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Cadernos de Letras da UFF – PIBIC – GLC, n os 30-31, 2004-2005 49 DESVELANDO OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS NO TEXTO PUBLICITÁRIO Ilana da Silva Rebello Orientadora: Rosane Santos Mauro Monnerat RESUMO Este texto examina, sob o enfoque da Semiolingüística de Patrick Charaudeau, a criatividade de processos de formação de palavras no texto publicitário como mecanismos de persuasão, sedução e incitação do consumidor. Palavras-chave: Semiolingüística, discurso publicitário, proces- so de formação de palavras, persuasão, sedução, incitação. Introdução 1 D entre muitos mecanismos utilizados pelo discurso publicitário para pro- duzir um texto criativo, sedutor e persuasivo, os processos de forma- ção de palavras têm-se constituído como recurso para realçar as carac- terísticas de um determinado produto, ou as vantagens que a sua compra ofere- ce. A todo momento, criamos novas palavras. É através das palavras que cons- tituímos enunciados. As múltiplas atividades dos falantes no comércio da vida em sociedade favorecem a criação de palavras para atender às necessidades cultu- rais, científicas e da comunicação de um modo geral. E, nesse processo, os sujei- tos devem-se constituir como cúmplices. Através da linguagem, somos capazes de influenciar o comportamento das pessoas. Cabe a nós, leitores, mergulhar- mos nas entrelinhas do texto publicitário, a fim de não aceitá-lo como verdade absoluta e sermos capazes de construir a nossa própria identidade, independente da forte influência da propaganda em nossa vida.

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Cadernos de Letras da UFF – PIBIC – GLC, nos 30-31, 2004-2005 49

DESVELANDO OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DEPALAVRAS NO TEXTO PUBLICITÁRIO

Ilana da Silva RebelloOrientadora: Rosane Santos Mauro Monnerat

RESUMO

Este texto examina, sob o enfoque da Semiolingüística de Patrick

Charaudeau, a criatividade de processos de formação de palavras

no texto publicitário como mecanismos de persuasão, sedução e

incitação do consumidor.

Palavras-chave: Semiolingüística, discurso publicitário, proces-

so de formação de palavras, persuasão, sedução, incitação.

Introdução1

Dentre muitos mecanismos utilizados pelo discurso publicitário para pro-

duzir um texto criativo, sedutor e persuasivo, os processos de forma-

ção de palavras têm-se constituído como recurso para realçar as carac-

terísticas de um determinado produto, ou as vantagens que a sua compra ofere-

ce.

A todo momento, criamos novas palavras. É através das palavras que cons-tituímos enunciados. As múltiplas atividades dos falantes no comércio da vidaem sociedade favorecem a criação de palavras para atender às necessidades cultu-rais, científicas e da comunicação de um modo geral. E, nesse processo, os sujei-tos devem-se constituir como cúmplices. Através da linguagem, somos capazesde influenciar o comportamento das pessoas. Cabe a nós, leitores, mergulhar-mos nas entrelinhas do texto publicitário, a fim de não aceitá-lo como verdadeabsoluta e sermos capazes de construir a nossa própria identidade, independenteda forte influência da propaganda em nossa vida.

50 Rebelo, Ilana da Silva. Desvelando os processos de formação de palavras no texto publicitário

Este trabalho, baseado em textos publicitários extraídos da mídia impres-sa, analisa, dentre os mecanismos lingüístico-discursivos de intensificação, osprocessos de formação de palavras, com apoio nos pressupostos teóricos daSemiolingüística de Patrick Charaudeau (2001, 1999, 1996, 1995, 1992) e emestudos sobre formação de palavras, segundo a perspectiva de vários autores,partindo-se da Tradição, até chegar a estudos mais recentes.

O corpus da pesquisa é constituído de 110 textos publicitários extraídos damídia impressa (revistas, jornais, folders), selecionados a partir do ano de 1998.Porém, a maior parte dos textos foi recolhida no ano de 2002.

Para análise, são considerados apenas os títulos dos textos, perfazendo umtotal de 134 palavras diferentes, construídas por meio de algum processo deformação de palavras. O corpus do trabalho constitui-se de 174 ocorrências.

A Análise Semiolingüística de Charaudeau, base para esta pesquisa, estabe-lece um modelo de descrição do funcionamento da comunicação numa proble-mática psico-sócio-linguageira. Charaudeau (1995) concebe o ato de linguagemcomo resultado de uma encenação (“mise en scene”) discursiva, realizada por qua-tro protagonistas ou sujeitos.

Assim, dois protagonistas que fazem parte do ato de linguagem sãosituacionais, ou seja, externos e os outros dois são discursivos, internos. Os sujeitos “ex-

ternos” são o EUc (eu-comunicante) e o TUi (tu-interpretante) e os sujeitos “internos”, oEUe (eu-enunciador) e o TUd (tu-destinatário).

No circuito externo, os seres são de ação, instituídos pela produção (EUc) epela interpretação (TUi) e guiados pelo FAZER da situação psicossocial. Já no cir-cuito interno, estão os seres da fala, instituídos pelo DIZER (EUe e TUd).

Além disso, a teoria de Charaudeau focaliza a importância do ato daenunciação em si, aliado aos conceitos de subjetividade no discurso, à teoria dosatos de fala, e aos princípios da Pragmática, ou seja, uma Análise do Discursomais preocupada com o fenômeno das interações, a qual busca descrever umaproblemática psicossemiolingüística da comunicação humana.

Nesse sentido, o sujeito responsável pela produção (em nosso caso, o pu-blicitário), afetado por um certo status psicossocial, tem um “projeto de fala” e seengaja numa interação com um outro protagonista, que se institui como o Sujeito

Cadernos de Letras da UFF – PIBIC – GLC, nos 30-31, 2004-2005 51

interpretante (leitor), também portador de um certo status social, que endossa arelação de troca que lhe é proposta. Entretanto, como são seres de fala, a essesdois sujeitos associam-se o Sujeito comunicante (apresentador – representado, geral-mente, por um figurante, um objeto, um animal ou por outra imagem qual-quer) e o Sujeito destinatário (público em geral).

Nesse cenário, constrói-se o contrato de comunicação, responsável pela organi-zação da matéria lingüística, nos vários modos de organização discursiva – enunciativo,

narrativo, descritivo e argumentativo. Esse contrato de comunicação pressupõe a obediência aum princípio básico: o direito à palavra, que um parceiro deve conceder aooutro para que se processe o jogo comunicativo.

O jogo comunicativo decorre do reconhecimento da capacidade do SA-BER, do PODER e do SABER FAZER do Sujeito comunicante, responsávelpela legitimidade e credibilidade de suas ações. Para completar o quadro enunciativo,exige-se um saber comum partilhado, que pode ser de origem lingüística, experiencialou interdiscursiva.

Os participantes do ato discursivo inserem-se, dessa forma, em um proces-so de troca e de persuasão. Para ser aceito, o Sujeito comunicante precisa reforçar averacidade daquilo que diz, já que não se traduz diretamente uma idéia, masuma configuração discursiva dela. E para produzir um texto criativo, sedutor, opublicitário (Sujeito comunicante) precisa jogar com as palavras, utilizando diferen-tes recursos, dentre os quais estão os processos de formação de palavras, estuda-dos neste trabalho.

O Sujeito comunicante constrói, assim, sua mensagem através de “estratégias”discursivas. Dessa forma, além de uma competência lingüística, o Sujeito interpretante

deve possuir uma competência semântico-discursiva que lhe permita depreendero sentido que emana de fatores lingüísticos e extralingüísticos. Isso significadizer que o Sujeito interpretante precisa penetrar nas entrelinhas do texto publicitá-rio, a fim de desvelar a ideologia que está sendo posta como verdade absoluta.

Dessa forma, a metodologia utilizada nesta pesquisa aborda os processosde formação de palavras como um dos mecanismos lingüístico-discursivos deintensificação do texto publicitário, levando em consideração as três problemá-ticas de estudo em Análise do Discurso apontadas por Charaudeau (1999): acognitiva, a comunicativa e a representacional.

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A primeira problemática, a cognitiva, tem como objeto mecanismos e cate-gorias discursivas; o sujeito é cognitivo e operador de articulações discursivas.Na segunda problemática, a comunicativa, o objeto é elaborado a partir de situa-ções de comunicação e o sujeito é definido por sua dupla identidade: psicológi-co-social e discursiva, encontrando-se em uma relação de intersubjetividade como outro da linguagem e desempenhando diversos papéis, de acordo com a suaposição de produtor ou de receptor do ato de linguagem. Já a terceira problemá-tica, a representacional, tem por objeto de estudo representações sócio-discursivas;o sujeito pode ser ativo, situando-se no centro das práticas discursiva ou passivo,quando é apenas espectador dessas representações discursivas.

Assim, neste estudo, os processos de formação de palavras são descritoscomo uma categoria lingüística e os sujeitos produtores são ligados pelo contrato

de comunicação, levando em conta não apenas o produto da enunciação, mas asituação psicossocial, determinante de um certo ato de linguagem e não umoutro proferido naquele justo momento. Tudo o que é significado no mundo éfeito pela intermediação da língua e o sujeito falante não é estritamente lingüístico;é sempre considerado como responsável e organizador dos enunciados, alémdisso, a ele é reconhecida a possibilidade de ter um “projeto de fala” e, então, depoder utilizar estratégias, isto é, de poder jogar com as relações enunciado /enunciação e explícito / implícito.

Cadernos de Letras da UFF – PIBIC – GLC, nos 30-31, 2004-2005 53

Nesse sentido, além dos processos mais comuns - a derivação e a composi-ção, estudamos também, outros processos, como, por exemplo, a acronímia, abraquissemia, as palavras-valise ou portmanteau etc..

Resultados

63%

23%

14%

Derivação: 123

Composição: 46

Outros processos: 28

� Predominância no texto publicitário da derivação (63 %). A composiçãoaparece em (23 %) e os outros processos em (14 %) das ocorrências.

� Dentre os tipos de derivação, a sufixal é a mais utilizada (61 %), seguida

pela prefixal e sufixal (24 %). A derivação prefixal aparece apenas em(12 %), a regressiva em (2 %) e a parassintética em (1 %) das ocorrências.

61%12%

24%

1%

2%

Sufixal: 74

Prefixal: 15

Prefixal e sufixal: 30

Parassintética: 1

Regressiva: 3

37%

24%

12%

10%

7%

5%

3%

2%

-dor / -al: 2

-(d)ésima / - íssimo / -ano / -

-eza / -aço / - -ança / -dade /

-ão / -vel: 21

-inho: 14

-oso / -do: 7

-mento: 6

-mente: 4

-ico / eira: 3

-(d)ona / - tório / -agem: 1

54 Rebelo, Ilana da Silva. Desvelando os processos de formação de palavras no texto publicitário

� Entre os sufixos nominais, mais utilizados, destacam-se os de aumentativos

(37 %) e de diminutivos (24 %) – com valor mais afetivo do que lógico.

� Tendência do texto publicitário de superlativizar através de prefixos:super, hiper, mega etc, a fim de realçar as características de um determinadoproduto ou as vantagens que ele oferece.

� Dentre os prefixos no grau superlativo, o prefixo “super” é o maisutilizado (23%).

� Predominância dos prefixos im-, in- e i- (41 %), indicando sentidocontrário, ou seja, as qualidades de um produto são colocadas para o

super-: 10

mega-: 4

des-: 3

semi-: 2

en-: 1

anti-: 1

multi-: 1

extra-: 1

hiper-: 1

max-: 1

ultra-: 1

-im- / in- / i-: 18

inter-: 1

2%2%

41%

23%

9%

7%

4%

2%

2% 2% 2% 2% 2%

leitor de forma incontestável. Um determinado produto é incomparável,irresistível, incrível etc.

91%

9%

Justaposição: 21

Aglutinação:

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� A composição por justaposição é mais utilizada (91 %) que acomposição por aglutinação (9 %).

� Em relação aos outros processos de formação de palavras, a utilização

4%

29%

7%35%

21%4%

Estrangeirismo: 10

Braquissemia: 6

Hibridismo: 1

Sigla: 8

Onomatopéia: 2

Combinação: 1

de estrangeirismos é mais recorrente (35 %), seguido da sigla (29 %) eda braquissemia (21 %).

Exemplos:

(1) “Vai levar a garantidona, a garantidaça ou a garantidésima?

Linha de TVs Lumina. O máximo em tecnologia, o mínimo em consumo de energia.”

Nessa propaganda (1), publicada na Revista Veja do dia 01/08/2002, opublicitário afirma que os aparelhos de televisão da SEMP TOSHIBA oferecemo máximo em tecnologia, com o mínimo de consumo de energia.

O anunciante parte do pressuposto de que o leitor lembra da crise no setorde energia elétrica ocorrida em alguns estados brasileiros, obrigando as pessoas aeconomizarem. É o conhecimento enciclopédico (background knowledge) e conhe-cimento ativado (foreground knowledge). (KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p. 62) Como contrato de comunicação, dá-se credibilidade ao conhecimento de mundo do leitor.

Assim, nesse período de crise, para atrair o comprador, uma das caracterís-ticas positivas do produto deveria ser a de pouco consumo de energia elétrica.

O publicitário utiliza três vezes a o radical “garanti-” com sufixosaumentativos. O aumentativo é sempre utilizado no texto publicitário para tornarum evento mais sedutor aos olhos do leitor.

De acordo com Martins (2000), o aumentativo, mais freqüentemente, temvalor pejorativo, acrescentando ou reforçando um sentido de depreciação, por-que aquilo que é de tamanho excessivo é geralmente visto como feio, ridículo,

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grotesco, desagradável. Mas como a linguagem afetiva foge a toda lógica, o mes-mo sufixo aumentativo pode ser também valorizador, salientando a solidez, aforça, o valor, a conveniência, um atributo admirável, como na propaganda emanálise.

Além do processo de derivação sufixal, também é utilizada a composição por justa-

posição (tecnologia: tecno + logia - radicais gregos) e a braquissemia (abreviação): TVs.O ritmo acelerado da vida intensa de nossos dias obriga-nos, necessariamente, auma elocução mais rápida. Economizar tempo e palavras é uma tendência geraldo mundo de hoje. De forma inconsciente, as pessoas utilizam, a todo momen-to, a braquissemia.

(2) “Tudo nele é levinho, inclusive as prestações.”

Na propaganda (2) da Itautec, retirada da Revista Veja do dia 13/03/2002, opublicitário utiliza a derivação sufixal com o sufixo diminutivo -inho, em levinho. Oadjetivo no grau diminutivo é empregado não só em relação ao produto – notebook,como também em relação às prestações. Normalmente, no texto publicitário, odiminutivo é empregado com referência ao preço do produto.

(3) “Ele não é uma gracinha ? A gente está falando do urso.”

Na propaganda (3), retirada do Jornal O Globo do dia 31/03/2002, refe-rente ao Animal Planet – um canal da BBC e Discovery Networks, aparece um rapazdeitado perto de um urso em um gramado. Pergunta-se: “Ele não é uma gracinha?”A princípio, o leitor pensa que a pergunta refere-se ao rapaz, porém, essa expec-tativa é quebrada com a explicação dada logo em seguida. É importante obser-var que, enquanto na propaganda (2) o diminutivo “levinho” é empregado a fimde realçar as vantagens que a aquisição do produto oferece, na (3), o diminutivo“gracinha” sugere afetividade.

O prefixo “super” é muito utilizado no corpus do trabalho, confirmando atendência do texto publicitário em utilizar, segundo Martins (Ibidem), o superla-tivo prefixal, a fim de realçar as características de um determinado produto, ouas vantagens que ele oferece, como podemos perceber no texto (4):

(4) “Super ofertas de móveis e decoração. E a qualidade que Niterói já conhece.

Não adianta inventar. Móveis é no Rio Décor”

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O texto (4) foi retirado do Jornal do Brasil do dia 27/02/2000 e faz referên-cia à casa de móveis Rio Decor. É interessante observar que, nessa propaganda, opublicitário não oferece muitas opções ao leitor. Por mais que o leitor procuremóveis com qualidade em outros estabelecimentos, não vai encontrar, porque“Móveis é na Rio Decor”.

Além da derivação prefixal, também é utilizada a derivação sufixal em decoração

(decora > decora + ção).

Vale a pena ressaltar, ainda, no nome Rio Décor, a utilização da braquissemia,ou seja, a nova palavra é formada pela supressão de alguma parte da palavraderivante: a palavra Rio é abreviada de Rio de Janeiro e Décor, de decoração. Trata-se deuma firma instalada no estado do Rio de Janeiro, que trabalha com a decoraçãointerna de casas, ou seja, cria e faz móveis.

(5) “Chegou o i700 plus. iNTELIGENTE, iNCOMPARÁVEL, iRRESISTÍVEL.”

A propaganda (5) foi retirada do Jornal do Brasil do dia 16/03/2000, sen-do referente a um aparelho de telefone celular da NEXTEL.

É utilizada a derivação sufixal (comparar > comparável; resistir > resistível)e prefixal (in + comparável; i + resistível). Os adjetivos estão em seqüência numagradação, em ritmo ternário das qualificações do produto, não restando ao lei-tor outra escolha: o celular é inteligente, incomparável e irresistível. É interes-sante observar que o celular recebeu o nome de “i700 plus”. Assim, os adjetivossão escritos com letras maiúsculas, porém iniciados com a letra “i” minúsculaigual a do nome “i700 plus” para criar um estranhamento, chamando assim, aatenção do leitor.

Vale ressaltar que “plus” é um prefixo latino, equivalente à mais. Por exem-plo, existe um pão da marca “plus vita” que significa “mais vida”. Porém, nestapropaganda, de forma inusitada, o publicitário utiliza o prefixo na posição desufixo. Podemos pressupor que já existia um “i700”, mas agora chegou o “i700

plus”, que é “mais” em relação ao primeiro.

Um exemplo de composição é a palavra limpa-pátio da propaganda (6):

(6)”Operação limpa-pátio da fábrica”

Essa propaganda foi retirada do Jornal O Globo de 26/05/2002 e se referea uma promoção das concessionárias FIAT Azzurra. É interessante observar a

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criatividade do publicitário, que, ao invés de utilizar palavras mais comuns domeio publicitário, como “queima de estoque”, “queima total” ou “liquidaçãototal”, cria uma nova expressão: “operação limpa-pátio”. Duas palavras simples –verbo + substantivo: limpa e pátio, estabelecendo uma relação sintática – foramcombinadas, formando uma palavra composta por justaposição. Trata-se de umapalavra composta não muito usada, causando, assim, um certo estranhamento.

A propaganda (7), retirada também do Jornal O Globo de 26/05/2002,utiliza a acrossemia. Na verdade, trata-se de um tipo específico de aglutinação. Onome da concessionária FIAT é construído por meio da combinação de brilho +auto.

(7) “Ofertas assim só na Brilhauto.”

Segundo Monteiro (2002), a sigla pode ser considerada, também, um casode acrossemia (combinação de sílabas ou fonemas extraídos dos elementos de umnome composto ou de uma expressão) quando a seqüência de fonemas se orga-niza em padrões silábicos próprios da articulação das palavras portuguesas como,por exemplo, ocorre em Embratel. A acrossemia também pode ser chamada deacronímia.

(8) “Vapt Vupt. Fila, só para elogios.”

A propaganda (8) foi retirada da Revista Veja, do dia 29/05/2002, sendoreferente ao Governo de Goiás, que criou um Serviço Integrado de Atendimento aoCidadão. Nessa propaganda, utiliza-se a onomatopéia: vapt vupt.

Quando pensamos em serviços públicos, logo vêm à nossa cabeçamuitas pessoas, filas, tempo perdido, reclamações etc., mas oGoverno de Goiás está oferecendo rapidez e facilidade às pessoas.De acordo com a propaganda, o Vapt Vupt – nome do serviço – sónão consegue acabar com uma coisa: a fila de elogios. Assim, afrase “fila, só para elogios” pode, a princípio, causar estranhamento,porque geralmente como o atendimento público costuma serdemorado, as pessoas reclamam durante todo o tempo em que ficamna fila, aguardando para serem atendidas.

Conclusões

� Na propaganda, como o publicitário sabe que não estará face-a-facecom o destinatário e tampouco poderá forçá-lo à compra, deve procurar

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conquistá-lo mediante a fabricação de uma imagem de sujeito-destinatário suficientemente sedutora e persuasiva de modo que ointerlocutor possa identificar-se com ela.

� O discurso publicitário é um discurso criativo, que vive num desafioconstante de inovação. E, para isso, é preciso jogar com a significaçãodas palavras. É centrado no fazer-fazer (levar o outro à compra).

� O discurso publicitário utiliza não só a informação, como também e,

principalmente, a persuasão, a sedução e a incitação, brincando com aspalavras a fim de tirar o consumidor da indiferença e fazê-lo adquirirum determinado produto.

� A mídia influencia tanto as pessoas, que se configura como uminstrumento de regras, de padrões sociais e de integração.

� Apesar de a publicidade incorporar os desejos subconscientes dosindivíduos por um mundo melhor, não constitui um meio deemancipação de condições de vida pouco satisfatórias e alienantes, jáque reflete o padrão social da classe dominante.

� As criações penetram na língua por diversos caminhos. O primeirodeles é mediante a utilização dos elementos (palavras, prefixos, sufixos)já existentes no idioma, quer no significado usual, quer por mudançado significado, o que já é um modo de revitalizar o léxico da língua.Outra fonte de renovação lexical são os empréstimos, palavras, prefixose preposições tomados ou traduzidos de outra comunidade lingüísticadentro da mesma língua histórica (regionalismos, nomenclaturas egírias), ou de outras línguas estrangeiras – inclusive grego e latim. Essesempréstimos são incorporados ao léxico da língua comum.

� ü Dentre todos os processos de renovação do léxico, as gramáticastradicionais dão maior atenção à composição e à derivação, tendo emvista a regularidade e sistematicidade com que operam na criação denovas palavras.

� O discurso publicitário utiliza mais a derivação.

60 Rebelo, Ilana da Silva. Desvelando os processos de formação de palavras no texto publicitário

� Entre os sufixos nominais, mais utilizados, destacam-se os de aumentativos

e de diminutivos – com valor mais afetivo do que lógico.

� Tendência do texto publicitário de superlativizar através de prefixos:super, hiper, mega etc, a fim de realçar as características de um determinadoproduto ou as vantagens que ele oferece.

Dessa forma, um projeto de fala não é uma pura construção abstrata, semintencionalidade. A finalidade última de todo ato de comunicação não é sim-plesmente informar, mas é persuadir o outro a aceitar o que está sendo comuni-cado. Por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação como propósito de fazer o enunciatário (leitor) crer naquilo que se transmite.

A ideologia utilizada pelo discurso publicitário é a do capitalismo, do con-sumo. Esta ideologia induz as pessoas à euforia, à felicidade pelo consumo. Deacordo com Monnerat (1998), as pessoas são atraídas pela publicidade que lhesinteressa, de acordo com a idéia que fazem do mundo que as cerca. Isto inclui ainfluência de sua educação, seu nível de instrução, a maior ou menor sutileza deespírito, o meio social em que vivem etc. No entanto, não se pode generalizaressa afirmação, dizendo que o leitor só se detém na publicidade que lhe interes-sa. Levando-se em consideração que o leitor é um consumidor em potencial, apublicidade inteligente conseguirá atrair a atenção de quem, em princípio, nãoestaria interessado no produto, ou serviço que lhe é apresentado.

Enfim, ler um texto publicitário é não somente desvelar a ideologia trans-mitida, mas também perceber as combinações feitas com as palavras, a fim detirar o leitor da indiferença. A linguagem publicitária é, portanto, uma lingua-gem de cumplicidade com o leitor.

Nota

1 “Desvelando os processos de formação de palavras no texto publicitário”2 faz parte de um projeto mais amplo,

intitulado”Mecanismos lingüístico-discursivos de intensificação na construção de sentido do discurso publicitário” de-

senvolvido pela Professora Dr.ª Rosane Monnerat, do Departamento de Letras Clássicas e

Vernáculas da Universidade Federal Fluminense, minha orientadora na Bolsa de Iniciação Cientí-

fica patrocinada pelo UNIBANCO em 2002.

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