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Em razão de suas propriedades físico-químicas pecu- liares, o diamante é um dos mais singulares ‘presen- tes’ da natureza. Seu nome (do grego adámas = incon- quistável, indomável) deriva da altíssima dureza que apresenta, a maior verificada no reino mineral. Por mais de 150 anos, durante os séculos 18 e 19, o Brasil foi o maior produtor mundial dessa gema, até a descoberta dos ricos depósitos da África do Sul, Rússia e Austrália. No cenário nacional destacam-se as províncias dia- mantíferas do Alto Paranaíba e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, as duas maiores reservas do Sudeste brasileiro, ainda hoje com significativo impacto na economia daquelas regiões. O estudo da mineralogia do diamante na Serra do Espinhaço tem permitido, graças à extraordinária resis- tência dessa pedra preciosa aos processos geológicos que atuam na crosta terrestre, identificar diversos ciclos de erosão e sedimentação. Por seus aspectos típicos, é o único mineral que permaneceu no registro geológico desde um período muito remoto, o Protero- zóico Médio, há aproximadamente 1,7 bilhão de anos. Foi no Espinhaço que desenvolvemos pesquisas na tentativa de responder uma velha pergunta da geolo- gia brasileira: a partir de que rochas-fonte o diamante ter-se-ia espalhado pela região? Embora os dados co- letados não admitam uma resposta conclusiva, certa- mente contribuem para o entendimento do problema. Mario Luiz de Sá Carneiro Chaves Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais Darcy Pedro Svisero Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo G E O C I Ê N C I A S 22 CIÊNCIA HOJE • vol. 25 • nº 150 Escala de Mohs A escala criada pelo mineralogista austríaco Frie- drich Mohs (1773-1839) no início do século 19 clas- sifica os minerais segundo sua dureza. Entre o tal- co, o mais ‘tenro’, e o diamante, o mais resisten- te, Mohs reconheceu oito diferentes graus de du- reza entre os minerais. Mas esses intervalos não são regulares. A escala é uma simples classifica- ção da dureza dos minerais e foi feita levando em conta que cada mineral arranha os de número inferior. Assim, entre o diamante (dureza 10) e seu seguidor imediato, o coríndon (dureza 9), há uma diferença de dureza 10 vezes maior que aque- la entre o coríndon e o talco (dureza 1). COMBOIO DE DIAMANTES EM MINAS GERAIS /RUGENDAS/(IHGB)/FOTO PEDRO OSWALDO CRUZ Diamantes Diamantes Qual terá sido o caminho das pedras? Qual terá sido o caminho das pedras? 10 Diamante 9 Coríndon 8 Topázio 7 Quartzo 6 Ortoclásio 5 Apatita 4 Fluorita 3 Calcita 2 Gipsita 1 Talco

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G E O C I Ê N C I A S

Em razão de suas propriedades físico-químicas pecu-

liares, o diamante é um dos mais singulares ‘presen-

tes’ da natureza. Seu nome (do grego adámas = incon-

quistável, indomável) deriva da altíssima dureza que

apresenta, a maior verificada no reino mineral. Por mais

de 150 anos, durante os séculos 18 e 19, o Brasil foi o

maior produtor mundial dessa gema, até a descoberta

dos ricos depósitos da África do Sul, Rússia e Austrália.

No cenário nacional destacam-se as províncias dia-

mantíferas do Alto Paranaíba e da Serra do Espinhaço,

em Minas Gerais, as duas maiores reservas do Sudeste

brasileiro, ainda hoje com significativo impacto na

economia daquelas regiões.

O estudo da mineralogia do diamante na Serra do

Espinhaço tem permitido, graças à extraordinária resis-

tência dessa pedra preciosa aos processos geológicos

que atuam na crosta terrestre, identificar diversos

ciclos de erosão e sedimentação. Por seus aspectos

típicos, é o único mineral que permaneceu no registro

geológico desde um período muito remoto, o Protero-

zóico Médio, há aproximadamente 1,7 bilhão de anos.

Foi no Espinhaço que desenvolvemos pesquisas na

tentativa de responder uma velha pergunta da geolo-

gia brasileira: a partir de que rochas-fonte o diamante

ter-se-ia espalhado pela região? Embora os dados co-

letados não admitam uma resposta conclusiva, certa-

mente contribuem para o entendimento do problema.

Mario Luiz de Sá Carneiro ChavesInstituto de Geociências,Universidade Federal de Minas GeraisDarcy Pedro SviseroInstituto de Geociências, Universidade de São Paulo

G E O C I Ê N C I A S

2 2 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 2 5 • n º 1 50

Escala de MohsA escala criada pelo mineralogista austríaco Frie-drich Mohs (1773-1839) no início do século 19 clas-sifica os minerais segundo sua dureza. Entre o tal-co, o mais ‘tenro’, e o diamante, o mais resisten-te, Mohs reconheceu oito diferentes graus de du-reza entre os minerais. Mas esses intervalos nãosão regulares. A escala é uma simples classifica-ção da dureza dos minerais e foi feita levando emconta que cada mineral arranha os de númeroinferior. Assim, entre o diamante (dureza 10) eseu seguidor imediato, o coríndon (dureza 9), háuma diferença de dureza 10 vezes maior que aque-la entre o coríndon e o talco (dureza 1).

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Qual terá sidoo caminhodas pedras?

10 • Diamante

9 • Coríndon

8 • Topázio

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6 • Ortoclásio

5 • Apatita

4 • Fluorita

3 • Calcita

2 • Gipsita

1 • Talco

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A maior parte da produção mundial de diamantes provém hoje da

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para o de maior produtor mundial, com cerca de 40milhões de quilates extraídos só em 1997.

O diamante tem origem no manto da Terra emprofundidade superior a 150 km. Atualmente omeio científico aceita a hipótese de que os kimber-litos e lamproítos são apenas o meio de conduçãodo mineral desde a sua fonte, no manto, até a li-tosfera. Nos últimos 20 anos, seu estudo tem sidoamplamente desenvolvido por serem considera-dos como uma das raras �janelas� para o mantona superfície do planeta.

África do Sul, Austrália e Rússia, onde o mineral élavrado diretamente em rochas primárias conhe-cidas como kimberlitos e lamproítos. Nessas ro-chas magmáticas ultrabásicas, raras na crostraterrestre, o diamante está disseminado em teoresque variam de 1 a 3 quilates por metro cúbico (ct/m3),embora o lamproíto de Argyle, na Austrália, apre-sente o formidável teor de 18 ct/m3. A descoberta dajazida de Argyle, em 1986, fez com que a Austráliapassasse de um país não-produtor de diamantes 4

es de Minas Geraises de Minas GeraisG E O C I Ê N C I A S

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O kimberlito ocorre principalmente naszonas de crátons, porções da crosta ter-restre estáveis desde o período Pré-Cambriano. A figura 1 apresenta asprincipais zonas cratônicas daTerra, identificando maior ou me-nor ocorrência de intrusõeskimberlíticas. No Brasil, há trêsáreas cratônicas, sendo a principaldelas o cráton Amazônico. Ao nortedo Mato Grosso e sul de Rondônia já foram encontra-dos kimberlitos com diamantes, cuja viabilidadeeconômica de exploração vem sendo estudada. Ocráton do São Francisco, que ocupa grande parte deMinas Gerais, destaca-se no Sudeste brasileiro. Nele,no entanto, não se conhecem rochas kimberlíticasmineralizadas.

Embora os teores diamantíferos sejam mais ex-pressivos em matrizes primárias, o percentual dediamantes gemológicos é em geral baixo nessas ro-chas, predominando os de interesse industrial. Nocaso da mina de Argyle, por exemplo, apenas 5% deseus diamantes têm qualidade gemológica, fazendocom que o preço médio do quilate das pedras aíproduzidas seja de US$ 10. A proporção de diaman-tes gemológicos encontrados nos kimberlitos sul-africanos varia entre 10-25%, e o preço do quilategira em torno de US$ 40. Cristais de alta quilatagempodem, no entanto, ocorrer com mais freqüêncianesses depósitos primários. O maior diamante jáencontrado, o Cullinan, pesava 3.106 ct antes de serlapidado em nove pedras, a maior das quais estáencravada na parte frontal da coroa britânica.

Estudos feitos nas principais províncias diaman-

Diamanteincrustadoem kimberlitoda mina Mir,na Sibéria,Rússia

tíferas dosul e oeste afri-cano demonstra-ram que, a partir desuas fontes primárias, osdiamantes se espalharampor milhares de quilômetrosquadrados. Observou-se umasistemática redução na mé-dia do tamanho dos cristaisquanto mais eles se afastavamde seu local de origem, deslo-cando-se por via fluvial ou ma-rinha. Tal redução, no entanto,é acompanhada de expressivamelhora gemológica, pois os di-amantes de qualidade inferior sãodestruídos durante o transporte.

Minerais e gemasUm mineral é um corpo sólido de origem natural formado por processos inorgânicos, decomposição química e estrutura cristalina definidas e constantes. A ciência dos minerais é amineralogia, da qual um dos ramos é a gemologia, que estuda as gemas e suas propriedades.As gemas – medidas pelo peso-padrão do quilate (ct), equivalente a 0,2 g – são minerais dotadosde propriedades físicas especiais (transparência, brilho e/ou cores atrativas), podendo servircomo adorno pessoal após trabalhados pelo homem. O diamante, composto de carbono puro, écertamente o mais importante dos minerais gemológicos.

Os diamantes encontrados na natureza podem ser mono ou policristalinos. Os monocristalinossimples são caracterizados por formas típicas como o cubo, o octaedro e o dodecaedro rômbico,podendo ser gemológicos ou não. Entre as variedades policristalinas, destacam-se o bort, o ballase o carbonado, de interesse exclusivamente industrial. O primeiro é um agregado complexo demicrocristais de tamanhos e formas irregulares. O ballas é um agregado esférico ou semi-esféri-co onde os cristalitos estão dispostos radialmente. O carbonado é uma designação brasileira,largamente aceita na literatura mineralógica, para definir um agregado cinza ou preto, muitoporoso e de aspecto irregular, com cristalitos de diamantes de tamanho muito reduzido, da ordemde 0,01 a 0,001 mm.

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Certas formas mono e policristalinas, como cubos,borts e carbonados, são pulverizadas durante o regis-tro geológico, depois de reduzidas a partículas muitofinas. Experimentos feitos pela mineradora sul-afri-cana De Beers mostraram que seis horas de moagemforam suficientes para reduzir o bort e pedras defeitu-osas do Zaire em partículas de peso inferior a 0,001 ct.Submetidos ao mesmo procedimento, diamantes dacosta da Namíbia com formas cristalinas perfeitasperderam apenas 0,01% de seu peso após quase milhoras de moagem.

Os cristais de diamante de forma dodecaédricasão mais resistentes ao transporte, pois seu coeficien-te hidrodinâmico, resultante do grande número defaces naturalmente arredondadas, é maior que odaqueles que têm forma de cubo ou octaedro. Depó-sitos da Namíbia, por exemplo, apresentam um nú-mero desproporcionalmente grande de cristais do-decaédricos.

Com a evolução do registro geológico, os diaman-tes tendem a sofrer as seguintes modificações: redu-ção do tamanho médio dos cristais; preservação dosdodecaedros nas formas monocristalinas; queda ex-pressiva do número de pedaços quebrados; pulveri-zação dos borts e cristais com defeitos ou inclusões;aumento do número de cristais gemológicos.

O diamante em Minas GeraisNo Brasil, a descoberta oficial de diamantes ocorreu

em 1729 nas imediações do municípiomineiro de Diaman-

tina. Muito antes,porém, pedras des-sa região já che-gavam à Europa.Por mais de 150anos o Brasil foi

o maior produtormundial do mineral,

até a descoberta dos de-pósitos sul-africanos. His-

toricamente Minas Gerais é omaior produtor dessa gemano Brasil, tendo a Bahia, Mato

Grosso e Pará se destacado emalguns curtos períodos. Ainda

hoje os diamantes têm impor-tância no setor mineral daregião, sendo sua lavra efe-tuada em aluviões por com-panhias de mineração ougarimpeiros independen-tes. Destacam-se ainda

campanhas de prospecçãovisando descobrir e explorar

as rochas-fonte primárias domineral, como se faz na África, Austrália e Rússia.

Os principais depósitos diamantíferos de MinasGerais concentram-se em duas macrorregiões, de-signadas na nomenclatura geológica como �provín-cias� minerais do Espinhaço e do Alto Paranaíba,respectivamente no centro-norte e sudoeste do esta-do (figura 2). A província do Espinhaço notabiliza-sepor sua importância econômica, destacando-se nessecenário a região de Diamantina. A Serra do Espinhaçoé constituída por um conjunto de rochas metamórficasintensamente dobradas, incluindo quartzitos, filitose conglomerados, que representam originalmentesedimentos depositados em rios, taludes serranos,desertos, lagunas e mares rasos.

A idade de formação desses depósitos é atribuídaao Proterozóico Médio, a partir de datações radio-métricas obtidas em rochas e minerais vulcânicospresentes no conjunto sedimentar. Há diversos tiposde depósitos diamantíferos no Espinhaço. O maisantigo é o Conglomerado Sopa, rocha de origem se-dimentar que ocorre nas porções basais do complexoserrano. A partir dele o diamante espalhou-se paradepósitos sedimentares mais jovens, sobretudo emcertos períodos do Cretáceo Inferior (há cerca de 136-100 milhões de anos), Terciário Superior (há cerca de7-1,5 milhões de anos) e Quaternário (de cerca de 1,5

Figura 1.Os grandesdepósitosprimáriosde diamantedo globoconcentram-senas áreascratônicas(em amarelo).Os maioressão indicadospor losangosgrandese os menorespor losangospequenos

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milhão de anos atrás até o presente). As rochas-fonteprimárias da região não são conhecidas, e os mineraisindicadores típicos dessas rochas (minerais satéli-tes) estão ausentes.

Na província do Alto Paranaíba, no entanto, váriaschaminés de rochas kimberlíticas semelhantes àsfontes vulcânicas primárias do diamante russo e sul-africano são conhecidas desde a década de 1960.Embora ainda não tenham sido detectados kimber-litos mineralizados de interesse econômico na re-

mado na época das atividadesvulcânicas que trouxeram os dia-

mantes, pois apresentam diversos mi-nerais satélites típicos de rochas kimber-

líticas. Assim como na região de Diamantina, hátambém depósitos sedimentares terciários e qua-ternários, os quais, pela maior facilidade de extração,são mais intensamente lavrados.

A quantidade de diamante nessas províncias va-ria segundo características geológicas responsáveispela concentração do mineral em certas porções dosedimento ou da rocha sedimentar. Os diamanteslavrados no Conglomerado Sopa desde o século pas-sado têm, em média, de 0,01 a 0,1 ct/m3 de rocha.São teores muito baixos se comparados aos dos kim-berlitos sul-africanos, que apresentam valores mé-

Figura 2.Provínciasdiamantíferasde Minas Gerais– Espinhaço (I)e Alto Paranaíba(II) – e seusprincipais centrosprodutores:Diamantina (1),Grão Mogol (2),Jequitaí (3) eCoromandel (4)

Mineraçãoaluvionarde diamantesno RioJequitinhonha,emDiamantina:grandesdragasda MineraçãoRio Novoescavamo leito do rio

gião, muitas mineradoras têm fei-to intensas pesquisas na área

em função da presença dediamantes em dezenas derios e córregos, principal-mente nas proximidadesdo município de Coro-mandel.

De grande impor-tância para a geologiado diamante do AltoParanaíba é a Forma-ção Uberaba, constituí-da de depósitos sedi-mentares do CretáceoSuperior (há cerca de

100-65 milhões de anos).Esses depósitos de areni-

tos, conglomerados e tufosvulcânicos parecem ter se for-

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dios de até 6 ct/m3. Em depósitosde aluvião recentes, como no RioJequitinhonha, as concentraçõessão ainda menores. Nesse local, aMineração Tejucana opera comínfimos 0,008 ct/m3. Mas como ovolume de material lavrável éexcepcionalmente grande, com-pensa investir na lavra mecani-zada do depósito. Os diamantesda região de Diamantina são emgeral pequenos, com 0,3 ct emmédia, sendo raras as pedras commais de 10 ct.

No Alto Paranaíba, o conglo-merado da Formação Uberaba élavrado desde 1888 na Mina deRomaria, com teores variáveisentre 0,03 e 0,07 ct/m3. Outroscorpos de conglomerado e tufos

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vulcânicos também já foram lavrados nas proximi-dades de Coromandel. Deve-se, porém, destacar aocorrência de grandes diamantes nessa região. Omaior deles, com 726 ct, encontrado no rio SantoAntônio do Bonito em 1938, era na época o quartomaior do mundo. Nesse mesmo rio foi encontrada em1993 uma pedra com 602 ct, a segunda maior doBrasil, e em agosto de 1998, uma outra com 481 ct.Quase todo ano aparece um grande diamante nes-sa província, cujo padrão de peso é muito maior queo da Serra do Espinhaço.

lógico, as pedras de boa qualidade são mais hialinase apresentam baixas taxas de imperfeições internas.

A fonte distantedos diamantes do EspinhaçoOs dados disponíveis indicam forte semelhança en-tre os diamantes aluvionares da região do AltoParanaíba e aqueles extraídos diretamente dekimberlitos e lamproítos. Demonstram ainda que as

Detalhe doconglomeradodiamantíferoSopa, nasproximidadesde Diamantina(MG)

Como o diamante é um mi-neral gemológico, seu preço édefinido não só em função dopeso, mas principalmente desuas particularidades físico-químicas. Em geral de exce-lente qualidade, as pedras daSerra do Espinhaço alcançamelevada cotação no mercado.Na região de Diamantina opreço do quilate gira em tornode US$ 150, podendo, em cer-tas áreas, alcançar até US$400. Como no Alto Paranaíbaos diamantes têm baixa quali-dade gemológica (apesar demaiores que os de Diamanti-na), os preços médios são infe-riores. Do ponto de vista gemo-

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Seleção natural no mundo mineralA partir da publicação do célebre Sobre a origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, oparadigma da seleção natural foi se tornando progressivamente aceito pela maioria dospesquisadores do mundo animal e vegetal. No reino mineral, porém, o termo não é empregado,embora a ‘resistência’ de certas espécies seja uma evidência relatada cotidianamente porgeólogos e mineralogistas em seu trabalho de prospecção.

O grau de resistência de um mineral ao longo do curso de um rio, por exemplo, dependerádiretamente de fatores inerentes às suas características físico-químicas. Durante o percurso, eletenderá a pulverizar-se cada vez mais, e seu tempo de ‘vida’ varia em função de propriedadescomo composição química e estrutura cristalina, dureza, modo de clivagem e, sobretudo, pureza.

Os gemólogos relacionam pureza à freqüência de inclusões estranhas e/ou microfraturas nointerior do mineral hospedeiro. Conseqüentemente, quanto mais impuro for um mineral, maiorserá sua tendência à pulverização em um meio de transporte ativo como o fluvial ou marinho.Não é por acaso que 99% da areia de praia se constituem de quartzo, uma estrutura rígidaformada por tetraedros de SiO2 (dióxido de silício).

O caso do diamante é particularíssimo. Além de sua estabilidade química, sua resistência aodesgaste físico e a fortes variações de temperatura e pressão faz com que, após desprender-sede sua rocha-matriz original, ele tenda a permanecer no registro geológico. Uma população dediamantes ou outro mineral com características físicas ‘perfeitas’ deve, portanto, indicar, emtermos estatísticos, uma longa e complexa história, na qual o material mais resistente ficoupreservado.

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rochas-fonte daquela província estão relativamentepróximas umas das outras, podendo os trabalhos deprospecção que vêm sendo feitos levar à descobertade aparelhos vulcânicos mineralizados.

A fonte dos diamantes da Serra do Espinhaço, po-rém, está em local distante, e os minerais encontra-dos resultam de sucessivos processos de erosão, trans-porte e nova deposição. Como a área alimentadora dasedimentação da bacia do Espinhaço ficava a oeste,

onde se estende o cráton do São Francisco, presume-se que as desconhecidas rochas primárias estariamnessa região. A identificação de tais fontes, no entan-to, é uma tarefa difícil, pois a área foi recoberta porsedimentos marinhos do chamado Grupo Bambuí emperíodo geológico posterior, há aproximadamente900-550 milhões de anos. Durante o transporte do mi-neral do cráton até os sítios onde se encontra hoje, cer-tas formas foram sendo selecionadas, e a população

À esquerda,topo da bordanorte da Serrado Cabral,na regiãode Jequitaí(MG), comrestos de umconglomeradodiamantíferodo CretáceoInferior.À direita,nas encostasda serra,garimpeirosexploramdiamante

de cristais de qualidade gemoló-gica se multiplicou.

Como mostra a figura 3A, aintrusão dos kimberlitos e lam-proítos ocorreu antes da formaçãoda bacia do Espinhaço, em pro-fundidades compatíveis com acurva de estabilidade das espé-cies de carbono, grafita (G) e dia-mante (D). A erosão das chaminés(figura 3B) e o conseqüente assen-tamento de depósitos aluvionaresperiféricos são atestados hoje pelapresença de seixos de um conglo-merado mais antigo dentro doConglomerado Sopa. Com a im-plantação da paleobacia do Espi-nhaço (figura 3C), ocorreu a pri-meira fase de deposição dos dia-mantes, posteriormente redistri-buídos na própria bacia até a for-mação dos sedimentos fluviaisque deram origem àquele conglo-merado (figura 3D).

Movimentos tectônicos ocorri-dos no final do Pré-Cambrianocausaram dobramentos na crostaterrestre. Após um longo período,em que o relevo pouco se alterouem conseqüência da separaçãocontinental entre a América do Sul

Figura 3.Históriaevolutivado diamanteda Serrado Espinhaçoduranteo Proterozóico,desdea geração dasrochas-fonte atéa deposição doConglomeradoSopa

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Sugestõespara leitura

Chaves, M.L.S.C.Geologia emineralogia dodiamante daSerra doEspinhaço emMinas Gerais,tese dedoutorado, IG-USP, São Paulo,1997.

Karfunkel, J.,Chaves, M.L.S.C.,Svisero, D.P. &Meyer, H.O.A.‘Diamonds fromMinas Gerais,Brazil: anupdate onsources, origin,and production’in InternationalGeology Review,v. 36, p. 1019-1032, 1994.

Sutherland, D. ‘Thetransport andsorting ofdiamonds byfluvial andmarineprocesses’ inEconomicGeology, v. 77, p.1613-1620, 1982.

Svisero, D.P.‘Distribution andorigin ofdiamonds inBrazil: anoverview’ inJournal ofGeodynamics, v.20, p. 493-514,1995.

Figura 4.Históriaevolutivado diamantedo Espinhaçodurante osdobramentosao final doProterozóico(A) e nosoerguimentoda serraocorrido noMesozóico (B)

e a África, toda a região interioranabrasileira foi fortemente soerguidana Era Mesozóica. Inclui-se nessesprocessos a formação da Serra doEspinhaço (figura 4).

Os processos de dobramento eerosão permitiram a acomodaçãodos conglomerados diamantíferossoterrados nos níveis próximos àsuperfície (figura 4A). Com osoerguimento mesozóico, duran-te o Cretáceo Inferior, as rochasdiamantíferas foram expostas e osdiamantes mais uma vez trans-portados, agora em direção às no-vas calhas fluviais às margens daserra (figura 4B): São Francisco, aoeste, e Jequitinhonha, a leste. Essanova fase de transporte explica osdepósitos diamantíferos que ocor-rem, por exemplo, nas imedia-ções de Jequitaí, onde quase 100%dos cristais encontrados têm qua-lidade gemológica. Aliás, o núme-ro de diamantes gemológicos do

mantes do Espinhaço, por seu padrão de peso médio,demonstram ter sido longamente transportados atése fixar em seus atuais sítios de deposição.

Cristais com defeitos internos, fragmentados oucom grandes inclusões são freqüentes nos kimberlitosafricanos e na província do Alto Paranaíba, assimcomo agregados policristalinos do tipo bort e cristaisde forma cúbica. Cristais inteiros de diamantes, aocontrário, são proporcionalmente raros nessas áreas.Já na região do Espinhaço, mais de 80% dos diaman-tes encontrados são cristais inteiros, predominandoos de forma dodecaédrica, sendo raros tanto os cris-tais defeituosos ou de forma cúbica quanto os agrega-dos policristalinos.

A gênese dos diamantes de Minas Gerais é umadiscussão que deve permanecer em pauta ainda porlongo tempo. Embora este artigo traga subsídios quetentam elucidar o problema, seu ponto central � aexata localização das rochas-fonte primárias � per-manece sem resposta. Segundo o modelo clássico,atestado pelos depósitos diamantíferos africanos e deoutras partes do mundo, os kimberlitos e lamproítosconcentram-se em áreas cratônicas. Mas, quanto aosdiamantes da Serra do Espinhaço, dificilmente tere-mos uma prova definitiva de que tenham tido origemno Cráton do São Francisco, já que sua porção noSudeste brasileiro está, como dissemos, recobertapela espessa camada de sedimentos do Grupo Bambuí.No Alto Paranaíba, porém, a situação é diferente,podendo vir a ser descobertas chaminés diamantíferassob o compacto manto de solo que cobre a região. n

Espinhaço é comparável ao de depósitos secundários,como os da Guiné e da Costa da Namíbia, e muitomaior que o existente em depósitos primários.

Ao comparar os dados obtidos no estudo das re-giões diamantíferas da África e de Minas Gerais,pode-se concluir, com base na presença de cristais dealta quilatagem, que a província do Alto Paranaíbapode ser correlacionada com as africanas. Já os dia-

Lotede diamantesda regiãode Diamantinacom pedras deaproximadamente1 quilate (A).Diamantede 7 quilatescom formaoctaédricae arestasarredondadas (B)

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