dicionarios de termos em saude - fiocruz

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DicionÆrio da Educaªo Profissional Saœde em

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DicionriodaEducao

Sade

Profissionalem

FUNDAO OSWALDO CRUZ Presidente Paulo Ernani Gadelha Vieira ESCOLA POLITCNICA DE SADE JOAQUIM VENNCIO Diretor Andr Malho Vice-diretor de Desenvolvimento Institucional Sergio Munck Vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnolgico Isabel Brasil Coordenadora do Laboratrio de Trabalho e Educao Profissional em Sade Monica Vieira

DicionriodaEducao

Sade

Profissionalem

Isabel Brasil Pereira Jlio Csar Frana Lima

Organizadores

2.ed.rev.ampl.

Todos os direitos desta edio reservados Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio, Fundao Oswaldo Cruz A primeira edio do Dicionrio de Educao Profissional em Sade foi financiada com recursos do Ministrio da Sade, no mbito do Plano Diretor para o binio2004-2006 da Rede Observatrio deRecursos Humanos em Sade, com tiragem de 1.500 exemplares.

Reviso e copidesque Maria Ceclia G. B. Moreira (1 edio) Itamar Jos de Oliveira (2 edio) Reviso Tcnica: Isabel Brasil Pereira Jlio Csar Frana Lima Projeto Grfico, Capa Carlota Rios Editorao Marcelo Paixo

Catalogao na fonte Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio Biblioteca Emlia BustamanteP436d Pereira, Isabel Brasil Dicionrio da educao profissional em sade / Isabel Brasil Pereira e Jlio Csar Frana Lima. 2.ed. rev. ampl. - Rio de Janeiro: EPSJV, 2008. 478 p. ISBN: 978-85-987-36-6 1. Educao. 2. Dicionrio. 3. Educao Profissionalizante. 4. Sade. I. Ttulo. II. Lima, Jlio Csar Frana. CDD 370.3

AUTORES

Alcindo Antnio Ferla Mdico, doutor em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Consultor da Hospital Nossa Senhora da Conceio S/A, professor visitante/colaborador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor adjunto da Universidade de Caxias do Sul. Ana Margarida de Mello Barreto Campello Pedagoga, doutora em Educao pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Laboratrio de Trabalho e Educao Profissional em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Andr Mota Historiador, doutor em Histria pela Universidade de So Paulo (USP) e ps-doutorando bolsista Fapesp em Histria da Medicina e Sade Pblica paulistas junto ao Depto de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.

Andr Silva Martins Doutor em Educao pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFJF, pesquisador do Coletivo de Estudos sobre Poltica Educacional da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/ Fiocruz) e do Ncleo Educao, Trabalho e Tecnologia da UFJF. Anglica Ferreira Fonseca Psicloga-sanitarista, mestre em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), professora e pesquisadora da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Aparecida de Ftima Tiradentes dos Santos Pedagoga, doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora e pesquisadora da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Arlinda Moreno Psicloga, doutora em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), professora e pesquisadora do Laboratrio de Educao Profissional em Informaes e Registros em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Carlos Batistella Odontlogo, especialista em Educao Profissional em Sade pela Fundao Oswaldo Cruz e professor-pesquisador do Laboratrio de Educao Profissional em Vigilncia em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Carmen Sylvia Vidigal Moraes Psicloga, ps-doutorado pela Laboratoire Travail et Mobilits e professora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP). Claudia Medina Coeli Mdica, doutora em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina e do Instituto de Estudos em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ).

Denise Elvira Pires Enfermeira-sanitarista, ps-doutorado em Cincias Sociais pela University of Amsterdam, professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, do Centro de Cincias da Sade (CCS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Domingos Leite Lima Filho Engenheiro eltrico, doutor em Educao pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor do Programa de Ps-Graduao da Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR). Eduardo Henrique Passos Pereira Psiclogo, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Eduardo Navarro Stotz Socilogo, doutor em Sade Pblica, pesquisador e professor da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Emerson Elias Merhy Mdico-sanitarista, doutor em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do Curso de Ps-Graduao em Clnica Mdica da linha: Micropoltica do Trabalho e Cuidado em Sade.

Francisco Javier Uribe Rivera Mdicosanitarista, doutor em Sade Pblica, pesquisador titular do Departamento de Administrao e Planejamento de Sade da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Gasto Wagner de Sousa Campos Mdico, doutor em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular da Universidade Estadual de Campinas, membro de corpo editorial da Trabalho, Educao e Sade e da Revista Cincia & Sade Coletiva. Gaudncio Frigotto Filsofo e educador, doutor em Cincias Humanas (Educao) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, professor titular do Programa Interdisciplinar de Ps-Graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana na Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro do Comit Diretivo do Conselho Latino-Americano de Cincias Sociais (Clacso). Grcia Maria Gondin Arquiteta e Urbanista, mestre em Saneamento Ambiental e doutoranda em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), e pesquisadora do Laboratrio de Vigilncia em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Gustavo Corra Matta Psiclogo, doutor em Medicina Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisador do Laboratrio de Educao Profissional em Ateno Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Hillegonda Maria Dutilh Novaes Mdica pediatra, doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de So Paulo (USP), professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, coordenadora do Ncleo de Informaes em Sade/NIS do Hospital das Clnicas da FM-USP. Inesita Soares de Arajo Comunicloga, doutora em Comunicao e Cultura pela Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Laboratrio de Pesquisa em Comunicao e Sade do Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade da Fundao Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz). Isabel Brasil Pereira (Coordenadora) Biloga, doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnolgico da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora adjunta da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FEBF/Uerj).

Janine Miranda Cardoso Cientista social, doutoranda em Comunicao e Cultura pela Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tecnologista do Laboratrio de Pesquisa em Comunicao e Sade do Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade da Fundao Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz). Jos Rodrigues Professor, doutor em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), vice-coordenador do Ncleo de Estudos, Documentao e Dados sobre Trabalho e Educao (NEDDATE-UFF), membro de Conselho Editorial das revistas Trabalho, Educao e Sade (da Fundao Oswaldo Cruz) e Trabalho Necessrio (NEDDATE-UFF) e assessor da Faperj. Jlio Csar Frana Lima (Coordenador) Enfermeiro-sanitarista, mestre em Educao pelo Instituto de Estudos Avanados em Educao da Fundao Getlio Vargas (FGV), doutorando do Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisador do Laboratrio de Trabalho e Educao Profissional em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV/Fiocruz).

Jussara Cruz de Brito Engenheira, psdoutorado em Ergologia pela Universit de Provence Aix Marseille I e coordenadora do Grupo de Pesquisas e Interveno em Atividade de Trabalho, Sade e Relaes de Gnero (Pistas) do Centro de Estudos da Sade do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH/ Ensp/Fiocruz). Justino de Souza Junior Professor, doutor em Educao pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG). Ligia Bahia Mdica-sanitarista, doutora em Sade Pblica pela Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), professora adjunta da Faculdade de Medicina e do Ncleo de Estudos de Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lilia Blima Schraiber Mdica-sanitarista, doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de So Paulo (USP) e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Llian de Arago Bastos do Valle Pedagoga, ps-doutorado em Educao pela cole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS) e coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana (PPFH) da Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Lcia Maria Wanderley Neves Educadora, doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora (aposentada) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora participante do Programa de PsGraduao em Educao da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Madel Therezinha Luz Filsofa, psdoutorado em Sade Coletiva pelo Institut National des Recherches Mdicales (Inserm), professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), assessora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), vice-presidente da Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva (Abrasco). Marcela Alejandra Pronko Professora, doutora em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professora colaboradora da Universidad Nacional de Lujn (Argentina), professora-pesquisadora da Faculdade LatinoAmericana de Cincias Sociais (FLACSO) sede acadmica Brasil e bolsista da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Mrcia Valria Guimares Morosini Psicloga, especialista em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica e pesquisadora do Laboratrio de Educao Profissional em Ateno Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Maria Ciavatta Filsofa, doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUCRJ), professora associada ao Programa de Ps-graduao em Educao Mestrado e Doutorado da Universidade Federal Fluminense (UFF), e professora visitante na Faculdade de Servio Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Maria Helena Machado Sociloga, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora titular da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e diretora do Departamento de Gesto e da Regulao do Trabalho em Sade do Ministrio da Sade (SGTES/MS). Maria Lcia Frizon Rizzotto Enfermeira, doutora em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paran (Unioeste).

DICIONRIO DA EDUCAO PROFISSIONAL EM SADE

Maria Valria Costa Correia Assistente Social, doutora em Servio Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora da Faculdade de Servio Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Marina Peduzzi Enfermeira, doutora em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora do Departamento de Orientao Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. Marise Nogueira Ramos Professora, doutora em Educao pela Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora do Programa de Ps-Graduao da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora adjunta da Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Maurcio Monken Professor, doutor em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e pesquisador do Laboratrio de Educao Profissional em Vigilncia em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV/Fiocruz). Monica Vieira Sociloga, doutora em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj) e coordenadora do Observatrio dos Tcnicos em

Sade, do Laboratrio de Trabalho e Educao Profissional em Sade e do Programa de Ps-Graduao da da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Nadya Arajo Guimares Sociloga, ps-doutorado pela Massachusetts Institute of Technology (MIT), professora da Universidade de So Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap). Naira Lisboa Franzoi Professora, doutora em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nayla Cristine Ferreira Ribeiro Pedagoga, mestranda em Educao Profissional em Sade pela Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV/Fiocruz) e bolsista pr-gesto da Biblioteca Virtual em Sade - Educao Profissional em Sade (BVSEPS) da EPSJV/Fiocruz. Ramon de Oliveira Professor, doutor em Educao pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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ARamon Pea Castro Economista, psdoutorado em Economia pela Universidad Autonoma de Madrid e professor colaborador (aposentado) do PPGCSo da Universidade Federal de So Carlos, pesquisador visitante e professor colaborador do Programa de Ps-Graduao da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/ Fiocruz). Regina Duarte Benevides de Barros Psicloga, ps-doutorado em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ricardo Burg Ceccim Enfermeiro-Sanitarista, doutor em Psicologia Clnica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), professor do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Rosana Teresa Onocko Campos Mdica, doutora em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora RDIDP da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Roseni Pinheiro Enfermeira, doutora em Sade Coletiva pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e professora adjunta do Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj). Sarah Escorel Mdica-sanitarista, doutora em Sociologia pela Universidade de Braslia (UnB), pesquisadora titular da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), integrante do Ncleo de Estudos Poltico-Sociais em Sade do Departamento de Administrao e Planejamento em Sade (Nupes/Daps/Ensp/ Fiocruz), coordenadora do Observatrio da Conjuntura de Polticas de Sade da Ensp. Srgio Lessa - Doutor em Cincias Humanas pela Unicamp, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alag oas (UFAL), membro da Editoria da Revista Crtica Marxista. Sergio Munck - Estatstico, mestre em Tecnologia Educacional nas Cincias da Sade pelo Ncleo de Tecnologia Educacional em Sade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nutes/ UFRJ), vice-diretor de Gesto e Desenvolvimento Institucional da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Snia Regina de Mendona Historiadora, doutora em Histria Econmica pela Universidade de So Paulo (USP), professora do Programa da Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do CNPq.

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Suzana Lanna Burnier Coelho Pedagoga, doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), professora adjunta e diretora de Ensino da Graduao do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais (Cefet-MG) Tlio Batista Franco Psiclogo, doutor em Sade Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Zulmira Maria de Arajo Hartz Pesquisadora titular do Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) (aposentada), pesquisadora visitante do Grupo de Gesto e Avaliao em Sade (GEAS) do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira da Fundao Oswaldo Cruz (IMIP/Fiocruz), consultora do Ministrio da Sade.

SUMRIO

1

TRABALHO, EDUCAO E SADE: REFERNCIAS E CONCEITOS PREFCIO PRIMEIRA EDIO APRESENTAO DA PRIMEIRA EDIO

17 31 33

AAteno Sade Ateno Primria Sade Avaliao em Sade Avaliao por Competncias 39 44 50 55

CCapital Cultural Capital Humano Capital Intelectual Capital Social Certificao de Competncias Certificao Profissional Comunicao em Sade Controle Social Cuidado em Sade Currculo Integrado Currculo por Competncias 61 66 72 78 83 87 94 104 110 114 119

DDiviso Social do Trabalho Diviso Tcnica do Trabalho em Sade Dualidade Educacional 125 130 136

EEducao Educao Corporativa Educao em Sade Educao Permanente em Sade Educao Politcnica Educao Profissional Educao Profissional em Sade Educao Tecnolgica Empregabilidade Eqidade em Sade Excluso Social 143 151 155 162 168 175 182 190 197 202 211

FFocalizao em Sade 221

GGesto do Trabalho em Sade Gesto em Sade Globalizao 227 231 236

HHumanizao 243

IInformao em Sade Integralidade em Sade 249 255

Interdisciplinaridade Itinerrios Formativos

263 269

NNeoliberalismo e Sade 275

OOcupao Omnilateralidade 281 284

PParticipao Social Pedagogia das Competncias Pedagogia de Problemas Planejamento de Sade Precarizao do Trabalho em Sade Processo de Trabalho em Sade Profisso 293 299 305 312 317 320 328 335 343 348 353 357 364 370

QQualificao como Relao Social

RRecursos Humanos em Sade Reestruturao Produtiva em Sade

SSade Sistema nico de Sade Sociabilidade Neoliberal Sociedade Civil

TTecnologia 377

DICIONRIO DA EDUCAO PROFISSIONAL EM SADE

Tecnologias em Sade Territorializao em Sade Trabalho Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto Trabalho como Princpio Educativo Trabalho Complexo Trabalho Concreto Trabalho em Equipe Trabalho em Sade Trabalho Imaterial Trabalho Prescrito Trabalho Produtivo e Improdutivo Trabalho Real Trabalho Simples

382 392 399 404 408 415 419 419 427 433 440 445 453 460

UUniversalidade 465

VVigilncia em Sade 471

16

A TRABALHO, EDUCAO E SADE: referncias e conceitos C D E F G

O ano de 2008 particularmente significativo para o lanamentoda segunda edio do Dicionrio da Educao Profissional em Sade, pois neste momento se completam vinte anos da inscrio do Sistema nico de Sade (SUS) no texto constitucional. Uma conquista democrtica capitaneada por um amplo movimento social organizado em torno da Reforma Sanitria brasileira, marco do desenvolvimento de uma nova forma de pensar e fazer sade no pas, assim como da formao profissional dos trabalhadores tcnicos de sade. O projeto da Reforma Sanitria brasileira tal qual concebido na 8a Conferncia Nacional de Sade, em 1986, foi construdo ao mesmo tempo como uma bandeira especfica do setor sade e como parte de uma totalidade de mudanas. Isso , diz respeito num primeiro plano ao reconhecimento da dinmica do fenmeno sade-doena em toda a sua extenso por meio dos indicadores de sade, da organizao das instituies que atuam no setor, da produo de medicamentos e equipamentos, e da formao dos trabalhadores de sade. No segundo plano, alm da dimenso ideolgica, na qual se disputam concepes, valores e prticas, incorpora a dimenso das relaes existentes entre a sade e economia, trabalho, educao, salrio, habitao, saneamento, transporte, terra, meio ambiente, lazer, liberdade e paz. Originalmente, portanto, o projeto da Reforma Sanitria est imbricado com a perspectiva de reforma social, com a construo de um Estado democrtico, para alm de uma reforma setorial, ao mesmo tempo que, ao ampliar o referencial17

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DICIONRIO DA EDUCAO PROFISSIONAL EM SADE

terico e o campo de anlise das relaes entre sade e condies de vida e trabalho, recoloca-a como prtica social e no apenas como fenmeno biolgico. com base nesse arcabouo conceitual que a formao profissional dos trabalhadores tcnicos de sade passa a ser entendida como uma condio necessria, mas no suficiente, para a transformao das relaes de trabalho, da prestao de servios populao e para a prpria participao do trabalhador no planejamento e avaliao dos servios de sade. Com vistas a superar o carter alienado da escola e do trabalho em sade no que diz respeito aos determinantes sociais do processo sade-doena e do intenso processo de privatizao no interior do setor sade, bem como do histrico movimento pendular do antigo segundo grau - atual ensino mdio - entre formao acadmica e formao profissional, prope-se a articulao deste nvel de ensino com a formao profissional. Mais especificamente, a articulao da educao com o processo de trabalho em sade ou o aprofundamento da estratgia ensino-servio, aliando a dimenso tcnica e a dimenso poltica no processo de formao, e a construo de um novo compromisso tico-poltico dos trabalhadores de sade pautado na questo democrtica, na relao solidria com a populao, na defesa do servio pblico e da dignidade humana. Esse debate no setor sade, particularmente no interior da Fundao Oswaldo Cruz, cujo marco a realizao do Seminrio Choque Terico, em 1987, contemporneo e se alimenta das discusses ento travadas no interior do setor educacional, por meio do GT TrabalhoEducao da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped), desde o incio dos anos 1980, acerca da formao profissional dos trabalhadores tcnicos e da natureza do antigo ensino de segundo grau em nossa sociedade. A perspectiva era superar a dualidade entre cultura geral e cultura tcnica com o projeto de escola unitria, que expressa o princpio da educao como direito de todos e que pressupe que todos tenham acesso aos conhecimentos, cultu18

Ara e s mediaes necessrias para trabalhar e para produzir a existncia e a riqueza social (Ramos, 2007, p. 2). Esse debate introduz na histria da educao brasileira o conceito de politecnia (Saviani, 1989), no como o domnio de uma multiplicidade de tcnicas fragmentrias, mas como o domnio dos fundamentos cientficos das diferentes tcnicas que presidem o processo de trabalho moderno, o que recoloca as discusses acerca da relao trabalho-educao em novo patamar, buscando sobretudo resgatar a dimenso contraditria do fenmeno educativo, seu carter mediador e sua especificidade no processo de transformao da realidade. Trabalho, Educao e Sade articulam-se, assim, no bojo dessa intensa discusso que ocorre nos marcos do processo de redemocratizao da sociedade brasileira e do processo constituinte nos anos 1980. Para uma parcela das foras polticas que ento se rene em torno do projeto da Reforma Sanitria, profundamente imbricada com a perspectiva de uma reforma social na sua totalidade, novos desafios so colocados no que diz respeito ao perfil do trabalhador necessrio para viabilizar a premissa estabelecida constitucionalmente de que a sade um direito de todos e dever do Estado, baseada nos princpios de universalidade, eqidade e integralidade, o que exigia, entre outros, repensar a formao profissional dos trabalhadores da sade. Em recente seminrio de trabalho organizado pela Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio sobre a Reforma Sanitria brasileira e os vinte anos do SUS constitucional (Matta e Lima, 2008), fez-se um balano desse perodo do qual podemos destacar dois aspectos centrais: que a reforma sanitria no seu processo de operacionalizao se reduziu a uma reforma administrativa da sade e que, j no final dos anos 1980 e principalmente nos anos 1990, teve de se confrontar com outro projeto em disputa na sociedade, o projeto mercantilista, para o qual a sade uma mercadoria como outra qualquer, que pode ser comprada no mercado para a satisfao das demandas e necessidades individuais (Paim, 2008). Ele rene em torno de si empresrios da sade, corporaes19

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profissionais, o capital industrial investido nas indstrias farmacuticas e de equipamentos, o capital financeiro e grandes organismos internacionais, que impem o livre comrcio - Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e definem polticas sociais subsidirias e compensatrias Banco Mundial (BM). Parece consensual entre os interlocutores que, na dcada de 1990 e incio dos anos 2000, a temtica da Reforma Sanitria esteve ausente da agenda dos principais fruns e movimentos sociais que a alavancaram, e que na luta ideolgica ocorre um retrocesso importante em relao ao setor sade nesse perodo, na medida em que de um valor pblico, a sade passa a ser vista como um bem de consumo modulado pelo poder de compra. Tambm no setor educacional ocorrem retrocessos, pois desde a dcada passada verifica-se um estreitamento da relao entre educao e trabalho alienado tornando a escola mais imediatamente interessada ou mais pragmtica e, embora integre um contingente expressivo da classe trabalhadora, o faz de modo a inviabilizar a construo de uma crtica s relaes sociais capitalistas. grande mobilizao e s esperanas da dcada de 1980 seguiu-se, nos anos 1990, uma reverso das expectativas marcada pela radicalizao da modernizao conservadora e por polticas de reformas do Estado, com o fim de ajustar a economia ao processo de desregulamentao, flexibilizao e privatizao. Nesse cenrio, verifica-se um refluxo dos movimentos sociais de cunho democrtico e popular, a converso mercantil-filantrpica da militncia em torno das organizaes no-governamentais (ONGs), a emergncia do sindicalismo de resultados, novas formas de privatizao na rea de sade, a escassez de recursos, a precarizao dos vnculos e de remunerao dos trabalhadores de sade, e a crescente precarizao das condies de trabalho (Fontes, 2008; Santos, 2008). No contexto neoliberal que se instaura na dcada de 1990 com o governo Collor e se aprofunda no governo FHC, tanto na rea da sade como na educao combina-se um discurso que reconhece a importn20

Acia destas reas com a reduo dos investimentos nas mesmas e apelos iniciativa privada e ONGs. O discurso neoliberal atribuiu de forma sistemtica que uma das principais causas das desigualdades sociais era a incompetncia e a ineficcia governamentais, buscando com isto formar um consenso sobre a qualidade da iniciativa privada, com a finalidade de promover mudanas de comportamento no indivduo e na sociedade a favor da privatizao e seu corolrio, o financiamento pelo Estado de aes que seriam executadas pelo setor privado. Nessas condies, o prprio gestor pblico passa a agir sob a lgica da gerncia privada, mudando assim a relao entre a instituio e o usurio. Ele deixa de ser um cidado investido de direitos e passa a ser um cliente da instituio, o que traduz uma viso privatista da relao do cidado com o Estado, ao mesmo tempo em que desqualifica a noo de servio pblico coletivo e solidrio. No outro lado do espectro poltico, o funcionamento da aparelhagem sindical tambm foi remodelado para adequao e conformao ao neoliberalismo: procedimentos de reengenharia interna; demisso de funcionrios; busca de eficincia e eficcia econmica (rentabilidade); agenciamento de servios, como a venda de seguros diversos contribuindo para desmantelar a luta pelos direitos universais; a oferta de cursos pagos; preparao e adequao de mo-de-obra para a empregabilidade. um processo que formata uma nova modalidade de subalternizao dos trabalhadores no Brasil, empreendida pelos grandes empresrios com a difuso e apoio do sindicalismo de resultados, atado a uma dinmica estritamente corporativa e de cunho imediatista, tornando os sindicatos parceiros dos patres na gerncia dos conflitos. Nesse contexto, segundo Fontes (2008), o prprio sentido do termo democracia, revestido de contedos socializantes na dcada de 1980, foi ressignificado como capacidade gerencial. Isso , toda e qualquer tentativa de organizao dos trabalhadores como classe social deveria ser desmembrada e abordada de maneira segmentada: admitia-se o conflito, mas este deveria limitar-se ao razovel e ao gerencivel, devendo21

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seus protagonistas admitir a fragmentao de suas pautas em parcelas administrveis. Mais que isso, para a autora, o que ocorre nos anos 1990 uma mudana do perfil da classe trabalhadora em decorrncia da intensificao do desemprego, da rotatividade de mo-de-obra e conseqentemente o aumento da concorrncia entre os trabalhadores; pelo desmantelamento dos direitos associados s relaes contratuais de trabalho; pela corroso das organizaes sindicais e pelas profundas alteraes no setor pblico, iniciadas com as demisses e privatizaes. O discurso da incompetncia do setor pblico, ao mesmo tempo que atendeu aos interesses privados ao propor um fictcio terceiro setor sob a designao privado porm pblico composto por associaes empresariais que concorrem entre elas pelos fundos pblicos, permitiu a delegao de responsabilidades do Estado a entes privados em situaes casusticas, como Fundaes Privadas de Apoio, Organizaes Sociais (OS), Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip) e outras, imbricando a esfera pblica com a esfera mercantil. Na rea da sade especificamente, alm da delegao de responsabilidades do Estado para cooperativas, ONGs e outras entidades privadas, a soluo negociada do art. 199 da Constituio1 gerou efeitos contraditrios nos anos 1990, pois, de um lado, a oferta e a produo de servios pblicos e filantrpicos se ampliaram, e a dos hospitais contratados reduziram. Por outro lado, a inviabilizao da mudana da natureza dos contratos reatualizou o padro de compra de servios e procedimentos que se pretendia superar, reconfigurando as relaes pblicoprivadas no mbito do SUS por meio de polticas pblicas que apoiaram e ainda apiam a privatizao da assistncia sade. Para Bahia (2008), as mudanas definidas por normas governamentais que redefiniram a participao do setor privado no SUS, junto com a criao de fundaes privadas pelo setor pblico e a contratao de consultores,1 O art. 199 da Constituio define que a assistncia sade livre iniciativa privada, podendo participar de forma complementar do SUS, segundo diretrizes deste e mediante contrato de direito pblico ou convnio, tendo preferncia as entidades filantrpicas e as sem fins lucrativos.

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Anutriram uma disseminada adeso s vrias verses do empreendedorismo no sistema pblico de sade. Na mesma direo, a ampliao do mercado privado de planos e seguros de sade, que j vinha ocorrendo desde os anos 1980, se intensifica nos anos 1990, viabilizada por polticas pblicas de subsdios indiretos de apoio expanso da clientela. No mbito educacional, entre os anos 1980 e 1990, como aponta Frigotto (2006, p. 265), h uma travessia da ditadura civil-militar para uma ditadura do mercado no iderio pedaggico. A sociedade civil organizada em torno do Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica sucessivamente vai perdendo o apoio parlamentar para a aprovao do primeiro projeto de LDB, de autoria do Deputado Federal Otvio Elsio que, no que diz respeito formao profissional sinalizava para sua integrao formao geral nos seus mltiplos aspectos humansticos e cientfico-tecnolgicos. Foram sendo tomadas, pelo alto e autoritariamente, diferentes medidas legais, numa reforma a conta-gotas, at aparecer o projeto do Senador Darcy Ribeiro que, como lembrava Florestan Fernandes, deu ao governo o projeto que esse no tinha (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005, p. 13). Para os autores, com a LDB n 9.394/ 96, a regresso mais profunda ocorre nos ensinos mdio e tcnico a partir da aprovao do Decreto n 2.208/97, que restabelece, em outros termos, o dualismo educacional neste nvel de ensino, ao proibir a integrao do ensino mdio com a formao profissional, alm de regulamentar formas fragmentadas e aligeiradas de profissionalizao em funo das necessidades do mercado, como assume o iderio pedaggico do prprio mercado com a pedagogia das competncias para a empregabilidade. As noes de sociedade do conhecimento e de competncia passam a assumir na atualidade o mesmo protagonismo que a noo de capital humano teve entre as dcadas de 1950 e 1980, constituindo-se no aparato ideolgico justificador das desigualdades econmicas e sociais entre os indivduos e/ou das relaes assimtricas de poder dentro dos pases e entre eles. Na rea da sade, os programas de formao23

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profissional vm sendo executados, na maioria das vezes, por meio de parcerias pblico-privadas, aumentando a possibilidade de adeso ao iderio da mercantilizao da sade, da elegia do gerenciamento das aes de sade e da reduo de contedos voltados para uma formao humana de cunho civilizatrio (Pereira, 2008). Para Frigotto (2006), as razes para a dificuldade estrutural do avano da educao escolar unitria e politcnica devem ser buscadas, em primeiro lugar, na opo das elites brasileiras por um capitalismo dependente e subordinado que barra a generalizao da necessidade da incorporao das tecnologias avanadas de natureza digital-molecular. Em segundo lugar, pela conjuntura mundial na qual se verifica nesse perodo um aumento da expropriao do trabalho pelo capital e o crescente monoplio da cincia e tecnologia nos centros hegemnicos do capital, relegando aos pases perifricos dominantemente o trabalho simples. Entretanto, se essa conjuntura encontrou terreno propcio para a difuso das orientaes normativas dos organismos internacionais com a adeso das elites nacionais s teses neoliberais, ela tambm foi plena de tenses e resistncias ao desmonte do SUS. O balano realizado aponta, entre outros, para o aumento de cobertura pelas equipes de Sade da Famlia, principal estratgia de ateno bsica do Ministrio da Sade; a incorporao de novos modelos tecnolgicos em municpios brasileiros, tais como a oferta organizada, a vigilncia em sade, o trabalho programtico e o acolhimento; a integrao da ateno bsica com a vigilncia em sade; a reduo dos leitos psiquitricos vis--vis ao aumento dos Centros de Ateno Psicossocial (Caps) e das residncias teraputicas como resposta aos princpios de desospitalizao e reinsero social na rea de sade mental; o aumento da capacidade instalada e crescimento da assistncia ambulatorial do setor pblico, que uma tendncia anterior ao advento do SUS, mas que se mantm nos anos 1990; a ampliao e diversificao dos postos de trabalho na rea de sade, decorrentes do progressivo processo de descentralizao e municipalizao das aes de sade; o aumento do acesso a medicamentos essenciais; a ampliao do nmero de transplantes; a criao24

Ado Servio de Atendimento Mvel de Urgncia (Samu); a quebra de patentes de medicamentos; e a universalidade do atendimento aos casos de AIDS. Na rea de educao, mais recentemente, buscou-se restabelecer o empate entre os princpios defendidos em 1988 pelo primeiro projeto de LDB e o Decreto n 2.208/97, com a aprovao do Decreto n 5.154/ 2004, que permite a integrao do ensino mdio com o ensino tcnico, entendido como uma condio social e historicamente necessria para a construo do ensino mdio unitrio e politcnico (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005). Esses avanos em ambas as reas so resultados de processos contraditrios, que expressam as lutas em torno de concepes de sociedade e dessas prticas sociais, e que exigem a permanente anlise do processo histrico-social do qual emergem. A direo que a reforma sanitria e a perspectiva unitria e politcnica dos ensinos mdio e tcnico iro tomar vai depender das foras em disputa e da clareza do que est em jogo. Principalmente, no contexto atual em que se explicita cada vez mais a continuidade e consolidao da poltica econmica de corte neoliberal do governo Lula centrada no ajuste fiscal; de manuteno das polticas compensatrias e focalizadas na rea social, na sade e educao; na poltica de fazer um pouco mais do mesmo no mbito do SUS, reproduzindo o modelo mdico hegemnico centrado no hospital (Paim, 2008); e a difuso de uma nova pedagogia da hegemonia, complementada pela implementao de um projeto educacional de massificao da educao, viabilizado pela implantao de sistemas diferenciados e hieraquizados de organizao educacional e pedaggica (Neves, 2008). Esperamos que a publicao desta segunda edio do Dicionrio da Educao Profissional em Sade continue contribuindo para essa anlise. Ele mantm o mesmo objetivo da primeira edio, em 2006, ou seja, de construir e explicitar conceitos e termos organizados em torno de trs eixos centrais: trabalho, educao e sade, que foram escolhi25

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dos em funo de dois critrios. O primeiro em razo de serem conceitos-chave de importncia inconteste no mbito dessas prticas sociais, como trabalho produtivo e trabalho improdutivo, trabalho complexo e trabalho simples, diviso social e tcnica do trabalho, e tecnologia. O segundo por serem conceitos que expressam fenmenos contemporneos, que surgiram para definir prticas atuais do mundo do trabalho em geral e o de sade e educao, em particular, tais como, empregabilidade, competncia, educao politcnica, humanizao, universalidade e integralidade. Para esta nova edio foi realizada uma reviso de alguns conceitos e agregados 23 (vinte e trs) novos. So eles: Avaliao em Sade, Capital Intelectual, Comunicao e Sade, Dualidade Educacional, Educao Corporativa, Educao em Sade, Eqidade, Excluso Social, Gesto do Trabalho em Sade, Gesto em Sade, Globalizao, Infor mao em Sade, Interdisciplinaridade, Omnilateralidade, Participao Social, Planejamento em Sade, Sociabilidade Neoliberal, Sociedade Civil, Territorializao em Sade, Trabalho como Princpio Educativo, Trabalho Imaterial, Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo, e Universalidade. O nosso entendimento ao elaborar esta obra que o universo de termos de interesse sero sempre passveis de reatualizaes, seja incorporando novas dimenses aos conceitos descritos, seja agregando novos conceitos que emergem dos processos sociais em curso e que ampliem a nossa capacidade de anlise desta mesma realidade. Sendo assim, um tipo de obra que deve ser considerada sempre inacabada. Inspirado em produes cientficas comprometidas com o pensamento crtico que nega a adaptao ao existente e com a construo de uma sociedade justa, democrtica e igualitria, o Observatrio dos Tcnicos em Sade, vinculado ao Laboratrio do Trabalho e da Educao Profissional em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV), tomou a si a iniciativa de organizar a segunda edio do Dicionrio da Educao Profissional em Sade.26

AComo na edio anterior, contamos com a participao de professores e pesquisadores da EPSJV, assim como de diversos especialistas convidados para sua elaborao. Esto reunidos aqui um conjunto heterogneo de profissionais que aceitaram o desafio de compartilhar conosco as suas idias, tais como, arquitetos, assistente social, bilogos, comuniclogos, economistas, educadores, enfermeiros, engenheiros, estatsticos, filsofos, historiadores, mdicos, odontlogos, pedagogos, psiclogos e socilogos. Para a elaborao dos verbetes, partimos da premissa de que a produo, a circulao e a recepo dos textos e dos discursos se do em contextos especficos que no podem ser ignorados. Se os textos e os discursos se nos apresentam como neutros e naturais, objetivos e transparentes, a tradio da crtica da ideologia nos lembra que no h texto ou discurso que seja desinteressado, transparente e neutro. O trabalho educativo e a construo de sentidos aqui adotados consistem em desmontar as iluses ideolgicas, apontando para a construo de um conhecimento crtico e qualificado. Trata-se, assim, de uma compreenso pautada na idia de que o pensamento crtico na Educao Profissional em Sade, quer realizado na escola e/ou nos servios de sade, atravessado por redes contraditrias, mensagens, textos, discursos, sinais interessados, conflitos e lutas por vises de mundo diferenciadas. Nessa discusso tambm central a noo de que o sentido construdo socialmente na vida social e histrica. Desde Marx, passando por todos os ramos e abordagens da teoria crtica, sabemos que o mundo dos sentidos e representaes sociais nunca neutro, transparente e diretamente acessvel conscincia do sujeito. Ou seja, toda representao ou sentido social passa necessariamente pela ideologia e pelo imaginrio social, o que requer perceber que a crtica do senso comum e das representaes no deva caminhar, de forma exclusiva, para uma teoria que se queira apenas cientfica, como no vis cientificista, excluindo da experincia humana a cultura, a tica, a esttica, enfim, a variedade da vida social.27

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A partir dessas idias convidamos os autores que compem esta edio privilegiando fundamentalmente uma abordagem crtica e qualificada e no uma padronizao terico-metodolgica aos quais foram feitas as seguintes orientaes para a elaborao dos verbetes: a) linguagem crtica, sem o mito da neutralidade, problematizando sempre que possvel os contextos e articulando do particular ao geral na relao trabalho, educao e sade, escapando das generalidades vazias ou discursos hermticos e desnecessariamente confusos; b) historicidade dos conceitos, tendo como princpio que os conceitos so histricos, portanto construes humanas e no uma verdade natural e imutvel; c) relaes entre os iderios da sociedade e suas inflexes nas polticas de formao dos trabalhadores tcnicos de sade, na medida do possvel; d) processo de trabalho e o cotidiano dos servios de sade, relacionando, sempre que possvel, a formao com o cotidiano dos servios de modo a no levar a um conformismo com as condies existentes. Finalmente, pensamos que a escrita e a leitura so atos ativos e produtivos, e neste sentido esperamos que o leitor seja levado a questionar e a buscar os significados oferecidos pelos verbetes, e que a divulgao desta nova edio continue contribuindo para a criao de circunstncias a favor de uma formao dos trabalhadores da sade que tenham como horizonte a sua emancipao e o compromisso com o pensamento crtico a favor da sade e da educao pblicas.

Isabel Brasil Pereira Jlio Csar Frana Lima

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A Bibliografia:BAHIA, L. A Dmarche do privado e pblico no Sistema de Ateno Sade no Brasil em tempos de democracia e ajuste fiscal, 1988-2008. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 123-185. FONTES, V. A Democracia Retrica: expropriao, convencimento e coero. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 189226. FRIGOTTO, G. Fundamentos cientficos e tcnicos da relao trabalho e educao no Brasil de hoje. In: LIMA, J. C. F.; NEVES, L. M. W. (Orgs.). Fundamentos da educao escolar do Brasil contemporneo. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2006, p. 241-288. FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M; RAMOS, M. (Orgs.). Ensino mdio integrado: concepo e contradies. So Paulo: Cortez, 2005. MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008. NEVES, L. M. W. A Poltica Educacional Brasileira na Sociedade do Conhecimento. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 355-391. PAIM, J. S. Reforma Sanitria Brasileira: avanos, limites e perspectivas. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C .F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 91-122. PEREIRA, I. B. A Educao dos Trabalhadores da Sade sob a gide da produtividade. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 393-420. RAMOS, M. Concepo do ensino mdio integrado educao profissional. Natal, 2007 [mimeo]. SANTOS, N. R. dos. Democracia e Participao da Sociedade em Sade. In: MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008, p. 227-246. SAVIANI, D. Sobre a concepo de politecnia. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 1989.

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A PREFCIO PRIMEIRA EDIO C D E F G

O Brasil possui um sistema de sade robusto, apesar de ter problemas, como por exemplo, a questo estrutural do financiamento, o valor da remunerao dos servios e procedimentos, bem como os desafios colocados pela responsabilidade sanitria nos diversos nveis da gesto. Seus profissionais necessitam de uma formao qualificada para que possam exercer atividades a que so chamados a responder no processo de trabalho que desenvolvem nos servios, principalmente a partir da reorientao do modelo assistencial brasileiro. Assim, as iniciativas de cunho educacional, como este Dicionrio, que contribuem para a realizao e aperfeioamento das aes desenvolvidas no processo de trabalho em sade, tm contribuies imediatas e estratgicas para a consolidao do Sistema nico de Sade (SUS). Esta publicao, organizada pela Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), apresenta verbetes que descrevem e problematizam concepes acerca de educao profissional em sade, da organizao do sistema de sade brasileiro, do processo histrico do trabalho em sade, entre outras. Esse conjunto de temas perfaz um documento indito e de relevncia indiscutvel para gestores, docentes, pesquisadores, estudantes e trabalhadores do SUS que se dedicam construo de um sistema de sade mais justo, solidrio e de qualidade para todos os brasileiros.

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Dicionrio da Educao Profissional em Sade representa uma experincia acumulada pela EPSJV em seus mais de vinte anos de histria. No fcil selecionar os verbetes em rea to complexa, nem alcanar a preciso adequada; contudo, o resultado final muito estimulante e certamente contribuir para o aperfeioamento desta rea vital dos recursos humanos em sade no Brasil.

Paulo M. BussPresidente da Fundao Oswaldo Cruz

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A APRESENTAO DA PRIMEIRA EDIO C D E F G

O trabalho industrial na nossa sociedade tem experimentado mudanas importantes configurando socialmente o fenmeno denominado de crise do trabalho assalariado, resultado da incorporao cada vez maior de tecnologias materiais e de novas formas de organizao do trabalho que, ao mesmo tempo, aumenta a produtividade, exige cada vez menos trabalhadores e, conseqentemente, vem acompanhada do crescente desemprego. Desde a dcada de 1990, muitos estudos e pesquisas so unnimes em apontar que esse fenmeno est intimamente associado ao processo de globalizao ou de mundializao do capital, o qual se assenta, principalmente, na difuso da doutrina neoliberal e na emergncia de um novo paradigma produtivo denominado produo flexvel, que surge com o esgotamento do fordismo e com as novas formas de gesto dos processos de trabalho. O trabalho em servios tambm tem enfrentado mudanas, decorrentes da necessidade do capital financeiro em controlar e colocar os grandes excedentes de capital nas reas que antes estavam nas mos dos Estados nacionais, e que, na rea de sade, em particular, propugnam pela organizao de um sistema de sade baseado em seguros mdicos. Essa ofensiva neoliberal que busca sedimentar a crena nas virtudes do mercado cujas graas so alcanadas pela interferncia mnima do Estado, pelo controle dos gastos estatais e da inflao, pela privatizao das empresas estatais e pela abertura completa da economia, trata o suposto gigantismo do Estado com sua interveno na economia, bem33

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como os privilgios que esse tipo de atuao tinha conferido aos trabalhadores ao longo dos trinta anos gloriosos (1945-1975), nos pases capitalistas centrais, como as causas maiores da crise que se observa a partir da segunda metade dos anos 1970. Sendo assim, ao mesmo tempo que vai impondo derrotas s conquistas do Welfare State construdo nesses pases como uma resposta histrica ao processo de vulnerabilidade social, a ofensiva neoliberal busca recuperar os servios sociais para as empresas privadas, propondo a remercantilizao de tais servios. Isso constitui um dos mveis principais da crtica que atualmente se faz ao Estado do Bem-estar Social em todo o mundo, motivado pelo interesse em controlar o fundo pblico destinado ao setor sade. O Brasil, assim como os pases latino-americanos, apesar de no ter experimentado as conquistas sociais verificadas nesses pases, no escapa dessa ofensiva neoliberal. Exemplo disso, o recente Programa Nacional de Desprecarizao do Trabalho no Sistema nico de Sade (SUS) deflagrado pelo Ministrio da Sade com o objetivo de reverter o quadro de precarizao do trabalho no setor. Outro exemplo a expanso do mercado privado de planos e seguros de sade no pas, que conseqncia direta do subfinanciamento do SUS observado ao longo da dcada de 1990. Apesar da garantia constitucional de que a sade direito de todos e dever do Estado, a sua implementao foi marcada pelo enfrentamento de uma srie de constrangimentos impostos pelo modelo econmico adotado no nosso pas nesse perodo, fortemente influenciado pelo receiturio neoliberal. Do ponto de vista educacional, o processo de globalizao tambm vem acompanhado da difuso de uma srie de noes ou conceitos, tais como, sociedade do conhecimento, empregabilidade e competncia, que atualmente definem as polticas educacionais e se constituem no aparato ideolgico justificador das desigualdades sociais. Portanto, a elaborao desse dicionrio, visa explicitao de conceitos e termos organizados em torno de trs eixos centrais: trabalho, educao e sade. Foram escolhidos em razo da sua importncia34

Ainconteste e mesmo sendo recorrentes no mbito da Educao Profissional em Sade so de conhecimento restrito entre os educadores, pesquisadores, estudantes jovens e adultos e gestores que tm interesse na formao dos trabalhadores tcnicos da sade. Ao contrrio, outros termos e conceitos foram escolhidos por terem surgido recentemente para definir prticas e fenmenos originais do mundo do trabalho em geral e o de sade, em particular. Sem a pretenso de esgotar o universo de termos de interesse para esse tema e com o entendimento de que qualquer escrito sobre a formao humana, nas suas diversas reas e perspectivas, deve ser sempre considerado um projeto inacabado, o Observatrio dos Tcnicos em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV), unidade tcnico-cientfica da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), inspirado em obras cientficas comprometidas com o pensamento crtico que nega a adaptao ao existente e com a construo de uma sociedade justa, democrtica e igualitria, tomou para si a iniciativa de organizar o processo de construo coletiva que agora culmina com a publicao deste Dicionrio da Educao Profissional em Sade. Nesse processo de construo coletiva contamos com a participao de professores-pesquisadores representantes dos diversos grupos de trabalho da EPSJV, que conosco discutiram e indicaram os verbetes prioritrios para compor a coletnea, bem como os possveis autores. Infelizmente, nem todos foram incorporados presente edio e certamente com a divulgao do dicionrio muitos outros sero lembrados e indicados para compor uma prxima edio. Para a elaborao dos verbetes, partimos da premissa de que a produo, a circulao e a recepo dos textos e dos discursos se do em contextos especficos que no podem ser ignorados. Se os textos e os discursos se nos apresentam como neutros e naturais, objetivos e transparentes, a tradio da crtica da ideologia nos lembra que no h texto ou discurso que seja desinteressado, transparente e neutro. O trabalho35

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educativo e a construo de sentidos aqui adotados consistem em desmontar as iluses ideolgicas, apontando para a construo de um conhecimento crtico e qualificado. Trata-se assim de uma compreenso pautada na idia de que o pensamento crtico na Educao Profissional em Sade, quer realizado na escola e/ou nos servios de sade, atravessado por redes contraditrias, mensagens, textos, discursos, sinais interessados, conflitos e lutas por vises de mundo diferenciadas. Nessa discusso tambm central a noo de que o sentido construdo socialmente na vida social e histrica. Desde Marx, passando por todos os ramos e abordagens da teoria crtica, sabemos que o mundo dos sentidos e representaes sociais nunca neutro, transparente e diretamente acessvel conscincia do sujeito. Ou seja, toda representao ou sentido social passa necessariamente pela ideologia e pelo imaginrio social, o que requer perceber que a crtica do senso comum e das representaes no deva caminhar, de forma exclusiva, para uma teoria que se queira apenas cientfica, como no vis cientificista, excluindo da experincia humana a cultura, a tica, a esttica, enfim, a variedade da vida social. A partir dessas idias convidamos os autores que compem essa coletnea privilegiando fundamentalmente uma abordagem crtica e qualificada e no uma padronizao terico-metodolgica aos quais foram feitas as seguintes orientaes para a escrita dos verbetes: a) linguagem crtica, sem o mito da neutralidade, problematizando sempre que possvel os contextos e articulando do particular ao geral na relao trabalho, educao e sade, escapando das generalidades vazias ou discursos hermticos e desnecessariamente confusos; b) historicidade dos conceitos e termos, tendo como princpio que os conceitos so histricos, portanto construes humanas e no uma verdade natural e imutvel; c) relaes entre os iderios da sociedade e suas inflexes nas polticas de formao dos trabalhadores tcnicos de sade, na medida do possvel; d) processo de trabalho e o cotidia36

Ano dos servios da sade, relacionando, na medida do possvel, a formao com o cotidiano dos servios de modo a no levar a um conformismo com as condies existentes. Finalmente, pensamos que a escrita e a leitura so atos ativos e produtivos, e nesse sentido esperamos que o leitor seja levado a questionar e a buscar os significados oferecidos pelos verbetes, e que a divulgao desse dicionrio contribua para a criao de circunstncias a favor de uma formao dos trabalhadores da sade que tenha como meta a sua emancipao e o compromisso com o pensamento crtico a favor da sade e da educao pblicas.

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Os Organizadores

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AATENO SADEGustavo Corra Matta Mrcia Valria Guimares Morosini

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Ateno sade designa a organizao estratgica do sistema e das prticas de sade em resposta s necessidades da populao. expressa em polticas, programas e servios de sade consoante os princpios e as diretrizes que estruturam o Sistema nico de Sade (SUS). A compreenso do termo ateno sade remete-se tanto a processos histricos, polticos e culturais que expressam disputas por projetos no campo da sade quanto prpria concepo de sade sobre o objeto e os objetivos de suas aes e servios, isto , o que e como devem ser as aes e os servios de sade, assim como a quem se dirigem, sobre o que incidem e como se organizam para atingir seus objetivos. Numa perspectiva histrica, a noo de ateno pretende superar a clssica oposio entre assistncia e preveno, entre indivduo e coletividade,39

que durante muitos anos caracterizou as polticas de sade no Brasil. Dessa forma, remete-se histrica ciso entre as iniciativas de carter individual e curativo, que caracterizam a assistncia mdica, e as iniciativas de carter coletivo e massivo, com fins preventivos, tpicas da sade pblica. Essas duas formas de conceber e de organizar as aes e os servios de sade configuraram dois modelos distintos o modelo biomdico e o modelo campanhista/preventivista que marcaram, respectivamente, a assistncia mdica e a sade pblica, faces do setor sade brasileiro cuja separao, h muito instituda, ainda representa um desafio para a constituio da sade em um sistema integrado. O modelo biomdico, estruturado durante o sculo XIX, associa doena leso, reduzindo o processo sade-doena sua dimenso anatomofisiolgica, excluindo as dimenses

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histrico-sociais, como a cultura, a poltica e a economia e, conseqentemente, localizando suas principais estratgias de interveno no corpo doente. Por outro lado, desde o final do sculo XIX, o modelo preventivista expandiu o paradigma microbiolgico da doena para as populaes, constituindo-se como um saber epidemiolgico e sanitrio, visando organizao e higienizao dos espaos humanos. No Brasil, os modelos de ateno podem ser compreendidos em relao s condies socioeconmicas e polticas produzidas nos diversos perodos histricos de organizao da sociedade brasileira. O modelo campanhista influenciado por interesses agroexpor-tadores no incio do sculo XX baseou-se em campanhas sanitrias para combater as epidemias de febre amarela, peste bubnica e varola, implementando programas de vacinao obrigatria, desinfeco dos espaos pblicos e domiciliares e outras aes de medicalizao do espao urbano, que atingiram, em sua maioria, as camadas menos favorecidas da populao. Esse modelo predominou no cenrio das polticas de sade brasileiras at o incio da dcada de 1960. O modelo previdencirioprivatista teve seu incio na dcada de40

1920 sob a influncia da medicina liberal e tinha o objetivo de oferecer assistncia mdico-hospitalar a trabalhadores urbanos e industriais, na forma de seguro-sade/previdncia. Sua organizao marcada pela lgica da assistncia e da previdncia social, inicialmente, restringindo-se a algumas corporaes de trabalhadores e, posteriormente, unificando-se no Instituto Nacional de Assistncia e Previdncia Social (INPS), em 1966, e ampliando-se progressivamente ao conjunto de trabalhadores formalmente inseridos na economia (Baptista, 2005). Esse modelo conhecido tambm por seu aspecto hospitalocntrico, uma vez que, a partir da dcada de 1940, a rede hospitalar passou a receber um volume crescente de investimentos, e a ateno sade foi-se tornando sinnimo de assistncia hospitalar. Trata-se da maior expresso na histria do setor sade brasileiro da concepo mdico-curativa, fundada no paradigma flexneriano, caracterizado por uma concepo mecanicista do processo sade-doena, pelo reducionismo da causalidade aos fatores biolgicos e pelo foco da ateno sobre a doena e o indivduo. Tal paradigma que organizou o ensino e o trabalho mdico foi um dos responsveis pela fragmentao e hierar-

Ateno Sade

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quizao do processo de trabalho em sade e pela proliferao das especialidades mdicas. Nesse mesmo processo, o modelo campanhista da sade pblica, pautado pelas intervenes na coletividade e nos espaos sociais, perde terreno e prestgio no cenrio poltico e no oramento pblico do setor sade, que passa a privilegiar a assistncia mdico-curativa, a ponto de comprometer a preveno e o controle das endemias no territrio nacional. Ao final da dcada de 1970, diversos segmentos da sociedade civil entre eles, usurios e profissionais de sade pblica insatisfeitos com o sistema de sade brasileiro iniciaram um movimento que lutou pela ateno sade como um direito de todos e um dever do Estado. Este movimento ficou conhecido como Reforma Sanitria Brasileira e culminou na instituio do SUS por meio da Constituio de 1988 e posteriormente regulamentado pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, chamadas Leis Orgnicas da Sade. Em meio ao movimento de consolidao do SUS, a noo de ateno afirma-se na tentativa de produzir uma sntese que expresse a complexidade e a extenso da concepo ampliada de sade que marcou o movimento pela Reforma Sa41

nitria: Sade a resultante das condies de habitao, alimentao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a servios de sade. A partir dessa concepo ampliada do processo sade-doena, a ateno sade intenta conceber e organizar as polticas e as aes de sade numa perspectiva interdisciplinar, partindo da crtica em relao aos modelos excludentes, seja o biomdico curativo ou o preventivista. No mbito do SUS, h trs princpios fundamentais a serem considerados em relao organizao da ateno sade. So eles: o princpio da universalidade, pelo qual o SUS deve garantir o atendimento de toda a populao brasileira; o princpio da integralidade, pelo qual a assistncia entendida como um conjunto articulado e contnuo das aes e servios preventivos e curativos, individuais e coletivos (...) (Brasil, 1990); e o princpio da eqidade, pelo qual esse atendimento deve ser garantido de forma igualitria, porm, contemplando a multiplicidade e a desigualdade das condies scio-sanitrias da populao. Em relao universalidade, o desafio posto organizao da ateno sade o de constituir um con-

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junto de aes e prticas que permitam incorporar ou reincorporar parcelas da populao historicamente apartadas dos servios de sade. Da mesma forma, ao pautar-se pelo princpio da integralidade, a organizao da ateno sade implica a produo de servios, aes e prticas de sade que possam garantir a toda a populao o atendimento mais abrangente de suas necessidades. J em relao eqidade, a ateno sade precisa orientar os servios e as aes de sade segundo o respeito ao direito da populao brasileira em geral de ter as suas necessidades de sade atendidas, considerando, entretanto, as diferenas historicamente institudas e que se expressam em situaes desiguais de sade segundo as regies do pas, os estratos sociais, etrios, de gnero entre outros. Premido, de um lado, pelas tenses geradas por essa pauta de princpios e, de outro, pela convivncia com os paradigmas do modelo assistencialista, o SUS organizou a ateno sade de forma hierarquizada, em nveis crescentes de complexidade. Segundo essa lgica, os servios de sade so classificados nos nveis primrio, secundrio e tercirio de ateno, conforme o grau de complexidade tecnolgica requerida aos procedimentos realizados. A imagem42

associada a essa hierarquizao a de uma pirmide, em cuja base se encontram os servios de menor complexidade e maior freqncia, que funcionariam como a porta de entrada para o sistema. No meio da pirmide, esto os servios de complexidade mdia e alta, aos quais o acesso se d por encaminhamento e, finalmente, no topo, esto os servios de alta complexidade, fortemente especializados. Essa tentativa de organizar e racionalizar o SUS, se, por um lado, proporcionou um desenho e um fluxo para o sistema, por outro, reforou a sua fragmentao e subvalorizou a ateno primria como um lcus de tecnologias simples, de baixa complexidade. Em contraposio, o modelo de ateno pode constituir-se na resposta dos gestores, servios e profissionais de sade para o desenvolvimento de polticas e a organizao dos servios, das aes e do prprio trabalho em sade, de forma a atenderem as necessidades de sade dos indivduos, nas suas singularidades, e dos grupos sociais, na sua relao com suas formas de vida, suas especificidades culturais e polticas. O modelo de ateno pode, enfim, buscar garantir a continuidade do atendimento nos diversos momentos e contextos em que se objetiva a ateno sade.

Ateno Sade

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Nesse sentido, existem tambm propostas de ateno dirigidas a grupos especficos que podem ser descritas como polticas voltadas para ateno sade por ciclo de vida ateno sade do idoso, criana e ao adolescente, ateno sade do adulto; a portadores de doenas especficas ateno hipertenso arterial, diabetes, hansenase, DST/ Aids, entre outras; e tambm relativas a questes de gnero sade da mulher e, mais recentemente, sade do homem. Essas propostas podem vir associadas a estratgias de centralizao poltica e especializao tcnica, historicamente concebidas como programas de sade que antagonizam com a lgica da integralidade, uma vez que favorecem a fragmentao das polticas e das aes de sade e buscam uniformizar a interveno por meio de protocolos tcnico-cientficos pouco permeveis s especificidades polticas, sociais e culturais. Ao contrrio, argumenta-se que:A complexidade dos problemas de sade requer para o seu enfrentamento a utilizao de mltiplos saberes e prticas. O sentido da mudana do foco dos servios e aes de sade para as necessidades individuais e coletivas, portanto para o cuidado, implica a produo de relaes de acolhimento, de vnculo e43

de responsabilizao entre os trabalhadores e a populao, reforando a centralidade do trabalho da equipe multiprofissional. (EPSJV, 2005, p. 75)

Numa dimenso tico-poltica, isto significa afirmar que a ateno sade se constri a partir de uma perspectiva mltipla, interdisciplinar e, tambm, participativa, na qual a interveno sobre o processo sade-doena resultado da interao e do protagonismo dos sujeitos envolvidos: trabalhadores e usurios que produzem e conduzem as aes de sade.

Para saber mais:BAPTISTA, T. W. F. O direito sade no Brasil: sobre como chegamos ao Sistema nico de Sade e o que esperamos dele. In: EPSJV (Org.) Textos de Apoio em Polticas de Sade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. BRASIL. Constituio da Repblica. Artigos 194, 196. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: < http:/ /www.senado.gov.br/sf/legislacao/ const/ > Acesso em: 29 nov. 2005. BRASIL. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponvel em: Acesso em: 29 nov. 2005. BRASIL. Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponvel em: Acesso em: 29 nov. 2005. CAMARGO JR., K. R. Biomedicina, Saber e Cincia: uma abordagem crtica. So Paulo: Hucitec, 2003. CORBO, A. M. & MOROSINI, M. V. G. Sade da famlia: histria recente da reorganizao da ateno sade. In: EPSJV (Org.) Textos de Apoio em Polticas de Sade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. EPSJV (Org.) Projeto Poltico Pedaggico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.

MENDES, E. V. Distrito Sanitrio: o processo social de mudana das prticas sanitrias do Sistema nico de Sade. So Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/ Abrasco, 1993. ROSEN, G. Uma Histria da Sade Pblica. So Paulo: Hucitec/Editora da Universidade Estadual Paulista, 1994. SILVA JUNIOR, A. G. Modelos Tecnoassistenciais em Sade: o debate no campo da sade coletiva. So Paulo: Hucitec, 1998.

sentado Ateno Primria Sade (APS) como uma estratgia de organizao da ateno sade voltada para responder de forma regionalizada, contnua e sistematizada maior parte das necessidades de sade de uma populao, integrando aes preventivas e curativas, bem como a ateno a indivduos e comunidades. Esse enunciado procura sintetizar as diversas concepes e denominaes das propostas e experincias que se convencionaram chamar internacionalmente de APS.44

ATENO PRIMRIA SADEGustavo Corra Matta Mrcia Valria Guimares Morosini

Internacionalmente tem-se apre-

No Brasil, a APS incorpora os princpios da Reforma Sanitria, levando o Sistema nico de Sade (SUS) a adotar a designao Ateno Bsica Sade (ABS) para enfatizar a reorientao do modelo assistencial, a partir de um sistema universal e integrado de ateno sade. Historicamente, a idia de ateno primria foi utilizada como forma de organizao dos sistemas de sade pela primeira vez no chamado Relatrio Dawnson, em 1920. Esse documento

Ateno Primria Sade

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do governo ingls procurou, de um lado, contrapor-se ao modelo flexineriano americano de cunho curativo, fundado no reducionismo biolgico e na ateno individual, e por outro, constituir-se numa referncia para a organizao do modelo de ateno ingls, que comeava a preocupar as autoridades daquele pas, devido ao elevado custo, crescente complexidade da ateno mdica e baixa resolutividade. O referido relatrio organizava o modelo de ateno em centros de sade primrios e secundrios, servios domiciliares, servios suplementares e hospitais de ensino. Os centros de sade primrios e os servios domiciliares deveriam estar organizados de forma regionalizada, onde a maior parte dos problemas de sade deveriam ser resolvidos por mdicos com formao em clnica geral. Os casos que o mdico no tivesse condies de solucionar com os recursos disponveis nesse mbito da ateno deveriam ser encaminhados para os centros de ateno secundria, onde haveria especialistas das mais diversas reas, ou ento, para os hospitais, quando existisse indicao de internao ou cirurgia. Essa organizao caracteriza-se pela hierarquizao dos nveis de ateno sade.45

Os servios domiciliares de um dado distrito devem estar baseados num Centro de Sade Primria uma instituio equipada para servios de medicina curativa e preventiva para ser conduzida por clnicos gerais daquele distrito, em conjunto com um servio de enfermagem eficiente e com o apoio de consultores e especialistas visitantes. Os Centros de Sade Primrios variam em seu tamanho e complexidade de acordo com as necessidades locais, e com sua localizao na cidade ou no pas. Mas, a maior parte deles so formados por clnicos gerais dos seus distritos, bem como os pacientes pertencem aos servios chefiados por mdicos de sua prpria regio. (Ministry of Health, 1920)

Esta concepo elaborada pelo governo ingls influenciou a organizao dos sistemas de sade de todo o mundo, definindo duas caractersticas bsicas da APS. A primeira seria a regionalizao, ou seja, os servios de sade devem estar organizados de forma a atender as diversas regies nacionais, atravs da sua distribuio a partir de bases populacionais, bem como devem identificar as necessidades de sade de cada regio. A segunda caracterstica a integralidade, que fortalece a indissociabilidade entre aes curativas e preventivas. Os elevados custos dos sistemas de sade, o uso indiscriminado de

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tecnologia mdica e a baixa resolutividade preocupavam a sustentao econmica da sade nos pases desenvolvidos, fazendo-os pesquisar novas formas de organizao da ateno com custos menores e maior eficincia. Em contrapartida, os pases pobres e em desenvolvimento sofriam com a iniqidade dos seus sistemas de sade, com a falta de acesso a cuidados bsicos, com a mortalidade infantil e com as precrias condies sociais, econmicas e sanitrias. Em 1978 a Organizao Mundial da Sade (OMS) e o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef) realizaram a I Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade em AlmaAta, no Cazaquisto, antiga Unio Sovitica, e propuseram um acordo e uma meta entre seus pases membros para atingir o maior nvel de sade possvel at o ano 2000, atravs da APS. Essa poltica internacional ficou conhecida como Sade para Todos no Ano 2000. A Declarao de Alma-Ata, como foi chamado o pacto assinado entre 134 pases, defendia a seguinte definio de APS, aqui denominada cuidados primrios de sade:Os cuidados primrios de sade so cuidados essenciais de sade baseados em mtodos e tecnologias prticas, cientificamente bem funda46

mentadas e socialmente aceitveis, colocadas ao alcance universal de indivduos e famlias da comunidade, mediante sua plena participao e a um custo que a comunidade e o pas possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no esprito de autoconfiana e autodeterminao. Fazem parte integrante tanto do sistema de sade do pas, do qual constituem a funo central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econmico global da comunidade. Representam o primeiro nvel de contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional de sade, pelo qual os cuidados de sade so levados o mais proximamente possvel aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistncia sade. (Opas/OMS, 1978)

No que diz respeito organizao da APS, a declarao de Alma-Ata prope a instituio de servios locais de sade centrados nas necessidades de sade da populao e fundados numa perspectiva interdisciplinar envolvendo mdicos, enfermeiros, parteiras, auxiliares e agentes comuni-trios, bem como a participao social na gesto e controle de suas atividades. O documento descreve as seguintes aes mnimas, necessrias para o desenvolvimento da APS nos diversos pases: educao em sade voltada para a pre-

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veno e proteo; distribuio de alimentos e nutrio apropriada; tratamento da gua e saneamento; sade materno-infantil; planejamento familiar; imunizao; preveno e controle de doenas endmicas; tratamento de doenas e leses comuns; fornecimento de medicamentos essenciais. A Declarao de Alma-Ata representa uma proposta num contexto muito maior que um pacote seletivo de cuidados bsicos em sade. Nesse sentido, aponta para a necessidade de sistemas de sade universais, isto , concebe a sade como um direito humano; a reduo de gastos com armamentos e conflitos blicos e o aumento de investimentos em polticas sociais para o desenvolvimento das populaes excludas; o fornecimento e at mesmo a produo de medicamentos essenciais para distribuio populao de acordo com a suas necessidades; a compreenso de que a sade o resultado das condies econmicas e sociais, e das desigualdades entre os diversos pases; e tambm estipula que os governos nacionais devem protagonizar a gesto dos sistemas de sade, estimulando o intercmbio e o apoio tecnolgico, econmico e poltico internacional (Matta, 2005). Apesar de as metas de Alma-Ata jamais terem sido alcanadas plena47

mente, a APS tornou-se uma referncia fundamental para as reformas sanitrias ocorridas em diversos pases nos anos 80 e 90 do ltimo sculo. Entretanto, muitos pases e organismos internacionais, como o Banco Mundial, adotaram a APS numa perspectiva focalizada, entendendo a ateno primria como um conjunto de aes de sade de baixa complexidade, dedicada a populaes de baixa renda, no sentindo de minimizar a excluso social e econmica decorrentes da expanso do capitalismo global, distanciando-se do carter universalista da Declarao de Alma-Ata e da idia de defesa da sade como um direito (Mattos, 2000). No Brasil, algumas experincias de APS foram institudas de for ma incipiente desde o incio do sculo XX, como os centros de sade em 1924 que, apesar de manterem a diviso entre aes curativas e preventivas, organizavam-se a partir de uma base populacional e trabalhavam com educao sanitria. A partir da dcada de 1940, foi criado o Servio Especial de Sade Pblica (Sesp) que realizou aes curativas e preventivas, ainda que restritas s doenas infecciosas e carenciais. Essa experincia inicialmente limitada s reas de relevncia econmica, como as de extrao de borracha, foi ampliada durante os anos 50

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e 60 para outras regies do pas, mas represada de um lado pela expanso do modelo mdico-privatista, e de outro, pelas dificuldades de capilarizao local de um rgo do governo federal, como o caso do Sesp (Mendes, 2002). Nos anos 70, surge o Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento do Nordeste (Piass) cujo objetivo era fazer chegar populao historicamente excluda de qualquer acesso sade um conjunto de aes mdicas simplificadas, caracterizando-se como uma poltica focalizada e de baixa resolutividade, sem capacidade para fornecer uma ateno integral populao. Com o movimento sanitrio, as concepes da APS foram incorporadas ao iderio reformista, compreendendo a necessidade de reorientao do modelo assistencial, rompendo com o modelo mdico-privatista vigente at o incio dos anos 80. Nesse perodo, durante a crise do modelo mdicoprevidencirio representado pela centralidade do Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (Inamps), surgiram as Aes Integradas de Sade (AIS), que visavam ao fortalecimento de um sistema unificado e descentralizado de sade voltado para as aes integrais. Nesse sentido, as AIS surgiram de convnios en48

tre estados e municpios, custeadas por recursos transferidos diretamente da previdncia social, visando ateno integral e universal dos cidados. Essas experincias somadas constituio do SUS (Brasil, 1988) e sua regulamentao (Brasil, 1990) possibilitaram a construo de uma poltica de ABS que visasse reorientao do modelo assistencial, tornando-se o contato prioritrio da populao com o sistema de sade. Assim, a concepo da ABS desenvolveu-se a partir dos princpios do SUS, principalmente a universalidade, a descentralizao, a integralidade e a participao popular, como pode ser visto na portaria que institui a Poltica Nacional de Ateno Bsica, definindo a ABS como:um conjunto de aes de sade no mbito individual e coletivo que abrangem a promoo e proteo da sade, preveno de agravos, diagnstico, tratamento, reabilitao e manuteno da sade. desenvolvida atravs do exerccio de prticas gerenciais e sanitrias democrticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populaes de territrios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitria, considerando a dinamicidade existente no territrio em que vivem essas populaes. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os

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problemas de sade de maior freqncia e relevncia em seu territrio. o contato preferencial dos usurios com os sistemas de sade. Orienta-se pelos princpios da universalidade, acessibilidade e coordenao do cuidado, vnculo e continuidade, integralidade, responsabilizao, humanizao, equidade, e participao social. (Brasil, 2006)

Atualmente, a principal estratgia de configurao da ABS no Brasil a sade da famlia que tem recebido importantes incentivos financeiros visando ampliao da cobertura populacional e reorganizao da ateno. A sade da famlia aprofunda os processos de territorializao e responsabilidade sanitria das equipes de sade, compostas basicamente por mdico generalista, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitrios de sade, cujo trabalho referncia de cuidados para a populao adscrita, com um nmero definido de domiclios e famlias assistidos por equipe. Entretanto, os desafios persistem e indicam a necessidade de articulao de estratgias de acesso aos demais nveis de ateno sade (ver verbete Ateno Sade), de forma a garantir o princpio da integralidade, assim como a necessidade permanente de ajuste das aes e servios locais de sade, visando apreenso ampliada das necessidades de sa49

de da populao e superao das iniqidades entre as regies do pas. Ressalta-se tambm na ABS a importante participao de profissionais de nvel bsico e mdio em sade, como os agentes comunitrios de sade, os auxiliares e tcnicos de enfermagem, entre outros responsveis por aes de educao e vigilncia em sade.

Para saber mais:BRASIL. Constituio da Repblica. Artigos 194, 196. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: < http:/ /www.senado.gov.br/sf/legislacao/ const/ > Acesso em: 29 nov. 2005. BRASIL. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponvel em: Acesso em: 29 nov. 2005. BRASIL. Portaria n. 648, de 28 de maro de 2006. Braslia: Ministrio da Sade, 2006. Disponvel em: Acesso em: 4 set. 2006. FAUSTO, M. C. R. Dos Programas de Medicina Comunitria ao Sistema nico de Sade: uma anlise histrica da ateno primria na poltica de sade brasileira, 2005. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IMS/Uerj. MATTA, G. C. A organizao mundial de sade: do controle de epidemias luta

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pela hegemonia. Trabalho Educao e Sade, 3(2) p. 371-396, 2005. MATTOS, R. A. Desenvolvendo e Ofertando Idias: um estudo sobre a elaborao de propostas de polticas de sade no mbito do Banco Mundial, 2000. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IMS/Uerj. MENDES, E. V. Ateno Primria Sade no SUS. Fortaleza: Escola de Sade Pblica do Cear, 2002. MINISTRY OF HEALTH. Interim report on the future provision of medical and allied services. London,

1920. Disponvel em: Acesso em: 25 set. 2006. OPAS/OMS. Declarao de Alma-Ata. Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios em Sade. 1978. Disponvel em: Acesso em: 12 nov. 2004. STARFIELD, B. Ateno Primria: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia. Braslia: Unesco Brasil/ Ministrio da Sade, 2004.

tem inmeras definies de Avaliao, seus contornos no campo da sade se delimitam no mbito das polticas e programas sociais, consistindo fundamentalmente em aplicar um julgamento de valor a uma interveno, atravs de um dispositivo capaz de fornecer informaes cientificamente vlidas e socialmente legtimas sobre ela ou qualquer um dos seus componentes, permitindo aos diferentes atores envolvidos, que podem ter campos de julgamento diferentes, se posicionarem e construrem (individual ou coletivamente) um julgamento ca50

AVALIAO EM SADEZulmira Maria de Arajo Hartz

Apesar de se reconhecer que exis-

paz de ser traduzido em ao. Este julgamento pode ser o resultado da aplicao de critrios e normas - avaliao normativa - ou, ser elaborado a partir de um procedimento cientfico - pesquisa avaliativa (Contandriopoulos, 2006). Sendo uma atividade formalmente utilizada na China h quatro mil anos para recrutar seus funcionrios, no ocidente tem apenas dois sculos e, do sculo XIX at 1930 (1a gerao), se limitava aos problemas de medidas e s aplicaes do mtodo experimental (Dubois et al, 2008).

Avaliao em Sade

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No domnio da sade ela surge ento, vinculada aos avanos da epidemiologia e da estatstica, testando a utilidade de diversas intervenes, particularmente direcionadas ao controle das doenas infecciosas e ao desenvolvimento dos primeiros sistemas de informao que orientassem as polticas sanitrias nos pases desenvolvidos (Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Frana, Gr Bretanha, Sua etc). O avaliador, nesse primeiro estgio, essencialmente um tcnico que precisa saber construir e usar os instrumentos para medir os fenmenos estudados e, somente no estgio seguinte (at os anos cinqenta), comea a identificar e descrever os programas, compreender sua estrutura, foras e fragilidades para ver se possvel atingirem os resultados esperados e fazer as devidas recomendaes para sua implementao. As medidas passam a se colocar a servio da avaliao, mas conceitualmente distintas, e os pesquisadores em cincias sociais exercem um papel cada vez mais importante na conduo dos estudos avaliatrios considerando o avano metodolgico de suas disciplinas. O terceiro estgio se inicia nos anos 1960 e vai at o final dos anos 1980, com o lanamento do livro de Guba & Lincoln (1989), precursores51

dessa sistematizao histrica, anunciando o advento da quarta gerao de avaliadores, que trataremos a seguir. Nesse terceiro estgio predominam a funo de julgamento, como competncia fundamental do avaliador, a institucionalizao das prticas avaliativas e a emergncia das iniciativas de profissionalizao, como campo de conhecimento distinto, evidenciadas pelo nmero crescente das publicaes especficas, a emergncia das associaes de avaliadores internacionais e dos padres de qualidade. A passagem da segunda terceira gerao se justificava, sobretudo, por duas lacunas: apreciavam apenas os alcances dos objetivos ex-post, sem question-los em seu valor e relevncia, no observando, portanto, as lacunas dos programas. A quarta gerao se coloca como uma alternativa, no excludente, dos referenciais anteriores, mas a avaliao torna-se ela mesma inclusiva e participativa, um processo de negociao entre os atores envolvidos na interveno em que o pesquisador-avaliador tambm se coloca como parte e no apenas juiz. Guba & Lincoln (1989), consideravam que pelo menos trs problemas comuns comprometiam as geraes precedentes, unificadas no paradigma positivista, no qual a produo de conhecimento proprieda-

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de exclusiva dos especialistas nos mtodos cientficos: 1) apesar da aparente objetividade por parte dos avaliadores, a avaliao era predominantemente uma simples ferramenta gerencial nas estratgias polticas; 2) os julgamentos no tinham em conta o pluralismo de atores envolvidos, com diferentes valores e lgicas de regulao (tcnica, poltica, democrtica) dos sistemas de ao social, nem a influncia deles decorrente no desenho e uso dos estudos; 3) privilgio de mtodos quantitativos e das relaes direta de causalidade, com desconsiderao do contexto e outros elementos no cientficos na busca de se conhecer a verdade, ocultando sua contingncia e relatividade, a moral e a tica do avaliador porque a cincia seria livre de valores. Breve, as interpretaes e interaes de atores desempenham um papel no somente na produo de resultados e julgamentos, mas tambm no aprendizado como conseqncia da avaliao inclusive para todo corpo social nela interessado. Esses pressupostos apontam para a emergncia da quinta gerao de avaliao com participao da sociedade civil em todas as etapas (Baron & Monnier, 2003). A quinta gerao (emancipadora) combinaria as anteriores, mas ela implica a vontade explcita de aumentar o poder52

dos participantes graas ao processo de avaliao. Essa abordagem, como as demais, se compromete com a melhoria das polticas pblicas, mas tambm a ajudar os grupos sociais a ela relacionados a melhor compreender os prprios problemas e as possibilidades de modific-los a seu favor. Os autores, apoiados em uma longa experincia da avaliao de polticas pblicas em diversos pases, fundamentam seus argumentos concluindo que as chances de utilizao dos estudos avaliativos decorrem dessa co-produo dos participantes, em que o avaliador desempenha um papel pedaggico de mediador e tradutor do processo analtico e seus resultados.

Avanos e desafios atuais da avaliao em sadeA quarta gerao da avaliao, 20 anos depois, ainda aparece emergindo no campo da sade. Se a racionalidade positivista, do sujeito exterior ao objeto que estuda, foi parcialmente superada, at mesmo no discurso dos defensores da tradio cientfica, ela est de tal forma aculturada que a maioria de nossos pesquisadores e estudiosos continua assumindo esta forma do ser cientfico em seus

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protocolos e atitudes. Pior, quando se adota a interao do sujeito com o objeto, enquanto inexorvel contextualizao do prprio objeto, como o caso das polticas de sade, tem-se de pagar um certo pedgio aos cnones ditos acadmicos para este reconhecimento. As tentativas nacionais de institucionalizao da avaliao (Brasil, 2005 a, b e 2007), ainda que defasadas em relao sua emergncia nas polticas dos anos 19701980 (terceiro estgio), foram formuladas com as bases tericas mais avanadas da literatura especializada, mas tm dificuldade de superar os limites do monitoramento de objetivos e metas que caracterizaram a segunda gerao de avaliadores. Essa nossa multiplicidade concomitante de estgios nas prticas avaliativas cientficas e institucionais torna a educao profissional para avaliao em sade, e a democratizao do campo, como grandes desafios interrelacionados a serem enfrentados. A compreenso do avaliador como um profissional que analisa e julga as polticas sociais como um conjunto de fatores de proteo inserido entre os determinantes da sade, exige que ampliemos os objetivos da formao acadmica para contemplar a dualidade do pesquisador-ator comprometido53

com seu objeto de trabalho. No mbito da gesto pblica, estruturada em programas governamentais e orientada por resultados, essa dualidade se traduz como questes de natureza metodolgica e poltica. A exigncia de pluralidade de abordagens e atores demanda a obrigatoriedade de dispositivos institucionais, igualmente participativos, que regulamentem os estudos de avaliao garantindo a qualidade e utilidade do produto final. A pesquisa avaliativa requer, para a qualificao dos programas em sua complexidade, a contribuio de diferentes disciplinas, rompendo paralelismos epistemolgicos que precisam ser complementares na avaliao, tais como: a pesquisa biomdica e organizacional; a ateno individual e coletiva. Nos nveis regionais e locais a descentralizao da gesto de programas fora uma ampliao do conhecimento sobre a totalidade dos