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  • Guilherme Henrique Hencklain Fonseca

    Diagnstico de hipertenso pulmonar em indivduos

    adultos com doena falciforme

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias rea de Concentrao: Hematologia Orientadora: Profa. Dra. Sandra Ftima Menosi Gualandro

    So Paulo 2008

  • ii

    Dedico este trabalho:

    Aos pacientes do Ambulatrio de

    Hemoglobinopatias. O convvio na realizao deste trabalho s fez aumentar o respeito e a admirao por estas pessoas que atravessam a vida com determinao e alegria, apesar dos limites impostos pela doena.

    minha famlia, em especial minha me,

    Zimar, meus irmos Alexandre Alberto, Joo Eduardo e Gustavo Adolfo, suas esposas e filhos e ao nosso saudoso pai, Leonando. Tudo o que sou foi moldado por este lar. meu orgulho a certeza de que sempre seremos unidos.

    Andrea Tiemi Kondo. Qualquer obstculo a

    ser superado menor quando eu conto com sua alegria e amor. Acima de tudo, este trabalho dedicado a voc.

  • iii

    AGRADECIMENTOS Profa. Dra. Sandra Ftima Menosi Gualandro pela confiana, ateno e carinho. Dr. Sandra

    uma das pessoas que, apesar do privilgio da amizade, jamais eu deixarei de chamar de doutora,

    em reconhecimento sua persistncia em manter a liberdade profissional e intelectual e sua

    devoo diria ao ensino da hematologia.

    Ao Prof. Dr. Dalton Alencar Fisher Chamone pela confiana e por prover as condies para o

    aperfeioamento cientfico e para a realizao deste trabalho no servio de hematologia do

    HCFMUSP.

    Profa. Dra. Vera Cury Salemi, sem a qual este trabalho no teria sido efetuado. No h como

    traduzir em palavras o meu agradecimento a uma pessoa capaz de gastar horas na sala de

    ecocardiografia, a qualquer momento, sem nunca se queixar, para auxiliar uma pessoa que ela mal

    conhecia h 2 anos. Fui testemunha do respeito, carinho e bom humor com que ela tratou os

    nossos pacientes. Que este modesto trabalho seja um marco de uma cooperao duradoura e de

    uma amizade sincera.

    Ao Prof. Dr. Rogrio de Souza e ao Prof. Dr. Carlos Poyares Jardim pela generosidade em me

    auxiliar e orientar no diagnstico e anlise das informaes. A cooperao do Dr. Rogrio foi

    fundamental na idealizao e no desenho deste trabalho. Ele sempre manteve a tranqilidade e o

    esprito cooperador mesmo em meus momentos de impertinncia. Seu dinamismo e alegria na

    conduo do grupo de hipertenso pulmonar exemplar e contagiante.

    Ao Prof. Dr. Paulo Augusto Achucarro Silveira pelo apoio contnuo, amizade incondicional,

    sugestes e pelo ensino maior de manter a curiosidade, no temer a dvida e sempre procurar as

    respostas.

    Aos colegas da Hematologia do Servio de Hematologia do HCFMUSP, todos os assistentes,

    residentes e preceptores, que nos pequenos favores dirios permitiram que esta dissertao

    pudesse ser feita. No possvel dizer todos os nomes sem incorrer em alguma injustia, mas

    agradeo especialmente aos preceptores Rodrigo Dolphini Velasques e Juliana Duarte pelas

    inmeras ocasies que tanto me ajudaram no perodo de coleta de dados.

    Aos colegas e plantonistas do servio de hematologia do Hospital Brigadeiro, em especial

    Prof.Dr. Maria Aparecida Zanichelli, pela pacincia e auxlio nos momentos de necessidade.

  • iv

    Marisa Yamasaki Simic, Deise Miyuki Tsuha Moromizato e Iara Keiko Yokomizo pela

    organizao, responsabilidade, solidariedade e pelo auxlio indispensvel ao lidar com os

    pacientes e com os exames.

    Ao grupo do Ambulatrio Transfusional, em especial Dr. Youko Nukui pela possibilidade de utilizar

    as instalaes do setor para as entrevistas e Sr. Clara Mariana dos Santos Silva pelas coletas

    de exame.

    s fisioterapeutas Ana Paula Breda e Brbara Martins pelo empenho e dedicao na realizao

    dos testes de caminhada.

    Danielle Gualandro pelo auxlio na verso do resumo para o ingls.

    Teresinha dos Anjos de Oliveira, pela ateno e apoio sempre presente.

  • v

    Normalizao adotada:

    Esta dissertao est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicao: Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver) Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias da FMUSP. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Jlia de A.L. Freddi, Maria Fazanelli Crestani, Marinalva de Souza Arago, Sueli Campos Cardoso, Valria Vilhena. 2a ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2005. Abreviatura dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus.

  • vi

    SUMRIO

    Lista de Abreviaturas

    Lista de figuras

    Lista de tabelas

    Resumo

    Summary

    1. INTRODUO............................................................................................. 1

    2. OBJETIVOS................................................................................................. 6

    3. REVISO DE LITERATURA........................................................................ 7

    3.1 Histrico da doena falciforme

    3.2 Fisiopatologia da doena falciforme

    3.3 Fisiologia da circulao pulmonar e hipertenso pulmonar

    3.4 Hipertenso pulmonar e doenas falciformes

    7

    13

    23

    43

    4. CASUSTICA E MTODOS.......................................................................... 57

    5. RESULTADOS.............................................................................................. 67

    6. DISCUSSO................................................................................................. 87

    7. CONCLUSES............................................................................................. 95

    8. ANEXOS....................................................................................................... 97

    9. REFERNCIAS............................................................................................ 117

    Apndice..........................................................................................................

  • vii

    LISTA DE ABREVIATURAS

    AVEh - Acidente vascular enceflico hemorrgico

    AVEi - Acidente vascular enceflico isqumico

    CGS - Sistema centmetros-gramas-segundos

    DC - Dbito cardaco

    DF - Doena falciforme

    DHL - Desidrogenase lctica

    ?P - Gradiente de presso

    DPOC - Doena pulmonar obstrutiva crnica

    EPO - Eritropoetina

    HAPI - Hipertenso arterial pulmonar idioptica

    HP - Hipertenso pulmonar

    HPN - Hemoglobinria paroxstica noturna

    ICC - Insuficincia cardaca congestiva

    IMC - ndice de massa corprea

    NIH - National Institute of Health

    NO - xido ntrico

    NOS - xido ntrico sintase

    NYHA - New York Heart Association

    OMS/WHO - Organizao Mundial da Sade/ World Health Organization

    PA - Presso arterial

    PAD - Presso arterial diastlica

    PAE - Presso atrial esquerdo

    PAEM - Presso mdia de trio esquerdo

    PAP - Presso de artria pulmonar

    PAPD - Presso diastlica da artria pulmonar

  • viii

    PAPM - Presso mdia da artria pulmonar

    POAP - Presso de ocluso da artria pulmonar

    PAPS - Presso sistlica da artria pulmonar

    PAS - Presso arterial sistlica

    PCP - Presso capilar pulmonar

    Q - Perfuso

    R - Resistncia

    RFG - Ritmo de filtrao glomerular

    RVP - Resistncia vascular pulmonar

    RVS - Resistncia vascular sistmica

    RVS - Resistncia vascular sistmica

    SC - Superfcie corprea

    SI - Sistema internacional de unidades

    STA - Sndrome torcica aguda

    TC6m - Teste de caminhada de 6 minutos

    THH - Telangiectasia hemorrgica hereditria

    TMO - Transplante de medula ssea

    V - Ventilao

    V/Q - Relao ventilao-perfuso

    VRT - Velocidade mxima do fluxo retrgrado pela tricspide

    W - Unidades Wood

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Complicaes da doena falciforme em relao idade (anos).................. 2

    Figura 2- Fisiopatologia da vaso-ocluso na doena falciforme................................. 22

    Figura 3- Relao entre a progresso clnica e alteraes hemodinmicas............... 36

    Figura 4- Parmetros medidos para estimativa da presso sistlica da artria

    pulmonar por ecocardiograma.....................................................................................

    39

    Figura 5- Fluxograma de tratamento proposto para hipertenso pulmonar................. 44

    Figura 6- Fisiopatologia da doena falciforme interao entre hemlise e vaso-

    ocluso........................................................................................................................

    55

    Figura 7- Fluxograma mostrando o desenho do estudo e sumrio de

    resultados..........................................................................................................

    68

    Figura 8 Fluxo retrgrado pela tricspide documentado em dopplerfluxometria,

    paciente nmero 47 (VRT=1,65 m/s)...........................................................................

    69

    Figura 9 - Fluxo retrgrado pela tricspide documentado em dopplerfluxometria,

    paciente nmero 45 (VRT=4,17 m/s)- cateterismo com PAPM de 47 mmHg..............

    69

    Figura 10 Grfico de correlao entre a VRT estimada no ecocardiograma e a

    PAPS medida no cateterismo......................................................................................

    79

    Figura 11 Curva ROC comparao entre valor discriminatrio da VRT e

    diagnstico de hipertenso pulmonar por cateterismo cardaco direito.......................

    80

  • x

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - O histrico do reconhecimento das complicaes associadas doena

    falciforme..............................................................................................................................

    12

    Tabela 2 - Variveis hemodinmicas ao nvel do mar e na altitude..................................... 29

    Tabela 3 Classificao da Hipertenso pulmonar OMS................................................. 32

    Tabela 4 - Aspectos histolgicos - Classificao de Heath-Edwards................................... 34

    Tabela 5 Classificao funcional da OMS para hipertenso pulmonar............................. 35

    Tabela 6 Fatores de variabilidade no teste de caminhada de 6 minutos (TC6m)............. 41

    Tabela 7 Parmetros demogrficos e clnicos: comparao entre os grupos separados

    por velocidade de fluxo retrgrado da tricspide ao ecocardiograma..................................

    71

    Tabela 8 - Parmetros hematolgicos e bioqumicos: comparao entre os grupos

    separados por velocidade do fluxo retrgrado de tricspide ao ecocardiograma................

    72

    Tabela 9- Parmetros do teste de caminhada de 6 minutos: comparao entre os

    grupos, conforme separados por velocidade do fluxo retrgrado de tricspide ao

    ecocardiograma....................................................................................................................

    74

    Tabela 10- Parmetros ecocardiogrficos: comparao entre os grupos separados por

    velocidade do fluxo retrgrado da tricspide ao ecocardiograma........................................

    75

    Tabela 11- Parmetros medidos no cateterismo cardaco direito........................................ 77

    Tabela 12- Comparao entre os parmetros medidos na cateterizao cardaca direita

    entre o grupo HP e sem HP.................................................................................................

    78

    Tabela 13- Coeficientes de correlao linear de Pearson entre as medidas da VRT e a

    estimativa de PAPS obtidas no ecocardiograma com as medidas obtidas no cateterismo

    cardaco direito.....................................................................................................................

    78

    Tabela 14- Parmetros demogrficos e clnicos: comparao entre os grupos separados

    por diagnstico de hipertenso pulmonar por cateterismo pulmonar direito........................

    82

  • xi

    Tabela 15 Parmetros hematolgicos e bioqumicos: comparao entre os grupos

    separados por diagnstico de hipertenso pulmonar por cateterismo cardaco direito......

    83

    Tabela 16 Parmetros do teste de caminhada de 6 minutos: comparao entre os

    grupos separados por diagnstico de hipertenso pulmonar por cateterismo cardaco

    direito...................................................................................................................................

    85

    Tabela 17- Parmetros ecocardiogrficos: comparao entre os grupos separados por

    diagnstico de hipertenso pulmonar por cateterismo cardaco direito...............................

    86

    Tabela 18 Resultados dos exames hematolgicos da populao estudada..................... 98

    Tabela 19 Valores dos parmetros antropomtricos da populao estudada................... 100

    Tabela 20 Dados clnicos e associao de complicaes da doena falciforme na

    populao estudada..............................................................................................................

    102

    Tabela 21 Dados clnicos e associao de complicaes da doena falciforme na

    populao estudada II.........................................................................................

    105

    Tabela 22 Resultados dos exames de funo renal e heptica da populao estudada.. 107

    Tabela 23 Resultados dos exames de hemlise da populao estudada......................... 109

    Tabela 24 Resultados dos exames de metabolismo de ferro e inflamao da populao

    estudada............................................................................................................................... 111

    Tabela 25 Resultados dos ecocardiogramas transtorcicos da populao estudada...... 113

    Tabela 26 Resultados dos testes de caminhada de 6 minutos........................................ 115

    Tabela 27 Resultados dos cateterismos de artria pulmonar........................................... 117

  • xii

    RESUMO Fonseca GHH. Diagnstico de hipertenso pulmonar em indivduos adultos com doena falciforme [dissertao]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2008. 134 p INTRODUO: Pacientes com doenas falciformes (DF) e outras anemias hemolticas tm prevalncia aumentada de hipertenso pulmonar (HP), sendo este diagnstico associado com maior mortalidade. O objetivo deste trabalho foi estimar a prevalncia desta complicao, suas caractersticas clnicas e laboratoriais e determinar o padro hemodinmico ao cateterismo de artria pulmonar. MTODOS: Neste estudo transversal 80 pacientes consecutivos com anemia falciforme e S0 talassemia foram submetidos ecocardiografia por um nico observador. Os pacientes foram avaliados clinicamente, para verificar a presena de complicaes associadas DF, realizaram um teste de caminhada e realizaram exames hematolgicos e bioqumicos referentes a parmetros de hemlise, inflamao, funo heptica e renal. Foi indicada avaliao hemodinmica, com cateterismo de artria pulmonar (Swan-Ganz), para os pacientes com velocidade de fluxo retrgrado pela tricspide (VRT) 2,5m/s, detectada ao ecocardiograma. A HP foi caracterizada por presso mdia da artria pulmonar 25 mmHg. Os pacientes com HP foram comparados, com relao aos mesmos parmetros prvios, ao restante da populao estudada. RESULTADOS: 40% dos pacientes (32/80) apresentaram VRT2,5m/s, sendo indicado avaliao hemodinmica. O grupo com VRT2,5m/s apresentou maior mdia etria, maior prevalncia de lceras de perna, de proteinria e de hepatite C, menores valores de hemoglobina e de albumina, maiores valores de uria, de creatinina, de cido rico, de desidrogenase ltica, de aspartato aminotransferase e de glutamiltranspeptidase do que os do grupo VRT

  • xiii

    um bom instrumento de triagem. As populaes separadas de acordo com o nvel de VRT ao ecocardiograma apresentam diferenas clnicas e laboratoriais, sugerindo maior taxa de hemlise nas com VRT2,5m/s. Estas diferenas se mantm, na maior parte das situaes, quando o diagnstico de HP confirmado. Indivduos com diagnstico de HP podem ter padres hemodinmicos de hipertenso capilar ou pr-capilar, denotando diferentes etiologias que podem implicar em diferentes abordagens teraputicas. Descritores: 1. Anemia falciforme/complicaes 2. Anemia falciforme/diagnstico 3. Hipertenso pulmonar/etiologia 4. Anemia hemoltica congnita/diagnstico 5. Cateterismo de Swan-Ganz

  • xiv

    SUMMARY Fonseca GHH. Diagnosis of pulmonary hypertension in adults with sickle cell disease [dissertation]. So Paulo: Faculty of Medicine, University of So Paulo, 2008 134 p INTRODUCTION: Patients with sickle cell disease (SCD) and other haemolytic anaemia have increased prevalence of pulmonary hypertension (PH) that is related to higher mortality. The aim of this stdy was to determine the prevalence of PH and, its clinical, laboratorial and hemodynamic features. METHODS: In a cross-sectional study, we evaluated 80 consecutive patients with sickle cell anemia and S0thalassemia who were submitted to a Doppler echocardioghraphy performed by a single observer. Clinical and laboratorial data were collected for all patients in order to verify the presence of SCD complications and to evaluate haemolysis rate, inflammation, liver and renal function. All patients performed a six-minute walk test. Patients who had peak velocity of regurgitant flow of tricuspid (Vrft) of at least 2.5 m/s were referred to pulmonary artery catheterization (Swan-Ganz). PH was defined as a mean pulmonary artery pressure 25 mmHg. Clinical, laboratorial and hemodynamic data of patients with confirmed PH were compared to those data of patients without PH. RESULTS: Forty percent of patients (32/80) had Vrft 2.5m/s and hemodynamic evaluation was recommended. The group of patients with Vrft2.5 m/s had higher average age, higher prevalence of leg ulcers, proteinuria and hepatitis C, lower values of hemoglobin and albumin, higher values of urea, creatinine, uric acid, lactic dehydrogenase, aspartate aminotransferase and glutamyltranspeptidase than the group with Vrft

  • xv

    Descriptors: 1. Sickle cell anemia/complications 2. Sickle cell anemia/diagnosis 3. Pulmonary hypertension/ etiology 4. Catheterization, Swan-Ganz

  • 1

    DIAGNSTICO DE HIPERTENSO PULMONAR EM INDIVDUOS ADULTOS

    COM DOENA FALCIFORME

    1. INTRODUO

    As doenas falciformes so condies que possuem como caracterstica

    em comum a herana da hemoglobina mutante S, que o resultado da

    substituio da adenina pela timina no sexto cdon do gene da -globina,

    codificando a valina na posio do cido glutmico (Marotta et al, 1977). Tal

    modificao provoca grandes alteraes na solubilidade e estabilidade da

    hemoglobina, levando sua polimerizao quando desoxigenada e distoro

    da membrana eritrocitria com o aspecto de foice microscopia (White, 1974).

    Sob o termo doenas falciformes (DF) esto abrigadas a homozigose da

    hemoglobina S (HbS), que configura a Anemia Falciforme, e as co-heranas da

    hemoglobina S com a -talassemia (0 e +) e com outras hemoglobinas

    mutantes. O trao falciforme, a heterozigose para HbS, no considerado

    doena (Stuart e Nagel,2004) .

    A Anemia Falciforme e a S0 talassemia so as formas mais graves,

    enquanto a Hemoglobinopatia SC e a S+ talassemia so condies, que

    apesar de significativa morbidade, tm manifestaes clnicas mais brandas

    (Powars, 2002).

    A gama de sinais e sintomas observados na doena falciforme

    decorrente da anemia hemoltica crnica e do dano orgnico generalizado

    cumulativo, pontuado por episdios dolorosos agudos.

    Os sintomas da doena so diversos e abrangem todos os aparelhos e

    sistemas do organismo, com incidncia varivel com a idade (figura 1). As

  • 2

    manifestaes mais distintivas so os episdios dolorosos, deflagrados por

    alteraes climticas, ambientais, infecciosas, emocionais ou, freqentemente,

    sem causa aparente (Reddinger-Lallinger e Knoll, 2006).

    FONTE: adaptado de Redding-Lallinger R, Knoll C. Sickle cell disease pathophysiology and treatment. Curr Prob Pediatr Adolesc Health Care 2006;36:346-76 ABREVIATURA AVE acidente vascular enceflico

    As ltimas dcadas tm testemunhado um aumento na expectativa de

    vida destes pacientes (NIH, 2002b), mas o peso das complicaes ainda leva a

    significativa diminuio tanto no tempo quanto na qualidade de vida destes

    indivduos (Platt et al, 1994; Powars et al, 2005).

    A hipertenso pulmonar (HP) emergiu nos ltimos anos como uma

    complicao comum associada a um prognstico reservado em termos de

    Figura 1 Complicaes da doena falciforme em relao idade (anos)

    40

    Anesplenia funcional

    Auto-esplenectomia completa

    Infeces bacterianas

    Dactilite

    Seqestro esplnico

    Sndrome torcica aguda

    Episdios dolorosos

    AVE - isqumico

    Priapismo

    Calculose biliar

    AVE - hemorrgico

    Necrose avascular de cabea de fmur

    Retinopatia

    0 1 4 12 20 30 50

    Insuficincia renal crnica

    Hipertenso pulmonar

    40

    Anesplenia funcional

    Auto-esplenectomia completa

    Infeces bacterianas

    Dactilite

    Seqestro esplnico

    Sndrome torcica aguda

    Episdios dolorosos

    AVE - isqumico

    Priapismo

    Calculose biliar

    AVE - hemorrgico

    Necrose avascular de cabea de fmur

    Retinopatia

    0 1 4 12 20 30 50

    Insuficincia renal crnica

    Hipertenso pulmonar

  • 3

    sobrevida (Castro et al, 2003). No est claro se a maior mortalidade devido

    HP per se ou se esta somente um marcador da profunda perturbao

    vascular e endotelial vista nos casos mais graves da doena falciforme

    (Gladwin et al, 2004).

    Se confirmada a prevalncia observada em trabalhos prvios, entre 25

    e 45%, a doena falciforme passa a ser uma das causas mais comuns de HP

    no mundo (Al-Sukhun et al, 2000; Alyiu et al, 2007). Este destaque contrasta

    com o pequeno nmero de relatos prvios na literatura.

    Tal discrepncia provavelmente explicada por alguns fatores. Os

    sintomas da anemia so dificilmente distinguidos daqueles de uma doena

    pulmonar primria (Yater e Hansmann, 1934; Wintrobe, 1946) e os valores de

    presso de artria pulmonar (PAP) e resistncia vascular pulmonar (RVP)

    observados em pacientes com doena falciforme e HP so muito inferiores aos

    verificados em doentes com hipertenso arterial pulmonar idioptica (HAPI), o

    paradigma de doena neste campo (Leight et al, 1954; Castro et al, 2003).

    Alm disso, a maior parte das casusticas baseia o diagnstico de HP pelo

    ecocardiograma e no no cateterismo, que o padro-ouro.

    Paralelamente ao aumento na deteco da HP houve uma mudana na

    compreenso de sua fisiopatologia. A HP classicamente considerada como o

    produto final de um continuum de doenas pulmonares resultante do acmulo

    de mltiplas agresses, como broncopneumonias, episdios de sndrome

    torcica aguda, trombose e embolia pulmonar (Margolies, 1951; Moser e Shea,

    1957; Powars et al, 1988; Castro, 1996).

    As informaes oriundas de estudos mais recentes vm colocando a

    hemlise e a resultante disfuno vascular causada pela alterao do

  • 4

    metabolismo do xido ntrico (NO) como protagonistas na patognese da HP

    (Hsu et al, 2007).

    Apesar de ser um assunto dominante na literatura (Kato et al, 2007),

    inclusive j incorporado a fluxogramas de avaliao de risco de morte

    (Sebastiani et al, 2007) e a consideraes para realizao de transplante de

    medula ssea (TMO) (Panepinto et al), o consenso atual sobre HP foi

    construdo a partir de observaes efetuadas praticamente por um nico grupo.

    Ainda h relativamente poucas informaes sobre a histria natural e

    sobre o papel da Hb F (Ataga et al, 2006; Ambrusko et al, 2006), da inflamao

    (Kato et al, 2005) e da disfuno ventricular esquerda (Anthi et al, 2007), bem

    como diretrizes de tratamento.

    A compreenso dos fatores que levam HP na DF vai repercutir no

    tratamento. As propostas atuais de tratamento visam a inibio da hemlise

    atravs de transfuses, o uso da oxigenioterapia, o combate hipoxemia

    noturna (Weitzenblum e Chouat, 2001) e a anticoagulao (McLaughlin e Rich,

    2004). A disponibilidade reduzida de NO poderia ser amenizada com o uso de

    inibidores da fosfodiesterase (Machado et al, 2005; Derchi et al, 2005) e a

    reposio de arginina (Morris et al, 2003). Tambm alvo de pesquisa o uso

    de inibidores da endotelina-1 (ET-1), que alm das bvias aes sobre os

    vasos pulmonares podem agir na inibio do canal de Gardos (Rivera, 2007). A

    hidroxiuria diminui o risco de episdios vaso-oclusivos (Machado et al, 2007),

    que podem estar associados a elevaes agudas da PAP e deteriorao clnica

    e pode ter seu efeito ampliado com a combinao com eritropoetina (Little,

    2006). Alm deste aspecto, a hidroxiuria provavelmente age sobre o

    metabolismo do NO, atuando como doador da molcula (Gladwin et al, 2002),

  • 5

    aumentando os nveis de guanilato-ciclase solvel (Conran et al, 2004) e

    inibindo a ubiquitinao da xido ntrico sintase (NOS) (Cokic, 2007). Pacientes

    com doena ventricular esquerda devem ser tratados de forma diferenciada,

    com o uso de beta-bloqueadores, inibidores da enzima conversora da

    angiotensina (ECA) e digitlicos.

    Assim, consideramos importante o reconhecimento da prevalncia de

    HP em nossa populao, atravs da triagem com ecocardiografia e

    confirmao com cateterismo da artria pulmonar e determinao dos padres

    hemodinmicos, especialmente nas formas mais graves da doena falciforme.

    Para estabelecer diretrizes de tratamento fundamental a correta

    caracterizao das populaes e a padronizao do diagnstico.

  • 6

    2. OBJETIVOS

    Os objetivos deste estudo so:

    Objetivos primrios:

    - Verificar, atravs de um estudo transversal, a prevalncia de

    hipertenso pulmonar na populao de pacientes adultos com doena

    falciforme, acompanhada no ambulatrio de hemoglobinopatias do Hospital das

    Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    (HCFMUSP).

    - Correlacionar dados obtidos da avaliao clnica e laboratorial com os

    derivados de exames ecocardiogrficos e hemodinmicos.

    Objetivos secundrios:

    - Correlacionar dados obtidos na avaliao ecocardiogrfica com a

    medida de presso arterial pulmonar obtida por cateterismo.

    - Avaliar a presena de fatores associados que permita estabelecer um

    subgrupo onde a vigilncia quanto a HP deveria ser mais intensa.

    - Iniciar o acompanhamento de uma coorte de pacientes com medidas

    de presso pulmonar obtidas de forma sistemtica e por um nico observador.

  • 7

    3. REVISO DA LITERATURA

    3.1. Histrico da Doena Falciforme

    A doena falciforme uma das doenas genticas mais comuns da

    humanidade. Apesar de causada por uma mutao originada h milnios e ter

    caractersticas clnicas suficientemente distintivas, seu reconhecimento como

    entidade nosolgica s ocorreria no incio do sculo XX.

    Antes disso, no entanto, h descries compatveis com DF em relatos

    histricos e na tradio oral da frica ocidental. Konotey-Ahulu (1991), atravs

    de meticulosa pesquisa mdica e histrica, traou a trajetria dos genes S e C

    em sua famlia e foi capaz de inferir o gentipo de seus ancestrais at o ano de

    1670. O aspecto mais marcante deste relato, no entanto, a descrio de que

    a doena possui denominaes locais que evocam, em termos onomatopicos,

    o carter excruciante das crises dolorosas.

    No sculo XIX e incio do sculo XX houve diversos relatos sugestivos

    de doena falciforme nos Estados Unidos e na frica (Dresbach, 1904;

    Steinberg, 1930; Margolies, 1951; Serjeant, 2001; Firth, 2004; Clendennen e

    Lwanda, 2003; Okpala, 2005).

    O primeiro caso, porm, com alteraes clnicas e laboratoriais

    irrefutavelmente atribuveis anemia falciforme, foi descrito por James Bryan

    Herrick (1910) com significante contribuio de Ernest Eduard Irons, em

    Chicago (Savitt e Goldberg, 1989). Este autor relatou o caso de um jovem

    estudante negro de odontologia, Walter Clement Noel, oriundo da ilha

    caribenha de Granada, que apresentava um quadro de fraqueza, ictercia,

    dispnia, lceras crnicas de membros inferiores e reumatismo muscular. No

    esfregao de sangue perifrico Irons notou a presena de hemcias de forma

  • 8

    peculiarmente alongadas. Em maio de 1910, trs anos aps perder contato

    com Noel, Herrick publicou um artigo descrevendo o caso no Archives of

    Internal Medicine. Walter Noel morreria de pneumonia em 1916, aos 32 anos

    (Savitt e Goldberg, 1989).

    Serra de Castro, no Rio de Janeiro (apud Accioly, 1947), descreveu os

    trs primeiros pacientes brasileiros. A primeira publicao referente

    autpsia de um desses pacientes por Azevedo em 1935, com um segundo

    relato dois anos depois.

    Emmel, em 1917, observou o fenmeno da falcizao em indivduos

    com anemia e tambm em seus pais, assintomticos (Margolies, 1950). Mason,

    em 1922, foi o primeiro a usar o termo anemia falciforme. Hahn (1928) fez a

    distino entre anemia e trao falciforme.

    Alguns anos se passaram para que houvesse uma interpretao

    adequada do fenmeno da falcizao e de sua correlao com a expresso

    clnica da doena. Inicialmente acreditou-se que houvesse portadores latentes

    e ativos de falcizao, com fatores ambientais ou adquiridos atuando como

    determinantes da manifestao da doena (Serjeant, 2001).

    O mecanismo de transmisso foi debatido por vrios anos. Em 1949

    Neel props a natureza autossmica recessiva da doena. De forma

    independente, Beet em 1949 (apud Serjeant; 2001), na Zmbia, ento Rodsia

    do Norte, e Accioly, em 1947, no Brasil, chegaram a concluses semelhantes.

    Casos em que um dos pais no apresentava falcizao foram mais tarde

    identificados como portadores de dupla heterozigose, como a

    hemoglobinopatia SC (Itano e Neel, 1950) e S talassemia (Silvestroni e

    Bianco, 1952; Powell et al, 1950; Margolies, 1951).

  • 9

    Em 1944, Andersh et al separaram hemoglobina fetal usando a tcnica

    de eletroforese (Feldman e Tauber, 1997). Em 1949, Pauling et al

    demonstraram, pela mesma tcnica, que indivduos com anemia falciforme

    tinham uma forma quimicamente modificada de hemoglobina e que indivduos

    com trao falciforme tinham tanto a forma normal quanto a anormal. Esta foi

    tambm a primeira prova de que um mecanismo mendeliano recessivo

    determinava caractersticas especficas das protenas e no somente a sua

    presena ou ausncia.

    Ingram (1956) demonstrou a diferena na seqncia de aminocidos da

    cadeia polipeptdica da hemoglobina de portadores de anemia falciforme e que

    esta discrepncia nos aminocidos era devido a uma mutao na cadeia

    (Ingram, 1957). O seqenciamento dos nucleotdeos da cadeia dos genes da -

    globina revelou que o cdon GAG na posio 6 foi substitudo por GUG

    (Marotta et al, 1977).

    Hoje se sabe que a doena falciforme uma das condies clnicas de

    natureza monognica mais comuns do mundo (Alyiu et al, 2007). O nmero de

    pacientes estimado ao redor de 5 milhes em todo o planeta. Possui ampla

    distribuio, sendo mais comum na frica, onde se encontram 3,5 milhes de

    doentes. As implicaes para sade pblica so significativas neste continente,

    onde a anemia falciforme responsvel por 5% das mortes em crianas at 5

    anos de idade, alcanando 9% na frica ocidental (OMS/WHO, 2006). Devido a

    esta distribuio geogrfica, h a m concepo de considerar a doena e o

    trao falciforme como condies exclusivas das pessoas de ancestralidade

    africana, especialmente subsaariana. A hemoglobina S , no entanto, bem

    documentada em pases da Europa mediterrnea, Turquia, Arbia Saudita e

  • 10

    ndia, onde h mais de 1 milho de pacientes (Serjeant, 2001). Com os fluxos

    migratrios e o trfico de escravos o gene se disseminou para boa parte do

    mundo. Nos Estados Unidos 7% da populao afro-descendente heterozigota

    para HbS, com 50 mil indivduos portadores de anemia falciforme. Neste pas,

    em 2004, houve 113 mil internaes por DF, a um custo estimado de 448

    milhes de dlares (Platt, 2008). No Brasil h entre 25.000 e 30.000 casos de

    doenas falciformes e mais de 7 milhes de heterozigotos, aproximadamente

    4% da populao. (Canado e Jesus, 2007; Mendona, 1942).

    A distribuio original corresponde, grosso modo, s reas de alta

    prevalncia de malria no Velho Mundo (Allison, 1954). O trao falciforme

    confere proteo parcial, especialmente na infncia, contra as formas graves

    de malria, o chamado efeito protetor do polimorfismo balanceado. Esta

    hiptese foi sugerida nos anos 50 por Allison em seu trabalho de campo na

    frica. As formas homozigticas no apresentam o mesmo tipo de imunidade e

    nos ambientes com alta prevalncia de malria tm uma elevada taxa de

    mortalidade (Konotey-Ahulu, 1991). Cruz Jobim, mdico da corte imperial

    brasileira observou, em 1835, no Rio de Janeiro, a tolerncia aos ataques de

    malria entre escravos africanos recm-chegados ao Brasil (Azeredo; 1978).

    Esta mesma observao j teria sido registrada em papiros egpcios

    (Clendennen e Lwanda, 2003). difcil diferenciar nestes relatos a contribuio

    do trao falciforme daquela conferida pela imunidade humoral e celular

    observada nas populaes oriundas de regies com alta prevalncia de malria

    (Krogstad, 2004).

    Com o decorrer das dcadas as manifestaes clnicas da DF foram

    sendo progressivamente reconhecidas (tabela 1). O melhor conhecimento da

  • 11

    histria natural da doena est sendo traduzido em intervenes mais eficazes

    nos pacientes (Bonds, 2005). Entre estas intervenes est a triagem neonatal

    (NIH, 1987), a antibioterapia profiltica na infncia (Gaston et al, 1986; Faletta

    et al, 1995), a vacinao sistemtica (NIH, 2002), a educao parental para

    reconhecimento precoce do seqestro esplnico (NIH, 2002), programas

    transfusionais para profilaxia secundria (Russel, 1984) e primria (Adams,

    1998) do acidente vascular enceflico (AVE), uso adequado de transfuso em

    cirurgias (Vichinsky et al, 1995), o uso da hidroxiuria (Charache et al, 1992,

    1995; Kinney et al, 1999; Steinberg et al, 2003) e o transplante de medula

    ssea (Johnson et al, 1984; Vermylen et al, 1998). O sucesso destas medidas,

    especialmente na infncia, tem levado a um aumento na expectativa de vida

    destes indivduos (Wierenga et al, 2001; NIH, 2002b).

    Com o maior nmero de indivduos chegando vida adulta, as

    complicaes crnicas associadas DF vem ganhando maior destaque. Os

    problemas pulmonares esto entre as principais causas de morbidade e

    letalidade nesta populao (Bromberg, 1973; Gerry, 1978; Haque et al, 2002;

    Manci et al, 2003; Darbari et al, 2006). A compreenso das peculiaridades

    fisiopatolgicas da doena falciforme importante para ajudar a elucidar estes

    quadros crnicos.

  • 12

    Tabela 1 O histrico do reconhecimento das complicaes associadas

    doena falciforme

    Manifestao clnica e laboratorial Ano de descrio e reconhecimento

    Anemia 1910 (Herrick)

    Ictercia 1910 (Herrick)

    lcera de membros inferiores 1910 (Herrick);1940 (Cummer e La Rocco)

    Hipostenria 1910 (Herrick)

    Atraso de desenvolvimento sexual 1911 (Washburn)

    Clculos biliares 1911 (Washburn)

    AVE isqumico 1923 (Sydenstricker); 1935 (Arena); 1936 (Kampmeier)

    Atrofia esplnica 1923 (Sydenstricker); 1924 (Grahan); 1927 (Jaffe)

    Necrose da cabea femoral 1923 (Huck)

    Reticulocitose e hemlise 1923 (Sydenstricker)

    Vaso-ocluso pulmonar 1924 (Grahan)

    Alteraes sseas e radiolgicas 1924 (Grahan); 1937 (Diggs)

    Osteomielite por Salmonela 1925 (Carrington e Davidson); 1951 (Hodges e Holt)

    Infeces pneumoccicas 1928 (Wolstein e Kreidel)

    Retinopatia 1930 (Cook), 1937 (Hardin)

    AVE hemorrgico 1930 (Cook)

    Tromboembolismo pulmonar 1930 (Steinberg)

    Priapismo 1934 (Obendorff; Diggs e Ching); 1980 (Emond)

    Hipertenso pulmonar 1934 (Diggs); 1936 (Yater e Hansmann)

    Dactilite 1941 (Danford)

    Sequestro esplnico 1945 (Tomlinson)

    Proteinria 1950 (Henderson)

    Insuficincia renal crnica 1950 (Henderson)

    Crise aplstica 1950 (Singer)

    Crise megaloblstica 1953 (Zuelker e Rutzky)

    Sndrome torcica aguda 1979 (Charache)

    NOTA complicaes ordenadas de acordo com ano original de descrio ABREVIATURA AVE acidente vascular enceflico

  • 13

    3.2. Fisiopatologia da doena falciforme

    A compreenso da patogenia da DF vem mudando com o tempo. O

    dano isqumico causado pela obstruo mecnica por hemcias rgidas e

    distorcidas, tem sido considerado, desde a sugesto de Diggs nos anos 30, o

    principal componente responsvel pela hemlise e pelas leses agudas e

    crnicas observados na doena.

    No decorrer dos anos diferentes pesquisadores tm notado que

    pacientes com DF apresentam, a despeito de compartilharem o mesmo defeito

    gentico, grande disparidade de manifestaes clnicas e no prognstico

    (Powars, 2005).

    Apesar da polimerizao da hemoglobina S ser, sem dvida, o

    acontecimento central e indispensvel para desencadear os eventos

    fisiopatolgicos responsveis pelas manifestaes clnicas (Vekilov, 2007);

    caractersticas extra-eritrocitrias, como nmero e atividade de neutrfilos,

    moncitos e plaquetas, quantidade de mediadores inflamatrios,

    disponibilidade alterada de fatores vasomotores, grau de ativao endotelial e

    do sistema de coagulao (Cappellini, 2007) so importantes. A membrana

    eritrocitria o ponto de interseco entre os eventos intra e extracelulares e

    apresenta diversas alteraes (Kuypers, 2007).

    3.2.1. Consideraes fisiopatolgicas relacionadas ao eritrcito

    A manuteno de altas concentraes de hemoglobina dentro das

    hemcias (32-34 g/dl) requer um alto grau de solubilidade desta protena

    (White, 1974). A simples substituio do cido glutmico pela valina na

    superfcie da cadeia da hemoglobina resulta em uma diminuio dramtica da

    solubilidade da protena quando em estado desoxigenado (Bunn, 2001).

  • 14

    A polimerizao da Hb S, formando uma substncia gelatinosa

    extremamente viscosa, o evento primrio da patognese molecular da DF. A

    taxa e extenso da formao de polmeros na hemcia falciforme so

    dependentes de trs variveis primrias (Bunn, 2001):

    - da concentrao da hemoglobina corpuscular;

    - da concentrao intra-eritrocitria de Hb S e de outras hemoglobinas

    (em especial da Hb Fetal);

    - do grau e velocidade da desoxigenao;

    Outros fatores, que tm menor participao, so o pH, a temperatura e

    a concentrao de fosfatos orgnicos.

    A polimerizao uma reao iniciada por nucleao, com um perodo

    de latncia, durante o qual no h polmeros detectveis. Ao final da latncia

    h expanso dos polmeros em velocidade exponencial de aproximadamente

    250 tetrmeros por segundo (Samuel, 1990).

    O polmero uma estrutura composta de 14 fitas de tetrmeros

    dispostas em uma estrutura helicoidal, que se dispe no eixo longitudinal do

    eritrcito, distorcendo a clula, que assume o formato clssico de foice ou

    crescente (Bunn, 2001).

    O trnsito dos eritrcitos pela microcirculao, onde ocorre a

    desoxigenao e polimerizao, de menos de 1 segundo, geralmente menor

    do que o tempo de latncia. Nesta situao, aproximadamente 5 % das

    hemcias so submetidas falcizao. O tempo de latncia, porm, sensvel

    s condies da soluo.

    A populao de clulas falciformes de um dado paciente heterognea

    por causa das diferenas da concentrao de hemoglobina S. Os efeitos desta

  • 15

    heterogeneidade so evidentes nos estudos cinticos onde os tempos de

    latncia de hemcias de um determinado indivduo variam de poucos

    milissegundos a mais de 100 segundos. Se houver algum tipo de atraso no

    trnsito dos eritrcitos pela circulao venosa, a polimerizao

    potencializada.

    Com a reoxigenao os polmeros se desfazem e a clula reassume seu

    formato original. Os diversos ciclos de falcizao e recuperao levam a

    alteraes permanentes da membrana eritrocitria, que se torna

    irreversivelmente deformada, mantendo aspecto de foice independente da

    tenso de oxignio (Bertles e Milner, 1968 apud NIHb, 2002).

    Dos fatores ligados diminuio da taxa de polimerizao os principais

    so a co-herana com a-talassemia e a presena da hemoglobina fetal. Ambos

    so considerados fatores de prognstico bem estabelecidos de complicaes

    clnicas associadas DF (Steinberg, 2005).

    A HbF a mais potente inibidora da polimerizao. Tal propriedade foi

    inferida pela pediatra americana Janet Watson (1948), ao constatar que a

    anemia falciforme raramente se manifesta antes dos 6 meses de idade

    (Williams, 2004) e que hemcias de recm-nascidos levam mais tempo para

    falcizar, com menor nmero de clulas falcizadas quando comparadas com a

    das mes. Nos anos 50 e 60 vrios trabalhos mostraram relao entre a

    gravidade da DF e os valores de HbF, mas a prova mais contundente viria das

    observaes clnicas de Gelpi (1970), na Arbia Saudita, onde indivduos com

    anemia falciforme apresentam uma doena distinta da observada na frica e

    nas Amricas; caracterizada por anemia mais branda, esplenomegalia

    persistente no adulto e nveis elevados de hemoglobina fetal.

  • 16

    O controle dos nveis de HbF complexo e envolve vrios genes.

    ilustrativo o impacto destas interaes na anlise dos hapltipos da -globina.

    A identificao dos hapltipos baseada na anlise dos polimorfismos

    genticos definidos por endonucleases de restrio dos genes localizados nas

    adjacncias do agrupamento da -globina no cromossomo 11 (Kan e Dozy,

    1978). O gene da S-globina est ligado a trs hapltipos africanos distintos,

    denominados Senegal, Benin e Bantu. A dispora provocada pelas guerras,

    trfico de escravos e imigrao disseminou estes genes pelo mundo. Um

    quarto hapltipo, denominado rabe-indiano, distribudo na pennsula arbica

    e sia (Stuart e Nagel; 2004). A heterogeneidade na gravidade clnica entre

    estes grupos , em grande parte, atribuda variao da concentrao de HbF.

    O hapltipo Bantu associado com maior gravidade clnica. O hapltipo Benin

    tem gravidade intermediria, enquanto os hapltipos Senegal e rabe-Indiano

    so associados a quadros clnicos mais brandos. Mesmo dentro destes grupos

    a variao nos valores de HbF grande (Steinberg, 2005). A associao do

    hapltipo com a gravidade clinica e com a resposta a hidroxiuria (Bakanay et

    al, 2005) deve ser interpretada cuidadosamente. O efeito clnico dos hapltipos

    observado especialmente nas regies de origem, no sendo possvel

    extrapolar automaticamente para as Amricas, onde a relao entre hapltipo

    gravidade clnica conflitante.

    A deleo concomitante de genes da -globina diminui a disponibilidade

    destas cadeias para sntese da hemoglobina fazendo com que as hemcias

    sejam menores, mais hidratadas, mais deformveis e menos aderentes ao

    endotlio. Aproximadamente 3% dos pacientes com DF apresentam

    coexistncia com -talassemia minor. Estes indivduos tm menor taxa de

  • 17

    hemlise, valores mais elevados de hemoglobina, menor taxa da AVE, lcera

    de membros inferiores e microalbuminria, aumentando, no entanto a

    prevalncia de osteonecrose de cabea femoral e retinopatia proliferativa

    (Powars et al, 1990; De Ceulear et al, 1983; Higgs et al, 1982; Milner et al,

    1991; Hayes et al, 1981).

    3.2.2. Consideraes fisiopatolgicas relacionadas a caractersticas da

    membrana eritrocitria

    As alteraes da membrana eritrocitria observadas na DF so

    complexas. Podem ser constatadas alteraes tanto nos componentes

    proticos quanto nos lipdicos. A gerao de micropartculas da membrana

    maior e os mecanismos de regulao do volume celular esto alterados. A

    adeso dos eritrcitos ao endotlio est aumentada.

    - Alterao das protenas da membrana

    A estrutura e funo das protenas, tanto da face citoplasmtica quanto

    da superfcie da membrana, esto alteradas na DF. A aderncia da Hb S face

    citoplasmtica da membrana contribui para a sua rigidez. As protenas de

    superfcie esto anormalmente agregadas. Estes agregados contribuem para a

    vaso-ocluso por aumentar a adeso endotelial ou por prover uma superfcie

    trombognica, alm de aumentar a ligao de imunoglobulinas superfcie e

    potencializar a retirada dos eritrcitos pelo sistema mononuclear-macrofgico

    (Bunn, 2001; Gallagher e Benz, 2001; Cappellini, 2007).

    A oxidao de protenas de membrana e da hemoglobina est

    aumentada na DF. A liberao de ferro da molcula de hemoglobina est

    implicada na formao de hemicromos (Bunn, 2001).

    - Alterao dos lipdeos de membrana

  • 18

    A distribuio dos lipdeos da membrana est profundamente alterada. A

    membrana eritrocitria normal tem uma distribuio assimtrica dos lipdeos

    (Gallagher e Benz, 2001). Aproximadamente 75% dos fosfolipdios que contm

    colina (fosfatidilcolina e esfingomielina) esto localizados na poro externa da

    membrana, enquanto os aminofosfolpides (80% da fosfatidiletanolamina e toda

    a fosfatidilserina) esto na poro interna. Na DF h perda da assimetria

    lipdica, com a exteriorizao de aminofosfolpides, especialmente

    fosfatidilserina (Stuart e Nagel, 2005).

    O gradiente de fosfolipdios de membrana mantido de forma ativa por

    uma translocase dependente de adenosina-trifosfato (ATP), que catalisa a

    transferncia de fosfatidiletanolamina (PE) e fosfatidilserina (PS) do plasma

    para a poro citoplasmtica da membrana. A atividade desta translocase est

    diminuda na DF pela ativao prematura da apoptose na medula ssea e a

    leso da membrana causada pela falcizao(Stuart e Nagel, 2005).

    A perda da assimetria est ligada s manifestaes vaso-oclusivas da

    doena e ao potencial trombognico de microvesculas liberadas da

    membrana. A peroxidao lipdica est aumentada e pode contribuir para o

    encurtamento da vida mdia das hemcias, por incrementar a sinalizao

    associada senescncia eritrocitria normal (Bunn, 2001; Kuypers, 2007).

    - Gerao de micropartculas

    As fibras que so formadas na polimerizao se agrupam em feixes que

    penetram a membrana eritrocitria, provocando o desacoplamento das

    protenas da dupla camada lipdica. Com a reoxigenao e o desaparecimento

    dos polmeros, as pores danificadas da membrana so liberadas na

    circulao na forma de microvesculas. Estas estruturas contm

  • 19

    exclusivamente lpides e protenas da banda 3. Fisiologicamente elas tm a

    funo de prover superfcie de expanso ao trombo normal (Simak e

    Gelderman, 2006). Na DF elas contribuem para o potencial trombtico

    observado nestas condies (Shet et al, 2003).

    - Alterao dos mecanismos de regulao do volume celular

    O aumento da concentrao de hemoglobina corpuscular est ligado

    patognese da doena por potencializar a polimerizao da hemoglobina S. As

    alteraes do controle do volume celular aumentam a tendncia da clula em

    elevar a concentrao corpuscular.

    Na DF existem trs anormalidades no transporte de ctions na

    membrana (Stuart e Nagel, 2004). A primeira a hiperatividade do

    transportador potssio-cloreto, que est fisiologicamente ativo somente nos

    reticulcitos, atuando na diminuio do volume corpuscular mdio (VCM)

    associado ao amadurecimento do eritrcito (Bunn,2001). Na DF h

    hiperatividade deste mecanismo deflagrada por acidose eritrocitria ou

    hiposmolaridade. A segunda anormalidade a alterao inespecfica da

    permeabilidade da membrana aos ctions, elevando o aumento da entrada de

    clcio na clula e deflagrando a hiperatividade do canal de Gardos. A terceira

    a hiperatividade do canal de efluxo de potssio sensvel ao clcio (Canal de

    Gardos), levando perda de gua e potssio, com conseqente desidratao

    celular. Os nveis elevados de endotelina1 (ET-1) e prostaglandina E2 (PGE-

    2) tambm alteram a cintica do canal de Gardos, contribuindo para a

    desidratao celular (Rivera, 2007).

    - Aumento da adeso eritrocitria ao endotlio

  • 20

    As observaes iniciais quanto ao aumento da adeso do eritrcito

    falciforme ao endotlio e relao com a gravidade da doena so do final dos

    anos 70 (Hoover, 1979). H mecanismos de adeso dependentes e

    independentes das molculas de membrana (Bunn, 2001).

    As primeiras molculas de adeso a terem seu papel descrito nas DF

    foram o CD36 e o complexo VLA4 (Very Late Antigen)/integrina a41. Esta

    integrina se liga ao endotlio via VCAM-1 (Vascular Cell Adhesion Molecule-1)

    e aps alteraes induzidas por agonistas pode se ligar fibronectina (Stuart e

    nagel, 2004). O VCAM-1 no constitucionalmente expresso no endotlio e

    sua induo dependente de citocinas e hipxia (Chiang, 2005). O CD 36 liga-

    se a trombospondina, derivada da ativao plaquetria, que atua como ponte

    entre os reticulcitos e o endotlio (Sugihara et al, 1992). Outras protenas

    associadas adeso mediada por receptores so o CD47 (uma protena

    associada ao complexo RH) e os multmeros de alto peso molecular do fator de

    Von Willebrand (via receptores a53 e a glicoprotena Ib (GPIb)-IX-V). (Bunn,

    2001).

    Os glicolpides sulfatados e a fosfatidilserina provem mecanismos de

    adeso que no envolvem receptores. Uma observao interessante que a

    laminina liga-se fortemente aos eritrcitos via B-CAM/Lu, uma protena que

    transporta antgenos do grupo sanguneo Lutheran. O aumento de epinefrina

    potencializa a expresso de B-CAM/Lu, fornecendo uma possvel conexo

    entre estresse emocional e a deflagrao de episdios dolorosos (Chiang et al,

    2005).

    3.2.4. Consideraes fisiopatolgicas associadas a fatores extra-

    eritrocitrios

  • 21

    - Leuccitos

    A alterao do nmero e funo dos leuccitos est envolvida na

    modulao da atividade das DF.

    Contagens elevadas de leuccitos so associadas com mortalidade

    (Platt et al, 1994) e gravidade (Miller et al, 2000) e so fatores de risco

    independentes para sndrome torcica aguda (Castro, 1994) e acidente

    vascular enceflico isqumico (AVEi) (Kinney et al, 1994b).

    Anormalidades qualitativas dos leuccitos circulantes apontam para a

    presena de um fentipo ativado evidenciado por aumento da liberao dos

    grnulos e aumento da expresso de molculas de adeso, como a L-

    selectina, ativao do burst oxidante e elevao da concentrao de

    leucotrieno B4 (Chiang et al, 2005).

    As alteraes numricas e funcionais dos leuccitos esto

    possivelmente ligadas ao estado inflamatrio crnico observado nas DF.

    - Hemostasia primria: Plaquetas

    H mudanas tanto quantitativas, como resultado da anesplenia

    funcional, quanto qualitativas, relacionadas ativao plaquetria. No est

    estabelecida uma ligao conclusiva entre episdios dolorosos e ativao

    plaquetria, embora as plaquetas estejam envolvidas na doena dos grandes

    vasos que acomete o sistema nervoso central e os pulmes (Stuart e Nagel,

    2002).

    - Hemostasia secundria

    So evidentes as alteraes da hemostasia secundria. Alm da

    gerao aumentada de micropartculas e clulas endoteliais, que possuem alta

  • 22

    expresso de fator tecidual, a exposio de fosfatidilserina na superfcie do

    eritrcito potencializa a ativao da coagulao.

    A trombina mimetiza alguma das aes de citocinas, representando

    uma conexo entre a ativao da coagulao e adeso endotelial (Stuart e

    Nagel,2002). As alteraes da hemostasia secundria podem estar implicadas

    na gnese da doena de grandes vasos. Marcadores biolgicos de ativao da

    coagulao (fragmento 1.2 da trombina) esto correlacionados com a

    velocidade do fluxo da artria cerebral mdia medida por dopplerfluxometria

    craniana usada na profilaxia primria de AVEi na infncia (Styles,1997 apud

    Stuart e Nagel, 2002).

    Figura 2 - Fisiopatologia da vaso-ocluso na doena falciforme

    PolimerizaPolimerizao da o da HbSHbS

    FalcizaFalcizao das hemo das hemciascias

    Ocluso vascularOcluso vascular

    pHpH

    hiphipxiaxiadesidratadesidrataoo

    InfecInfeco/inflamao/inflamaoo

    Adeso endotelial Adeso endotelial do eritrdo eritrcitocito

    Adeso endotelial Adeso endotelial dos neutrdos neutrfilosfilos

    AtivaAtivaooendotelialendotelial

    AgregadosAgregadosmulticelularesmulticelulares

    citocinascitocinas

    NFNF??BB

    hemhemliseliseSeqSeqestro deestro dexido nxido ntricotrico

    ExposiExposio ou expressoo ou expressode molde molculas de adesoculas de adeso

    MatrizMatrizsubendotelialsubendotelial

    AlteraAlterao da homeostaseo da homeostasedos cdos ctionstions

    micropartmicropartculasculas

    AtivaAtivaooda coagulada coagulaooe plaquete plaquetriaria

    FONTE: Adaptado de Chiang EY,Frenette OS. Sickle Cell Vaso-Occlusion. Hematol Oncol Clin N Am 2005;19:771-84 ABREVIATURAS: HbS-hemoglobina S ;NFB fator nuclear B; pH potencial de hidrognio

  • 23

    -Inflamao crnica

    Vrias linhas de pesquisa apontam para aumento da atividade

    inflamatria nas DF, tanto no estado basal quanto durante o episdio vaso-

    oclusivo. A adeso do eritrcito ao endotlio deflagra a formao de espcies

    reativas de oxignio e a ativao do fator de transcrio NFB (fator nuclear

    B) em clulas endoteliais (Okpala, 2006). A ativao deste mediador aumenta

    a sntese e expresso de molculas de adeso no endotlio. Vrias citocinas

    inflamatrias (VCAM-1, interleucina1, fator de necrose tumoral e fator de

    crescimento de colnia de granulcitos e macrfagos) tm seus nveis sricos

    aumentados na DF e quando neutralizadas em modelos animais levam

    diminuio da vaso-ocluso (Kaul et al, 2004).

    A interao dos fatores intra e extra-eritrocitrios confere a grande

    diversidade fenotpica observada nas doenas falciformes (figura 2). O

    aprofundamento dos estudos moleculares est permitindo identificar outras

    associaes e aumentando a complexidade da fisiopatologia.

    3.3. Fisiologia da circulao pulmonar e hipertenso pulmonar

    O estudo da hipertenso pulmonar necessita de uma compreenso

    bsica da fisiologia da circulao pulmonar e dos princpios de hemodinmica.

    Os princpios clnicos e fisiopatolgicos observados nas outras formas de HP,

    em especial, na HAPI tambm so importantes para compreender as

    similaridades e diferenas observadas nas doenas falciformes. H discusses

    amplas sobre o assunto, nas quais basearemos nossa reviso (Rigatto,1976;

    Chemla,2002; McLaughlin e Rich,2004).

    3.3.1. Fisiologia da circulao pulmonar

  • 24

    A circulao pulmonar um pr-requisito bsico para a existncia dos

    animais homeotrmicos (Norman, 2005). Estes organismos necessitam manter

    um sistema sangneo altamente pressurizado, com suprimento constante de

    oxignio e nutrientes, em especial para o encfalo e msculos. A manuteno

    das complexas funes cerebrais e enzimticas com eficincia mxima

    depende da estabilidade da temperatura corporal, que no possvel em

    organismos ectotrmicos e sem circulao pulmonar.

    A circulao pulmonar chamada, em comparao com a circulao

    sistmica, de pequena circulao. Apesar do termo, esta a maior circulao

    visceral do organismo. Em seu leito capilar ocorrem, emtrocas gasosas

    equivalentes soma de todas as trocas similares realizadas em todos os

    outros leitos capilares do organismo os quais, somados, possuem superfcie

    pelo menos cem vezes maior que a sua (Rigatto, 1976).

    A circulao pulmonar cumpre funes respiratrias e no-respiratrias.

    As funes respiratrias so ligadas hematose, j as funes no

    respiratrias incluem conexo anatmica entre o VD e o AE, reservatrio

    sanguneo, regulao nervosa, filtrao do sangue, regulao trmica,

    eliminao de substancias volteis e funes metablicas (Rigatto,1976).

    A circulao pulmonar est constituda de modo a explorar de forma

    eficiente as diferenas de presso e de difuso molecular, que regem as trocas

    gasosas. O objetivo fazer com que o ar alveolar tenha a maior superfcie de

    contato possvel, reduzindo ao mnimo a barreira anatmica que separa o ar do

    sangue. O leito capilar pulmonar de um indivduo adulto, de porte mdio, de

    cerca de 90 m2 e as estruturas anatmicas que se interpe entre o sangue e a

    atmosfera tm espessura mdia de 0,7 micra.

  • 25

    Alm destas caractersticas que facilitam a difuso dos gases, h

    estratgias para assegurar que o sangue e o ar se encontrem em quantidades

    proporcionais no leito pulmonar. As pores apicais do pulmo, menos

    ventiladas que as basais so proporcionalmente menos irrigadas. Isto

    decorrente da ao combinada dos movimentos respiratrios e da distribuio

    gravitacional.

    Em condies basais, a ventilao alveolar de um adulto da ordem de

    4 litros por minuto e o dbito cardaco (DC), e conseqentemente o volume de

    perfuso pulmonar, de 5 litros por minuto. A relao entre ventilao (V) e

    perfuso (Q), a relao V/Q, de 0,8. Desequilbrios nesta relao levam a

    ajustes fisiolgicos. Os mecanismos de ajuste minimizam as variaes da

    relao V/Q em diferentes pontos do pulmo apesar das marcantes diferenas

    no valor absoluto das variveis da relao.

    A mais potente forma de regulao a vasoconstrio em resposta a

    hipxia (Dumas, 1999), um efeito oposto ao observado na circulao sistmica.

    3.3.2. Hemodinmica Pulmonar

    O leito vascular pulmonar normal, portanto, um sistema altamente

    complacente, de baixa presso e resistncia, com capacidade para acomodar

    grandes aumentos do fluxo sanguneo com elevaes mnimas da presso

    arterial pulmonar (PAP) (Chemla et al, 2002).

    O estudo da hemodinmica pulmonar s possvel pelo cateterismo dos

    vasos pulmonares (Fishman, 2004). A introduo do cateter na artria

    pulmonar possibilita a mensurao das presses e do DC. O avano deste at

    a ocluso (posio wedge) dos ramos perifricos da artria pulmonar permite

  • 26

    medir a presso capilar pulmonar (PCP) venosa, que estima de forma acurada

    a presso do trio esquerdo (PAE).

    O montante de sangue que passa pela circulao pulmonar equivale a

    aproximadamente 99% da quantidade que passa simultaneamente pela

    circulao sistmica. A diferena equivale s parcelas da circulao brnquica

    e coronria que retornam ao ventrculo esquerdo sem passar pelo VD.

    Os fatores fsicos que regulam o fluxo nos vasos sangneos seguem

    princpios que incorporam o equivalente hidrulico da equao de resistncia

    da lei de Ohm e equao de Poiseuillle-Hagen. Estes princpios foram definidos

    para tubos rgidos preenchidos por fluidos com propriedade newtoniana. Tais

    pr-requisitos no esto presentes na circulao pulmonar, j que o dimetro,

    volume, geometria e nmero de vasos podem mudar (Rigatto,1976). O sangue,

    por ser uma soluo coloidal, no tem comportamento newtoniano, com sua

    viscosidade mudando conforme a velocidade e fora de deformao a que

    submetido (Wood, 1987).

    Para fins prticos, no entanto, o fluxo sangneo atravs dos vasos

    pulmonares estudado como se seguisse a dinmica prevista pelo equivalente

    hidrulico da lei de Ohm:

    RP

    Q

    =

    Onde Q=fluxo; ?P=gradiente de presso (a diferena entre a presso

    mdia da artria pulmonar e a presso mdia do trio esquerdo) e R=

    resistncia oferecida pela vasculatura pulmonar sua perfuso.

  • 27

    O fluxo pulmonar , pois, diretamente proporcional ao gradiente de

    presso que impele o sangue atravs dos pulmes e inversamente

    proporcional resistncia oferecida pelo leito pulmonar sua perfuso.

    O gradiente de presso dependente do trabalho dos ventrculos

    cardacos. O ventrculo direito gera a PAP durante sua sstole e o esquerdo

    tem a PAE reduzida ao mnimo durante sua distole (Chemla et al, 2002).

    A circulao pulmonar normal um circuito de baixa resistncia, com

    pouco tono vascular em repouso, e os fatores mais importantes influenciando a

    presso mdia da artria pulmonar (PAPM) so as presses hidrosttica, intra-

    alveolar, atrial esquerda e a exercida pelos gases alveolares.

    A PAPM da ordem aproximada de 14 mmHg (sistlica de 21 mmHg e

    diastlica de 9 mmHg). No trio esquerdo a presso mdia de 5 mmHg. O

    gradiente de presso , portanto, de aproximadamente 9 mmHg. Esse

    gradiente de um oitavo a um dcimo do vigente na circulao sistmica

    (McLaughlin e Rich, 2004).

    A resistncia interposta pela vasculatura pulmonar funo, como nos

    demais circuitos vasculares, da interao das variveis contidas na equao de

    Poiseuille:

    .8..

    4rl

    R =

    Portanto, a resistncia (R) oferecida por um conduto perfuso

    diretamente proporcional ao comprimento do conduto () e a viscosidade do

    fluido () conduzido e inversamente proporcional quarta potncia do raio da

    luz do conduto (r). A resistncia principalmente relacionada geometria das

  • 28

    arterolas pulmonares. Como impossvel, na prtica, aferir estes valores, a

    resistncia pode ser calculada usando a equao fundamental:

    QP

    R

    =

    A unidade de resistncia (din.seg.cm-5) pode ser derivada desta relao,

    segundo o sistema de pesos e medidas CGS (centmetros-gramas-segundos),

    que precedeu o atualmente utilizado SI (SI brochure Systme International

    dUnits, 2005), mas ainda o mais usado nos estudos sobre hemodinmica

    pulmonar. Em unidades do sistema CGS, o gradiente de presso medido em

    din.cm-2 e o fluxo em cm3.seg. Como se segue:

    QP

    R

    = 5.. = cmsegdinR

    Na prtica a resistncia vascular pulmonar expressa em unidades mais

    simples, que se obtm quando se enuncia o gradiente de presso em mmHg e

    o fluxo em litros por minuto. Com esta notao a resistncia expressa em

    mmHg . min/L-1 (Rigatto, 1976)

    A unidade de resistncia mmHg.min/L-1 chamada, em homenagem ao

    cardiologista ingls Paul Wood, como unidade Wood. Uma unidade Wood

    equivalente a aproximadamente 80 din.seg.cm-5. (Chemla, 2002)

    A RVP normal oscila entre 1 e 2 unidades Wood (80 e 160 din.seg.cm-5 ).

    Em indivduos normais tem de ser levada em conta a altitude ao determinar os

    valores de normalidade para a presso e RVP (tabela 3). H certa variao na

    determinao da normalidade, com a PAPM chegando a 25mmHg e PAPS

    chegando a 30mmHg. A RVP e as presses tendem a aumentar com a idade,

    ndice de massa corprea (IMC) e presso atrial direita (PAD). Na tabela 2 so

  • 29

    colocados os valores das variveis hemodinmicas mais comuns (Barst,

    2004b).

    As presses de um sistema so independentes do tamanho deste, j a

    resistncia varia com as dimenses do circuito estudado. Os valores de

    resistncia devem ser indexados pela superfcie corprea (Chemla, 2002)

    Tabela 2 Variveis hemodinmicas ao nvel do mar e na altitude

    Nvel do mar Altitude (4500 m) Parmetro medido

    Repouso Exerccio leve

    Presso arterial

    pulmonar mdia (mmHg) 15 20 26

    Presso atrial esquerda

    (mmHg) 5 9 5

    Resistncia vascular

    pulmonar (Wood/

    din.seg.cm-5)

    1,7/136 0,9/72 3,3/264

    Dbito cardaco (L/min) 6 12 6

    FONTE: Adaptado de Barst RJ. Pulmonary hypertension. In Cecil Textbook of

    Medicine ed by Goldman L, Ausiello D 22nd ed. Saunders Elsevier Inc; 2004

    ABREVIATURAS: din.seg.cm-5 - dinas por segundo por centmetro -5, L/min

    litros por minuto; m - metros mmHg milmetros de mercrio; Wood

    unidades Wood equivalentes em mmHg/L-1

    3.3.3. Hipertenso Pulmonar

    A hipertenso pulmonar era tradicionalmente classificada como primria

    (idioptica) ou secundria (McLaughlin e Rich, 2004). H doenas, no entanto,

    includas dentro da categoria de hipertenso pulmonar secundria que

    possuem aspectos clnicos, resposta ao tratamento e quadros histopatolgicos

  • 30

    semelhantes hipertenso pulmonar primria. Com o decorrer dos anos,

    vrias entidades clnicas envolvidas com a hipertenso pulmonar foram

    identificadas, com o diagnstico da doena primria se convertendo em um

    quadro de excluso (Barst, 2004a).

    - Definio

    A hipertenso pulmonar definida como aumento da presso mdia da

    artria pulmonar (PAPM) acima de 25 mmHg em repouso ou 30 mmHg durante

    o exerccio, com a presso pulmonar sendo medida de forma invasiva atravs

    da cateterizao da artria pulmonar.

    A resistncia vascular pulmonar (RVP) maior que 3 unidades Wood

    (240 din. cm-5.seg) e a presso capilar pulmonar (PCP) menor que 15 mmHg,

    ou seja, HP pr-capilar. Quando a PCP se eleva acima deste nvel, mais

    provvel o diagnstico de disfuno ventricular esquerda, com HP capilar

    (Chemla et al, 2002).

    A triagem diagnstica geralmente efetuada pelo ecocardiograma com

    dopplerfluxometria, que permite estimativa no invasiva da PAPS (Bossone et

    al, 2005). Os valores mximos normais de PAPS variam entre 40 e 50 mmHg

    em repouso (Chemla et al, 2002).

    - Classificao

    Em virtude das dificuldades em manter uma lista com base clnica e

    etiolgica, a Organizao Mundial de Sade (OMS), em 2003, decidiu adotar

    uma classificao fundamentada no mecanismo fisiopatolgico e na localizao

    das leses vasculares (McLaughlin e Rich 2004). Desta forma, a hipertenso

    pulmonar dividida em cinco grupos (tabela 3).

  • 31

    - Fisiopatologia

    As doenas falciformes eram tradicionalmente classificadas entre as HP

    com origem trombo-emblica. No congresso de Evian, em 1998, ela passou a

    ser classificada entre as causas familiares de hipertenso arterial pulmonar. A

    doena paradigmtica deste grupo a HAP idioptica (HAPI), anteriormente

    conhecida como HAP primria.

    A HAPI uma doena rara, de causa desconhecida, com incidncia

    aproximada de 1-2 casos por milho de pessoas na populao geral. Durante a

    infncia a condio afeta ambos os gneros em proporo similar. Aps a

    puberdade se torna mais comum na mulher (relao homem/mulher 1:1,7),

    com uma mdia etria de deteco ao redor dos 35 anos. Apesar da maior

    parte dos casos ser espordica, em aproximadamente 10% dos indivduos

    possvel identificar um componente familiar (Domenighetti , 2007).

    A HP pode ser identificada durante exames em pacientes sintomticos,

    durante avaliao dirigida a pacientes de alto risco ou pode ser descoberta de

    forma incidental (Barst et al, 2004a). Por ser uma condio rara, com sintomas

    inespecficos, o diagnstico tardio freqente. No registro de hipertenso

    arterial pulmonar (HAP) do National Institute of Health (NIH), o intervalo mdio

    do incio dos sintomas ao diagnstico foi de 2 anos, com aproximadamente 2,5

    anos para progresso at a morte (McLaughlin e Rich, 2004).

    A patognese da HAP complexa e envolve a interao entre fatores

    genticos e estmulos ambientais ou patolgicos que podem deflagrar o

    desenvolvimento da arteriopatia pulmonar, atravs de trs mecanismos:

    vasoconstrio, trombose in situ e remodelamento vascular.

  • 32

    Tabela 3 Classificao da Hipertenso pulmonar OMS

    1- Hipertenso Arterial Pulmonar 1.1 Idioptica 1.2 Familiar 1.3 Associada a:

    1.3.1.Doenas vasculares do colgeno 1.3.2.Shunts sistmico-pulmonares congnitos 1.3.3.Hipertenso Portal 1.3.4.Infeco pelo HIV 1.3.5.Frmacos/Drogas/Toxinas 1.3.6.Outras (Doenas tireoidianas, Teleangiectasia Hemorrgica Hereditria, Hemoglobinopatias, Doena de Gaucher, Doenas Mieloproliferativas, Esplenectomia).

    1.4 Associada a acometimento capilar/venoso significativo 1.4.1 Doena pulmonar veno-oclusiva 1.4.2 Hemangiomatose capilar pulmonar

    1.5 Hipertenso persistente do recm-nascido 2 Hipertenso Venosa pulmonar

    2.1 Cardiopatia de cmaras esquerdas 2.2 Valvopatias esquerda

    3 Hipertenso pulmonar associada a doenas pulmonares ou hipoxemia 3.1 Doena pulmonar obstrutiva crnica 3.2 Pneumopatia intersticial 3.3 Doenas respiratrias relacionadas ao sono 3.4 Hipoventilao alveolar 3.5 Exposio crnica a altas altitudes 3.6 Anormalidades do desenvolvimento

    4 Hipertenso pulmonar devido embolia ou trombose crnica 4.1 Trombose ou embolia das artrias pulmonares proximais 4.2 Obstrues das artrias pulmonares distais 4.3 Embolia pulmonar no trombtica (tumor, parasitas, material

    estranho) 5 Miscelnea

    Sarcoidose, histiocitose de clulas de Langherhans, linfangioleiomiomatose, compresso de vasos pulmonares (adenopatia, tumores, mediastinite fibrosante)

    FONTE: Adaptado de Farber HW. Loscalzo J. Pulmonary Arterial Hypertension. N Engl J Med 2004; 351:1655-65

    Na maior parte dos pacientes possvel identificar desequilbrio entre

    molculas com propriedades vasomotoras. Vrios estudos detectaram aumento

    da produo de tromboxane A2, serotonina, ET-1, VEGF-1 (vascular

    endothelial growth factor -1) e adrenomedulina e diminuio da produo de

  • 33

    prostaciclina e peptdeo intestinal vasoativo (VIP). So observadas alteraes

    na funo e expresso tecidual de canais de potssio voltagem-dependente

    (McLaughlin e Rich, 2004). O efeito resultante deste desequilbrio o aumento

    do tnus vascular e de trombose in situ.

    O remodelamento vascular, que uma modificao estrutural e

    funcional dos vasos pulmonares, com diminuio da luz do vaso e reduo da

    capacidade de vasodilatao, um achado constante e pode ser decorrente de

    uma srie de estmulos, como alteraes do fluxo, oferta de oxignio ou

    inflamao (Budhiraja, 2004).

    Vrios fatores ambientais j foram implicados na patogenia da HP. Trs

    destes, a hipxia, o uso de anorexgenos e de estimulantes do sistema nervoso

    central, possuem base fisiopatolgica ou epidemiolgica plausvel (McLaughlin

    e Rich, 2004).

    Nos maior parte dos casos familiares so encontradas mutaes no

    gene BMPR-II (Bone Morphogenetic Protein Receptor type II), um membro da

    famlia TGF- (Transforming growth factor - ). Esta mutao leva a

    proliferao da musculatura lisa dos vasos pulmonares. Outras mutaes

    ligadas famlia TGF- so dos genes da endoglina e ALK-1 (activin-like

    kinase 1), que so associados teleangiectasia hemorrgica hereditria

    (Doena de Rendu-Osler-Weber). Alteraes genticas vm sendo

    documentadas nas vias serotoninrgicas e no metabolismo do xido ntrico.

    Em todas as doenas associadas HAP so observadas alteraes

    histopatolgicas similares, conforme a classificao de Heath-Edwards (tabela

    4), utilizada nas descries anatomopatolgicas e nos raros casos submetidos

    bipsia (menos de 5% dos casos). O aspecto histolgico reflete o progressivo

  • 34

    remodelamento vascular. Os mecanismos patognicos, no entanto, so

    diversos.

    Tabela 4 Aspectos histolgicos Classificao de Heath-Edwards

    Grau 1 Hipertrofia da camada mdia das pequenas artrias pulmonares

    Grau 2 Proliferao excntrica ou concntrica da camada ntima e

    espessamento das pequenas artrias e arterolas pulmonares

    Grau 3 Fibrose da camada ntima relativamente acelular com acmulo de

    tecido fibroso levando a ocluso de pequenas artrias e arterolas

    pulmonares

    Grau 4 Dilatao generalizada, progressiva, das artrias musculares e

    surgimento de leses plexiformes, que so estruturas vasculares

    complexas compostas de uma rede endotelial altamente

    proliferativa, circunscrita por uma estrutura sacular de paredes

    adelgaadas, freqentemente acompanhada por trombose.

    Grau 5 Fibrose e adelgaamento da camada mdia, sobreposta formao

    de numerosas leses dilatadas complexas

    Grau 6 Arterite necrotizante dentro da camada mdia, com reas vizinhas

    apresentando reao inflamatria e tecido de granulao

    FONTE: Adaptado de Barst RJ. Pulmonary hypertension. In Cecil Textbook of

    Medicine ed by Goldman L, Ausiello D 22nd ed. Saunders Elsevier Inc; 2004

  • 35

    - Diagnstico

    - Manifestaes Clnicas

    O sintoma de apresentao mais comum da hipertenso pulmonar a

    dispnia, descrita na consulta inicial de 98% dos casos da srie do NIH. A

    apresentao clnica depende da causa subjacente, com destaque para

    aquelas associadas a doenas auto-imunes. Os sintomas e achados do exame

    fsico so mais exuberantes conforme o avano da doena.

    importante caracterizar o estado funcional de base do paciente atravs

    da escala da Organizao Mundial de Sade (OMS), que semelhante

    escala da New York Heart Association (NYHA) para doenas cardacas, com a

    incluso da pr-sncope e sncope nas classes funcionais III e IV (tabela 5).

    Tabela 5 Classificao funcional da OMS para hipertenso pulmonar

    Classe Perfil sintomtico

    Classe I Pacientes com hipertenso pulmonar, mas sem limitao resultante da atividade fsica. Atividade fsica comum no causa dispnia ou fadiga, dor torcica ou pr-sncope.

    Classe II

    Pacientes com hipertenso pulmonar resultando em limitao leve da atividade fsica. Os pacientes ficam confortveis em repouso. Atividade fsica comum causa dispnia ou fadiga indevida, dor no peito ou pr-sncope.

    Classe III

    Pacientes com hipertenso pulmonar resultando em marcada limitao da atividade fsica. Os pacientes ficam confortveis em repouso. Atividades menos intensas que as atividades comuns causam dispnia ou fadiga indevida, dor torcica ou pr-sncope.

    Classe IV

    Pacientes com hipertenso pulmonar com inabilidade para realizar qualquer atividade fsica sem sintomas. Esses pacientes manifestam sinais de falncia do ventrculo direito. Mesmo em repouso podem apresentar dispnia ou fadiga. O desconforto aumentado por qualquer atividade fsica

    FONTE: Adaptado de McLaughin VV, Rich S. Pulmonary Hypertension. Curr Probl Cardiol 2004; 29:579-634

  • 36

    A HP caracterizada pela elevao crnica da PAP e da RVP levando a

    dilatao e hipertrofia ventricular direita. Inicialmente a PAP normal em

    repouso, mas eleva-se anormalmente com o exerccio. Em estgios mais

    avanados a hipertenso se mantm mesmo em repouso. Quando os

    mecanismos adaptativos do VD no so capazes de compensar a sobrecarga

    hemodinmica ocorre a insuficincia cardaca direita (Cor Pulmonale), que de

    prognstico ominoso (figura 3).

    A insuficincia ventricular direita caracterizada pela piora da dispnia,

    hepatomegalia, ascite e edema perifrico. Indivduos com HAP grave

    apresentam pulso venoso jugular com onda v proeminente, terceiro som

    cardaco de origem ventricular direita e sopro holosistlico devido

    regurgitao tricspide. Outros sintomas presentes so a angina, cianose,

    rouquido por compresso do nervo larngeo e nos quadros mais avanados

    sncope e pr-sncope.

    CF ICF I CF IICF II--IIIIII CF IVCF IV

    Sinais e SintomasSinais e Sintomas

    DCDC

    PAPPAP

    RVPRVP

    TempoTempoLegenda DC - Dbito Cardaco; PAP -Presso de Artria Pulmonar; RVP- Resistncia Vascular Pulmonar

    FONTE: adaptado de Domenighetti G. Prognosis, screening, early detection and differentiation of arterial pulmonary hypertension. Swiss Med Wkly 2007;137:331-6 ABREVIATURA: CF classe funcional da Organizao Mundial de Sade (OMS); DC-dbito cardaco; PAP - presso da artria pulmonar; RVP resistncia vascular pulmonar.

    Figura 3 Relao entre a progresso clnica e alteraes hemodinmicas

  • 37

    A qualidade de vida, aferida por questionrios, tambm est alterada e

    pode ser usada para avaliao da eficcia de tratamentos (Souza et al, 2007).

    A causa mais comum de morte a progresso da insuficincia

    ventricular direita. Em pacientes com classe funcional IV a morte sbita mais

    comum, demonstrando que este evento uma manifestao de doena

    avanada e no um fenmeno que ocorre de forma imprevisvel e precoce na

    histria natural. As causas restantes de morte so infeces e embolia

    pulmonar, sugerindo que pacientes com HP no toleram bem intercorrncias

    clnicas.

    - Exames complementares

    Alm da histria e do exame fsico, a abordagem diagnstica inclui o uso

    de exames tradicionais de avaliao cardiorrespiratria (eletrocardiograma e

    radiografia de trax), exames laboratoriais, testes de capacidade funcional

    (como o de caminhada de 6 minutos), ecocardiograma e a cateterizao de

    artria pulmonar. Alguns exames so importantes em contextos clnicos

    especficos e em eventual planejamento cirrgico (Nauser e Stites, 2001).

    -Eletrocardiograma

    O eletrocardiograma (ECG) tem especificidade de 70% e sensibilidade

    de 55% na deteco de HAP e geralmente demonstra aumento atrial e

    ventricular direito (Gali et al, 2004). Podem estar presentes bloqueios do ramo

    direito e mudanas inespecficas da onda T e do segmento ST. A presena de

    aumento atrial esquerdo ou fibrilao atrial sugere a presena de hipertenso

    venosa, ao invs de HAP (McLaughlin e Rich, 2004).

    - Radiografia de trax

  • 38

    A radiografia de trax pode ser til na diferenciao entre a HAPI e

    outras causas de hipertenso pulmonar, como a doena trombo-emblica

    crnica (Satoh et al, 2005).

    - Alteraes laboratoriais

    Os estudos laboratoriais so, em geral, pouco especficos. imperativo

    excluir causas subjacentes de HAP atravs de testes para HIV 1 e 2, avaliao

    da funo tireoidiana e heptica. No caso das doenas auto-imunes, preciso

    ter em mente que a proporo de FAN (fator antinuclear) em baixos ttulos,

    sem significado clnico, levemente superior do que na populao geral (Gali

    et al, 2004).

    Alguns exames bioqumicos so propostos como marcadores biolgicos

    da doena. Ainda no h, porm, um teste sangneo com capacidade

    discriminatria suficiente para ser proposto como instrumento de triagem ou

    acompanhamento no lugar do ecocardiograma. Os peptdeos natriurticos

    esto entre os marcadores mais promissores (Aubert, 2005).

    O cido rico, que est elevado devido deteriorao do metabolismo

    oxidante dos tecidos, um marcador independente de mortalidade,

    correlacionado com a RVP (Njaman et al, 2007). Outros marcadores biolgicos

    eventualmente utilizados na literatura so a troponina, a ET 1, a serotonina e

    os produtos de degradao da fibrina e fibrinognio (Aubert,2005).

    - Ecocardiograma

    O ecocardiograma especialmente importante na avaliao inicial da

    doena, excluindo alteraes anatmicas. Por ser um exame no invasivo e

    possuir grande especificidade, ele o preferido como instrumento de triagem e

    acompanhamento (Bossone, 2005). O cateterismo pulmonar, porm, ainda o

  • 39

    exame essencial para o diagnstico preciso e determinao do tratamento

    (McGoon et al, 2004).

    Figura 4 Parmetros medidos para estimativa da presso sistlica de artria

    pulmonar por ecocardiograma

    AEAD

    VDVE

    VCI

    Esti mativa da PAD

    Jato tricspide

    A estimativa da presso pulmonar pelo ecocardiograma efetuada

    atravs da medida da velocidade do fluxo retrgrado pela vlvula tricspide

    (VRT), como mostrado na figura 4. A tricspide no competente o suficiente

    para prevenir a regurgitao de pequena parte do volume impelido durante a

    sstole ventricular direita. Este refluxo pode ser detectado em at 86% dos

    indivduos na populao geral, mas a deteco dependente do operador. As

    principais variveis envolvidas na taxa de deteco so o treinamento do

    ecocardiografista, a janela acstica e o desempenho do aparelho.

    FONTE: Adaptado de Otto CM. Funo Sistlica do ventrculo direito e esquerdo. In Otto CM Fundamentos de Ecocardiografia Clnica ed Elsevier,2008 ABREVIATURA: AD trio direito, AE-trio esquerdo, PAD presso de trio direito, VCI veia cava inferior, VD ventrculo direito, VE-ventrculo esquerdo.

  • 40

    A VRT reflete a diferena de presso (?P) entre o ventrculo direito (VD)

    e o trio direito (AD), conforme expresso na equao de Bernoulli, que um

    equivalente do princpio da conservao de energia:

    ?P VD-AD = 4 (VRT)2

    Quando se adiciona a este valor a estimativa de presso do trio direito

    (PAD), inferida pelo grau de colapso da veia cava inferior (VCI) quando em

    inspirao profunda, obtm-se a presso sistlica de ventrculo direito (PSVD):

    PSVD = ?P VD-AD + PAD

    Na ausncia de estenose pulmonar (rara em adultos), a PSVD iguala-se

    presso sistlica de artria pulmonar (PAPS), de modo que:

    PAPsistlica = 4 (VRT)2 + PAD

    A maioria dos estudos aponta boa correlao (0,57-0,93) entre a

    ecocardiografia e as medidas obtidas por cateterismo. A sensibilidade varia

    entre 0,79 e 1 e a especificidade entre 0,6 e 0,98. Apesar da boa correlao, a

    diferena entre as presses medidas e confirmadas varia entre 3 e 38 mmHg,

    mas h relatos de variaes de at 100 mmHg (McGoon et al, 2004).

    O mesmo conceito aplicado na deteco de PAPS pode ser aplicado

    curva de velocidade do fluxo retrgrado pulmonar para determinao de PAPD.

    - Avaliao funcional teste de caminhada de 6 minutos (TC6m)

    O TC6m vem ganhando destaque na avaliao funcional

    cardiorrespiratria pela sua simplicidade, segurana e reprodutibilidade.

    Apesar de possuir limitaes (tabela 6), o TC6m um indicador

    prognstico de sobrevida na HAPI, sendo inversamente correlacionado com o

    status funcional, DC e RVP, mas no com a PAPM. Queda da saturao de

  • 41

    oxignio, medida por oximetria de pulso durante o exame, associada com

    pior sobrevida (McLaughlin e Rich, 2004).

    Tabela 6- Fatores de variabilidade no teste de caminhada de 6 minutos (TC6m)

    Fatores associados com pior

    desempenho no TC6m

    Fatores associados com melhor

    desempenho no TC6m

    Baixa estatura

    Idade avanada

    Obesidade

    Gnero feminino

    Dificuldade cognitiva

    Pista curta

    Doena pulmonar intrnseca

    Doena cardaca

    Doenas msculo-esquelticas

    Alta estatura

    Gnero masculino

    Alta motivao

    Prvia realizao do exame

    Medicao para doena debilitante

    tomado previamente ao exame

    Suplementao de oxignio em

    pacientes hipoxmicos

    FONTE: Adaptado de ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Resp Crit Care Med 2002; 166:111-7.

    - Cateterismo da artria pulmonar

    O cateterismo da artria pulmonar permite estabelecer o diagnstico

    preciso da HP, a gravidade da doena, as conseqncias sobre a funo

    cardaca esquerda e a quantidade de reserva de vasodilatao do leito

    vascular pulmonar. A medida do DC, pelo mtodo de termodiluio de Fick,

    permite, juntamente com as presses aferidas, determinar a RVP (Barst et al,

    2004, Chemla et al, 2002).

  • 42

    O cateterismo possibilita a avaliao da resposta vasodilatadora atravs

    da utilizao de prostaciclinas e xido ntrico. Os raros pacientes que

    respondem a bloqueadores de canal de clcio podem ser identificados e so

    parte de um grupo de sobrevida mais prolongada.

    Apesar de ser um procedimento seguro em mos experientes, h relatos

    de ocorrncias graves durante o cateterismo direito (arritmias, infarto pulmonar,

    perfurao do ventrculo direito e lacerao da artria pulmonar), com alguns

    deles levando morte. Em uma das maiores casusticas da literatura, Shah et

    al (1984) relatam uma morte (0,016%) entre 6245 procedimentos, devido a

    hemorragia pulmonar incontrolvel. O teste com vasodilatadores seletivos da

    circulao pulmonar tambm carreia risco adicional (Runo, 2003).

    O cateterismo importante para ajudar a estabelecer o prognstico de

    um paciente individual e para planejamento teraputico.

    - Outros exames

    Alguns exames so importantes para formas especficas da doena

    (ESC guidelines, 2004).

    A cintilografia V/Q, a angiotomografia e a angiografia so importantes

    para excluir doenas trombticas e emblicas crnicas e no planejamento

    cirrgico.

    Os testes de funo pulmonar so indispensveis na avaliao de

    doena de vias areas associadas.

    A polissonografia est indicada na suspeita de hipoxemia noturna. O

    ecocardiograma transesofgico pode ser utilizado em algumas situaes onde

    o diagnstico de shunts intracardacos difcil.

  • 43

    A bipsia pulmonar raramente utilizada, sendo indicada em menos de

    5% dos casos (Rubin, 1989), especialmente quando h dvidas no diagnstico

    de vasculites, doenas granulomatosas e doenas intersticiais.

    O incio precoce dos tratamentos disponveis quando os mecanismos

    patognicos reversveis ou dinmicos ainda esto presentes pode aumentar a

    probabilidade de sucesso no tratamento (ESC guidelines,2004). A abordagem

    atual privilegia o uso precoce de oxigenioterapia ambulatorial, terapia

    anticoagulante crnica, vasodilatadores (quando o cateterismo indicar

    resposta), prostaciclina, inibidores da endotelina-1 e da fosfodiesterase-5

    (figura 5) (Humbert et al, 2004). H testes clnicos em andamento com o uso de

    VIP inalatrio e antagonistas da serotonina.

    3.4- Hipertenso Pulmonar e Doena Falciforme

    O envolvimento pulmonar responsvel por grande morbidade e

    mortalidade na populao de indivduos com doenas falciformes (DF), sendo a

    segunda causa de admisso hospitalar e a primeira causa de morte.

    Complicaes pulmonares agudas vm sendo reconhecidas desde os

    anos 30. A apresentao pulmonar aguda representa um desafio diagnstico e

    desde os relatos iniciais havia grande dificuldade em se efetuar o diagnstico

    diferencial entre os evento