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IX ENCONTRO DA ABCP Instituições Políticas DETERMINANTES DO VETO DO GOVERNADOR E DA SUA DERRUBADA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2003-2010) Luís Felipe Guedes da Graça – Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ) Bolsista de doutorado da Capes e de Doutorado Sanduíche da Capes/Fulbright Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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IX ENCONTRO DA ABCP

Instituições Políticas

DETERMINANTES DO VETO DO GOVERNADOR E DA SUA DERRUBADA NO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2003-2010)

Luís Felipe Guedes da Graça – Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ)

Bolsista de doutorado da Capes e de Doutorado Sanduíche da Capes/Fulbright

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

DETERMINANTES DO VETO DO GOVERNADOR E DA SUA DERRUBADA NO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2003-2010)

Luís Felipe Guedes da Graça – Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ)

Bolsista de doutorado da Capes e de Doutorado Sanduíche da Capes/Fulbright

Resumo do trabalho: Os estudos sobre legislativos estaduais tem recebido maior atenção nos últimos anos, com a retomada de trabalhos sobre o processo legislativo. Nessa, o conflito entre governador e assembleia tem sido destacado pela quantidade de vetos apostos e, em alguns casos, pela derrubada desses. A política estadual do Rio de Janeiro apresenta um cenário no período de grande quantidade de vetos apostos e um percentual razoável destes derrubados pelo legislativo. Utilizando dados da coalizão do governo e uma tipologia de assuntos, o trabalho utiliza método de máxima verossimilhança para verificar se características do autor do projeto e do tema abordado ajudam a explicar a escolha do governador em apor o veto e a escolha da Alerj em derrubar esse. A hipótese que orienta o trabalho é que mais do que favorecer a bancada governista ou diminuir a produção legislativa da oposição, a aposição de vetos pelo governador busca proteger uma agenda própria e diminuir gastos, enquanto a derrubada de vetos acontece como reafirmação do legislativo quanto a suas decisões, principalmente na temática social. Palavras-Chave: Vetos; Governador; legislativo; política estadual

Introdução

A produção da academia brasileira sobre política estadual tem crescido muito nos

últimos anos. O campo de estudo tem se mostrado amplo e foi ocupado com análises sobre

as relações internas dos poderes estaduais (Abrucio, Teixeira e Costa, 2001; Domingues,

2001; Grohmann, 2001; Moraes, 2001; Santos, 2001; Pereira, 2001; Tomio, 2002 e 2005;

Tomio e Ricci, 2009, 2010 e 2012; Cervi, 2009; Carreirão e Perondi, 2009), as percepções

daqueles que ocupam cargos estaduais (Castro, Anastasia e Nunes, 2009) e as relações

dos estados com a dinâmica política nacional (Amorim Neto e Santos, 2013).

A referência fundacional da literatura sobre governos estaduais após a retomada

democrática dos anos 1980 é o texto de Abrucio (1998). No qual o autor defende que os

governadores teriam se beneficiado enormemente com o processo de abertura política,

consolidado na Constituição Federal de 1988. O aumento de recursos, tanto fiscais quanto

políticos desse processo permitiria a eles fundar um pacto homologatório junto a Assembleia

Legislativa. Esse pacto o consolidaria como iniciador das medidas relevantes da agenda

pública e relegaria aos deputados legislar sobre medidas de efeitos concentrados ou de

pouca relevância.

Os estudos posteriores ao trabalho de Abrucio testam a hipótese da existência de

uma delegação entre os poderes legislativo e executivo estaduais. O livro organizado por

Santos (2001) apresenta tanto casos que reforçam a idéia de um pacto homologatório

(Abrucio, Teixeira e Costa, 2001; Domingues, 2001; Moraes, 2001) quanto casos que

refutam a existência desse pacto (Grohmann, 2001 e Santos, 2001). Posteriormente, Nunes

(2008) questiona a tese do pacto homologatório com dados de votações nominais das

iniciativas do governador em Minas Gerais entre 1995 e 2005. Esse autor também mostra

como a dinâmica interna do legislativo mineiro se aproxima da dinâmica partidária de

funcionamento do Congresso Nacional revelada por Figueiredo e Limongi (1999).

A variação encontrada entre os diferentes estudos de casos dos estados se coloca

como um convite ao estudo comparativo. Tomio e Ricci (2009, 2010 e 2012) apresentam

uma série de estudos com dados comparados sobre as dinâmicas das assembleias

legislativas no país. Para eles é importante realçar que a força do Poder Executivo nos

Estados não é derivada de uma fraqueza da Assembleia Legislativa e sim, definida pelo

arranjo institucional brasileiro. Os autores afirmam que os legislativos estaduais sofrem com

o fato de não possuírem qualquer competência exclusiva, agindo apenas em campos que

são “concorrentes” com os outros níveis da federação. O próprio Executivo estadual também

sofreria de liberdade condicional limitada. O Executivo seria um administrador de

prerrogativas locais fortes e exclusivas sobre definições orçamentárias, tributárias e

administrativas, enquanto a agenda social seria não só concorrente com o legislativo, como

também com o nível federal,o qual tem centralizado ações nesse âmbito nos últimos anos.

Todavia, como os próprios autores admitem essa limitação não seria capaz de explicar as

variações concernentes à produção legislativa encontrada entre os diferentes Estados.

Os estudos da área tem reforçado a diferença entre as Assembleias Legislativas,

mas poucos têm procurado explicitar o conflito entre governador e legislativo existente

dentro de algumas dessas. O objetivo desse artigo é suprir em parte essa lacuna ao

analisar a dinâmica de veto e derrubada desses na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro

(Alerj). O objetivo é mostrar como o governador tenta moldar através do veto a produção

legal do Estado e a resposta da Alerj a essa ação.

Desde a retomada dos estudos sobre política estadual o caso do Rio de Janeiro tem

feito parte daquele grupo que não se adéqua a um modelo claro de delegação entre os

poderes. Santos (2001) é o primeiro a reafirmar essa diferença, analisando o período de

governo de Marcello Alencar (1995-1998), ele reforça o ponto de que os deputados

estaduais apresentam uma agenda social definida. Graça (2013) com foco no primeiro

governo de Leonel Brizola (1983-1987) também realça que, mesmo sob uma Constituição

Estadual forjada durante a ditadura militar, a relação entre os poderes não pode ser

apresentada como indício da existência de um processo delegativo.

O objetivo desse artigo é mostrar como a dinâmica de aposição de vetos e

derrubadas desses é importante na produção legislativa final da Alerj e como ela apresenta

uma dinâmica de tentativa do legislativo em reafirmar suas decisões mesmo quando o

governador decide se opor a elas. Para isso, utilizo dados de projetos de lei ordinários e

complementares aprovados no legislativo durante os governos de Rosinha Garotinho (2003-

2006) e o primeiro governo Sergio Cabral (2007-2010).

Produção Legislativa e Vetos no Estado do Rio de Janeiro

O caso fluminense é apresentado como um dos que não se comporta dentro dos

moldes de um modelo delegativo pela dominância do legislativo na produção legislativa.

Essa medida mostra o quanto os projetos vindos de cada poder significam frente ao que é

aprovado anualmente pela Casa legislativa. Não existe um nível de dominância estabelecido

como normal, ele depende muito do padrão da relação entre os dois poderes e do processo

legislativo em si. No nível nacional, o trabalho de Figueiredo e Limongi (1999) nos apresenta

uma forte dominância do Presidente sobre o que é aprovado no Congresso, com taxas de

dominância anuais maiores que 80%. A tabela 1 apresenta os dados de dominância sobre o

que se tornou lei para o período entre 2003 e 2010.

Tabela 1- Taxas de Dominância sobre a Produção Legislativa por ano. Origem Governo Rosinha Garotinho Governo Sergio Cabral I

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Poder Executivo

57 (28,1%)

33 (13,4%)

44 (22,1%)

39 (13,8%)

40 (18,9%)

50 (25,3%)

57 (20,7%)

44 (20,6%)

Poder Legislativo

138 (68%)

199 (80,6%)

146 (73,4%)

237 (83,7%)

163 (76,9%)

141 (71,2%)

213 (77,5%)

163 (76,2%)

Outros 8 (3,9%)

15 (6%)

9 (4,5%)

7 (2,5%)

6 (4,2%)

7 (3,5%)

5 (1,8%)

7 (3,2%)

Total 203 (100%)

247 (100%)

199 (100%)

283 (100%)

212 (100%)

198 (100%)

275 (100%)

214 (100%)

Fonte - Dados coletados no site da Alerj e organizados pelo autor.

Como fica claro, o Poder Executivo não é o principal autor das leis aprovadas no

período, ele se mantém sempre em torno de um quinto da produção legislativa, com mínimo

de 13,4% e máximo de 28,1%. Na legislatura 2003-2006, o governo Rosinha Garotinho, a

média do Poder Executivo é de 18,6% de dominância. Na legislatura 2007-2010, governo

Sérgio Cabral, essa taxa de dominância média do Poder Executivo sobe para 21,2%. De

qualquer forma, a diferença entre as médias não parece indicar que um dos governos tenha

sido mais atuante do que o outro.

A observação da produção legislativa final seja pelo aspecto da dominância, ou pelos

assuntos abordados pelos diferentes atores (Santos, 2001; Graça, 2013), pode esconder a

dinâmica de vetos. O processo pelo qual um projeto de lei ordinária ou complementar passa

requer que ele seja aprovado em dois turnos pelo legislativo, sendo então enviado em forma

de autógrafo para o governador que tem quinze dias para sancionar ou vetar, parcial ou

totalmente,o projeto. Uma vez vetado, o legislativo passa a ter trinta dias para apreciar o

veto. Ao fim desse prazo, o veto passa a ser sempre a primeira questão da Ordem do Dia

até a sua votação. A figura do veto permite que exista uma diferença entre a quantidade de

projetos enviados em forma de autógrafo ao governador e aquilo que se torna lei. A

produção legal observa apenas esse último objeto, porém, para entender o conflito entre os

dois poderes é preciso observar se existe discrepância entre o que a Alerj envia como

autógrafo e o que o governador decide por sancionar. Afinal, a aposição de vetos afeta a

produção legislativa? Para responder a pergunta anterior, é preciso considerar como

produção da Alerj todos aqueles projetos de leis ordinárias e complementares que foram

aprovados em plenários e enviados em forma de autógrafo para o governador. Qual a

proporção desses que sofre alguma forma de veto? Qual tipo de veto é mais comum? Sobre

a produção de quem? A tabela 2, abaixo, apresenta os dados de projetos vetados por ano.

Foram considerados apenas os projetos que tiveram seu voto final do processo legislativo

no ano em questão. A figura 1 apresenta os percentuais decorrentes da tabela 2.

Tabela 2 - Projetos de lei ordinária e complementar vetados por ano.

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Vetos Parciais 46 35 23 32 14 9 21 16 Vetos Totais 53 71 55 64 50 74 60 44 Projetos sancionados sem veto 137 186 168 183 175 154 228 178 Total 236 292 246 279 239 237 309 238 Fonte - Dados coletados no site da Alerj e organizados pelo autor.

A tabela 2 mostra que a dinâmica de aposição de vetos nos oito anos analisados

aqui não é marginal. Os governadores do Rio de Janeiro escolheram por fazer uso de seus

poderes de veto em 667 projetos de leis enviados para sanção de um total de 2076

possíveis (32,1%) no período. A tabela deixa clara a preferência dos governadores

fluminenses, nos dois governos, em utilizar o veto total, impedindo no todo o efeito da

decisão legislativa. A figura 1 apresenta a distribuição percentual dos dados anteriores.

Figura 1 - Projetos de lei ordinária e complementar vetados por ano.

Fonte - Dados coletados no site da Alerj e organizados pelo autor.

Como a figura mostra, mesmo nos anos de menor incidência de vetos, esses

afetaram sempre mais que ¼ da produção anual. Em 2003, ano com maior conflito entre o

que o legislativo aprovava e o que o executivo sancionava, o percentual de projetos que foi

parcialmente ou totalmente obstado chegou a mais de 40%. Comparando a intensidade do

uso do veto na relação entre legislativo e executivo na Alerj com o caso do estudo central da

área sobre o congresso americano (Cameron, 2000) podemos ver como esse instituto é

0% 20% 40% 60% 80% 100%

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Vetos Parciais Vetos Totais Projetos sancionados sem veto

importante na política estadual fluminense. Enquanto em oito anos de governo analisados

aqui foram 667 vetos apostos, nos pouco menos de 50 anos de governo analisados por

Cameron (2000), o presidente escolheu por fazer uso do veto apenas 434 vezes. É verdade

que o Presidente americano não possui o poder de vetar parcialmente um projeto de lei,

mas mesmo se comparamos apenas esse tipo de veto, o caso do Rio de Janeiro ainda

produziu mais vetos totais em oitos anos, 471, do que o caso americano nos quase 50 anos

analisados pelo autor. A comparação com a dinâmica no nível federal brasileiro também

indica importância dos vetos no cenário fluminense, segundo Grohmann (2003), entre 1990

e 2000 foram apostos pelos Presidentes 447 vetos, 220 a menos em um período dois anos

maior.

A figura 2, abaixo, apresenta a escolha de tipos de vetos utilizados sobre os projetos

pela origem desses. Os dados são apresentados por governo e permitem verificar que o

governador apresenta estratégias de veto diferentes a depender de quem iniciou o projeto

de lei em questão.

Figura 2 - Vetos por origem do Projeto de lei e por governo.

Fonte - Dados coletados no site da Alerj e organizados pelo autor.

A figura 2 mostra que existe uma estratégia do governador de uso de diferentes tipos

de veto a depender da origem do projeto. Propostas de lei que o governo inicia sofrem

quase que exclusivamente vetos parciais, mostrando que há uma tentativa desse de

proteger suas iniciativas das alterações feitas pelo legislativo. Já as propostas com origem

Legislativo Executivo Outros Legislativo Executivo Outros

Governo Rosinha Garotinho (2003-2006)

Governo Sergio Cabral I (2007-2010)

Vetos Totais 242 0 1 227 1 0

Vetos Parciais 89 45 2 49 10 1

0%

20%

40%

60%

80%

100%

no legislativo tem uma chance muito maior de serem vetadas completamente. É perceptível

pelo gráfico como existe uma tentativa do governador em frear a produção legislativa dos

deputados estaduais ao colocar obstáculos à sanção dos projetos que esses aprovam.

Sabendo desse cenário, percebe-se como a dominância do governador sobre a produção

legislativa seria ainda menor do que a apresentada na tabela 1 caso esse não possuísse

poderes de veto.

A dinâmica de vetos na Alerj é ainda mais central para entender a política estadual

quando percebemos que não existe apenas uma tentativa do governador em frear as

iniciativas dos deputados estaduais, mas também ocorre uma quantidade de derrubadas de

vetos considerável tanto em proporção aos vetos apostos quanto comparada com outros

legislativos. A figura 3 apresenta as taxas de derrubadas de vetos parciais e totais por ano1.

Figura 3- Percentual de vetos parciais e totais derrubados por ano.

Fonte - Dados coletados no site da Alerj e organizados pelo Autor.

A figura mostra que os deputados estaduais conseguem vencer os problemas de

ação coletiva e derrubar a decisão de veto do governador em uma porcentagem

considerável de casos. No período analisado, foram votados 680 vetos parciais e totais

apostos pelo governador, tendo 248 desses (36,5%) sido derrubados e sancionados pela

Casa. A derrubada de vetos é mais comum para vetos totais (39,2%) do que para vetos

parciais (29,3%), porém, ambas apresentam valor percentual considerável. Os percentuais

são ainda mais consideráveis comparados com a dinâmica entre o Presidente e o

1Os dados são baseados nas aposições de vetos votadas no ano, sendo um grupo diferente do recorte anterior

de projetos votados no ano e vetados. Um veto votado em 2004 pode ser de um projeto aprovado pela Alerj

em 2003.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Vetos Parciais Vetos Totais

Congresso Nacional que gerou apenas 11 vetos derrubados, de 447, entre 1990 e 2000

(Grohmann, 2003). Essa dinâmica gerou a situação de que no período, 13,5% da produção

de leis do Estado tenha sofrido alguma forma de veto que acabou derrubado pela Alerj. Ou

seja, mais que uma em cada oito leis do Estado entre 2003 e 2010 estão em vigor, da forma

que o legislativo deseja, mesmo contra a vontade do governador manifesta através do veto.

Esse número seria ainda maior se descontássemos aquelas de caráter honorífico ou de

declaração de utilidade pública que produzem pouco conflito. Apresentada a importância

dessa dinâmica, é preciso compreender os determinantes da escolha de veto do governador

e os determinantes da decisão do legislativo em derrubar um veto aposto.

Modelos dos estudos de vetos

O estudo dos vetos sempre esteve associado com uma preocupação metodológica

sobre os modelos estatísticos utilizados na análise tanto na vertente mais empirista, quanto

na vertente da teoria dos jogos2. Os modelos utilizados dependem diretamente dos dados

disponíveis e das questões levantadas pelo pesquisador. O aparato computacional e

estatístico disponível também exerce influência. Os estudos iniciais, como o de Copeland

(1983) demonstravam uma preferência por entender a forma como o ambiente político

afetava a incidência de vetos, orientando a pesquisa para uma formatação dos dados que

se baseava em unidades de observação Veto-período e o uso de regressões lineares.

Shield e Huang (1995, 1997) criticam a utilização do método de mínimos quadrados

ordinários para a análise de vetos.Eles afirmam que a variável dependente utilizada na

maior parte dos estudos, Veto-Ano, é uma variável de contagem com claros limites mínimos

e variação dentro dos números inteiros. Propõem, então, que esses estudos devem fazer

uso do método de máxima verossimilhança para os estimadores, através de um modelo de

regressão binomial negativa.

Gilmour (2002) propõe uma modificação completa na estrutura dos bancos de dados

ao abandonar os vetos-anos como variável dependente e estabelecer o uso dos projetos de

lei como base. Com essa alteração ele passou a incluir dentro do modelo informações dos

projetos que ajudassem a explicar o uso do veto.Com dados dos projetos individuais, a

variável dependente do estudo passa a ser a aposição ou não do veto sobre o projeto de lei,

levando o autor a estimar os parâmetros do modelo utilizando uma regressão logística

binomial.

Na literatura nacional, Grohman (2003) em um dos anexos da tese utiliza regressões

lineares com variáveis independentes que seguem a tradição de Copeland (1983), como 2Como não utilizo teoria dos jogos para analisar os vetos do governador fluminense, não incluo os diferentes modelos usados por Cameron (2000) nessa breve exegese. A percepção deste de que se trata, nos EUA, de um processo em cadeia, o permite utilizar estratégias analíticas diferentes para estudar as diferentes etapas da dinâmica de veto entre Congresso e Presidente.

vetos por governo e derrubadas de veto por governo. Já Moya (2005) utiliza de diferentes

regressões logísticas binomiais para estimar os determinantes do uso do veto parcial e do

veto total pelos Presidentes da República.

Nesse estudo, sigo a ideia de Gilmour (2002) de utilizar dados dos projetos de lei

individuais aprovados pelo legislativo fluminense e enviados em autógrafo para o

governador. Para aprimorar a análise, separo o processo em dois momentos: a escolha do

governador em fazer uso do veto, parcial ou total, e a escolha da Alerj de derrubar ou

manter os vetos apostos. Primeiro, utilizo um modelo de regressão logística multinominal

para apresentar os determinantes da utilização do veto parcial e do veto total pelo

governador. Uma vez que o governador utiliza o veto, resta ao legislativo discutir a

pertinência desse e decidir sobre sua manutenção. Para apresentar os determinantes da

derrubada dos vetos utilizo uma regressão logística binomial.

Banco de dados e Hipóteses

O banco de dados montado para esse estudo inclui todas as propostas de lei

ordinárias e complementares aprovadas em votação na Alerj e enviadas em autógrafo para

o governador entre os anos de 2003 e 2010, totalizando 2147 projetos. Para todos esses

projetos foram levantados as seguintes informações:

- Origem – Se iniciada por deputados estadual, pelo Executivo, por órgão do

legislativo ou por outra instituição.

- Tempo de tramitação – período em dias entre a entrada do projeto no legislativo e

sua aprovação final nesse órgão. Não se conta possível trâmite posterior ao veto.

- Base Aliada – Se o projeto tem origem em partidos da base aliada dos

governadores3. Foi incluída também a possibilidade do projeto ser patrocinado por mais de

um político, incluindo atores da base e da oposição.

- Foram incluídas informações para controlar se a escolha de vetar ou de derrubar

um veto se deu em legislatura diferente daquela que aprovou o projeto ou que sofreu o veto.

- Os projetos foram categorizados em uma tipologia de assunto com cinco categorias

exclusivas: Econômico e Orçamentário; Administrativo e Segurança; Social; Honorífico e

declarações de utilidade pública; e Outros.

As informações levantadas permitem o teste de algumas hipóteses sobre a escolha

do governador em vetar um projeto e sobre a escolha do legislativo em derrubar um veto. A

existência de uma dinâmica de veto ampla serve como prova de que não há um processo

delegatório, mas outras questões assumem relevância.

3 As informações sobre as diferentes coalizões de governo foram retiradas do trabalho de Pinto (2012)

Quanto à escolha do governador em usar o poder de veto, esse pode ser utilizado de

forma partidária para impedir a sanção de leis com origem na oposição, o que gera a

primeira hipótese:

H1 – Se o uso do veto se dá de forma partidária, a origem do projeto na base aliada

estará associada a uma probabilidade de vetos significativamente menor que se origem for a

oposição.

Independente do uso partidário do veto, o mesmo poder pode ser utilizado para

barrar a produção da Alerj em temas de relevância. Seguindo a tese de Tomio e Ricci (2012)

de que os legislativos estaduais sofrem com a falta de delimitação de sua atuação e a

concorrência com o governador e os outros níveis da federação, o governador pode utilizar

o veto como forma de restringir a atuação do legislativo em áreas de relevância utilizando o

argumento de invasão de competência constitucional. Essa estratégia pode ser mais intensa

em campos próximos ao governador, como o ligado a temas administrativos e de

segurança; e Econômico e Orçamentário.

H2 – A probabilidade de veto em temas de maior relevância será maior que em

temas pouco relevantes como Honorífico e Declaração de utilidade pública.

H3 – Caso trate apenas de uma proteção da competência do Poder Executivo, os

temas “administrativos e de segurança” e “Econômico e Orçamentário” terão probabilidade

de veto maior do que outros temas.

Em relação à derrubada de vetos, é preciso pensar no papel do legislativo e nos

objetivos desse ao enfrentar a posição contrária do governador.

Primeiro, se o debate em torno da derrubada de veto seja apenas uma extensão da

dinâmica da coalizão de governo, sem um confronto entre os dois poderes, espera-se que a

derrubada de vetos seja maior entre projeto com origem na base aliada.

H4 – Caso o conflito na derrubada de veto se espelhe na dinâmica de governo,

espera-se que vetos sobre projetos de deputados da coalizão tenham probabilidade de

derrubada maior que vetos sobre projetos de deputados da oposição.

Como hipótese contraria a de que existe alguma forma de delegação, espera-se que

vetos sobre projetos do próprio Executivo tenham derrubada de vetos mais provável que

vetos sobre projetos com outras origens. Esse resultado serviria como prova de que não só

os deputados estaduais modificam projetos do governador a ponto desse veta-los, mas que

essas modificações feitas em plenário são mantidas na votação do veto.

H5 – Vetos sobre projetos com origem no Executivo terão maior probabilidade de

serem derrubados.

Para testar essas hipóteses aplico na seção seguinte diferentes modelagens para

analisar a escolha do governador em vetar um projeto e a escolha do legislativo em derrubar

esse veto. Para o caso do uso do veto pelo governador, utilizo uma regressão logística

multinominal4 que permite analisar variáveis dependentes não ordenadas. Esse modelo

permite apresentar os diferentes determinantes do veto parcial e do veto total. Para a

análise da derrubada do veto pela Alerj, faço uso de uma regressão logística binária.

Análise estatística

Apresento abaixo as regressões logísticas multinominais para a escolha de o

governador utilizar o veto parcial ou o total. A estimação de parâmetros de uma logit

multinominal requer a escolha de uma base, em relação a qual, os cálculos do modelo nos

indicam o efeito marginal das diferentes variáveis independentes sobre o logaritmo da

chance (log likelihood) de um cenário. A base escolhida foi a que não ocorre veto, dentre os

assuntos foi escolhido como base o tema “Honorífico e declaração de utilidade pública” e a

origem nos deputados estaduais. Foi rodado um modelo para cada um dos governos.

Tabela 3 - Regressão logística multinominal - Escolha de Veto da governadora Rosinha Garotinho (2003-2006)

Modelo 1 Variáveis Veto Parcial Veto Total Dias de Tramitação 0.0004 0.0006* (0.0003) (0.0002) Complementar -14.9591*** 1.1841 (0.3954) (0.7923) Outros Órgãos -1.1746 -3.9137*** (0.8029) (1.1328) Órgãodo legislativo -0.1214 -0.9966 (1.0106) (0.8455) Executivo -0.1549 -17.1656*** (0.3782) (0.2749) Base Aliada -0.6212* -0.5897** (0.2576) (0.1843) Base + oposição 0.5510 0.0428 (0.6541) (0.4972) Legislatura anterior -0.9775 0.9600* (1.0833) (0.3808) Econômico e Orçamento 3.7169*** 4.4507***

4 A regressão logística multinominal utiliza a premissa de independência das alternativas irrelevantes. Essa premissa requer que introdução de uma alternativa nova dentre o rol de alternativas existentes não afete a razão entre as proporções das alternativas anteriores. Existem testes estatísticos desenvolvidos para testar essa premissa, mas esses tem se mostrado inconsistentes e pouco confiáveis (Long e Freese, 2001), restando a premissa ser aceita a partir de um argumento contrafatual. Defendo a pertinência da premissa da IIA nesse caso a partir do raciocínio de que, caso não existisse a possibilidade do uso do veto parcial, a distribuição dos casos entre as duas escolhas restantes se daria respeitando a existência de um cálculo de custos que geraria um cenário em que a razão veto total/assinado em lei seria próxima da atual. Como vetar completamente um projeto tem os custos de manter o veto e bloqueia todos os benefícios individuais e coletivos possíveis do projeto de lei aprovado, defendo que a escolha do governador seria feita baseada em um limiar de tolerância, que levaria a que parte dos projetos fossem assinados em lei e parte vetado completamente, a proporção entre essas escolhas seria próxima da relação atual entre as duas categorias.

(0.5799) (0.5526) Outros 1.7208* 3.6244*** (0.7175) (0.4463) Administrativo e Segurança 2.1281*** 3.4880*** (0.5334) (0.3962) Social 3.1728*** 3.1258*** (0.4816) (0.3982) Constante -3.8144*** -3.4621*** (0.4726) (0.3684) Observações (N) 1,092 Log Likelihood -723,6 Adj Count R-squared 0,147

Erros padrões robustos entre parênteses

*** p<0.001, ** p<0.01, * p<0.05, + p<0.1

Como os resultados da tabela de regressão são apresentados em logaritmos das

chances não é possível ler os parâmetros como uma regressão linear. Apresento, abaixo, os

efeitos simulados sobre o cálculo das probabilidades utilizando o programa Clarify (Tomz,

Wittenberg e King, 2003).

Tabela 4 - Efeitos sobre a probabilidade dos vetos parciais e totais (2003-2006)

Variação Efeito sobre chance do veto Parcial

Intervalo de Confiança (95%)

Efeito sobre chance do veto Total

Intervalo de Confiança (95%)

Chance de veto Base 2,5% 0,8% a 5,3% 3,5% 1,6% a 6,8% Dias de Tramitação (mediano + 1dv)

0,3% -0,1% a 1,2% 0,8% 0,1% a 2,0%

Complementar -2,4% -5,3% a -0,8% 9,6% -1,0% a 32,5% Outros Órgãos -1,3% -3,7% a 1,1% -3,4% -6,6% a -1,5% Órgão do legislativo 0,9% -3,1% a 12,2% -1,7% -4,8% a 2,5% Executivo -0,05% -2,0% a 2,2% -3,5% -6,8% a -1,6% Base Aliada -1,0% -2,6% a -0,1% -1,4% -3,2% a -0,4% Base e oposição 2,7% -1,1% a 13,0% 0,5% -2,4% a 5,2% Legislatura anterior -0,9% -3,9% a 4,2% 5,7% 0,9% a 15,0% Econômico e Orçamento

17,2% 7,6% a 29,8% 56,0% 38,4% a 72,2%

Outros 3,7% -1,5% a 12,1% 49,9% 36,8% a 62,6% Administrativo e Segurança

6,2% 1,7% a 12,5% 45,3% 35,9% a 54,4%

Social 21,5% 15,3% a 29,0% 30,4% 23,0% a 38,4%

A tabela 4 apresenta os efeitos sobre a chance base da variação das variáveis

independentes sobre a chance base5. Como é possível ver, o efeito da variável “base aliada”

apresenta efeito negativo significativo sobre as chances de veto, indicando que existiu

5Efeitos conhecidos como First diferences.Aqueles parâmetros cujo intervalo de confiança contém 0 (zero) não rejeitam a hipótese nula de que esse é diferente de zero em um nível de confiança de 95%.

durante o governo Rosinha Garotinho uma dinâmica de uso seletivo do veto. Em relação

aos assuntos, todos eles apresentam um efeito positivo e forte sobre a probabilidade de veto

parcial e total, indicando que a governadora usou o veto para bloquear a produção de

legislação relevante. Os efeitos são diferentes, no entanto, por tipo de veto e por assunto. O

tema Social, apresentado como importante para os deputados estaduais (Santos, 2001)

apresenta efeitos positivos de veto parcial e total, sendo diferente de todos os outros temas6.

A diferença entre os efeitos dos outros temas, no entanto, não é diferente entre si. Esses

resultados mostram que um projeto ser de tema social aumenta suas chances de veto tanto

parcial quanto total, o mesmo ocorre com os temas “Econômico-orçamentário” e

“Administrativo-Segurança”. O tema “Outros” não difere significativamente de zero nas

chances de veto parcial, tendo efeitos claros apenas para chances de vetos totais.

O modelo também mostra a origem do projeto no Executivo diminui bastante as

chances de veto total sobre ele, mas não afeta as chances de vetos parciais. A análise dos

determinantes do uso do veto pela governadora Rosinha Garotinho mostra que a origem do

projeto afeta as chances desse ser vetado, mas que os principais efeitos se encontram nos

assuntos desse, que aumentam fortemente as chances de veto parcial e total quando lidam

com temas relevantes. Abaixo é feito o mesmo exercício para os determinantes de veto no

primeiro governo de Sergio Cabral.

Tabela 5 - Regressão logística multinominal - Escolha de Veto do governador Sergio Cabral (2007-2010)

Modelo 2 Variáveis Veto Parcial Veto Total Dias de Tramitação 0,0003 0,0002 (0,0003) (0,0002) Complementar -0,3808 -1,2770 (1,0354) (0,8134) OutrosÓrgãos -1,1004 -15,9676*** (1,0783) (0,2944) Órgão legislativo -0,2427 -15,8200*** (1,1167) (0,4203) Executivo -1,0255* -5,3138*** (0,4993) (1,0248) Base Aliada -0,2121 -0,0783 (0,3259) (0,1790) Base+oposição 0,2062 -0,8569+ (0,6544) (0,4896) Legislatura Anterior -14,3009*** 1,8955*** (0,4223) (0,4608) Econômico e Orçamento 2,6965*** 2,9279***

6 O teste F sobre os parâmetros combinados em pares mostrou que o efeito do tema Social era diferente dos

outros temas.

(0,6889) (0,4475) Outros 2,0354** 1,9997*** (0,6836) (0,3900) Administrativo e Segurança 1,9816** 3,2879*** (0,6149) (0,3289) Social 2,2040*** 2,4297*** (0,5519) (0,3064) Constante -4,1297*** -2,9144*** (0,5671) (0,2961) Observações 1,057 Log Likelihood -611,7 Adj Cont R-squared 0,169

Erros padrões robustos entre parênteses

*** p<0.001, ** p<0.01, * p<0.05, + p<0.1

Tabela 6 – Efeitos sobre a probabilidade dos vetos parciais e totais (2007-2010)

Variação Efeito sobre chance do veto Parcial

Intervalo de Confiança (95%)

Efeito sobre chance do veto Total

Intervalo de Confiança (95%)

Chance de veto Base 1,8% 0,5% a 4,7% 5,4% 2,9% a 9,0% Dias de Tramitação (mediano + 1dv)

0,3% -0,2% a 1,2% 0,4% -0,3% a 1,4%

Outros Órgãos -0,7% -3,4% a 2,7% -5,4% -9,0% a -2,9% Órgão do legislativo 0,6% -2,7% a 9,9% -5,4% -9,0% a -2,9% Executivo -1,1% -3,3% a -0,04% -5,3% -8,8% a -2,9% Legislatura anterior -1,8% -4,7% a -0,5% 23,3% 7,0% a 45,7% Base Aliada -0,4% -2% a 0,6% -0,3% -2,2% a 1,4% Base+Oposição 0,8% -1,6% a 0,6% -2,8% -6% a 0,4% Econômico e Orçamento

10,3% 2,2% a 22,9% 39,7% 22,8% a 56,7%

Outros 7,4% 1,3% a 17, 9% 21,7% 11,1% a 34,1% Administrativo e Segurança

3,2% -0,09% a 7,1% 51,6% 41,7% a 60,7%

Social 7,0% 3,2% a 11,9% 30,2% 23,4% a 37,8%

Os efeitos da regressão logística multinominal para o período do primeiro governo

Sergio Cabral apresenta efeitos similares ao modelo anterior. A principal diferença é que

nesse governo não houve uma dinâmica clara de obstáculo à produção da oposição. A

aposição de vetos a projetos de temáticas mais relevantes continuou como principal fator do

aumento das chances de veto. Fica claro que a principal questão que cerca a aposição de

vetos do governador são os assuntos que os projetos afetam, quando apresentam propostas

diferentes das temáticas honoríficas ou de declaração de utilidade pública, as chances de

veto aumentam significativamente. O resultado comum de uma produção de leisanual com

ênfase nesses temas pouco relevantes se mostra como não sendo apenas uma preferência

dos deputados estaduais por esse tema, mas também que existe no processo uma ação do

governador em reprimir as agendas legislativas mais relevantes com origem nos deputados

estaduais.

Apresento a seguir os modelos de derrubada de vetos, eles podem mostrar quais as

preferências do legislativo no combate ao governador.

Tabela 7 - Regressão Logística -Determinantes da derrubada dos vetos no governo Rosinha Garotinho (2003-2006)

Variáveis Modelo 3 Dias de Tramitação -0,0002 (0,0003) Veto Parcial -1,0243** (0,3141) Outros Órgãos 2,1684+ (1,2184) Órgão do legislativo 0,1725 (1,3230) Executivo 1,9676*** (0,5419) Base Aliada -0,0301 (0,2489) Base+oposição 0,2221 (0,5827) Vetado por governo diferente -0,3626 (1,0522) Econômico e Orçamento 0,8772 (0,8526) Outros 0,5181 (0,8413) Administrativo e Segurança 0,5519 (0,7953) Social 1,2736 (0,7821) Constante -1,2843 (0,7819) Observações 391 Log Likelihood -239,4 Adj, Count R-squared 0,071

Erros padrões robustos entre parênteses

*** p<0.001, ** p<0.01, * p<0.05, + p<0.1

A regressão logística dos determinantes da derrubada do veto no governo Rosinha

Garotinho apresenta pouca capacidade explicativa geral e poucos parâmetros que se

distinguem de zero. Os únicos efeitos encontrados que se diferenciam de zero são relativos

ao veto ser parcial e a sua origem no Poder Executivo. A probabilidade base e os efeitos

das variáveis estatisticamente significantes estão apresentados na tabela abaixo.

Tabela 8 - Efeitos sobre a probabilidade da derrubada de vetos (2003-2006)

Variável Efeito sobre chance de derrubada do veto

Intervalo de Confiança (95%)

Chance de derrubada base 22,8% 5,9% a 52,8% Veto Parcial -12,4% -28,2% a -2,7% Projeto do Executivo 39,5% 12,2% a 61,2%

O fato de um projeto ser parcial retira 12,4% da chance dele ser derrubado,

diminuindo essa de 22,8% para 10,4%. Esse dado revela que existe maior rejeição dos

deputados em relação ao uso do veto total pelo governador. Quando o governador tenta

bloquear por completo os efeitos de um projeto de lei, vetando-o completamente, as

chances de derrubada desse quase dobram. O outro parâmetro significativo é relativo a

origem desse projeto no próprio governador: essas propostas, se vetadas, apresentam uma

chance bem maior de serem derrubadas. As simulações mostram que, enquanto projetos

vetados com origem no legislativo apresentaram chances de derrubadas de 22,8% no

período, projetos vetados com origem no Executivo tiveram chances de derrubada acima de

60%. Esse resultado confirma a hipótese numero cinco apresentada anteriormente,

mostrando como no período os deputados estaduais não apresentam uma dinâmica

delegatória em relação ao governador, modificando suas propostas e bancando as

modificações derrubando os vetos apostos.

A tabela de regressão também é interessante no que não comprova. Ser da base

aliada não afeta as chances de derrubada do veto de forma significativa, indicando que essa

não se espelha na dinâmica entre governo e oposição. Outro fator interessante é que as

variáveis de assunto não afetam as chances de derrubada dos vetos, sendo, inclusive,

desnecessárias no modelo7.

A conclusão sobre a dinâmica de derrubada de vetos durante o governo Rosinha

Garotinho é de que essa não apresentou padrão de beneficiar deputados estaduais

governistas, se pautando pela maior rejeição do uso do veto total e pela reafirmação das

modificações feitas no processo legislativo sobre os projetos iniciados pelo Executivo. O

tema do projeto não apresentou efeitos discerníveis.

O mesmo exercício feito para o governo Rosinha Garotinho foi feito para o primeiro

governo Sergio Cabral (2007-2010). Os resultados diferem em parte.

7O teste F de que o efeito conjunto das variáveis de assunto é diferente de 0 tem valor de chi2 (4)=9,25 e Prob

chi2=0,0551. No patamar de 95%, não se pode rejeitar a hipótese nula de ausência de efeito discernível.

Tabela 9 - Regressão Logística - Determinantes da derrubada de vetos no governo Sergio Cabral I (2007-2010)

Variáveis Modelo 4 Dias de Tramitação -0,0003 (0,0003) Veto Parcial -1,5761*** (0,4423) Executivo 0,6509 (0,9690) Base Aliada 0,4306 (0,2781) Base+oposição -0,3614 (0,7071) Vetado por governo diferente 0,0614 (0,4087) Econômico e Orçamento -0,8275 (0,6797) Outros -1,5372* (0,6757) Administrativo e Segurança -1,5071** (0,5267) Social -0,3181 (0,4859) Constante 0,4664 (0,4797) Observações 283 Log Likelihood -168,3 Adj Count R-squared 0,142

Erros padrões robustos entre parênteses

*** p<0.001, ** p<0.01, * p<0.05, + p<0.1

O modelo similar8 aplicado aos dados do governo Sergio Cabral I apresenta

capacidade explicativa bem maior que aplicado ao cenário anterior. Nele encontramos, de

novo, que o pertencimento à base aliada não afeta as chances de derrubada de vetos. Mais

uma vez o fato do veto ser parcial diminui as chances desse ser derrubado, mostrando que

a maior intolerância com os vetos totais não se tratava de uma questão circunstancial de

governo. No caso de projetos com origem no Executivo, porém, o parâmetro não se

diferencia significativamente de zero, apesar do sinal positivo. A tabela com as simulações

de parte dos parâmetros é apresentada a seguir.

8 Foram omitidas as variáveis “Complementar”, “órgão legislativo” e “outro órgão” por questão de predição

perfeita de fracasso.

Tabela 10 - Efeitos sobre a probabilidade da derrubada de vetos (2007-2010)

Variável Efeito sobre chance de derrubada do veto

Intervalo de Confiança (95%)

Chance de derrubada base 58,4% 35,4% a 79,7% Poder Executivo 10,4% -28,8% a 37,9% Veto Parcial -34,1% -51,6% a -16,4% Outros -33,0% -57,2% a – 4,5% Administrativo e Segurança -32,9% -55,1% a – 7,8%

Como a tabela 10 com as chances simuladas mostra, a chance de derrubada da

categoria base nesse modelo é bem maior que a do período anterior. As variáveis de

assunto dessa vez apresentam em alguns casos efeitos discerníveis de zero, ou seja,

probabilidades diferentes da base. Interessante notar que os temas “Outros” e

“Administrativo e Segurança” apresentam efeitos fortes e negativos, diminuindo as chances

de derrubada de vetos para perto de 25%. Os outros temas, “Social”, “Econômico

Orçamento”, assim como o tema base, “Honorífico e declaração de utilidade pública”

continuam com previsão de chances de derrubada altas, perto de 60%. Nesse caso, o tema

do projeto de lei afeta diretamente as chances de derrubada do veto.

A conclusão sobre a dinâmica de vetos no primeiro governo Sergio Cabral é de que

eles tampouco beneficiavam oposição ou base aliada e mantinham a menor tolerância a

vetos totais. Porém, sem a tendência de derrubar mais os vetos de projetos do governador.

Esse resultado é causado pelo fato de que as proporções base dos dois modelos são

bastante diferentes. Essa diferença nas bases afeta os parâmetros e sua significância

estatística, enquanto a chance basilar do modelo anterior era de 22,8%, a desse modelo é

de 58,4%. As chances de derrubada dos vetos sobre projetos no Executivo, no entanto, não

são muito diferentes, com 62,3% para o período 2003-2006 e 68,8% no período 2007-2010.

A falta de significância do parâmetro ligado à origem no Poder Executivo no último modelo

se dá porque às chances de derrubada base é muito mais alta e não porque deixou de

existir uma chance de derrubada alta sobre os vetos em projetos com origem no

governador.

Conclusão

O caso do estado do Rio de Janeiro já é considerado diferente do paradigma de um

pacto homologatório entre governador e Assembleia (Santos, 2001), porém, essa diferença

vai além da existência de uma agenda de políticas públicas, principalmente do tema social,

dos deputados estaduais fluminenses. Nesse estado, a dinâmica de vetos apostos pelo

governador e contestados pelo legislativo é intensa e revela muito da dinâmica entre os

poderes.

Os dados mostram que no período dos governos Rosinha Garotinho (2003-2006) e o

primeiro governo Sergio Cabral (2007-2010), o poder de veto, principalmente o veto total, foi

utilizado largamente sobre as propostasem temas relevantes originadas nos deputados

estaduais. Apenas no governo Rosinha Garotinho encontramos indícios de que esses vetos

ocorriam em proporção mais alta sobre propostas de legisladores da oposição. A tendência

dos legislativos estaduais em aprovar número grande de leis pouco relevantes, pelo menos

no caso do Rio de Janeiro, não pode ser creditada completamente aos deputados que

propõe essas medidas. O governador também é partícipe da dinâmica que cria esse

resultado ao colocar obstáculos à sanção dos outros temas.

O uso do veto pelos governadores não é, no entanto, sem resposta dos deputados

estaduais. Esses derrubaram uma taxa considerável de vetos, principalmente se comparada

com o nível federal brasileiro. Os modelos testados não conseguiram destacar

determinantes específicos dessa derrubada, muito em razão da pouca capacidade

explicativa deles. Uma das principais questões parece ser a rejeição dos deputados

estaduais ao bloqueio feito pelo governador das modificações que eles fizeram,durante o

processo legislativo, em projetos do Executivo. Questões como dinâmica da coalizão

governamental e assunto da proposta de lei não parecem ter efeitos fortes sobre a

derrubada de um veto.

A conclusão geral do artigo é a necessidade de produzir estudos mais aprofundados

sobre as dinâmicas políticas estaduais. Existem em outros estados uma dinâmica de vetos

tão intensa quanto no Rio de Janeiro? A tendência dos legislativos estaduais em produzir

leis pouco relevantes é influenciada pelo uso do veto pelo governador? O que gera a

capacidade do legislativo fluminense em responder a essa dinâmica de aposição de vetos

com a derrubada de mais de um em cada três vetos? Todas são questões que necessitam

de estudos aprofundados, tanto de casos específicos, quanto de caráter comparado.

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