deslocamentos para goiÁs na memÓria de … · 2017-12-15 · nos três primeiros períodos do...
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BHCurso de Geografia e Análise Ambiental
Vagner Luciano de Andrade
DESLOCAMENTOS PARA GOIÁS NA MEMÓRIA DE MORADORES RURAIS DO ENTORNO DA SERRA DA TAPERA, MINAS GERAIS
Belo Horizonte2007
Vagner Luciano de Andrade
DESLOCAMENTOS PARA GOIÁS NA MEMÓRIA DE MORADORES RURAIS DO ENTORNO DA SERRA DA TAPERA, MINAS GERAIS
Trabalho de Conclusão de Curso, orientado pela Professora MsC Virgínia de Lima Palhares, apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel-Licenciado em Geografia e Análise Ambiental.
Belo HorizonteDepartamento de Ciências Biológicas, Ambientais e da Saúde – DCBAS
2007
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"Voltar no tempo é uma viagem que somente a
imaginação é capaz de realizar, quando
alimentada com indícios do que havia." CRUZ
(2004:40)
“As pessoas são fontes preciosas, com suas
memórias e vida (Sônia London)”.
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DEDICATÓRIAS
À minha amada mãe, Nirza Coelho de Andrade, à minha querida irmã, Adriana
de Lima Andrade, à minha pequena sobrinha, meu raio de sol, Tamara Cristina
Peixoto, por vocês serem a razão do meu viver. Aos meus grandes amigos Ana
Paula dos Santos e Sérgio Soares de Resende, pelos constantes exemplos de
simplicidade e humildade. A Viviana Andrade por acreditar imensamente em
seu futuro promissor.
Aos amigos Fátima Heringer Rocha, Luciana Andrade Peixoto, Márcia Cristina
dos Santos, Marciana Aparecida do Nascimento e Tamara Angélica Félix Lana
pela amizade, cumplicidade e incentivo.
À Ana Lúcia da Silva, à Marcela Vitória Andrade Silva, Selma Morais Hemétrio,
à Rosely Estela Vieira Costa, à Valdete Geralda de Oliveira, à por serem
extremamente especiais em minha vida.
A todos aqueles que contribuíram para o sucesso deste trabalho, com suas
histórias pessoais, com suas lembranças, sejam de terras goianas, sejam da
partida dos parentes que para lá foram, em especial ao Sr. Ari Ferreira das
Chagas
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AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos:
À Aída Emília Eulálio de Souza Lima, Elania Pinheiro de Matos, Lígia Nassif
Ziviani, Maria Celeste do Nascimento e Olga Bhering Sanches pelo grande
aprendizado profissional.
Aos professores Délcia Silva Magalhães, Elizabeth Maria Pinto de Lima, Maria
Vicentina Moreira, Regina Célia Zanini, Sandra Maria Rodrigues do
Nascimento, Silvana Aparecida dos Santos, Sônia do Carmo Evangelista e
Willian Eustáquio Stofela;
Aos professores universitários Ademilson de Souza Soares, Ângela da Silva
Gomes, Márcia Rodrigues Marques, Jorge Batista de Souza, Marli Sales e
Maria Lúcia Yoshiko Wakisaka. Às colegas da FAMINAS-BH: Ana Cláudia,
Luciane, Márcia, Michele, Meire e Rosimeire agradeço pelo prazer do convívio
nos três primeiros períodos do curso de Geografia, em especial à Claudia
Aparecida de Souza Domingos, Helena Célia de Paiva Andrade, Maria Eunice
Natalino e Valéria Coelho de Deus.
Às nobres colegas Bruna Murta Lemos, Chirley Cristina do Nascimento,
Deliane das Graças de Araújo, Ediane Marques, Fátima Caladrini, Ítala Assis
Rezende de Abreu, Lady Tatiane de Lima Andrade, Renata Jales dos Santos,
Tânia Batista Teodoro e Viviane Cristina Parreiras. E, por último agradeço a
Higor Canaan Azzi, a José Sebastião Moreira, à Profª Virginia de Lima
Palhares e aos Correios, na pessoa da Heloísa pela força e incentivo.
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SUMÁRIO
RESUMO...........................................................................................................08
PALAVRAS CHAVE...........................................................................................08
INTRODUÇÃO...................................................................................................09
1 – DESLOCAMENTOS DE MIGRANTES MINEIROS PARA O ESTADO DE
GOIÁS: marcos históricos..................................................................................14
1.1 – Processo Histórico de Formação de Goiás...............................................21
1.1.1 – Ascensão e decadência da mineração aurífera.....................................22
1.1.2 – Isolamento, estagnação e consolidação da pecuária............................25
1.1.3 – O advento das ferrovias e a Marcha para o Oeste................................29
1.1.4 – A construção de Goiânia, Brasília e da BR 153.....................................33
2 – ESTUDO DE CASO: Serra da Tapera, divisa intermunicipal dos municípios
de Desterro de Entre Rios e Piracema, Minas Gerais.......................................39
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2.1 – Caracterização Natural de Desterro de Entre Rios – MG.........................41
2.1.1 – Aspectos Naturais..................................................................................43
2.2 – Contextualização Social de Desterro de Entre Rios – MG.......................45
2.2.1 – Aspectos Sociais....................................................................................45
2.2.1 – Aspectos Culturais.................................................................................48
3. – ESPAÇO, TEMPO E MEMÓRIA: os deslocamentos de famílias do entorno
da serra da Tapera para o estado de Goiás......................................................51
3.1 - Partindo do entorno da Serra da Tapera para o estado de Goiás.............53
3.2 – Casos de fixação de desterrenses em algumas regiões goianas.............55
3.2.1 – Região Leste de Goiás..........................................................................61
3.2.2 – Região Central de Goiás........................................................................62
3.2.3 – Região norte de Goiás...........................................................................63
3.3 – Outros Deslocamentos populacionais......................................................63
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................70
ANEXO I – Resposta dos Correios à demanda solicitada.................................71
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RESUMO
Os deslocamentos de migrantes mineiros para o Centro Oeste brasileiro,
ocorridos no advento da Marcha para o Oeste (1930-1945), são uma realidade
no contexto histórico-geográfico de Desterro de Entre Rios, Minas Gerais, e
estão presentes na oralidade local, principalmente na zona rural. A região de
Desterro apresentou índices expressivos de êxodo rural principalmente nas
décadas de 1950 para o estado de Goiás, e a partir da década de 1970 para a
cidade de São Paulo. O município sempre foi marcado por degradações
ambientais decorrentes de atividades agropecuárias, sendo o mais comum o
desmatamento de remanescentes florestais para plantio de pastagens e para o
cultivo de alimentos. Com o passar do tempo, as terras foram dando sinais
evidentes de exaustão. Segundo relatos locais, as famílias eram numerosas
em termos de filhos e o uso de métodos tradicionais associados ao contínuo
uso das pequenas extensões de terras agricultáveis, levou a uma série de
dificuldades técnicas e financeiras. O processo de emigração em Desterro tem
inicio a partir da década de 1950, quando inúmeras famílias se dirigiram para o
estado de Goiás na expectativa de encontrarem terras férteis, objetivando
elevar a produção agrícola, obtendo com isso lucros e melhoria da qualidade
de vida. Com a promessa de facilidades em terras goianas, onde eles poderiam
plantar no regime de parceria com os proprietários de terras, muitas famílias se
mudaram para Goiás, sendo que muitas permaneceram por lá e outras com o
insucesso da empreitada, acabaram por retornarem à terra natal. Os principais
municípios goianos que receberam desterrenses foram Abadiânia, Anápolis,
Corumbá de Goiás, Itapaci, Itapuranga, Petrolina de Goiás, Pirenópolis,
Porangatú, São Francisco de Goiás e Uruana.
PALAVRAS CHAVE
Deslocamentos Populacionais – Dinâmicas Rurais Brasileiras – Fatores de
Expulsão do Campo – Memória – Oralidade
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INTRODUÇÃO
O fato das pessoas se deslocarem obrigatoriamente para outras áreas pode
ser indiretamente correlacionado com a palavra “desterro”, cujo significado
etimológico apresenta uma idéia relacionada aos processos de saída da terra
natal, como exílio, banimento, degredo, emigração e expulsão, dentre outros.
Esta palavra baseia-se numa história cristã referente ao episódio ocorrido logo
após o nascimento de Cristo, quando Herodes temendo perder seus domínios
no futuro, intencionou matar Jesus. José, avisado em sonho, transferiu-se com
Maria e o menino para o Egito, a fim de protegé-los, retornando à sua terra
natal somente quando o perigo cessou-se. Sem encontrar o menino, Herodes
ordenou que se matassem todas as crianças menores de dois anos, na região
de entorno do nascimento do bebê. Na atualidade talvez possa-se comparar o
“desterro” aos fenômenos sociais da expulsão do homem do campo e
consecutivos deslocamentos populacionais, quando milhares de pessoas em
todo o país são levadas a deixarem suas terras de origem para viver em terras
estranhas, na maioria dos casos de incertezas, delineando uma idéia de
expulsão e exílio. Atualmente a realidade camponesa no cenário capitalista
mundial vem evidenciando inúmeras transformações sociais, como a intensa
mecanização, a concentração de terras e a intensificação de monoculturas
impondo inúmeras dificuldades ao pequeno produtor rural que expulso do
campo, se dirige para outros lugares, com perspectivas de vida. Além disso, à
falta de orientação ou assistência técnica agrícola, condições rudimentares de
manejo dos recursos naturais como água, florestas e solo, bem como
calamidades e hostilidades ambientais como a seca e a desertificação, quase
sempre ocasionaram significativos deslocamentos populacionais para outros
lugares. As pessoas sempre mudam de lugar em busca de melhor qualidade
de vida. Isso foi o que parece ter acontecido nas regiões do Centro-Oeste
Mineiro e do vale do Alto-médio Paraopeba, onde se localiza Desterro de Entre
Rios, localizado a 161 km da capital mineira. Além de Belo Horizonte e São
Paulo e outras cidades de porte médio da região, Goiás exerceu forte atração
sobre moradores da zona rural deste município, que baseado na fama de terras
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férteis e riqueza fácil partiram de suas localidades de origem rumo ao estado.
Há relatos orais desses deslocamentos para terras goianas em vários outros
municípios dessas regiões como Belo Vale, Bonfim, Cláudio, Crucilândia,
Congonhas, Itaguara, Jeceaba, Moeda, Piedade dos Gerais e Piracema, dentre
outros. Mas por que esta ligação entre realidades tão distintas e
consideravelmente distantes? Quais foram os elementos e agentes que fizeram
de Goiás, um ponto de atração de fluxos migratórios? O que verdadeiramente
motivou a saída de tantos migrantes mineiros?
Como ainda não existem estudos oficializados junto à sociedade desterrense
que analisem como e o porquê dessa ligação entre Desterro de Entre Rios e
Goiás, fez-se necessário desenvolver uma pesquisa que buscasse entender
quais fatores atuaram como atrativos para que as pessoas trocassem de
estado em busca de uma nova vida. Historicamente, na configuração
econômica do território brasileiro, os mais diversos ciclos econômicos ditaram
as regras e levaram milhares de pessoas a se adaptarem às condições
socioeconômicas que iam sendo impostas. Neste termos, o capitalismo acaba
por ditar a ordem social e a estrutura interna da sociedade obrigando os grupos
sociais a se adaptarem aos ditames do sistema vigente. Segundo estudos, a
macrorregião geográfica do Centro-Oeste brasileiro, especificamente o estado
de Goiás, sempre atuou como área de atração de migrantes mineiros e o
acentuado crescimento demográfico iniciado com a expansão da fronteira
agrícola na região intensificou-se mais ainda após a construção da atual capital
goiana, na década de 1930 e da capital federal, Brasília, inaugurada na
década de 1950. Essas transformações fizeram parte do processo de
adequação aos interesses capitalistas urbano-industriais do Sudeste brasileiro,
sendo que outros elementos também contribuíram para tornar o estado um
pólo de atração como a Estrada de Ferro Goyaz, a “Marcha para o Oeste”, a
Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) e a Rodovia Federal BR-153,
construída para ligar Belém à Brasília. Neste sentido, esta pesquisa tem por
principal objetivo analisar e confirmar os deslocamentos populacionais de
Desterro para o estado de Goiás, tão comuns nos relatos da tradição local,
correlacionando este fato com perfil geográfico do respectivo município. Por
outro lado, procurou correlacionar elementos, agentes e conflitos existentes,
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identificando as dinâmicas rurais específicas existentes no município naquela
época e os deslocamentos populacionais decorrentes, buscando-se com isso
examinar a realidade local caracterizando-a e contextualizando-a no cenário
nacional. Vale ressaltar que algumas localidades rurais do município de
Piracema, como Bom Retiro, Geada, Morro Grande, Tapera e adjacências
apresentam uma relação de ligação e identidade com Desterro devido ao fato
de se localizarem próximas, entre 10 e 15 km dessa cidade. Os moradores
destas respectivas localidades se dirigem à sede do município desterrense
para compras, estudos, lazer, casamentos e sepultamentos, evidenciando
laços culturais de proximidade resultantes principalmente da distância superior
a 20 km de Piracema. Neste sentido, estas localidades estarão inseridas na
área de estudo, mesmo não correspondendo diretamente à divisão politico-
administrativa atualmente existente.
O presente trabalho organiza-se em três linhas temáticas: A primeira buscou
analisar marcos históricos que ocasionaram os vários deslocamentos de
migrantes mineiros para o estado de Goiás, destacando-se dentro do processo
histórico de formação de Goiás, elementos que explicar por que o estado atraiu
tanta gente de fora; a segunda buscou compreender através de um estudo de
caso, a área de entorno da Serra da Tapera, divisa intermunicipal dos
municípios de Desterro de Entre Rios e Piracema, Minas Gerais, onde moram
várias pessoas que mantêm algum elo com Goiás, sendo também necessário
uma caracterização natural e contextualização social de Desterro, cidade
referência para os moradores rurais da área em questão, a terceira etapa
direcionou-se a compreensão dos conceitos de espaço, tempo e memória, na
análise dos deslocamentos de famílias do entorno da serra para terras goianas,
sendo definida uma metodologia especifica de análise para o estudo,
objetivando além da coleta de informações a espacialização desse migrantes
nas diversas regiões de Goiás.
Após pesquisa bibliográfica houve uma leitura criteriosa do material
selecionado, objetivando o aprofundamento e reflexão acerca do tema
proposto. A carta topográfica da região (Folha SF.23-X-A-V. um), fotos aéreas
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e imagens de satélite foram consultadas, visando uma correta identificação de
elementos, agentes e conflitos sócio-espaciais existentes. Os procedimentos
metodológicos adotados foram os seguintes: coleta de dados preliminares;
levantamentos de dados junto a instituições em Belo Horizonte e em Desterro
de Entre Rios, pesquisa de dados referentes à Goiás e no caso de falha da
metodologia prevista partir-se-ia para entrevistas com moradores da capital
mineira e de Desterro, principalmente moradores da zona rural, de onde
partiram os deslocamentos mencionados. A monografia tem como principal
eixo científico a consulta ao fluxo de correspondências da cidade de Desterro
de Entre Rios/MG, a partir da base de dados dos Correios, organizada por
décadas (1950-1959, 1960-1969, 1970-1979, 1980-1989, 1990-1999 e 2000-
2006) objetivando-se apurar a ligação entre estas cidades relativamente
distantes e distintas, fruto evidente da ligação familiar entre as pessoas que se
fixaram naquele estado e seus familiares que ainda residem no município. para
obter informações sobre fluxo de correspondências dessa cidade para outras
cidades do estado de Goiás e vice-versa. Mesmo consultando a base de
dados, primordial ao desenvolvimento e a confirmação de hipótese, a
preservação do sigilo quanto à identidade de remetentes e destinatários, será
totalmente respeitada.
Dentro da organização por linhas temáticas, o trabalho se subdividiu em três
etapas de pesquisa, sendo a fase inicial da pesquisa baseada nos referenciais
teóricos acerca dos deslocamentos populacionais de migrantes mineiros para o
estado de Goiás, bem como breve contextualização da realidade rural brasileira
correlacionando-a ao processo de expansão de fronteira agrícola existente no
país. Prosseguindo o detalhamento das diretrizes utilizadas para a pesquisa,
mas duas etapas foram indispensáveis à compreensão geral dos fenômenos e
da realidade estudada: uma etapa direcionada a uma pesquisa sobre a
configuração geográfica atual, bem como dinâmicas rurais existentes naquela
época. Paralelamente no decorrer deste processo, as informações obtidas
foram trabalhadas, sob o respaldo de arcabouço teórico para identificar se a
realidade mineira de deslocamentos ocorrida em Desterro pode ser analisada a
partir dos conceitos de fatores de expulsão do campo e êxodo rural, ou não.
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O presente trabalho iniciou-se tendo como principal base o parentesco do autor
com os moradores residentes na área de estudo, bem como de seu vinculo
com as pessoas e com o lugar em questão. Para se realizar o trabalho, optou-
se por uma análise qualitativa, com ênfase nos aspectos culturais e não
demográficos, embora estes fossem rapidamente analisados e inseridos
resumidamente no estudo. A principal metodologia que norteou sua elaboração
foi à consulta a base de dados da ECT/DR-MG (Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos – Diretoria Regional de Minas Gerais), teve que ser substituída
uma vez que os dados solicitados juntos à instituição não eram organizados de
acordo com a demanda especifica de análise dos fluxos de correspondências
de Desterro para cidades de Goiás e vice-versa. Com esta dificuldade técnica,
justificada, via postal, pelos Correios (Anexo I) definiu-se como estratégia
alternativa para o estudo, a utilização da técnica da oralidade, objetivando a
aplicação de entrevistas semi-estruturadas com sete moradores rurais da zona
de entorno da serra da Tapera, porém novamente houve dificuldades técnicas,
uma vez que o gravador utilizado para gravar as entrevista não funcionou,
comprometendo seriamente a gravação de informações relevante que
fechariam o trabalho.
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1. DESLOCAMENTOS DE MIGRANTES MINEIROS PARA O ESTADO DE GOIÁS: marcos históricos
Segundo a tradição local há uma pequena ligação entre o município mineiro de
Desterro de Entre Rios e algumas localidades do estado de Goiás que justifica-
va a necessidade de se conhecer, analisar e registrar as relações estabeleci-
das entre diferentes e distantes realidades sócio-espaciais. O município de
Desterro, como é popularmente conhecido o alvo de estudo, apresentou segun-
do relatos orais, deslocamentos expressivos de pessoas principalmente a partir
da década de 1950, para a zona rural dos municípios goianos de Abadiânia,
Anápolis, Corumbá de Goiás, Itapaci, Itapuranga, Petrolina de Goiás, Pirenópo-
lis, Porangatú, São Francisco de Goiás e Uruana. A fixação de migrantes mi-
neiros em Goiás é um processo antigo, iniciado com a descoberta de jazidas
auríferas e consolidado com a expansão da pecuária. Recentemente o contex-
to de expansão da fronteira agrícola no Centro Oeste brasileiro ampliou o nú-
mero de migrações para a região. Segundo Silva, Bernardo Elis, escritor natu-
ral de Corumbá de Goiás, publicou um conto sobre a “Nhola dos Anjos”, uma
“matriarca da primeira geração de uma família de camponeses mineiros que
buscavam no território goiano, melhores condições de vida para a sua prole”.
Silva cita uma parte do conto, transcrita parcialmente:
Já tinha pra mais de oitenta anos que os dos Anjos moravam ali na foz do Capivari no Corumbá. O rancho se erguia num morrote a cava-leiro de terrenos baixos paludosos. A casa ficava num triângulo, de que dois lados eram formados por rios, e o terceiro, por uma vargem de buritis. Nos tempos de cheias os habitantes ficavam ilhados, mas a passagem da várzea era rasa e podia-se vadear perfeitamente. No tempo da guerra dos Lopes, ou antes, ainda, o avô de Quelemente veio de Minas e montou ali sua fazenda de gado, pois a formação ge-ográfica construíra um excelente apartador. (SILVA, 2002, p. 65)
É evidente que se desconhece a origem desses mineiros descritos por
Bernardo Elis, uma vez que provavelmente vieram famílias mineiras das mais
diferentes regiões de Minas Gerais. Este conto por sua vez foi responsável por
registrar a presença do forasteiro mineiro e de seus familiares, com sua
expectativa de uma vida mais próspera nos rincões do sertão goiano. No caso
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da realidade municipal desterrense, basicamente de caráter produtivo familiar
de subsistência, a realidade dos pequenos produtores sempre foi marcada por
degradações ambientais decorrentes de atividades agropecuárias, sendo o
mais comum o desmatamento de remanescentes florestais para plantio de
pastagens e para o cultivo de alimentos. Com o passar do tempo, as terras
foram dando sinais de exaustão, resultando no constante declínio da produção
agrícola. Naquela época, as famílias eram numerosas, e o uso de métodos
tradicionais, associados ao contínuo uso das pequenas extensões de terras
agricultáveis, levou a uma série de dificuldades técnicas e financeiras, gerando
a necessidade de readaptação ou deslocamento em busca de melhor
qualidade de vida. O processo de emigração para Goiás neste município
mineiro tem início a partir da década de 1950, quando inúmeras famílias se
dirigiram para este estado, na expectativa de encontrarem terras férteis,
objetivando elevar a produção agrícola, obtendo com isso lucros e melhoria de
vida. Embora, Desterro não esteja localizada em uma região árida, a fala de
Dayrell citada por Silva, caracteriza muito bem esta situação.
A notícia de terras férteis e baratas, ouvida nas áreas áridas, principalmente de Minas Gerais, foi responsável por um afluxo imigratório considerável. E não foi só o trabalhador rural que dirigiu suas vistas e esperanças para a região. Grupos paulistas e cariocas já tinham planos, nos fins dos anos trinta, para subdividir enormes áreas que possuíam e vendê-las, em pequenas fazendolas. (DAYRELL apud SILVA, 2002, p. 72)
Com a promessa de facilidades em terras goianas, onde eles poderiam plantar
no sistema de parceria com os proprietários de terras, algumas famílias se
mudaram, sendo que muitas permaneceram por lá e outras com o insucesso
da empreitada, acabaram por retornarem à terra natal. Posteriormente, a partir
da década de 1960 houve deslocamentos para as cidades de Belo Horizonte e
São Paulo, bem como a exploração mineral na região delineando novas
dinâmicas sociais que contribuíram para a reconfiguração sócio-espacial até
então existente. Esta realidade de deslocamentos ocorrida em Desterro e
entorno parece ter sido uma constante realidade em diversas regiões de Minas
Gerais fazendo com que o estado, segundo estudos de Ribeiro & Garcia (2004)
“estivesse, durante décadas, dentre as regiões que mais cederam população
para as demais Unidades da Federação”.
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De acordo com os autores, embora numa proporção cada vez menor, somam
de acordo com os censos demográficos de 1980, 1991 e 2000, cerca de quatro
milhões de mineiros que, por motivos diversos, residem fora dos seus locais de
nascimento. Como resultado desses movimentos migratórios, os nascidos em
Minas Gerais se espalharam pelo território brasileiro, se fixando principalmente
nos Estados das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. O resultado disso é que
hoje vivem segundo Ribeiro & Garcia (2004) um percentual significativo de
mineiros nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Paraná.
As causas (estruturais) e motivos (individuais) que impulsionam os mineiros de um lugar a outro são os mais diversos e fazem parte de um processo social amplo, no qual atuam fatores de atração e expulsão, que motivam os movimentos migratórios e a permanência – ou não – no local de destino. (RIBEIRO & GARCIA, 2004, p. 02)
Os autores (2004, p. 02) afirmam a partir de vários outros teóricos que a
“distribuição espacial da população é resultado direto das transformações
econômicas”, fato do qual se pode deduzir que contingentes populacionais se
deslocam em busca de oportunidades econômicas e, mesmo que outras
motivações existam, haverá sempre a dependência de um emprego e nível de
renda que os sustentem. Ainda segundo Salim (1992) apud Ribeiro & Garcia
(2004, p. 02) “os fluxos migratórios originam-se do desequilíbrio espacial de
natureza econômica, o qual produz diferenciais de renda e de emprego (...),
entre as áreas de origem e destino”. No cenário sócio-econômico brasileiro,
remodelado principalmente a partir da década de 1930, novas configurações
regionais passaram a ser impressas no contexto nacional, resultantes
principalmente da transição dos modelos econômicos até então vigentes.
Algumas dessas inúmeras mudanças caracterizaram a submissão das
dinâmicas produtivas agrícolas ao processo de industrialização e urbanização,
que passam a se intensificar no país. Estas transformações se encontram
muito bem sintetizadas por Amaral, Rodrigues e Figoli:
Em meados do século XX a economia brasileira começou a tomar uma nova configuração, como decorrência, principalmente, das mudanças implementadas após a Revolução de 1930. A instalação de novas indústrias passou a ser privilegiada, gerando um grande
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desenvolvimento da economia nacional, principalmente no Sudeste. Esse processo foi acompanhado pelo desenvolvimento das atividades agropecuárias no campo, que passaram a ser condicionadas às necessidades do setor industrial. (AMARAL, RODRIGUES E FIGOLI, 2004, p. 01)
Neste sentido, a região do Centro-Oeste brasileiro (CO) constitui um exemplo
de região de fronteira agrícola que atualmente vem se consolidando como área
de moderna produção agroindustrial após a transformação de sua base
produtiva. O Centro-Oeste surge, então, como uma área em que o governo federal tinha planos de ampliação e modernização das atividades agrícolas e pecuárias, bem como de desenvolvimento industrial. Importante ressaltar que, a despeito desta nova orientação, a exportação de produtos agrícolas continuou sendo a atividade mais importante na economia nacional até os anos 60, independente da demanda da atividade industrial. (AMARAL, RODRIGUES E FIGOLI, 2004, p. 01)
De acordo com Vieira Júnior, Vieira & Buainain (s/d), a partir dessas
transformações sócio-econômicas protagonizadas e das readequações
posteriores a ela, o CO transformou-se num pólo de absorção de
deslocamentos populacionais, ocorridos principalmente entre as décadas de
1930 e 1970, sendo Minas Gerais, uma das principais origens desses fluxos
migratórios:A região apresentou intenso crescimento após a década de 70, decorrente das políticas de incentivo à modernização agrícola, principalmente nas áreas de cerrado, quando se estabeleceram empresas agroindustriais, de capitais nacionais e internacionais, conseqüência do fomento e de investimentos estatais em infra-estrutura, responsáveis pela modernização das vias de transporte, da base energética e das telecomunicações. Assim, a expansão econômica foi acompanhada por grandes fluxos migratórios, gerando taxas de crescimento populacional superiores às médias nacionais. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 04)
Neste sentido, primeiramente o complexo geoeconômico formado pelo Sudeste
e o Sul brasileiros exerceu influência sobre mineiros e nordestinos e
posteriormente o Centro-Oeste brasileiro passou a exercer influência neste
cenário. O processo de industrialização da região Sudeste passou a demandar da agricultura uma evolução técnica e produtiva. Com isso, a região Sudeste promoveu uma reestruturação do espaço agrário nacional, reorganizando-o de acordo com os interesses do capitalismo industrial que começava desenvolver-se no país. É nesse contexto que a região Centro-Oeste e, portanto, o estado de Goiás passam a integrar a nova dinâmica capitalista do país, como uma região capaz de contribuir, por meio do fornecimento de bens primários, para a
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consolidação do capital industrial. (BEZERRA E CLEPS JR, 2004, p. 31)
A região Centro-Oeste sempre foi vocacionada para as práticas agrícolas,
principalmente a agricultura mecanizada, devido a séries de condicionantes
ambientais. O relevo da região, de acordo com Vieira Júnior, Vieira & Buainain
(s/d) varia entre plano a ondulado com predomínio de latossolos e podzois com
textura variando entre arenosa a argilosa, porém, o bioma dos cerrados, que
recobre a maior parte da região, apresenta solos com baixa fertilidade natural e
elevados teores de alumínio tóxicos às plantas. Por outro lado, segundo estes
mesmos autores:A região CO apresenta elevado número de horas com radiação solar (insolação) cuja porção fotossintéticamente ativa é superior à 1.000 μmol.cm-2.min-1, fatos que a caracterizam como privilegiada à produção agrícola (Lovenstein et al, 1995). Ainda, a região apresenta temperaturas médias anuais próximas à 25ºC, e as temperaturas máximas diurnas, ao redor de 35º C entre novembro a fevereiro, fatores propícios à produção dos principais produtos agrícolas comercializados no mundo, a exemplo de leite; carnes; espécies vegetais frutíferas; oleaginosas; amiláceas; algodão e rami; café; cana-de-açúcar; flores tropicais e várias espécies olerícolas. (VIEIRA JÙNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 02)
Esta região privilegiada seria utilizada como estratégia de expansão da
produção agrícola nacional que seria subordinada ao processo de
industrialização do país, gerando transformações no cenário sócio-econômico
brasileiro e atraindo inúmeras pessoas em busca de novas perspectivas. O
estado de Goiás, faz parte deste recente contexto de expansão de fronteiras,
contextualizado no Centro-Oeste brasileiro, tendo recebido considerável
percentual de imigrantes, principalmente originários de Minas Gerais. Em Goiás
(Tabela 1), que em 1990 era o quarto estado no Brasil onde havia migrantes
mineiros residentes e que passou a ser o terceiro nos anos de 1991 e 2000,
afirmações de Ribeiro & Garcia (2004) atestam que “a queda no percentual foi
pequena (de 1,74% em 1980 para 1,73% em 1991 e 1,60% em 2000) por
causa do aumento no número de mineiros lá residentes”. Ainda sobre a área do
estado de Goiás, Ribeiro & Garcia afirmam que:
Em 1980, havia uma grande concentração de mineiros na parte central do que, a partir de 1988, seria o Estado do Tocantins. Em 1991, observa-se a desconcentração dessa área e, em 2000, é possível observar uma leve tendência de volta dos mineiros a essa região. Em Goiás, a tendência observada nas duas décadas é de
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concentração em torno da capital, Goiânia e também do Distrito Federal, com um aumento de mineiros nas proximidades de Minas Gerais. (RIBEIRO & GARCIA, 2004, p. 17)
Tabela 1 – Participação de mineiros fixados no Estado de Goiás, em relação ao total da população (1980, 1991 e 2000)
Censo População total do estado de Goiás (hab.)
Total de mineiros (hab.)
Participação de Mineiros no
total (%)1980 3.860.174 290.922 7,531991 4.018.903 325.240 8,092000 5.004.197 331.420 6,62
Fonte: Adaptado de RIBEIRO & GARCIA (2004) e Censos Demográficos – IBGE 1980, 1991 e 2000
Mas porque o Centro-Oeste protagonizou tantas mudanças em tão pouco
tempo? Esta questão é muito simples, pois as transformações sócio-
econômicas objetivavam romper definitivamente com o processo histórico,
marcado principalmente pela estagnação econômica e pelo isolamento
geográfico. Silva caracteriza esta questão da seguinte forma:
A expansão dessa nova fronteira tinha como elemento discursivo a intenção de modernizar, ocupar, inserir e integrar áreas do Oeste brasileiro às regiões economicamente mais desenvolvidas do país. A ocupação geográfica e demográfica resultante dessa política caracterizou-se pela leva de migrantes, vindos sobretudos do estado de Minas Gerais, impulsionados pelo discurso da Marcha para o Oeste. (SILVA, 2002, p. 67)
Naquela região, historicamente, o aprisionamento de índios, a busca por
riquezas minerais e a catequese foram às principais ações responsáveis pelo
desbravamento, que por sua vez, demorou a ser explorada pois no período
compreendido entre o descobrimento do Brasil e o final do século XVI, as
explorações portuguesas se concentraram quase que exclusivamente na
extensa faixa litorânea, onde foram implantados os primeiros ciclos econômicos
coloniais. Neste sentido, o desbravamento inicial dessa região foi decorrente de
duas frentes de ocupação, os missionários jesuítas vindos do norte e os
bandeirantes paulistas originários do sul. A ocupação iniciada tardiamente no
século XVI, fez com que por um longo período, esta região fosse considerada
como “exemplo de vazio demográfico e região vocacionada para atividades
agrícolas de subsistência, extrativismo e mineração rudimentar (Vieira Júnior,
Vieira & Buainain, s/d, p. 02)”.
19
E Goiás, manteve as mesmas condições de estagnação e isolamento, mesmo
estando bem mais próximo do centro desenvolvimentista que se consolidava
no Sudeste brasileiro. Com 246 municípios e 5.619.917 habitantes (IBGE –
Estimada 2005) Goiás é o estado mais populoso do Centro-Oeste brasileiro,
sendo considerado o "coração geográfico do Brasil", devido à sua posição
central no país. Sua configuração geográfica atual é recente, uma vez que em
1988, a porção norte foi desmembrada, formando o novo Estado do Tocantins.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007), sua economia
baseia-se na produção agrícola (soja, arroz, algodão, cana-de-açúcar), na
pecuária (principalmente bovinos e bubalinos), na indústria (de mineração,
alimentícia, farmacêutica, de vestuário, mobiliária, metalúrgica, madeireira) e
no comércio. Durante a década de 1990, o Estado cresceu consistentemente acima da média nacional. Apesar disso, em termos de desenvolvimento Humano, Goiás, com um aumento de 10,8% em seu indicador – que passou de 0,700 para 0,776 – foi apenas o 17º colocado, em termos desse avanço, entre as unidades da federação, num desenvolvimento abaixo média nacional. Ainda assim, deve-se ressaltar, o Estado manteve a oitava posição entre estados no ranking do IDH. (Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento de Goiás, 2006, p. 09)
Atualmente a densidade demográfica do estado de Goiás é de 16,52 hab/km²
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007) e as
regiões mais populosas são a Região Metropolitana de Goiânia com dois
milhões de habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2007) e a mesorregião Leste Goiano onde se localizam os
municípios goianos inseridos na Região do Entorno de Brasília com 1,1 milhões
de habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2007). Sobre esta área, estudos de Rocha, concluem que:
O eixo rodoviário do complexo territorial Brasília – Goiânia possui o maior crescimento econômico e populacional, proporcionalmente, entre duas metrópoles Brasileiras e em apenas 200 kms, caracterizando-se atualmente como um pólo em potencial na atração de investimentos nos setores secundário e terciário dentro do Distrito Federal e em todos os municípios goianos pertencentes ou que sofrem influência direta deste eixo rodoviário. (ROCHA, 2006, p. 02)
20
É possível notar nitidamente nas últimas décadas, a sua consolidação no
cenário brasileiro, sendo considerável nesta área um intenso processo de
urbanização, Arrais afirma que:
A região em foco abrange as áreas metropolitanas de Goiânia e Brasília, além de Anápolis, compreendendo uma área de aproximadamente 15.000 km2, com população superior à 4,5 milhões de habitantes e peso socioeconômico ímpar no Centro-Norte brasileiro. (ARRAIS, 2006, p. 01)
Este complexo territorial localizado entre a capital goiana e a capital federal
apresenta relevantes perspectivas de desenvolvimento, pautadas no
planejamento voltado especificamente para a Região de Desenvolvimento do
Entorno do Distrito Federal (RIDE) e o “Eixo de Desenvolvimento Goiânia-
Anapólis-Brasília”. Ainda de acordo com Rocha:
Diante desta realidade econômica aliada às políticas de atração de capitais externos nacionais e estrangeiros realizadas pelos Governos do Distrito Federal e Goiás, o crescimento populacional deste eixo, iniciado nos anos 60 com a construção de Brasília, recebe imigrantes de todo Brasil e certamente esta ocupação territorial poderá ficar comprometida diante à preservação e utilização de seus recursos naturais. (ROCHA, 2006, p. 02)
1.1 Processo Histórico de Formação de Goiás
Para se compreender a expansão da fronteira agrícola de Goiás, sua
consolidação no país e os deslocamentos populacionais ocorridos em
decorrência dela, intensificados com a construção das duas capitais, faz-se
necessário conhecer o processo de configuração geográfica goiana, ao longo
dos séculos, investigando elementos que contribuíram para esta atual
reconfiguração que se processou a partir da década de 1930. Silva descreve
que:
Uma característica marcante da construção histórica de Goiás é sua relação com frentes de ocupação, que, ao longo dos séculos, marcaram a fisionomia espacial do estado. O território goiano foi construído pelas marchas. A região foi desbravada e ocupada por avanços demográficos ao longo da sua história. (SILVA, 2002, p. 65)
21
Tendo como referência o processo histórico de formação do estado, o Instituto
de Genealogia de Goiás afirma que no primeiro século da colonização do
Brasil, diversas expedições, organizadas principalmente na Bahia, então centro
da colonização, percorreram parte do território do atual Estado de Goiás,
destinadas a buscar riquezas minerais ou capturar índios. Outro tipo de
expedições eram os jesuítas do Pará que para buscarem índios para
aculturação e evangelização organizaram diversas expedições fluviais, que
subindo o Rio Tocantins chegando a Goiás (INSTITUTO DE GENEALOGIA DE
GOIÁS, 2007). Mas nem os primeiros desbravadores, nem os jesuítas fixaram-
se em Goiás, mas somente o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, que
embora não fosse o primeiro a chegar a Goiás, foi o primeiro com intenção de
se fixar naquele território. Segundo o Instituto de Genealogia de Goiás, após as
descobertas de minas de ouro nas Minas Gerais e em Cuiabá, no século XVII,
foram intensificadas as bandeirantes paulistas, em território goiano, que
culminariam na descoberta, apropriação das reservas auríferas e fixação dos
primeiros colonizadores. Ali, habitava a nação Goiá (nome do estado), formada
pelos índios goiases, extintos mais rapidamente que o próprio ouro, após o
contato com o “homem branco”.
1.1.1 – Ascensão e decadência da mineração aurífera
As origens históricas goianas estão diretamente ligadas à corrida do ouro
empreendida pela bandeira de Anhangüera, que em troca da isenção de
impostos por três gerações, e outras vantagens, saiu de São Paulo em 1722 e
descobriu abundantes lavras auríferas em Goiás, a partir de 1725 (INSTITUTO
DE GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). A bandeira era uma expedição
organizada militarmente, e também uma espécie de sociedade comercial, onde
cada um entrava com certo número de escravos. Ainda de acordo com o
Instituto de Genealogia de Goiás, a primeira região ocupada foi à região do rio
Vermelho, foi o arraial de Sant’Ana, elevado posteriormente à condição
administrativa de Vila Boa de Goyaz, e mais tarde, Cidade de Goiás,
consolidada durante 200 anos como a capital da província e do estado, até sua
substituição pela atual. Posteriormente, as descobertas de ouro se sucederam,
22
próximas à localidade de Meia Ponte (atual Pirenópolis), e em outras áreas do
interior do território localizadas na zona do Tocantins.
Neste contexto, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, formariam as Capitanias
vinculadas à mentalidade mercantilista do governo português, cujos interesses
concentrariam todos os esforços na produção do ouro para a exportação,
proibindo ou dificultando outros ramos de produção. Naquela época, ser
mineiro, ou seja, o proprietário de lavras e escravos que nelas trabalhassem,
era a profissão mais honrosa, e significava status social. Isto explica porque
fora da mineração não se desenvolvessem outras formas importantes de
economia durante o século XVIII, e que só fossem ocupadas as áreas
localizadas no entorno de jazidas minerárias, classificadas como "mineração de
cascalho” ou “ouro de aluvião” e como veios auríferos incrustados na pedra
bruta, de extração tecnicamente mais difícil e mais cara. Com isso, segundo o
Instituto de Genealogia de Goiás, o território goiano foi o segundo produtor de
ouro do Brasil, em quantidades bastante inferiores a Minas Gerais e pouco
superiores a Mato Grosso, sendo posteriormente instituída uma forma de
cobrar o quinto precisamente por temor ao contrabando. Mas em virtude do
"pacto colonial", pouco deste ouro ficou em Goiás, pois os produtos explorados
do Brasil (pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro) eram direcionados para Portugal
que os vendia para o exterior e em contra partida, a Metrópole portuguesa
enviava para a Colônia administradores, exércitos, produtos manufaturados
para comercialização.
A economia mineradora trouxe a idéia da riqueza fácil e em menos de 20 anos,
regiões desconhecidas estavam povoadas, cortadas por tropeiros, com
circulação de gêneros comerciais, desenvolvendo-se em alguns aspectos, uma
sociedade diferente da sociedade tradicional brasileira. Num período posterior
de 1728 a 1748, a administração política das minas goianas era regida pela
Provisão Real, que criou a Superintendência das Minas de Goiás, sendo o
primeiro superintendente, Bartolomeu Bueno da Silva (INSTITUTO DE
GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). Goiás fora descoberto por paulistas e por
isso, de início, foi considerado um território de minas teoricamente pertencente
à Capitania de São Paulo e, portanto governado à distância. Depois de vinte
23
anos, houve um significativo crescimento, tanto em população como em
importância sócio-econômica em 1734, por causa do contrabando e das lutas
internas, o governo de São Paulo solicitou à coroa portuguesa que fosse criada
a Capitania de Goiás e que nela se estabelecesse uma ouvidoria. A
necessidade de uma administração que melhor atendesse à conjuntura política
e econômica, e aos reclamos ante a subordinação à capitania de São Paulo,
motivou a Corte portuguesa tornar Goiás independente, elevando-o à categoria
de Capitania em 1744, título que conservaria até a independência, quando se
tornou Província (INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). Até a
segunda metade do século XVIII, as comunicações e o comércio foram
determinados pela mineração, marcada cada vez mais pela decadência geral,
fazendo com que as vilas existentes pouco evoluíssem, contribuindo assim
decisivamente para a estagnação e o isolamento. O povoamento determinado
pela mineração de ouro é irregular e instável, sem nenhuma ordem, sendo que
quando o ouro se esgota, os mineiros mudam de lugar e a povoação
geralmente definha ou desaparece.
Neste processo de contínua exploração aurífera, além da destruição dos
elementos naturais no processo exploratório de mineração, escravos e
indígenas foram literalmente oprimidos e massacrados. A rotina dos escravos
que trabalhavam nas minas era extraordinariamente dura, num padrão de vida
que incluía trabalho esgotador, má alimentação, doenças graves, falta de
liberdade, arbitrariedades e castigos. Quanto aos indígenas, antes da chegada
do colonizador eram numerosas as tribos em Goiás, cobrindo todo o seu
território, sendo que durante a época da mineração as relações entre índios e
mineiros foram conflituosas. Posteriormente foram direcionados esforços à
catequese e civilização com interesse em aproveitá-los como mão de obra na
agricultura, como uma das soluções encontradas e que consistia em aldear os
índios reunindo-os em povoações fixas, onde, sob supervisão da uma
autoridade leiga ou religiosa, deviam cultivar o solo e aprender a religião cristã.
24
1.1.2 – Isolamento, estagnação e consolidação da pecuária
Apesar das técnicas rudimentares que dificultavam novas descobertas em
Goiás, informações do Instituto de Genealogia de Goiás atestam que a
mineração foi um negócio próspero até 1750, um empreendimento arriscado,
entre 1750 e 1770, e um negócio ruinoso depois desta data. A evidente
decadência da exploração do ouro trouxe para Goiás uma defasagem sócio-
cultural, fazendo com que o governo português, que antes procurava canalizar
toda a mão de obra da Capitania para as minas, passasse a incentivar e
promover a agricultura. Vários foram, porém, os obstáculos que impediram o
desenvolvimento agrícola: legislação fiscal, desprezo dos mineiros pelo
trabalho agrícola, pouca rentabilidade, ausência de mercado consumidor,
dificuldades de exportação, altos custos do transporte e ausência de sistema
viário. Antes, com a alta produção do ouro, os habitantes viam passar com
freqüência os tropeiros e mascates com suas mercadorias, trazendo notícias do
que acontecia nas demais capitanias e na Europa e com a queda da mineração
deixaram de vir a Goiás, cuja população ficou isolada durante muito tempo. E,
tão logo os veios auríferos escassearam a pobreza, com a mesma rapidez,
substituiu a riqueza, fazendo com que desaparecesse uma economia
mineradora comercial e nascesse outra de caráter agrário, de subsistência e
fechada que produza apenas algum excedente para aquisição de gêneros
essenciais, como sal, ferramentas e querosene. Com base nestas
observações, pode se deduzir que a morte dos arraiais mineratórios acabou
provocando uma ruralização da vida social, fazendo com que o
desenvolvimento da agricultura, principalmente predatória, extensiva e
itinerante se tornasse prioritário. Segundo estudos de Borges;
A produção agrícola goiana manteve-se organizada como economia do excedente até o início do século, onde a população sertaneja dedicava-se, sobretudo, à própria subsistência e de forma secundária à troca de produtos que excediam às suas necessidades. As lavouras eram exploradas, geralmente, em regime de trabalho familiar com técnicas primitivas e predatórias que em pouco tempo exauriam o solo, tornando assim a agricultura uma atividade econômica quase itinerante no Estado. A abundância de terras “livres” disponíveis favorecia a exploração agrícola extensiva com o mínimo de investimento. (BORGES, 1999, p. 02)
25
O território goiano viveu um longo período de transição, no qual a população
não só diminuiu como se dispersou pelos sertões, dedicando-se à criação de
gado ou à agricultura. Registrou-se queda na importação e exportação,
afetando o comércio dificultado pelos transportes deficientes e pela cobrança
de impostos. De acordo com estudos de Borges:
A economia goiana tornou-se, após a crise da mineração, essencialmente agrária com baixo índice de circulação monetária. O isolamento geográfico e a falta de meios de transporte dificultaram o desenvolvimento de práticas mercantis no Estado. A pecuária foi a exceção, a produção bovina manteve-se organizada como atividade de mercado e exportava-se gado de corte para os mercados do Centro-Sul e Norte-Nordeste. (...) Além disso, o criatório foi a atividade econômica principal responsável pela ocupação efetiva dos sertões em Goiás, pois a economia mineratória foi localizada em algumas regiões auríferas que se esgotaram rapidamente e a agricultura comercial desenvolveu-se somente a partir das primeiras décadas deste século. (BORGES, 1999, p. 01)
As práticas agrícolas rudimentares existentes fizeram com que a pecuária
crescesse cada vez mais no estado. Com uma agricultura arcaica e itinerante,
as relações predatórias estabelecidas no espaço agrário passaram a beneficiar
diretamente outra atividade que acabou se contextualizando como a principal
do estado: a pecuária, principalmente de corte. Isso se deve ao fato de que os
agrupamentos humanos ao desmatarem a cobertura vegetal original para o
plantio, o faziam, até a exaustão dos solos que eram sequencialmente
abandonados, transformando-se em pastagens. Borges relata ainda como era
a espacialização da atividade agropecuária no estado:
A atividade agropecuária se distribuída no conjunto do Estado de acordo com a modalidade de ocupação e a qualidade agronômica da terra: nas regiões de cerrado predominava a criação extensiva do gado; nos vales e nas zonas de mata, a agricultura e a extração de madeira. A maior parte da população vivia no campo e dedicava-se às atividades primárias. Uma precária rede de estradas e caminhos ligava as fazendas aos núcleos urbanos existentes. (BORGES, 1999, p. 02)
Estas áreas abandonadas favoreciam o aumento de pastagens que se
formavam em áreas de regeneração natural, propiciando a criação extensiva
de gado. Com isso, a economia da província passa a sustentar-se na pecuária,
motivando posteriormente a migração de baianos, maranhenses, mineiros,
paulistas e piauienses. Esta atividade econômica, por outro lado, também
26
esteve diretamente relacionada com a exploração mineraria e com o alto poder
aquisitivo dos mineiros. Segundo Borges, tendo como principal base os escritos
de Moreyra (1982): O grande rebanho bovino formava o alicerce mais sólido da economia agrária regional. A expansão das fazendas de gado foi responsável pela ocupação de grandes áreas de terra, especialmente nas áreas de cerrado. A atividade pecuária em Goiás tem início na fase da mineração. À sombra do ouro desenvolveu-se uma ativa sociedade de criadores e comerciantes de gado. Ainda no período colonial, muitas fazendas e arraiais surgiram a partir dessa atividade econômica. (BORGES, 1999, p. 12)
A pecuária tornou-se o setor mais dinâmico da economia. A maioria dos
mineiros que permaneceram em Goiás, após o desaparecimento do ouro vai
dedicar-se a uma agricultura de subsistência e criação de gado. Da instalação
da corte portuguesa na então capital, Rio de Janeiro (1808) à Independência
do Brasil (1822), a política governamental delineia-se rumo à integração e
valorização dos domínios portugueses, objetivando-se então reerguer as
capitanias do Centro-Oeste através do aproveitamento das vias fluviais, da
renovação das técnicas agropastoris e da pacificação e utilização dos
indígenas como mão-de-obra (INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS,
2007). No período monárquico são buscadas soluções para os problemas
econômicos e financeiros e para a pacificação social, sendo que o comércio
fluvial e as atividades agrárias passam a ser cada vez mais incentivados. No
início do século XIX, Goiás é obrigado a ceder partes de seu território às
províncias do Maranhão e Minas Gerais e, posteriormente, o isolamento leva-o
a desligar-se do sul brasileiro, vinculando-se comercialmente ao Maranhão e
ao Pará.
No entanto, somente em 1809, quando o Brasil já vivia o processo de sua
emancipação política, Goiás foi dividida em duas comarcas, sendo uma ao sul
e outra ao norte, a fim de facilitar a administração, acabando por gerar
posteriormente um movimento separatista no norte, que consolidou o atual
estado de Tocantins. Na porção norte, reinava certa instabilidade social,
motivada pela luta entre jagunços e coronéis e segundo o Instituto de
Genealogia de Goiás (2007), ao sul, formaram-se os latifúndios, com suas
implicações econômicas e sociais, consolidando no campo características
semelhantes ao feudalismo europeu. O contexto social, político e econômico
27
passou a ser dominado pelos clãs que se formaram ao longo do império,
fazendo com que o coronelismo e os vícios eleitorais conseqüentes a esta
estrutura, somados à política dos governadores, originassem às oligarquias que
se sucedem no poder até 1930. No aspecto político, o governo tinha sua
autonomia reduzida pela prepotência local dos "coronéis", e sua jurisdição era
exercida na capital, mas nas áreas rurais apenas os coronéis, o vigário e o juiz
eram mantenedores da ordem social. Num local onde a terra produzia pouco e
valia menos ainda, a produtividade da terra, e sua conseqüente valorização, só
se dariam com a criação de um mercado consumidor em decorrência do
processo de urbanização.
Durante o século XIX a população de Goiás aumentou continuamente, não só
pelo crescimento vegetativo, como pelas migrações dos Estados vizinhos,
sendo que os índios foram diminuindo quantitativamente e a contribuição
estrangeira foi quase inexistente. A pecuária trouxe como conseqüência o
desenvolvimento da população, atraindo correntes migratórias oriundas da
Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Pará, povoando os inóspitos sertões goianos.
Se pelo exposto, a economia mineraria deu início ao processo de colonização
de Goiás coube à pecuária desenvolver e aumentar sua população, que, no
final do século XVIII, se mostrava estacionária e em 1849 apresenta 79.000
habitantes, atingindo em 1856 a cota de 122 mil habitantes (INSTITUTO DE
GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). A partir da década de 1860, a província
progride economicamente, devido ao crescimento da agricultura e do rebanho
bovino, e nas décadas seguintes a população continua em relevante
crescimento (Tabela 2).
Tabela 2 – Crescimento da População no Estado de Goiás, no período de 1849 a 1900
Ano População Percentual de crescimento (%) 1849 79.000 0,001856 122.000 35,21861 133.000 8,21872 149.000 10,81890 227.000 34,41900 255.000 11,0
Adaptado de Instituto de Genealogia de Goiás, 2007
Novos povoados se formam a partir de 1888 e, em 1920, a população já era de
quase 512.000 habitantes, fazendo com que no período compreendido entre o
28
final da monarquia até 1930, o povoamento se intensificasse graças à atividade
agrícola e à perspectiva desenvolvimentista da construção de ferrovias,
contribuindo para o desenvolvimento das regiões sul, sudeste e sudoeste do
estado. Estudos atestam que:
o estado de Goiás possuía as características necessárias para ser considerado uma nova fronteira agrícola, porém existiam algumas barreiras que inibiam a sua inserção no novo processo de acumulação capitalista. Essas barreiras eram as péssimas condições de transportes e comunicação. Devido à localização do estado, o alto custo dos transportes elevava o valor final dos bens e, ao mesmo tempo, reduzia a competitividade do produto goiano na região Sudeste. (BEZERRA e CLEPS JR, 2004, p. 32)
1.1.3 – O advento das ferrovias e a Marcha para o Oeste
Vencer a estagnação e o isolamento do estado somente seria possível com a
implantação de uma infra-estrutura compatível com a nova ordem sócio-
econômica que se impunha no Brasil. Esta lenta transição econômica ocorrida
no estado contribui decisivamente para sua submissão econômica aos
interesses do capitalismo, protagonizado por sua ligação com o complexo
geoeconômico do centro-sul brasileiro. Naquela época o meio mais viável de
se impor desenvolvimento às regiões mais inóspitas e garantir o escoamento
de recursos indispensáveis ao desenvolvimento urbano-industrial do país se
concretizavam com a abertura de ferrovias. Bezerra & Cleps Jr caracterizam
isso da seguinte forma:A ferrovia foi o meio de transporte que iniciou a integração nacional, pois ela contribuiu para estender a fronteira agrícola, criando e ligando os pontos de produção agropecuária. A construção de ferrovias faz parte da própria gênese do processo de constituição do mercado nacional, permitindo a absorção das mercadorias mais elaboradas que vinham dos núcleos urbanos mais avançados e viabilizando o escoamento dos bens agropecuários à outras regiões. (BEZERRA & CLEPS JR, 2004, p. 32)
As comunicações de Goiás com o sul do país só melhorariam à medida que os
trilhos se expandiram para a área do estado, pois até o final da primeira década
do século o intercâmbio se fazia através da cidade mineira de Araguari, para
onde os produtos goianos eram levados por tropas de burros. Campos Júnior
atesta em seus escritos:
29
No final do século XIX, mais precisamente em 1896, o Triângulo Mi-neiro recebeu os trilhos da Estrada de Ferro Mogiana, ficando acerta-do que a cidade de Araguari seria a sede do que anos depois viria a ser a “Goiás”, facilitando-se a integração econômica entre São Paulo, Minas Gerais e Goiás. (CAMPOS JÚNIOR, s/d, p. 01)
Com o advento das ferrovias, esperava-se vencer a histórica estagnação e o
isolamento do estado, acompanhando a nova ordem sócio-econômica que se
inaugurava no Brasil. Borges descrevem que:
A implantação da Estrada de Ferro Goiás, a partir das primeiras décadas do século, interligando o território goiano ao Sudeste do país, contribui para romper os grilhões que condicionavam a produção agrícola regional a uma situação de quase subsistência. As lavouras cresceram e especializaram-se ao ritmo do prolongamento dos trilhos. Dessa forma, ao lado da pecuária de corte, a agricultura começava a se organizar também como atividade mercantil. A produção que antes apodrecia nas roças, por falta de meios de transporte para escoá-la, passou a ser exportada para os mercados do Centro-Sul. (BORGES, 1999, p. 03)
A chegada da ferrovia ao estado integrou inicialmente a região próxima à divisa
com Minas Gerais, levando a fixação de imigrantes, pautadas na expansão da
fronteira agrícola nacional. Segundo Bezerra & Cleps Jr com base em Borges
(2000): O trem-de-ferro – simbolizado na maria-fumaça – com seu silvo estridente e cauda em aço, emplumada em fumaça, serpenteando pelos sertões, despertava Goiás de séculos de isolamento e transformava a paisagem regional através de um processo dialético marcado pela destruição/reconstrução do espaço. (BEZERRA & CLEPS JR, 2004, p. 33)
Aliás, a construção de uma malha ferroviária, visava integrar definitivamente o
estado ao contexto sócio-econômico vigente no país a partir da década de
1930. Este processo resultou numa lenta mudança descrita por Bertran (1988)
apud Vieira Júnior, Vieira & Buainain:
No caso de Goiás, sua fragmentação intra-estadual, resultou da ocupação de sua região norte, em função da navegação do rio Araguaia que a manteve isolada, mesmo quando se desenvolveu o complexo cafeeiro paulista. O sudoeste foi ocupado paulatinamente por mineiros e paulistas, anexado à articulação mercantil do Sudeste, em particular, ao Triângulo Mineiro. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 05)
30
A chegada da estrada de ferro a Goiás tinha revolucionado as comunicações,
produzindo uma extraordinária expansão da economia goiana. A população do
Estado aumentava rapidamente, e no censo de 1900, Goiás apresentou uma
população superior a 255.000 habitantes e o de 1920, registrou quase 512.000
habitantes (INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). A região mais
povoada era o sudeste, pela maior proximidade do Triângulo Mineiro e
presença da Estrada de Ferro, área em que se localizava Catalão, naquela
época o maior município em população com 35 mil habitantes (INSTITUTO DE
GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). Com a construção da Estrada de Ferro, a
produção de arroz para a exportação aumentou rapidamente, mas a indústria e
os serviços continuavam sendo atividades economicamente pouco
significativas. A grande massa da população trabalhava na agricultura, numa
economia quase exclusivamente voltada à subsistência; a produção era local e
para o consumo, sendo muito pequeno o comércio interno e a circulação
monetária.
em 1872, período anterior à chegada da estrada de ferro, a população de Goiás era de 160.395 habitantes; em 1900, atingiu 255.284 habitantes, crescendo à taxa média anual de 1,7%, abaixo da média nacional, que era de 2,0%10. Já no período de 1900 a 1920, em que a estrada de ferro já se consolidava no Triângulo Mineiro e cruzara a fronteira goiana, aquela taxa se elevou para 3,5%, e a população alcançou 511.919 habitantes. (SILVA, 2002, p. 06)
Silva relata ainda que “a população goiana, nesse período, cresceu acima da
média nacional, que era de 2,9%11”, prosseguindo com suas observações
sobre o rápido crescimento populacional no estado.
Analisando-se o período 1900 a 1940 e considerando-se que em 1935 a cidade de Anápolis estava conectada aos trilhos da estrada de ferro, verifica-se que a mesma taxa ficou em 3,0% (826.414 habitantes), enquanto que a média nacional era de 2,2%. Tais números indicam a ocorrência de fluxos migratórios positivos não desprezíveis para o estado. Nesse período, a proporção da população goiana se elevou de 1,5% para 2,0% do total nacional. (SILVA, 2002, p. 07)
Especificamente sobre a chegada da malha ferroviária ao estado, visando
integrá-lo ao pólo de desenvolvimento concentrado no Sudeste do país, Borges
descreve que ela apresentou limitações ao progresso industrial brasileiro, uma
vez que houve exaustão de recursos, na primeira das regiões goianas
31
integradas, devido provavelmente ao manejo e gestão inadequado dos
mesmos.O sudeste goiano, favorecido pela posição geográfica e pela penetração de vias de transportes, foi à primeira região a integrar-se à fronteira agrícola. Porém, a zona da Estrada de Ferro, pioneira na produção comercial de produtos agrícolas como o arroz, logo entrou num processo de crise econômica até a decadência. (BORGES, 1999, p. 05)
Esta decadência da região pioneira de ocupação e de expansão da fronteira
agrícola, localizada ao sudeste do estado de Goiás, foi responsável por um
novo fluxo migratório, descrito por Borges para outras áreas do estado:
Assim, o rápido esgotamento do solo das áreas pioneiras levou ao abandono progressivo da zona da Estrada de Ferro e à ocupação de novas áreas na fronteira oeste e central do Estado. Assim, os anos 40 e 50 marcaram o recuo na ocupação das terras do vale do Corumbá, em busca dos solos de mata dos vales do S. Patrício e do Paranaíba. (BORGES, 1999, p. 05)
Associada às transformações sócio-econômicas ocorridas no contexto interno
dos estados do Centro-Oeste, principalmente Goiás, entre os anos de 1930 e
1945 houve uma política deliberada do Governo Federal, protagonizada por
Getúlio Vargas de ocupação das fronteiras nas quais estes estados estavam
inseridos que ficou conhecida como a “Marcha para o Oeste”. Segundo
Lenharo (1986) e Queiroz (1999) apud Vieira Júnior, Vieira & Buainain este
fenômeno:
Tratava-se de uma política de integração do mercado nacional, a partir do padrão de acumulação da economia paulista. Essa iniciativa gerou projetos de colonização no Estado de Goiás, e no sul do Estado do Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, e a ligação de Goiás e Mato Grosso a São Paulo pelas ferrovias Estrada de Ferro de Goiás e Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, respectivamente. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 05)
32
1.1.4 – A construção de Goiânia, Brasília e da BR 153
Em Goiás, a revolução de 1930, não se operou, imediatamente no campo
social, mas no campo político, onde o governo teve como objetivo primordial o
desenvolvimento do transporte, da educação, da saúde pública e o aumento da
exportação. A construção de Goiânia, foi o ponto de partida desta nova etapa
histórica. Nenhum obstáculo foi capaz de impedir sua construção: nem a forte
oposição política, nem a dificuldade de construir uma cidade num lugar tão
afastado, com pouco dinheiro, e sem contar com uma infra-estrutura industrial.
A Revolução de 1930, e sua obra principal em Goiás, a construção de Goiânia,
promoveu a abertura de novas estradas, favorecendo a imigração, e
conseqüentemente o povoamento e colonização do Mato Grosso goiano, uma
zona de grande riqueza agrícola. Ao lado da “Marcha para o Oeste”, bem como
a chegada da estrada de ferro a Anápolis em 1935, a transferência da capital
do Estado para Goiânia em 1933, determinada por motivos administrativos e
econômicos, trouxe novas transformações e perspectivas ao povo goiano,
permitindo o crescimento populacional das áreas central, leste e sul do estado,
levando Goiás a receber sucessivas migrações de nordestinos, mineiros e
paulistas e interligando-o definitivamente ao contexto sócio-econômico do
centro-sul brasileiro. Segundo estudos:
Já a região central de Goiás experimentou a implementação da nova capital Goiânia. Sua construção gerou um fluxo migratório predominante de Minas Gerais, visto que em 1940, a capital contava com 48.165 habitantes e Anápolis, ponto final da ferrovia, centralizava as funções de principal entreposto comercial do Estado. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 04):
A alta taxa de natalidade da população do Estado e o aumento da imigração
determinaram, neste período, que o crescimento da população se processasse
num ritmo acelerado. A imigração, durante o período 1940-1950, também
alcançou um elevado índice, que determinou, somado ao aumento vegetativo,
um crescimento global da população. Mais rápido ainda foi o crescimento
populacional na década seguinte:
33
Nesse período, a população de Goiás se elevou de 826.414 habitantes, em 1940, para 1.917.460, em 1960, crescendo à taxa geométrica média anual de 4,3%, enquanto a do Brasil era de 2,7%, indicando a ocorrência de um fluxo migratório positivo. Do total da população de 1940, 668.139 (80,8%) eram goianos natos, 8,4% eram mineiros, 4,2% maranhenses, 3,9% baianos, 0,9% piauienses, 0,9% paulistas, totalizando 99,2% da população. Em 1960, enquanto a participação relativa dos goianos natos, no total da população, reduzia-se para 72,6% (1.392.227 habitantes), a proporção de mineiros, maranhenses, baianos, piauienses e paulistas elevava-se a 12,7%, 4,2%, 3,8%, 1,4% e 1,2% respectivamente, ou seja, 96% dos habitantes de Goiás. Se adicionam a esses os cearenses (0,8%) e os gaúchos (0,7%) esse percentual eleva-se a 97,5%. (SILVA, 2002, p. 10)
Em 1970 a população de Goiás se aproximava já dos três milhões, indicando
que a população se multiplicou por seis nos últimos cinqüenta anos. Este
crescimento rápido da população, estimulado pela forte migração, trouxe boas
e más conseqüências. Para a economia da região, melhoram os índices de
mão-de-obra, ampliam as fontes de riquezas, entretanto, contribuíram para o
aumento da demanda de serviços sociais, sobrecarregando os governos. Na
realidade, a distribuição da população é muito desigual, quase a metade do
Estado tem uma densidade entre 1 e 2 habitantes por km² (INSTITUTO DE
GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). As oito primeiras micro- regiões com 61% do
território têm apenas 27% da população, enquanto o Mato Grosso Goiano,
concentra mais de um terço da população do Estado com 28,69 hab./km2
(INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS, 2007). Também apresentam uma
forte concentração populacional as três regiões do extremo sul: Meia Ponte,
Sudoeste Goiano e Paranaíba (INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS,
2007). As vias de comunicação e a proximidade maior ou menor dos grandes
centros econômicos têm determinado uma distribuição da população totalmente
diferente à causada pela mineração no século XVIII, e pela pecuária no século
XIX. A grande maioria da população economicamente ativa em Goiás (Tabela
3), em 1950 estava ocupada no setor primário, em sistema de trabalho
rudimentar, numa realidade que fazia da indústria um setor de pouca expressão
para a formação de riqueza e oferecimento de empregos. Segundo estudos do
Instituto de Genealogia de Goiás (2007) a agricultura baseava em três produtos
principais: arroz, milho e feijão e a pecuária, representando, 57% e 40%
respectivamente do setor primário, concentrando 69% da mão-de-obra total.
34
Tabela 3 – Goiás: população economicamente ativa em 1950
Adaptado de Instituto de Genealogia de Goiás (2007)
Segundo Bezerra & Cleps Jr (2004, p. 35) “o estado de Minas Gerais foi o
principal responsável pela migração para as áreas de fronteira em Goiás,
seguido dos estados da região Nordeste, como Maranhão e Bahia”, e para se
ter uma idéia em 1940, eram 44,77% de migrantes mineiros, sendo que este
número aumentou para 53,32% em 1950. Sobre esta questão, Silva, relata
que: Durante o século XIX, apesar da derrocada da economia mineira, Goiás continuou recebendo imigrantes, que se acomodaram na agricultura de subsistência e na pecuária extensiva, “propiciando a consolidação da fazenda de gado enquanto unidade básica de ocupação”, no vasto e quase desabitado território. E nesse estado latente permaneceu sem consideráveis mudanças, à parte das transformações econômicas ocorridas no Sudeste brasileiro. (SILVA, 2002, p. 04)
A programação pelo governo federal da expansão agrícola se dá através da
criação, construção e ocupação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás
(CANG), num processo compreendido entre o período de 1941 a 1959, e no
planalto central, por determinação da constituição de 1946, inicia-se a pedido
do Presidente Juscelino Kubitschek, a construção da nova capital, Brasília.
Vieira Júnior, Vieira & Buainain atestam que:
Ao final da década de 1930 foi iniciado o projeto de instalação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), com sede em Ceres e nucleada por Anápolis, entretanto, seu sucesso foi relativo, pois, decorreu da oferta de terra gratuita pelo Governo Federal, atraindo migrantes sem recursos que causaram danos ao ambiente pela rusticidade de sua exploração (Estevam, 1997). Entre as décadas de 40 a 60, define-se a dinâmica do processo de ocupação no CO, notadamente pelas implementações de Goiânia e Brasília, além de obras de infra-estrutura. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 05)
Setor Índice de Participação da População – 1950 (%)
Primário 83,69
Secundário 4,17
Terciário 12,14
35
Segundo estes autores, ao final da década de 1950, e prolongando-se até o fim
do Governo de Ernesto Geisel, a economia brasileira experimentou intenso
desenvolvimento, marcado por obras de infra-estrutura visando à integração
nacional, cuja centralidade era a cidade de São Paulo. Eles relatam ainda que:
A construção de Brasília causou impacto populacional atraindo migrantes, inclusive de Goiás e de Minas Gerais, gerando no interior do país uma área de adensamento populacional. A posição geográfica do Distrito Federal foi decisiva para justificar a interiorização de investimentos em eletrificação, telecomunicações e, principalmente, em estradas, que até meados da década de 1950 representavam um grande entrave ao desenvolvimento de Goiás. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & & BUAINAIN, s/d, p. 08)
A eletrificação, por sua vez, contribuiu para acelerar a urbanização permitindo
os primeiros passos rumo à industrialização. De acordo com estudos de Vieira
Júnior, Vieira & Buainain, a malha de transporte implantada foi responsável
pela consolidação de uma nova espacialidade em Goiás.
Com a infraestrutura e a expansão populacional iniciou-se a transformação das estruturas produtivas e, em particular, a ampliação da circulação de mercadorias e diversificação dos setores produtivos dos núcleos urbanos estrategicamente posicionados como entrepostos comerciais (Shiki, 1997). (...) Ainda, na década de 60 a região se consolida como extensão da região Sudeste, atuando como fronteira agrícola e pólo de absorção dos excedentes populacionais nacionais. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 04)
Porém, a superação da rota ferroviária prejudicou a cidade de Anápolis, que a
partir de 1960, ficou comprimida entre dois grandes centros urbanos, Brasília e
Goiânia. Sobre a capital federal, Natal (1991) e Estevam (1997) apud Vieira
Júnior, Vieira & Buainain relatam que:
Concomitantemente, Brasília tornou-se grande pólo de migração, sem, entretanto, desempenhar papel correspondente nos setores produtivos primário e secundário, além de apresentar um setor terciário voltado para as funções de governo e sustentação do núcleo urbano do Distrito Federal. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 06)
A expansão da fronteira agrícola associada à construção das duas novas
capitais, reconfigurou não somente o contexto sócio-espacial do Centro-Oeste
como trouxe nova formatação regional ao território brasileiro.
36
Portanto, as décadas de 50 e 60 marcaram o desenvolvimento do CO, influenciado inicialmente pela intensa imigração em decorrência de Goiânia e Brasília, além dos projetos de colonização, que promoveram rápido adensamento do interior da região. As correntes migratórias iniciais, formadas em sua grande maioria por pessoas de parcos recursos, foram responsáveis pelo desbravamento e atividades produtivas com métodos tradicionais de cultivo extensivo, que, apesar dos métodos agressivos ao ambiente, propiciaram condições para futuras intervenções agrícolas calcadas na modernização conservadora na década de 1970 e na resposta exportadora. (VIEIRA JÚNIOR, VIEIRA & BUAINAIN, s/d, p. 07)
Atualmente esta região formada pela proximidade entre os centros urbanos de
Anápolis, Brasília e Goiânia, projeta hoje no cenário do centro-oeste brasileiro
perspectivas de desenvolvimento associadas à crescente urbanização. Arrais
com base em dados do GOVERNO DE GOIÁS (2003) e do GOVERNO DO
DISTRITO FEDERAL (2004):
Uma primeira questão que podemos formular refere-se ao recorte do “Eixo de Desenvolvimento Goiânia-Anápolis-Brasília”. Em linhas gerais ele contempla um conjunto de 39 municípios com características muito diversas, recobrindo a Região Metropolitana de Goiânia, a Microrregião do Entorno de Brasília e o Distrito Federal, sob influência da rodovia BR 0-60, além de Anápolis e alguns municípios vizinhos. (...) Goiânia, Anápolis e Brasília concentram mais de 70% da população, além da maior densidade demográfica, os maiores índices de urbanização e mais de 90% do seu PIB, em 2000. (ARRAIS, 2006, p. 04)
A constante atração de fluxos migratórios, principalmente mineiros, para a
região contribuiu demasiadamente não só para a inserção de Goiás no cenário
nacional como também consolidou o estado no país, como área de
potencialidades para o desenvolvimento de concepção urbano-industrial
capitalista. As regiões mineiras do Centro-oeste Mineiro e do vale do Alto
Médio Paraopeba, parecem ser as regiões mineiras que mais apresentaram
deslocamentos de moradores da zona rural para o estado de Goiás. A região
onde se localiza o município de Desterro, parece ter sempre mantido contato
com Goiás, devido ao fato de sua localização na porção centro-oeste do estado
de Minas Gerais. A cidade de Oliveira, localizada à aproximadamente 80 km de
Desterro com a qual mantêm relações indiretas, possivelmente surgiu em
decorrência destes caminhos. Segundo o IBGE, no passado, na localidade
onde se insere o perímetro urbano de Oliveira existia um pequeno rancho de
uma senhora chamada Maria de Oliveira, que acolhia tropeiros e
37
desbravadores. O sítio acabou tornando-se ponto preferido para pousada das
bandeiras, a caminho de Goiás, em virtude da amenidade do clima e
abundância de água, iniciando posteriormente uma povoação primitivamente
conhecida como Picada de Goiás, que depois passou a ser chamar Nossa
Senhora de Oliveira. Favorecida, em parte, por sua posição em relação a São
Paulo e ao sertão goiano, Oliveira atualmente localizada às margens da BR
381 (Rodovia Fernão Dias) sempre apresentou desenvolvimento crescente.
Segundo TOSATO (1998:48) referindo-se à Oliveira disse que:
essa cidade originou-se de um ponto de pouso para os viajantes que buscavam riquezas na província de Goiás com as tropas de seu comércio. Foram esses primeiros colonizadores que denominaram esse lugar “A Picada de Goiás”, que, mais tarde, tornou-se o arraial de Nossa Senhora de Oliveira passando a distrito e vila em 1832, município em 1839 e cidade em 1881.
Outra localidade da região localizada em confluência dos antigos caminhos que
levavam à Goiás é Piedade do Paraopeba, Distrito do município de
Brumadinho. CRUZ (2004:109) em nota de rodapé relata que um dos ferreiros
locais, possuidor de uma tenda na localidade e originário do vizinho lugarejo de
Casa Branca, após um tempo de dedicação às suas atividades acabou se
deslocando para Goiás, de onde, segundo o autor, jamais deu notícias. No
capítulo que se segue, buscou-se a partir da análise de aspectos sócio-
culturais do município mineiro de Desterro de Entre Rios, compreender o
respectivo local que há algum tempo atrás começou à ”enviar” pessoas para
Goiás, segundo relata a tradição local.
38
2. ESTUDO DE CASO: Serra da Tapera, divisa intermunicipal dos municípios de Desterro de Entre Rios e Piracema, Minas Gerais
Após análise do processo histórico de formação de Goiás, é nítido que
posterior ao período de ascensão e decadência da mineração aurífera e o
consecutivo isolamento, estagnação e consolidação da pecuária, esse estado
passou a ser um ponto de atração de fluxos migratórios, decorrentes
principalmente de Minas Gerais. Entre estes mineiros, certamente estão
aqueles cuja origem seja o município de Desterro de Entre Rios e cidades
limítrofes. Ao se analisar os deslocamentos de migrantes mineiros originários
deste município, para o estado de Goiás, pode-se concluir que alguns marcos
históricos goianos como advento das ferrovias, a Marcha para o Oeste, a
construção das cidades de Goiânia e Brasília e da rodovia BR 153, dentre
outras fases, foram as principais razões que motivaram famílias desterrenses a
trocaram de estado em busca de uma nova vida. O presente capítulo tem por
objetivo apresentar uma breve análise sócio-espacial sobre o município de
Desterro de Entre Rios, localizado na região do vale do Alto Médio Paraopeba,
cidade referência dos moradores da área de estudo, localizada na divisa com
Piracema. Em seu contexto histórico-geográfico é possível identificar vários
indicativos de fatores de expulsão do campo e conseqüente êxodo rural, que
justifiquem vários deslocamentos populacionais. Na tradição local é também
possível investigar outros fluxos migratórios posteriores a este, como os
existentes para as cidades de Belo Horizonte e São Paulo, bem como cidades
do entorno.
Uma vez que a área do município de Desterro de Entre Rios é extensa,
necessitou-se a definir uma área para a realização da pesquisa que por sua
vez, não corresponde à totalidade da área municipal. A carta topográfica onde
está mapeado parte do município, denominada Folha de Passa Tempo – MG
(Folha SF.23-X-A-V.1), foi consultada, visando definir uma área de pesquisa
objetivando correta identificação de elementos, agentes e conflitos sócio-
39
espaciais existentes. A área definida (Quadro 1) é formada por apenas
algumas localidades desterrenses (Andrade, Baetas, Barro Branco, Cachoeira,
Mumbeca, Pedra-de-cevar e Sede municipal) e por uma área de influência
cultural da cidade, formada por povoados locais e outras localidades rurais
pertencentes a municípios vizinhos, localizados próximos do distrito-sede de
Desterro. Neste aspecto se enquadram algumas localidades rurais do
município de Piracema (Bom Retiro, Coqueiros, Geada, Morro Grande,
Paciência, Tapera e adjacências), onde os moradores se dirigem à sede do
município desterrense para compras, estudos, lazer, casamentos e
sepultamentos, dentre outras atividades, evidenciando laços de proximidade,
resultantes principalmente da distância superior a 20 km de Piracema. Estas
localidades piracemenses (juntamente com Mata de José Maria, pertencente
ao município de Piedade dos Gerais e Brandão pertencente à Passa Tempo),
apresentavam naquela época uma interessante relação de dependência com
Desterro devido ao fato de se localizarem entre 10 e 15 km dessa cidade.
Quadro 01 - Detalhamento das localidade rurais inseridas na área de estudo
Município Qtde Denominação das localidades ruraisDesterro de Entre Rios – MG
05 Baetas, Barro Branco, Cachoeira, Mumbeca, Pedra-de-cevar
Passa Tempo – MG 01 Brandão Piracema – MG 09 Bom Retiro, Bom Retiro de Trás, Coqueiros, Geada, Limeira,
Limoeiro, Morro Grande, Paciência, TaperaPiedade dos Gerais – MG
01 Mata de José Maria
Neste sentido, estas localidades estarão inseridas na área de estudo, mesmo
não correspondendo diretamente à divisão politico-administrativa existente.
Esta área se mostrou favorável à pesquisa uma vez que ainda conserva dentre
seus moradores, na faixa etária entre 60 e 90 anos, os relatos orais acerca dos
deslocamentos para terras goianas. Nesta área é comum pessoas com
parentes residindo em terras goianas, pessoas que já tenham morado em
Goiás e retornaram e ainda aquelas que já foram visitar parentes naquele
estado.
40
2.1 Caracterização Natural de Desterro de Entre Rios – MG
Segundo a Prefeitura Municipal, os registros históricos, a origem e povoamento
do município remontam às primeiras décadas do século XIX, decorrente das
atividades agropastoris. Em meados do século XVIII, existiam na região três
fazendeiros irmãos, donos de uma fazenda denominada Sobrado, e mais um
indivíduo de caráter turbulento conhecido como Francisco Viçoso, cuja valentia
era responsável por inúmeras desavenças. Sua fazenda ficara conhecida como
Contendas, devido às constantes brigas nas quais se envolvia. O Visconde de
Barbacena, então governador da Província, ao tomar conhecimento destes
fatos, obrigou-o a emigrar-se. A tradição local conta que uma capela, em
homenagem a Nossa Senhora do Desterro foi erguida pelos seus parentes que
ficaram, no entorno da qual surgiu posteriormente um povoado. O distrito de
Desterro foi criado em 1836, pela lei estadual nº. 50, pertencendo ao termo de
Bonfim. Algum tempo depois foi extinto, sendo restaurado em 1º de abril de
1841, com a denominação de Capela Nova do Desterro. Em 1850, o município
de Bonfim readquiriu o distrito de Capela Nova do Desterro, que em 1854
passa a pertencer ao município de São João Del Rei. Em 10 de outubro de
1882, já pertencendo ao município de Entre Rios de Minas foi elevado à
categoria de paróquia com o título de “Nossa Senhora do Desterro de Entre
Rios”. O município emancipou-se em 12 de dezembro de 1953, através da lei
estadual 1039, tendo a seu território anexado o distrito de São Sebastião do
Gil, criado em 1908, então pertencente a Entre Rios.
Atualmente o município de Desterro de Entre Rios (Mapa 1), está inserido na
Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte, especificamente na Microrregião
de Conselheiro Lafaiete e localiza-se a aproximadamente 161 km da capital
mineira. Desde sua emancipação é formado pelos distritos de São Sebastião
do Gil e Sede, pois somente em 1976 foi criado oficialmente o distrito de
Pereirinhas. Possui uma área territorial de 376,97 km², limitando-se com os
municípios de Entre Rios de Minas, Jeceaba, Passa Tempo, Piedade dos
Gerais, Piracema, e Resende Costa (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE MINAS GERAIS, 2007).
41
Mapa 1: Localização do município de Desterro de Entre Rios, no estado de Minas Gerais
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:MinasGerais_Municip_DesterrodeEntreRios.svg
A área municipal se organiza atualmente em 28 comunidades rurais, sendo as
mais importantes: Barro Branco, localizada na área distrital da Sede; Pedra-de-
cevar, localizada na área distrital de Pereirinhas e Samambaia, localizada na
área distrital de São Sebastião do Gil (Quadro 2).
Quadro 2 – Desterro de Entre Rios – MG: distância das principais localidades rurais e distritos,
em relação à sede
Localidade rural ou distrito Distância da sedeBarro Branco 8 kmPedra-de-cevar 15 kmPereirinhas 6 km Samambaia 18 km São Sebastião do Gil 25 km
42
2.2.1 - Aspectos Naturais
O município apresenta uma topografia tipicamente ondulada, ocupando cerca
de 70% da área municipal, sendo que os 30% restantes dessa topografia se
dividem em áreas planas (15%) e áreas de topografia montanhosa (15%). O
ponto central da cidade apresenta altitude média de 1060 metros. As principais
elevações se localizam na Serra do Maludo (1330 metros), as Serras do
Courisco (1290 metros) e Ginete (1270 metros) que delimitam a divisa com o
município de Resende Costa, a Serra da Tapera ou do Coelho (1230 metros),
onde está à divisa com Piracema e a Serra de Santo Antônio (1250 metros)
que delimita a divisa intermunicipal com Passa Tempo. Na divisa municipal
com Entre Rios encontra-se outra elevação denominada Serra das Talhadas
(ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2007).
Desterro de Entre Rios localiza-se numa área de clima tropical de altitude, com
temperatura média anual de 19,9 C, com variáveis anuais de 26,3C (máxima) e
15,2C (mínima) e índice médio pluviométrico anual de aproximadamente
1597,6 mm. A área territorial do município se localiza no interflúvio de duas im-
portantes bacias hidrográficas, Rio Pará e Rio Paraopeba, ambas pertencentes
à Bacia do rio São Francisco. A área da sede municipal é banhada pelas águas
do Ribeirão Capela Nova que lamentavelmente recebem o esgotamento sanitá-
rio não tratado, lançado “in natura” inviabilizando o uso recreativo da cachoeira
Ponte Nova, à jusante do perímetro urbano de Desterro.
Em termos de cobertura vegetal original, a ação antrópica na região, presente
desde a fundação da localidade de Capela Nova, e dos respectivos distritos foi
responsável pelo desmatamento das áreas naturais ocupadas por matas e
cerrados. De acordo com o Atlas disponível para consulta no site da Fundação
SOS Mata Atlântica, o município (mapa 2) se insere na área de domínio original
da Floresta Estacional Semidecidual, tipo de conjunto florestal, que segundo
informações disponíveis no site do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica, apresenta um índice entre 20% e 50% de árvores
caducifólias, do qual restam apenas poucos e pequenos fragmentos florestais
43
dispersos irregularmente pela área municipal. Os remanescentes florestais
existentes na região se encontram fragmentados certamente em decorrência
dos ciclos econômicos ligados à agropecuária e a mineração. A devastação da
Mata Atlântica original nesta região, aconteceu principalmente devido ao
processo de ocupação humana marcada pelos sistemas agropecuários e pelos
extrativismos vegetal e mineral que foram responsáveis diretos pelo contínuo
desmatamento de um dos mais importantes ecossistemas mundiais. Na serra
do Coelho, divisa com Piracema, área de ocorrência de cerrado, além dos
impactos decorrentes da antiga mineração, no passado houve extração
comercial de barbatimão (Strynodendron barbatimao), visando comercialização
junto a curtumes.
Mapa 2: Desterro de Entre Rios – MG; localização dos remanescentes florestais de Mata
Atlântica
Adaptado do Mapeamento da cobertura original e situação atual da Mata Atlântica, disponível em http://www.sosmatatlantica.org.br/?secao=atlas
44
2.2 – Contextualização Social de Desterro de Entre Rios – MG
2.2.1 - Aspectos Sociais
O traçado urbano da Sede abriga uma secular rotina de sossego somente
alterada pela chegada diária dos poucos ônibus que vêm de BH ou Oliveira e
pelas tradicionais festas anuais do Produtor Rural, da Padroeira e a Semana
Santa. O perímetro urbano dos distritos Pereirinhas e São Sebastião do Gil,
também apresenta cenários peculiares com destaque para a rua principal, onde
fica o pequeno comércio e algumas ruas paralelas, a praça da igreja e o campo
de futebol. Em termos de infra-estrutura urbana, a sede municipal e distritos
possuem abastecimento regular de água, cartórios de registro civil, cemitérios
(com exceção do distrito de Pereirinhas), centros de saúde, escolas públicas
com as séries iniciais do ensino fundamental, um pequeno centro comercial,
sistema de eletrificação e telefonia.
No aspecto social, não há informações de referência e orientação sobre
alimentação, questão da segurança pública, as condições de moradia e os
índices de acesso ao trabalho ou desemprego. Como não se trata ainda de
área urbana adensada, não há aglomerações localizadas em áreas de risco
geológico, ou bolsões de pobreza, decorrentes na maioria dos casos do
processo de ocupação desordenada, nem existem níveis de exclusão ou
eventuais problemas sociais generalizados. Ainda não há projetos sociais
visando inclusão e justiça social, além da tradicional Bolsa Família, oferecida
pelo Governo Federal, aos que necessitam ou que estejam socialmente
vulneráveis.
O município de Desterro apresenta uma realidade bem próxima de outras cida-
des brasileiras, onde diversos fatores de expulsão do campo ocasionaram o
rompimento do pequeno produtor rural com sua realidade local, causando o es-
vaziamento do campo e conseqüente inchaço das grandes cidades. Nos anos
1970 e 1980, a população rural era quase o triplo da urbana em 2000, a área
45
urbana atingiu patamares de equidade com o campo (Quadro 3). Nesta região
é muito comum que pequenos produtores rurais, após se aposentarem daquilo
considerado como “árdua” vida camponesa, passem a residir na cidade visan-
do conforto e facilidades, como acesso ao comércio e principalmente facilida-
des no atendimento médico.
Quadro 3 – município de Desterro de Entre Rios – MG: população residente
Ano Total Urbana Rural1970 7.103 habitantes 1.131 habitantes 5.972 habitantes1980 7.336 habitantes 1.935 habitantes 5.401 habitantes1991 6.825 habitantes 2.431 habitantes 4.394 habitantes2000 6.802 habitantes 3.035 habitantes 3.767 habitantes2005 6.796 habitantes ***** *****
Fonte: site da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais
No aspecto econômico, as atividades principais estão ligadas à agropecuária,
principalmente atividades vinculadas à criação e manejo de gado leiteiro, não
havendo na localidade ou entorno, indústria relevante e que gere grandes
impactos em termos de geração de tributos e empregos. O setor local de
comércio e serviços gera certa dependência principalmente para os moradores
da área rural, que vão à sede municipal ou aos distritos, para compras
(supermercado e farmácia) e acesso a serviços. Outro setor que no passado foi
extremamente importante é o de mineração, com destaque para a ocorrência
de minério-de-ferro e manganês na Serra Tapera ou do Coelho. Este segmento
econômico apresenta perspectivas de retorno da extração mineral,
observando-se a necessidade de licenciamento pelo órgão estadual
competente. Segundo a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais
(2007), o número da PEA (pessoas economicamente ativas) no município
excede a cota de 2.500 indivíduos (Quadro 4), sendo que a grande maioria
está envolvida diretamente com o setor agrícola, da região voltando quase
essencialmente à produção de leite e/ou derivados. Outra fonte de renda local
é o artesanato com artesãos tanto da área urbana como da zona rural
produzindo peculiaridades artísticas da região como tapetes, bordados,
cestaria de palha ou bambu.
46
Quadro 4 – município de Desterro de Entre Rios – MG: população economicamente ativa
Setores Qtde de pessoas envolvidas
Percentual – PEA (%)
Agropecuário 1.488 habitantes 59Industrial 343 habitantes 13Comércio 117 habitantes 5Serviços 566 habitantes 22
TOTAL 2.514 habitantesFonte: site da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais
Hoje, a população conta com o conforto e a comodidade da água potável,
devidamente captada, tratada e distribuída, mas no passado a situação era
diferente e os moradores dependiam de fontes e de inúmeras nascentes
localizadas no entorno dos perímetros urbanos de Desterro, Gil e Pereirinhas
Na zona rural, como no passado, ainda se obtém água diretamente das
nascentes e cursos d´água locais tratados segundo métodos caseiros como
filtração, por exemplo.
O município conta com relevante sistema público de saúde, com ênfase nas
ações do PSF (Programa de Saúde da Família). Existe no perímetro urbano,
uma pequena unidade referência de saúde, com equipes do PSF, não havendo
no município nenhum hospital, pronto-socorro ou maternidade gerando
dependência dos hospitais de Barbacena, Belo Horizonte, Congonhas, Entre
Rios e São João Del Rey. Por último, nota-se ainda a existência de ações de
saneamento ambiental, por parte do poder público, mesmo com suas
dimensões conhecidas e de sua importância social. No passado, era comum o
uso de “fossas”, fato revolucionário para uma comunidade acostumada no
passado, a utilizar o próprio quintal como banheiro. As principais localidades
rurais e distritos possuem centros municipais de saúde com atendimento
básico, sob os moldes do PSF, para atendimento da população rural do
entorno, sendo que determinadas questões são encaminhadas para a unidade
referência na sede municipal.
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O processo histórico do uso e ocupação do solo na região é antigo como o
relatado na breve abordagem histórica do município. Por se tratar de uma área
onde ainda não ocorrem consideráveis adensamentos urbanos, não existem
bairros populares decorrentes de parcelamentos desordenados. No caso do
perímetro urbano da sede municipal existem além do Centro, somente os
bairros Barro Preto e São Vicente, sendo o primeiro o núcleo de expansão
urbana mais recente e no Pereirinhas está ocorrendo um novo parcelamento.
As principais rodovias que servem de acesso a Belo Horizonte, são a BR-381
(São Paulo/Vitória), cujo acesso é possível pela MG-270 (Rodovia Doutor
Márcio Andrade) até Carmópolis de Minas e a BR 383 (Joaquim
Murtinho/Pindamonhangaba) e BR-040 (Rio de Janeiro/Brasília), acessível pela
MG 270 passando por Entre Rios de Minas. São estas rodovias, as
responsáveis pelo escoamento local da produção agrícola. O acesso à zona
rural e ao distrito do Gil se dá através de estradas vicinais que nos períodos
chuvosos dificulta a ligação destas localidades com a sede municipal. Apesar
de haverem moradores que dispõem de veículos automotores particulares, o
serviço de transporte coletivo por ônibus rodoviário, gerenciadas pelo DER-MG
e operado pelas empresas Viação Sandra S.A e SARITUR (Santa Rita
Transporte Urbano e Rodoviário S.A), se caracteriza como elemento
indispensável à comunidade local, ligando a localidade a Belo Horizonte e
Oliveira.
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2.2.3 - Aspectos Culturais
No aspecto cultural, às principais áreas de lazer são as cachoeiras, as praças
das igrejas, campos de futebol e bares, existentes na sede, distritos e
localidades rurais, garantindo o acesso da população local à recreação e
entretenimento. De um modo geral, a cultura local se pauta na ruralidade, com
existência de alguns grupos culturais como o Congado e a Folia de Reis, e
demais manifestações populares como às tradicionais festas existentes. O
catolicismo é marcante no contexto sócio-cultural do município, muito embora
já existam igrejas evangélicas na sede e distritos. A padroeira local é Nossa
Senhora do Desterro, sendo que ainda existe na sede a capela de Nossa
Senhora do Rosário, próxima do cemitério, e as igrejas de São Sebastião,
padroeiro dos distritos de Gil e Pereirinhas. A zona rural também é marcada por
comunidades religiosas organizadas e por capelas rurais que recebem a visita
periódica do pároco de Desterro nos dias agendados para missas comunitárias.
A cidade apresenta algumas peculiaridades, como ser chamada na zona rural
de "Rua" devido à antiga época em que Capela Nova do Desterro era formada
por uma única rua, provavelmente a rua principal, atualmente denominada
Teóphilo de Andrade, na qual localizavam-se poucas casas, as duas igrejas e o
pequeno comércio local, fato que condicionou os moradores mais velhos das
localidades rurais a também chamarem o perímetro urbano de "Comércio". Os
moradores das localidades de Bom Retiro, Geada, Morro Grande, Tapera e ad-
jacências se dirigem à sede do município de Desterro para compras, estudos,
lazer, sepultamentos, evidenciando laços de proximidade, resultantes principal-
mente da distância superior a 20 km de Piracema. No passado, moradores
destas localidades, somente iam a Piracema para registros civis de nascimen-
to, casamentos e óbitos e para casamentos religiosos, mas esta distância se
reduziu muito nas últimas décadas devido a facilidades de acesso ao respecti-
vo município. Se por um lado, existem localidades piracemenses, próximas da
realidade desterrense, e distante da sede do município de pertencimento, exis-
tem também localidades no município de Desterro que mantêm estreitas rela-
ções com a cidade de Entre Rios de Minas. Destacam-se, neste contexto, o
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distrito de São Sebastião do Gil e localidades do entorno, distantes aproxima-
damente 15 km daquela cidade e mais de 20 km de Desterro.
No capítulo seguinte, buscou-se, analisar o contexto especifico dos desloca-
mentos da área de entorno da serra da Tapera, limite intermunicipal de Dester-
ro e Piracema, para o estado de Goiás, espacializando e analisando brevemen-
te algumas cidades goianas onde se fixaram pessoas da área de estudo. Os
relatos orais ainda muito comuns na zona rural do município, embora não se-
jam oficiais ajudaram a analisar por que os deslocamentos de pessoas para
aquele estado. As considerações finais fecham o trabalho mostrando que atual-
mente existem deslocamentos principalmente para cidades médias da região
como Entre Rios de Minas. É relevante lembrar que o trabalho apresentou difi-
culdades técnicas fazendo que o terceiro capítulo se dedicasse apenas à refle-
xão sobre o processo de deslocamentos ocorridos e sua relação com a memó-
ria dos moradores que ficaram. Metodologicamente foi planejado à consulta a
vários dados de cartórios de registro civil e dos Correios, através dos quais se
caracterizariam os resultados do trabalho. Porém com a ausência de dados ofi-
ciais, mudou-se o eixo para a oralidade, não sendo também possível a aplica-
ção de questionários e entrevistas devido à distância do alvo de estudo, que se
localiza a 160 km de Belo Horizonte e aproximação da data de entrega dos tra-
balhos e defesa final. Por último tomou-se o cuidado de caracterizar que a me-
mória não é um campo de atuação exclusivo de historiadores, refletindo sobre
a atuação do geógrafo neste campo. Indispensável para a compreensão das
relações entre homem e espaço.
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3 – ESPAÇO, TEMPO E MEMÓRIA: os deslocamentos de famílias do entorno da serra da Tapera para o estado de Goiás
A Ciência Geográfica, enquanto categoria científica capaz de também
relacionar os conceitos de tempo e memória como indispensáveis na
compreensão do processo de produção e reconfiguração do espaço
geográfico. Com isso pode-se dizer que questões epistemológicas e científicas
relacionadas ao processo de compreensão e análise da memória baseada na
relação entre as pessoas e destas com o espaço, não são exclusividade da
História, enquanto ciência, mas perpassam também pela essência da
Geografia, enquanto ciência interdisciplinar. Assim a produção e
reconfiguração do espaço geográfico perpassa por uma série de outras
ciências. Para se correlacionar a Modernidade e memória, utilizando uma
perspectiva interdisciplinar os conceitos de Espaço e Tempo, é necessário
ainda à compreensão de que:
Neste contexto, a materialidade simbólica do espaço é cada vez mais substituída pelo novo, pelo moderno, de tal forma que o espaço cada vez mais parece “escapar” da memória e das lembranças. Diante deste quadro, objetiva-se desenvolver uma reflexão teórico-metodológica que se situe na confluência das ciências sociais e da geografia, capaz de priorizar a memória não somente como lembrança de um passado, porém como meio para recriar o passado com vistas ao futuro, portanto, como algo que implica numa possível ação transformadora, na qual as lembranças, como matrizes da memória, possam ser os alicerces de novos espaços e novas temporalidades (UNESP, 2006).
Repesando a íntima relação entre História e Geografia, HOLZER diz que
“qualquer trabalho que se refira à espacialidade humana deve referir-se à
memória” (2000, p. 111). Este autor retrabalha brevemente esta relação a partir
da ótica de que “a memória contribui para a constituição de categorias
espaciais (2000, p. 111)”. Neste sentido a geografia humanista, reforçaria a
relação existente entre memória, história e espacialidade.
Uma aproximação entre memória, história e espacialidade pode ser feita a partir da geografia humanista e, em particular, a partir da obra de Lowenthal. O autor, um dos primeiros humanistas, tem também ligações profundas com a geografia cultural e com a geografia histórica. Suas preocupações com uma nova epistemologia da geografia provêm de sua formação, e seriam enunciadas em 1961 (...) em que eram retomadas propostas de John Wright (1947) que
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sugeria o fim da delimitação entre objetividade e subjetividade na geografia. O caminho proposto era o do estudo da imaginação geográfica e de sua diferenciação das imagens mentais, que podiam ser meramente invocadas pela memória (HOLZER, 2000, p. 112).
O autor cita Yi-Fu Tuan (1974, 1977) para o qual “o lugar encarna as
experiências e as aspirações pessoais, é uma realidade que deve ser
compreendida da perspectiva dos que lhe dão significado (HOLZER, 2000, p.
113)”. Neste sentido a partir da análise das relações existentes entre memória,
paisagem e lugar, conclui-se que espaço e tempo estão indissoluvelmente
ligados, reforçando o caráter essencial da geografia, enquanto ciência que
estuda as relações entre sociedade e natureza. No estudo geográfico da
espacialidade, não importa a que época se refira, a memória, como fruto da
ação humana deve ser amplamente considerada, analisada, compreendida e
registrada. Caso se desconsidere isso estaria se ampliando a discussão
historicamente construída na Geografia, no que se refere à histórica dicotomia
entre os aspectos humano e físico, natural e cultural.
Neste contexto, o presente capítulo tece reflexões acerca da memória local dos
moradores rurais do entorno da serra da Tapera, divisa intermunicipal dos
municípios mineiros de Desterro de Entre Rios e Piracema como elemento
relevante para se compreender como o espaço geográfico daquela área foi
reconfigurado após o processo de transferência e fixação de famílias em terras
goianas. Não somente por preservar a memória que se encontra seriamente
ameaçada, uma vez que aqueles que detêm o relato daquela realidade
encontram-se na faixa etária entre 60 e 90 anos, como também permite
entender um pouco do contexto histórico-geográfico de Desterro de Entre Rios,
cidade referência para a área de estudo. É a memória que relata como o
espaço geográfico apresentava-se em determinada época e como ele foi
determinante ou não sobre o homem que por sua vez, encontra-se também
ameaçada pela destruição de cartas e fotos fazendo com que fatos e
elementos se percam no vazio da existência.
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3.1 - Partindo do entorno da Serra da Tapera para o estado de Goiás
O nome desterro tem significados que podem dimensionar alguns fragmentos
culturais do povo brasileiro, figurando desde concepções religiosas até
fenômenos históricos e sociológicos. Segundo o dicionário Novo Aurélio –
século XXI, o termo “desterro” tem vários significados, caracterizando uma
idéia associada ao ato de emigrar, apartar-se, distanciar-se. Esta palavra
relaciona-se indiretamente com a realidade de deslocamentos para Goiás,
quando várias pessoas deixaram sua terral natal e partiram para outra distante,
estranha e desconhecida. Na atualidade pode-se comparar etimologicamente
esta palavra aos vários fenômenos sociais da expulsão do homem do campo e
consequente êxodo rural, quando milhares de pessoas, em todo o país são
levadas obrigatoriamente, a deixarem suas terras de origem, para viver em
terras estranhas, na maioria dos casos de incertezas, denotando uma idéia de
expulsão e exílio. A história cristã do “desterro” refere-se ao episódio ocorrido
logo após o nascimento de Jesus Cristo, quando Herodes temendo perder seus
domínios no futuro, ordenou que se matassem todas as crianças menores de
dois anos. José, avisado em sonho, transferiu-se com Maria e o menino para o
Egito, a fim de protegé-los. Segundo a tradição cristã, Nossa Senhora do
Desterro é muito venerada na Itália como a "Madonna degli Emigrati",
padroeira de pessoas obrigadas a deixarem sua pátria, buscando refúgio ou a
fim de procurar trabalho no estrangeiro. Culturalmente, ela tem sido uma
referência para aqueles que, saudosos da terra natal, buscam encontrar
compreensão e simpatia na terra adotiva.
A região da serra da Tapera ou serra do Coelho, área deste estudo localizada
na divisa intermunicipal entre os municípios mineiros de Desterro de Entre Rios
e Piracema sempre foi marcada por degradações ambientais decorrentes de
atividades agropecuárias, sendo o mais comum o desmatamento de
remanescentes florestais para plantio de pastagens e para o cultivo de
produtos agrícolas. Neste contexto sempre se destacou a agricultura de
produção familiar voltada à subsistência, com perspectivas de venda do
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excedente agrícola, sendo muito comum o plantio no regime de parcerias com
outros proprietários. Com o uso extensivo e inadequado, os solos foram dando
sinais evidentes de exaustão, em decorrência do uso contínuo e inadequado.
Segundo relatos locais, as famílias eram numerosas com muitos filhos, e o uso
de métodos tradicionais inadequados associados ao contínuo uso das
pequenas extensões de terras agricultáveis, levaram a uma série de
dificuldades técnicas e financeiras, forçando-os a se deslocarem em busca de
novas perspectivas.
O processo de emigração na divisa municipal tem inicio a partir da década de
1950, quando várias famílias se dirigiram para o estado de Goiás, na
expectativa de encontrarem terras férteis, objetivando elevar a produção
agrícola, obtendo com isso lucros e melhoria da qualidade de vida. Com a
promessa de facilidades em terras goianas, onde poderiam plantar no regime
de parceiro com os proprietários de terras, famílias inteiras se mudaram para o
estado, sendo que muitas permaneceram por lá e outras com o insucesso da
empreitada, acabaram por retornarem à terra natal, como o caso do
aposentado A., 77 anos, viúvo, morador da localidade piracemense de Geada.
As principais cidades goianas que receberam desterrenses segundo relatos
locais de familiares que permaneceram no município foram Abadiânia,
Anápolis, Corumbá de Goiás, Itapaci, Itapuranga, Petrolina de Goiás,
Pirenópolis, Porangatú, São Francisco de Goiás e Uruana. A partir da década
de 1960, uma mineradora se instalou na Serra do Coelho, interessada em
explorar minério-de-ferro existente na mesma, próxima às localidades rurais de
Tapera, Morro Grande, Mumbeca e Barro Branco. O processo foi protocolado
em 1961 no Departamento Nacional de Produção Mineral, e não há dados
oficiais referentes ao período de funcionamento. O que se sabe é que a
mineração exerceu forte atração sobre os moradores locais e vários jovens
basearam suas vidas na expectativa de conseguirem um emprego nas
atividades minerárias, podendo desta forma permanecer junto aos seus
familiares. Ao encerramento das atividades, devido à inviabilidade comercial de
extração na serra, vários jovens transferir residência para Belo Horizonte ou
São Paulo, objetivando fixação e emprego, fato que se intensificou
principalmente a partir da década de 1970, para a capital paulista e entorno
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metropolitano. No próximo sub-capítulo dedicou-se a uma breve análise do que
foi exposto pelos sete entrevistados, uma vez que problemas técnicos que
ocasionaram a não gravação das falas, não permitiu que elas fossem
transcritas na íntegra e adicionadas à reflexão.
3.2 – Casos de fixação de desterrenses em algumas regiões goianas
Uma série de fatores ditados pela lógica da expansão da fronteira agrícola no
Centro Oeste e sua submissão aos ditames capitalistas do Sudeste brasileiro
determinaram o deslocamento e a fixação de mineiros principalmente no
estado de Goiás. Dentre eles pode se destacar a chegada da Estrada de Ferro
Goyaz, a construção de Goiânia e Brasília e a consolidação de um eixo entre
ambas, a BR 153 (Rodovia Belém-Brasília) e a CANG (Colônia Agricola
Nacional de Goiás), fatos que ocasionaram a fixação de mineiros, e no caso
deste estudo, migrantes originários do município mineiro de Desterro de Entre
Rios nas mais diferentes regiões do estado. O estado é dividido em cinco
mesorregiões geográficas (Mapa 3): Norte de Goiás, Noroeste de Goiás, Leste
de Goiás, Centro de Goiás e Sul Goiano. Algumas dessas regiões goianas re-
ceberam migrantes originários do entorno da serra da Tapera como Abadiânia,
Corumbá de Goiás e Pirenópolis no leste, Anápolis, Itapaci, Itapuranga, Petroli-
na de Goiás, São Francisco de Goiás e Uruana no centro e Porangatú, no nor-
te. Embora não haja confirmações há ainda evidências de desterrenses em ou-
tras cidades como Uruaçu no norte, bem como no estado do Tocantins. Para
se listar algumas das cidades goianas que receberam desterrenses esta divi-
são oficial de Goiás será adotada objetivando a compreensão da espacializa-
ção desses mineiros no estado. Atualmente várias pessoas residentes na re-
gião de Desterro, também têm histórias parecidas como a aposentada N., de
72 anos, residente no Bom Retiro de Trás, que teve inúmeros parentes que fo-
ram embora para Goiás, dentre os quais, sua irmã, que hoje vive em Anápolis.
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Mapa 3 – Mesorregiões geográficas do estado de Goiás
1 – Norte de Goiás, 2 – Noroeste de Goiás, 3 – Leste de Goiás, 4 – Centro de Goiás, 5 – Sul Goiano
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Goias_Mesorregions.svg
Para se entender o contexto de deslocamentos de desterrenses para Goiás,
faz-se necessário uma análise não só do cenário político-econômico naquela
época, como da realidade cultural existente no campo naqueles tempos. Em
meados do século XX, o mundo passou por reconfigurações que o tornaram
mais globalizado, tendo como principal mecanismo, a orientação antropocêntri-
ca, racional e tecnicista. Principalmente na era getulista, onde o Brasil começou
o priorizar o “desenvolvimento a qualquer custo”, a realidade rural ainda se ca-
racterizava e se diferenciava pelas suas peculiaridades e especificidades (ali-
mentação, educação, hábitos, higienização, modos de lazer e entretenimento,
moradia, religiosidade, saúde e segurança, trabalho e renda, no transporte e
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vestuário), fazendo das paisagens rurais, especiais e únicas num mundo cada
vez mais urbano-industrial e capitalista. Neste sentido, nas décadas de 1930 a
1960, passar roupas com ferro de brasa, fazer sabão, utilizar fogão à lenha e
luz de querosene, utilizar forno de cupim, o paiol de milho, o moinho d´água, o
engenho de cana, o carro de boi, a água da bica, as vassouras de alecrim do
campo e de capim do brejo, fazer casas de pau-a-pique, com chão de barro, o
cuidado com a roça (preparo, plantio, capina, aragem, colheita), os colchões de
palha, os travesseiros de flor de marcela, o uso da cuia (cabaça), os brinque-
dos improvisados, a música sertaneja, ainda eram os fatores que diferenciavam
a roça da cidade, e o Brasil Rural de um novo país que passava a se estruturar
no contexto internacional.
Apesar das especificidades do modo de vida rural, as dificuldades também
eram grandes, como por exemplo, a falta de acesso a tratamentos de saúde e
a uma educação satisfatória, bem como a exaustão dos solos devido ao uso
contínuo e indevido. Esta exaustão trazia consigo um conjunto de incertezas,
dentre as quais a ameaça da fome, fazendo com que as pessoas sonhassem
com novas perspectivas de vida. Numa época, onde esta tipologia cultural de
caráter rural ainda era muito comum, iniciou-se um processo intenso de deslo-
camentos populacionais de migrantes mineiros para o estado de Goiás, dentre
os quais inúmeros desterrenses. Várias pessoas participaram direta e indireta-
mente deste processo, como a aposentada, L., de 86 anos, residente na Estiva,
cujos pais, tio e primos se mudaram para Itapuranga e a doméstica, H., de 36
anos, moradora do Barro Branco, que morou certo tempo em Itapaci, onde se
casou com um parente goiano, tendo retornado para seu local de origem com
sua única filha. Por diretamente afetado pode se entender aqueles que se mu-
daram para terras goianas e que voltaram ou não e por indiretamente afetado,
denominam-se aqueles que aqui ficaram e continuaram a rotina de suas vidas,
embora alguns parentes próximos tenham se mudado.
A tradição oral relata que esses fluxos ocorreram principalmente após
emancipação de Desterro, anteriormente pertencente ao vizinho João Ribeiro
(atual Entre Rios de Minas), quando começou uma série de partida de famílias
inteiras, incluindo pais, mães, irmãos, avós, tios, primos. Neste contexto se
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inserem várias pessoas, como a aposentada, F., de 74 anos, residente em
Pedra-de-cevar, que teve seu pai e mãe, bem como alguns irmãos,
transferidos, para Três Ranchos, às margens da BR-163 (Belém-Brasília), em
Pirenópolis, sendo seu esposo, o aposentado, O., de 76 anos, também com
irmãos fixados na mesma região. Estes deslocamentos seriam muito diferentes
dos fluxos posteriores para São Paulo e Belo Horizonte, quando migravam em
sua maioria apenas pessoas jovens e solteiras. Neste contexto, o espaço
geográfico local foi reconfigurado “de uma hora para outra”, com a saída
contínua de moradores e uma realidade de casas que eram totalmente
desocupadas. Posteriormente aquelas que não foram desmanchadas, foram
reconstruídas ou reocupadas pelos familiares que ficaram, e localidades
inteiras se modificaram rapidamente como o Bom Retiro de Trás, no município
de Piracema, distante apenas 13 km de Desterro, que quase se esvaziou por
inteiro, restando em torno de 14 casas vazias, cujas famílias foram para Goiás.
Mas porque o pessoal teria se deslocado em massa para outra realidade bem
diferente da que estavam acostumados, passando a viver num estado
totalmente distante e desconhecido? Segundo os relatos daqueles que ficaram
a fertilidade de terras goianas, foi o principal fator de atração, fazendo com que
inúmeras pessoas enfrentassem mais de 1.000 km de distância em busca de
novas perspectivas de vida. Apenas precisavam de alguém conhecido, que lá
já residiam como referencia para intermediar a fixação. Assim terras famosas
do Vale do Rio Corumbá, nas regiões de Anápolis e entorno do DF (Abadiânia,
Anápolis, Corumbá, Petrolina e São Francisco) e terras do Vale do São
Patrício, nas regiões de Ceres e Porangatú (Itapaci, Itapuranga, Porangatú e
Uruana) foram sendo gradativamente ocupadas por pessoas originárias da
região de Desterro, num período que provavelmente vai de 1950 a 1970.
algumas localidades goianas até tiveram seus nomes mudados devido à
fixação de mineiros como a Serra do Misael, divisa intermunicipal entre
Anápolis e Pirenópolis, que passou a ser conhecida como a Serra dos
Mineiros.
Mas como estes boatos de fertilidade dos solos e de fartura da produção
agrícola goiana teriam chegado a esta região de Minas Gerais? O aposentado
A., de 77 anos, residente na Geada, relata que o feijão foi o principal elemento
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que criou esta expectativa de mudança na população local. Segundo ele que
morou sete anos (1957-1963) em Souzânia, distrito de Anápolis, local onde
nasceram quatro de seus 08 filhos, na zona rural de Desterro houve
considerável declínio da produção agrícola, fato que ameaçava a integridade
das inúmeras famílias, compostas por uma média de oito a doze filhos e,
curiosamente, contribuiu para que o feijão se tornasse um alimento raro nas
refeições diárias. Quem tinha dinheiro comprava o famoso feijão goiano nas
vendas locais e quem não tinha ficava somente na vontade, pois não se
produzia mais este gênero alimentício nas culturas da região, em decorrência
da exaustão dos solos. O feijão goiano trazia consigo a fama de um rincão no
Brasil Central, onde o solo era rico e onde também havia fartura de milho e
arroz, dentre outros gêneros. Em busca desta riqueza e abundância e também
de melhoria na qualidade de vida, alguns pioneiros se enveredaram para estas
terras estranhas, das quais mandavam notícias fabulosas que encantavam os
que aqui ainda estavam. Com isto estaria dada a largada rumo aos sertões de
Goiás, que acabou por ser tornar uma febre e revolucionar a região. Uma série
de mudanças para aquele estado foi empreendida e inúmeros caminhões
partiram levando famílias e pertences. Um caminhão, passando por
Crucilândia, Itaguara e Itaúna, gastava, em média, nove dias em estradas
precárias para chegar a Goiás. Neste período contínuo de mudanças para
Goiás, os caminhões retornavam com sacos de feijão para venda em Desterro
e região. Com o advento do transporte ferroviário de passageiros, a “máquina”,
como os desterrenses chamavam o trem-de-ferro, encurtaria em quatro dias a
distância entre as estações ferroviárias de Itaúna e Anápolis. Posteriormente,
com a conclusão da BR 040 ligando Brasília a Belo Horizonte, facilitou-se a
comunicação e o fluxo entre estas regiões e muitos podiam utilizar os primeiros
ônibus que faziam esta ligação.
Segundo o aposentado V., de 75 anos, morador do Mumbeca, que morou no
município de São Francisco de Goiás durante dois anos (1968-1970), tendo
retornado a Desterro onde atualmente vive com a família, aqueles que se
fixaram em terras goianas, iniciaram suas vidas como agregados em terras
alheias, trabalhando num regime de parceria como os proprietários. As
primeiras adaptações eram as terras aplainadas do Planalto Central, diferente
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dos morros e serras a que estavam acostumados e o calor excessivo. Para a
moradora da Tapera, a aposentada C., de 62 anos, que teve três tias maternas
que se mudaram para lá e seu esposo, o aposentado G., de 68 anos, também
teve vários tios maternos, que se mudaram e com os quais perdeu totalmente o
contato, o pior era a separação e a distância. Esta separação é inclusive relata
como sinônimo de desespero, angústia e sofrimento. Como a mudança deixou
marcas profundas no campo sentimental, tanto de quem foi como de quem
ficou cartas e fotos, encaminhadas via postal amenizavam a distância e a dor
da separação. Quem partia, levava saudades de seus entes que ficavam e os
que permaneceram sofriam com as incertezas de um lugar longe e distante.
Algumas pessoas que moravam em Goiás puderam retornar uma única vez ou
mais vezes à terra natal e alguns moradores da região ocasionalmente
visitaram seus parentes residentes em Goiás, mas algumas famílias perderam
totalmente o contato com seus parentes mineiros. Por outro lado, a nova terra
habitada tinha certa fama de “território sem lei”, resultante do choque cultural
entre mineiros, piauienses, baianos e maranhenses, que por terem diferentes
concepções e posturas acabavam por gerar inúmeros conflitos. Com o passar
dos anos, alguns dos pioneiros faleceram e seus descendentes fixaram nas
grandes cidades como Anápolis e Brasília e outros acabaram se mudando até
para São Paulo. Se naquela época, os solos férteis eram motivo de atração
para pequenos agricultores, atualmente em Desterro, diversas técnicas e
recursos minimizam os efeitos de exaustão dos solos, como a aragem, os
fertilizantes, o uso de calcário e esterco. Atualmente, a fertilidade das terras
goianas já não mais chama a atenção dos desterrenses, e com o passar do
tempo os relatos de ligação entre a região e Goiás se perdem, com o
falecimento daqueles que detêm estas informações. Por outro lado, cartas e
fotos são rasgadas ou queimadas como rompimento com o passado, por
pessoas novas que desconhecem a importância destas histórias para a
contextualização histórico-geográfica do município.
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3.2.1 – Região Leste Goiano
Vários mineiros fixaram-se na região Leste de Goiás, atraídos pela fama de
solos férteis, mas especificamente na microrregião Entorno do DF (Tabela 4).
Neste contexto se insere as cidades de Abadiânia, Corumbá de Goiás e
Pirenópolis.
Tabela 4 – Dados preliminares relacionados às cidades da Mesorregião Entorno do DF
Município Área territorial População Abadiânia – GO 1.044 km² 12.640 habitantesCorumbá de Goiás – GO 1.062 km² 9.190 habitantesPirenópolis – GO 2.228 km² 20.460 habitantes
Fonte: adaptado de http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
Os responsáveis pelo povoamento do Município de Abadiânia foram os
habitantes de Corumbá de Goiás, atraídos pela fertilidade das terras para a
exploração agrícola e pastoril, nas margens dos cursos d’água. A fundação do
povoado se processou em 1874 com a realização de rezas em modesta
capelinha de pau-a-pique e mais tarde, as festividades religiosas
transformaram-se em grandes romarias sendo o principal fator para o
crescimento da povoação. Em 17 de agosto de 1895, ocorreu a doação oficial
do terreno para a formação do patrimônio, cujo nome inicial foi “Posse”,
decorrente do ato natural de posse dos primeiros moradores. Em 1943, o
povoado passou à condição de distrito de Corumbá de Goiás e com o advento
da BR-153 (Rodovia Belém-Brasília) e a má localização da Sede Municipal
decidiu-se em 1960, transferi-la para as margens da citada rodovia, efetivando-
se a mudança em 1963. A antiga sede retornou à condição de distrito, com a
denominação de Posse d’Abadia.
A povoação de Corumbá de Goiás surgiu em 1731, como pólo de mineração no
Rio Corumbá do qual se originou o nome que significa em tupi-guarani: “banco
de cascalho”. Em 1734, com a inauguração de uma capela, a povoação passou
a ser o centro de toda a região. O povoado foi crescendo entre o rio e a capela,
com habitantes de origem paulista e portuguesa, vindos com as bandeiras, em
busca de pedras preciosas e construindo suas moradias na margem do referido
rio. Em 1840, Corumbá passou à categoria de paróquia e em 1849, foi elevado
61
à condição de Vila, com atribuições de município. Todavia, em 1863, perdeu
essa condição, voltando a pertencer a Meia Ponte (atual Pirenópolis),
restaurada em 1875, efetivando-se a instalação no ano seguinte. A Vila de
Corumbá recebeu foros de cidade em 1902, sendo que em 1943, devido à
existência de topônimo idêntico no estado de Mato Grosso, passou a ter a
denominação atual.
3.2.2 – Região Central de Goiás
A Mesorregião de Anápolis (Tabela 5) também recebeu migrantes da região de
Desterro. As primeiras penetrações na região de Anápolis foram realizadas,
segundo a crônica regional, por imigrantes nordestinos atraídos pela
exploração aurífera. Na extensa faixa de terra entre Bonfim (atual Silvânia) e
Corumbá, fixaram-se alguns desses aventureiros animados pela excelência do
solo e pela abundância e variedade de caça existente no local, também
conhecido por `'Campos Ricos"; para ali se transportaram, mais tarde,
inúmeros mineiros e baianos. Reza ainda a tradição que em 1871 foi erguida
na localidade uma capela. Com a chegada, em 1935, dos trilhos da estrada de
ferro Goiás, abriram-se novas perspectivas à região, constituiu-se em fator
relevante do povoamento e de intercâmbio mercantil. avolumadas em
decorrência da construção de Goiânia e de Brasília.
Tabela 5 – Dados preliminares relacionados às cidades da Mesorregião de Anápolis
Município Área territorial População Anápolis – GO 918 km² 325.544 habitantesPetrolina de Goiás – GO 540 km² 9.864 habitantesSão Francisco de Goiás – GO 339 km² 5.713 habitantes
Fonte: adaptado de http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
Outra região do centro goiano que recebeu migrantes mineiros da região
mineira da Serra da Tapera foi a Mesorregião de Ceres (Tabela 6), onde foi
implantada a CANG – Colônia Agrícola Nacional de Goiás, na época de
expansão da fronteira agrícola. O povoamento de Itapaci originou-se nas terras
de duas fazendas Barra numa região anteriormente habitada por índios de cuja
existência resta vestígios na Serra da Figura. Em 1924, ali se fixaram inúmeras
famílias responsáveis pela fundação do povoado. Em plena mata de São
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Patrício, cresceu a povoação, obtendo a categoria de distrito em 1938 e no ano
seguinte nova denominação de “Itapaci”, que em tupi significa “Pedra Bonita”.
Em 1945, o distrito torna-se definitivamente um município
Tabela 6 – Dados preliminares relacionados às cidades da Mesorregião Ceres
Município Área territorial População Itapaci – GO 956 km² 16.003 habitantesItapuranga – GO 1.277 km² 24.832 habitantesUruana – GO 522 km² 13.712 habitantes
Fonte: adaptado de http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
3.2.3 – Região Norte de Goiás
Outra região goiana (Tabela 7), localizada no norte próxima à divisa com
Tocantins, também recebeu migrantes da área mineira estudada, com
destaque para os municípios de Porangatú e Uruaçu.
Tabela 7 – Dados preliminares relacionados à cidade da Messoregião Porangatú
Município Área territorial População Porangatú – GO 4.820 km² 39.238 habitantesUruaçu – GO 2.142 km² 33.382 habitantes
Fonte: adaptado de http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
3.3 – Outros Deslocamentos populacionais
Os principais deslocamentos ocorridos foram para Belo Horizonte, Goiás e São
Paulo. Outros deslocamentos populacionais em menor escala, ocorreram no
contexto histórico de Desterro, sendo que atualmente há casos de famílias
fixadas em Catas Altas da Noruega, Entre Rios e Piracema (que se deslocaram
da região das localidades de Cerrado, Estivado e Olaria, em Desterro para a
comunidade do Tatu, próxima a sede municipal daquele município) e ainda no
Distrito de Alto Maranhão (município de Congonhas), bem como inúmeras
outras localidades. Na região metropolitana de Belo Horizonte, principalmente
nos bairros próximos da BR 040, da BR 381 e MG 040 (Quadro 5), rodovias
que ligam Desterro à capital mineira e adjacências, mas especificamente nos
municípios de BH, Betim, Contagem, Ibirité, existem áreas concentradas que
abrigam muitos daqueles que saíram do município em busca de novas
perspectivas.
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Quadro 5 – Municípios metropolitanos onde moram desterrenses e respectivas regionais ou distritais
Município Área regional ou distritos (¹)Belo Horizonte – MG Região do BarreiroBetim– MG Regiões do Alterosas e PTBContagem – MG Regiões do Riacho, Eldorado e IndustrialIbirité – MG Sede e Parque Duval de Barros
(¹) áreas regionais definidas pelas prefeituras municipais e/ou distritos oficiais
Porém a grande maioria daqueles que saíram da cidade fixaram residência na
cidade de São Paulo. Um visitante que anda pela cidade de Desterro de Entre
Rios, não tem a impressão de estar a apenas 161 km de Belo Horizonte, mas
sim de estar no interior do estado de São Paulo, muito embora a essência
mineira esteja em cada rua, residência e morador do perímetro urbano
desterrense. Tal impressão se deve ao fato de existirem na cidade inúmeros
veículos originários do respectivo estado, que geralmente apresentam placas
com as iniciais A, B, C e D, bem como aqueles veículos oriundos das cidades
paulistas, principalmente da capital que tomam a cidade nos finais de semana,
feriados prolongados, períodos de férias escolares, bem como eventuais
parentes que vieram visitar seus familiares no município. Mas nada se
compara, ao período da festa do Produtor Rural, tradicional na cidade, com
acontecimento anual previsto para o feriado de Corpus Christi, em junho. A
cidade é literalmente tomada por carros, ônibus e desterrenses ausentes
fixados em São Paulo, localizada a 495 km de distância. A relação entre
Desterro e São Paulo e tão evidente que na zona norte daquela cidade, mas
especificamente no distrito do Tremembé, próximo à BR 381, existem bairros
com uma considerável população de desterrenses fixados e seus
descendentes, principalmente na Vila Albertina. Inúmeros bairros como Furnas,
Jardim Joamar, Vila Zilda e outros abrigaram os sonhos de muitos que saíram
de Desterro, principalmente a partir das décadas de 1960 e 1970, atraídos
pelas inúmeras possibilidades de emprego e qualidade de vida que estavam
sendo previstas para a capital paulista e entorno metropolitano. O acesso de
Desterro a São Paulo via ônibus, é possível através de Entre Rios, onde passa
uma linha rodoviária (UTIL – União Transporte Interestadual de Luxo S/A ou
Viação Cristo Rei) que liga à capital paulista à Mariana, ou por Oliveira
(Viações Cometa e Gontijo).
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Atualmente o município vive a euforia da pavimentação asfáltica da rodovia
estadual MG 270 que liga a BR 383 em Entre Rios, à BR 381 em Carmópolis
de Minas, esperando com isso fácil deslocamento para as cidades vizinhas e
para a capital, bem como atrair empreendimentos visando desenvolvimento
local, e facilidade de escoamento da produção agrícola. Este asfaltamento trará
maior ligação com a cidade de São Paulo, fato evidenciado por AZZI (2006),
que retrata isso na seguinte descrição:
O simples fato de reduzir o percurso das viagens originárias de São Paulo e Sul de Minas e destinadas às cidades históricas e de tradição mineradora, como Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Ouro Branco (onde se localiza a Gerdau Açominas), Ouro Preto e Mariana, gera economia, fluidez e, principalmente, integração regional. O mesmo acontecendo com os usuários que vêm do Rio de Janeiro e necessi-tam se dirigir à Fernão Dias. A dimensão dos projetos, que ora se en-contram em fase de estruturação e implantação na região, também representa outro incentivo para que os órgãos governamentais vis-lumbrem ações de benfeitorias para aquela rota.
Outra perspectiva de desenvolvimento local se pauta no provável retorno da
mineração na serra do Coelho. As ações antrópicas decorrentes da instalação
de atividades minerárias, e manganês na divisa intermunicipal com Piracema,
poderão degradar uma pequena área preservada na serra da Tapera,
remanescente de cerrado, que é uma das últimas da região, causando o
provável comprometimento do lençol freático que abastece os moradores do
entorno da serra. Outro problema é a pressão que vem sido exercida pela
mineradora sobre os agricultores familiares locais, para compra de terrenos no
entorno, forçando-os a mudarem dos locais nos quais seus familiares convivem
há muito tempo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história tem um significado único, ao descrever o desenrolar da vida, em
diferentes épocas e momentos. Neste contexto inúmeras sociedades e povos
deixaram imensas contribuições à evolução humana, mas por outro imprimiram
no planeta, marcas e seqüelas irreversíveis que clamam por imediatas
soluções. Muitas destas marcas passaram a se intensificar principalmente após
o advento da Revolução Industrial e estabelecimento do atual modelo sócio-
econômico. Na análise do passado é possível encontrar inúmeras respostas,
aprimorar antigos feitos, objetivando evitar que antigos erros sejam repetidos.
Significa também a possibilidade de resgatar experiências e valores
primordiais. Mas, diante de uma história marcada por conflitos e interesses
divergentes, será que a memória tem alguma ligação com o passado? Diante
de uma história marcada por degradações e guerra, será que a memória deve
ser resgatada e preservada?
Passado, essa palavra por vezes misteriosa, que fala das origens humanas e
que pode ser considerado como um conjunto de vivências, onde o acúmulo de
experiências torna-se referência para a construção do futuro. Somente ele
permite entender quem são os seres humanos, seus anseios, dúvidas,
interesses e sentimentos. Apresenta-se como alicerce fundamental para o
crescimento e aprimoramento humano nos níveis pessoal e social. As lições do
passado permitem entender a íntima relação entre a natureza e os homens: O
passado pode ser considerado como o resultado dessas marcas culturais que
imprimem uma nova configuração aos lugares, como resultado das complexas
relações sociais.
O presente trabalho pode tecer pequenas contribuições à compreensão da ca-
pacidade do geógrafo de registrar os processos históricos numa perspectiva de
análise sócio-espacial, elementos que por sua vez jamais poderiam ser des-
considerados nos estudos interdisciplinares direcionados a esse profissional.
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Também continuou a discussão em torno da importância da preservação da
Memória enquanto elemento importante para a compreensão do espaço geo-
gráfico. Neste sentido, a Oralidade e a História oral, não seriam apenas de atu-
ação exclusiva dos historiadores, sendo que o profissional da Geografia, tendo
por base sua formação científica na área de Geografia Humana, incluindo as
consideráveis contribuições da Geografia cultural, da Interdisciplinaridade e da
Geografia da Percepção. Estas disciplinas geográficas por sua vez forneceriam
importantes subsidio para atuação em conjunto com historiadores, antropólo-
gos e sociólogos. Esta perspectiva cultural, evidentemente identificada nos pro-
cessos de relação entre as pessoas e destas com o espaço, também tornam
intrínseca as relações da Geografia com a História, fazendo-as escolas do pen-
samento cientifico distintas, mas amplamente complementares.
Entender o processo de deslocamentos para o estado de Goiás, na concepção
e memória dos moradores rurais da Serra da Tapera, divisa intermunicipal dos
municípios mineiros de Desterro de Entre Rios e Piracema, não somente contri-
buiu para uma maior compreensão do processo de apropriação dos recursos
naturais para sobrevivência, como também permitiu brevemente identificar im-
pactos que resultaram na reformulação e atual reconfiguração do espaço local,
onde se estabeleceram novas relações. Também permitiu imaginar a relevante
contribuição de migrantes mineiros para a recente consolidação de Goiás, inici-
ada nos anos 1930. Por outro lado, é possível notar uma significativa similari-
dade cultural entre Minas Gerais e Goiás, pois ambos tiveram em comum a po-
voação intensificada inicialmente com o descobrimento, auge e decadência de
jazidas auríferas e muito embora o desenvolvimento econômico no estado de
Minas tenha ocorrido de maneira muito mais rápida e intensa, a ruralidade é
algo muito comum a ambos. Outro ponto em comum é a construção de capitais
planejadas (Goiânia e Belo Horizonte), visando centralizar e consolidar a admi-
nistração pública e como rompimento com o passado colonial, ligado a Portugal
expresso nas suas antigas capitais (Goiás Velho e Ouro Preto).
O presente trabalho teve por principal objetivo registrar esta recente fase no
processo histórico do município, objetivando fornecer à comunidade local sub-
sídios para a construção de uma nova realidade, pautada na sustentabilidade,
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tendo como base a análise dos relatos do passado. A cidade não possui ainda
levantamentos relevantes que analisem o processo de formação das comuni-
dades locais, e o registro este episódio, existente em determinada fase da cida-
de (1950-1970), amplia o registro da história local, como contribuição às futuras
gerações.
Após a conclusão desta breve pesquisa, o assunto evidentemente não se deu
por esgotado, mas encontra-se seriamente ameaçado pelo descaso das popu-
lações mais novas, que não se interessam diretamente pela preservação da
memória local, certamente por desconhecer sua importância. Neste sentido um
projeto envolvendo alunos de todas as escolas da área de estudo, deve ser
planejado e desenvolvido, visando com que alunos possam coletar mais dados,
junto aos parentes mais velhos que ainda detém lembranças da época em
questão. Com isso, novos dados seriam revelados e organizados em trabalhos
didáticos-pedagógicos visando sua socialização junto à comunidade local e
preservação efetiva deste importante contexto histórico. Por último, a preserva-
ção destes dados coletados, juntamente com cartas e fotos poderiam ser dire-
cionados ao futuro Centro cultural que está sendo projetado para a Casa do
Chico da Gabriela, na Sede municipal, visando à preservação da memória e da
história local. Outro projeto que pode ser implantado e a confecção de um do-
cumentário, que entreviste os moradores mais antigos bem como a provável
denominação de bairro Goiás, à parte mais recente de expansão de Desterro
de Entre Rios, para se socializar este momento histórico tão importante e úni-
co.
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