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Revista do Programa de Ps-graduao em Comunicao
Universidade Federal de Juiz de Fora / UFJF
ISSN 1981- 4070 Lumina
1 Vol.8 n2 dezembro 2014
Para alm do rascunho: jornalistas fazedores de histria e as rememoraes do golpe
de 1964, cinquenta anos depois.
Andr Bonsanto Dias1 Resumo: Produz o jornalismo algum tipo de histria? Se produz, de que forma podemos a definir? Pautado sobretudo pelo signo do efmero e da atualidade, comumente afirma-se ser o jornalismo uma instituio que consegue produzir um mero rascunho da histria. Mas, se pensarmos a produo de seu discurso a partir da efemride, local privilegiado onde o passado se transporta no e pelo presente, podemos inferir algumas consideraes particulares. O que pretende este artigo lanar alguns olhares, ainda que preliminares, escrita da histria produzida pelo jornalismo nestas ocasies ao analisar como a Folha de S. Paulo, em seu especial sobre os 50 anos do golpe de 1964, veio a rememorar o acontecimento em questo. Palavras-chave: jornalismo; histria; memria; Folha de S. Paulo; 50 anos do golpe. Abstract: Does journalism produce any kind of history? If it does, how can we define it? Based on the sign of ephemeral and present time, it is commonly affirmed that journalism is an institution that can produce a simple draft of history. But if we think the production of its discourse based upon ephemerides, a privileged position where the past transports itself in and by the present, we can infer some particular considerations. This article intends to highlight, even on a preliminary basis, the writing of history produced by journalism in these occasions, analysing how Folha de S. Paulo, in its special edition about the 50 years of the coup of 1964, recalled this event. Keywords: journalism; history; memory; Folha de S. Paulo; 50 years of the coup.
2014. 50 anos do golpe civil militar no Brasil. Pela efemride, o passado
transporta-se ao presente. Na atualidade do instante, buscas pela interpretao de
um passado que se torna o agora do acontecimento. Nas narrativas cotidianas da
imprensa, os tempos se curto-circuitam (Antunes, 2007). As comemoraes abrem 1 Doutorando em Comunicao pela Universidade Federal Fluminense UFF. Foi Analista de Pesquisa da Comisso Nacional da Verdade e mestre em Comunicao pela Universidade Federal do Paran - UFPR (2012), onde atuou como professor substituto nos anos de 2012 e 2013. Graduado em Comunicao Social Publicidade e Propaganda (2007) e em Histria (2008) pela Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro. E-mail: [email protected]
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parnteses na esteira incessante da produo dos acontecimentos monstros. (Nora,
1988) Os jornalistas, com a ajuda de testemunhas e especialistas fazem histria ou, ao
menos, procuram medi-la nossa percepo das ocorrncias cotidianas.
Como espcies de rodas de fiar do mundo moderno, as mdias vm alterando
nossa compreenso do passado e de como relacionamo-nos com o tempo. Desde o
advento dos meios de massa, instaurou-se aquilo que Thompson (2014) define como
uma historicidade mediada. imperativo afirmar, portanto, que nossa relao com
a histria e a memria se d hoje por experincias simblicas midiatizadas que so
partilhadas e nos constituem quase que por tabela (Pollak, 1992). Vitaminas de
tempo fabricadas constantemente no emaranhado de lembranas e relaes
temporais. (Silvesrtone, 2002).
Mas, se podemos afirmar com tanta convico que as mdias so instituies
fulcrais no processo de construo e mediao de memrias na contemporaneidade,
diramos com a mesma tranquilidade esta inferncia em relao histria? Afinal, o
que fabrica o jornalismo quando faz histria? Ou, recomeando: produz o jornalismo
algum tipo de histria? Se produz, seria uma histria mal feita (Antunes, 2014),
presentista e realimentada constantemente pelo signo do efmero? Poderia o
jornalismo - instituio que constri fatos que esto a acontecer num processo de
atualidade permanente - ir alm do mero rascunho da histria?
Voltemos efemride. Na amlgama complexa desencadeada pela
comemorativite (Candau, 2012) dos 50 anos do golpe, uma meta notcia
publicada pela Folha de S. Paulo incitou-nos algumas reflexes. Aps lanar seu
suplemento especial sobre a efemride do golpe, a empresa publicou, no dia 24 de
maro, a seguinte notcia: Estudiosos elogiam reportagem sobre os 50 anos do
golpe2. A nota, de texto curto e breve, tinha o intuito claro de legitimar o discurso
produzido pelo jornal, uma vez que vrios dos especialistas destacaram o equilbrio
dos textos e os recursos de udio e vdeo. H aqui uma aparente preocupao da
empresa em atestar seu estatuto de produtor de um discurso histrico, legtimo,
aceito e elogiado por seus pares. Teria a instituio, portanto, com o aval dos
2 Disponvel em: www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1429806-estudiosos-elogiam-reportagem-sobre-os-50-anos-do-golpe.shtml Acesso em: 21 set 2014.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1429806-estudiosos-elogiam-reportagem-sobre-os-50-anos-do-golpe.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1429806-estudiosos-elogiam-reportagem-sobre-os-50-anos-do-golpe.shtml
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historiadores, cientistas polticos e filsofos, o direito de entrar no panteo dos
fazedores de histria.
Mas no poderia o prprio jornal assumir-se como um lugar legtimo de fala?
Qual a importncia destes especialistas para garantir sentidos ao passado construdo
simbolicamente na e pela mdia? O que se pretende aqui problematizar como
podemos definir, ainda que tateando, os processos de uma suposta escrita histrica
legitimada pelo jornalismo. Um acontecimento, rememorado pelo presente do
jornalismo e seus particulares modos de produo da notcia produz efetivamente o
que? E, acima de tudo, como produz?
Para alm do rascunho: os fazedores de histria e a memria na mdia.
Para ir alm do rascunho devemos caminhar por terrenos arenosos e
imprecisos. Pensar uma contemporaneidade que, de to ansiosa por lembrana,
receia compulsivamente do esquecimento, quase sofrendo de uma patologia
mnemnica. Pela esquizofrenia do tudo lembrar, acaba-se paradoxalmente negando o
passado pela constante rememorao e empurrando o presente para o desfiladeiro do
esquecimento, em um futuro que nunca se concretiza enquanto tal. Esse cabo de
guerra desleal caracterstico do regime de historicidade dito presentista. Segundo
o historiador Franois Hartog (2014), pela tirania do instante que se deflagra hoje
um presente perptuo e onipresente. Pelo tempo, ator fundamental para entender os
processos atravs dos quais a histria se entrecruza, no buscamos mais uma lio a
se tirar do passado e muito menos um futuro como promessa.
A imposio de um presente pela narrativa do instante torna o tempo inchado
e hipertrofiado, valorizado pelo efmero e pelo imediato. As mdias, catapultas que
impulsionam a constituio deste novo regime, comprimem o tempo pela incessante
produo de um ao vivo a ser consumido. O presente tornou-se o horizonte, mas
por mais que se constitua por uma aparente negligncia dos processos temporais, ele
produz diariamente o passado e o futuro de que sempre precisa, um dia aps o outro.
(Hartog, 2014: 148) No momento em que se faz presente, o acontecimento
presentista j se produz como histrico, como j passado. Portanto, de se pensar
que todo acontecimento produzido pela mdia j inclui e instaura sua auto
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comemorao. A economia miditica do presente no cessa, portanto, de produzir e
de utilizar o acontecimento. Volta-se, de algum modo, sobre si prprio para
antecipar o olhar que ser dirigido para ele, quando ter passado completamente,
como se quisesse prever o passado, se fazer passado antes mesmo de ter acontecido
plenamente como presente. (Hartog, 2014: 150)3
Construdo no dia a dia da produo da notcia, o acontecimento miditico,
comentando um mundo que est a ocorrer, considerado fonte, inclusive, para a
produo da narrativa historiogrfica. Mas o estatuto comemorativo produzido por
este acontecimento no tempo deve ser pensado, no entanto, para alm de um mero
rascunho da histria. De acordo com Edy (1999), esta uma acepo quase clich
quando se busca inferir sobre uma aproximao do jornalismo com a histria. Mas,
de acordo com a autora, pouca ateno tem se dado queles que fazem uma segunda
escrita deste rascunho. Neste aspecto, as comemoraes parecem oferecer uma
oportunidade para se reexaminar o passado e pensar como a histria comumente
construda e revelada cena pblica pela produo jornalstica.
Se o acontecimento presentista j se inscreve na e pela rememorao, as
narrativas deste presente (a se tornar) passado so fundamentais no processo de
construo de memrias coletivas. Assim, se tratarmos as mdias como instituies
que produzem prticas e formas especficas de memria (Garde-Hansen, 2011)
devemos tambm deslocar nossos olhares s utilizaes do passado no apenas na
construo, mas na reconstruo do acontecimento que se d pela rememorao.
O jornalista pode ser, portanto, alm de produtor de um rascunho que se torna
memria para a histria, um importante fazedor de histria da contemporaneidade.
Alm de serem fornecedores de presente acabam atuando ambivalente e
conflituosamente em sua funo de agentes de memria No entanto, apesar de certo
estatuto privilegiado que se assegura instituio jornalstica ela parece, primeira
vista, estar em um ambiente pouco adequado para fornecer um rastreamento
significativo sobre passado. o que atesta e contesta - Barbie Zelizer (2008) ao
diagnosticar que, supostamente, o passado parece estar um pouco alm dos limites da
3 Para Hartog, o 11 de setembro leva ao extremo esta lgica do acontecimento contemporneo produzido pelas mdias, uma vez que, se deixando ver enquanto se constitui, se historiciza imediatamente e j em si mesmo sua prpria comemorao: sob olho da cmera. Nesse sentido, ele totalmente presentista. (Hartog, 2014: 136)
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funo do jornalista, em decorrncia do estatuto de noticiabilidade e atualidade do
seu fazer dirio. Sob esta pretensa afirmao torna-se difcil, acredita a autora, fugir
do clich do rascunho da histria produzida pelo jornalismo. Desta forma, os
trabalhos do jornalismo sobre a memria e a histria tendem a ficar relegados a um
panorama margem, tocando o passado apenas de soslaio.
Mas esta uma relao dinmica e que reflete caminhos muito mais
problemticos do que os sugeridos pelas noes tradicionais de histria. Primeiro
porque os jornalistas e suas empresas constroem e rememoram o passado para
atender agendas especficas. Da a importncia de se problematizar que parte do
passado ou que tipo de expectativa de futuro trazido aos embates do presente, a
partir dessa reconstruo mnemnica. At porque, quando falamos em
comemorao, estamos muitas vezes lidando com uma memria que, pela efemride,
se constri a partir de circunstncias bem particulares. Embora as comemoraes
sejam orientadas por determinado contexto histrico, sua construo ser sempre
distinta, uma vez que o evento construdo como um ato de lembrana, que se d sob
conjunturas diversas.
Assim, as narrativas histricas construdas e simbolizadas midiaticamente
criam uma conexo emocional entre o presente e o passado, sendo esta uma das
poucas vezes que a mdia nos encoraja a olhar criticamente para o nosso passado,
enviesando-o s particularidades do presente e conjecturando expectativas para um
futuro. Pois, como bem pontua Hartog (2014: 156), as comemoraes definiram um
calendrio novo da vida pblica, impondo-lhe seus ritmos e seus prazos. Ela se
submete e se serve disso, tentando conciliar memria, pedagogia e mensagens
polticas do dia.
por este carter pedaggico e simplificador que a escrita histrica
miditica considerada quase sempre como relativista, que abusa da memria e as
encaixa no presente, sem maiores problematizaes. Tensionada pelo vis
comemorativo da lembrana, comumente impulsionada por um mercado de
consumo de notcias sobre o passado, mais do que por um saber especializado. Mas,
por mais que presentista, o labor jornalstico no surge, obviamente, de um nada
histrico. Pelo contrrio, se inscreve sempre sob uma memria scio-histrica que
tambm determinante para a compreenso de seus relatos. Assim, Antunes (2014)
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acredita que os acontecimentos jornalsticos sempre remetem ao passado para
construir suas narrativas, pois estes precisam referenciar o contexto de sua
emergncia. H de se distinguir o que notcia do que histria sem negar sua
historicidade. A questo a se pensar , no obstante, qual a suposta relao entre elas.
Vale, no entanto, frisar novamente. O que nos caro para o presente estudo
no pensar a produo jornalstica pautada estritamente pela notcia. Se pelo
rascunho que partimos nossa problematizao de escrita da histria do jornalismo e,
se afirmamos que sua prtica, pela comemorao, vai alm da mera inscrio do
acontecimento, porque partilhamos aqui de uma concepo particular para
pensarmos a problemtica da construo de sentidos de tempo pela produo
noticiosa miditica. a partir da que devemos colocar entre parnteses a
problemtica de nossas reflexes.
Sob esta perspectiva, o conceito de operao midiogrfica, proposto pela
historiadora Snia Maria de Meneses Silva (2011) torna-se central. Segundo a tese da
autora, a mdia atua na elaborao tanto de acontecimentos emblemticos quanto
na reelaborao de narrativas que, perpassando categorias temporais, operam na
fundao de sentidos do acontecimento no tempo. Essa escrita da histria particular
se daria a partir de uma inscrio do acontecimento na cena pblica e na sua
constante re-significao na durao, ao realizar constantemente usos sobre um
determinado passado.
Desta forma, os meios de comunicao atuariam simultaneamente como
tecedores de presentes e importantes urdidores de passados da coletividade.
Produtor de diversas verses sobre o passado, seu trabalho se daria para alm do
rascunho da produo do acontecimento. Assim se desloca a temporalidade do
discurso pautado no efmero da atualidade, uma vez que no pelo presente, em si,
que o discurso se d. Situado no presente, o jornalismo busca, na evocao do
passado, uma referncia futura. Na medida em que um acontecimento
constantemente reevocado por uma memria histrica midiatizada, desenrolam-se
jogos de adequaes simblicas que, mobilizados, tambm se enviesam a partir,
obviamente, de interesses particulares daqueles que os lembram e os elaboram cena
pblica. Tessitura sobre o passado, o que essa escrita produz um dilogo com o
futuro, num interminvel esforo de retrospeco e projeo. (Silva, 2011: 152)
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Mas, se a operao midiogrfica parte sempre do rascunho, do
acontecimento inscrito na atualidade do acontecer, alertamos que neste artigo no
iremos discutir a construo do golpe de 1964 nas pginas da Folha. Assumindo o
risco de desvirtuar o conceito, pulamos uma etapa da operao. Pois aqui nos
interessa apenas pensar como este se inscreve, pela rememorao, 50 anos depois.4
No entanto, ao induzirmos nosso local de fala para o presente da memria, devemos,
ao menos, situar quais os sentidos de passado o jornal em questo construiu em sua
operao de escrita histrica e em que contexto est sendo lembrado.
Sabe-se hoje que praticamente toda a grande imprensa escrita de nosso pas
apoiou o golpe que instaurou o regime militar no Brasil em 1964.
Concomitantemente, esses mesmos rgos, outrora apoiadores, assumiram um forte
discurso em prol da redemocratizao aps o esgotamento do regime. A Folha, em
especial, tornou-se reconhecida nacionalmente como o jornal das diretas. Uma vez
sob este rtulo, o jornal estaria se definindo, portanto, como o jornal que no apoiou
a ditadura. Processo complexo, ziguezagueante, pautado sob usos e abusos da
memria e que, de certa forma, sempre pensado a partir de como e o que a empresa
pretende fazer ser visto frente ao seu pblico a partir de um presente especfico.
No contexto dos 50 anos, esta mesma imprensa e aqui nos baseamos ainda
que hipoteticamente pautada sob uma poltica de memria particular e preocupada
politicamente com as reverberaes da Comisso Nacional da Verdade, vm
assumindo um discurso cada vez mais copioso e, ao mesmo tempo, apaziguador sobre
aqueles idos. Sintoma evidente dos processos de mea culpa produzidos por alguns
destes rgos e que repercutiram consideravelmente na ocasio.5 Mas aqui no
buscamos compreender necessariamente o qu o jornal produz como histria pela
efemride, mas como ele articula as narrativas e as rememora. Pensar o como
direcionar, metodologicamente, um olhar para a operao midiogrfica j deslocada e
inscrita no tempo.
44 Uma anlise sobre as polticas de memria da Folha ao longo do regime podem ser consultadas em Silva (2011) e DIAS (2014a). Vale ressaltar que, aqui, a problematizao se d sobre as comemoraes dos 50 anos do golpe, efemride que os estudos em questo, obviamente, no abarcaram. 5 Sobre as polticas de memria destes rgos da imprensa e o horizonte de expectativa das efemrides dos 50 anos, consultar DIAS (2014b)
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Entre a memria e a histria: a operao midiogrfica e os 50
anos do golpe de 1964 no especial da Folha de S. Paulo.
O especial Tudo sobre a ditadura militar foi publicado pela Folha em um
caderno de 8 pginas, no dia 23 de maro de 2014 e simultaneamente lanado na
internet em uma verso ampliada e multimdia a partir de um hot site prprio.6
Ambas as verses so abertas por um ttulo que brinca com o jogo das palavras e
onde, sob um primeiro olhar, estampa-se a seguinte frase: 50 anos depois do golpe
de 1964, a ditadura militar ainda incomoda o pas. Como se quisesse revelar apenas
o sentido mximo da efemride, o jornal esconde o discurso pautado no presente da
enunciao, que logo se descortina com a leitura atenta de todo o texto:
s vsperas da 7 eleio presidencial desde a abertura, os trs principais candidatos tm o que contar sobre a ditadura. 50 anos depois do golpe que derrubou Jango em 1964, o pas j foi governado por um professor exilado, FHC, um operrio preso na ditadura militar, Lula, e uma ex-guerrilha, Dilma. A transio democracia foi exitosa, mas incapaz de pacificar as controvrsias. Meio sculo depois, a ditadura ainda incomoda o pas.7
Graficamente camuflado, possvel inferir que os sentidos tambm podem ser
percebidos por este emaranhado de textos, dissimulados nas ocorrncias do tempo. A
efemride em si no basta para a escritura jornalstica. preciso que esta evoque
lembranas que faam sentido suficiente para parar o presente que escorre e se
estampa no jornal de hoje. preciso que o passado constitua o presente pela
atualidade, critrio de noticiabilidade fundamental para integrar os sentidos de
enunciao do discurso jornalstico.
Assim se apresenta ao leitor como o suplemento envolver a efemride:
em uma memria discursiva amparada por disjunes temporais que s fazem
sentido pela sua articulao no presente. No jornalismo, a mxima de que toda
histria histria contempornea se d evidentemente por critrios particulares,
uma vez que o contemporneo do jornal nos revelado pelo agora do
acontecimento. Quando o suplemento prope contar tudo sobre a ditadura j se
6 O site em questo pode ser acessado pelo endereo: folha.com/golpe64
7 Disponvel em: http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/ Acesso em: 23 set 2014. grifo nosso.
http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/
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descortinam tambm caminhos para pensarmos como a histria ser ancorada pela
memria em um constante processo de rememorao no e para o presente,
pronunciado sob um futuro a se conjecturar.
O caderno percorrido por uma linha do tempo que cobre a ditadura ano a
ano, do golpe abertura. A linda do tempo, com uma ideia de progresso que parte de
um comeo a um fim inevitvel, j nos coloca a primeira hiptese de como essa
histria pretende ser contada aos seus leitores. Uma histria total que, revelada,
garante sua inteligibilidade pela mera enunciao dos fatos. Relatado pela efemride,
os discursos so ancorados por outras estratgias memorativas que procuram
garantir maior legitimidade quele passado. O site, repleto de imagens, vdeos,
(info)grficos, chamadas e textos dinmicos, busca ampliar as referncias simblicas
memorveis escrita histrica que est sendo efetuada pelo jornal.
Pensando justamente nessa ideia de totalidade proposta pela efemride, vamos
focar nosso objeto de anlise no site, uma vez que a partir da ampliao das
ferramentas enunciativas que a mdia pode, inclusive, se diferenciar daquela
tradicional narrativa historiogrfica. O jornalismo online impactou as prticas de
reinscrio do acontecimento miditico, ampliando seu referencial simblico. Pela
tecnologia h a possibilidade de se trabalhar com arquivos vivos e a democratizao
da memria, com o advento das tecnologias digitais, ampliou a disponibilizao de
informaes sobre o passado, tornando-os multifacetados. Criam-se assim formas
narrativas diferenciadas, que trabalham com um passado praticamente em tempo
real e que produz uma espcie de presentificao dos fatos, algumas vezes,
inclusive, narrando-os como se estivessem acontecendo na atualidade. (Palacios,
2010: 47)
O site possui uma narrativa linear mas, a partir de um menu, pode ser
acessado por captulos temticos, divididos a partir das seguintes sesses:
Introduo, A crise, A ditadura, A economia, A abertura e O acerto de
contas, que recoloca as discusses s particularidades do presente e o contexto das
polticas pautadas pela Comisso Nacional da Verdade. H ainda uma sesso com
alguns artigos pontuais escritos pelos colunistas do jornal e outra que, sob o nome de
E se... brinca com possibilidades conjecturais acerca dos caminhos da histria. No
final, arrolam-se as Fontes e referncias e o Expediente, assinado por uma
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numerosa equipe, sob a coordenao do editor de poder Ricardo Balthazar.
Para introduzir o contexto do golpe, 50 anos atrs, o jornal busca uma clara
articulao com o presente. Descortinando o passado s circunstncias atuais, sob as
quais se acreditava validar a inscrio daquela escrita, constri-se uma narrativa
particular da histria que, pela comemorao, dialoga sempre com as possibilidades
de um futuro. Vale citar um longo trecho que abre a introduo do site, para melhor
nos situarmos:
Em maro de 1964, quando tropas do Exrcito foram s ruas para derrubar o governo do presidente Joo Goulart, Dilma Rousseff era uma estudante de 16 anos que ainda estava comeando a se preocupar com poltica. Acio Neves era um menino de quatro anos que gostava de brincar com o av, o ento deputado Tancredo Neves. Eduardo Campos no tinha nascido, mas se lembra at hoje das histrias que seu av, o ento governador de Pernambuco, Miguel Arraes, contava sobre o dia em que foi deposto e levado priso pelos militares. No ano em que o golpe de 1964 faz 50 anos, os trs se preparam para disputar a stima eleio presidencial que o Brasil realiza desde a volta dos militares aos quartis. um pas diferente, que vive h quase trs dcadas num regime democrtico, em que os governantes so escolhidos pela populao em eleies regulares e todo mundo livre para dizer o que pensa sem medo de ser preso por suas opinies. [...] Os crimes cometidos no perodo so tratados at hoje como um tabu nas Foras Armadas, que no admitem o fato de que milhares de pessoas foram torturadas e algumas centenas foram mortas por se opor ao regime militar. A ditadura modernizou a economia e teve apoio popular nos seus primeiros anos, mas muitas pessoas s aceitam a contragosto as evidncias de que isso ocorreu. No h consenso no pas nem sequer sobre as razes que levaram os militares a depor Jango em 1964.8
A estria se inicial em maro de 1964, mas com maro de 2014 que est
dialogando. Por mais que pontuado por uma efemride, o passado no deve apenas
ser relatado enquanto tal. Efemrides se articulam no e para o presente e, pelo
jornalismo, devem aspirar a critrios prprios de noticiablidade que se pautam
sempre pela atualidade e a novidade. As associaes do passado com o presente
devem, portanto, oferecer pontos de comparao e oportunidades para analogias. A
narrativa jornalstica usa o passado de modo a envolver-se com o presente,
produzindo uma variedade de formas e permitindo que ambos os tempos sejam
discutidos e entrecortados numa espcie de transmisso simultnea. (Zelizer, 2008)
Assim vai se buscando a totalidade de uma histria que, paradoxalmente, em
8 Disponvel em: http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/index.html Acesso em: 24 set 2014.
http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/index.htmlhttp://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/index.html
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parte foge das possibilidades narrativas do jornal. por isso que ela no se constitui
por si s, mas constantemente amparada por testemunhos de especialistas que
aproximam ainda mais o passado a um presente do relato. Ao longo de toda a
narrativa, o texto jornalstico intercalado por depoimentos de 12 testemunhos e
especialistas sobre o tema, que se apresentam para auxili-lo na busca de uma
interpretao mais fidedigna dos fatos.9
Logo ao final da apresentao o jornal nos pergunta: Por que Jango foi
deposto em 1964? Naquele contexto, havia inmeras presses sociais, crises
econmicas, greves. Havia o contexto da Guerra Fria, insubordinaes, as reformas
de base, a ameaa comunista. Mas como bem afirmou o jornal, no h um consenso
nem sequer sobre as razes que levaram deflagrao do golpe. Cada testemunho
possui uma verso particular, so verses conflitantes e contraditrias e a narrativa
as quer, aparentemente, assim. No papel do jornal chegar a este consenso, muito
menos afirmar-se a partir de uma posio. Constri-se desta forma uma narrativa
que pretende tudo explicar ao mesmo tempo em que se escora pela suposta
objetividade do discurso jornalstico. De acordo com Eliza Casadei (2010) a
utilizao de testemunhos autorizados na produo dos relatos jornalsticos tem um
estatuto privilegiado na busca por referencialidade, ajudando a legitimar uma
suposta polifonia de vozes. Apresentando-se como mero coletor de evidncias, o
jornalista se utiliza da histria para invocar lugares de sentido particulares e afirmar
seu estatuto referencial que tem como premissa apagar o autor dentro da narrativa,
dando o sentido de que o acontecimento se conta praticamente sozinho. Acaba-se
assim, ao se utilizar do discurso de um outro, tomando para si a posio de
autoridade daquele que fala.
Mas no conduzido apenas pela interpretao de historiadores que o
jornalismo busca sustentar a inteligibilidade de seus relatos. H tambm
9 Os especialistas e testemunhos que se debruam ao longo da efemride para auxiliar o jornal na legitimidade da sua narrativa so os seguintes: Almino Affonso Ministro do Trabalho no governo Jango; Carlos Heitor Cony Jornalista e escritor; Clio Borja - ex-presidente da Cmara dos Deputados (1975-1977); Clvis Rossi jornalista; Daniel Aaro Reis - historiador e ex-guerrilheiro; Delfim Neto - Ministro da Fazenda (1967-1974) e do Planejamento (1979-1985); Fernando Henrique Cardoso - Ex-presidente da Repblica; Francisco de Oliveira - socilogo ; Ivan Seixa - ex-preso poltico; Lcio Maciel - Tenente-coronel da reserva; Marcelo Ridenti socilogo; Plnio de Arruda Sampaio - Deputado federal em 1964 .
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testemunhos que atuam como espcies de comemoradores e que do estria que
se produz na rememorao uma construo mais particular. Como afirma Todorov
(2002), a comemorao tem, nas pginas da imprensa, um local privilegiado para se
proliferar. Alimentada pelo discurso das testemunhas e dos historiadores, a
comemorao no precisa se submeter ao teste da verdade, mas busca ela a todo
momento. Se, por um lado, o historiador analisa o passado a partir de uma verdade
mais impessoal, o comemorador, como uma testemunha, se guia por interesses
especficos. Simplificando o conhecimento do passado, o comemorador no fala de si
mesmo, mas procura se beneficiar da impessoalidade do historiador para legitimar
seu discurso como verdadeiro.
Quando a Folha procura ouvir, desde historiadores e socilogos at ex-
ministros, polticos e militares que atuaram ativamente durante a ditadura ela quer,
alm de ampliar essas vozes de fala, deixar que cada um atente s suas observaes
particulares. Se para o jornal, contar tudo sobre a ditadura tornar-se uma tarefa
quase inglria, ao menos se deixa que pelas vozes de outros, conte-se tudo. O jornal,
como um orculo legitimador das lembranas, apenas as seleciona e deixa que estas
se concretizem como memrias a se tornar histria.
Por mais que conflitantes as verses, a efemride busca sempre um olhar
simplificador. Se apropriando de ambos os discursos o jornal transverte seu local de
fala e assume-se, ao mesmo tempo, como um historiador que comemora,
simplificando verses do passado. Na ocasio da efemride carrega essas lembranas
e acaba por produzir a (sua) histria daqueles idos. Mas aqui no precisamos nos ater
s falas em si, at porque no nos preocupamos em saber o qu o jornal constri com
essas narrativas, mas como pretende as tornar legtimas por um discurso que se faz
histrico. O contedo e o teor dos discursos no nos so caros neste enquadramento
da anlise.
O que vale observar que ao se tentar produzir tudo sobre a histria, a Folha
conduz um mosaico de verses que ricocheteiam na arena de memrias produzida
pela efemride. J alertava Silva (2010) durante as comemoraes dos 30 e 40 anos
do golpe de 1964 nas pginas da Folha que este grande amlgama de modelos e
arqutipos interpretativos brinca juntamente com essa possibilidade, a de que todas
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as idias e interpretaes daquela histria fossem possveis na tentativa de que se
pudesse realizar a sntese total e explicativa do acontecimento. O passado, portanto,
torna-se uma espcie de totalidade a ser revelada e, quanto mais vozes o procurem
desvendar, maior seria a possibilidade de sua captura. Assim, o espao do jornal
acaba por produzir uma espcie de histria midiatizada que no necessariamente
nem histria nem memria, mas brinca com as duas, na possibilidade de se constituir
tanto um lugar de memria como local de produo da histria.
Quando o jornal assume-se no discurso h o predomnio de uma narrativa
cronolgica e linear, como se estivesse trabalhando com uma grande sntese
noticiosa. Ao acompanharmos a narrativa da efemride somos envoltos por um texto
fludo e dinmico que se otimiza pela utilizao constante de outras ncoras
memorveis, tpicas da produo jornalstica. Durante A crise, por exemplo,
entendemos o que so as reformas de bases propostas por Joo Goulart a partir de
um quadro explicativo e por vdeos governamentais da poca que tratavam sobre a
reforma agrria. Vemos fotos, que param a narrativa e nos transportam ao passado,
situando melhor o discurso para aquilo que efetivamente ocorria naqueles idos. Nos
entraves e negociaes acerca do golpe ouvimos, direto da Casa Branca, os dilogos
entre o ento presidente Kennedy e Lyndon Johnson sobre uma possvel interveno
em nosso pas.
Com a tomada dos militares, somos invadidos novamente por uma amlgama
de cadeias memorativas: fotos, vdeos, depoimentos que buscam, alm de dinamizar
a narrativa, garantir maior inteligibilidade aos relatos. A todo o momento as falas dos
historiadores e testemunhos voltam a entrecortar a narrativa. como se, quando o
jornal necessitasse de uma opinio mais consolidada sobre os relatos que vai
arrolando, colocasse sua narrativa entre parnteses para que esta fosse validada ou
at, por que no, em parte refutada por vozes legtimas. Assim vai se produzindo
no apenas uma narrativa sobre aqueles idos, mas lembrando-nos, leitores, de que h
ali pessoas autorizadas a assumir um local de fala desta histria particular produzida
pelo jornal. assim que, linearmente, vai se construindo a histria da efemride, ao
longo dos captulos. Percorrer sua totalidade pela narrativa pode soar exaustivo para
a anlise, uma vez que precisvamos apenas, dentro de nossas pretenses, situar
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aquilo que o jornal pretendia passar como seu modo particular de produzir um relato
histrico.
Como um discurso que se constitui no e pelo presente e que, como bem
frisamos, busca sempre critrios de noticiabilidade e de atualidade, a efemride volta
s problematizaes atuais como forma de garantir um maior sentido s narrativas
daquele passado. O acerto de contas, captulo final da estria construda pelo
jornal, busca nos envolver s problematizaes que pautam a comemorao em seu
contexto de produo. preciso ficar claro porque, 50 anos depois, este passado
ainda consegue pontuar de forma to significativa debates considerados dignos de
serem noticiados pelo jornal. preciso voltar para o hoje e, encharcando o presente
pelas consideraes do passado, entender os processos e (des)caminhos de uma
possvel conciliao nacional que so atualmente articulados pelas polticas da
Comisso Nacional da Verdade. Pois, como afirma Hartog (2014: 183) ao discutir a
ideia dos lugares de memrias de seu conterrneo Pierre Nora, a tentativa a de se
ir exatamente do presente ao presente, para interrogar o momento presente.
Fechando um crculo que escava o passado, articulando possibilidades futuras
para retornar ao incerto terreno do presente, a efemride se encerra da forma que
comeou. Ao final, o jornal prope que, novamente, todos os 12 comemoradores
que iniciaram a discusso, finalizem com seus depoimentos.10 Memrias de 1964 e
as reflexes sobre o presente volta a ancorar o sentido de verdade (im)pessoal
proposto pelo ato de rememorar das falas autorizadas. Com a ajuda de seus
comemoradores constri-se uma verso que, sob os moldes da escrita jornalstica, vai
alm do mero rascunho da notcia.
Embora esta escrita jornalstica no esteja condicionada aos rigores
supostamente cientficos da produo historiogrfica, o jornal pretende ao menos se
portar como um possvel articulador de narrativas legtimas sobre o passado. O
jornalismo, obviamente, pauta-se sobre lugares de produo especficos e no
compete com a histria neste sentido. Mas, ainda assim, h uma sesso especfica no
site para arrolar as fontes e referncias utilizadas para a construo desta histria. Ao
todo, formam consultados 13 livros, alm de realizadas entrevistas com dezenas de
10 Com exceo do jornalista Clvis Rossi, que substitudo pelo General da reserva Nilton Cerqueira.
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pessoas que contriburam com informaes e sugestes para o trabalho. Estratgia
que, comumente, no utilizada para a confeco dos relatos no dia a dia da notcia.
O momento da efemride , portanto, um local especfico onde se articulam, pela
escrita jornalstica, histria e memria.
Por mais que esta escrita no seja, evidentemente, o produto central nos
processos de produo das mdias noticiosas, no devemos negligenciar a
possibilidade que estas narrativas possuem de influenciar significativamente nossa
compreenso do passado. O jornalismo pode atuar como um papel importante na
negociao e resignificao de sentidos do passado no presente. Com uma espcie de
linguagem supra-histrica efetivada a partir de uma bricolagem de vrios campos
e personagens (Silva, 2010) esta narrativa foi muitas vezes vista sob ameaa pelos
historiadores profissionais. Mas justamente por isso que, acredita Ferreira (2012)
esses discursos de campos conflitantes precisam buscar, na medida do possvel, sua
complementaridade. S assim melhor entenderemos como as demandas sociais esto
diretamente relacionadas histria que se constri e rememora no tempo presente.
Hoje as mdias so muitas vezes consideradas mais invasivas e influentes do que as
prprias instituies tradicionais que proferem discursos hegemnicos sobre a
histria, como a historiografia e os museus, por exemplo. E o papel de construo e
transmisso desses discursos na durao no deve ser visto como deteno exclusiva
dos historiadores de profisso. H tambm aqueles que a fazem mesmo sem a
suposta pretenso de o serem.
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