detecção precoce de ar

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N o 18 | Abr/Jun 2011 | PESQUISA MÉDICA 23 POR CRISTIANA BRAVO Os novos critérios de classificação da artrite reumatoide, definidos em setembro pelo Colégio Americano de Reumatologia e pela Liga Europeia contra o Reumatismo, permitem identificar os pacientes sob risco de artrite reumatoide antes da apresentação clínica, o que deve contribuir para melhorar o prognóstico da doença Detecção precoce John Bavosi/Science Photo Library/SPL DC/Latinstock D iante de evidências científicas de que o tratamento precoce da ar- trite reumatoide (AR) melhora os resultados do combate à doença, o Co- légio Americano de Reumatologia (ACR) já havia estabelecido, em 1987, critérios para a avaliação dos pacientes com AR potencial o mais cedo possível, indicando o uso de marcadores de inflamação, tes- tes laboratoriais (sorologia) e métodos de imagem como auxiliares no diagnóstico, para complementar a avaliação clínica. Contudo, esses critérios de classificação se revelaram limitados. Uma proporção significativa de pacientes não se enqua- drava neles e passou a ser rotulada como portadora de artrite indiferenciada (AI). A última edição de 2010 da Revista Bra- sileira de Reumatologia (RBR) abordou o tema em seu editorial. “Embora alguns desses pacientes apresentem um curso de doença com remissão espontânea, outros apresentarão um fenótipo de doença pro- gressiva com erosões, exigindo interven- ção precoce”, considerava o editorial, para acrescentar: “Reumatologistas precisam ser capazes de identificar rapidamente os pacientes que apresentarão um curso persistente, progressivo, para garantir o início precoce da terapêutica”. Os novos critérios de classificação da AR, estabe- lecidos em setembro de 2010 pelo ACR e pela Liga Europeia contra o Reumatis- mo (EULAR) para a detecção precoce da doença, contemplam um novo sistema de pontuação, com base em medidas usadas na prática clínica. A doença é classificada como AR de acordo com a pontuação ob- tida pelo paciente em cada um dos quatro diferentes domínios ou condições que a caracterizam, e desde que um total de 6 ou mais pontos (de um valor máximo de 10) seja atingido (veja o quadro à página 24). Pesquisadores da Universidade do REUMATOLOGIA PM18 final.indb 23 10/03/2011 21:24:35

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Page 1: Detecção Precoce de AR

No 18 | Abr/Jun 2011 | PESQUISA MÉDICA 23

Por cristiAnA BrAVo

os novos critérios de classificação da artrite reumatoide, definidos em setembro pelo Colégio Americano de reumatologia e pela liga Europeia contra o reumatismo, permitem identificar os pacientes sob risco de artrite reumatoide antes da apresentação clínica, o que deve contribuir para melhorar o prognóstico da doença

Detecção precoce

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DIrEtórIo DoS GrUPoS DE PESQUISA no brASIlNúMERO DE INSTITuIçõES, GRuPOS, PESquISADORES E PESquISADORES DOuTORES − 1993-2008

Principais dimensões 1993 1995 1997 2000 2002 2004 2006 2008Instituições 99 158 181 224 268 335 403 422

Grupos 4.402 7.271 8.632 11.760 15.158 19.470 21.024 22.797

Pesquisadores (P) 21.541 26.779 33.980 48.781 56.891 77.649 90.320 104.018

Pesquisadores doutores (D) 10.994 14.308 18.724 27.662 34.349 47.973 57.586 66.785

(D)/(P) em % 51 53 55 57 60 62 64 64notas: parcela significativa da tendência de crescimento observada nos números absolutos, principalmente até 2000, decorre do aumento da taxa de cobertura do levantamento.

Diante de evidências científicas de que o tratamento precoce da ar-trite reumatoide (AR) melhora

os resultados do combate à doença, o Co-légio Americano de Reumatologia (ACR) já havia estabelecido, em 1987, critérios para a avaliação dos pacientes com AR potencial o mais cedo possível, indicando o uso de marcadores de inflamação, tes-tes laboratoriais (sorologia) e métodos de imagem como auxiliares no diagnóstico, para complementar a avaliação clínica. Contudo, esses critérios de classificação se revelaram limitados. Uma proporção significativa de pacientes não se enqua-drava neles e passou a ser rotulada como portadora de artrite indiferenciada (AI). A última edição de 2010 da Revista Bra-sileira de Reumatologia (RBR) abordou o tema em seu editorial. “Embora alguns desses pacientes apresentem um curso de doença com remissão espontânea, outros apresentarão um fenótipo de doença pro-gressiva com erosões, exigindo interven-ção precoce”, considerava o editorial, para acrescentar: “Reumatologistas precisam ser capazes de identificar rapidamente os pacientes que apresentarão um curso persistente, progressivo, para garantir o início precoce da terapêutica”. Os novos critérios de classificação da AR, estabe-lecidos em setembro de 2010 pelo ACR e pela Liga Europeia contra o Reumatis-mo (EULAR) para a detecção precoce da doença, contemplam um novo sistema de pontuação, com base em medidas usadas na prática clínica. A doença é classificada como AR de acordo com a pontuação ob-tida pelo paciente em cada um dos quatro diferentes domínios ou condições que a caracterizam, e desde que um total de 6 ou mais pontos (de um valor máximo de 10) seja atingido (veja o quadro à página 24). Pesquisadores da Universidade do

REuMATOLOGIA

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Page 2: Detecção Precoce de AR

PESQUISA MÉDICA | No 18 | Abr/Jun 201124

REuMATOLOGIA

PoPUlAçÃo-Alvo (QUEM DEvE SEr tEStADo?) PACIENTE COM PElO MENOS uMA ARTICulAçãO COM SINOvITE ClíNICA DEFINIDA (EDEMA).* SINOvITE quE NãO SEJA MAIS BEM ExPlICADA POR OuTRA DOENçA

Critério de classificação para Ar (algoritmo baseado em pontuação: soma da pontuação das categorias A-D). Pontuação maior ou igual a 6 é necessária para classificação definitiva de um paciente com Ar

envolvimento articularA

1 grande articulaçãob 0

2-10 grandes articulações 1

1-3 pequenasC articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 2

4-10 pequenas articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 3

>10 articulaçõesD (pelo menos uma pequena articulação) 5

sorologiaE (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação)

FR negativo e AAPC negativo 0

FR positivo em título baixo ou AAPC positivo em título baixo 2

FR positivo em título alto ou AAPC positivo em título alto 3

Provas de fase agudaf (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação)

PCR normal e vHS normal 0

PCR anormal ou vHS anormal 1

Duração dos sintomasG

< 6 semanas 0

≥ 6 semanas 1

* Os diagnósticos diferenciais são diferentes em pacientes com diferentes apresentações, mas podem incluir condições tais como lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriática e gota. Se houver dúvidas quanto aos diagnósticos diferenciais relevantes um reumatologista deve ser consultado.A O envolvimento articular se refere a qualquer articulação edemaciada ou dolorosa ao exame físico e pode ser confirmado por evidências de sinovite detectada por um método de imagem. As articulações interfalangeanas distais (IFDs), primeira carpometacarpiana (CMTC) e primeira metatarsofalangeana (MTF) são excluídas da avaliação. As diferentes categorias de acometimento articular são definidas de acordo com a lo-calização e o número de articulações envolvidas (padrão ou distribuição do acomentimento articular). A pontuação ou colocação na categoria mais alta possível é baseada no padrão de envolvimento articular. B São consideradas grandes articulações: ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos. C São consideradas pequenas articulações: punhos, MTCF, IFP, interfalangeana do primeiro quirodáctilo e articulações MTF. D Nesta categoria, pelo menos uma das articulações envolvidas deve ser uma pequena articulação; as outras articulações podem incluir qual-quer combinação de grandes e pequenas articulações, bem como outras não especificamente mencionadas em outros lugares (por exemplo, temperomandibular, acromioclavicular e esternoclavicular). E Negativo refere-se a valores (unidade Internacional-uI) menores ou iguais ao limite superior normal (lSN) para o método e laboratório. Título positivo baixo corresponde aos valores (uI) maiores que o lSN, mas menores ou iguais a três vezes o lSN para o método e laboratório. Título positivo alto: valores maiores que 3 vezes o lSN para o método e laboratório. quando o FR só estiver disponível como positivo ou negativo, um resultado positivo deve ser marcado como “positivo em título baixo”. F Normal / anormal é determinado por padrões laboratoriais locais (Outras causas de elevação das provas de fase aguda devem ser excluídas). G Duração dos sintomas se refere ao relato do paciente quanto a duração dos sintomas ou sinais de sinovite (por exemplo, dor, inchaço) nas articulações que estão clinicamente envolvidas no momento da avaliação, independentemente do status do tratamento.

FR = fator reumatoide; AAPC = anticorpos antiproteína/peptídeo citrulinados; lSN = limite superior do normal; vHS = velocidade de hemos-sedimentação; PCR = proteína C reativa.

Colorado aplicaram os novos critérios de classifi-cação de AR do ACR/EULAR 2010 para identifi-cação de pessoas com AR antes mesmo do diagnós-tico clínico. Os resultados foram apresentados em Atlanta na última reunião científica anual do ACR, em novembro de 2010.

Os critérios de classificação são os procedimen-tos padrão aceitos por pesquisadores para estudar e definir uma doença. Eles permitem classificar os portadores de uma doença ou distúrbio e padroni-zar o recrutamento em estudos clínicos e outras pesquisas. Não são aplicáveis, como tal, na práti-ca clínica, mas, com base em pesquisas adicionais, podem ser modificados e adaptados para esse uso. Na prática clínica, os pacientes que se enquadram

nos critérios de classificação devem ter confirmada a presença de edema de articulações, indicando si-novite, em ao menos uma articulação. E não deve haver outra possibilidade diagnóstica, como lúpus ou gota, que explique melhor os sintomas.

A equipe de pesquisadores aplicou o critério a participantes não diagnosticados com alto risco de AR com base em fatores familiares e genéticos. Os estudos incluíam um grupo de 1.790 participantes avaliados para diversos parâmetros – entre eles, sintomas, exame de articulações e estimativa de biomarcadores –, de modo a determinar a relação entre esses fatores, os novos critérios da AR e o curso da doença em longo prazo. Vinte e um pa-cientes, previamente não diagnosticados com “AR definitiva”, dos quais 17 mulheres com idade mé-dia de cerca de 50 anos, tinham AR. Seis (28,6%) dos 21 foram positivos para o fator reumatoide, um (4,8%) foi positivo para anticorpo antipeptídeo ci-trulinado cíclico e 11 (52,4%) apresentaram altos níveis de proteína C reativa. Esse grupo apresen-tou, em média, três articulações edemaciadas e 11 articulações doloridas.

Esses resultados podem indicar uma fase mais precoce do desenvolvimento da AR em relação à observada em pessoas que buscam atendimento médico. Entretanto, o estudo continuará seu segui-mento, com o objetivo de checar achados persisten-tes e consistentes com a doença. Como é pioneiro, há grande expectativa em torno de seus resultados, afinal, os novos critérios podem se tornar uma ex-celente ferramenta de pesquisa para identificar in-divíduos em alto risco de progresso da AR. A iden-tificação desses indivíduos no ambiente de pesquisa pode permitir aos pesquisadores estudar uma fase mais precoce do que a encontrada na prática clíni-ca, o que terá relevância clínica e terapêutica.

FontesKolfenbach, Derber JR, Deane L, et al. Application of

the new ACR/EULAR classification criteria for rheumatoid arthritis to at-risk populations may iden-tify RA prior to clinical presentation. ACR 2010 (ab-stract 658).

Critério de classificação da artrite reumatoide ACR-EULAR 2010. Rev Bras Reumatol. [periódico na Internet]. 2010 Out [citado 2011 Jan 30];50(5):481-3. Disponí-vel em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042010000500001&lng=pt. Acesso em: 20 Fev. 2011.

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