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Este trabalho é uma investigação sobre as possibilidades de interlocução entre as disciplinas de arquitetura e urbanismo, artes e literatura, tendo como foco a atuação em espaços públicos e seus usuários. Tem como objetivo identificar, provocar e mapear ações artísticas, muito atreladas ao campo político do ativismo e à literatura, levando em consideração as experiências e o corpo como principais interlocutores metodológicos.

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desinventoPOR UMA AVENTURA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

GABRIEL RAMOS

desinvento | GABRIEL RAMOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOCENTRO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

VITÓRIA | 2O13

desinvento POR UMA AVENTURA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

GABRIEL TEIXEIRA RAMOS

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GABRIEL TEIXEIRA RAMOS

VITÓRIA | 2013

Trabalho de conclusão do curso apresen-tado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universi-dade Federal do Espírito Santo, como requi-sito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

Orientadora: Profª Dra. Clara Luiza MirandaCo-orientador: Prof. Dr. Erly Vieira Jr.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Nome:

GABRIEL TEIXEIRA RAMOSTRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APROVADO EM: __/__/__

ATA DE AVALIAÇÃO DA BANCA______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

AVALIAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA___________________________________________________________________

NOTA DATA ASSINATURA_____________________________________________________________________

NOTA DATA ASSINATURA___________________________________________________________________

NOTA DATA ASSINATURA___________________________________________________________________

APROVADO COM NOTA FINAL: ________

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para Adelaide, minha avó, que me pegou no colo e falou: vai, menino!

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AGRADECIMENTOSSei como dói meu olhar de poeta

Se vê linha retaQuer logo entortar

(Sérgio Sampaio)

Quando eu era pequeno, brincava com meus bonequinhos (dos Cavaleiros do Zo-díaco, Homem Aranha, Batman etc) no quintal da minha casa, em Jardim América (Cariacica/ES). Era uma casa bacana, repleta de espaços; espaços onde eu cons-truía a história da brincadeira do dia, mas na verdade, construía a minha história. Hoje, cresci e percebo o quanto imaginar e inventar é importante; sonhar e acre-ditar naquilo como a mais incrível das aventuras. O espaço da minha casa me fez ser arquiteto e poeta; portanto só tenho a agradecer meus pais, Silvio e Sidirlene, minha vó, Adelaide e minha irmã, Carolina, por me proporcionarem experimentar um Lar e à Sâmya, por me proporcionar o porto seguro e a sabedoria da felicidade e do amor. A casa só faz sentido quando é um Lar. E um lar pode ser tanto na mi-nha casa quanto mesmo no território da Ufes.

Do Cemuni 3 ou por meio dele, repleto de amigos, como Leonardo Izoton, Rafael Machado, Clara Sampaio, Thiara Pelissari, Bárbara Veronez, Thairo Pandolfi, Camila Dini, Camila Ciccaroni, Larissa Campos, Virginia Guelber, Hugo Tavares, Thais Giori, Alberto Novaes, João Machado, Mariana Eller, Anna Paula Ferraz, Thaís de Sá, Bru-no Machado, Anna Carolina Spano, Giovani Goltara, Gabriel Fortes, Henrik Carpa-nedo, Letícia Colnago, João Gabriel, Naiara Menezes, Luiz Paulo Comério, Raphael Potratz, Renan Grisoni, Laiz Leal, Dani Nogueira, Pedro Moreira, Paula Machado, Bruno Bowen, Conrado Carvalho, Samira Proeza, Rayanne Maffei, Érika Mendes, Tiago Alfaro, Renato Pontello, Cristiano Sarter, Michel Félix, Sara Saiter, Sérgio Pru-coli, Lutero Proscholdt, Gabriela Gaia, Telmi Andrade, Thiago Sousa, Mário Margot-to, Lorenzo Accarini, Fernanda Tavares, Dayanne Lopes, Jaqueline de Paula, Bruno Lima, Marcelo Venzon, Anderson Azevedo, Karlos Rupf, Cleuber Juninho, Mirella Schena, Patricia Bragatto, Larissa Araújo; ao Seu Zé, Dona Elza e Fábio Guedes pe-los serviços repletos de carinho e tantos, tantos outros. Os amigos de todos os trabalhos e horas de lazer: Larissa Pacheco, Pietro Ferreira, Fabianne Aguiar, Emilia Brito, Renata Pasini e Alexandre Pereira; os amigos e irmãos Fabricio Noronha, Lu-anna Esteves, Renan Bono e Vitor Lopes; aos poetas, artistas e amigos sempre pre-sentes: Aline Yasmin, Caê Guimarães, Fernando Marques, Nelson Lucero, Milena Paixão, Thalita Covre, Lis Motta e Cida Ramaldes; aos incríveis Julia Casotti, Haroldo Lima e Sann Gusmão. E aos maravilhosos amigos de sempre, sempre presentes de alguma forma: Jiulia Caliman, Leandro Carmelini, Bárbara Carnielli, Laíssa Gamaro,

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Leonardo Almenara, Carolina Goulart, Isis Dequech, Henrique Curupira, Gisele Ga-vazza, Wanisy Ronconi, Yuri Pereira, Alan Rodrigues, João e Jana Lodi, Maria Júlia Leal, Lorenzo Lube, Sandro Soares, Tainara Caldas, Mariana, Luiz e André Tauffer, Mariana Bremenkamp, Luiza, Juliana e Lorena Tonini; em nome da enorme família, os lindos primos: Sol, Mariana, Geovana e Guilherme.

Não menos importantes, Clara Luiza Miranda – orientadora, professora, amiga e amante das coisas poéticas e simples da vida; Erly Vieira Jr. – amigo, crítico, pen-sador e aquele detentor do abraço pelas causas mais nobres e humanas. Por fim, às conversas de alma que tive com sóis: Waly Salomão, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Clarisse Lispector, Ericson Pires, Sérgio Sampaio, Caetano Veloso, Omar Salomão, Gilberto Gil; Gilles Deleuze, Félix Guatarri, Michel Foucault e Baruch de Espinosa.

A todos, meu muito obrigado. Um beijo e um abraçaço.

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PRÓLOGO | A INVENÇÃO DE UMA NARRATIVA

[ESCRITOS UM] CONTEXTO: ESPAÇO ONDE HABITAM AS IDEIAS

CAP. 1 | AVENTURA NO MAR DA CONTEMPORANEIDADE 1 MAR DA CONTEMPORANEIDADE 2 CAPITALISMO ATUAL 3 POTÊNCIA DO BIOPODER: RESISTÊNCIA, DEMOCRACIA E TRABALHO IMATERIAL 4 PRODUÇÃO DE INDIFERENÇA: ACELERAÇÃO E BOMBARDEAMENTO DE IMAGENS INTERVALO // MANIFESTO: AGIR ENQUANTO EXISTIR

CAP. 2 | ESMIUÇANDO OS ESPAÇOS PÚBLICOS CONTEMPORÂNEOS 1 O LUGAR DOS ESPAÇOS PÚBLICOS 2 A FAVOR DOS FLUXOS: UM CONTRAPONTO À AUTORIA 3 A PARTICIPAÇÃO: ESPAÇOS PÚBLICOS PARA A MULTIDÃO 4 RESTAURAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS 5 OCUPAÇÃO POLÍTICA DOS ESPAÇOS URBANOS: A HORA E A VEZ DA MULTIDÃO INTERVALO // PEQUENO ENSAIO SOBRE ESPAÇOS COMUNS CAP. 3 | POÉTICAS ARTÍSTICAS NO CONTEXTO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS 1 ESSA TAL ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA 2 INTERVENÇÕES URBANAS NO BRASIL E SOBRE A ESTÉTICA RELACIONAL 3 COLETIVOS ARTÍSTICOS E PRODUTORES CULTURAIS ATUAIS 4 DEVIR POETA URBANO: INVENÇÃO DE UM DELÍRIO INTERVALO // PENSANDO NA COLABORAÇÃO E REDE

CAP. 4 | MÚLTIPLAS SAÍDAS PARA A CONSTRUÇÃO DA REDE 1 SOBRE AFECTOS E ENCONTROS 2 EXPERIENCIAR A CIDADE: ERRÂNCIAS E A FILOSOFIA DO CAMINHAR 3 MÉTODO CARTOGRÁFICO E O ARQUITETO-CARTÓGRAFO 4 AUTO-CARTOGRAFIA: EXPERIÊNCIAS E ERRÂNCIAS COLETIVAS INTERVALO // INVESTIGAÇÕES PARA O PORVIR

[ESCRITOS DOIS] TEXTO: TEMPO EM QUE IDEIAS ACONTECEM CAP. ÚNICO | DESINVENTO: DELÍRIO E AÇÃO CANTAR, UM DESEJO GESTOS: CARTOGRAFANDOS SONHOS POÉTICAS DO PERCURSO: ATIVAÇÃO DE ESPAÇOS E PESSOAS POR OUTROS CAMINHOS TERRITÓRIOS DE CRIAÇÃO: NARRATIVAS EXPERIMENTAIS

EPÍLOGO | EXPERIÊNCIA MONOGRÁFICA E ACADÊMICA

REFERÊNCIAS

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PRÓLOGO | A INVENÇÃO DE UMA NARRATIVA

Trata-se de um convite sem cerimônias em que o principal ponto de encontro é o lei-tor. Não há restrições para mergulhar neste trabalho, exceto uma grande dose de von-tade em fazer-se história. Trago neste prólogo as possibilidades da imaginação tanto em mim, enquanto indivíduo produtor e consumidor de ideias, com minhas potências criativas, quanto nas mesmas do leitor.

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A INVENÇÃO DE UMA NARRATIVA

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sou minha palavra

trava-língua levada

levando meu traçolavrado a varar madrugada

[set/2012]

INVENTAR: A EXPERIÊNCIA PELA ESCRITA

O leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psico-logia; é apenas esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os traços que constituem o escrito. (BARTHES, 1987)

Escrever é um jogo de colocar e retirar palavras, significados; nascimentos e mor-tes. Uma escrita é feita de várias costuras: redes de pensamentos atravessados pelas mais diversas sensações, provenientes de diferentes seres e circunstâncias. E é pensamento “que vem de fora e pensa que vem de dentro”, segundo Arnaldo Antunes e Sérgio Britto (2000), colocado em signos. É ainda a capacidade dada ao narrador, o contador de histórias, de inventar; trazer legitimidade a uma ficção, engendrar nela a possibilidade de ser verdadeira pela sua história.

Ler, contudo, envolve outras perspectivas. O ser pulsante nos olhos, ao mesmo tempo que traduz estas linhas em significado, produz conhecimento e transcende à escrita, cabendo a ele [leitor], a maior das virtudes: imaginar. Assim como nos aponta Barthes (1987, s/p.), ele é aquele que detém esta rede costurada de atores e cabe a ele, exclusivamente, guiá-los. E assim acredito que é no leitor que nasce este trabalho. No momento da experiência da leitura é que transcende a estrutu-ração de uma potência que faz agir e existir o instante da criação. Sem a presença do leitor, seria impossível costurar as relações aqui dispostas.

Tratamos aqui de uma aventura. Daquelas que ocorrem de tempos em tempos, quando nos propomos a fincar os dois pés no chão para iniciá-la, sem prever seu fim. Trago no fundo do meu coração muita vontade. Tenho duas mãos, mas quise-ra ter vinte, para eu poder dançar com o tempo. Calvino (1990) nos traz um leque de substantivos que, segundo ele, contribuirão para o enriquecimento das pos-sibilidades de imaginação do leitor na própria literatura. Por meio dos preceitos: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, o texto con-temporâneo engendraria uma riqueza de detalhes inimagináveis, promovendo

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uma experiência única ao leitor.

Para se ter a leveza, o escritor deveria se fazer mão da linguagem volátil, de modo que o leitor possa interagir muito mais com aquela situação presenciada na nar-rativa. O autor ressalta ainda que, para vivenciar a leveza, é fundamental ter tido a experiência do peso. Anseia ainda a rapidez como um instrumento capaz de manter o ritmo da narrativa, sem que, necessariamente, a história precise se ater a detalhes que sejam meramente ilustrativos.

A exatidão, por conseguinte, seria o elo de conexão do texto, em que o escritor torna clara suas ideias e propostas com o trabalho, fazendo com que o texto man-tenha uma coerência. A visibilidade, por sua vez, capacita o leitor de engendrar imagens sobre o que está sendo explicitado na narrativa.

A quinta proposta é de incrível simplicidade e denso ensinamento: o escritor deve buscar trazer a história como um hipertexto, em que não haja uma voz dominan-te, mas várias, de igual força e riqueza de detalhes e que todas elas nos levem a outras diferentes possíveis histórias, fazendo com que a própria constituição do pensamento seja sempre mutável e transitória (CALVINO, 1990).

Como o autor, busco trazer uma narrativa que transcenda ao que se escreve, fa-zendo com que o leitor possa engendrar-se enquanto um articulador; um meca-nismo de intervenção. O principal papel social desta monografia é provocar ações, métodos e diretrizes de se produzir artisticamente nos espaços da cidade contem-porânea. E para isso, é preciso acreditar que ela é o espaço de sonhar. O meio de ativação desses sonhos aqui escolhido é a literatura, em que dispomos de espaço e tempo para partirmos para o movimento: o de articular-se na cidade. É impor-tante ressaltar que essa costura ocorre por meio da cooperação, da vontade e da sabedoria de conviver com a diferença, seja ela uma pré-disposição – como uma filosofia prática de vida – ou mesmo ao entendermos o contexto político e social em que vivemos, observados nos capítulos 1 e 2.

UMA AVENTURA, UM CAMINHO

Todo texto é criação. A imensa teia tecida pelas singularidades preenche o vazio da indiferença produzida pela reprodução ad infinitum do mesmo. Esta teia é a arte de criar encontros, ou

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seja, de produzir pensamento como experimentação do outro, como busca do outro, da realização do outro que eu – também – sou. Nesse sentido, produzir pensamento é necessariamente uma aventura (PIRES, 2007, p.11)

Somos parte desta imensa cidade pequena que não conseguimos mais conter. Máquinas ritmadas parecem contar o tempo; volumes d’água levam meus olhos para lá e para cá. Estou em Vitória, Espírito Santo, Brasil. Produzo ideias e ações, mas não produzo só. Fazem-se presentes artistas múltiplos; coletivos; uma infini-dade de atividades que começam a surgir de maneira espontânea, concisa e con-tínua. São grupos vinculados à arte urbana; outros ligados ao patrimônio histórico do Centro; outros ainda se organizam em protestos contra aumentos abusivos; outros a favor da paisagem de Vitória, da vida dos atravessadores das catraias, que fazem o transporte público pelo mar, os catraieiros; entre outros tantos.

Procuro me posicionar enquanto futuro arquiteto: um articulador de ideias; um gestor de pessoas; um mediador de uma arquitetura efêmera de espaços da cida-de. Sinto necessidade em estar presente nas localidades diversas, engendrando possibilidades de produzir conhecimento, especialmente nos espaços urbanos. E é por isso que aqui escrevo tudo isto: pela experiência do ato de escrever e pelo exercício de me colocar de prontidão para agir tanto neste lugar como em qual-quer outro.

Durante o percurso no curso de Arquitetura e Urbanismo, senti a necessidade in-tensa de agir: fazer coisas. Considero-me, portanto, um fazedor de coisas. Escre-ver, musicar, fotografar, organizar eventos e, especialmente, juntar pessoas. Não necessariamente capacitado para todas elas, mas, minimamente, pré-disposto a compreendê-las. O ponto em que se cruzam os diversos campos que tentei to-car é a arquitetura. A premissa da produção desta sempre foi ser feita para e por pessoas. É preciso fazer coisas e mais: acreditar que elas podem tomar formas e caminhos inimagináveis. Como arquiteto, articular espaços mutantes a diversos programas: o espaço público do transeunte; do morador de rua; da prostituta; do skatista; de você e de mim.

Acredito, portanto, no espaço urbano contemporâneo como um local de produ-zir relações, de provocar encontros, seja por meio destas linguagens ou mesmo outras que eu sequer me arrisco. Não quero e não preciso me arriscar. A multi-

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plicidade de atores e produtores se faz presente neste intercâmbio de pessoas e relações. E é com elas que pretendo trabalhar, interagir e acreditar: acreditar me faz bem. Este trabalho é sobre multiplicidade e coletividade relacionadas ao es-paço urbano e, por enxergar que o arquiteto precisa ser multimídia e interlocutor da contemporaneidade, é que me encontro nesta ondulatória como um surfista e não pretendo parar.

INTRODUÇÃO: SOBRE O DESINVENTO

Usamos a ideia de invenção como de investigação e criação de novos modos de produção artística, literária e arquitetônica (separada e conjuntamente). Mais do que inventar é preciso desdobrar; utilizar-se da invenção e de seus desdobramen-tos; suas provocações e reverberações. Desinvento é, assim, um possível desdobra-mento de um invento.

Este trabalho é uma investigação sobre as possibilidades de interlocução entre as disciplinas de arquitetura e urbanismo, artes e literatura, tendo como foco a atuação em espaços públicos e seus usuários. Tem como objetivo identificar, pro-vocar e mapear ações artísticas, muito atreladas ao campo político do ativismo e à literatura, levando em consideração as experiências e o corpo como principais interlocutores metodológicos.

Assim, para melhor compreensão do que está por vir e aonde o leitor está indo navegar, é importante compreender que esta monografia foi dividida em duas partes bem distintas. Recomenda-se ler o trabalho sem amarras e deixar-se fluir como participante e atuante da construção desta narrativa. Sem o leitor, este tex-to não existe nem é possível de se fazer imaginar. Seja bem-vindo ao desinvento.

ESCRITOS UM se trata de um contexto em que se situa teoricamente o presente trabalho, relacionando-o a questões contemporâneas, com seus respectivos auto-res que foram estudados durante este processo monográfico de aproximadamen-te um ano e meio, exemplificando ideias e conceituando o trabalho acadêmico, buscando formas e alicerces de linguagem que sintetizem a teoria. Tudo aquilo, de maneira objetiva, de onde podem surgir ideias; invenções e desinvenções.

ESCRITOS DOIS se constitui como texto de uma proposta de processo criativo, tratando-se de um pequeno ensaio narrativo em que se apresenta o traço do ar-

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A INVENÇÃO DE UMA NARRATIVA

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quiteto por meio da literatura, articulando-se possibilidades de imaginação pre-sentes pela palavra e pelo gesto urbano (desenho, intervenção, música, dança). Todas as ideias em eminência que agora eclodem para seu experimento. São co-lagens de pensamentos e criações durante todo o percurso monográfico. Não há começo, meio e fim.

Observação: Ao iniciar os capítulos, poderão ser observadas Nuvens de Tags. Tags são pa-lavras-chave ou hashtags – geralmente associadas à Internet por serem uma espécie de etiqueta que formam um campo de múltiplas vozes – que conectam a ideia do trabalho; porém, vão muito além internet, pois entram no contexto de Multidão (melhor explicado no Cap.1). Neste caso, são as várias vozes, os diversos atores que reverberam no meu tra-balho.

Hashtags: #ESPAÇOS PÚBLICOS #POLÍTICA #POÉTICAS ARTÍSTICAS

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Escritos UMContexto: espaço onde habitam as ideias

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CAP. 1 | AVENTURA NO MAR DA CONTEMPORANEIDADE*

Para este momento, pretendo esmiuçar o que é compreendido como contemporâneo, dentro de um panorama geral sobre política, sociedade e cultura, afim de que possa-mos estar mais familiarizados com o contexto em que nos encontramos.

NUVEM DE TAGS

* Homenagem ao poeta Ericson Pires (in memoriam)

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AVENTURA NO MAR DA CONTEMPORANEIDADE

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só me falta o agorao antes

e o depoiseu já vi no cinema

[set/2012]

1MAR DA CONTEMPORANEIDADE

Caetano Veloso, no III Festival de Música Popular Brasileira, organizado pela TV Re-cord, em 1968, esbravejou a canção É proibido proibir, num tumultuado show em que foi vaiado pelo público, marcando a história da música popular brasileira. Pro-feriu a célebre frase “Vocês não estão entendendo nada’’, num acalorado discurso explicando que o público presente travava uma discussão muito aquém da estética por ele proposta na canção:

Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada! Hoje não tem Fernando Pessoa! Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, não com o medo que o Sr. Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir esta estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu, não foi ninguém (VELOSO, 1968).

Figura 3 - Foto: Autor desconhecido. Mosaico de imagens no III Festival de Música Popular Brasileira de 1968.Fonte: Blog Prottotipo

A divergente apresentação de Caetano – vestindo uma indumentária que ensaia-va algo próximo ao punk que viria a surgir 10 anos mais tarde: roupa de plástico,

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colares com fios elétricos e dentes de animais, lembrando uma estética da ma-cumba com pitadas de futurismo, provocando vaias por uma massa de intelec-tuais de grandes faculdades de São Paulo – era um exemplo da discussão sobre estética e temporalidade até então pouco comuns: o contemporâneo.

O adjetivo referencia uma ideia de produção do “agora”, duradouro e com a pecu-liaridade de não haver nenhuma característica específica, sendo, portanto, mu-tante e trazendo a relação dicotômica de ter/não-ter uma predefinição. O subs-tantivo e objeto “contemporaneidade” é uma definição de algo “permanente”, e refuta a proposta de manter-se distante do tempo presente (AGAMBEN, 2009).

A contemporaneidade é, portanto, uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias. Mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um ana-cronismo (Idem, 2009, p.59).

Logo, é um termo que alavanca discussões e não se fecha em si, propondo sem-pre abrir o horizonte para novas possibilidades criativas. É por isso que este tra-balho se apresenta como uma discussão sobre e pela cidade contemporânea. Torna-se impossível atravessá-la se não falarmos de seus antagonismos tempo-rais e estéticos, sendo imprescindível traçar a problemática de viver na contem-poraneidade, em que o homem contemporâneo sobrevive ao capitalismo e suas implicações sociais, culturais, políticas.

2CAPITALISMO ATUAL

Presenciamos a todo instante a vida ser circulada pelo dinheiro. “O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado” (DELEUZE, 1992, p. 224). Os espaços da cidade não detêm de poderio atrativo e tudo que nos circula, consu-mimos. Combinamos com amigos de sairmos e, quase sempre, precisamos con-sumir ou estarmos ao redor de coisas consumidas: o café, a comida, o espaço, a rede wifi, etc. Somos consumidores de nós mesmos e está cada vez mais latente. Uma trama de consumo que se apresenta cada vez mais complexa de se desfa-zer, já que se apresenta pulverizada e em todo o lugar. Diferindo de quando nos

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AVENTURA NO MAR DA CONTEMPORANEIDADE

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deslocávamos para consumirmos, agora consumimos para nos deslocarmos. O nomadismo capitalista foi substituído pelo sedentarismo (PELBART, 2006).

Num conto conhecido, Kafka relata que o imperador da china manda construir uma muralha para se proteger dos bárba-ros, mas essa muralha é feita de blocos esparsos, com lacu-nas quilométricas entre um bloco e outro, que não protegem de nada nem de ninguém. Em todo caso, de nada adiantaria, visto que os bárbaros já estão acampados a céu aberto no coração da capital, diante do palácio do imperador. O impé-rio contemporâneo não é feito de trincheiras e muralhas para se proteger dos nômades, generalizada, de fluxos de toda ordem. Há algo no funcionamento do império que é puro disfuncionamento. Como diz Kafka num outro contexto: ‘não vivemos num mundo destruído, vivemos num mundo trans-tornado. Tudo racha e estala como no equipamento de um veleiro destroçado’. (Idem, 2006)

Através do desenho de Império proposto na história acima, é importante tratá-lo como um sistema que regeria a atual dinâmica global, fundamentalmente, por meio da existência de uma ordem mundial de formação jurídica que não surge “espontaneamente da interação de forças globais radicalmente heterogêneas” (HARDT & NEGRI, 2001, p.21), tampouco é “ditada por uma única potência e um único centro de racionalidade transcendente para as forças globais” (Idem, 2001, p.21), mas surge principalmente por meio da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, como um impulso histórico que fez progredir a transição de um sistema internacional para um global.

Através das transformações contemporâneas, os controles políticos, as funções do estado, e os mecanismos reguladores continuaram a determinar o reino da produção e da permuta econômica e social. Nossa hipótese básica é que a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra única. Esta nova forma global de economia é o que chama-mos de império. (Ibidem, 2001, p.12)

Acredita-se ainda que os Estados-nação e sua soberania tornaram-se incapazes de controlar e reger a permuta do mercado e da cultura, em geral. Este seria um dos primeiros indícios da instauração do Império, que difere do imperialismo,

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visto que este se caracterizava por ser uma expansão do domínio dos Estados--nação para além de seus limites territoriais (Ibidem, 2001).

Nesta fase do capitalismo, portanto, o império se constitui sem um centro terri-torial de poder, sem barreiras físicas, caracterizando-se por sua virtualização (pra-ticamente uma ausência física), diferentemente do que outrora representaram as antigas divisões geopolíticas mundiais (primeiro, segundo e terceiro mundos) que hoje se encontram hibridizadas, a ponto de não podermos mais distinguir o que seria proveniente de um mundo ou de outro. Além de apresentar uma ho-mogeneização de interesses culturais e econômicos, há também a do direito e da justiça (Ibidem, 2001).

Em alguns momentos, temos visto recorrentes discussões acerca do termo “guer-ra justa”, expressos em diversos meios de comunicação, o que nos faz acreditar que os progressos seculares das noções de direito têm sido distorcidos e, possi-velmente, transformados, já que são colocados com as mesmas características dos impérios anteriores, mesmo sendo fundamentalmente diferentes à época remota na história.

A guerra justa já não é, em sentido algum, atividade de defesa ou resistência, como era, por exemplo, na tradição cristã de Santo Agostinho aos escolásticos da Contra-Reforma, como necessária à “cidade mundana” para garantir a própria sobre-vivência. Ela se tornou uma atividade justificável em si mes-ma. Dois elementos distintos combinam-se neste conceito de luta justa: primeiro, a legitimidade do aparelho militar desde que eticamente fundamentado, e segundo, a eficácia da ação militar na conquista da ordem e da paz desejadas. (Ibidem, 2001, p. 30)

De todo modo, os efeitos não se apresentam totalmente negativos. Não haveria uma entidade governamental totalitária que regeria a ordem deste mundo, visto que relações de poder e interesses se misturam a ponto de outros atores se inte-grarem de maneira espontânea e linear, embora não haja um consenso em que uma “autoridade suprema” apareça (Ibidem, 2001).

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AVENTURA NO MAR DA CONTEMPORANEIDADE

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Figura 4 - Foto: Autor desconhecido. Manifestantes na Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar em 1968. Exemplo de resistência ao biopoder numa lógica de Sociedade Disciplinar, segundo Foucault (1988).

Fonte: Google Pesquisa

3POTÊNCIA DO BIOPODER: RESISTÊNCIA, DEMOCRACIA E TRABALHO IMATE-RIAL

Uma sociedade disciplinar se apresentava por meio de uma lógica na qual as instituições (escola, fábrica, hospital, prisão, etc.) regiam a vida humana, discipli-narizando por meio de mecanismos de exercício do poder e reverberando nos corpos, adestrando-os e normalizando-os, particularmente a partir do séc. XVIII e XIX (FOUCAULT, 1988). Segundo Foucault (1988, p.151) as disciplinas atuavam “no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos”.

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Desse modo, a disciplina atuaria no indivíduo enquanto o biopoder atuaria na espécie, sendo um tipo de entidade que cuidaria dos nascimentos, mortalidades, da saúde da população (epidemias, doenças), da própria ideia de longevidade, etc. Em suma, ele seria uma gestão sobre tudo e todos, agindo politicamente por meio de tudo o que seria biológico. “O investimento sobre o corpo vivo, sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis naquele momento” (Idem, 1988, p. 154).

Assim, Foucault (1988) nos traz a principal mudança na forma como o poder atu-aria na vida, distinguindo dois tipos de Sociedade: a de Soberania e a Disciplinar. A primeira seria aquela cujo direito sobre a vida e morte dos súditos pertenceria ao soberano, sendo um tipo de poder no limite da vida. O direito seria, desse modo, aquele “formulado como ‘de vida e morte’ é, de fato, o direito de causar a morte e deixar viver” (1988, p. 148). Passando para a segunda sociedade, o bio-poder não estaria mais ligado à condição da vida ser extinta ou não e sim, ao contrário, cultivando e inventando meios e métodos para geri-la e vigiá-la, de maneira controlada pelos mecanismos de produção capitalista.

Contudo, esse alvo repleto de investimentos e mecanismos mais diversos de or-ganização institucionalizada também produziria o efeito contrário, criando um alto nível de tensão – uma reação, uma resistência – sendo alvo dos mais diver-sos brados por liberdades políticas, sociais e culturais até os dias atuais.

Uma atualização a essas sociedades viria a ser trazida por Deleuze (1992), ao tratar a passagem da Sociedade Disciplinar para a Sociedade de Controle, não necessariamente uma anulando a existência da outra, mas essa terceira socieda-de ser uma expansão à anterior, no que tange o campo social de produção: na Sociedade de Controle, a disciplina é interiorizada, ou seja, as instituições sociais produzem indivíduos muito mais móveis e flexíveis, sem um regimento que os fecharia, como era presente nas instituições (DELEUZE, 1992).

A forma cíclica que outrora limitava o homem e o direcionava para conduzir suas ações de maneira regular e coordenada – formar-se, constituir uma família e ter uma moradia – foi transformada em ciclos dispersos e numa constante exigência de uma formação contínua e progressiva. A primeira sociedade é regida pelo mo-delo conhecido como panóptico , em que o vigilante se situa presente em corpo, enquanto na segunda, o modo de controle é virtual e menos visível (Idem, 1992).

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Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior” em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. (Ibidem, 1992, p.02)

Desse modo, Deleuze (1992) nos traz possíveis correlações entre sociedades dis-ciplinar e de controle e as máquinas à sua época, a fim de que compreendamos sua existência e uso, não por elas serem uma resposta determinante, mas sim um modo que qualifica o pensamento das sociedades em questão. Para a primeira, o filósofo aponta a tecnologia analógica e braçal, que denotam a necessidade do corpo e de energia humana presente no local, sujeitas ao erro e à sabotagem. A segunda, por sua vez, se caracterizaria pelos mecanismos virtuais, presentes na internet, como vírus e hackers que se apresentam como novos sabotadores (Ibi-dem, 1992). Este período, portanto, trataria-se de uma nova fase do capitalismo.

Atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produ-ção, relegada com frequência à periferia do terceiro mundo, mesmo sob as formas complexas do têxtil, da metalurgia ou do petróleo. É um capitalismo de sobre-produção. Não com-pra mais matéria-prima e já não vende produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta peças destacadas. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado (Ibi-dem, 1992, p.05).

Temos, portanto, uma transição de sociedades e uma alteração no próprio modo de produção capitalista, migrando da indústria para o intelecto. Isso ocorreu fru-to de forte pressão à época das grandes revoltas dos trabalhadores contra seus patrões, tornando-se, atualmente, cada vez mais legítimas e corriqueiras as gre-ves que resultam em aumentos periódicos salariais, bem como melhoria das con-dições de trabalho (seja o ambiente, a repetição das atividades do trabalho ou ainda a segurança), culminando em uma progressiva queda de lucro para os em-

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presários capitalistas (HARDT & NEGRI, 2001). Logo, o próprio caráter do trabalho muda, pois se apresenta atualmente muito virtualizado, sem um caráter fordista de produção, sendo o mais importante, cada vez mais, o trabalho intelectual: o trabalho imaterial (Idem, 2001).

Este se constituiria em toda produção contínua de informações, ideias, conceitos, conhecimentos e afetos, em que se discute a produção de novas subjetividades na sociedade (HARDT & NEGRI, 2004). O trabalho imaterial seria, portanto, aquele em que o empregador dependeria da subjetividade do operário – constituída durante toda sua vida – fazendo com que toda a riqueza de experiências do tra-balhador fosse para o interior do trabalho, invertendo a lógica do trabalho que antes era uma simples execução, ser transformado em parte da sua vida, regido pela dinâmica do cooperativismo e sendo independente de suas relações com o capitalismo. Negri, assim, pontua essa lógica do biopoder de maneira positiva: “o poder é, dessa forma, expresso como um controle que se estende pelas profun-dezas da consciência e dos corpos da população – e ao mesmo tempo através da totalidade das relações sociais” (2001, p.44).

A biopolítica, assim, seria o território constituído através das lutas pelo poder. E essas lutas seriam travadas pela Multidão. Esta não se apresenta no contexto do Império como uma unidade, tampouco uniformidade, tais quais os povos ou as massas, e justamente por meio de sua multiplicidade deverá achar o seu comum como um interlocutor, pois será através do trabalho, compatível à economia em questão, que se articularão meios cooperativos e comunicacionais para seu fun-cionamento, bem como a organização política no contexto da democracia. Sur-ge como uma expressão das mais diversas singularidades, possibilitando os en-contros e a formação de redes, como a própria internet, que surge neste cenário como um veículo democrático de poder da informação, por meio da liberdade individual (HARDT & NEGRI, 2004).

A multiplicidade da multidão não é apenas uma questão de ser diferente, mas também de um devir diferente. Um devir diferente daquilo que você é! Essas singularidades agem em comum e, portanto, formam uma nova raça, ou seja, uma subjetividade politicamente coordenada que a multidão pro-duz. A decisão primordial tomada pela multidão é na reali-dade a decisão de criar uma nova raça, ou melhor, uma nova humanidade. (Idem, 2004, p.444)

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4PRODUÇÃO DE INDIFERENÇA: ACELERAÇÃO E BOMBARDEAMENTO DE IMA-GENS

É nesta Sociedade de Controle que o Capital assume um papel ainda mais forte. Vivenciamos uma era em que pessoas são moldadas pelo dinamismo provenien-te da economia, com práticas de consumo de produtos, informações e, por que não, pessoas e lugares. Tudo muito veloz e com pouca assimilação.

O surgimento da velocidade contemporânea ocorreria a partir da revolução po-lítica, tratando tanto em produzir como também em destruir velozmente, sendo a máquina de guerra – a partir de uma evolução tecnológica – uma involução social (VIRILIO, 1996). Logo, seria de fundamental importância discutirmos o conceito de dromologia que Virilio introduz. Drómos em grego significa corrida, tratando-se, portanto, do estudo sobre a velocidade, potencializada como conse-quência dos avanços sociais e tecnológicos – revolução da informação e o surgi-mento da globalização, fazendo com que o mundo aproximasse suas distâncias mais longínquas (Idem, 1996). Já Santos (2008) aponta a relação ir muito além da velocidade, nos sendo imposto outro tempo:

O domínio mais completo do espectro eletromagnético, a expansão demográfica (a população mundial triplica entre 1650 e 1900, e triplica de novo entre 1900 e 1984), a explosão urbana e a explosão do consumo, o crescimento exponencial do número de objetos e do arsenal de palavras mas, sobre-tudo, causa próxima ou remota de tudo isso, a evolução do conhecimento, maravilha do nosso tempo que ilumina ou ensombrece todas as facetas do acontecer (SANTOS, 2008, p.28).

A facilidade de ter acesso a este conhecimento seria, provavelmente, a grande causa de uma indiferença, por meio dos constantes produtos consumidos, su-perpostos uns aos outros a todo instante. Isto seria potencializado pela mídia, destruindo toda a ideia de tempo presente, através da constante imposição feroz de imagens (Idem, 2008). Contudo, tentamos aqui ir além dessa indiferença, não nos limitando a produtos e imagens, pois esta aceleração nos traz a principal discussão desta monografia: a produção de indivíduos indiferentes aos espaços da cidade e, principalmente, a eles mesmos. Neste contexto, apontamos o pensa-

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mento de Bauman (2007) de que vivemos num mundo líquido-moderno, repre-sentado numa sociedade em que:

[...] As realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ati-vos se transformam em passivos, e as capacidades em inca-pacidades. As condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente (BAU-MAN, 2007b, p.07).

É importante, contudo, nos atentarmos à visão do autor que credita à liquidez a hegemonia no contexto global e isso não ocorre. Acreditamos estar em uma transição e, possivelmente, essas relações coexistirão (líquidas, sólidas ou mesmo liquefeitas). Embora ainda pouco aprofundado, é constante a ideia de buscar lite-raturas fora do contexto europeu/ocidental. Um dos autores que nos trazem im-portantes contribuições é Appadurai (1996), muito revisitado por Lopes (2012), que trabalha na lógica de que os indivíduos passaram a interagir entre si de ma-neira transcultural, ou seja:

Figura 5 - Foto: Autor desconhecido. Times Square, em Nova Iorque, com várias de suas propagandas, letreiros e outdoors. Data recente.Fonte: Google Pesquisa

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O termo se articula, sobretudo, coma noção de entre-lugar, desenvolvida por Silviano Santiago e recuperada por Mary Loise Pratt (1999, p.30) na expressão zona de contato. Pode ainda ser associado a uma estética bilíngue (SOMMER, 2004) e a uma gnose ou “pensamento liminar”, compreendido como um conhecimento para além do acadêmico (...) (LOPES, p. 32, 2012).

Para nós, importa discutir esta produção de indiferença, especialmente nos espa-ços urbanos que, embora se apresentem atualmente em constantes manifesta-ções políticas, ainda se encontram esvaziados politicamente. Estes espaços são nosso objeto de estudo e estão num contexto de compreensão do que podem vir a ser, numa imensa trama de possibilidades de existências. O aprofundamento destes conceitos será melhor explicitado no próximo capítulo.

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INTERVALO // MANIFESTO: AGIR ENQUANTO EXISTIR

Deparamo-nos de imediato com um problema: se a multi-dão não é representável politicamente, seria representável esteticamente? Intuímos que não deveríamos procurar “re-presentações”, mas sim “manifestações” da multidão. Essa intuição inicial se confirmou posteriormente na conceitua-ção negriana de multidão e na análise empírica. (SZANIECKI, 2007, p.133)

A multidão é ato; devir movimento. É porradaria, confronto. Não há o que re-presentar, ou buscar representar, mas sim agir. Pulsar. Contudo devemos pon-tuar as divisões propostas por Hardt & Negri, já que os mesmos apresentam três dispositivos teóricos para a compreensão do que se caracterizaria ou não como multidão: o sociológico – diferentemente do fordismo, em que era de-terminante o conceito de classe operária por meio do que produziam, hoje o trabalho que se produz num conjunto de relações sociais (intelectuais ou afeti-vos); o político – diferente do conceito de povo ou massa, em que os sujeitos se apresentam unificados e ausentes de seus direitos e subjetividades limitados a uma representação, a multidão opera de maneira oposta, com um “conjunto de singularidades não representáveis”(Idem, 2007, p.135); e o ontológico – como a “carne”, ou seja, a matéria constituinte que nos torna comuns. Se somos todos multidão em potência, é fundamental nos questionarmos enquanto movimen-to. É preciso agir; intervir nos espaços públicos; creditar neles a possibilidade de amplificar as questões estéticas e políticas. Somos todos cidade; não somos atravessadores dela, mas sim somos atravessados por ela. Nossas subjetivida-des ficam impressas em todos os locais e pessoas. Somos uma rede de atores; um coletivo em potência que efêmeros encontros invadem o coração e deixam bater e lutar. Somos todos aqueles capazes de modificar um pouco. Somos to-dos muitos, múltiplos, diferentes, e essas diferenças complexificam uma imensa trama de ações em potencial. Há tempos nos prostramos e somos anestesiados; mas a implosão virá. Não só virá como já veio e se amplificará. Hoje falamos da multidão e vemos transbordar manifestações, movimentos. Amanhã trans-bordaremos movimento e pouco falaremos. Existir lutando por justiça, direitos humanos, mobilidade urbana, segurança, respeito; acreditar no amor; na rede. Na teia de agenciamentos e negociações. No emaranhado da existência; no mar da contemporaneidade. No devir vida. A nossa vida; múltipla e rica de subjeti-vidade!

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CAP. 2 | ESMIUÇANDO OS ESPAÇOS PÚBLICOS CONTEMPORÂNEOS

Este capítulo objetiva contextualizar a relação dicotômica entre espaços públicos e espaços privados e tentar ir além, abraçando os espaços “comuns”, esmiuçando-os; tratando ainda do papel do arquiteto neste contexto; além da construção imagé-tica espetacularizada destes espaços urbanos. Discutiremos um pouco da política contemporânea e da produção artística neles inserida.

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ESMIUÇANDO OS ESPAÇOS PÚBLICOS CONTEMPORÂNEOS

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sou parte todotoda a parte toda

de mim sequer eu mesmode tudo só eu todoenquanto todo eu

escancarado[jan/2013]

1O LUGAR DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

Temos uma praça central conformada por árvores; bancos; postes de ilumina-ção; percursos que geralmente ligam pontos importantes da cidade; pessoas aglomeradas criando pequenos nichos em diferentes horas: ambulantes, mora-dores de rua, passantes, religiosos, prostitutas, etc. Eles se adaptam ao local, uti-lizam aquela praça delimitada por ruas, sendo um exemplo de espaço público com bordas bem definidas.

A borda se refere ao extremo ou margem de algo. É um con-fim no qual se verifica um limite, o perfil ou figura que fecha uma forma configurando-a e estabelece o deslinde entre esta e seu entorno adjacente, gerando um fecho perimetral. A borda define uma área fechada ou um espaço, contido e delimitado por elementos envolventes. No campo discipli-nar da arquitetura, o termo borda se associa não só com a idéia de um fechamento que deslinda campos com preci-são, como também com um estado ou situação intermediá-ria entre duas áreas ou regiões adjacentes. (ARROYO, 2007)

A borda divide e cristaliza. Esta praça é de um outro espaço-tempo; de uma outra velocidade. A mobilidade física contemporânea nos imprime uma neces-sidade de reinventar a produção de espaços públicos que, simplesmente, acon-teçam, sem bordas pré-definidas ou mesmo adaptáveis, mutantes, fazendo-se mão exclusivamente do instante: é a rua que vira feira, teatro, local de protesto, área de lazer; é o passeio com árvores que vira instalação artística, etc.

O planejamento da cidade funcional ditado pelo Movimento Moderno – e ainda atualmente sendo feita arquitetura moderna com outras roupagens – determi-nava que cada local deveria ter uma função específica; contudo, posteriormen-te, os arquitetos e urbanistas depositaram nos espaços públicos a possibilidade do habitantes exercitarem sua civilidade. (ARANTES, 2000).

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É imprescindível, portanto, que os cidadãos tenham a noção de coletividade, fonte de reivindicações populares anteriores (muitas delas fazem-se presentes na Constituição Federal de 1988) e outras mais recentes (com a criação do Esta-tuto das Cidades, em 2001, que prevê uma gestão municipal e o planejamento urbano), fazendo com que o Estado tenha, atualmente, mecanismos para con-trole e gestão urbana. Entretanto,

Se do ponto de vista normativo as premissas para transfor-mações urbanas, no intuito de “devolver a cidade à coletivi-dade”, estão colocadas, como conseguir efetivá-las a partir das intervenções no espaço urbano? A pergunta que se co-loca é como reativar, ou mesmo (re)criar, os espaços públi-cos, através das intervenções no espaço urbano, evitando, para usar as expressões de Jeudy (2005), que a pretendida animação sócio-cultural leve a um sistema de signos petri-ficados, a uma simulação teatral da vida urbana inexistente (GUIMARÃES, 2007).

Figura 7 - Foto: José Luiz Sagrilo. Estilingue. Instalação do artista Nenna, na antiga Praia Comprida (atual Praia do Canto, em Vitória/ES), em junho de 1970. Um dos primeiros registros de obras artísticas num espaço

público capixaba.Fonte: Overmundo

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Para Guimarães (2007), “os processos de ‘reconstrução’ ou ‘reativação’ dos espa-ços públicos também podem ser entendidos como processos de ‘reterritoriali-zação’” (Idem, 2007). Ou seja, se no Movimento Moderno observávamos em seu planejamento urbano a territorialização – a constituição de territórios e suas respectivas funcionalidades –, ao final do século XX e início do XXI se minimiza o território e se inicia um processo de desterritorialização, ou seja, minimização do papel territorial nas atividades cotidianas. Contudo, para todo movimento de desterritorialização há um movimento de reterritorialização; em que se pul-veriza o papel de um território físico e amplia-se o virtual.

A economia contemporânea é um economia da desterrito-rialização ou da virtualização. O principal setor mundial em volume de negócios, lembremos, é o do turismo: viagens, hotéis, restaurantes. A humanidade jamais dedicou tantos recursos a não estar presente, a comer, dormir, viver fora de sua casa, a se afastar de seu domicílio. Se acrescentarmos ao volume de negócios do turismo propriamente dito o das in-dústrias que fabricam veículos, carburantes para os veículos e infraestruturas, chegaremos a cerca da metade da ativida-de econômica mundial a serviço do transporte. O comércio e a distribuição, por sua vez, fazem viajar signos e coisas. Os meios de comunicação eletrônicos e digitais não substituí-ram o transporte físico, muito pelo contrário: comunicação e transporte fazem parte da mesma onda de virtualização geral (LÈVY, 1996, p.51).

Lèvy (1996) pondera a desterritorialização no contexto comunicacional e tam-bém econômico, reverberando na produção de novas relações com os espaços e modos de se relacionar, de uma maneira geral. Contudo, essa aceleração con-temporânea dos meios de comunicação seria decorrente de uma gigantesca mobilidade física, já que é visivelmente proporcional ao desenvolvimento des-tes meios.

O Homem Contemporâneo quer/precisa estar em todos os lugares a todo o ins-tante, circulando como a informação e tendo acesso a outras experiências. É neste turbulento trânsito de desterritorialização e reterritorialização que os es-paços públicos contemporâneos começam a se apresentar cada vez mais de limites difusos, sem uma caracterização a priori de onde começariam ou termi-nariam, ou mesmo quais atividades devem acontecer nele.

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O arquiteto contemporâneo, ao trabalhar os espaços públicos, deve ser um des-cristalizador, ou seja, atualizando a sua função de construtor ou de criador de espaços para aquele que compreenderá os programas e realizará suas ações efêmeras, compreendendo seu caráter político, pois é ele quem contribuirá para o melhor desenvolvimento dos programas propostos para os locais.

Construídos como locais onde a democracia se inflamaria, os espaços públicos tinham em sua concepção o fomento ao diálogo e à tolerância coletiva. Con-tudo, foram sendo reformulados de espaços de estar para vias de circulação, o que Sennett (1988) classificou como erosão da vida pública (1988, p.18). Isso seria uma produção do capitalismo, transformando as preocupações políticas do campo público para o privado. O autor é categórico ao afirmar que os espa-ços públicos vêm perdendo sua potência como local de produção de subjetivi-dades, sendo muitas vezes restritos “à passagem e à não permanência” (Idem, 1988, p.29)

Para Chauí (2007), os espaços públicos da cidade contemporânea estão sendo engolidos pelos espaços privados. Os governos neoliberais preterem os direitos econômicos de interesse público aos interesses do capitalismo, nas figuras das grandes corporações e instituições privadas. Somado a isso, um grande proces-so de espetacularização urbana, apresentado em diversos nomes surge explici-tamente como constante crítica nas produções de artigos e textos acadêmicos:

Diferentes processos urbanos, tais como: estetização, cul-turalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, disneylandização, shoppinização, cenograficalização etc, fazem parte, contu-do, do mesmo processo de espetacularização das cidades contemporâneas que, por sua vez, é indissociável das estra-tégias de marketing ou mesmo do que se chama branding (construção de marcas), que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas de modo a lhes garantir um lugar na geopolítica das redes globalizadas de cidades turísticas e culturais (JACQUES, 2009).

Jacques (2009) afirma ainda que a produção e o bombardeamento dessas ima-gens de cidade, produto de um modo atual de se fazer publicidade – trabalhan-do na lógica do mercado – homogeniza os modos de se apreender a cidade, fazendo com que não haja espaço para aquilo que se contrapõe a essa lógica,

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ou seja, um posicionamento contra-hegemônico que para a autora viria “não pensada como uma simples oposição binária, mas sim como uma coexistên-cia não pacificada de diferenças, sobretudo de diferenças no mundo sensível” (Idem, 2009). As diferenças deste mundo sensível para Rancière (2005) viriam por meio da intervenção da arte que, segundo o autor,

(...) não é a exterioridade do trabalho, mas sua forma de vi-sibilidade deslocada. A partilha democrática do sensível faz do trabalhador um ser duplo. Ela tira o artesão do ‘seu’ lugar, o espaço doméstico do trabalho, e lhe dá o ‘tempo’ de estar no espaço das discussões políticas e na identidade do cida-dão deliberante (RANCIÈRE, 2005, p.65).

Jacques (2009) finaliza:

(...) se trata da arte que poderia ser vista como uma forma de ação dissensual que possibilita a explicitação dos con-flitos escondidos, do campo de forças que está por trás da cidade-imagem espetacular, ou ainda, a arte enquanto mi-cro-resistência, experiência sensível questionadora de con-sensos estabelecidos e, sobretudo, potência explicitadora de tensões do e no espaço público, em particular diante da atual despolitização e estetização consensual dos espaços urbanos. (JACQUES, 2009)

As ações críticas de se lutar contra essa hegemonia, as micro-políticas ou mi-cro-resistências, tanto para Jacques (2009) quanto presente neste trabalho é a produção de intervenções artísticas que se munam de pessoas: corpos, dese-jos e tensões. Isto será melhor destrinchado nos capítulos seguintes, tanto por pesquisa quanto pela prática. Antes, porém, é fundamental a discussão sobre a arquitetura que acreditamos poder intermediar a política, a cidade e a arte: a efêmera.

2 A FAVOR DO FLUXO: UM CONTRAPONTO À AUTORIA

Ao longo de toda a história – com muita força no período moderno –, a pro-dução de arquitetura tentou conter, controlar, organizar e distribuir fluxos de pessoas, espacializando-os e sistematizando-os. Entretanto, é uma das premis-sas deste trabalho monográfico discutir também a impossibilidade de se reduzir

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toda a arquitetura a uma imagem, a uma forma ou a um programa. Seria jus-tamente este fluxo a grande engrenagem criadora de espaço, vinculando uma lógica oposta àquela traçada pelos modernos: a arquitetura não seria moldada para o fluxo, mas por ele. O fluxo híbrido – propulsor de movimentos; angaria-dor de acontecimentos; provocador de encontros – seria a principal força-motriz capaz de produzir uma arquitetura que faça sentido na contemporaneidade.

Fazer sentido significa aqui proporcionar um espaço em que o usuário-habi-tante possa intervir no seu uso, de maneira legítima, sentindo-se parte criadora dele; o uso é uma atividade estética (CERTÈAU, 1998). Uma espécie de protesto a uma leva de projetos de arquitetura contemporânea – especialmente dos es-paços públicos, nosso enfoque – que tenham se tornado o que Koolhaas (2002) nos apresenta como espaços-lixos, ou seja, obras de arquitetura em excesso que são produzidas a todo instante repletas de forma e estilo e vazias de conteúdo, contrapondo-se a uma arquitetura produzida ao longo da história, caracteriza-da por serem grandes obras.

O arquiteto pondera em seu discurso que estes espaços-lixos ou junkspaces são fruto de uma produção influenciada ou mesmo planejada pelo/para o capita-lismo, como um tipo de “erro arquitetônico”, dando uma impressão de uma ar-quitetura inacabada, com espaços aparentemente “em desenvolvimento” (Idem, 2002). Para o arquiteto, o peso da ênfase do espaço é retirado, pois trata-se de um erro modernista acreditar que poderia ter o controle sobre ele, ou seja, ele não é manipulável como antes se pensara. Pelo contrário, é vazio e tudo com o que a arquitetura trabalha é o que existe de concreto (RIBEIRO, 2006).

Quando pensamos sobre o espaço, apenas olhamos para seus recipientes. Como se o espaço fosse invisível, toda a teoria para a produção de espaço é baseada em uma obses-siva preocupação com seu oposto, substância e objetos, i.e., arquitetura. Os arquitetos jamais puderam explicar o espa-ço; Junkspace é nossa punição pela mistificação dos arquite-tos (RIBEIRO, 2006 apud KOOLHAAS, 2002, p.176)

Logo, a produção desenfreada de imagens (comentada no capítulo anterior), de objetos, de matéria, de arquitetura e, consequentemente, de estímulos, produz uma indiferença ou um fechamento em si e um esvaziamento político da cida-dede; uma produção de individualização e um empobrecimento coletivo. “Um

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império confuso de borrões, [junkspace] funde alto e baixo, público e privado, reto e dobrado, inchado e subalimentado, para oferecer uma colcha de retalhos sem costura aparente do permanentemente desconjuntado” (KOOLHAAS, 2002, p.176).

Estes borrões conformariam uma arquitetura borrada, ou seja, amorfa e desfo-cada, numa lógica de uma obra que não termina nunca ou permanece infini-tamente em construção, ao devir do fluxo, como pontua Ito (2000) de maneira mais otimista. O arquiteto legitima um desenho urbano no qual não se distin-gua a priori o que caracterizaria uma ou outra edificação de um mesmo entorno; acredita na não-imposição de objetivos, usos, acontecimentos, o que seria uma arquitetura que objetiva “dar uma forma espacial à descontração” (ITO, 2005, p.13).

A ação arquitetônica está situada sempre entre a liberdade da imagem e o domínio sistemático de sua materialidade. Neste espaço urbano que nos obriga a levar uma vida am-bígua como a de hoje em dia, é inevitável que a arquitetura também tenha a mesma característica, oscilando entre a ilu-são em direção à liberdade e as limitações da realidade. Não obstante, por mais inevitáveis que sejam estas limitações, temos que tentar liberar-nos desse domínio insistentemen-te, já que, em minha opinião, as imagens tanto da arquite-tura como da cidade futuras não se descobrirão mais que neste intento de liberação (ITO, 2000, p.201).

Consideramos mais pertinente a esse trabalho a postura de ação de Ito, já que ele se apropria dessa obra inacabada como uma maneira de mostrar uma arqui-tetura mais humana, próxima ao erro e fadada a mudanças que ele creditaria aos próprios usuários do espaço projetado, como também pontua Tschumi (1981):

O cheiro penetrante de borracha, de concreto, de carne; o gosto da poeira; o roçar desconfortável do cotovelo sobre uma superfície abrasiva; a sensação prazerosa de paredes felpudas e a dor de esbarrar em uma quina no meio da es-curidão; o eco de um salão – o espaço não é simplesmente a projeção tridimensional de uma representação mental, mas é algo que se ouve e no que se age (TSCHUMI, 1981, p.181)

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Figura 8 - Foto: Acervo site Tschumi Architects. Parc de la Villette (1998). Um das maiores referências de uma arquitetura de livre uso e apropriação.

Fonte: Tschumi Architects

É essa a arquitetura que buscamos neste trabalho. Uma arquitetura livre – de forma, estilo, uso – que se apresente no contexto da cidade e de seus espaços públicos contemporâneos, pautados numa lógica de eventos de multidão, se-jam eles culturais ou sócio-políticos. Falamos de uma arquitetura que enriqueça os lugares, estes cada vez mais esvaziados de significado e limitado a avenidas ou espaços de trânsito. Uma espécie de destituição daquilo que poderíamos denominar urbanização, já que estamos em constante aceleração nos nossos deslocamentos, fazendo-nos estar num lugar-entre sem forma (PEIXOTO, 1996).

Pode-se ainda falar aí de arquitetura? Imensas zonas aban-donadas coexistem com áreas de ocupação intensa e desor-denada: desaparição da arquitetura. Hoje todo retrato de ci-dade mostra não o estado dos lugares, mas a rapidez do seu desaparecimento. Há uma aceleração da imagem urbana. Os vários períodos estilísticos sucedem-se tão depressa que

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convertem-se em sequências do desmoronamento geral do arquitetônico. (PEIXOTO, 1996, p.298)

A arquitetura contemporânea, portanto, seria aquela descolada da espacialida-de devido ao constante deslocamento, caracterizando-se como uma arquitetu-ra do movimento; corredores onde nada fique estagnado. Para Peixoto (1996, p.299), “entramos numa era pós-arquitetônica. A capacidade tradicional de or-ganizar o espaço e o tempo entra em conflito com o poder dos meios de comu-nicação. A delimitação das superfícies é substituída pelo contato instantâneo da interface.”

Para nós, o arquiteto contemporâneo deve atualizar sua função, assim como diversas outras agendas de resoluções autorais (a dos escritores, músicos, artis-tas, intelectuais, etc.), em que dialogaria com a lógica do propositor e não um impositor de espaços. Foucault (1992) nos apresenta uma “função-autor” que existe por meio de fatores como a “característica do modo de existência, de cir-culação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” (Idem, pág. 46). Ele se opõe a Barthes (1987), que propõe uma dissolução desta “função-autor”, no caso, aplicado ao campo da literatura. Para ele, o autor é uma criação histórica, uma espécie de produto do ato de escrever, sendo este o con-cebedor do autor e não o contrário.

Se adaptarmos as visões de Foucault (1992) aos nossos discursos, podemos afir-mar que estamos em busca de uma arquitetura contemporânea que seja uma espécie de hiperarquitetura, ou seja, aquela que acreditamos permear e ser re-gida por diversas linguagens e múltiplas vozes; uma arquitetura de Multidão.

3A PARTICIPAÇÃO: ESPAÇOS PÚBLICOS PARA A MULTIDÃO

A efemeridade e dissolução do concreto nos espaços arquitetônicos se apresen-tam como discussões muito atuais no leque da disciplina de Arquitetura e Urba-nismo, já que esta sempre fez referência a um espaço construído. Para Ito (2005), tratar de uma arquitetura, mesmo que se apresente a favor do fluxo, sempre será tratar de um fechamento; um limite construtivo.

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Mas o que é arquitetônico tem que ser estrutural e não pode continuar se expandindo; em última instância deve ser uma entidade fixa. Eu sou consciente demais – e dolorosamente – da lacuna entre, por exemplo, a Midiateca de Sendai, em seu estado de obra finalizada, e a imagem de floresta que preparamos em computação gráfica. Seria maravilhoso se tudo fosse infinitamente flexível e expansível, mas não, tudo sempre termina na solidez de uma rocha. O fato é que, no mundo real, nada do que eu projeto é exatamente o jeito que eu queria que fosse (ITO, 2005, p.76-77).

Os projetos arquitetônicos de Ito sempre apresentam um enfoque no usuário, sendo ele o único capaz de dar vida àquele espaço. Desse modo, o arquiteto de certa forma pulveriza o peso autoral do projeto e transfere parte ao usuário que, por meio da colaboratividade, pode atuar engendrando outras possibilidades espaciais.

Esta filosofia projetual de Ito nos remete a uma discussão muito próxima àquela observada nas discussões do ciberespaço. Este, segundo Lèvy (1996), se trataria de uma virtualização da realidade, ou seja, uma alternância do mundo real para um de relações virtuais, descartando a famosa oposição real/virtual para real/atual. Esta diferença fundamental traduz o ciberespaço enquanto uma realida-de, sendo o virtual uma potência da realidade; uma possibilidade (LÈVY, 1996). Neste ambiente as relações são múltiplas, com diversificadas vozes e todos po-dem interagirem na construção de uma obra aberta, aproximando-se do discur-so de Ito (2005).

Pensar uma arquitetura contemporânea de espaços públicos é pensá-la dester-ritorializada e reterritorializada pela multidão: inúmeras e múltiplas vozes com o poder de opinar sobre o espaço que querem. A ideia vertical de que o Estado seria o detentor da razão e ator soberano no planejamento urbano há décadas vem sendo atualizada ao contexto da participação, mesmo que por muitas ve-zes uma participação mascarada . Esta seria um dos principais instrumentos de legitimação de uma espaço arquitetônico. Sem ela, o poder de decisão se con-centra na mão de um ator, o que fatalmente será falho, tendo em vista que só uma visão sobre o espaço não é detentora de uma verdade sobre o local e sobre quem o usuará (ALMEIDA, 2011).

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O problema da não participação afeta diretamente às im-plicações da arquitetura e urbanismo, pois o arquiteto ao projetar estabelece limites ao espaço, e quando não há par-ticipação, condiz que a concepção da obra foi concentrada na mão de uma pessoa. Por isso creditamos como um último cruzamento de conversação, estabelecer uma tensão entre participação/limites. (ALMEIDA, 2011, p.35)

A ideia de participação começa a aparecer à época do CIAM X (Congresso In-ternacional de Arquitetura Moderna X ou TEAM 10), em 1956, por meio do sur-gimento da Internacional Situacionista – artistas-ativistas que provocaram a discussão sobre uma ideia de “espetáculo” que começava a aparecer, com Guy Debord como o principal nome do movimento –, crítica a essa sociedade do es-petáculo que já era pautada pelos meios de comunicação e marketing de massa (Idem, 2011). No primeiro tópico deste capítulo, trouxemos a fala de Jacques (2009) como reverberações contemporâneas dessa espetacularização e ainda trataremos mais algumas vezes do tema.

Compreendido em sua totalidade, o espetáculo é tanto o resultado como a meta do modo de produção dominante. Ele não é uma mera decoração acrescentada ao mundo real. É o próprio coração do irrealismo desta sociedade real. Em todas suas manifestações particulares -- notícias, propagan-da, anúncios, entretenimento -- o espetáculo representa o modelo dominante de vida. É a afirmação onipresente das escolhas que já foram feitas na esfera da produção e do con-sumo resultante de tal produção. (DEBORD, Guy, 1973 apud ALMEIDA, 2011, p.36).

O grupo criticava a forma com que os funcionalistas do movimento moderno ignoravam a existência de uma subjetividade presente nos ambientes urbanos e tratatavam-nos meramente com funções específicas para as quais foram desti-nadas, pouco se atentando aos usuários daqueles espaços como atravessadores e causadores de outros tipos de relações. Dessa forma, os Situacionistas acre-ditavam na participação como uma espécie de fuga do espetáculo (ALMEIDA, 2011).

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Jacobs (2009) é uma outra autora que traz a esta época (1961) narrativas urba-nas de construções diárias de espetáculos, criticando os planejadores urbanos como aqueles que não experienciavam a cidade e a tratavam como laboratório em que apostavam suas ideias (Idem, 2011).

O trecho da Rua Hudson onde moro é todo dia cenário de um complexo balé de calçada. Eu mesma entro em cena pouco depois das oito, quando coloco do lado de fora a lata de lixo, sem dúvida uma tarefa prosaica, mas gosto do meu papel, do barulhinho metálico que produzo, na hora em que passam as levas de colegiais pelo meio do palco, deixando cair papel de bala. (Como eles conseguem comer tanta bala logo de manhãzinha?) Enquanto varro os papéis de bala, observo os outros rituais matinais: o Sr. Halpert soltando o carrinho de mão da lavandeira de seu lugar, à porta do depósito, o genro de Joe Cornacchia empilhando caixotes vazios fora da confeitaria, o barbeiro colocando na calçada sua cadeira dobrável, o Sr. Goldstein arrumando os rolos de arame, o que indica que a loja de ferramentas está aberta, a mulher do sindico largando seu parrudinho de três anos com um bandolim de brinquedo à porta de casa(...) (JACO-BS, 2009, p.53 apud ALMEIDA, 2011, p. 38).

Muitas foram as tensões surgidas contra os organizadores da cidade (planejado-res e governantes), geralmente por aqueles que não eram da área do urbanis-mo, como Jacobs (jornalista) e Debord (artista). Talvez por isso as críticas faziam tanto sentido, porque para eles, os planejadores precisavam ouvir a população, a voz de quem de fato usava a cidade.

Mais do que ouvir a população, era preciso fazê-la entender que de fato ela é quem faria a cidade, produziria os modos de discussão e se aproximaria do que seria o planejar, mesmo os governos neoliberais não se interessando em deixar esses pequenos espaços para uma voz popular; pelo contrário: mascarando-a e transformando-a numa pseudo-participação popular. Uma das nossas buscas, portanto, é a da diferença, por meio das vozes articuladas da Multidão.

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4 RESTAURAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

(...) a arquitetura segue a passos lentos com sua programa-ção ainda atada aos seculares dogmas da forma e da função - que devem ser lidas como formalismo fetichista (ordenada ao último e cada vez mais perecível modismo) e funcionalis-mo utilitário (ordenado à captura máxima de um trabalho útil). (BARBOZA et al., 2010)

Como dito neste capítulo, buscamos discutir uma arquitetura desapegada a tudo o que sempre foi imposto por forma/função e ainda buscar reativar as possibilidades de subjetivação, ou seja, originalidade: livrando-nos do que é colocado pelos paradigmas estéticos suplantados pelo mercado; legitimidade: uma arquitetura feita para e por pessoas, com possibilidade de usos diversos; diferente: creditada não por ser exótica ou individualizada (no sentido negativo, preterindo o coletivo), mas sim com a chance de fazer a diferença por meio dela.

A filosofia da Diferença surgiu por diversos autores como uma crítica ao “verda-deiro”. Foucault, Deleuze, Guattari e Derrida foram autores que engendraram na diferença a possibilidade de pensar diferente, ou seja, não se pautando pelas separações racionais sujeito, objeto, linguagem, verdade e razão, mas sim com-preendendo como indissociáveis. A principal lógica que a guia seria descons-truir mundos construídos pela linguagem e chegar a tal ponto que se inicie pensamento sem imagem, como pontua Deleuze, em Diferença e repetição. Con-tudo queremos neste trabalho buscar fazer a diferença pelo modo de pensar a arquitetura e o espaço da cidade.

Tudo se reduz sempre a essa questão dos focos de enuncia-ção parcial, da heterogênese dos componentes e dos pro-cessos de re-singularização. É para essa direção que deve-riam se voltar os arquitetos de hoje. Eles devem assumir uma posição, se engajar (como se dizia no tempo de Jean-Paul Sartre) quanto ao gênero de subjetividade que ajudam a en-gendrar. Irão no sentido de uma produção reforçada de uma subjetividade do “equivaler generalizado”, de uma subjeti-vidade padronizada que tira o seu valor de sua cotação no mercado dos mass-mídia, ou colocar-se-ão na contracorren-

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te, contribuindo para uma reapropriação da subjetividade pelos grupos-sujeitos, preocupados com a re-singularização e a heterogênese? Irão no sentido do consenso infantiliza-dor ou de um dissenso criador? Mas pode-se imaginar uma pedagogia da singularidade? Não há aqui contradição nos termos? (GUATTARI, p.163, 1992)

É com essa calorosa convocatória que Guattari instiga os arquitetos a repensa-rem o tipo de arquitetura que está sendo colocada na cidade. Ele ativa o arqui-teto enquanto criador; um dissenso criador, e vai além: acredita que o desejo do criador jamais deve se limitar às “máquinas de opinião, máquinas materiais”; para Guattari (p.163-164,1992), “o essencial do trabalho do arquiteto reside nas escolhas que ele é levado a fazer. (...) Determinadas margens de manobra lhe pertencem, mas ele encontra também determinados limiares que não deve transpor”.

Entendemos esses limiares como ponto crucial onde o trabalho do arquiteto deveria tanto assumir seu papel de estar atento ao que pauta a construção da arquitetura de um modo prático (construção, incorporação, execução e planeja-mento), bem como suas funções e, como nos aponta Guattari (p.164, 1992), “até mesmo com o gosto da época”.

No mesmo livro, Caosmose, o autor, após sacudir os arquitetos, traz um posi-cionamento crítico que ele acredita poder contribuir para a elaboração desse pensamento sobre a cidade.

Como infletir o destino coletivo em um sentido menos serial, para retomar um termo caro a Jean-Paul Sartre? Tudo de-penderá da re-finalização coletiva das atividades humanas e, sem dúvida, em primeiro lugar, de seus espaços constru-ídos. Mas o que serão as mentalidades urbanas do futuro? Levantar essa questão já é um pleonasmo, na medida em que o porvir da humanidade parece inseparável do devir ur-bano. (Idem, p.170, 1992)

Ora, estamos vinte e um anos depois desta fala de Guattari e observamos, cada vez mais, o porvir da humanidade inseparável do devir urbano, parafraseando o autor. Exemplos podem ser vistos a todo instante pelas revoltas populares in-surgindo em todos os lugares do mundo, ressignificando os espaços públicos e

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trazendo a eles sua importância que, de certa forma, encontrava-se anestesiada, muito por causa desse processo de seu esvaziamento no sentido político, pon-tuado anteriormente, como uma tendência capitalista em preterir o público em prol do privado. Esse lugar é, possivelmente, o que o autor aponta como aquele passível a uma “Restauração da Cidade Subjetiva”.

Essa subjetividade em estado nascente – o que o psicanalis-ta americano Daniel Stern denomina “o si mesmo emergen-te” –, cabe a nós reengendrá-la constantemente. Não se trata mais aqui de uma “Jerusalém celeste”, como a do Apocalipse, mas da restauração de uma “Cidade subjetiva” que engaja tanto os níveis mais singulares da pessoa quanto os níveis mais coletivos. (Ibidem, p.170, 1992)

Como Guattari (1992) nos indica, é preciso que os arquitetos e urbanistas não pensem mais a cidade enquanto espaço físico somente; a escala já tomou ou-tras proporções, não se tratando de mais um problema, e sim o problema, que envolve as questões econômicas, sociais e culturais. É preciso uma transdiscipli-naridade.

“Na verdade, os meios de mudar a vida e de criar um novo estilo de atividade, de novos valores sociais, estão ao alcan-ce das mãos. Falta apenas o desejo e a vontade política de assumir tais transformações”. (Ibidem, p. 174, 1992).

5OCUPAÇÃO POLÍTICA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS: A HORA E A VEZ DA MULTIDÃO

No ano de 2011 ocorreu um fenômeno que há muito não se via: uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos socias de protesto com reivindicações peculiares em cada região, mas com formas de luta muito assemelhadas e cons-ciência de solidariedade mútua. Uma onda de mobilizações e protestos sociais tomou a dimensão de um movimento global. Começou no norte da África, derrubando ditaduras na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen; estendeu-se à Eu-ropa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia e revolta nos subúrbios de Londres; eclodiu no Chile e ocupou Wall

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Street, nos EUA, alcançando ao final do mesmo ano até mes-mo a Rússia (HARVEY... et al., p.7, 2012).

Figura 9 - Foto: Divulgação R7. Cairo, Egito. Manifestantes se reúnem na Praça Tahrir para derrubarem o dita-dor Hosni Muba- rak, em 25 de janeiro de 2011.

Fonte: R7

Estamos falando de revoluções que tiveram como principais motes: ocupar os espaços públicos das ruas, calçadas, praças e parques, todos munidos de tecno-logias da internet para celular e para computador para divulgar por meio das redes sociais; criticando o capitalismo, em meio uma crise social, econômica e financeira desde 2008, ocasionando o encarecimento dos alimentos e o aumen-to do desemprego, “mas o grande impasse que está presente é a ausência de alternativas políticas organizadas” (Idem, p.8, 2012). A crise é generalizada mas se articula principalmente no ponto político, uma crise de representatividade política, com grande descrença em melhorias provenientes do atual sistema po-lítico e econômico.

Houve algo de dionisíaco nos acontecimentos de 2011: uma onda de catarse política protagonizada especialmente pela nova geração, que sentiu esse processo como um desper-tar coletivo propagado não só pela mídia tradicional da TV ou do rádio, mas por uma difusão nova, nas redes sociais da internet, em particular o Twitter, tomando uma forma de dis-

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seminação viral, um boca a boca eletrônico com mensagens replicadas a milhares de outros emissores. (Idem, p.9, 2012)

Os acontecimentos também reverberaram no Brasil, apoiados a fortes movi-mentos coletivos que já tomam conta de diversas atividades culturais, sociais e ambientais, desde meados do governo Lula (2002-2010), estendendo-se até o atual governo Dilma Rousseff, devido à grande abertura democrática que os mesmos propiciaram por meio de múltiplas políticas de inclusão social (dentre elas, na educação, as cotas étnicas e para estudantes de escolas públicas; na habitação: projeto Minha Casa, Minha Vida, que distribuiu casas para população de baixa renda; e o Bolsa Família, auxílio financeiro para famílias de baixa renda). O acesso aumentou e, em consequência disso, muitas pessoas hoje conseguem ter muito mais voz na sociedade.

Políticas culturais foram muito fortes durante o governo Lula, especialmente, com a cadeira do Ministério da Cultura (MinC) tendo sido ocupada pelo com-positor Gilberto Gil e, posteriormente, pelo sociólogo Juca Ferreira. Ambos contextualizaram o Brasil diante do cenário cibernético, com políticas culturais bastante atualizadas como, por exemplo, a do direito autoral e licenciatura em Creative Commons (um regimento não institucionalizado em que a propriedade intelectual transitaria em território livre pela internet; na administração da com-positora Ana de Hollanda, posteriormente, no governo Dilma isto foi destituído e de certa forma congelado; atualmente, a ministra Marta Suplicy tem se atuali-zado da pasta e parece estar mais flexível do que sua antecessora).

Nesse contexto, os movimentos coletivos, desse modo, vieram se fortalecendo a todo instante, especialmente, a partir de 2005, apoiados, concebidos e execu-tados pelo Circuito Fora do Eixo, que surgiu através de produtores culturais do Centro-Oeste, Norte e Sul do país, em 2005 – daí o nome, proveniente fora do eixo Rio-São Paulo. O circuito tinha o foco no cenário musical do país, entretan-to, expandiu-se de tal forma a ponto de construir relações com outras lingua-gens (literatura, arte, dança, cinema e intervenções urbanas) e até mesmo algu-mas práticas políticas de economia criativa, conceito que atrela o maior valor a todo o processo de criação do que ao produto, empregando uma nova lógica ao capitalismo.

Estes movimentos políticos coletivos no Brasil só se expandem e se atualizam,

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como, recentemente, observamos ocupações de espaços públicos, tanto por contestação como por uso cultural. Independente do fim, o processo é o mes-mo: um constante uso dos espaços públicos remete a um amadurecimento da-quele espaço.

Observamos alguns exemplos como o Movimento Fora Lacerda (MFL), em Belo Horizonte (MG), um dos mais organizados do país. Contando com milhares de ativistas da cidade, o movimento se pauta numa insatisfação desde a eleição em 2008 de Márcio Lacerda para a prefeitura de BH, em que o mesmo teve apoio dos antagônicos partidos PSDB e PT. Segundo o manifesto presente no site do MFL, o governo inicialmente cortou diversos programas sociais, nomeou pa-rentes para cargos públicos, desapropriou diversas áreas sem esclarecimento, entre outras medidas autoritárias (para acesso ao Manifesto na íntegra: http://fora_wp.falasocial.com/?page_id=276)

Segundo o Manifesto, o movimento se caracteriza como “independente, su-prapartidário e solidário aos diversos movimentos de enfrentamento aos des-mandes do prefeito”. Buscam criar meios de protestar e, na maioria das vezes, ocupam espaços públicos belo-horizontinos por meio de eventos. Dois deles são: a Praia da Estação (os manifestantes/apropriadores usam a fonte da Estação de trem para tomarem banho aos sábados, há três anos, sempre com centenas de pessoas) e o Duelo de MCs no Viaduto Santa Tereza – disputa de rimas de rappers, todas as sextas-feiras, há cinco anos, com média de 1.500 a 2.000 pesso-as (Acesso completo aos sites dos eventos: Praça Livre BH - http://pracalivrebh.wordpress.com e Duelo de MCs - http://duelodemcs.blogspot.com.br).

Um outro movimento que aconteceu recentemente, em São Paulo, foi o Festival Amor Sim Russomano Não seguido do Existe Amor Em SP, na Praça Roosevelt. Os movimentos, também caracterizados pelos organizadores como suprapartidá-rios, surgiram como protestos a então liderança de Celso Russomanno diante das pesquisas para a prefeitura de SP, candidato que, segundo os organizadores do grupo, era despreparado, demagogo e não-político, religoso que estimularia a intolerância e a homofobia. No total dos dois eventos, foram contabilizadas quase 10.000 pessoas.

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Figura 10 - Desenho de divulgação dos 03 anos da Praia da Estação, na Praça da Estação, em Belo Horizonte (Janeiro de 2013).

Fonte: Praça Livre BH

Em um outro movimento, o Ocuppy Praça Benedito Calixto, em São Paulo, ma-nifestantes do Movimento Boa Praça iniciaram a ideia da ocupação da praça a partir de uma criança que gostaria de fazer sua festa de aniversário nela. No site Overmundo, tem um texto que elucida bem:

(...) o movimento surgiu a partir de uma criança de quatro anos que queria fazer sua festa de aniversário numa praça. Mas será que pode? A mãe da criança tentou, articulando com as pessoas do entorno, os vizinhos, uma academia, e até a subprefeitura responsável. A festa aconteceu e, ao invés de a menina ganhar presentes, foi combinado que a Praça que os ganharia – assim, a academia trouxe uma cama elástica, pessoas promoveram oficinas e a subprefeitura cuidou da manutenção. Entretanto, essa articulação não poderia se limitar a apenas uma data. Assim, o movimento foi criado. (Overmundo, disponível em: <<http://www.overmundo.com.br/overblog/occupy-benedito-calixto>> Acessado em 27/01/2013).

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No mesmo texto, uma representante do coletivo MUDA traz uma indagação muito pertinente, que permeia toda a discussão dessa monografia e nos faz pensar um pouco mais:

A representante do MUDA, Marcela Arruda, da faculdade de arquitetura Escola da Cidade, aponta como maneira de esti-mular a apropriação dos espaços públicos perguntar “o que as pessoas que usam o espaço querem para ele? Essas pesso-as tem que participar da ‘construção’, da revitalização desse ambiente, pensando no que se pode fazer de melhor com os recursos disponíveis”. (Idem, disponível em: <<http://www.overmundo.com.br/overblog/occupy-benedito-calixto>> Acessado em 27/01/2013).

Afinal, o que podem os espaços públicos e o que podemos fazer por eles, para eles, a fim de que seu uso seja legítimo e legitimado? Arte, literatura, música, dança e diversas outras linguagens nele permeiam. É o que trataremos no capí-tulo seguinte.

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INTERVALO // PEQUENO ENSAIO SOBRE ESPAÇOS COMUNS

Negri & Hardt (2009), em Commonwealth, ainda sem tradução para o português, finalizam a trilogia que se propuseram a elaborar (Império, Multidão e Com-monwealth), buscando compreender, analisar e sugerir os possíveis caminhos da sociedade contemporânea. Durante os três livros, mas principalmente neste, re-visam a obra de Karl Marx e o localizam no contexto contemporâneo, utilizando sua literatura menor – no sentido que nos propõe Deleuze (1992), ao ponderar o menor não como algo diminuído mas sim com a força da minoria, engendrando as possibilidades de diferença –, buscando pequenas ressonâncias de um autor já muito utilizado pela esquerda. Os autores apontam como sendo fundamental a compreensão sobre a latência do comum no mundo contemporâneo. Esse se apresenta de maneira autoexplicativa: seria a potência da multidão; o que surge de legítimo e pode ser utilizado como força.

Se no fordismo os operários eram submetidos a uma lógica na qual dependiam do trabalho oferecido pelo patrão, depositando sua força na empresa, hoje é contrária: os serviços dependem dos empregados e sua saída acarreta numa perda irreparável para a empresa (HARDT & NEGRI, 2004). E só é irreparável de-vido a experiência única que o empregado contemporâneo tem atualmente. Saindo um pouco da lógica fabril e ampliando mais este assunto, compreende-mos que o pensamento habita a força contemporânea na produção intelectual. E, segundo Negri & Hardt (2009), ela é a força da multidão, incapaz de ser con-trolada. É o que temos em comum.

Aproximando mais a discussão, podemos observar uma situação muito impor-tante para a cultura do Brasil que explicita a força do comum. O Ministério da Cultura (MinC), com o ministro Gilberto Gil à frente, em 2004, criou o projeto Pontos de Cultura, que se tratam de “entidades reconhecidas e apoiadas finan-ceira e institucionalmente pelo Ministério da Cultura que desenvolvem ações de impacto sócio-cultural em suas comunidades”, segundo a página oficial do Cul-tura Viva (Disponível em: <<http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de--cultura/>> Acessado em 03/02/2013). Por meio deste projeto uma importante postura se altera: não é o Governo que introduz cultura, mas sim a identifica. E a cultura é produzida pelo que se tem em comum. Transcrevo a fala de Bruno Cava, no seminário “Direito à cidade: o que temos em comum”, em que pude participar em Janeiro de 2013, que pontua de maneira categórica sobre a políti-

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ca dos Pontos de Cultura e suas reverberações possíveis:

Talvez o Ministério da Cultura foi o mais longe nisso, nessa produção em redes de resistência, desde ir abaixo reconhe-cendo – não com a ideia de levar cultura, mas reconhecendo a cultura que já existe – e dando condições, aproximando os agentes de produção dos meios de produção, quando todo o capitalismo tenta separá-los: tenta dizer que você tem que buscar as empresas; que você tem que buscar sustentabili-dade; que você tem que procurar os processos de seleção, ou seja, você é criativo mas tem que buscar meios de produ-ção fora de você. Não! O comum já é intensamente produti-vo e essa poítica reconhece isso e estabeleceu dinâmicas da rede, através das Teias, da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura. (...) A política dos pontos é interessante; podemos pensar em pontos de saúde; pontos de ecologia; pontos de moradia; ou seja, uma lógica em rede.

É neste sentido que podemos pensar na lógica de espaços comuns, engendra-dos nesta identificação daquilo que há de comum. Um possível espaço comum seria o que Rosa (2011) nos apresenta no livro Microplanejamento como a Cora Garrido Boxe, criada por Nilson Garrido e Cora Batista. Com uma academia de ginástica, um ringue de boxe e uma biblioteca, o espaço se consolida como uma praça esportiva e cultural, pública, gratuita e se caracteriza por ser instalada em-baixo do viaduto Alcântara Machado.

Trata-se de uma iniciativa repleta de vontade e amor guiada por Nilson Garrido, ex-pugilista, e engendrada num espaço público deteriorado onde os viciados em crack se situavam. Ou seja, muito além da dicotômica relação público/priva-do, o espaço apresenta-se como comum, como um atravessador; não se trata de ir contra o Estado ou à população: mas a favor de todos e por todos.

Levanto essa discussão aqui ainda de maneira bem inicial, pois se tratam de in-dagações que a Arquitetura e o Urbanismo ainda se colocam a par, com prati-camente nenhuma bibliografia para este momento. É importante retomá-la e ressignificá-la de tempos em tempos.

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CAP. 3 | POÉTICAS ARTÍSTICAS NO CONTEXTO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

A ideia deste capítulo é falar um pouco sobre o que é Arte Contemporânea, fazendo um apanhado geral sobre o surgimento desta no Brasil; como os artistas, poetas, coletivos de artistas e produtores culturais da atualidade têm utilizado os espaços públicos para executarem seus trabalhos e como têm dialogado com os moradores e transeuntes locais; pretende-se ainda discutir sobre o trabalho de Helio Oiticica e dos artistas da intitulada Estética Relacional.

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POETICAS ARTÍSTICAS NO CONTEXTO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

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risco o chão da rua

risco a luarisco qual brasa em noite quente

é incandescente o meu luar[fev/2013]

1ESSA TAL ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

OS CONSTRUTIVISTAS E OS NEOCONSTRUTIVISTASCompreender uma arte pautada como contemporânea é pensar de quem ela seria contemporânea, ou seja, pensar em sua territorialidade; no nosso caso, de uma arte contemporânea brasileira. Englobar toda uma série de trabalhos artís-ticos elaborados desde a década de 50 e 60, representados pelos mais diversos moldes e linguagens sob essa nomenclatura significa abraçar os mais diversos movimentos ocorridos no Brasil, desde as experiências concretas de São Paulo às neoconcretas do Rio de Janeiro, tudo isso iniciado com o plano econômico desenvolvimentista, elaborado e iniciado à época do Governo Juscelino Kubits-check (1956-1961), em busca da modernidade do país (com o famoso lema ‘‘cin-quenta anos em cinco’’) (PIRES, 2007).

Ferreira Gullar, poeta, em seu livro de poemas A luta corporal (1954), iniciara uma preocupação até então pouco comentada acerca da sua poesia: o modo de se utilizar os espaços em branco na disposição espacial dos poemas; tanto por seu preenchimento ousado como por seu esvaziamento tão ousado quanto, reme-tendo a espaços de silêncio (GULLAR, 2007). A repercussão foi tamanha que os paulistas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari se interessaram em repensar a poesia que se fazia até então.

Em dezembro de 1956, realizou-se em São Paulo a I Exposi-ção Nacional de Arte Concreta, reunindo artistas plásticos e poetas concretos paulistas e cariocas, da qual participei com cinco páginas de O formigueiro. A exposição foi inaugurada no Rio em fevereiro do ano seguinte, ocasião em que vie-ram à tona as divergências entre os dois grupos. Escrevi no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil [SDJB] um arti-go que mostrava as diferenças entre os cariocas e os paulis-tas, dizendo serem estes muito cerebrais enquanto aqueles eram muito intuitivos. Waldemar Cordeiro não concordou e revidou minhas críticas. Ao inaugurar-se a exposição, no

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prédio do então Ministério da Educação, Décio Pignatari afirmou numa entrevista à imprensa que O formigueiro não era um poema concreto. Embora sua intenção ao dizer isso fosse impor como única a visão paulista do que era poesia concreta, sua opinião estava certa e efetivamente refletia as diferenças que havia entre os dois grupos. De fato, o meu poema não se enquadrava nas normas teóricas rígidas que os três poetas paulistas haviam adotado (GULLAR, p.23-24, 2007).

O poema O formigueiro de Gullar consistia num só poema que percorria cin-quenta páginas de um livro, com uma palavra em cada página que, segundo as diretrizes matemáticas paulistas, não cabia como um poema concreto. Nesse momento, houve o rompimento dos dois grupos, divididos em neoconcretos e concretos.

Além de Ferreira Gullar, no grupo do movimento neoconcreto, ainda se faziam presentes os artistas e poetas Lygia Clarck, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Amílcar de Castro, Décio Vieira, Aluísio Carvão, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis. O movimento foi consolidado a partir do Manifesto Neoconcreto (1959), elaborado por Gullar para a I Exposição Neoconcreta (que visava compilar a grande produ-ção dos artistas e poetas neoconcretos dos últimos anos). O termo neoconcreto surge não por necessariamente os trabalhos serem uma nova forma de concre-tismo, mas sim devido ao fato deles só terem surgido a partir da discussão sobre ele, mesmo que muitos se tratassem de uma negação (GULLAR, 2007). O poeta afirma ainda que os neoconcretos buscavam revisar criticamente o trabalho de Mondrian, Maliêvitch, Pevsner e outros, “partindo da convicção básica de que a obra de arte não pode ser a mera ilustração de conceitos apriorísticos” (p. 42, 2007). Para eles ainda, é preciso “pensar espontaneamente o mundo, integrar o pensamento no fluir, pensar com o corpo” (idem). Essa maneira de pensar in-fluenciaria muito os trabalhos posteriores de Lygia Clark e Hélio Oiticica (próxi-mo tópico da discussão).

Contudo, Ronaldo Brito (1994), poeta e crítico, lúcido, pontua se a importância do neoconcretismo surge no sentido de compreender a legitimidade do movi-mento concretista, no sentido de autonomia, ou se seria mais um debate ideo-lógico [concretistas x neoconcretistas] dentre tantos outros já ocorridos no Brasil:

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A questão daqui para frente é saber se se pode atribuir a es-ses adjetivos um valor substancial, ou apenas circunstancial. Isto é: se o estudo do neoconcretismo representa um dado importante para o esclarecimento do projeto construtivo, a utopia reformista, a “estetização” do meio industrial con-temporâneo. O neoconcretismo estava inicialmente preso a esse esquema, fora de dúvida. Mas, objetivamente, pôs em ação e manipulou elementos que extravasavam a denun-ciavam suas limitações, seu formalismo e seu esteticismo. Mais do que os postulados da estética construtiva, o neo-concretismo rompeu o próprio estatuto que essa concepção reservava ao trabalho de arte e à sua inscrição social. Impli-citamente, ao superar os limites do projeto construtivo, ele permitiu a inserção da arte no campo ideológico, no campo da discussão da cultura como produção social. (BRITO, 1999, p. 94-95 apud PIRES, 2007, p.277)

Pires (2007, p.277) nos aponta o seguinte panorama desta época no Brasil:

O que Ronaldo Brito vai apontar como crise – crise do mode-lo, crise crítica da impossibilidade ou da falência do projeto – é o que vai ser o acontecimento mais perene do período, é o que vai produzir o ruído mais potente no quadro histórico de produção de arte no Brasil. Essa crise é também a crise de um modelo de leitura. O evento radical da implosão da pos-sibilidade de sustentação de um projeto de arte, de leitura, de experiência de sociedade, que essa crise provoca, aponta para um sentido muito mais complexo e sutil do que uma contraposição de pontos de vista artísticos. A emergência desta crise é a constatação de uma cisão inegociável no seio de uma produção de sentido, seja no campo da arte, seja no campo da sociedade.

AS EXPERIÊNCIAS DE HÉLIO OITICICA

Se a arte concreta prescinde do caráter expressional que sempre foi a característica de uma obra individual então é de supor que ela já se situe essencialmente diferente de uma obra de arte individual em si mesma. Daí, a meu ver, a neces-sidade de um trabalho de equipe, em que o artista concreto poderá se realizar realmente criando com o arquiteto um ambiente por si mesmo expressional (GULLAR, 2007, p.85 apud “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, 21 de ou-

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tubro de 1956).

No ano de 1964, Hélio Oiticica se aproxima da favela da Mangueira, no Rio de Janeiro, de maneira tão íntima, interagindo com os moradores e fazendo parte daquele local que sua obra resulta daquele amalgamado de experimentações (JACQUES, 2003). Seu primeiro trabalho são os Parangolés: capas, tendas e es-tandartes que traziam consigo a experiência de Oiticica na favela em três meios, que era o samba, em que o usuário vestiria a indumentária e dançaria com ela; a lógica de uma coletividade anônima, uma grande mudança provocada pelo artista, visto que nessa os espectadores eram ao mesmo tempo parte da obra e participantes dela; e a arquitetura das favelas, trazida por Oiticica como uma espécie de abrigo, trazendo para o corpo. Porém, essa participação não era algo imposto ou determinado, pelo contrário, para o artista o Parangolé seria uma espécie de incorporação daquilo que o artista observara após gigante imersão na favela, como bem ilustra Haroldo de Campos:

[o Parangolé] envolve esses aspectos da teoria estética contemporânea imantadas pela vivência que ele tinha de passista da Mangueira, do que via na quadra da Manguei-ra, no desfile da Mangueira, na maneira como um sambista da Mangueira usava seu corpo e era capaz de vencer; com sua coreografia inventada no instante, as limitações da gra-vidade, tornando-se ele próprio uma espécie de ser alado: as evoluções da porta-bandeira acompanhada pelo mestre--sala, uma espécie de minueto bárbaro e alado. (Haroldo de Campos em Asa Delta para o êxtase, entrevista para Leonora Barros, catálogo da exposição Jeu de Paumme, op. cit., p.18 apud JACQUES, 2003, p.30)

Para Oiticica, a ideia de participação vai além de uma representação na obra; a obra em si só faz sentido, ou seja, só existe, se houver a participação:

O Parangolé revela então o seu caráter fundamental de “es-trutura ambiental”, possuindo um núcleo principal: o parti-cipador-obra, que se desmembra em “participador”, quando assiste, e em “obra” quando assistida de fora neste espaço--tempo ambiental. Esses núcleos participador-obra ao se re-lacionarem num ambiente determinado criam um “sistema ambiental” Parangolé, que por sua vez poderia ser assistido por outros participadores de fora. (OITICICA, Anotações so-

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bre o Parangolé, catálogo de exposição Opinião 65, op.cit., re-produzido no catálogo da exposição Jeu de Paumme, op.cit., p.96 apud JACQUES, 2003, p. 32).

Figura 12 - Foto: Autor desconhecido. Um dos moradores da Mangueira usando o Parangolé criado por Hélio Oiticica.

Fonte: Blog Circunflexo

De modo incisivo, o artista subverte uma lógica artística vigente até então. Em sua obra seguinte, Tropicália (1967), apresenta aos espectadores uma espécie de “mito da miscigenação”:

Por isso creio que a Tropicália, que encerra toda essa série de proposições, veio contribuir fortemente para essa obje-tivação de uma imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira, toda calcada na Europa e na América do Norte, num arianismo inadmissível aqui: na verdade quis eu com a Tropicália criar o mito da mis-cigenação – somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo tempo – nossa cultura nada tem a ver com a européia, ape-sar de estar até hoje a ela submetida: só o negro e o índio

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não capitularam a ela. Quem não tiver consciência disso que caia fora (OITICICA, 1968).

Oiticica (1981) pronuncia a necessidade da obra de arte ter nela integrada o es-paço e o tempo, creditando ao corpo as mais diversas possibilidades de senti-las e experienciá-las; nesse sentido a obra de Oiticica revoluciona.

2AS iNTERVENÇÕES URBANAS E O DISCURSO DA ESTÉTICA RELACIONAL

Para nossa melhor localização, é fundamental nos situarmos na atual produção da intitulada intervenção urbana, já que o termo provém dos discursos sobre arte e cidade, atreladas àquele presente sobre a denominada arte conceitual, surgida entre os anos 1960 e 1970, bem como das especulações dos movimen-tos futuristas, dadaístas, surrealistas e ainda ligados à Bauhaus (escola moder-nista de arte, arquitetura e design alemã). Glusberg (2003, p.12), ao relacionar o termo às respostas que os artistas buscavam, afirma: “(…) o que se buscava era uma vasta abertura entre as formas de expressão artística, diminuindo de um lado a distância entre vida e arte e, por outro lado, que os artistas se convertes-sem em mediadores de um processo social (ou estético-social)”. Desse modo, os artistas destes movimentos introduzem em seus trabalhos a necessidade de se produzir ações questionadoras, sendo a cidade o principal campo de atuação e, portanto, o território em que se poderia colocar política intervindo esteticamen-te. Assim, os artistas creditam aos espaços públicos a possibilidade de conexão entre o indivíduo produtor e a sociedade.

No Brasil, inspirados pelas propostas do movimento, alguns grupos surgem, com especial atenção o Viajou Sem Passaporte – grupo formado em 1978 por alunos da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA/USP) –, que propunha se utilizar dos espaços públicos, trabalhando com diferentes linguagens, como o teatro, a música e as artes plásticas.

Embora o grupo tenha sido efêmero (1978 a 1982), realizou importantes traba-lhos artísticos, interligados à lógica da cidade. Uma apresentação interessante, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic), foi a série de exercícios em happenings (do inglês aconteci-mentos, se tratavam de pequenas, efêmeras e fortuitas apresentações sem se-

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rem anunciadas) intitulados Trajetórias.

Na Trajetória do Curativo, por exemplo, eles se distribuem ao longo do trajeto de um ônibus. Um deles, com curativo no olho esquerdo, entra no ônibus, paga a passagem e desce no ponto seguinte, onde um outro com curativo sobe, e as-sim por diante, até que os passageiros começam a estranhar e a fazer comentários. No último ponto um ator do grupo mostra um cartaz que traz o nome do trabalho, com o dese-nho de uma pessoa com curativo no olho.

Os trabalhos em todos os níveis apresentam o que Bourriaud (2009, p.19) nos in-dica como uma arte relacional ou uma “arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado”. Para ele essa evolução da arte acon-teceria devido ao fato de emergir uma cultura urbana hegemônica por todo o mundo e, de certa forma, de uma aplicação desse modelo de cidade na vida. O autor aponta ainda o termo interstício como aquele capaz de exprimir essa rela-ção de uma maneira bem objetiva:

O termo interstício foi usado por Karl Marx para designar co-munidades de troca que escapavam ao quadro da econo-mia capitalista, pois não obedeciam à lei do lucro: escambo, vendas com prejuízo, produções autárquicas etc. O interstí-cio é um espaço de relações humanas que, mesmo inserido de maneira mais ou menos aberta e harmoniosa no sistema global, sugere outras possibilidades de troca além das vi-gentes nesse sistema. É exatamente esta a natureza da ex-posição de arte contemporânea no campo do comércio das representações: ela cria espaços livres, gera durações com um ritmo contrário ao das durações que ordenam a vida cotidiana, favorece um intercâmbio humano diferente das “zonas de comunicação” que nos são impostas (BOURRIAUD, 2009, p.23).

Essas oportunidades de troca, criadas pelos espaços livres, são as principais fer-ramentas do artista, pois é ele quem lidará com o espectador/ator/público no espaço urbano e, muitas vezes, esse espectador atuará de maneira incisiva na produção e compreensão da obra. É importante ressaltar ainda que esses es-

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paços livres serão engendrados numa lógica de uso total ou mesmo anulação daquele espaço da cidade.

Desse modo, abrimos aqui o ensejo sobre o campo da produção cultural como um todo, entendendo que a atual conjuntura da arte brasileira abraça diferentes linguagens, técnicas e produções. O artista hoje, fundamentalmente, precisa es-tar atento aos mecanismos de composição de sua arte, sejam eles artísticos (fer-ramentas, equipamentos, locais, modos de produção etc) ou mesmo de execu-ção (como vincular projetos e propostas, modos de financiar e captar recursos). Ele é aquele que pensa de maneira contemporânea, ou seja, compreendendo seu papel como mais um dentre tantos.

Assim como alguns autores indicam que o arquiteto deveria passar a pensar de maneira atualizada, sendo importante produzir, criar e conceber nos espa-ços públicos estando atentos às especificidades de cada local, sejam seus ha-bitantes e seu território, sejam os meios de fazer acontecer. Uma das principais propostas das agendas contemporâneas do campo das artes (como todas as demais, já ditas anteriormente: arquitetos, designers, músicos, escritores, etc) é a de pulverização ou, como diriam no seminário Fórum de Mídia Livre, ocorrido em 2009, em Vitória/ES: trata-se da Morte do Popstar, ou seja, da “retirada do pedestal” daquele que pensa e se debruça sobre o campo da arte; é preciso agir com as próprias mãos.

3OS COLETIVOS ARTÍSTICOS E OS PRODUTORES CULTURAIS ATUAIS

Invariavelmente, a produção cultural é bem específica em cada estado do Bra-sil e se torna difícil falar deste assunto sem identificar pequenas peculiaridades presentes nas cidades e regiões do país. Além disso, é importante compreen-dermos essa noção de coletivo e coletividade que tanto vigora na atual produ-ção cultural brasileira e em qual ponto isso toca ou deixa de tocar as discussões presentes nos espaços públicos. Tentamos aqui organizar o assunto em três mo-mentos: a explosão dos coletivos no Brasil; agentes atuais de produção cultural no Brasil (em especial das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste); as produ-ções culturais e sua contribuição para a discussão dos espaços públicos. Antes de mencionar os grupos que trabalham com arte, os coletivos, é fundamental

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compreendermos de onde o termo surge e porque ele é utilizado para designar esses grupos.

(...) uma palavra-chave de todos estes coletivos é a colabo-ração. Espécie de buzzword, atualmente a colaboração e ter-mos irmãos como livre-cooperação, comunidade, interação e rede são senhas para uma transformação que está se dan-do em escala global. (ROSAS apud LABRA in Dossier - Coleti-vos - Coletivos artísticos como Capital Social)

Buzzword, traduzindo para o português, se trata de uma palavra que causa bas-tante barulho. E de fato essa é uma delas. A todo instante ouvimos falar de novos coletivos ou comentários acerca do termo, mas pouco se discute sobre a inten-ção dessa palavra e o que significa. O termo designa nada mais, nada menos do que redes de trabalho e de relações sociais, geralmente atrelados à arte, embora atualmente observemos grupos que dialogam em diferentes linguagens e pro-duções (de artes e arquitetura até mesmo a agroecologia).

Em meados do ano de 2000, porém tensionada durante a década de 90, emergi-ram, por diferentes localidades brasileiras, vários grupos artísticos ou coletivos, especialmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Porto Alegre, pela geração que surgia em meio ao apogeu do bombeamento de imagens e dominação da televisão brasileira, como nos aponta Pires (2007, p.34):

Essa realidade já vinha se desenhando através da década de 90, a partir do recrudescimento das atividades do campo – tanto institucionais, quanto de mercado – e do surgimento de uma nova geração de produtores de arte sem possibilida-de e/ou compatibilidade com o cenário que se configurava. (...) Talvez se deva levar em conta que a importância destes momentos de arte históricos, diante da atual produção de arte do Rio de Janeiro, tenha tanta importância quanto a presença dos mass media e de suas formas e forças de con-formação de mundo. A geração que nasceu vendo TV é a mesma que irá se colocar de maneira afirmativa em meio às configurações comprometidas do campo da arte.

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Lembrando, portanto, que estamos no início da década passada, instantes an-tes que a tevê passará a ter menos influência, com a forte presença da internet. Desse modo, observaremos e discutiremos a seguir alguns trabalhos de vários grupos estudados.

Os dois primeiros serão os cariocas Hapax – com a presença do autor supraci-tado e emblemática figura carioca, Ericson Pires, como um dos integrantes – e o Atrocidades Maravilhosas. Os primeiro mesclava diversas artes, teatro, perfor-mances e música; o segundo, especialmente, artes visuais (lambe-lambe); todas intervenções vinculavam fortemente a política.

Hapax (RJ)Composto pelos artistas Daniel Castanheira, Ericson Pires, Ricardo Cutz e o progra-mador Leonardo Póvoa. Com formações e carreiras em diversas áreas – poesia, música, teatro, cinema e artes visuais, engenharia, cartografia e logística – o grupo se define como um coletivo de arte. Usa como ferramenta em seus trabalhos um amplo mosaico tecnológico, tensionando hitech e lowtech: samplers, sensores, sintetizadores, baterias eletrônicas, rádios uhf. Praticamente todo e qualquer apa-rato eletro-eletrônico capaz de produzir som faz parte do repertório acionado pelo grupo. (Fonte: hapax.com.br/bio. Acessado em 07/02/2013)

Figura 13 - Foto: Divulgação Hapax. Intervenção do Hapax na Lapa/RJ em 2001. Fonte: site Hapax oficial

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Com duração de nove anos, o grupo se interessou veementemente em interfe-rir o meio público urbano, provocando ações que se tratavam em experimentar musicalidades urbanas ou relações sonoras, com o corpo e em meio aos con-textos de lixo ou objetos que produzissem sonoridades diversas.

De suas muitas intervenções relevantes, podemos citar o início do grupo, em 2001, quando fazem uma performance-instauração, todas as sextas-feiras, du-rante oito meses, na Lapa/RJ. “Músicas feitas com samples e programação ele-trônica, mixadas com os objetos – verdadeiros ready-mades, assemblagens elaboradas com resíduos provenientes dos mais diversos parques tecno-indus-triais que são construídos e desconstruídos durante as performances.”

Atrocidades Maravilhosas (RJ)

No início de abril de 2000 o Rio de Janeiro abrigou uma sé-rie de “atrocidades” realizada por um grupo de 20 artistas que, com milhares de cartazes lambe-lambe, tomaram pon-tos estratégicos da Cidade Maravilhosa. Esse “assalto” surgiu como desdobramento do projeto de pesquisa “Colabore para a boa operação do transporte coletivo”, de minha au-toria para o Mestrado de Linguagens Visuais, em que inves-tigava, entre outras coisas, a apreensão visual da imagem repetida sobre o prisma da velocidade, ou seja, mediante o espectador em movimento.

Diante de questões que tocam tal pensamento – escala, arte fora do circuito e intervenção num contexto de paisagem –, resolvi tornar coletiva essa ação reunindo artistas para atuarem segundo as estratégias da mídia lambe-lambe: criar imagens para serem reproduzidas em grande formato e com tiragem de 250 cópias, e eleger um local específico de aplicação dos cartazes, o que tornaria indissociável seu conteúdo e as relações com seu entorno. Recorria, com isso, a uma atitude política de se fazer arte independente dos muros das instituições, pensada para questionar e alterar a paisagem urbana. (Alexandre Vogler. Disponível no site do autor: www.alexandrevogler.com/artensaio.pdf. Acessado em 08/02/2013)

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Essas “atrocidades” efêmeras (o autor afirma a duração de um ano do grupo), expostas de maneira coletiva e utilizando-se dos espaços públicos como estra-tégia de divulgação, propulsão e produção de pensamentos se apresentavam num contexto de grande debates em torno de questões muito ligadas à vida urbana (transporte público, trabalho, espaços publicitários etc). Vogler aponta que uma das premissas do trabalho é entender o espaço da cidade como um campo de experiências.

Em seguida, falaremos um pouco de alguns coletivos atuantes em São Paulo, passando por alguns que se modificaram em alguns anos até aqueles que ainda atuam nos espaços públicos com interesse na produção e questionamentos so-bre política e estética. Tomamos como base o livro recém-publicado na internet, Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade.

Figura 14 - Foto: Alexandre Vogler. Campanha 4 graus (2004). Cartazes na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Livro Cidade Ocupada

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BijaRi (SP)Formado em 1996, por arquitetos e artistas, o BijaRi é um centro de criação de artes visuais e

multimídia. Desenvolvendo projetos em diversos suportes e tecnologias, o grupo atua entre

os meios analógicos e digitais propondo experimentações artísticas, sobretudo de caráter

crítico. Intervenções urbanas, performances, instalações, video-arte e design tornam-se

meios para estabelecer possibilidades de vivências onde a realidade é questionada. (Dispo-

nível em << http://bijari.com.br/release>> Acessado em 08/02/2013)

Estado de Sítio do BijaRi foi uma exposição em um carro abandonado em frente à Galeria Choque Cultural, no intuito de comentar poeticamente as tensões políti-cas dos espaços da cidade, com enfoque para os temas ligados ao poder e à or-dem. O “carro-escultura” foi preenchido por vegetações; uma espécie de floresta ambulante. Após uma denúncia, o carro foi “sequestrado”, segundo os artistas.

Figura 15 - Foto: Divulgação BijaRi. Estado de Sítio. Detalhe da intervenção e do “sequestro”.Fonte: Livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade

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A poética do inusitado paira o trabalho. Seja por surgir uma floresta de dentro do carro, pelo carro ser guinchado (com toda a vegetação) ou ainda pela res-posta dos artistas ao “sequestro”, ao saírem com carrinhos de compra cheios de árvores. Para eles a arte não pode parar e a resposta para suas ações só podem acontecer nos espaços públicos.

Figura 16 - Foto: Divulgação BijaRi. Estado de Sítio. A resposta dos artistas para o sequestro”.Fonte: Livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade

Frente 3 de Fevereiro (SP)A Frente 3 de Fevereiro é um grupo transdisciplinar de pesquisa e ação direta acerca do racis-

mo na sociedade brasileira. Sua abordagem cria novas leituras e coloca em contexto dados

que chegam à população de maneira fragmentada através dos meios de comunicação. As

ações diretas criam novas formas de manifestação acerca das questões raciais. (Disponível

em <<http://www.frente3defevereiro.com.br>> Acessado em 08/02/2013)

Joana − Primeiro, a ação. A ação é aquela das lixeiras, que vocês ficam den-tro das lixeiras e conversam com as pessoas. É isso?Daniel − É isso.Joana − Ou tem mais alguma coisa?Daniel − Tem a lixeira do SESC, a lixeira dourada, que a gente pensou tam-bém em abordar, porque afinal o livro também está relacionado a isso.Joana − Uma lixeira dourada?Daniel − Na exposição do SESC, o nosso trabalho é uma lixeira dourada, toda cravejada de diamantes, joias, bem na entrada do SESC.

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Joana − Então, tem algumas coisas que tenho pensado. Na verdade, é mais uma conversa, se vocês quiserem ir para outros caminhos...Brait − Falaram que você ia vir provocar a gente...Joana −Então, a primeira coisa que pensei foi a seguinte. Tem uma ideia, a ideia da borda, que está permeando todo esse projeto. Não sei exata-mente como as pessoas têm entendido a borda. Na verdade, acho que a gente nunca discutiu isso coletivamente. Mas tenho estudado um pouco sobre essa imagem da margem. E tem alguns teóricos, principalmente na antropologia contemporânea, que entendem a margem não como lugar específico, não como a periferia, ou como um lugar distante do centro, mas como uma situação. Uma situação de indeterminação. Pode-se entender essa situação de indeterminação de diversas formas, mas é uma situação de impasse. E, nessa situação de indeterminação, abre-se um espaço de... Um espaço. Um tipo de espaço.Brait − Ela colocou que na borda se instaura uma situação de impasse. A borda não é um lugar físico, não está longe do centro. A borda é um lugar onde as coisas podem nascer.

O diálogo acima é retirado do livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade e retra-ta uma especulação do coletivo Frente 3 de Fevereiro sobre o que poderia entrar para o livro. Os artistas discutem sobre qual seria a visão deles sobre essa “bor-da” proposta pelos organizadores do livro. Mais uma vez observamos jogos de tensão em espaços públicos, jogos de poder e uma pronta-resposta dos artistas.

O terror higienistaSão Paulo insiste na repressão e usa crack como desculpa para segregar pobresWálter Maierovitch 14.01.2012

[...] Para acabar com uma Cracolândia, e sem um único posto de apoio médico-assistencial no local a dupla Alckmin-Kassab, governador e prefeito, partiram para ações policialescas. Mais uma vez, assistiu-se à Polícia Militar atuando violentamente, sem conseguir expulsar os visíveis e expostos vendedores de crack.

A dupla busca a tortura físico-psicológica. Inventaram um novo tipo de pau de arara. Pro-curam, com o fim da oferta, provocar um quadro torturante e dramático de abstinência nos dependentes químicos. E, pelo sofrimento e desespero, os dependentes, na visão de Alckmin e Kassab, iriam buscar tratamento oficial. Esse torturante plano só é integrado no rótulo. A meta é “limpar o território” com ações militarizadas e empurrar para a periferia distante os “indesejados”. [...] (Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade apud Maierovitch. Disponível em <<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-terror-higienista)

O texto presente no site da Carta Capital serve de mote para a intervenção pro-posta pelo coletivo Frente 3 de Fevereiro.

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É que a gente vive numa arquitetura da exclusão. Essa ar-quitetura da exclusão se manifesta, do ponto de vista arqui-tetônico, na cidade aquartelada, na cidade que não é para convivência. É uma cidade feita para não reunir as pessoas. Ela teme aglomeração, teme o ajuntamento. E a questão da lixeira é inovadora, porque evidencia justamente a questão da propriedade. Por exemplo, a rua é pública, mas eu boto um objeto e aquele objeto é referente àquele prédio, e ele tem uma pessoa que cuida dele, que é o zelador, ou o síndi-co. Você desapropria as pessoas, aquilo que é coletivo passa a ser privado. É uma nuance da cidade, uma característica da nossa cidade. Você não tem a convivência, você aquartela e proíbe. (Maurinete, do Coletivo Frente 3 de Fevereiro, trecho de sua fala sobre a ação elaborada. Presente no livro Na Bor-da - Nove Coletivos, Uma Cidade).

Figura 17 - Foto: Coletivo Frente 3 de Fevereiro. Artistas intervêm usando o corpo e as lixeiras. Fonte: Livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade

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4DEVIR POETA URBANO: A INVENÇÃO DE UM DELÍRIO

O pensamento deve ter um lugar no mundo. Um lugar no sentido de localidade; um lugar para se expurgar. Foucault (2000) nos traz que a cultura sempre foi re-gida por códigos que ditavam ordens e sempre buscaram significar e classificar qualquer manifestação expressa. Trazemos então para nosso contexto a poesia. Talvez seja ela ainda uma das poucas expressões que se situe como uma mani-festação de resistência. Mesmo em alguns momentos se encaixando no sistema cultural hegemônico, ainda não se apresenta como “carro-chefe” da literatura. E, se falamos de poesia, cabe nos perguntarmos: quem é o poeta? Esse ser que surge por trás das linhas de um poema, como um provocador de sensações? Qual o lugar dele?

Tomemos como exemplo Manoel de Barros (2010), poeta sul-matogrossense e seus encantáveis escritos: “De tarde o horizonte amolece meu olho./Põe breu./De manhã faço abluções com orvalho.” (p.279); “Há nos poetas uma aura de ralo?” (p.282); “Passarinho/faz árvore de tarde/nos andarilhos.” (p.420). Desse modo, podemos nos fazer mão da seguinte frase de Lacan: “a linguagem é verdadeira-mente o que só pode avançar torcendo-se e enrolando-se, contornando-se (...)” (LACAN, 1974 apud REGINA, 2011, p.20).

O principal trunfo do poeta é ser o sujeito que instiga ver com outros olhos ou “ver como se fosse a primeira vez” (MOISÉS, 2007 apud REGINA, 2011, p.20). Indo além, podemos pensar no conceito de dobra proposto por Deleuze, como uma curva de tensão, um dentro e um fora ao mesmo tempo na mesma extremida-de; um par interno-externo. “Sempre existe uma dobra na dobra, como também uma caverna na caverna. A menor unidade da matéria, o menor elemento, é a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, e sim uma simples extremidade da linha” (DELEUZE, 2007, p.13 apud ALMEIDA, 2011, p.13). No caso do poeta, essa extremidade, ou ainda, essa caverna dentro da caverna, são as microlingua-gens possíveis para reinvenção ou para uma literatura menor. Ou seja, o poeta é aquele que delira e faz delirar.

Delírio subtende-se como a capacidade que o evento literá-rio tem de extrair da língua dominante, sua pulsão esquizo, fazendo-a delirar, produzindo algumas espécies de singula-

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ridades em meio à superfície aparentemente homogênea e conformada: Literatura é saúde, como qualificou Deleuze. (PIRES, 2007, p.164)

Falar do poeta no contexto da cidade, o poeta urbano, aquele que delira e faz delirar por meio de sua expressão nos remete pincelar um pouco sobre o pixo/grafitti. Contudo, faremos um recorte um pouco diferente da discussão por so-bre essas linguagens, pois o que mais nos interessa é ato-pixo e não o produto--pixo. No primeiro momento, uma rápida pontuação sobre a estética marginal do poeta-pixador, trazendo alguns exemplos no Brasil; depois sobre o poeta--ativista, que engendra, influencia ou provoca escapes nos espaços da cidade; alguns desses poetas compreendidos como marginais. Entende-se pela divisão pixador/ativista como didática, pois em muitas vezes, ambos são ativistas e pas-seiam pelos dois campos.

O POETA-PIXADORO contexto do graffiti, termo trazido da Europa por Vallauri, no Brasil pode ser si-tuado à época de grandes movimentações em torno do Tropicalismo, com inte-lectuais e artistas e adeptos dos ideiais da Internacional Situacionista (DAVIDS et al., 2012). A aproximação dessa estética marginal com os intelectuais brasileiros serviu de grande inspiração para a criação da Poesia Visual, com destaque para os seguintes nomes e suas respectivas intervenções: Walter Silveira – “Hendrix Mandraque Mandrix”; Hudnilson Jr. – “Ah Ah Beije me” + boca (foto a seguir); Tadeu Jungle – “Édifícil” + horizonte da cidade; Fernando Meirelles – “Xô Urubu” + urubu indo embora (Idem, 2012).

Figura 18 – Foto: Prefeitura Municipal de SP/Secretaria Mun. de Cultura/ Centro Cultural São Paulo/ DADOC/ Arquivo Multimeios. Ah Ah Beije me. Hudinilson Júnior grafitando em SP.

Fonte: Livro Estética Marginal (Volume 2)

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As pichações poéticas da Poesia Visual fizeram a transição entre o “grafite escrito” de 60/70 e o “graffiti desenhado” de 70/80, permitindo o surgimento da assinatura simbólica de Vallauri, que inaugurou um movimento de expressão no país. Mais tarde, o movimento assimilou a influência dos quadrinhos, dos punks e do skate. Apesar disso ser um re-flexo da cultura norte americana, esses grafiteiros adoravam colocar seus personagens em situações bem originais ins-pirados por Villaça que trazia muito do imaginário livre pre-sente no ideal de Art Brut.

(...) Apesar de não serem feitos da mesma maneira que as propagandas políticas e comerciais escritas com piche (por exemplo, a famosa propaganda “Cão Fila km 26”, assimilada posteriormente), esse tipo de graffiti passa a ser chamado de pichação e só então de “pixo”. (Ibidem, 2012, p.31-32)

O poeta-pixador é, portanto, aquele que rompe com a ordem da cidade de ma-neira mais radical e objetiva. Em seus dizeres muitas vezes não poetiza, mas faz poesia. Ou seja, muitas vezes não se utiliza das especificidades da linguagem como faz um poeta-ativista, pelo contrário: detém os dizeres mas delira.

O POETA-ATIVISTAUma parede em branco é um desperdício de ideias.(Paulo Leminski)

Já que tocamos num ponto impossível de dividir, ativismo/pixação, compreen-damos o poeta-ativista como aquele que transcende à linguagem do papel ou da parede e influencia toda uma geração. Tomemos dois exemplos: Paulo Le-minski e Waly Salomão.

O primeiro se trata de um ser múltiplo: o paranaense Paulo Leminski. Especu-lador incansável das múltiplas funções e manifestações sociais da linguagem escrita: escritor, tradutor, compositor, publicitário, filósofo, professor, poeta e judoca. Além de ter estudado, fez diversos graffitis ao longo da década de 80, empenhando-se em atuar politicamente por meio de sua poesia. (Autor conver-sa sobre pixação/grafitti: <<http://www.youtube.com/watch?v=tXZ8QCa-lsg>> Acessado em 12/02/2013).

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Criativamente, prefiro a companhia de programadores visu-ais e de músicos. Não consigo aprender nada com escritores.Poesia, aliás, é território limítrofe entre o verbo e outras ar-tes.Ficção é literatura. Poesia, não. Um poeta, embora use pala-vras, está mais próximo de músicos e plásticos do que [de] ficcionistas que usam, aparentemente, as mesmas palavras que ele.E mais próximo da fonte da fala.Os signos com que falamos pertencem a uma família de sig-nos completamente distinta da família dos signos com que escrevemos.Falamos com ícones. Escrevemos símbolos.A fala tem valores de entonação, cadência, melodia: é icôni-ca como o desenho, a foto, o cartum, a dança, o judô.A escrita é simbólica, arbitrária, esquizofrênica, repressiva.O negócio da poesia é ficar brincando nas fronteiras.(LEMINISKI, Cf. Escrita, n. 28, 1979 apud LEITE, 2008, p.22).

Entendemos esse ponto como intermediário entre o Leminski pixador e o Le-minski ativista. Ele fazia política; era ativista. Mais do que aquele que intervirá no espaço da cidade, ele agenciará pensadores e pensamentos; ele traz a função--autor de Foucault, já citado algumas vezes. É capaz de ter uma “marca”; uma especificidade de sua linguagem, ao agir no contexto da cidade.

Figura 19 – Foto: Frame do vídeo que Leminski conversa sobre pichações. Fonte: Google Pesquisa

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O segundo poeta, Waly Salomão, afirma que o lugar do poeta é bem out, ou seja, bem fora. Como a dobra, ele tem um local dentro e fora; e como leitor de Foucault, pontua:

Michel Foucault traçou a homologia entre a forma do livro em geral e o cavaleiro da triste figura Dom Quixote, aquele magro de carnes que lê todos os livros de cavalaria e sai pelo mundo para fazer uma nova ordem, e assim essa demência lunática é congênita ao livro e à poesia e ao lugar da poesia no mundo, que não pode ser mais out, mesmo estando na Av. Paulista, no Itaú Cultural, ela é out. O lugar da poesia é bem out, o lugar da poesia é bem out mesmo, é bem deslo-cado. A recepção é bem oblíqua, enviesada, tonta mesmo, a recepção é dificílima (SALOMÃO, 1983b [2005], p.142 apud REGINA, 2011, p.24).

Figura 20 – Detalhe dos babilaques criados por Waly Salomão.Fonte: site Waly Salomão

Acima observamos alguns dos babilaques de Waly Salomão – cadernos com pa-lavras, desenhos e colagens elaborados em diferentes locais – onde fica clara a aproximação de seu trabalho com outras linguagens. Para ele, a literatura e a arte compunham um leque tangível a tal ponto de serem confundidos e explo-

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rados mutuamente:

Como ele manifesta em “Babilaques”: “Criação = encaixar tudo e não se decidir por coisa alguma” (in CÍCERO et al., 2007, p.17). É preciso habitar o entre. A fluidez do entre é o que abre espaço para a imaginação, permitindo que a cria-ção enriqueça a experiência. (REGINA, 2011, p.40)

Com BABILAQUES surta outra realidade, que é a de assumir por inteiro a visão de multilinguagem. (...) Esta experiência torna a palavra ainda mais voltada para si própria, como se uma nova vitalidade se instaurasse a partir deste inter-relacionamento, desta musicalidade poético-visual. A pala-vra aqui é o agente que hibridiza todo o campo sensorial da experiência (SALOMÃO, op.cit. apud REGINA, 2011, p. 41).

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INTERVALO // PENSANDO NOS AGENCIAMENTOS, NA COOPERAÇÃO E NA REDE

(...) O que é um agenciamento ? É uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos e que estabelece li-gações, relações entre eles, através das idades, sexos, reinos - de naturezas diferentes. Assim, a única unidade do agen-ciamento é o co-funcionamento: é a simbiose, uma “simpa-tia”. (DELEUZE, 1996, p.65)

Para Deleuze (1996), o agenciamento ou, simplificando, essa conexão, sempre ocorre de maneira coletiva e seu produto são enunciados, ou seu modo apre-sentado. No nosso caso, os agenciamentos para se intervir artisticamente nos espaços públicos só ocorrem coletivamente e a forma como surgem já seria seu enunciado.

Desse modo, lidamos com a dinâmica de se intervir coletivamente. E mais uma vez trago aqui a ideia da rede como uma constituição rizomática, como nos pro-põem Deleuze & Guattari (1997), como uma trama de relações interpessoais através das quais os indivíduos produzirão suas atividades em seus respectivos campos de atuação – neste momento, produção de poéticas artísticas nos espa-ços públicos; no território da cidade. Fundamentar e constituir a rede seria hoje a principal maneira de produzir coletivamente e, claro, provocar. Se a multidão é aquela que age, provoca movimento, só é possível emergir por meio de agen-ciamentos e estruturação de uma lógica em rede.

Mais do que conectar simplesmente, as intervenções ocorrem fundamen-talmente por meio da cooperação, como nos aponta Sennett (2012). Isso não caracteriza necessariamente um resultado ou um produto interessante esteti-camente ou funcional, mas sim como uma legítima força coletiva. E essa coope-ração, invariavelmente, é atrelada a significativas experiências coletivas, ou seja, só faz sentido cooperar a partir do momento em que nos sentimos parte do coletivo. E um grande modo facilitador para isso ocorrer seria a identificação de cada indivíduo com o que se propõe. Por isso é fundamental estar junto e, para estar junto, é importante que sejamos afetado pelo outro ou por suas ideias.

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Em recente entrevista ao Globo (Disponível em <<http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/08/11/temos-que-valorizar-diferenca-entrevista-com--richard-sennett-459740.asp>>Acessado em 09/02/2013), o autor afirma: “Me interesso por formas de organização em que as pessoas possam permanecer juntas, sem que isso dependa exclusivamente do sucesso imediato de uma meta comum”.

O autor, assim como neste trabalho, acredita nas diferenças. É a multiplicidade que enriquece a possibilidade de conexão e execução de atividades de maneira legítima. Porém, é preciso entender as maneiras de se afetar e de ser afetado por algo e por que isso é importante.

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CAP. 4 | MÚLTIPLAS SAÍDAS PARA A CONSTRUÇÃO DA REDE

Neste último capítulo do Escritos Um, pretendo falar um pouco da construção de agenciamentos que nos permite conectar e relacionar os propositores com os es-paços públicos e os indivíduos que dele são provocados. Para isso falaremos um pouco sobre os conceitos de afeto/afecto e de experiências, articulando processo metodológico desta monografia; das possibilidades de encontro.

NUVEM DE TAGS

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MÚLTIPLAS SAÍDAS PARA A CONSTRUÇÃO DA REDE

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entreijá não havia porta

saítodas as janelas

estavam excessivamente abertas[nov/2012]

1SOBRE AFECTOS E ENCONTROS

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.(Vinicius de Moraes)

Trata-se de uma ânsia pessoal de intervir em pessoas a fim de provocar encon-tros. E espera-se, minimamente, que indivíduos sintam-se atiçados pela propos-ta e talvez queiram reativar/ressignificar um olhar da invenção, um olhar infantil, de querer fazer da cidade o espaço de sonhar. Desse modo, para compreender-mos e divagarmos sobre esse “atiçar”, importa-me explanar primeiramente o que Deleuze (2005) apresenta, por intermédio de Lins (2008, p.45) como afecto que, “ao contrário de afeto, é uma potência totalmente afirmativa. (...) Afecto é experimentação, e não objeto de interpretação. O afecto é não-pessoal. Nem pulsão, nem objeto perdido, mas devir não humano no homem”.

De um lado, um corpo afeta outros corpos, ou é afetado por outros corpos: é este poder de afetar e de ser afetado que também define um corpo na sua individualidade (DELEUZE, p.128, 2002).

Lins (2008) nos traz uma proposta de “alegria como força revolucionária”, ou seja, credita à vida e à graça de viver uma espécie de “resistência-motriz” poten-cializada pelos bons encontros. “Bons” e “maus” encontros são termos concebi-dos por Espinosa e revisitado por Deleuze (2002) em seu estudo sobre o autor. “Bom” é referente a tudo aquilo que componha com ele e “mau” ao que decom-ponha; bons encontros nos trazem alegria e nos permitem agir; maus encontros nos trazem tristeza (ou falta de alegria) e nos tornam passivos. “A passagem a uma perfeição maior ou o aumento da potência de agir denomina-se afeto ou sentimento de alegria; a passagem a uma menor perfeição ou a diminuição da potência de agir, tristeza” (DELEUZE, 2002, p.57).

Assim, acreditamos na potência dos bons encontros e, trazendo ao nosso con-

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texto, queremos que os encontros propiciem produção e consumo de um es-paço público legítimo – aquele que de fato é utilizado. Essa possibilidade de encontros e possíveis caminhos pelos quais eles podem acontecer é sobre o que este capítulo se refere. Não pretendo, no entanto, fazer com que estes se-jam espaços de respostas, mas sim de questionamentos acerca de nossas possi-bilidades nos espaços públicos; o que viriam a sê-los neste contexto; o porquê de se trabalhar nestes locais; para quem são estes espaços. Como este trabalho monográfico se trata de uma investigação pessoal sobre possibilidades de se trabalhar com pessoas e espaços públicos, a errância é, pois, o principal ponto de partida para o embate.

2EXPERIENCIAR A CIDADE: AS ERRÂNCIAS E A FILOSOFIA DO CAMINHAR

A errância é a condição de nos colocarmos como nômades ou caminhantes da cidade contemporânea e, para compreendê-la, é importante nos situarmos (Ja-cques, 2004). O caminhar urbano surge para nós como uma possível crítica ao urbanismo enquanto disciplina prática que irá intervir na cidade. Em “O Engra-çadinho”, presente no Spleen de Paris, observamos o poeta e crítico Baudelaire avesso às grandes intervenções urbanas pelas quais a cidade de Paris passava.

Era a explosão do Ano-Novo: caos de lama e neve, atraves-sado por mil carros rebrilhando de tantos brinquedos e bombons, fervilhando de cupidez e desesperos, delírio ofi-cial de uma grande cidade feita para embaralhar o cérebro solitário do mais sério dos homens.

No meio daquela confusão e barulheira, um asno, trotando velozmente, era fustigado por um rude carroceiro munido de um chicote.

Quando o asno ia virar a esquina da calçada, um belo se-nhor, enluvado, envernizado, cruelmente engravatado e aprisionado em suas roupas novas, inclinou-se cerimonio-samente diante do humilde animal e lhe disse, tirando o chapéu: “Eu vos desejo um bom e feliz Ano Novo!” Depois voltou para junto de seus camaradas com certo ar de fatui-dade como se lhes pedisse para acrescentar a sua aprova-ção ao seu contentamento.

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O asno não viu esse belo engraçadinho e continuou a cor-rer, com cuidado, para onde chamava o seu dever.

Quanto a mim, fui tomado subitamente de uma incomen-surável raiva contra aquele magnifico imbecil que me pare-ceu concentrar nele todo o espírito da França. (BAUDELAI-RE, 2011)

Para Jacques (2004), o urbanismo surge como uma disciplina que irá intervir projetualmente nos espaços urbanos alterando a lógica de funcionamento de suas vias. Se elas anteriormente funcionavam como de circulação de pedestres, no urbanismo moderno – termo este utilizado por Cerdà em 1867 e utilizado no plano de modernização de Barcelona (1959) – a ideia é transformá-las em grandes avenidas, conceituando-se como grandes metrópoles. Importante ain-da situar a temporalidade do urbanismo moderno, a qual Jacques (2004) nos sugere a seguinte divisão:

a modernização das cidades, de meados e final do sécu-lo XIX até início do século XX; as vanguardas modernas e o movimento moderno propriamente dito (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, CIAMs), dos anos 1910-20 até 1959 (final dos CIAMs); e o que chamamos de modernismo (moderno tardio), que iria do pós-guerra até os anos 1970.

Além disso, a autora ainda divide cronologicamente as errâncias urbanas, ou seja, críticas práticas a essas transformações pelas quais muitas cidades euro-peias passaram:

o período das flanâncias, de meados e final do século XIX até início do século XX, que criticava exatamente a primeira modernização das cidades; o das deambulações, dos anos 1910-30, que também fez parte das vanguardas modernas mas ao mesmo tempo criticou algumas de suas idéias urba-nísticas do início dos CIAMs; e o das derivas, dos anos 1950-60, que criticou tanto os pressupostos básicos dos CIAMs quanto sua vulgarização no pós-guerra, o modernismo.

Para o primeiro momento, o período das flanâncias, é imprescindível trazermos o trabalho de Benjamin. O autor foi aquele que contextualizou o trabalho de

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Baudelaire nos anos 30; ressignificou, por meio da crítica e da invenção, o per-sonagem Flanêur – vagante que engendrava na cidade e na caminhada por ela a possibilidade de investigação e constituição desse espaço (Idem, 2004) –; e também praticou suas andanças pelas cidades. Jacques (2004) nos traz o se-gundo momento com as deambulações, provocadas pelos dadaístas e surrealis-tas que “desenvolveram a idéia de Hasard Objectif, ou seja, da experiência física da errância no espaço real urbano, que foi a base dos manifestos surrealistas”. O terceiro momento seriam as derivas provocadas pelos situacionistas, manifesta-ções muito mais radicais que tinham o propósito das errâncias voluntárias pelas ruas da cidade, conduzidas principalmente por Debord; Hélio Oiticica também teve alguns trabalhos na estética da deambulação. Todos os movimentos eram errantes em sua constituição.

Figura 22 – Foto: Hélio Oiticica na performance Delirium Ambulatorium (Mitos Vadios).Fonte: Itaú Cultural

Ficar sentado o menos possível: não por fé em pensamen-to algum que não tenha sido concebido ao ar livre, no livre movimento do corpo – em ideia alguma em que os múscu-los não tenham também participado. Todo preconceito pro-vém das entranhas. Ficar “chumbado na cadeira”, repito-o, é o verdadeiro pecado contra o espírito (NIETZSCHE, 1992).

Mais do que flanar, deambular ou derivar, creditamos na errância da caminha-

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da, como um processo metodológico de discussão dos espaços da cidade. A caminhada aqui não é entendida como esporte, amarrado em regras, técnicas ou competitividade. “Por um pé na frente do outro é uma bricandeira de crian-ça” nos avisa Gros (2010, p.9). Não busca resultados, mas atingem-se liberdades, como propõe o autor. Seja ela “suspensiva”, ou de desprender-se das preocu-pações e tarefas diárias, provocando uma desconexão; ou mesmo um “rompi-mento”, uma quebra das “convenções imbecis, com a enganosa proteção das paredes, com o tédio do Mesmo, o desgaste da repetição, a precaução dos ricos e o ódio pela mudança” (Idem, p.13); ou a liberdade mais rara, segundo aponta o autor, a do “renunciante”, que é aquele que caminha há tanto tempo que não tem mais a noção do mesmo, nem pretende ter e nem mais indifere em sua vida, dando a entender que poderia continuar assim por séculos.

Certèau (1998) nos coloca que o caminhar no conjunto da cidade é uma ex-periência tão importante quanto nos é falar em relação à sociedade, de modo que devemos experimentar tais possibilidades como experiências estéticas, apresentando-nos, assim, suas funções comparadas à fala:

(...) é um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre (assim como o locutor se apropria e assume a língua); é uma realização espacial do lugar (assim como o ato de palavra é uma realização sonora da língua); en-fim, implica relações entre posições diferenciadas, ou seja, “contratos” pragmáticos sob a forma de movimentos (assim como a enunciação verbal é “alocução”, “coloca o outro em face do locutor e põe em jogo contratos entre colocutores). (CERTÈAU, 1998, p.177)

Para nós, a caminhada é uma oportunidade de sentir por meio de diferentes aberturas dos canais corporais. É importante para nós, caminhantes e agen-ciadores de poéticas artísticas nos espaços urbanos, reeducarmos os sentidos, como nos propõe Lucero (2009): “É preciso ver com outros olhos; ouvir com ou-tros ouvidos. Porque se não você não consegue fazer contato com a novidade”. Essa reeducação nos permite ter experiência, ou sejam, ter a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque. E Lucero (2009) nos afirma que “a experi-ência é sempre singular; sempre de primeira pessoa. Eu só tenho acesso à expe-riência do outro através da expressão.”

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3O MÉTODO CARTOGRÁFICO E O ARQUITETO-CARTÓGRAFO

Rolnik (1989) nos apresenta uma ampliação do conceito de cartografia, surgido na geografia como a constituição e a produção de desenhos sobre paisagens em transformação. Para a autora, cartografia é criação e destruição de mun-dos, com concepções alimentadas principalmente por meio dos sentidos e das mais diversas áreas de atuação (ciências sociais, artes, filosofia, geografia e, por que não, dos próprios conhecimentos mundanos) e da pré-disposição em fazer e desfazer metodologias de atuação. Para ela, “o cartógrafo se faz juntamente com as paisagens cuja formação ele acompanha.” (ROLNIK, 1989)

(...) toda pesquisa é intervenção. Mas, se assim afirmamos, precisamos ainda dar outro passo, pois a intervenção sem-pre se realiza por um mergulho na experiência que agen-cia sujeito e objeto, teoria e prática, num mesmo plano de produção ou de coemergência - o que podemos designar como plano da experiência (PASSOS et al., 2009, p.17).

Nossa pesquisa também se apresenta como intervenção, já que depositamos no método cartográfico “fazer-saber” nossa proposta de atuação assim como observamos no livro Pistas do Método da Cartografia (2009). Ele se difere do “sa-ber-fazer” por partir da experiência como intervenção-pesquisa; desse modo, o par dicotômico teoria/prática não divide este trabalho; ele se realiza em função de se fazer pesquisa e se faz pesquisa enquanto se realiza (Idem, 2009). Desse modo, tomemos o conceito de transversalidade de Guattari (1985, p.93-94):

Transversalidade em oposição a:- uma verticalidade que encontramos por exemplo nas des-crições feitas pelo organograma de uma estrutura piramidal (chefes, subchefes etc.);- uma horizontalidade como a que pode se realizar no pátio do hospital, no pavilhão dos agitados, ou, melhor ainda no dos caducos, isto é, uma certa situação de fato em que as coisas e as pessoas ajeitem-se como podem na situação em que se encontrem.

Atualizando o termo cartógrafo para um arquiteto-cartógrafo, partimos do pres-suposto que ele não pode nem deve ter qualquer tipo de predileção por lingua-

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gem, estilo, forma ou meio de representação e atuação, deixando embebedar--se pelas mais diversas fontes de apropriação e expropriação de conteúdos; de maneira transversal. Segundo Guatarri (2009, p.27),

‘‘(...) operar na transversalidade é considerar esse plano em que a realidade toda se comunica. A cartografia é o acom-panhamento do traçado desse plano ou das linhas que o compõem. (Idem, 2009, p.27)”

Assim como Rolnik (1989), propomos aqui esta cartografia como uma antropo-fagia; alimentar-se de tudo e de todos, inventando possibilidades diversas de linguagens. “Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas” (ROLNIK, 1989). Particularmente, busco traduzir este manifesto como um dese-jo de intervir poeticamente na cidade. Por crer nessa multiplicidade de atores e fatores, proponho, com este projeto, tocar o outro sem um propósito de haver uma dicotomia entre problema e solução, mas sim uma experiência de um par ativo/reativo, assim como a própria autora nos sugere.

O problema, para o cartógrafo, não é o do falso-ou-verda-deiro, nem o do teórico-ou-empírico, mas sim o do vitali-zante-ou-destrutivo, ativo-ou-reativo. O que ele quer é par-ticipar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de realidade. Implicitamente, é óbvio que, pelo menos em seus momentos mais felizes, ele não teme o mo-vimento. Deixa seu corpo vibrar todas as frequências possí-veis e inventa posições a partir das quais essas vibrações en-contrem sons, canais de passagem, carona para o existir. Ele aceita a vida e se entrega. De corpo e língua. (Idem, 1989).

A cidade é o espaço de sonhar e o arquiteto deve munir-se de suas ferramentas junto com outros membros de áreas diversas e ter a pré-disposição de tentar trazer ao mundo a riqueza poética que tem sido anulada. É preciso inventar.

4AUTO-CARTOGRAFIA: EXPERIÊNCIAS E ERRÂNCIAS COLETIVAS

Como disse anteriormente, essa pesquisa também se trata de uma intervenção, ao mesmo tempo. Nesse sentido, importa muito para mim lidar com a ideia de experiência e de experienciar. Para isso foi preciso identificar e mapear algumas

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delas dentro do curso de arquitetura e urbanismo e fora dele – seja em outros cursos como também fora da universidade. Esse processo serviu como uma car-tografia das minhas atividades e, como resultado, no que pode contribuir para minha formação como arquiteto e urbanista.

Assim, pretendo explanar brevemente aquelas intervenções, propostas, organi-zações e participações minhas em que desenvolvi algum tipo de diálogo com a ideia do coletivo, do espaço público e de poéticas artísticas – e claro: a busca dos encontros. Ao final, será observado o mapeamento de uma rede de agen-ciamentos possíveis. Na segunda parte desta monografia (Escritos Dois) tere-mos algumas cartografias mais costuradas, escritas de maneira mais livre.

SARAUS (2008/2009)

Figura 23 – Fotos: Thalita Covre. Mosaico de imagens dos saraus realizados no Cemuni 3. Julho de 2009.Fonte: acervo pessoal

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Saraus são encontros em que o único intuito é se manifestar. A ideia é que, atra-vés de linguagens (literária, musical, performática, de dança, teatro, projeção de vídeos e fotos, etc), pessoas se expressem artisticamente, sendo sua função unicamente provocar sensações em um espaço.

É um momento de indagações e expressões coletivas. Tive a oportunidade de realizar alguns saraus no Cemuni 3 e pude notar o quanto o espaço univer-sitário pode ser um local de exploração máxima da liberdade estética: micro--territórios livres de qualquer designação ou denominação a priori.

Ao longo deles, várias pessoas se propuseram a inventar e reinventar maneiras de interpretarem poemas, prosas e até mesmo expressões teatrais e vinculadas à performance e à dança. Na primeira foto, no topo, à esquerda, notamos alguns participantes sentados, observando e se divertindo. Na segunda, um deles len-do um livro; na penúltima uma moça interpretando um poema e, na última, eu declamando alguns de meus poemas. Uma das coisas mais interessantes de se perceber na lógica de um sarau é como a relação espectador/participante está intimamente ligada, já que aquele que se expressa o faz para alguém e este muitas vezes também declama. É um exercício coletivo de ouvir e ser ouvido, num espaço comum a todos.

POETAS NO ESPAÇO: ESPAÇO PALAVRA CRIAÇÃO (2011)

Figura 24 – Fotos: Equipe Poetas no Espaço/Patrícia Bragatto. Mosaico de imagens dos saraus, intervenções e da oficina de corpo e palavra. Maio de 2012.

Fonte: acervo pessoal

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Poetas no Espaço: espaço palavra criação foi uma semana cultural concebida por mim e Sâmya Lievore, graduanda em Comunicação Social pela Ufes. Partindo da minha vontade em propor um evento maior que um sarau, em que as pes-soas pudessem experienciar a literatura e outras poéticas, surgiu uma ideia de percurso pelo qual a literatura seria o principal campo a ser atravessado por diversas outras linguagens.

Em cada dia do evento, além das oficinas sugeridas, as pessoas puderam ex-perienciar e interagir com o espaço, por meio de intervenções artísticas que contemplavam artes plásticas, visuais e literatura. Uma delas foi o trabalho do Murilo Esteves Jr. com projeções, outro foi o projeto de graduação em arquite-tura da Clara Sampaio e outra do Omar Salomão.

Os dois últimos discutiram a poética da palavra no espaço concebido; Clara rea-lizou um fechamento no átrio do cemuni 3 e indicou um micro-espaço interno, em diálogo com trabalhos de Oiticica. Omar, por sua vez, trazia a palavra pi-chada, desenhada, fotograda; imagens e pequenos souvenires espalhados pelo espaço do prédio de Multimeios (Bob Esponja).

Os saraus, por sua vez, aconteceram como momentos de conclamação da poe-sia e da música. O primeiro, na abertura do evento, interagiu com o espaço do Cemuni VI, do curso de Psicologia, com discursos e performances poéticas. E o segundo, no encerramento, contemplou shows que se conectavam em meio a parcerias entre os músicos. A ideia da coletividade foi um caminho da semana, tanto que também aconteceu uma poesia coletiva, em que todos escreviam por vários cadernos espalhados pela ufes (poesia autoral, anônima, música, de poe-tas conhecidos, desenhos, etc.). Ao final todas foram compiladas num caderno virtual de poesias (Disponível em <<http://issuu.com/poetasnoespaco/docs/poetasnoespaco-poesiacoletiva/1>> Acessado em: 17/02/2013).

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VIRADAS FOTOGRÁFICAS NO CENTRO DE VITÓRIA (2011/2012)

Figura 25 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico de imagens das viradas fotográficas. Novembro de 2011 e Novembro de 2012.

Fonte: acervo pessoal

Viradas Fotográficas foram encontros do Grupo de Foto, vinculado ao Departa-mento de Comunicação Social da Ufes, nos espaços públicos de Vitória. Trata-ram-se de experimentações fotográficas nas quais nos enveredamos por meio da organização do Prof. Dr. Fabio Goveia, do mesmo curso. Mais do que expe-rienciar coletivamente os espaços públicos, este momento nos proporcionou uma troca incrível e um exercício de observar a fotografia como potencializa-dora de encontros.

As viradas ocorreram nos anos de 2011 e 2012, sempre fazendo percursos que iam desde lugares movimentados a desertos; passando do Centro da capital até Jardim da Penha, sempre tentando identificar possibilidades de se trabalhar fotografia coletivamente.

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CAMINHADAS (2012/2013)

Figura 26 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico de imagens com alguns percursos por Vitória a pé e de bicicleta. Abril de 2012.

Fonte: acervo pessoal

Intitulo caminhadas os momentos em que pude experienciar a cidade por meio de caminhadas descompromissadas, afim de sentir seus espaços. Foram diver-sos momentos ao longo do ano de 2012 onde conheci pessoas dos mais diver-sos interesses.

A primeira imagem, à esquerda, no topo, é na Ilha das Caieiras; a segunda é peculiar pois tem um anúncio na parede ‘‘10X SEM JUROS’’; a terceira são dois trabalhadores que descansavam no espaço público; a última, uma das mais en-volventes, com senhores trabalhando de maneira precária, na venda de palmi-to, à época da semana santa, em Mário Cypreste.

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COLETIVO PERMEAR (2011/2012)

Figura 27 – Fotos: Coletivo Permear. Algumas de nossas intervenções e reuniões nos espaços públicos. Setembro de 2012.

Fonte: acervo pessoal

Coletivo Permear é um grupo ou um movimento concebidos por mim, Thairo Pandolfi, Samira Proêza, Paula Machado, Rafael Machado e Thiara Pelissari. A proposta é de experimentações poéticas, artísticas, sensíveis entre nós, pesso-

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as e espaços públicos. Embora todos sejamos da área de arquitetura, não nos limitamos em linguagens, já que cada um do grupo bebe de diferentes fontes (literatura, música, teatro, permacultura, culinária, arquitetura, artes, etc.).

Nos reunimos em 2011 e decidimos fazer dessas reuniões a ideia dos encon-tros e a partir deles, proposições. Caminhamos pela cidade e, especialmente, por meio de diferentes conversas e momentos, encontramos a possibilidade de se trabalhar de maneira sensível a outras pessoas e lugares. Organizamos, por meio do Programa Rede Cultura Jovem – edital de apoio do Estado a jovens artistas – diversas ações no bairro Eurico Salles (Serra/ES), em parceria com a as-sociação de moradores do local. Sempre nos pré-dispusemos a deixar com que as ideias fluíssem junto dos moradores e em nenhum momento houve algu-ma adversidade incontornável. Sempre conseguimos resolver nossas questões pelo diálogo.

Nossa proposta no bairro surgiu a partir de uma ida ao local e, ao percebermos a potencialidade de alguns espaços públicos pouco utilizados, fomos instiga-dos a tentar minimamente fazer com que os moradores interagissem com os espaços. As estratégias foram várias: pregar recadinhos nas árvores convidando para nossas reuniões; exibição de filme e realização de pequenos shows nas praças. O resultado foi muito positivo e pudemos perceber a força do trabalho coletivo. (Para mais informações, acesse o site <<http://permear.org>> Dispo-nível em 17/02/2013).

SARAU DE LANÇAMENTO DO LONGEVO QUANDO (2012)

Figura 28 – Fotos: Thairo Pandolfi/Cintia Reis. Detalhe do sarau de lançamento do livro longevo quando. Maio de 2012.

Fonte: acervo pessoal

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No dia 17 de maio de 2012, lancei meu primeiro livro de poesias, longevo quan-do. Mais do que um lançamento, proposto por mim e idealizado por Sâmya Lie-vore, Rafael Machado, Thairo Pandolfi, Thiara Pelissari e Paula Machado, tratou--se de uma síntese daquilo tudo que eu já havia elaborado: uma celebração; um encontro coletivo.

No espaço do Ateliê Casa Aberta, no Centro de Vitória, aconteceu o lançamen-to. Foi uma reunião de diversas pessoas, das mais diferentes áreas. O evento foi aberto e teve um sarau coordenado por mim, com a participação dos músicos do Acorde Prum Sopro, Aline Hrasko, Conrado Segal e um improviso com dife-rentes pessoas. Aconteceu um encontro coletivo. Um espaço em comum com um interesse em comum: a poesia.

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ERRÂNCIAS COLETIVAS (2012)

Figura 29 – Fotos: Gabriel Ramos. Esbarre: estamos num coletivo / Não esbarre: somos um coletivo. Interven-ções colaborativas propostas por mim como uma errância. Agosto de 2012.

Fonte: acervo pessoal

A partir de constantes indagações sobre a indiferença entre as pessoas nos es-paços públicos, passei a refletir, como escritor, uma série de possíveis atuações em coletivo, como modo de experienciar a cidade e provocar encontros. Nesse sentido, surgiu a problemática desta monografia.

Foram duas intervenções, sendo que uma delas – a das imagens acima – foi dividida em duas partes. Para a primeira parte (as duas imagens superiores), partimos em oito – sete de cartazes com os dizeres “Não esbarre: somos um coletivo.” – e eu como um observador, quase sempre atrás do grupo. Saímos da Ufes e chegamos ao ponto de partida: o primeiro posto da Av. Ns. da Penha, no sentido Serra-Centro. A partir dali percorremos toda a avenida e voltamos pela Av. Leitão da Silva. O percurso durou cerca de 40 minutos.

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Na segunda parte, a proposta era eu pegar um ônibus transcol qualquer que fosse no sentido Serra-Centro e os outros estariam posicionados em pontos espaçados durante todo o trajeto (Av. Fernando Ferrari e Av. Ns. Da Penha), uti-lizando um novo cartaz, com os dizeres “Esbarre. Estamos num coletivo.” Após alguns desencontros, conseguimos nos encontrar no ônibus e, pouco a pouco, os participantes entraram com os dizeres nos cartazes.

Figura 30 – Fotos: Gabriel Ramos/Thairo Pandolfi. Travessia Poética. Intervenções colaborativas propostas por mim como uma errância. Agosto de 2012.

Fonte: acervo pessoal

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Agora a literatura era explorada pela oralidade. A proposta foi de atravessar-mos a baía de Vitória, por meio de catraia – barco movido à força humana –, declamando poesias. Mais do que um simples sarau ou uma deriva ao mar, a proposta foi de experienciar um trajeto em movimento com a poesia na língua.

Além disso, as propostas não buscam ser uma intervenção em que os usuários ou os transeuntes necessariamente interajam; a interação ocorre tanto visual-mente quanto sensitivamente. Observar palavras escritas no ônibus, no meio da rua; ouvi-las vindas do mar é experimentá-las no corpo.

De um modo geral, todas as provocações, intervenções, ações que participei e realizei, durante todo esse percurso presente neste item deste capítulo, expli-citam e traçam um desenho sobre meu modo de agir: no encontro literário. A literatura é uma linguagem que escolho naturalmente e a provocação do en-contro, seja ele bom ou mau, como nos coloca Espinosa, acontece.

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INTERVALO // INVESTIGAÇÕES PARA O PORVIR

As investigações de possíveis caminhos traçados por mim como arquiteto e urbanista começam neste pedaço da monografia e ainda não sei – tampouco pretendo saber – como isso se desdobrará. Contudo, especulo possibilidades dentro dos campos de arquitetura, artes, ativismo urbano e literatura; terrenos dos quais me enveredei de maneira bem intensa.

Neste pequeno intervalo, após tantas colocações de experiências minhas no trabalho, considero a parte seguinte como sendo um território de livre experi-mentação literária e artística. Não pretendo chegar a um lugar específico mas seu próprio desenrolar se trata do trabalho. Uma possibilidade sobre a cida-de; um desdobramento deste trabalho e, ao mesmo tempo, um descolamento; uma ‘‘poesia fora da asa’’, parafraseando Manoel de Barros.

Deleuze e Guattari, em Mil Platôs, trazem a ideia de um platô como tensiona-mento e o título ‘‘mil’’ nos remeteria a um número gigante de possíveis dobras desse tensionamento. Esses desdobramentos se aproximariam da ideia de uma possibilidade de criar por sobre a criação de maneira sistemática e infinita. É um pouco disso que tento trazer nesta monografia também. A criação, ao meu ver, nunca é acabada em si, mas sempre pode trazer uma outra roupagem; é a criação da criação; um invento de um invento, um ‘‘desinvento’’.

A literatura nos permite mecanismos de atravessar a lógica imposta num papel; e acredito nisso como uma possibilidade a se trabalhar por intermédio da ar-quitetura. O espaço pode ser atravessado pelas linguagens, como já colocado nas experiências, mas, fundamentalmente, toca as pessoas a partir da sensibi-lidade.

Como nos coloca Rancière (1995, p.7): “antes de ser o exercício de uma com-petência, o ato de escrever é uma maneira de ocupar o sensível e dar senti-do a essa ocupação”; e engendrando isso na oralidade, na espacialização e no contexto da cidade, podemos pensar a política da escrita como uma possível ocupação estética do mundo; uma ocupação sensível ao corpo, em que vá mui-to além de um ato vazio. É preciso ocupar sensivelmente o mundo. É preciso engendrar nos espaços da cidade a nossa existência de maneira a tocar o outro;

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o toque seria o encontro, a capacidade de nos sentirmos afetados. E ser afetado pode nos remeter querer agir no espaço da cidade sensível ou politicamente.

Indo um pouco além, a estética não é vazia; a arte e a poesia não podem ser para poucos; não é preciso pensar e compreender um ato; ele deve ser sentido e romper com nossos limites. E romper é delirar; delirar é se sentir incomodado e agir no mundo. Isso é o que quero.

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Escritos DOISTexto: tempo em que as ideias acontecem

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CAP. ÚNICO | DESINVENTO: DELÍRIO E AÇÃO

Aonde quer chegar o poeta que só sabe sentir? Quer ativar o pulsar latente; mare-ar os olhos; arrepiar a nuca; tocar e ser tocado. A cidade é meio como um espaço de ação: um espaço de ataque. É pelos espaços públicos que nossos pés tocam e querem ser tocados. Por isso, todos inventamos nosso modo de fazer cidade: ca-minhando, observando, passando as mãos nas paredes e enchendo-as de poeira; jogando bola na rua, etc. Cada um inventa a cidade a seu modo, por sua experiên-cia. O desdobramento desse invento é a expressão, o gesto. Desse desdobramento, invento um nome: desinvento.

NUVEM DE TAGS

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CANTAR, UM DESEJO

A cidade acontecia por meio de seus trajetos. Tinha tons provocativos e eu ca-minhava nela, buscando desvendá-la. A cada passo que eu dava, mais outros eu precisava dar; mais eu precisava entendê-la. Um constante pulsar entre o que eu descobria e o que deixava de descobrir. Desvendá-la, então, passou a ser uma tarefa complicada. Eu descia de minha casa buscando alguns fragmen-tos, pedaços dela que me fizessem reconstituí-la mentalmente. Mais à frente acho um pedaço de porcelana. Guardo. É preciso guardar o que nos toca. Resol-vi pegar um pote para guardar. A cidade nos guarda e nós a guardamos.

Era circundada por uma espessa camada líquida, salubre; e eu provava aquilo como se não soubesse o que era, ou mais: provava aquele líquido de sal como se eu fosse usá-lo para logo, para me alimentar. Colocava os pés naquele mun-daréu de mar e contemplava aquela coisa toda por onde todo mundo passa-va. Era uma calçada grande, e as pessoas passavam nela em passos largos. Eu pensava “quantos aqui se esbarram; se tocam?”; eles passavam pelo chão como quem passa pela avenida: correndo. Não paravam para desbravar qualquer pe-daço de pedra-portuguesa. Ainda era pedra-portuguesa. Tento esbarrar, todo o tempo, mas não consigo. Vejo uma pessoa, eu tento, tento, mas desisto. Então sou eu que me defendo. Me defendo e acho melhor não arriscar; mas acho sen-tindo e não pensando. O corpo não responde ao chamado da mesma forma. E esse encontro. Por que forço tanto? Aonde vou chegar? O esbarrão é uma zona de tensão grande. Sigo tentando. Tentar não é insistir.

Coloquei um pé na frente do outro. Eu tinha meta; e mais que isso: a vontade de fazer cidade. Era lento meu caminhar, quase que contemplativo por sobre o chão. O chão é o destino do passo, mas também o retardo do movimento. E é impossível tocá-lo por completo, espacialmente: só é possível criar linhas. Cada chão tem uma forma, provocando uma maneira diferente de tropeçar. Impor-tante eu falar dessa maneira pois tropeço e muito. Então meu artifício é tocá-lo e olhá-lo. Reconheci o caminho e fiz cidade. Fazer cidade é reconhecer. Torno--me também cidade por meus passos. Paro e olho para o chão. Duas bolas de assoprar vazias, presas uma à outra. Ali teve uma criança feliz. Fiquei pensando se eu devia pegar e guardar ou deixar ali; onde é o lugar? Pego e guardo. Com dois itens, agora, fazer cidade também virou colecioná-la. Me pego pensando no quão valoroso é o exercício de solidão em caminhar sozinho. Não que seja

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ruim; pelo contrário, é muito bom. Contornar os tropeços, rir de si mesmo, olhar o que o olho manda. Caminhando na cidade passei a conhecer um pouco de mim mesmo.

Me reconheço e agora sei que não preciso ouvir música em mp3 enquanto ando na cidade. É melhor cantar. Cantar afeta o outro, mas não invade: convida. Convidar para o canto é celebrar; celebrar nossa passagem pela cidade. Então chega: nada de ouvir música sozinho; vou compartilhá-la: cantando. Se a cida-de é o lugar do encontro é nela que devo cantar.

GESTOS: CARTOGRAFANDO SONHOS

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Só sei sentir e experimentar. A palavra é mais uma linguagem e mais um meio de eu tentar representar algo que é difícil: o sentimento; a pulsação. É hora en-tão de tentar me expressar; o gesto pode ser um possível delírio do urbanista. É na dança – no rodopio em meio a uma multidão na rua –; no ato estético de grafitar ou escrever poemas em muros; no pulsar latente de um desenho solto; e até mesmo no olhar sensível fotográfico, surgindo do meio do nada para o meio de tudo.

Fragmentos noturnos vindos de caminhadas. Não se preocupar com a imagem é um exercício de desapego e de crédito ao caminhar enquanto deriva; é per-der-se enquanto encontro. Andei pelas ruas próximas a minha casa, onde tudo começou, no início desse percurso monográfico. É como se voltar fizesse parte do início ou como se ele fosse mero acessório cronológico. Iniciei os percursos quando me dei conta que pensar na cidade é um ato político, parafraseando Aristóteles. Pensar no que existe como é, e como poderia ser diferente, é um dos exercícios de um urbanista. Pensar com o corpo, como aquele capaz de sentir, é um caminho que acredito ser forte. Pensar esteticamente, atuando artisticamente, também me soa interessante. Assim, me vejo na rua em que moro e me deparo comigo em alguns instantes. Na Praia da Costa acontece um pouco de tudo. A maioria das pessoas não se olham muito; mal se conhecem: impera a lógica do dinheiro, já que é um dos bairros mais caros para se morar na Grande Vitória. Mas, mesmo assim, se procurarmos, encontramos algumas pessoas dispostas a prosear e jogar papo fora, assim, na própria rua.

Moro na Rua Desembargador Augusto Botelho, rua de trás paralela à Avenida Gil Veloso (a da orla da praia), numa das partes mais antigas do bairro, onde ainda se encontram velhinhos dispostos a conversar sobre qualquer coisa e pessoas ocupando os espaços da rua (seja por bares ou por poucas residências que ainda resistem à intensa especulação imobiliária). Ocupo minha rua quase todos os dias. Desço do meu prédio, pego o ônibus na frente de minha casa para ir para a Vitória (local onde trabalho e estudo). Na volta, sempre salto no ponto próximo à Avenida Champagnat e venho andando até em casa. Já fiz esse trajeto uma centena de vezes, mas agora, nesse período monográfico te-nho sentado vez ou outra no meio-fio; olhado com outros olhos; sentido com o corpo. Alguns locais são ricos em subjetividade; é neles que quero insistir.

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lugar de corpo é na ruamesmo que a rua também seja casa

parte do meu corpo também sai para láe voltar nem ousa

janelas dançam alegremente enquanto

na cidade em que ninguém se olhaa imagem vista é o que vende

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pelo medo da quedacercaram

transformaram tudo em ciranda

no canto da calçadacanto e conto

tantos pontos brancosjuntos quando

a rua toda canta

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concreto esconde a corantes mesmo de eu piscar os olhos

manchas no ato da revoltarevoltam

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quando somos observadostão de perto

todos nos tornamos frágeis

um por sobre o outronão deixaram espaçopra ninguém passar

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POÉTICAS DO PERCURSO: ATIVAÇÀO DE ESPAÇOS E PESSOAS

É possível sonhar. Dar passos largos e caminhar. Pedalar. Voar livre pelo asfal-to que corre. Tudo que se cria é legítimo e faz parte do ser; faz parte de ser. É possível sonhar em mudar uma cidade caótica. É possível viver numa cidade em que pessoas não liguem para um esbarrão e, pelo contrário, até o procure. É possível experimentar uma cidade em que não seja preciso ciclovia, mas sim, o respeito. Regras de trânsito surgiram para mascarar uma impossibilidade de deixar viver, de não haver o encontro. Espaços em disputa. Vida veloz.

Ação 1, parte 1 - Esbarre/Não Esbarre - Manhã de quinta, 9h

Manhã de quinta-feira. O medo era a chuva, mas o sol abriu feroz. Partimos em oito – sete de cartazes com os dizeres “Não esbarre. Somos um coletivo.” e eu de um observador, quase sempre atrás do grupo. Saímos da Ufes e chegamos ao ponto de partida: o primeiro posto da Av. Ns. da Penha, no sentido Serra--Centro. Somos um coletivo; uma massa; um bloco: uma unidade. Atravessa-mos a avenida tomando uma faixa: experimentamos a velocidade média de 5 a 10 km/h. Provavelmente de quatro a seis vezes menor do que a maioria dos carros que ali passavam.

Carros que buzinavam esbravejando, outros achando o máximo; pedestres que olhavam com cara de incompreensão. Não se buscava compreensão, mas sim mostrar que é possível. Atravessamos quase toda a avenida e paramos na altura do Boulevard da Praia, em que viramos na Rua Des. Sampaio até atra-vessar a Rua José Teixeira e virarmos à direita, encontrando o Hotel Radisson. Pegamos a Av. Des. Santos Neves e fomos novamente no sentido Serra-Centro.

O trânsito nessa região é muito mais veloz e perigoso para quem anda de bici-cleta. Ao virar na Av. César Hilal, um ônibus não nos respeita e toca a ponta da minha roda e quase caio na calçada. O grupo dispersa. Precisamos nos recom-por. Paramos e viramos na Av. Leitão da Silva, já voltando pela Av. Rio Branco e entrando na Praia do Canto. Ali o trajeto se finalizava.

Ação 1, parte 2 - Esbarre/Não Esbarre - Tarde de quinta, 18h

Ainda ligeiramente aturdidos pela primeira ação da intervenção, partimos para

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a segunda, em grupo reduzido a quatro pessoas. A proposta era eu pegar um ônibus transcol qualquer que fosse no sentido Serra-Centro e os outros esta-riam posicionados em pontos espaçados durante todo o trajeto (Av. Fernando Ferrari e Av. Ns. Da Penha), utilizando um novo cartaz, com os dizeres “Esbarre. Estamos num coletivo.”, dialogando sobre a proposta do encontro de pessoas na cidade contemporânea.

Chego ao ponto próximo à Univix. Pego o primeiro ônibus que vejo. Um mem-bro está posicionado no ponto da Ufes em frente à Pedra da Cebola. Outro no ponto seguinte da Ufes, outro no ponto após o supermercado Wal Mart e outro em frente à Rádio Espírito Santo.

Pego o ônibus 518 por engano, pois este passa em Maruípe. Salto rapidamente próximo à Av. Leitão da Silva. Preciso sair correndo, pois o celular estava aca-bando a bateria e isso significaria falta de comunicação com os demais, logo, fim da ação. Consigo ligar pra todos combinando o sentido contrário: Centro--Serra. Pego o ônibus no ponto em frente à boate São Firmino. Dá tempo de entrar no ônibus 507 e me organizar.

Ligo a câmera e as pessoas me olham com cara feia. Uma moça me pergunta o que estou fazendo e digo ser um trabalho sobre mobilidade urbana e ela me diz que trabalha com isso e começa a puxar assunto. Neste meio tempo, surge a primeira pessoa a entrar no ônibus com cartaz no ponto em frente ao antigo COC. Pessoas se entreolham, tentam ler o que está escrito. Alguns riem, outros não ligam. Ela me vê e para próximo a mim.

O segundo entra no ponto da Emescam e fica mais longe de mim. As pessoas se sentem mais incomodadas com a câmera. Tento puxar outro assunto e igno-rar. O terceiro entra no ponto em frente à Pedra da Cebola. Pessoas se intrigam, pois já são três pessoas com cartazes. Chegamos ao gargalo da expansão da Av. Fernando Ferrari, na altura de Goiabeiras. Ficamos tanto tempo que a bateria da câmera acaba. Percebemos que o trânsito ficaria muito tempo engarrafado, sendo talvez melhor recuar e finalizar a ação. Ligamos para o quarto membro e terminamos ali o trabalho.

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Ação 2 - Travessia poética

11h30. Acredito ser essa a hora que se inicia a intervenção. Hora em que es-tamos eu e Thairo sentados em um banco na Praça Pio XII envelopando dois grupos de frases. Uma para os catraieiros e outra – que Thairo não vê – para ele e os demais participantes da ação. Essa hora também é a que chega o catraieiro Ronye e logo vê o megafone ao lado de Thairo. Pega e começa a ensaiar frases “Catraieiros em manifestação contra a Codesa”, se divertindo e me causando um pouco de preocupação, fazendo com que Thairo logo me falasse “isso já é a intervenção”.

Conversamos um pouco sobre o andamento das ações em prol da melhoria das condições e sobre manter a histórica atividade dos catraieiros. (Adendo: os catraieiros há alguns anos vêm sofrendo com a expansão do Porto de Vitória – coordenado pela Codesa. Eles são os únicos a fazerem a travessia marítima pública Vitória/Vila Velha/Vitória, por R$2. Há registros das atividades há prati-camente 350 anos.)

Após a curta conversa, entrego a Ronye um pedido de licença misturado com convite para ele e os demais catraieiros sobre a ação que se realizaria a partir das 14h. Paula chega. Eu, ela e Thairo vamos almoçar. Ao voltar do almoço, eu e Thairo brincamos com os megafones, convidando pessoas para irem às ca-traias, utilizarem o espaço público. A potência desse equipamento é incrível.

Na hora marcada chegamos às catraias. Aos poucos os outros participantes chegam, de camisa vermelha. Aviso a eles que a conversa sobre a atividade co-meçará do outro lado da baía. (Um fato peculiar: pessoal do Último Refúgios/Expurgação atravessa a catraia antes, no mesmo horário). Ao chegar lá, entrego envelopes com instruções sobre a experiência. Propostas de conversas e pen-samentos sobre a cidade; sobre o mar; sobre a poesia como protesto.

A chuva começa a apertar um pouco e decidimos ficar por lá mais um bocado. Passado 1h mais ou menos, atravessamos e as lindas frases começaram a sair das bocas, por trás do megafone. Assistir àquilo foi incrível. A travessia precisa ser acelerada porque vem uma tempestade. Ao chegar no ponto dos catraiei-ros, desaba a chuva e fechamos aquilo tudo com chave de ouro.

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Acontece a intervenção 02, comentada acima. A proposta inicial é de atraves-sar a baía de Vitória em 03 catraias (barcos movidos à força humana) cheias e as pessoas – vestidas com a camisa da mesma cor – declamariam poesias no decorrer da viagem por meio de megafones. Ao chegar próximo ao ponto dos catraieiros em Vitória, continuaríamos a declamação. Uma catraia – anterior-mente estacionada na rua – estaria presa num reboque e abrigaria parte dos participantes da ação. Percorreríamos o trecho da Av. Beira-mar do Armazém 5 ao antigo Terminal Aquaviário Dom Bosco, quase 2km de distância.

A ideia, aparentemente surreal, começa a se apresentar para mim bastante plausível. De início, o propósito da intervenção era de destruir aparentes reali-dades inimagináveis. Um sarau – nome emblemático que sempre traz pompo-sidade consigo – no meio do mar, ali, colocado em meio à maresia; à agua. Qual o sentido da poesia falada, se falada em grupo? Um grupo com roupas que as transformariam em massa (em vermelho, uma cor única), mas que, ao terem voz – a voz poética – nos remete muito mais a uma multidão que não se é fa-lada em uníssono, mas sim, um de cada vez, com o respeito à voz. O catraieiro, homem que rema a catraia, figura sempre situada pela memória afetiva ao mar, agora passaria para a terra. Qual seria sua nova visão? E a visão da cidade a ele?

Este trabalho não busca algo, mas ele por si só é uma busca. E se trata, cada vez mais, de uma aventura: a aventura do encontro. Do encontro de pessoas com territórios destruídos e a imaginação do que poderia/pode acontecer; a virtu-alidade da ação e a ação acontecendo; a ação enquanto potência. Enquanto devir. Eu como elo do antes (pensamento)/durante (ação)/depois (pensamen-to). O pensamento é um elo que me liga a mim mesmo; indo e vindo. Eu tenho sido o meu maior crítico – não no sentido de qualidade, talvez, mas sim de quantidade, de zelo com um trabalho que se potencializa no acontecimento mas muito mais no posterior.

A ação, contudo, não tinha um propósito de falar sobre catraia, sobre mobili-dade urbana, sobre catraieiro, mas sim atravessar tudo isso; tudo isso que tam-bém sou um pouco eu no devir “arquiteto em formação”. Um pouco do que fiz durante vida e curso – poesias; sarau; discurso sobre mobilidade urbana; sobre cidade; sobre catraieiros; sobre pessoas. Estar numa ação dessas é entrar em mim e ativar uma micro-sintonia comigo. Não faz sentido eu participar, mas eu

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sou participante também. A imaginação acaba sendo um pouco eu. Imaginar--me sendo outro ou o outro, simplesmente, imaginando-se sendo eu.

POR OUTROS CAMINHOS

Desenhei meu corpo na cidade de Salvador desde o primeiro instante que che-guei nela. Era tanto medo midiatizado em mim e em meu corpo que ficava difícil saber até onde era eu ou outra coisa que me tomava. Fui para o evento Corpocidade, organizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo em par-ceria com a de Dança.

Logo que cheguei, peguei um ônibus que me levara do aeroporto ao Farol da Barra, onde eu ficaria em um albergue. Ao chegar à região, me deparei, junto aos amigos, Leonardo e Bárbara, com a festa de axé com Carlinhos Brown e sua trupe. A massa baiana pulava agitada e por tanto tempo que, pela minha pouca velocidade e pelo cansaço dos meninos, decidimos logo sair dali.

No outro dia, iniciamos nossas atividades na oficina “Cidadeando: uma aven-tura poiética com som, imagem e movimento” que, a priori, não tinha uma definição exata do que seria (por isso o nome de aventura), mas somente os mecanismos que seriam utilizados (câmeras de filmagem). Como uma espécie de cartografia, nos munimos, em grupos divididos em 3, de câmeras e fomos desbravar a cidade.

Ao descer na cidade desconhecida, meu grupo caiu em uma área de casas bem simples, um local um bocado deserto e com algumas pessoas que nos olhavam em volta. Em coisa de quinze minutos, fomos assaltados e levaram a câmera que estava conosco. Ficamos tensos e isso, invariavelmente, influenciou em todo o trabalho: tensionávamos também os outros. Contudo, foi preciso exer-citar viver na cidade compartilhada. Era também um exercício arquitetônico. A construção das imagens e da linha do tempo para a montagem de um possí-vel roteiro, para enfim, ser colocado em formato de película, foi gerada a partir de momentos que mesclavam tensão e alegria. O produto, que era o menos im-portante, já que a riqueza do processo nos trazia questionamentos diversos, foi intitulado “Talvez Salvador”. Foi minha primeira experiência em vídeo coletivo e isto toca esta monografia sensivelmente.

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A cidade de Belo Horizonte surge em minha vida de uma maneira intensa. Uma mescla de lugar e pessoas que me ajudam a criar uma cidade incrível possí-vel. Tudo surgiu a partir do desejo de se fazer arquitetura; construir, colocar na cidade e ver seu uso acontecer. O evento primeiro foi uma apresentação de pesquisa no Encontro Nacional de Geógrafos, em que fiquei na casa de Ernesto (Werley) e sua trupe.

Mais do que uma república de estudantes, o lugar surgiu como um micro-ter-ritório de liberdade, em que o importante sempre foram as conversas, os per-cursos e a construção artística dos interesses deles e meus para com a cidade.

No mês seguinte, o evento Cidade Eletronika me levou de novo à cidade, com oficinas organizadas em prol do ativismo urbano. Foram divididos vários gru-pos, que produziram diversos equipamentos e itens (glossário sobre os movi-mentos da cidade, outros mobiliários efêmeros, etc).

Meu grupo ficaria com a tarefa de desenhar, planejar e produzir um carrinho de som, com energia proveniente de placas solares. O intuito da construção era ser doado para a ‘‘rua’’, no caso, para aqueles que produzem movimentos políticos e artísticos na rua, tendo como principal nome a Real da Rua. Este grupo surgiu em meados de 2012 para articular possibilidades de diálogo e encontros. Com participantes oriundos de diversos locais e grupos (movimento Hip Hop, arqui-tetos, psicólogos e artistas), a ideia era doar o equipamento para, inicialmente, a comunidade usuária do viaduto Santa Tereza – onde acontece, há mais de 5 anos, todas as sextas-feiras, uma das maiores manifestações de Hip Hop do Bra-sil: o duelo de MCs – difundir a cultura Hip Hop pela cidade de Belo Horizonte.

Durante três dias, intensifiquei a produção de arquitetura e do ativismo nas ruas. Após a construção do desloca, o carrinho de som, em que fomos juntos ao MC Kroif (de BH), pregando alguns adesivos como tags que falavam do nome da ação, me senti em meio a um ato estético-político; o dia do evento Cidade Eletronika na avenida acima do viaduto – ocupada com vários equipamentos construídos nas oficinas, gramados, mercado de pulgas, feiras livres, etc – foi de entender que o espaço da cidade é para ser experimentado e constantemente criado.

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TERRITÓRIOS DE CRIAÇÃO: NARRATIVAS EXPERIMENTAIS

Me permito criar; debruçar-me sobre algumas possibilidades de se produzir na cidade. Vez ou outra, a ideia é o ato; só na imaginação. Mas algumas vezes é preciso tensionar; criar mecanismos de intervenção política. Vez ou outra é pre-ciso agir.

Noitinha de segunda-feira. Explico a ideia para Heitor e é hora de agir. Meu ter-ritório de criação passa a ser próximo onde moro, na Praia da Costa. Opto pela minha relação próxima com o lugar, de morador, muito criada por meio de ca-minhadas, observações e engendramentos. Um movimento que imaginei criar durante meses; praticamente durante todo esse processo monográfico essa ideia passava por minha cabeça. Decidi experimentar.

Ao descer a Terceira Ponte (um dos principais eixos viários de ligação de Vitória para Vila Velha), em certo momento me deparei com desapropriações de casas para construção de uma alça que ligaria a ponte ao bairro Itapoã, numa área em que eu achava um bocado peculiar para ocorrer tal ato (foto retirada do Google em 2011, antes da construção).

Pela imagem é possível notar o terreno com um cercamento em que um pedes-tre passa na calçada. Por mais que esta não fosse decente, era possível fazer esse percurso sem qualquer esforço. Entretanto, sem qualquer tipo de participação

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popular, eis que casas são desapropriadas e uma avenida é aberta onde era este terreno com cercas. Os pedestres e ciclistas que antes passavam normalmente pelo trajeto, precisariam agora subir uma ladeira para ficarem seguros.

Precisariam subir, mas não sobem. Porque é inconveniente subir uma ladeira quando o caminho mais simples que meus olhos mostram é pular uma mureta, esperar os carros passarem e correr, pular outra mureta, e cá estamos do outro lado. Menos seguro, mas mais eficiente. Vivemos na lógica da velocidade e su-bir a ladeira me tomaria tempo. Mas, mais do que tomar tempo, subir uma la-deira pode ser algo desumano, cansativo; e mais ainda: preterem o pedestre em prol do carro. Era mais fácil que eles [os carros] subissem a ladeira e o pedestre continuasse seu percurso. Mas isso não foi pensado.

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Era hora de agir. Enquanto morador e transeunte diário do lugar, não fazia mais sentido me sentir acomodado. Em época de campanha, todos esses pontos gramados foram ocupados por propagandas políticas; eles intervieram antes de mim. Esperei um pouco; em época de campanha, minha ação rapidamente seria só mais uma dentre tantas. Era preciso que fosse feita com cautela.

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O trabalho foi feito em cerca de 15 minutos. A escolha do material foi pelo de mais simples e compreensível: 27 folhas de tamanho A4, sendo 14 na primeira mureta e 13 a segunda. As 14 primeiras continham a seguinte frase: DO ALTO DO MURO VEJO PARA QUE ELE SERVE

Daí, o transeunte – que naturalmente já pularia o muro – atravessaria a rua e veria a continuação:PARA ENXERGAR O OUTRO QUE NOS SEPARA

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A frase, estimulada pelo pular e o atravessar a rua, abraça duas possíveis inter-pretações: a) o usuário enquanto construtor da obra: ligada a partir da conti-nuação, como uma ideia de busca da resposta, ou questão de Esfinge, ou caça ao tesouro, etc; trazendo uma provocação, fazendo com que de fato o usuário pare e pense sobre o que leu; b) quanto de personagem da obra: usuário en-quanto ser questionado, trazido pela palavra “outro”, que é tanto o personagem que construiu as muretas (governo), quanto o outro muro, ou ainda quanto ao outro ser, que se separa, a partir do instante em que é “separado” pelo muro.

Além da frase, foi pensada uma espécie de escada, com duas caixas de papelão cheias de areia de praia. Enchemos de areia tanto para dar peso a ponto da pes-soa poder pisar quanto para tornar difícil sua retirada, tornando-a bem pesada. A proposta inicial era de uma construção de uma escada de madeira, contudo, imaginando sua efemeridade, a ideia foi de deixar uma caixa de papelão para criar a sensação de dúvida (já que o papelão é frágil).

Independente do que se interprete da obra, minha resposta àquela construção foi dada e passada aos transeuntes. Mais do que o sentido dela enquanto uma “mensagem”, o ato político e a adrenalina de fazer duas coisas proibidas: retirar areia da praia para preenchimento da caixa e afixar cartazes em áreas públicas, fez com que o experienciar a cidade fosse fortemente sentido. Como arquiteto, acredito que essas ativações são fundamentais.

Sigo ainda agindo, de maneira sutil e menos alarmante, em busca de uma nova possibilidade de se fazer urbanismo ou de se compreender a produção de es-paços públicos, seja por meio de atos estético-políticos ou mesmo de refletir como poderiam ser esses espaços públicos.

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É como se fosse um sonho ou uma vertigem: perder-se, encontrar-se, delirar e deixar a possibilidade de existir enquanto um devir. É possível ainda que tudo isso se trans-forme, contudo isso não cabe nessas poucas linhas. Enquanto ser pulsante, antes estudante e agora arquiteto em formação, é preciso deixar alguns sonhos peque-nos, alguns encontros e desencontros deste percurso no qual experienciei: o curso de Arquitetura e Urbanismo e esta monografia.

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EPÍLOGO| EXPERIÊNCIA MONOGRÁFICA E ACADÊMICA

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“PEQUENO MAR”

Esta monografia surge no anseio de entender, criticar e produzir algum tipo de pensamento no que diz respeito à indiferença entre as pessoas e os espaços pú-blicos. Não teve o intuito de buscar respostas, mas sim de provocar pensamen-tos que nos desloquem para uma outra possibilidade: de intervir e refletir sobre que tipo de arquitetura estamos produzindo nos espaços públicos e como elas podem servir de maneira sincera aos seus usuários.

Enquanto usuário, me coloquei na cidade, buscando experienciá-la. Os meios pelos quais busquei interagir foram em sua maioria discursivos e artísticos, tentando sempre me ativar enquanto provocador, mas não determinador de algum espaço. Essa lógica se altera a partir do instante em que o arquiteto não é enxergado como aquele que irá impor um espaço público, mas sim o que irá provocar uma possibilidade, sempre podendo ser reengendrada a partir de seu uso e da participação das pessoas.

Desse modo, procurei um diálogo muito franco e aberto com a arte, a literatura e a política, já que meu discurso todo surge a partir de questões ligadas à pa-lavra e suas possibilidades técnicas, bem como o estudo de sua materialidade, muito devido ao meu engajamento na arte. Naturalmente, estar na cidade é fa-zer política e querer produzir pensamento nela é ainda “mais” político, se assim posso afirmar. Portanto, a partir deste olhar meu sobre a arquitetura, é preciso agora arregaçar as mangas e entender meu papel no mundo.

Em Cidade Ocupada, talvez a principal referência monográfica desse trabalho, Ericson Pires ensaia o território da criação com a metáfora do “mar”. Seja no “mar da contemporaneidade”, quando nos localiza no contexto atual ou mesmo em “pequeno mar”, quando ensaia possibilidades para outros trabalhos. Neste sen-tido, acredito que esta parte da monografia, em que pontuo considerações so-bre o trabalho, é um pequeno mar onde à medida em que questões levantadas sobre o trabalho são relembradas, outras importantes surgem para sua conti-nuidade.

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A INQUIETUDE ENQUANTO DEVIR

Não posso, não quero, tampouco devo encarar este espaço desta monografia enquanto síntese, conclusão ou possível resposta para todo o processo pelo qual ela se desenrolou. Não posso porque seria imprudência minha. Não que eu precise ser tão prudente, já que durante muitas colocações dos capítulos anteriores me importou muito mais o experienciar do que a prudência, mas neste caso é preciso que eu seja sincero para que, minimamente, legitimidade seja uma palavra que faça sentido aqui e ela só pode ser possível à medida em que consigo amarrar as pontuações engendradas durante todo este objeto--livro presente.

Para isso, cruelmente, resumo tanto este trabalho quanto minha experiência acadêmica com uma palavra: inquietude. Não soa tão cruel usá-la, a partir do instante em que ela em si não diga nada e sirva mais como uma referência de atravessamentos e experimentações. Sendo piegas, encaro a inquietude en-quanto um lema. Mas não que eu trace esse lema conscientemente. Ele sim-plesmente se traduz como, assim como o leitor pode traduzir em outras pala-vras. Fica a livre critério.

Tomando portanto a inquietude enquanto palavra-chave, ligo-a ao meu papel no mundo, neste trabalho e nesta formação, sintetizado a arquiteto e urbanista (mas creio sempre poder ser um pouco mais), sendo portanto minha principal ferramenta de articulação enquanto tal.

Durante a graduação, enxerguei como fundamental o bem relacionar-se com as pessoas, sejam elas de quaisquer áreas. E mais do que isso: o bem relacionar-se enquanto possibilidade de produzir algo, seja intelectualmente, arquitetonica-mente, artisticamente, socialmente ou politicamente. A relação bem construí-da, ou que fomenta bons encontros, pode sempre ser um trampolim para boas produções.

EXPERIENCIAR: UMA METODOLOGIA

Quero classificar esse trabalho enquanto um aparato metodológico para a ati-vação do arquiteto, ativista e, fundamentalmente, do cidadão que mora em mim. Ao chegar até aqui, é possível de se observar que não houve nenhum

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projeto de arquitetura, nenhuma aproximação explícita com uma comunidade; mas, ao mesmo tempo, também houve isso tudo.

A partir do instante em que compreendemos a volatilidade e a intensidade com que campos disciplinares precisam se atualizar, sempre questionando-se quais são seus papéis no mundo contemporâneo, entendemos os campos da Arqui-tetura e do Urbanismo enquanto campos onde se pode criar e se dialogar com – utilizando-se de diversas linguagens – territórios de tensões políticas e sociais.

É nesse ponto em que este trabalho se apresenta enquanto atual e metodoló-gico. Não pretendo parar aqui, mas também atuar no espaço público enquanto criador, por intermédio da participação popular.

Nesse sentido, eu preciso portanto, a partir de agora, entender como articu-lar esses meios de produção de arquitetura na cidade. Essa é a etapa seguinte: como ser arquiteto na cidade? Como interagir com ela de maneira sincera, ar-ticulando com usuários? Sempre será preciso que se dependa do governo, não sendo possível pensar novos caminhos? Não sei, talvez não. Talvez o mais difícil seja a partir de agora; criar, produzir e provar que o pensado para a cidade é o legítimo. Agora é um momento muito delicado de, a partir do leque de lingua-gens e caminhos que tenho, construir uma maneira legítima e sincera de se fazer arquitetura para a cidade.

Muito possivelmente esses caminhos serão tortuosos e me façam querer desis-tir a todo instante. Mas serão desafios, nos quais a lógica do improviso, da ar-gumentação, do fazer acreditar que tudo o que foi escrito nessas folhas não foi uma brincadeira de um aluno de graduação, mas sim um meio de, com artifícios nas mãos, tensionar governos e população em prol de cidades para pessoas. Espaços públicos em que seus usos não sejam restritos; em que pessoas acredi-tem serem eles aqueles capazes de construir novas cidades possíveis.

Não é uma fórmula ou uma resposta, mas sim jogar com a verdade: a franque-za de assumir espaços que não funcionaram da maneira mais adequada e, so-bretudo, fazer com que eles funcionem de maneira legítima. A participação popular não pode ser um mecanismo de manobra, mas de fato é importante pensá-la enquanto um artefato de construção colaborativa, quer seja respei-tando situações hierárquicas ou não. Não há uma forma de fazer, mas sim a

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experimentação, por si, enquanto aquela capaz de atuar, acertar, errar, voltar, permanecer.

Quero acreditar que este trabalho não foi em vão. Não é simplesmente um pro-jeto de graduação que será finalizado aqui, mas sim um meio pelo qual começo a pensar caminhos possíveis para construção desse pensamento: um terreno em que se plante; muitas vezes podendo acontecer das plantas morrerem antes mesmo de maturarem, mas outras tantas fazendo com que elas vivam digna-mente.

Vale lembrar que o terreno é uma sugestão sempre em constante transforma-ção. Quem o propõe somos nós enquanto arquitetos e mais indivíduos de ou-tras disciplinas, como ciências sociais, biologia, geografia, etc. A proposta será feita. A participação determinará se funcionará bem ou não. E os meios pelos quais se construirão essa participação são, ao meu ver, os mais importantes: quer seja por meio de aproximações com moradores e usuários; quer seja por meio de aproximação dessas linguagens a eles para que, em um futuro não muito distante, outros tantos possam usar das mesmas ferramentas que hoje alguns se dispõem.

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REFERÊNCIAS DAS IMAGENS

Figura 1 – Foto: Gabriel Ramos. Intervenção para a disciplina Multimeios. Pro-jeção em sol do poema Poesia é voar fora da asa, de Manoel de Barros, no pátio do Cemuni 3. Maio de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 2 – Foto: Ruídos urbanos. Gabriel Ramos. Mosaico de imagens de tran-seuntes no Centro de Vitória e um teste de lightpainting (Técnica em que se usa luz para desenhar com a baixa velocidade de fechamento do obturador da câmera). Novembro de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 3 – Foto: Autor desconhecido. Mosaico de imagens no III Festival de Música Popular Brasileira de 1968.Fonte: Blog Prottotipo (Disponível em: <http://protottipo.wordpress.com/2012/09/28/para-a-arte-sempre-foi-proibido-proibir> Acessado em 28/12/2012)

Figura 4 – Foto: Autor desconhecido. Manifestantes na Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar em 1968. Exemplo de resistência ao biopoder numa lógica de Sociedade Disciplinar, segundo Foucault (1988).Fonte: Google Pesquisa

Figura 5 – Foto: Autor desconhecido. Times Square, em Nova Iorque, com várias de suas propagandas, letreiros e outdoors. Data recente.Fonte: Google Pesquisa

Figura 6 – Foto: Devir criança. Gabriel Ramos. Crianças brincam na praça de Eu-rico Salles no evento Lá no Quintal, organizado pelo Coletivo Permear e Asso-ciação de Moradores de Eurico Salles (Ambes). Outubro de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 7 – Foto: José Luiz Sagrilo. Estilingue. Instalação do artista Nenna, na an-tiga Praia Comprida (atual Praia do Canto, em Vitória/ES), em junho de 1970. Um dos primeiros registros de obras artísticas num espaço público capixaba.Fonte: Overmundo

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(Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/overblog/estilingue-gigante-e-oceano-de-luz> Acessado em 05/01/2013)

Figura 8 – Foto: Acervo site Tschumi Architects. Parc de la Villette (1998). Um das maiores referências de uma arquitetura de livre uso e apropriação.Fonte: Tschumi Architects(Disponível em: <http://tschumi.com> Acessado em 07/01/2013)

Figura 9 – Foto: Divulgação R7. Cairo, Egito. Manifestantes se reúnem na Praça Tahrir para derrubarem o ditador Hosni Mubarak, em 25 de janeiro de 2011.Fonte: R7(Disponível em: <http://noticias.r7.com/internacional/noticias/afinal-o-que-esta-acontecendo-no-egito-20110203.html> Acessado em 28/01/2013)

Figura 10 – Desenho de divulgação dos 03 anos da Praia da Estação, na Praça da Estação, em Belo Horizonte (Janeiro de 2013).Fonte: Praça Livre BH (Disponível em: <http://pracalivre.wordpress.com> Acessado em 02/01/13)

Figura 11 – Foto: Esquizoapropriação. Gabriel Ramos. Coletivo baiano de dança, TeiaMUV faz performance na Praça Costa Pereira. Dezembro de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 12 – Foto: Autor desconhecido. Um dos moradores da Mangueira us-ando o Parangolé criado por Hélio Oiticica.Fonte: Blog Circunflexo(Disponível em <http://circunflexo.blogspot.com.br/2008_11_01_archive.html> Acessado em 21/01/2013)

Figura 13 – Foto: Divulgação Hapax. Intervenção do Hapax na Lapa/RJ em 2001. Fonte: site Hapax oficial(Disponível em http://hapax.com> Acessado em 02/02/2013)

Figura 14 – Foto: Alexandre Vogler. Campanha 4 graus (2004). Cartazes na ci-dade do Rio de Janeiro. Fonte: acervo pessoal (escaner retirado do livro, em arquivo pdf, Cidade Ocu-pada, de Ericson Pires)

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Figura 15 – Foto: Divulgação BijaRi. Estado de Sítio. Detalhe da intervenção e do “sequestro”.Fonte: livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade (Disponível em <http://issuu.com/invisiveisproducoes/docs/naborda_100bb> Acessado em 09/02/2013)

Figura 16 – Foto: Divulgação BijaRi. Estado de Sítio. A resposta dos artistas para o “sequestro”.Fonte: livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade (Disponível em <http://issuu.com/invisiveisproducoes/docs/naborda_100bb> Acessado em 09/02/2013)

Figura 17 – Foto: Coletivo Frente 3 de Fevereiro. Artistas intervêm usando o corpo e as lixeiras. Fonte: livro Na Borda - Nove Coletivos, Uma Cidade (Disponível em <http://issuu.com/invisiveisproducoes/docs/naborda_100bb> Acessado em 09/02/2013)

Figura 18 – Foto: Prefeitura Municipal de SP/Secretaria Mun. de Cultura/ Centro Cultural São Paulo/ DADOC/ Arquivo Multimeios. Hudinilson Júnior grafitando em SP.Fonte: acervo pessoal (escaneado do livro Estética Marginal, Volume#02)

Figura 19 – Foto: Frame do vídeo que Leminski conversa sobre pichações. Fonte: Google Pesquisa

Figura 20 – Detalhe dos babilaques criados por Waly Salomão.Fonte: site Waly Salomão(Disponível em <http://walysalomao.com.br/?page_id=14> Acessado em 15/02/2013)

Figura 21 – Foto: Gabriel Ramos. Uma das intervenções/ações/errâncias colab-orativas propostas durante a monografia. Agosto de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 22 – Foto: Hélio Oiticica na performance Delirium Ambulatorium (Mitos Vadios).

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Fonte: Itaú Cultural (Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexter-nas/enciclopedia/ho/home/dsp_home.cfm> Acessado em 10/02/2013)

Figura 23 – Fotos: Thalita Covre. Mosaico de imagens dos saraus realizados no Cemuni 3. Julho de 2009.Fonte: acervo pessoal

Figura 24 – Fotos: Equipe Poetas no Espaço/Patrícia Bragatto. Mosaico de ima-gens dos saraus, intervenções e da oficina de corpo e palavra. Maio de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 25 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico de imagens das viradas fotográficas. Novembro de 2011 e de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 26 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico de imagens com alguns percursos por Vitória a pé e de bicicleta. Abril de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 27 – Fotos: Coletivo Permear. Algumas de nossas intervenções e reuniões nos espaços públicos. Setembro de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 28 – Fotos: Thairo Pandolfi/Cintia Reis. Detalhe do sarau de lançamento do livro longevo quando. Maio de 2012. Fonte: acervo pessoal

Figura 29 – Fotos: Gabriel Ramos. Esbarre: estamos num coletivo / Não esbarre: somos um coletivo. Intervenções colaborativas propostas por mim como uma errância. Agosto de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 30 – Fotos: Gabriel Ramos/Thairo Pandolfi. Travessia Poética. Interven-ções colaborativas propostas por mim como uma errância. Agosto de 2012.Fonte: acervo pessoal

Figura 31 – Foto: Gabriel Ramos. Imagem retirada da alça próxima à Terceira

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em que usuários pulam a mureta. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 32 – Fotos: Gabriel Ramos. Percursos urbanos I. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 33 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos II. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 34 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos III. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 35 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos IV. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 36 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos V. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 37 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos VI. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 38 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos VII. Praia da Costa. Fevereiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 39 – Foto: Gabriel Ramos. Percursos urbanos VIII. Praia da Costa. Fever-eiro de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 40 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico de imagens em percursos na cidade de Belo Horizonte. Agosto de 2012.

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Fonte: acervo pessoal

Figura 41 – Foto: Google. Foto da alça da ponte ainda somente com o terreno. 2011Fonte: Google Earth

Figura 42 – Foto: Gabriel Ramos. Detalhe de um transeunte tentando atravessar a avenida, na alça da ponte. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 43 – Foto: Gabriel Ramos. Panorâmica mostrando a alça da ponte e a ladeira que denota a má acessibilidade do local. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 44 – Fotos: Gabriel Ramos. Mosaico com pessoas atravessando a ave-nida e pulando as muretas, na alça da ponte. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 45 – Fotos: Heitor Riguette (frames de vídeo). Intervenção-protesto em lambe-lambe, na alça da ponte, elaborada com folhas A4. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 46 – Desenho meu em uma das caminhadas, indagando sobre uma praça que surgiu em torno de uma árvore, num ponto de ônibus, na Praia da Costa. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

Figura 47 – Foto: Heitor Riguette (frame de vídeo). Caminhada até chegar ao lo-cal da intervenção-protesto em lambe-lambe, na alça da ponte, elaborada com folhas A4. Março de 2013.Fonte: acervo pessoal

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Tudo que não invento é falso(Manoel de Barros)