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ECOS DA MOrTE

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tradução de rita sussekind

Kimberly Derting

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cip-brasil. catalogação-na-fonte

sindicato nacional dos editores de livros, rj

D482e

Derting, KimberlyEcos da morte / Kimberly Derting ; tradução Rita Sussekind.

- Rio de Janeiro : Intrínseca, 2011.

272 p. ; 23 cm (The Body Finder)

Tradução de: The Body FinderISBN 978-85-8057-080-9

1.Ficção americana. I. Sussekind, Rita. II. Título. III. Série.

11-4608. cdd: 813 cdu: 821.111(73)-3

Copyright © 2010 Kimberly DertingPublicado mediante acordo com HarperCollins Children’s Books, uma divisão de HarperCollins Publishers..

título original

The Body Finder

tradução

Rita Sussekind

preparação

Isabella Leal

revisão

Viviane Diniz LopesBruno Fiuza

adaptação de capa

Julio Moreira

diagramação

Editoriarte

[2011]

Todos os direitos desta edição reservados à

Editora Intrínseca Ltda.Rua Marquês de São Vicente, 99, 3º andar22451-041 – GáveaRio de Janeiro – RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

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Para Amanda, Connor e Abigail,

por permitirem que eu os ame.

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P R Ó L O G O

VIOLET AMBROSE SE AFASTOU DA SEGURANÇA do pai enquanto ouvia a harmonia de sons que se entrelaçava

delicadamente a seu redor. Ao farfalhar das folhas misturavam-se, com suavidade, os pios incansáveis dos pássaros e o curso impetuoso das águas geladas do rio que corria distante, além das árvores.

E então, outro som. Algo que ela não conseguia identifi car. Ainda.Era sufi cientemente familiarizada com o signifi cado desse ruído

novo e inapropriado. Ou ao menos com o que ele representava. Ouvia sons, desse modo, ou via cores, ou sentia cheiros havia anos. Desde sempre.

Ecos, era como os chamava.Olhou para trás, para o pai, querendo ver se ele também tinha

escutado, apesar de já saber a resposta. Não tinha, é claro. Só ela podia ouvi-lo. Só ela compreendia o que o ruído assombroso prenunciava.

Ele andava casualmente, no seu passo lento e fi rme, atrás da fi lha de oito anos que corria à frente, e mantinha sobre ela um olhar atento.

O ruído passou assobiando por ela outra vez, carregado pela brisa que fazia com que folhas secas douradas rodopiassem pelos calcanha-res da menina. Ela parou brevemente para ouvir, mas depois que ele cessou seguiu em frente.

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— Não vá longe demais — gritou o pai, zeloso. Não estava ver-dadeiramente preocupado com ela, ali. Aquele bosque era deles.

Violet fora praticamente criada naquelas matas, e aprendeu muito sobre a região, a distinguir a direção na qual seguia de acordo com o lí-quen que crescia nos troncos altos das árvores, a saber a hora pela posição do sol… ao menos nos dias em que ele não estava encoberto pelas nu-vens. Era um território fácil, até para uma garotinha de oito anos.

Ignorou os avisos do pai e saiu da trilha, ainda ouvindo aquela coisa que a instigava a ir adiante. Seus pés seguiam o caminho como se tivessem vontade própria, enquanto ela se esforçava por transformar o ruído em algo coerente, que pudesse identifi car. Passou sobre galhos caídos e atraves-sou um mar de folhagens de samambaias que crescia do solo úmido.

— Violet! — ouviu a voz do pai, que a desconcentrou.Ela parou, e então gritou de volta:— Estou aqui. — Mas não berrou tão alto quanto deveria, antes

de recomeçar a andar.O som se tornava mais forte. Não mais alto, mais forte. Já podia

sentir as vibrações praticamente ressoando sob a própria pele.Era assim que aquelas coisas aconteciam. Era assim que percebia aque-

las sensações. Eram indescritíveis, ainda que para ela fi zessem total sentido.E quando elas a chamavam, sentia-se compelida a responder.Ela estava perto agora, tão perto, que podia ouvir uma voz. Era

isto o que aquele eco era: uma voz. Sozinha e solitária, em busca de alguém — qualquer pessoa — que respondesse a ela.

Violet era essa pessoa.Ela parou diante de um pequeno monte de terra úmida coberto por

uma espessa camada de folhas em decomposição. Estranhamente, em meio à vegetação rasteira, o solo estava revolvido, e não havia nele nenhuma nova vida brotando. Até Violet sabia que aquela terra tinha sido colocada muito recentemente, de modo que ainda não dera tempo para que nada tivesse crescido ali.

Ajoelhou-se, sentindo o eco pulsante que vinha de baixo. Podia senti-lo repercutindo nas veias, passando quente por seu corpinho.

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Sem esperar, afastou as folhas e os entulhos, varrendo-os com a manga do casaco, e depois começou a cavar com vontade a terra macia logo abaixo.

Ouviu os passos suaves do pai que a alcançavam, e sua voz gentil que perguntava:

— Achou alguma coisa, Vi?Estava concentrada demais na própria tarefa, então não respon-

deu. O pai não interferiu. Estava acostumado àquilo, à que sua garo-tinha procurasse as almas perdidas do bosque. Sem falar, apoiou–se no elevado tronco de um cedro próximo e esperou, sem de fato prestar muita atenção.

Violet sentiu as pontas dos dedos tocarem algo sólido e liso, frio e rijo. Sentiu-se estremecer diante de uma percepção desnorteante que não conseguia nomear e continuou a cavar.

Afundou mais uma vez os dedos no solo úmido. E de novo eles tocaram algo assustadoramente fi rme.

Macio demais para ser uma pedra.E estava de volta, aquela coisa irritante que tentava se comunicar

com ela.Estendeu as mãos até a terra novamente, dessa vez não para cavar,

mas para varrer a fi na camada de sujeira e enxergar melhor o que ha-via embaixo. Tinha despertado o interesse do pai, e ele se inclinou sobre ela, olhando para o buraco raso.

Violet trabalhava como uma arqueóloga: analisava e limpava cui-dadosamente o terreno sobre sua descoberta, como se não quisesse perturbar o que estivesse enterrado ali.

Ela ouviu o pai ofegar no mesmo instante em que reconheceu o que tinha descoberto. Sentiu que as fortes mãos paternas a alcança-vam por trás, puxando-a fi rmemente pelos ombros para longe da terra recentemente revolvida e envolvendo-a com seus braços fi rmes e seguros… longe do som que a chamava.

E longe do rosto da garota que, de baixo da terra, erguia o olhar para ela.

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O SOM DO DESPERTADOR ERA UMA INTROMIS-são irritante no confortável torpor do sono que envolvia

Violet. Com difi culdade, ela estendeu a mão para fora do casulo quen-tinho dos cobertores para apertar o botão “soneca”. Manteve os olhos fechados e tentou deixar que o entorpecimento tomasse conta dela novamente, mas o estrago já tinha sido feito. Estava acordada.

Suspirou, ainda incapaz de se desembaraçar das cobertas, e tentou recordar o que estivera sonhando antes de ser interrompida de forma tão desagradável. Por um instante achou que pudesse conseguir, mas o murmúrio fugidio do sonho lhe escapara.

Lamentando-se, emitiu um ruído desgostoso ao fi nalmente se desfazer das cobertas e sentar-se com um movimento não muito de-licado. Desligou o despertador antes que o intervalo de nove minutos de soneca chegasse ao fi m.

Era o terceiro dia de aula, e ela não queria começar o ano com um atraso. Esfregou o rosto com as duas mãos, tentando estimular o fl uxo sanguíneo, em um esforço para manter-se desperta: ela não funciona-va muito bem pela manhã.

Arrastou-se, cambaleante de sono, durante quase toda sua rotina matinal: tomar banho, escovar os dentes, vestir-se. Após um exame

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minucioso ao espelho, em que notou os círculos escuros sob os olhos, pensou mais uma vez que queria muitíssimo rastejar de volta para debaixo dos cobertores que, agora já menos quentinhos, faziam sua cama parecer um ninho convidativo.

Ajeitou o cabelo em um rabo de cavalo bagunçado — o único tipo que seus cachos indisciplinados permitiam — antes de apanhar a mochila que estava no chão. Detestava quando adultos falavam sobre a sorte que ela tinha em ter cachos tão lindos e naturais, quando não havia nada que quisesse mais que se misturar ao mar de cabelos bri-lhantes, lisos e esticados com os quais todas as garotas do colégio pa-reciam ter sido abençoadas.

Mas o que ela esperava? A vida não parecia querer que ela passasse despercebida, como acontecia com todos os outros.

Afi nal, quantas garotas herdaram a capacidade de localizar os mor-tos — aqueles que foram assassinados, pelo menos? Quantas garoti-nhas passaram horas de suas infâncias explorando as matas em busca de animais sem vida, deixados para trás por predadores ferozes? Quan-tas criaram os próprios cemitérios no quintal de casa para enterrar os corpos encontrados, de modo que as pequenas almas pudessem des-cansar em paz?

E quantas garotas de oito anos foram atraídas até descobrir o cor-po de uma menina morta?

Violet era defi nitivamente diferente.Ela afastou os pensamentos perturbadores e saiu apressada-

mente porta afora, cruzando os dedos, como fazia todas as ma-nhãs, para que o motor de seu carrinho velho pegasse quando ten-tasse ligá-lo.

Seu carro.Seu pai dizia que era um “clássico”.Violet não era tão gentil ao descrever o pequeno Honda Civic 1988,

cuja pintura, original de fábrica, já desbotava após anos enfrentando o clima chuvoso de Washington.

Ela dizia que era uma sucata.

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Confi ável, argumentaria o pai. E Violet não poderia discordar to-talmente. Até o momento, apesar de protestos e gemidos mati-nais — muito parecidos com os dela própria —, o Honda nunca fora a causa de nenhum de seus (muitos) atrasos.

E daquela vez não foi diferente. O carro engasgou e cuspiu quan-do ela girou a chave na ignição, mas o motor pegou na primeira ten-tativa, e, após alguns instantes de perseverança, o som se tornou algo mais próximo do usual resmungo “não tão silencioso”.

No caminho para a escola, Violet ainda faria uma parada, a mesma que fazia todos os dias, desde que tirara a carteira, seis meses antes: buscaria seu melhor amigo, Jay Heaton.

Melhor amigo. A expressão agora parecia muito estranha, tal qual um tênis velho e confortável, que antes praticamente se amoldava ao for-mato de seu pé, mas que depois passou a machucar a cada passo, porque já não servia mais.

O verão mudara algumas coisas… coisas demais, para o gosto de Violet.

Ela e Jay eram melhores amigos desde os seis anos, quando Jay se mu-dou para Buckley, no primeiro ano da escola. Tudo começou no dia em que, durante o recreio, Violet o desafi ou a beijar Chelsea Morrison, dizen-do-lhe que seria sua melhor amiga se ele o fi zesse. Claro que Chelsea lhe deu um empurrão, o que Violet sabia que aconteceria, e os três foram ar-rastados para a sala do diretor para uma discussão sobre “limites pessoais”.

Mas Violet cumpriu com a palavra dada, e, desde então, ela e Jay se tornaram inseparáveis.

No primeiro ano brincavam de pega-pega no parquinho, sempre jun-tos na perseguição a outras crianças, para que fi zessem delas os “pegadores” e não tivessem de jogar um contra o outro. No segundo ano passaram a utilizar o trepa-trepa, escolhiam os times e usavam os túneis como fortes improvisados para defenderem-se dos inimigos dos dois. No terceiro ano aprenderam a jogar four square e bola na parede. No quarto, espiribol. E foi no quinto ano que descobriram que a inspetora do recreio não conseguia ver o que acontecia atrás da pedra gigante na beirada do campinho.

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Foi o ano do primeiro beijo deles — ou melhor, beijos —, a única incursão que fi zeram juntos pela área romântica. Tentaram uma vez com as bocas bem fechadas, um selinho rápido, e depois novamente, tocando as línguas. A sensação foi escorregadia, elástica e estranha. Ambos concordaram imediatamente que aquilo era nojento, e jura-ram que jamais repetiriam.

Durante os primeiros anos do ensino fundamental seus pais foram como motoristas particulares, e os transportaram quase diariamente pela distância de um quilômetro e meio que separava as duas casas. Com a proximidade do ensino médio, porém, os quatro renunciaram a essa função, sustentando que se Violet e Jay realmente quisessem se ver o exercício lhes faria bem.

Mas nenhum dos dois se importava com as caminhadas. Tinham passado anos da infância vasculhando as matas que cercavam suas ca-sas, enquanto faziam explorações e usavam madeira velha para cons-truir clubinhos. Mapearam e nomearam áreas inteiras dos bosques, várias das quais em homenagem a si próprios, ou a combinações inu-sitadas dos nomes dos dois. Coisas como “riacho Jaylet”, “bosque Am-berton”, “trilha Hebrose”.

Também nomearam o cemitério improvisado atrás da casa de Violet, sem utilizar nenhum dos nomes: simplesmente o chamaram de Territó-rio Sombrio.

Tinham dez anos na época, e o nome soava sinistro e misterioso… Exatamente o que queriam. Eles se desafi avam mutuamente a ir até o cemitério, para testar quem conseguiria esperar sozinho, até bem de-pois de anoitecer. E, para aumentar a provocação, faziam isso contando um ao outro histórias de fatos estranhos que, eles tinham certeza, esta-riam acontecendo por lá… principalmente à noite.

Violet sempre ganhava, e Jay nunca se lamentava disso. Ele parecia entender que ela não estava com medo, mesmo quando fi ngia estar.

Ele entendia muitas coisas. Era a única pessoa, além dos pais e dos tios de Violet, que sabia sobre sua estranha inclinação para procurar animais mutilados, e sua necessidade de enterrá-los novamente no

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confi namento seguro do Território Sombrio. Fora uma aventura que compartilharam, desbravando bosques repletos de samambaias e amo-ras pretas à procura de cadáveres perdidos. Ele até a ajudara a construir pequenas cruzes e lápides, para marcar os pequenos túmulos.

Antes de serem enterrados, antes de serem adequadamente postos para descansar, aqueles animais deixados para trás clamavam por Violet. Podiam emitir uma energia — um eco sensorial — no rastro de seu assassinato, como um farol de luz que só ela podia encontrar, e que a informava sobre o local exato onde tinham sido abandonados. Podia ser qualquer coisa… um cheiro, uma explosão de cor, um gosto no fundo da boca, ou uma combinação de diversas sensações simultâneas.

Ela não sabia como… nem por quê… Simplesmente acontecia.Mas o que sabia, o que aprendera desde cedo, foi que, uma vez que

os colocasse no cemitério que construíra, eles não a chamavam mais. Ainda os sentia, mas era diferente. Conseguia fi ltrá-los, até se torna-rem nada além de estática, de um reconfortante ruído de fundo.

Jay também entendia a necessidade de guardar o segredo de Vio-let, mesmo que ela nunca lhe tivesse pedido isso. Ele parecia sentir, mesmo muito novo, que precisava manter aquele segredo próximo de si, como um tesouro protegido, guardado apenas para os dois. Sempre tinha feito com que Violet se sentisse segura e protegida… e até mesmo normal.

Então, por que tudo mudara tão de repente?Enquanto seu carro crepitava ao longo da entrada da casa de Jay,

com os cascalhos a estalar sob os pneus, os batimentos cardíacos de Violet já aceleravam dentro do espaço repentinamente apertado de-mais de seu peito.

Isso é ridículo!, repreendeu-se. Ele é seu melhor amigo!Viu a porta da frente abrir-se mesmo antes de parar completa-

mente o carro. Jay puxava o capuz do casaco para cima da cabeça, enquanto arrastava a mochila. Ele gritou algo para dentro da casa, provavelmente um aviso para a mãe, de que saía para o colégio, e fechou a porta.

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Era a mesma coisa todos os dias. Não havia nenhuma diferença em relação a ontem, ou anteontem. Nada diferente de todos os dias, desde que se conheceram.

Exceto que agora seu estômago subia pela garganta enquanto ele lhe dava aquele sorriso torto bobo e entrava no carro.

Idiota. Idiota. Idiota!Ela retribuiu o sorriso, desejando que a pulsação afobada desacelerasse.— Pronto?— Não, mas temos escolha? — A voz de Jay, que se tornara mais

grave ao longo do verão, ainda era tão familiar, tão confortável, que ela imediatamente relaxou.

— Não se você não quiser um atraso. — Ela deu ré, mal olhando pelo retrovisor para ver aonde ia. A entrada da casa de Jay era quase tão familiar para ela quanto a da sua própria casa.

Violet detestava essas sensações novas, desconhecidas, que pare-ciam tomá-la de assalto sempre que ele estava por perto, e às vezes até quando ele se fazia presente só em pensamento. Sentia como se não tivesse mais controle do próprio corpo, e as reações traiçoeiras só eram um pouco mais embaraçosas que os pensamentos perigosos.

Começava a achar que Jay era tóxico para ela.Era isso, ou estava perdendo completamente a cabeça, pois era a

única explicação que encontrava para aquela sensação esquisita que sentia no estômago toda vez que ele estava por perto. E o que real-mente a irritava era o fato de que Jay parecia completamente alheio às reações novas e completamente insanas que despertava nela. Obvia-mente, o que quer que ela tivesse, não era contagioso.

Mas só que era. Ela não era a única que parecia notá-lo. Quase morria de medo do instante em que deixavam a relativa paz do velho Honda barulhento no estacionamento superlotado da escola. Pois era ali que os jogos realmente começavam.

Era o terceiro dia de aula, mas desde o primeiro as garotas tinham começado a esperar a chegada dos dois pela manhã.

Não, não a dos dois… a dele.

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O novo fã-clube, Violet pensou amargamente. Garotas que conhe-ciam Jay desde seu primeiro dia no primeiro ano. Garotas que antes nunca tinham olhado para ele com atenção. Garotas que pareciam notar as mudanças não tão sutis que ele sofrera nos dois meses e meio que passou longe da escola.

Garotas como ela.Pare com isso!, gritou para si mesma em silêncio.Lançou um olhar na direção do amigo, tentando entender o que

exatamente a deixava tão… tão dolorosamente constrangida de repente.Ele a observava. Sorrindo. Um sorriso enorme, tolo, satisfeito con-

sigo mesmo, como se ouvisse os pensamentos profundamente emba-raçosos de Violet.

— O quê? — tentou se defender, desejando que nunca tivesse olhado para ele enquanto sentia as bochechas queimarem de vergo-nha. — O quê? — perguntou outra vez quando ele simplesmente riu da amiga.

— Você está planejando matar aula hoje, ou é melhor darmos a volta?

Violet levantou o olhar e percebeu que já passara da rua que leva-va à escola.

— Por que você não disse nada? — perguntou, enquanto fazia uma manobra rápida, e provavelmente ilegal. As pontas de suas orelhas agora pareciam pegar fogo.

— Só queria ver para onde você ia. — Ele deu de ombros. — Eu não disse que não mataria aula. Você só precisa me perguntar an-tes. — Sua nova voz de adulto parecia preencher todo o espaço do pequeno carro, e até isso Violet achava irritante.

— Cale a boca — ela insistiu, apesar de já não conseguir conter o próprio sorriso. Não podia acreditar que tivesse perdido a entrada da escola. — Agora nós realmente vamos nos atrasar.

Quando encontrou uma vaga no estacionamento dos alunos, só havia duas obstinadas “fãs do Jay” esperando por eles. Ou por ele, Violet mais uma vez se corrigiu.

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Não podia deixar de imaginar quantas outras já teriam abandona-do o posto de observação, para não precisar comparecer à secretaria antes do início das aulas.

Violet resolveu não esperar para assistir ao começo do festival de paquera. Já estava quase correndo, com a mochila sobre o ombro, en-quanto saía do carro.

— Vejo você na segunda aula! — gritou para Jay, decidindo cons-cientemente que esse seria o melhor caminho. A última coisa que queria fazer agora era observá-lo com as duas garotas, que pratica-mente avançaram para cima de Jay assim que ele saltou do carro.

Atravessou a porta para o primeiro tempo de aula exatamente quando o sinal tocou.

Consegui!, parabenizou-se. Três dias e nenhum atraso.Só faltavam mais cento e setenta e sete!

Até o início do segundo tempo, Violet já estava se convencendo de que o que achava que sentia, o que atormentava seu subconsciente insen-sato, não passava de alguma espécie de ilusão. Nada além de fumaça e espelhos. Um truque da mente.

Então ele entrou e se sentou na cadeira ao lado da dela, e seu ta-manho atual fazia a carteira parecer um objeto de casa de boneca. Violet quase esperava que a cadeira se quebrasse sob ele.

— Oi, Vi. Que bom que você resolveu continuar na escola, afi -nal! — Ele deu soquinhos brincalhões no braço da amiga.

O coração de Violet saltou dolorosamente.Ela suspirou.— Rá-rá — respondeu sem qualquer traço de humor.Jay franziu a testa, mas antes que ele pudesse perguntar o que havia de

errado, esticou o braço até o bolso de trás e pegou um pedaço de papel.— Quase esqueci. Olhe só. — Ele entregou o papel e ela o pegou.Desdobrou-o e tentou desamassar um pouco antes de ler. O que,

aliás, provou-se desnecessário; ela teria sido capaz de ler a letra incon-fundivelmente feminina mesmo que o papel estivesse pegando fogo.

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Era um telefone. Para Jay. De Elisabeth Adams, ninguém menos que a garota mais popular da escola. Ela era franca favorita para ser a rainha da Festa da Primavera, e provável rainha da festa de formatura também. Era bronzeada, loura, bonita e do último ano. Como se isso não fosse ruim o bastante, também tinha cabelos lisos e brilhantes, com os quais Violet só podia sonhar.

Isso era péssimo.Violet tentou não parecer tão assustada quando olhou de volta para ele.— Uau! — Foi a única coisa que conseguiu pensar.— Eu sei. — Jay parecia tão surpreso quanto ela, mas, ao mesmo

tempo, ainda mostrava-se bastante impressionado consigo mesmo. — Ela deve ter colocado no meu armário enquanto eu estava na primeira aula.

— Vai ligar para ela? — Violet foi cuidadosa o sufi ciente para não parecer rabugenta, mas certamente era como se sentia. Ela só queria ser a melhor amiga de Jay outra vez e não se importar se ele ligaria para aquela garota ou não. Queria ouvir os detalhes sórdidos e fazer pergun-tas minuciosas, que eventualmente fariam com que saíssem por alguma tangente estranha e rissem das próprias piadas tolas, aquelas que só eles entendiam… Mas, de alguma forma, simplesmente não conseguia.

Sentiu-se vazia enquanto lhe devolvia o bilhete.O sinal, e depois o professor, interromperam a conversa antes que Jay

pudesse responder à pergunta não tão inocente. Ele pegou o bilhete e o enfi ou no fi chário quando a aula de trigonometria começou.

Violet tentou se concentrar em senos e cossenos enquanto anota-va tudo que o professor escrevia no quadro branco na frente da sala, mas não escutou nada. Não conseguia parar de pensar em como su-peraria isso… essa coisa que sentia por seu melhor amigo no mundo.

E precisava superar… logo. Porque, se não superasse, se não conse-guisse parar de se sentir tão descontrolada em relação a ele, isso acaba-ria prejudicando a amizade dos dois. Ela sabia que não podia deixar isso acontecer.

Era o Jay. A melhor pessoa que já conhecera, e não conseguia ima-ginar a possibilidade de perdê-lo.

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Permitiu-se olhar na direção do amigo, fi ngindo observar o reló-gio sobre a parede acima da porta. Ele estava meticulosamente imerso na aula, anotando muito mais do que havia no quadro.

Sentia-se grata por ao menos um deles estar prestando atenção, pois sabia que ele teria de explicar tudo para ela mais tarde.

E ele o faria, sem nem sequer saber que ele era a razão de ela não ter ouvido nem uma palavra da aula.

Violet evitou Jay no almoço — pela primeira vez na vida —, optan-do por fi car na sala da aula de inglês do terceiro tempo, sob o pre-texto de acabar um dever de casa — tarefa que na verdade era apenas para o início da próxima semana. Conseguiu fi car na sala por vinte minutos.

Depois caminhou até o banheiro, não exatamente o lugar no qual alguém gostaria de “passar o tempo”, nem nos maiores deva-neios. Mas ela não se apressou, lavou as mãos lentamente, refez o rabo de cavalo, que não melhorou na segunda vez, e em seguida la-vou as mãos de novo.

Outras garotas — algumas que ela conhecia, outras que não — en-traram enquanto estava lá, e se arrumaram e fofocaram enquanto se olhavam no espelho.

Violet pegou a deixa das garotas, e até passou gloss labial, coisa que quase nunca fazia. Teve de catar no fundo da mochila para en-contrar um.

Quando Chelsea entrou, Violet se sentiu aliviada por ver alguém com quem pudesse conversar, mesmo que por apenas alguns minutos.

— Por onde andou? — Chelsea perguntou, no tom brusco de sempre. — Jay está procurando por você em todos os cantos. — Ela se empoleirou na frente do espelho e deu início ao conhecido ritual de arrumação, começando pelo cabelo e descendo.

Como Jay, Chelsea mudara durante o verão. Não tanto em termos de desenvolvimento — ela já tinha corpo de mulher —, mas de algum jeito tinha descoberto sua feminilidade da noite para o dia. Chelsea

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sempre fora moleca e atlética. Mas era como se agora ela reconhecesse que a vida era mais que uma cortada de vôlei na quadra adversária, ou um lançamento perfeito em uma partida de softbol. Parecia ter fi nal-mente percebido que também era bonita.

E como todas as outras garotas do colégio, Chelsea tinha a cabe-leira lisa que praticamente reluzia quando o sol refl etia em sua super-fície perfeita. Ela até fi zera luzes nos cabelos castanhos e acetinados, com linhas fi nas e louras que davam a impressão de que tinha passado o verão em uma praia na Califórnia, e não em um campo de softbol.

Além de Jay, Chelsea era a amiga mais próxima de Violet. A ami-ga em cuja casa não era estranho dormir… ao contrário de Jay. E aquela com a qual podia compartilhar roupas… ao contrário de Jay. E Violet sempre gostou — e tinha até um pouco de ciúme — da atitude “falo mesmo” de Chelsea, até quando não queria necessaria-mente ouvir a verdade.

Aquela era uma dessas ocasiões.— Então? — Chelsea perguntou quando Violet não respon-

deu. — Eu juro: aquele garoto não sabe fazer nada sem você, nem no almoço.

Violet estremeceu, mas Chelsea não viu, pois esfregava o canto do olho com o dedo mindinho, certifi cando-se de que não tinha borrado o delineador. Não tinha; ela estava perfeita.

— Ele vai fi car bem. — Violet respondeu, soando mais mal-hu-morada do que pretendia. — Tenho certeza de que outra pessoa ado-raria sentar-se com ele.

Chelsea levantou o olhar, terminou sua maquiagem e encarou Violet.— Bem, não importa. Ele está no corredor, esperando. Pediu que

eu entrasse e a procurasse.Violet simplesmente encarou de volta e em seguida riu. Chelsea

parecia ser a única garota do colégio que não tinha percebido as mu-danças em Jay, possivelmente por estar imersa demais nas próprias transformações, para que conseguisse notar as dos outros. Violet sen-tia-se grata, ao menos, por pequenos milagres como esse.

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Quando a amiga não se moveu, Chelsea agarrou-a pelo braço e começou a puxá-la em direção à porta.

— Vamos, antes que ele morra de fome e se decomponha.— Tudo bem, tudo bem — Violet concordou enquanto cami-

nhava do banheiro feminino para onde Jay estava no corredor, pare-cendo aliviado por vê-la sã e salva, afi nal.

Ela não conseguia conter a sensação de conforto ao ver aquela expressão no rosto do amigo. Talvez Chelsea tivesse razão, no fi nal das contas. Talvez Jay não pudesse sobreviver sem ela.

Pelo menos aquele sentimento era mútuo, pois ela também não conseguia imaginar como sobreviveria sem ele.

Com apenas cinco minutos restantes, Violet e seu melhor amigo desde o primeiro ano só tinham tempo sufi ciente para atacar as má-quinas de lanches e comprar batatas chips e uma barra de chocolate, antes de correrem para o quarto tempo de aula.

Mas estava tudo bem agora. De algum jeito, notar que ele não tinha deixado de lado a amizade dos dois durante a metamorfose de verão fazia com que se sentisse melhor. Sentiu-se segura novamente, só de saber que era tão importante para ele quanto ele era para ela.

Tudo fi caria bem.

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P R E S A

A CHUVA FACILITAVA QUE ELE ANDASSE POR ALI SEM ser notado. Os que estavam dentro de seus próprios carros tinham a visibili-dade atrapalhada pela chuva, pelos vidros embaçados e pelos limpadores de para-brisas. Os que estavam do lado de fora fi cavam ocupados demais tentan-do manter-se secos, movendo-se rapidamente e deixando as cabeças abaixadas. A escuridão só o ajudava a fi car mais invisível.

Infelizmente a chuva também mantinha as pessoas dentro de casa.É claro que ele nunca fi cava verdadeiramente invisível, não no carro que

em geral dirigia. Atraía atenção e olhares aonde quer que fosse, mesmo em uma noite escura e chuvosa como aquela.

Mas hoje era diferente. Hoje ele havia se misturado. Tornara-se um deles.Saiu do estacionamento cheio do Wal-Mart à procura de ruas secundárias,

mais escuras, com menos trânsito e menos câmeras de segurança. Enquanto diri-gia, ouvia o ruído metódico dos limpadores de para-brisa, que iam para um lado e para o outro… para um lado e para o outro… para um lado e para o outro.

Duas garotas, provavelmente no início da adolescência, caminhavam apressadamente sobre as linhas pintadas da faixa de pedestres, de braços dados. Inclinaram-se na direção uma da outra, e ele praticamente podia ouvi-las dando risadinhas a respeito de algum segredo compartilhado. Não conseguia saber se eram bonitas ou não, mas eram jovens. Observou

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os quadris que se moviam enquanto elas corriam para o outro lado da es-trada e gostou de ver a maneira como se mexiam.

Mas havia duas delas. Uma a mais do que precisava.Parabenizou-as silenciosamente pela travessia em segurança. Garotas de sorte.Deu a volta na estrada principal e entrou em uma rua lateral com casas mais

antigas, de um andar, muitas das quais tinham sido transformadas em comércios enquanto a cidade crescia e as leis mudavam. O tráfego crescente espantara os moradores. Ficava escura e deserta àquela hora, que já ia muito além do horário de expediente de um pequeno salão de cabeleireiros ou de uma clínica quiroprática.

Deu voltas e voltas. À medida que se afastava da estrada, a principal ar-téria da cidade, as ruas se tornavam cada vez mais estreitas, e cada vez menos movimentadas. Pequenas construções começavam a surgir em ambos os lados, mas as entradas eram escuras e inativas.

Foi então que viu o carro. A luz do pisca-alerta brilhava através da escu-ridão úmida da noite.

Desacelerou quando passou pelo veículo, espiando o interior.Ela estava sozinha. Jovem e bonita, e sozinha.Isso era melhor do que ele esperava.Ele virou o volante bruscamente para a direita, parando o carro diretamen-

te na frente do dela. Colocou no rosto seu melhor sorriso de bom moço ao sair do automóvel para ver se poderia ajudá-la.

Aproximou-se do veículo e podia ver a hesitação no rosto da garota. Ela não tinha certeza se poderia confi ar nele. Garota esperta. Mas ele sabia que aparentava ser inocente o sufi ciente, como alguém com quem ela poderia contar, e, no intervalo de segundos, seria traída pelos próprios instintos.

Ela abriu o vidro, não todo, mas o suficiente para que ele pudesse falar com ela.

— Você está bem? — ele perguntou, e a voz treinada soava como veludo macio. Se não estivesse concentrado, riria da sinceridade falsa que saía dela.

Ela mordeu o lábio.— Não sei. Meu pneu furou.Garota linda, ele pensou ao vê-la tão de perto. Mas olhou para baixo, tentando

parecer interessado nos pneus. Os dois que conseguia ver pareciam bons.

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— Do outro lado — ela disse, quando o viu olhar. Naquele instante pareceu envergonhada, e o rubor inocente em seu rosto a deixou ainda mais atraente. Ela franziu o nariz. — Não sei trocar pneus.

Ele olhou em volta para certifi car-se de que mais ninguém estava vindo. A chuva corria em pequenos rios por sua nuca e ensopava sua camisa, mas ele mal notava.

— Você ligou para alguém? — Essa era a grande pergunta. Era assim que descobria se aquela era a garota ou não. — Seus pais estão vindo?

Ela nem percebeu a armadilha na qual estava caindo. Seus pais certamen-te a alertaram a respeito de estranhos, mas deveriam tê-la preparado melhor.

Ela balançou a cabeça, o rosado das bochechas a fazia parecer muito pura.— Deixei meu celular em casa — admitiu.Ele pensou a respeito por um instante, fi ngindo não saber bem o que fazer,

apesar de as palavras da garota já terem colocado seu plano em ação. Tambori-lou com os dedos na base da janela como se examinasse as opções antes de fi -nalmente falar outra vez.

— Bem, não tenho o equipamento necessário para trocar seu pneu, mas posso lhe dar uma carona para casa.

Os instintos da garota voltaram, e ele soube pelo olhar em seu rosto ado-rável que ela não tinha certeza. Talvez seus pais tivessem feito um trabalho melhor do que ele pensava.

Ele tentou recuar, apagar aquele olhar incerto do rosto da garota.— Meu celular está no carro. Tem alguém para quem você possa ligar?Ela mordeu o lábio mais uma vez, nervosamente.— Tem. Tudo bem, claro — ela disse, dando-lhe o melhor sorriso “você

estaria me fazendo um enorme favor”. Esse era um sorriso que garotas apren-diam a fazer desde cedo, e um no qual ela era particularmente boa. — Se não se importar.

Ele olhou em volta outra vez, para certifi car-se de que continuavam sozi-nhos, apesar de saber que sim.

Ele sabia jogar aquele jogo. Sentia prazer com aquele jogo. Retribuiu o sorriso, tentando parecer protetor e paternal.

— Claro que não. — Em seguida disse as palavras que a ganhariam em defi nitivo. — Se minha mulher soubesse que a deixei aqui sozinha sem ajuda,

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acabaria comigo. Além disso, você só é alguns anos mais velha que nossa fi lha, e eu gostaria que alguém a ajudasse, se ela estivesse em apuros.

Foi só de que precisou. Ela já era dele.Ele observou enquanto ela tirou o cinto de segurança e sentiu uma onda

de eletricidade passar pelo corpo. Não podia acreditar na própria sorte; ela es-tava quase tornando tudo fácil demais; viria diretamente para ele.

Ele recuou enquanto ela abria a porta do carro.— Muito obrigada — ela disse, enquanto abria um guarda-chuva sobre

a cabeça. Ela o esticou, oferecendo-lhe abrigo, enquanto ele a conduzia para o lado direito do carro. — Meus pais irão me matar por eu ter me esquecido do telefone; sempre me chateiam com discursos sobre a importância de se planejar antes de fazer as coisas.

Ele olhou para ela, pensando em quão sábios seus pais soavam, e deu graças por ela não os ter levado a sério demais. Mas novamente falou em tom protetor.

— Eles têm razão, sabia? Cuidado nunca é demais. — Abriu a porta do lado do passageiro e se inclinou para a frente.

Ela fi cou surpresa quando ele voltou sem um telefone, mas com outra coisa. Os olhos da garota se arregalaram de medo assim que identifi caram o que era, e em seguida o pânico se abateu sobre aquele rosto incrivelmente expressivo.

Antes que ela ao menos pudesse gritar, ele estava sobre ela, empurrando-a violentamente contra o interior do carro e sussurrando em seu ouvido enquan-to pressionava a mão sobre sua boca.

— Facilite as coisas para si mesma. Prometo que não irei machucá-la. — Ele precisava fazê-la entender que… era importante para ele que ela soubesse que não planejava machucá-la.

Ele viu o terror nos olhos da garota enquanto ela se encolhia de maneira defen-siva, tremendo e em silêncio, enquanto a fi ta adesiva mantinha sua boca fechada.

— Eu juro para você… não irei machucá-la… — sussurrou as palavras incessantemente enquanto abria o porta-malas e a colocava dentro dele, com gentileza.

Feita a promessa, afagou seu cabelo com a mão, delicadamente, antes de fechar a mala com força.

Assobiou para si mesmo enquanto conduzia o carro de volta à estrada.Tinha sido uma boa noite.

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