema não é apenas das universidades brasileiras. O letramento acadêmico se faz necessários por todos os lugares., considerando que a sociedade está mudando seu modo de considerar a aprendizagem. Precisamos inovar as estratégias de letramento: a simples recepção de informações está sendo substituída por novas formas de comunicação. O que caracteriza o jogo, o brincar está na base das novas formas de aprender e de reter o aprendido. Na entrevista concedida à Prof. Dr. Flávia Brocchetto Ramos e à mestranda Vânia Marta Espeiorin, traduzida pela mestranda Cristina M. Pescador, o linguista norte-americano David Russel, professor de Inglês Universidade de Iowa , fala sobre os desafios do ensino de leitura e escrita na universidade. Com mestrado e doutorado pela Universidade de Oklahoma, investiga questões de escrita profissional, instrução para escrita internacional e a história da escrita na educação, sustentando esses estudos na teoria da atividade histórico-cultural de Vygotski e a teoria dos sistemas de gênero. Mais recentemente, tem desenvolvido estudos online no projeto MyCase, uma base de dados que possibilita a geração de estudos de casos com base na WEB por equipes multidisciplinares. Entre suas investigações inclui estudos de caso multimídia online como ambientes onde se escreve para aprender. Defende a língua como um instrumento de aprendizado, em que os alunos examinam, organizam, analisam e sintetizam ideias. Ainda segundo o pesquisador, cabe ao professor refletir sobre as habilidades que deseja auxiliar os alunos a desenvolver e explicitar-lhes os objetivos das atividades, de forma que a escrita não seja ensinada como uma receita ou fórmula, mas como um repertório de estratégias de comunicação. Russel lembra que a escrita está impregnada nos mais diversos sistemas de atividades, e que o ato de escrever é, ao mesmo tempo, individual e coletivo, pois pressupõe reflexão pessoal, auto-organização e interação intelectual entre sujeitos. Para David Russel, a escrita “não é uma habilidade

Page 10: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

10

generalizável que se aprende de uma vez por todas, mas uma conquista ou feito que pode ser desenvolvido, que requer muita prática”. 242 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 241-247, maio/ago. 2009

1) Que aspectos diferenciam a leitura e a escrita no Ensino Médio e no Superior? A escrita na universidade é algo bastante especializado, muito mais especializado do que na escola secundária. Os alunos devem aprender a usar vocabulários especializados (com frequência, passamos boa parte de uma disciplina introdutória [dada] na universidade, ensinando terminologia e conceitos). No entanto, eles também precisam aprender novos gêneros ou formas, aqueles que sejam apropriados à pesquisa em determinado campo, pelo menos em níveis mais avançados de educação superior. Algo que liga a escrita à educação secundária e à superior é a avaliação. Em geral, se usa o escrever para exibir a aprendizagem, a última parte do processo de aprendizagem, tanto na educação secundária quanto na superior. Mas essa é apenas uma função e se focarmos nossa atenção na avaliação (notas) isso pode nos afastar das outras funções. 2) Quais são as funções da escrita acadêmica na formação universitária? A escrita, tanto na educação secundária como na superior, funciona principalmente para mostrar a aprendizagem, e o professor exerce o papel de examinador quando lê. Mas, naturalmente, essa não é a única função possível. Uma das metas dos esforços da proposta de “Writing Across the Curriculum (WAC)”,1 nos EUA e em outros países , é a de fazer com que os alunos escrevam com o propósito de aprender – examinando e manipulando ideias, sintetizando, analisando, explorando. Às vezes, essa escrita pode ser formal, às vezes, 1) What are the aspects that differentiate reading and writing in secondary school and Higher Education?* Writing in university is quite specialized, much more specialized than in secondary school, typically. Students must learn specialized vocabulary (often much of an introductory university course is spent teaching terminology and concepts). But they must also learn new genres or forms, those appropriate to research in a field, at least at the upper levels of higher education. But something that links writing in secondary and higher education is assessment. Writing is usually used to display learning, the last part of the process of learning, in both secondary and higher education. But this is only one function, and focusing on assessment (grades) can distract us from the other functions.

Page 11: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

11

2) What are the functions of academic writing in college education? Writing in both secondary and higher education functions primarily to display learning, and the teacher is in the role of examiner when reading. But this is not the only possible function, of course. One of the goals of the writing-across-thecurriculum efforts in the U.S. and other countries is to have students do writing for the purpose of learning–examining and manipulating ideas, synthesizing, analyzing, exploring. Sometimes this writing will be formal, sometimes informal, sometimes assessed (graded) and sometimes * Tradução de Cristina M. Pescador Conjectura, Flávia B. Ramos et al., v. 14, n. 2, maio/ago. 2009 243 informal, às vezes, avaliada (com nota) e, às vezes, não. Com essas outras funções, o professor pode exercer outros papéis além de examinador, papéis tais como o de professor (treinador, explicador, crítico encorajador, etc.). No final, a escrita pode funcionar como um meio de fazer com que os outros mudem de opinião, seus conhecimentos, valores, etc.; em outras palavras, a escrita pode atender ao objetivo da comunicação. 3) Você afirma que a escrita acadêmica é distinta em diferentes disciplinas. Seria tarefa de cada docente/área ensinar a escrever na sua disciplina/área? Sim, é a responsabilidade que o professor tem de ensinar os alunos a comunicar o conhecimento em sua área para sua área. Se os alunos não conseguem comunicar o que sabem, não é possível afirmarmos o que é realmente conhecido e sabido por eles. 4) Como amenizar a distância entre o texto produzido pelo aluno e a demanda realizada pelo professor? Eu diria: para começar falando com os colegas que fazem parte do seu próprio currículo ou curso! É uma coisa fascinante poder sentar com os colegas, formal ou informalmente, e perguntar: “O que queremos que nossos alunos sejam capazes de fazer em termos de comunicação quando eles saírem de nosso programa de graduação?” E então perguntar, se possível, a outros colegas, como queremos que cada disciplina contribua para isso. No meu trabalho, no meu próprio departamento e em consultorias a outros departamentos, essas conversas parecem se voltar rapidamente a questões referentes aos tipos not. And with these other functions, the teacher may play other roles besides examiner, roles such as, well, teacher (coach, explainer, supportive critic, etc.). Finally, writing can function as a means of changing

Page 12: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

12

others’ views, knowledge, values, etc. In other words, writing can serve the purpose of communication. 3)You claim that academic writing is different in different areas. Would you say it is up to each teacher/professor to teach how to write in their specific areas or fields of study? Yes, it is the responsibility of the teacher to teach the students to communicate knowledge of their field and in their field. If students cannot communicate what they know, then they can’t really be said to know it. 4) How can we reduce the distance between the text produced by the student and the demand coming from the teacher? I would say, talk to colleagues in your own curriculum! It’s a fascinating thing to sit down with colleagues, formally or informally, and ask the question: what do we want our students to be able to do in terms of communication when they leave our degree program?Then ask, if possible together with colleagues, what do we want our individual courses to contribute toward that. In my work in my own department and in consulting with other departments, those conversations seem to turn quickly to questions of what kinds of writing or speaking will we be having them do, formal and informal. Then criteria begin to emerge 244 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 241-247, maio/ago. 2009

de escrita e fala que vamos cobrar dos alunos, quer seja de modo formal ou informal. E aí os critérios começam a emergir a partir desse pensamento em termos mais amplos e, frequentemente, critérios para avaliação ou rubricas começam a tomar forma. Descobri, trabalhando com outros, que os critérios que eu tinha, nunca haviam sido articulados por mim. Eu simplesmente supunha que os alunos saberiam o que eu valorizava e avaliava. Percebi que os alunos não conseguem ler meu pensamento. Eles não sabem quais são minhas expectativas e porque eu as tenho – como essas expectativas se aplicam àquilo que uma pessoa nessa área deverá fazer, quando concluir seu curso e porque é importante que se fale dessa ou daquela forma. A tarefa, então, se transforma em comunicar essas expectativas para os alunos, de forma direta ou, às vezes, indireta. É claro que existe um contínuo entre não dar aos alunos qualquer ideia ou dica daquilo que você quer deles em sua escrita para, no outro extremo dizer a eles como devem fazer tudo. Isso é diferente para cada professor, cada nível, cada disciplina – às vezes para cada aluno

Page 13: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

13

individualmente. Na minha opinião, os alunos precisam de alguma estrutura, geralmente uma simples rubrica, para que consigam começar. E se eles estiverem lendo coisas no curso que eu considero bons exemplos de escrita naquela área (não existe outra alternativa!), então eu posso apontar para eles o que é uma boa escrita e o que eles podem aprender a partir dela em sua própria escrita. Assim, agora, quando tenho diante de mim aquela pilha de trabalhos de alunos, eu frequentemente – ou diria às vezes – olho para aquele conjunto de critérios de avaliação que eu elaborei e compartilhei com os alunos muito antes de eles começarem suas tarefas e penso: “Sim. O from thinking about it in broader terms, and often times, grading criteria or rubrics start to take shape. I found through working with others, that the criteria I had, I had never articulated. I had just assumed that the students would know what I valued. I realized that students can’t read my mind. They don’t know what my expectations are and why I have those expectations—how those expectations fit into what a person in this field will do when they leave and why it’s important to write and speak in these ways. Then the task becomes to communicate those expectations to the students, directly or, at times, indirectly. There is of course a continuum between giving students no idea, clue, or hint of what you want from them in their writing to, at the other extreme, telling them how to do everything. This is different for every teacher, every level, every course— sometimes for each individual student. But it is worth thinking about and talking about with other teachers sometimes. In my own view, students need some framework— usually a simple rubric—to get them started. And if they are reading things in the course that I consider good examples of writing in the field (there’s another choice!) then I point out to them why that is good writing, and what they can learn from it in their own writing.So now when I face that stack of papers I often—I sometimes—will look at the set of grading criteria that I have come up with and that I have shared with the students well in advance of their starting the assignment, and I will think, “Yeah. Me going through this stack of papers matters to them, and they may have an understanding of why it matters beyond getting the grade.” Conjectura, Flávia B. Ramos et al., v. 14, n. 2, maio/ago. 2009 245 fato de eu enfrentar essa pilha é importante

Page 14: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

14

para eles, e eles poderão entender, porque é importante ir além de receber uma nota boa.” 5) Os gêneros orais têm espaço na vida acadêmica? Eles também precisam ser ensinados? Os gêneros orais são extremamente importantes na vida acadêmica e estão sendo ensinados explicitamente em muitas universidades dentro de alguns cursos específicos. Chamamos isso de Communication across the Curriculum (CAC).2 Isso inclui as apresentações orais mais óbvias, como o notório PowerPoint™, mas também inclui as discussões mais informais, nas quais os alunos aprendem a discordar entre si de modo respeitoso, a ter uma discussão dialética que possa resultar em novos insights para todos. 6) Existe uma receita para orientar os alunos, independentemente do grau de ensino, a escrever melhor? Infelizmente, não existe receita, somente aquilo que chamamos “regras gerais”, que não são algoritmos nem regras fixas; mas, que, pelo contrário, estão apenas “estabilizadas por ora”, até haver alguma mudança nas condições. Isso não significa que a escrita acadêmica não possa ser ensinada de forma explícita. Mas se for ensinada como receita e não como repertório de estratégias, uma caixa de ferramentas e recursos, então ela se torna enfadonha e insípida. 5) Is there room for oral genres in academic life? Could they also be taught? Oral genres are terribly important in academic life, and they are being taught explicitly in many universities within specific disciplines. This is called “Communication across the Curriculum” or CAC. This includes most obviously formal oral presentations, with the infamous PowerPoint™. But it also includes more informal kinds of discussions, where students learn to disagree with each other respectfully, to have a dialectical discussion that yields new insights for all. 6) Is there some kind of recipe to guide students, regardless their level of education, so that they can write better? Unfortunately there is no recipe, only what we call in English “rules of thumb,” rules that are not algorhythmic or fixed, but instead are always only “stabilized for now,” until conditions change. That does not mean that much in academic writing cannot be taught explicitly. It can and is. But if it is taught as a recipe and not a repertoire of 246 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 241-247, maio/ago. 2009

Page 15: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

15

7) Na sua avaliação, quais são os principais problemas que ainda persistem na escrita? Ainda acho que o maior problema é o que tem sido chamado “mito da transitoriedade”, a ideia de que os problemas com a escrita irão embora se fizermos algo específico, fazendo com que tais problemas sejam resolvidos todos de uma vez. Na pressa de encontrar uma solução única e abrangente, a academia nunca examinou sistematicamente a natureza da escrita ou seu potencial para melhorar a aprendizagem. O mito da transitoriedade mascarou conflitos profundos no sistema de educação em massa sobre a natureza da escrita e da aprendizagem: o que é escrita acadêmica e como se aprende? O que é uma comunidade acadêmica e quem deveria ser admitido? Os EUA nunca chegaram a um acordo com os conflitos subjacentes que estão na base de suas atitudes e abordagens na direção do letramento avançado. E essa constante falha em confrontar esses conflitos manteve a instrução para a escrita às margens do currículo em vez de mantê-la no centro. Como disse Mike Rose, “uma mudança de amplo alcance só irá ocorrer se a academia redefinir a escrita em si, alterar os termos do argumento [e] conseguir ver a instrução voltada para a escrita como uma de suas preocupações principais”. 8) Na sua avaliação, problemas na escrita como dificuldade de interpretação, expressão, reflexão, argumentação, ortografia e gramática, medos/barreiras/ nervosismo, etc. seriam falhas do processo de alfabetização? Não. Eu acho que as coisas que você menciona são normais. Elas não são resultado de uma falha, mas da tentativa de strategies, a toolbox of resources, then it becomes stale and dull. 7) As you see it, what are the main problems that still persist regarding writing? I still think that the biggest problem is what has been called “the myth of transience,” the idea that writing problems will go away if only we do something specific, which will solve the problems once and for all. In the rush to find a single comprehensive solution, academia never systematically examined the nature of writing or its potential for improving learning. The myth of transience masked deep conflicts in the mass-education system over the nature of writing and learning: what is academic writing and how it is learned? What is an academic community and who should be admitted? The US has never come to terms

Page 16: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

16

with the submerged conflicts that underlie its attitudes and approaches to advanced literacy. And this continuing failure to confront those conflicts kept writing instruction on the margins of the curriculum rather than at its center. As Mike Rose said it, “Wide-ranging change will occur only if the academy redefines writing for itself, changes the terms of the argument, [and] sees instruction in writing as one of its central concerns”. 8) Would you say that some problems with writing such as problems with interpretation, expression, reflection, argumentation, spelling and grammar, fear / writer’s block / nervousness, etc are due to some failure in the literacy process? Conjectura, Flávia B. Ramos et al., v. 14, n. 2, maio/ago. 2009 247 se fazer algo difícil. E escrever geralmente é difícil. Como eu disse, há pouco [que] os problemas são problemas e que são parte normal da aprendizagem para se comunicar em uma ou várias áreas novas. A educação em massa moderna traz consigo uma visão pré-moderna de escrita como um conjunto único e generalizável de habilidades que se aprende uma vez e para sempre. Considerou-se que os alunos cuja escrita não está em conformidade com os padrões de uma comunidade em específico apresentavam algum déficit que precisava ser remediado antes que eles fossem admitidos na comunidade. Assim, a instrução sistemática de escrita, além da escola primária, era classificada com frequência como curativa e relegada às margens do sistema. Escrever é tão importante para o sistema que deveria às vezes ser o objeto de nossa atenção como professores, como departamentos, como universidades. 9) De maneira geral, com o ingresso das novas tecnologias e o avanço nas opções de ensino (exemplos: Educação a Distância e Educação de Jovens e Adultos/EJA) e de maior diversidade de cursos (são diversas as especializações hoje em dia), o senhor acha que as pessoas estão escrevendo mais e melhor? Esta é uma pergunta realmente ótima, motivo de algumas boas pesquisas no Reino Unido e em outros lugares. Não conheço nenhuma maneira de julgar se uma escrita está melhor ou pior com o tempo, porque os padrões mudam com o tempo e dentro das próprias áreas acadêmicas. Porém, está claro que as pessoas estão escrevendo mais. Se elas pensam nisso como escrita é uma outra história. No, I think all the things you mentioned

Page 17: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

17

are normal. They are not the result of failure but of attempting to do a difficult thing. And writing is usually difficult. As I said above, the problems are problems that are normal parts of learning to communicate in a new field or fields. The modern mass education carried over a premodern view of writing as a single, generalizable set of skills, learned once and forever. Students whose writing did not conform to a particular community’s standards were thought to exhibit some deficit, which had to be remedied before they could be admitted to the community. Thus, systematic writing instruction beyond elementary school was often classed as remedial and relegated to the margins of the system. Writing is so important to the system that it should be sometimes, the object of our attention, as teachers, as departments, as universities. 9) In general, with the coming of new technologies and the advance of teaching options such as distance learning and adult education and of more options of programs and courses – once there are so many areas to specialize in nowadays – do you think people might be writing more and better? This is a really great question, the subject of some good research in the UK and elsewhere. I don’t know of any way to judge if writing is better or worse over time, because the standards change over time and across different fields over time. But it is clear people are writing more. Whether they think of that as writing is another question.

Espaços de leitura – meio impresso Livros técnicos Periódicos científicos Fragmentos de livros

Page 18: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

18

Textos literários Fragmentos de textos literários Jornais Revistas semanais

Espaços de leitura – internet Textos teóricos sobre temas específicos Visitas a sites (escritores...) Interação em blogs, redes sociais (Facebook, twitter...) Navegação entre links os mais inusitados

Espaços de escrita Anotações em sala de aula Textos de natureza acadêmica – Resumos,

Resenhas, Ensaios, Monografias Após consulta na internet sobre textos teóricos,

interação em distintos sites, blogs Participação permanente em redes sociais

Page 19: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

19

Referências CANCLINI, Nestor. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo:

Iluminuras, 2008. p. 59 FISCHER, Luís Augusto et al. Enem deixa a literatura de lado. Jornal

Extraclasse. Ano 17, nº 158, outubro de 2011. p. 08 JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. p.28. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras,

1995. MORIN, Edgar. Meus demônios. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2002, p. 205. LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Trad.: Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34,

1996. MARCUSCHI VEEN, Wim, VRAKKING, Bem. Homo sapiens: educando na era digital.

Porto Alegre: Artmed, 2009.p.12

Page 20: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

20

PowerPoint RED DE UNIVERSIDADES LECTORAS UNIVERSIDAD GUADALAJARA NUEVOS ESPACIOS, PRÁCTICAS E

ITINERÁRIOS DE LECTURA: EL PAPEL DE LA RED DE UNIVERSIDADES LECTORAS

Page 21: Diferentes espaços de leitura e de escrita no ensino ...universidadeslectoras.org/plenario/doc/Tania_Rosing.pdf · (Canclini, 2008, p. 59)2 ... que estamos diante de jovens leitores,

21

Prof. Dr. Tania M. K. Rosing UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO/RS/BRASIL Guadalajara/México, 1 e 2 de Diciembre de 2011