difi culdades de aprendizagem enfoque psicopedagógico · a definição do conceito de...

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Maria das Graças Vasconcelos Paiva Professora Adjunta, Instituto de Psicologia, Departamento de Fundamentos da Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Patrícia Gomes de Azevedo Aluna do Curso de Psicopedagogia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Dificuldades de aprendizagem Enfoque psicopedagógico 1

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Maria das Graças Vasconcelos Paiva

Professora Adjunta, Instituto de Psicologia, Departamento de Fundamentos da Psicologia,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Patrícia Gomes de Azevedo

Aluna do Curso de Psicopedagogia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Difi culdades de aprendizagem

Enfoque psicopedagógico

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1Dificuldades de aprendizagem

| Introdução

As dificuldades de aprendizagem fazem parte da realidade das salas

de aula de nossas escolas e têm gerado grande ansiedade nos pro-

fessores, devido ao seu agravamento e à falta de solução imediata.

Segundo dados do Censo Educacional 2001-2002, Brasil (2002), mais de 25% de

todas as crianças ingressadas no 1ª. série do ensino fundamental (5,89 milhões)

fracassaram e não alcançaram a 2ª. série. O fracasso que se iniciou no período

de alfabetização se estendeu até a 5ª. série, em que 33,6% dos alunos não con-

seguiram vencer. Muitas crianças deixam a escola ou terminam o fundamental

sem saber ler e escrever. Capovilla e Capovilla (2007) vêm ressaltando isso.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre esta questão sob a perspectiva psi-

copedagógica, tentando evitar uma visão segmentada do sujeito e refletir sobre

um ponto: significa fracasso na escolaridade o mesmo que falta de instrução?

As dificuldades de aprendizagem ocorrem devido a várias causas. A crian-

ça pode apresentar alguma dificuldade cognitiva particular que faz com que o

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

aprendizado de certas habilidades se torne mais difícil que o normal. Contudo,

a aprendizagem de alguns problemas, senão da maioria deles, resulta de ques-

tões educacionais ou ambientais que não estão relacionadas às habilidades

cognitivas da criança. Estratégias educacionais ineficientes podem afetar gra-

vemente o nível de aprendizado infantil. Independente da causa primária, as

crianças com dificuldades de aprendizagem estão defasadas em relação a seus

colegas quanto a importantes aspectos da aprendizagem.

A psicopedagogia constitui uma das vertentes da ação educativa peda-

gógica que se refere à Psicologia Escolar. Por ser do domínio da ação, ela se

exerce buscando diagnosticar e analisar os fatores que favorecem, intervêm

ou prejudicam a aprendizagem. Um de seus objetivos é atuar junto a crianças

com problemas nesta área, a pais e professores, intervindo no sentido de levar

o aluno a reencontrar o prazer de aprender. O psicopedagogo pode também

atuar de acordo com um sistema de finalidades livremente escolhido por ele

ou atribuído pela instituição. Este campo de conhecimento pode ser conside-

rado uma área da saúde e sua atuação pode ocorrer tanto no plano curativo

quanto preventivo. Na função preventiva, cabe a este profissional atuar nas

escolas e em cursos de formação de professores, dedicando-se a áreas como

desenvolvimento infantil e na organização do ensino e aprendizagem. No as-

pecto curativo, sua prática clínica se dirige a crianças e adolescentes com pro-

blemas de aprendizagem, a seus respectivos pais e professores.

| Aspectos históricos das dificuldades de aprendizagem

Para o Comitê Nacional Americano de Dificuldades de Aprendizagem

(Meisels & Wasik, 1989), a expressão dificuldades de aprendizagem refere-se,

genericamente, a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas quando

da aquisição e no uso da audição, da fala, leitura, escrita, raciocínio ou habili-

dades matemáticas.

A origem da categoria dificuldades de aprendizagem desenvolveu-se a

partir do conceito de “criança com lesão cerebral” formulado por Strauss e

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1Dificuldades de aprendizagem

Wener apud Polity (2001). Eles tentaram estabelecer diferenças entre crianças

com retardos mentais endógenos (genéricos que se formam no interior do ór-

gão) e exógenos (que se formam no exterior ou na superfície, ligados a uma

parte do corpo; lesões cerebrais, não genéricos). Os autores perceberam que

a maioria das crianças com dificuldades de aprendizagem mostrava sintomas

gerais característicos de crianças com lesão cerebral mínima, a conhecida sín-

drome de Strauss, que incluía entre seus sintomas distúrbios motores, da per-

cepção, dos conceitos e do pensamento, perseveração, dispersividade, entre

outros. Mais tarde, estes componentes foram ampliados e subdivididos, mas

até hoje constituem o núcleo das características comportamentais de crianças

com dificuldades de aprendizagem (Polity, 2001).

Durante muitas décadas, especialmente nos anos 1940, a visão organicista

foi a mais defendida para explicar as dificuldades de aprendizagem. Contudo,

gradativamente, educadores, psicólogos e psiquiatras reconheceram a impor-

tância de outras abordagens como psicologia comportamental, cognitiva e os

processos afetivo-emocionais. A visão organicista, no entanto, sempre prevale-

ceu sobre a educativa, reabilitadora e psicológica (Sisto & Martineli, 2006).

Na década de 1960, a expressão dificuldade de aprendizagem competia

com o conceito de transtorno de aprendizagem. Em 1965, surgiu nos EUA a

Associação Nacional para Crianças com Dificuldades de Aprendizagem. Em

seguida, outras foram aparecendo durante a década de 1970. No final dessa

década, as dificuldades de aprendizagem constituíam um fenômeno social que

terminou na metade dos anos 1970, classificado como distúrbio, sendo que os

problemas de leitura e linguagem dominavam a cena. Este fato é difícil mesmo

de ser negado, pois 60% das deficiências de aprendizagem residem na área da

leitura. Nos anos 1980, a questão voltou a ser considerada de forma mais am-

pla, incluindo, além dos problemas de leitura, os da escrita. A tendência era ver

sempre fundamentos explicativos neurológicos para os problemas de leitura

e funcionais para outros mais específicos como disgrafia, discalculia, disorto-

grafia. Com base em dados empíricos, pesquisadores ingleses sugeriram que

uma em cada seis crianças tinha chance de necessitar de algum tipo de ajuda

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

educativa especial em algum momento, seja por causa de uma dificuldade

duradoura, ou não. Chazan (1980, apud Sisto & Martineli, 2006) confirma que

21% de sua amostra, na Inglaterra, tinham necessidades especiais de natureza

leve, moderada ou grave.

A partir de 1990, pesquisadores norte-americanos começaram a conside-

rar a dimensão social do problema, tomando mais consciência e conhecimento

da questão, o que resultou na melhoria das técnicas de diagnóstico e numa

maior aceitação social do fenômeno.

No Brasil, mesmo considerando a falta de estatística a este respeito,

sabe-se que o número de crianças que não se alfabetizam nem mesmo até a

2ª. série, é estimado em 60%. O ciclo básico, assim como a proposta de não

avaliação até a 4ª. série do ensino fundamental, só fez diminuir ainda mais as

estatísticas sobre as dificuldades de aprendizagem.

| Definição do problema

A definição do conceito de dificuldades de aprendizagem traz algumas

preocupações que devem ser primeiramente salientadas. Nem sempre o ter-

mo distúrbio de aprendizagem foi definido sem ambiguidade, de forma obje-

tiva e diferenciada. Com o avanço das teorias educacionais e psicológicas, o

tênue limite entre ambos e a confusão feita por alguns autores puderam ser es-

clarecidos. Foi adotado, neste trabalho, o termo dificuldade de aprendizagem

porque sobre este há um consenso, desde os anos 1960, de que o aluno não é

o único responsável pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem. E passou-se a

considerar o fato de que os problemas de aprendizagem podem ser gerados,

também, pelo ambiente educacional; mas sem perder de vista as possíveis

origens orgânicas e intrínsecas ao sujeito.

Por dificuldades de aprendizagem se entendem todos aqueles entraves

no processo de aprendizagem provocados não só por problemas cognitivos e/

ou emocionais, mas também por situações geradas pela variável escola e pelos

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1Dificuldades de aprendizagem

ambientes educacionais. Já o termo distúrbios de aprendizagem se refere mais

a questões intrínsecas do aluno, como disfunções neurológicas.

A segunda precaução a tomar é quanto ao diagnóstico que, por ser de

ordem acadêmica, corre o risco de levar a falhas e tendências por falta de

abrangência dos instrumentos utilizados e observações feitas para se che-

gar aos resultados. As dificuldades de aprendizagem são pluricausais, e um

diagnóstico pouco criterioso pode ter sérias consequências para o indivíduo,

como rotular, gerar preconceitos, e um longo período de tratamento, às vezes

de necessidade questionável. Isso sem considerar os problemas de natureza

afetivo-emocional. Torna-se muito difícil diagnosticar uma criança como ten-

do dificuldades de aprendizagem sem ter domínio sobre as múltiplas causas

que podem provocar a queda na aprendizagem. Raramente, as dificuldades

de aprendizagem se deixam com segurança diagnosticar antes do fim da pré-

escola ou no início do ensino fundamental. Esta é uma variável muito sensível

ao fator desenvolvimento.

Entre as características de uma pessoa com dificuldade de aprendizagem

se encontram: a inteligência normal ou elevada, ausência de problemas senso-

riais ou motores, oportunidades escolares adequadas e proveniência de meio

socioeconômico favorável (Sternberg & Grigorenko, 2006), o que não está em

contra-senso com o conceito. Apesar dos esforços teóricos e metodológicos

realizados pelos pesquisadores da área, não há uma definição aceita universal-

mente do que seja dificuldade de aprendizagem, pois a coexistência de variá-

veis heterogêneas no mesmo grupo dificulta a demarcação de fronteiras.

Historicamente, a delimitação deste conceito está vinculada a um grupo

de mães de Chicago, que, a partir de 1963, lutou pelo diagnóstico de seus

filhos que manifestavam dificuldades para a aprendizagem escolar, sem causa

aparente. O grupo tomou a iniciativa de convidar diversos profissionais de psi-

quiatria, psicologia, neurologia, solicitando uma definição para o caso de seus

filhos que recebiam os mais diversos diagnósticos, tais como o de portadoras

de lesões cerebrais ou disfunções cerebrais mínimas ou dislexia, deficiência

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

mental, auditivas e motoras. Neste contexto, o psicólogo Samuel Kirk, apud

Sisto e Martineli (2006), que trabalhava com crianças com problema de leitura e

retardo mental, sugeriu o termo dificuldade de aprendizagem para denominar

a questão. As dificuldades de aprendizagem, em nosso país, não configuram

uma categoria, a não ser dentro da educação especial como parte da con-

cepção geral de necessidades educativas especiais.

No início dos anos 1960, os educadores norte-americanos classificavam,

em ordem decrescente com base em resultados de teste de inteligência (me-

dida de QI), as crianças que não aprendiam a ler e escrever. Elas eram classifi-

cadas em cinco grandes categorias: 1) aprendizes lentos (QI entre 75 e 90, inte-

ligência abaixo da media); 2) retardadas mentais (QI abaixo de 75); 3) crianças

com transtornos emocionais e socialmente não adaptadas; 4) privadas ou mar-

ginalizadas culturalmente; e 5) crianças portadoras de dificuldade de aprendi-

zagem. Num primeiro momento, o conceito de dificuldade de aprendizagem

foi usado de forma ideológica para explicar e justificar o fracasso de crianças

provenientes de grupos sociais desprivilegiados, sugerindo uma suposta falta

de capacidade dos negros para a leitura. Enquadravam nas últimas categorias

os negros, os pobres e os migrantes; nas primeiras, as crianças de classe média

(Sisto & Martineli, 2006).

No final dos anos 1960, as dificuldades de aprendizagem constituíam um

fenômeno social que terminou na metade dos anos 1970, sendo classificado

como distúrbio. Os problemas de leitura e linguagem dominavam a cena, já

que cerca de 60% das deficiências de aprendizagem residem na área da leitura,

problemas na escrita e na fala (Wong, 1996, apud Sisto & Martineli, 2006).

Em 1980, de acordo com Sisto e Martineli (2006), estudos realizados no

Texas consideraram como sendo os problemas mais típicos das crianças com

dificuldade de aprendizagem as falhas na escola, deficiência em leitura, escrita

e linguagem, imaturidade, e desempenho sócio-interativo inferior à média.

As dificuldades de aprendizagem se diferenciam dos déficits de atenção e

hiperatividade, ainda que haja coexistência desta em 40 a 50% dos casos. Apesar

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1Dificuldades de aprendizagem

de serem produtoras de debilidade na aprendizagem, estas síndromes não po-

dem ser classificadas como um quadro de dificuldades de aprendizagem.

| As dificuldades de aprendizagem na perspectiva da psicopedagogia

A psicopedagogia é uma área de estudo responsável por intervir e tentar

compreender as dificuldades encontradas no campo das aprendizagens huma-

nas. Os psicopedagogos defendem que a aprendizagem exige um encontro de

um ser histórico, um organismo em nível de estruturação cognitiva, um sujeito

que possui emoções e tantos outros aspectos pessoais e sociais. Define as di-

ficuldades de aprendizagem como sintomas que expressam necessidades que

aparecem no mesmo momento histórico em que está ocorrendo a aprendiza-

gem (Visca, 2003). Para a psicopegagogia, estar em situação de defasagem na

aprendizagem significa estar diante de algo que pode ter natureza afetiva, cul-

tural, cognitiva, funcional, ou uma combinação destes fatores. O indivíduo pode

não conseguir vencer essa situação por falta de ferramentas, ou por não saber

utilizá-las para transpor os bloqueios. De acordo com Barbosa (2006), a presença

do desafio nem sempre será caracterizada como uma dificuldade patologizante,

isso vai depender da forma como este é encarado pelo sujeito, pela família e

pela comunidade em geral. As aprendizagens não são entidades desconectadas

do meio, ou seja, doenças internas aos aprendizes. Em toda ação, este ser total

precisa ser considerado em interação com as situações de aprendizagem.

Como área multidisciplinar (psicologia cognitiva, neuropsicologia, psi-

colinguística, patologia da linguagem entre outras) a própria psicopedagogia

está constantemente a exercitar este esforço integrador a fim de atingir seus

objetivos. Sua contribuição é valiosa no sentido de mostrar a necessidade de

superar formas simples de classificação (ter ou não ter), mostrando que as di-

ficuldades de aprendizagem são um contínuo de gravidades e de diferenças

entre as pessoas, passível de acontecer durante o ciclo vital de qualquer um.

Tudo isso pode levar a um melhor entendimento das questões de aprendiza-

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

gem ainda sem solução. Sem abandonar a questão da patologia e etiologia

dos transtornos de aprendizagem, “a psicopedagogia aprofunda conhecimen-

tos que lhe possibilitam uma contribuição efetiva não só relacionada aos trans-

tornos de aprendizagem, mas também na melhoria da qualidade de ensino

oferecido nas escolas”(Scoz, Rubenstein, Bossa, & Barone, 1987, p. 34).

A psicopedagogia surgiu com a proposta de facilitar o acesso à aprendi-

zagem e com o objetivo de ir mais além, buscando um contato direto com o

indivíduo. Esta é uma das razões pelas quais não se pode deixar de considerar

os fatores culturais, afetivos e cognitivos que ocorrem dentro da família, da

escola e da comunidade.

Com relação à situação social, grande número de crianças brasileiras e de

outros países africanos e asiáticos sofre uma desvantagem de natureza socio-

econômica o que acarreta um atraso considerável de natural social; em conse-

quência, seguem-se problemas escolares de adaptação logo nos anos iniciais.

Elas não percebem na escola o seu mundo e lá não relatam livremente suas

experiências em classe, porque até mesmo a escola rejeita e desconhece sua

cultura, suas crenças e história. Embora teoricamente os professores afirmem

que o cotidiano e as experiências infantis anteriores sejam fundamentais para

a aprendizagem, nem sempre eles as descortinam como temática na sala em

classe. Sem considerar o que povoa a mente da criança, pode-se criar um dis-

tanciamento e desenvolver um obstáculo ao conhecimento e à comunicação.

Surgindo dificuldades de aprendizagem, geralmente a escola encaminha

as crianças para serem tratadas fora de seus muros, sem as ver ou ouvir como

portadoras do sintoma da doença da instituição. A instituição se defende atrás

de programas curativos para continuar parada e ineficiente. A história escolar

de cada um professor também contribui para o sucesso ou o fracasso (Bollo-

ne, 2003). Este conhecimento histórico pode facilitar a nossa compreensão e

nos orientar na intervenção dos problemas de aprendizagem, considerando o

sujeito em todas as dimensões: a dinâmica afetiva, social e biológica que esta-

beleceram ao longo de sua história (Smith & Strick, 2003).

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1Dificuldades de aprendizagem

Por um lado, toda informação que uma criança com dificuldade de

aprendizagem recebe deve ser processada quando enfrenta problemas, por

outro é fundamental fazer uma reflexão sobre o que sente e como reage

afetivamente às situações de pressão e conflito entre outras. Segundo Piaget

(1995) a afetividade seria a energia da qual depende o funcionamento da

inteligência sem, contudo, modificar as estruturas desta última. Esta afirma-

tiva leva a inferir que a vida afetiva pode ser a desencadeadora de nossas

condutas, acelerando ou retardando o desenvolvimento intelectual, mas não

é capaz de construir novas estruturas, nem tampouco de modificar as já exis-

tentes. Os aspectos afetivos e cognitivos são de natureza distinta, uma nova

estrutura privilegia os aspectos qualitativos enquanto a energia se refere a

uma intensidade, supõe sempre estruturas pré-existentes e opera indepen-

dente do conteúdo, enquanto o afeto seleciona o conteúdo ou o objeto so-

bre o qual quer agir de acordo com o seu interesse. As variáveis afetivas ga-

nharam nos últimos anos considerável peso, em especial, na psicopedagogia

onde se procura resgatar o indivíduo como ser total. A relação defendida por

Piaget entre o cognitivo e o afetivo, embora se restrinja ao campo teórico, já

aponta para a importância de se considerar os elementos afetivos em todos

os atos inteligentes (Pinto, 2003).

Na visão da psicanálise, o primeiro interesse de investigação da criança

é sobre o seu lugar no mundo, estando esta questão diretamente relacionada

com a descoberta de sua posição masculina e feminina. Assim, parte do desejo

de saber mais sobre a sexualidade é reprimida e parte é sublimada, ou seja,

deslocada para outros elementos socialmente adaptados, não ligados social-

mente à sexualidade, mas que permitem ao indivíduo continuar a sua busca na

tentativa de compreender o seu lugar no mundo. A afetividade e os impulsos

afetivos sexuais são os motores do desenvolvimento psicológico aos quais se

subordinam os processos intelectuais. Os processos instintivos são controlados

através de mecanismos de defesa.

Tradicionalmente, os estudos que se interessam pelas bases cognitivas

das dificuldades de aprendizagem se concentram em várias áreas como lin-

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

guagem, leitura, escrita, matemática e com as dificuldades gerais. O problema

principal colocado é o de saber de que forma o sistema cognitivo das crianças

com dificuldade de aprendizagem processa as demandas de tarefas cogniti-

vas, tendo como parâmetros os sistemas cognitivos das crianças com desem-

penho escolar normal.

O ensino de algumas dessas tarefas supõe muitas dificuldades, tanto do

lado de quem ensina como de quem aprende. Na visão de Bryant e Brad-

ley (1987), toda criança encontra dificuldade em aprender a leitura e a escrita.

São fundamentais para esta aprendizagem o registro e a consciência metalin-

guística do significante para reconhecimento explícito da palavra. Na leitura, a

criança deve segmentar a palavra explicitamente em seus menores elementos,

tomar consciência deles e assim chegar ao princípio do alfabeto, que pressu-

põe a consciência da menor unidade sem significado que permite discriminar

uma palavra da outra. Assim, este princípio torna o sujeito capaz de reconhecer

a palavra escrita e de decodificar. Para ilustrar com um exemplo, MAR, BAR e

DAR são três palavras diferentes formadas de três sons elementares. A única

diferença entre elas é o primeiro fonema /M,/ /B,/ /D/.

Há dificuldades que não estão relacionadas ao desenvolvimento da crian-

ça e que necessitam de acompanhamento específico para orientá-la e orientar

a equipe de professores quando necessário.

As pessoas que apresentam distúrbios de leitura (disléxicos), podem não

apresentar nenhuma dificuldade para falar, embora tenham problemas para

processar símbolos escritos.

As dificuldades mais comuns encontradas pelos professores na escrita

são: dificuldades ortográficas, omissões na escrita, falta de registro e compor-

tamento regressivo no processo de aprendizagem da escrita, entre outras.

Nos últimos anos, foi constatada a necessidade não só de maior pesqui-

sa sobre como o ser humano aprende a ler, mas também melhor maneira de

ensinar a leitura. Constitui uma descoberta científica o fato de que a leitura se

baseia em representações fonológicas e, portanto, o método fônico (Capovilla

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1Dificuldades de aprendizagem

& Capovilla, 2007a, 2007b) seria o mais indicado para o ensino desta habili-

dade. Estas pesquisas foram estimuladas pela constatação de que o número

de crianças com dificuldade em aprender a ler estava sempre aumentando

em todo o mundo, e pouco se conhecia como o sistema cognitivo processa-

va a leitura. Infelizmente em nosso país o ensino da leitura traz dificuldades.

Em nossas escolas ainda contamos com alunos heterogêneos em classes re-

gulares, possuindo, muitas vezes, algumas deficiências de linguagem e tendo

professores faltosos e nem sempre bem preparados e bem renumerados para

ensiná-los. Ocorre ainda o fato de que os sistemas escolares de ensino são de-

safiados por ações judiciais que os acusam de falhar na provisão de programas

educacionais adequados.

Os problemas de leitura só aparecem quando a criança começa a relacio-

nar letra e som, e isso só ocorre na escola, quando da aprendizagem sistemáti-

ca da leitura e ela terá de segmentar a palavra explicitamente;

Em muitas famílias, os pais não envolvem os filhos ainda não alfabetiza-

dos em leitura, lendo junto e para eles; mostrando figuras em um livro, lendo

em voz alta, encorajando-os a criar palavras que rimam ou de sons similares,

ou mesmo aumentando o seu vocabulário ou mesmo, ouvindo-os. Esta reação

dos pais não é, contudo, irracional; afinal, pensam eles, é para isso que irão à

escola. Assim, os problemas serão detectados só quando a criança já está na

escola dando início à aprendizagem de leitura. Os pais geralmente sentem cul-

pa e expressam “que deveriam ter percebido antes”. Pode parecer estranho,

mas alguns pais preferem aliviar a ansiedade, aceitando a explicação de cére-

bro mal formado, hereditariedade ou genes problemáticos por terem deixado

de proporcionar à criança um ambiente de leitura adequado.

No caso da dislexia, as pesquisas de abordagem neuropsicológica e neu-

rológica se esforçam para propor, se possível, alguma medida médica, mas o

que tem dado mais resultado na prática é o esforço educacional. Segundo

Sternberg e Grigorenko (2003), os esforços educacionais podem ser classifica-

dos em três categorias:

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1Atualização em transtornos de aprendizagem

1. Tipos especiais de pré-leitura e ensino precoce de leitura, assim

como programas especiais de apoio, quando necessários realizados

por professores com treinamento adequado;

2. Uma quantidade significativamente maior de prática de leitura cons-

ciente e apurada, incluindo exercícios em computador;

3. Aumento de consciência dos pais para desenvolver habilidades de

pré-leitura nos filhos, encorajar a prática do leitor iniciante com difi-

culdade e dar continuidade por meio de um programa de reforço.

O tratamento bem sucedido envolve a escola, o suporte da família e a

prática da criança. Para alcançar este objetivo é necessário que o profissional

seja competente em conhecimentos fundamentais sobre a correspondência

entre linguagem escrita e falada e a estrutura da linguagem.

Segundo Demo (2005), o papel do professor é crucial, pois a forma como

ele encara as dificuldades dos alunos pode facilitar ou não o desenvolvimen-

to da aprendizagem. Ser um aluno deficitário na aprendizagem não significa

uma condição permanente. Este momento pode mostrar mudanças, buscar

um equilíbrio, ou até mesmo uma regressão necessária, cuja causa é desco-

nhecida. Se buscarmos sempre ver o erro, podemos esquecer os elogios. Uma

consequência deste fato é que corremos o risco de ver a criança como possui-

dora de um problema maior na escolaridade.

Os pais, quando convivem constantemente com a criança, acumulam

uma grande quantidade de experiência sobre o seu desenvolvimento e se en-

contram em uma posição privilegiada para detectar problemas de toda ordem

sobre elas. São uma fonte de informação segura, mesmo que não possuam

detalhes sobre o desenvolvimento infantil, e podem ajudar no diagnóstico e

tratamento de seus filhos. O professor pode, em parceria com as famílias, aju-

dar umas crianças que precisam de mais tempo para aprender uma tarefa do

que outra. São as atitudes da família e do professor frente à criança que vão

definir uma dificuldade de aprender ou não. Ainda orientados pelos professo-

res, os pais podem observar mais o desenvolvimento da linguagem dos filhos,

em geral, e, de forma particular, ajudá-los na aquisição do vocabulário.

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1Dificuldades de aprendizagem

| Conclusão

Concluímos que muitos fatores são necessários para solução desse com-

plexo problema: pedagógicos, políticos, econômicos, sociais e institucionais.

A psicopedagogia, como campo de intervenção interdisciplinar, pode atuar

efetivamente em termos de trabalho preventivo-institucional em salas equi-

padas para atender a crianças com dificuldades de aprendizagem. Esta é uma

questão prática e também teórica. Infelizmente em muitos estados da União

esta realidade ainda não existe. Pode ainda participar do funcionamento das

atividades educacionais e das relações institucionais com o intuito de fazer

valer os direitos e a formação para a cidadania.

| R e f e r ê n c i a s |

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