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DESIGN E EXPRESSÃO GRÁFICA NA ARTE DE RAFAEL
SANZIO
André Noronha Furtado de Mendonça PGIE - UFRGS
Resumo
A disputa por espaço em gôndolas de supermercado ou anúncios nas diversas mídias, nos projetos editoriais, o desenvolvimento de sítios eletrônicos atraentes, entre outras atividades que envolvem o design, exige compreender como se desenvolve o arranjo de imagens que potencialmente afetem o sujeito a partir da construção de individualidades. Nos últimos 50 anos, psicologia, neurologia e tecnologia vem se aliando nessa direção, em estudos como os do movimento dos olhos e do comportamento pupilar, entre outros. Por outro lado, é possível que a busca por compreender a percepção humana com a finalidade de conduzir o olhar do espectador não se restrinja aos nossos dias. Este artigo pretende lançar um olhar sobre uma das mais importantes obras de Rafael Sanzio: A Transfiguração. Nosso objetivo é demonstrar que as metodologias aplicadas em design, atualmente em uso, assim como refinados conhecimentos em expressão gráfica já eram praticados no século XVI, pelo menos, por este renomado artista. Palavras-chave: expressão gráfica, arte, design gráfico, cognição,
semiótica.
Abstract / resumen
The fight for space on supermarket shelves or advertisements in various media, the editorial projects, the development of electronic sites attractive, among other activities involving the design, requires understanding how it develops the arrangement of images that potentially affect the subject from the construction of individuals. Over the past 50 years, psychology, neurology and technology comes allying in that direction, as in studies of eye tracking and pupil path, among others. On the other hand, it is possible that the search for understanding human perception in order to lead the viewer's gaze is not limited to the present day. This article aims to cast a glance at one of the most important works of Raphael: The Transfiguration. Our goal is to demonstrate that the methodologies applied in design,
currently in use, as well as refined expertise in graphic expression were practiced in the sixteenth century, at least by this renowned artist. Keywords: graphic expression, art, graphic design, cognition, semiotic
1 Introdução
Somos criaturas que interpretam conscientemente as informações apreendidas na
interação com o ambiente. Nossa percepção é sensorial, afetiva e cognitiva. Para
desenvolvermos um design diferenciado, é importante que ultrapassemos os limites de
nosso acervo técnico, absorvendo conhecimentos que possibilitem a produção de
imagens que capturarem a atenção do observador. Pretendemos demonstrar que o
amadurecimento metodológico no desenvolvimento dos atributos de expressão gráfica
em uma peça publicitária ou de design, não é propriedade de nosso tempo, podendo
ser identificado, de forma precursora, na obra de Rafael Sanzio. Desenvolveremos
uma revisão abordando a construção do espaço e da forma. Analisaremos aspectos
importantes na construção do sujeito, relacionados à percepção, comunicação e
informação. Na última parte, tentaremos demonstrar que o pintor renascentista Rafael
Sanzio já aplicava tais conhecimentos para atingir a sensibilidade do seu público alvo.
2 A organização do espaço
A geometrização do espaço não se restringe a um campo do conhecimento ou era.
Podemos identificar historicamente o surgimento do design como disciplina, mas não é
tarefa simples pontuar o início de cada prática descrita em métodos de projeto, mas
existem indícios. Por exemplo, Meggs e Purvis (2009, p. 63-199) apresentam o projeto
editorial do período renascentista já manifestando o interesse pelo arranjo geométrico
espacial e pelo cuidado com a grade tipográfica, remontando, inclusive, o século XV.
Considerando a tela um plano bidimensional, intuímos que este suporte apresenta
relações variáveis segundo a disposição do suporte (vertical ou horizontal). Podemos
definir seu centro geométrico pelo cruzamento de diagonais ou de eixos centrais.
Ostrower (1983, p. 41-233), demonstra que o suporte possui um centro ótico ou
perceptivo, situado pouco acima do centro geométrico. Quanto mais vertical for o
suporte, maior será o deslocamento do centro perceptivo. Podemos considerar, então,
o centro perceptivo como o primeiro ponto de atenção no espaço representacional. Os
eixos centrais são subdivisões do espaço identificadas como quadrantes. Tais
quadrantes indicam uma simetria na divisão do espaço que se desdobra no princípio
de espelhamento descrito por Wong (1998). Novas subdivisões podem ser projetadas,
novas diagonais podem ser desenvolvidas e no cruzamento dessas, novos pontos de
atenção surgem, gerando movimento e ritmo. Segundo Ostrower (1983), a
organização do espaço está presente em toda a história da arte. A autora analisa a
arte antiga, clássica e contemporânea, discutindo a geometrização do espaço como na
aplicação da proporção áurea. Ostrower (1983), descreve que existem diversos tipos
de proporções, porém, uma se difere no procedimento de sua divisão, não sendo
estática ou excessivamente dinâmica, e acrescenta que os assírios e egípcios
acreditavam que esta relação era sagrada. No Renascimento, passou a ser conhecida
como Divina Proporção, Seção Áurea, ou Corte de Ouro. Doczi (1981, p. 38-132),
identifica, por exemplo, a proporção áurea no projeto arquitetônico de pirâmides no
Egito e no México, além de sua aplicação nos eixos centrais das colunas de
Stonehenge (3100 a 1100 a.C.). Segundo o autor, um dos primeiros textos sobre o uso
da proporção áurea é do arquiteto romano do século I, Marcus Vitruvius Pollio.
Segundo Vitruvius, para que os templos fossem magnificentes, deveriam ser construídos em analogia ao corpo humano bem formado, com harmonia perfeita entre as partes. DOCZI (1981)
Elam (2001, p. 5-43), apresenta gráficos das preferências de consumidores por
retângulos, propostos por Fechner (1876) e por Lalo (1908), identificando preferências
pela seção áurea ao estudar as características estéticas desses retângulos. A
necessidade de organizar o espaço proporcionou o desenvolvimento de princípios de
construção da forma como expressão, como enumerados por Wong (1998), entre eles:
simetria, repetição, rotação, concentração. Cada princípio pode ser aplicado na
unidade ou em conjunto, formando um padrão organizacional que compreende um
sistema de rede ou grade.
Assim como na natureza, os sistemas de ordem regem o crescimento e a estrutura do material animado e inanimado, assim também a atividade humana está, ela mesma, desde os primeiros tempos, marcada pela busca duma ordem. Mesmo os povos mais antigos, nas suas criações, usaram formas matemáticas e adornos de grande
beleza. (...) Le Corbusier, apud Brockmann (1982, p. 10-103)
Esta definição traz duas abordagens: a natureza biológica e humana da organização
espacial. Para Brockmann (1982), trabalhar com redes significa submeter-se a leis
universais: sistematizar; chegar ao essencial; cultivar a objetividade; racionalizar
processos criativos e técnicos; rentabilizar; integrar cor, forma e material; dominar o
arquitetural sobre a superfície e o espaço; ser positivo para o futuro.
Entendida como um sistema de controle, a rede torna mais fácil dar à
superfície ou espaço uma organização funcional. Brockmann (1982,
p. 10-103)
O uso de redes na geometrização é a linguagem de acoplamento entre espaço e
forma.
3 A forma
Ostrower e Wong dedicaram estudos sobre o significado da forma mas sob
abordagens distintas. Enquanto Wong parece privilegiar uma análise geométrica,
Ostrower irá investigar aspectos perceptíveis e sensíveis. Destacamos importantes
conceitos de Wong (2010, p. 42-145), definindo três elementos práticos da forma:
representação – a forma deriva do real; significado – a forma transporta uma
mensagem; função – a forma possui determinado propósito.
Ostrower (1983) enfatiza a ação humana compreendendo a imagem no processo
perceptivo. Essa compreensão irá envolver as componentes afetivas ou inconscientes
e as componentes cognitivas ou intelectuais conscientes da imagem. Para a autora,
esses aspectos são influenciados pela organização figurativa e pelos signos da
imagem. A forma possui desdobramentos de complexidade que são seus elementos
pictóricos: o ponto, a linha e a superfície, onde a linha configura o espaço em uma
direção, trazendo em si a propriedade de sugerir, no observador, uma ideia de
continuidade ou monotonia ou, pelo contrário, uma ideia de fissura no espaço. A
autora descreve que a linha apresenta múltiplas formas de como afetar o observador.
Linhas longas e horizontais induzem lentidão. Uma sequência horizontal de linhas
verticais induzem desaceleração e quebra na continuidade. Se tais linhas forem
oblíquas, o efeito será de dinamismo. Se o ponto, a linha e a superfície são elementos
pictóricos da imagem, o volume, a luz e a cor são elementos tridimensionais
dinâmicos da imagem. A presença de elementos tridimensionais na imagem traz um
elemento relacional entre o observador e o objeto representado (significado
emocional) que é a correspondência visual de profundidade na perspectiva.
4 Comunicação, semiótica e cognição
Um projeto envolvendo a construção da forma como expressão contempla o cliente, o
designer e o usuário, incluindo fornecedores e distribuidores1. O designer deve
compreender como o produto se insere nesses ambientes e como este será percebido
e absorvido pelo mercado. É necessário que esse projetista desenvolva seu produto
absorvendo em sua metodologia conhecimentos no campo da comunicação, semiótica
1 De acordo com Niemeyer (2009).
e cognição, contemplando aspectos do comportamento e da psicologia humana. A
função da consciência seria a de capacitar o home a adaptar-se ao meio ambiente.
Quando ocorre uma interação com o meio e o sujeito, podemos considerar como
verdadeiro que alguma emoção será produzida.
Niemeyer (2009, p. 25-47) afirma que, em qualquer projeto de design, faz-se
necessário considerar como o usuário irá interagir com o objeto criado. Assim, é
importante que o projeto de um produto ou de um sistema gráfico considere que as
partes constituintes desse produto atuem como elementos de linguagem produzindo
subjetividades para o consumidor, empregando formas, cores, texturas e materiais.
A mudança de comportamento estimulada pela informação comunicacional exige a
combinação do que Moraes (2002, p. 7-42) chama de dimensão cognitiva (opiniões
sobre as quais a mensagem se fixará), dimensão afetiva (o grau de confiança que se
deposita na mensagem recebida) e dimensão conotativa (a intenção de ação). A
autora lembra que o receptor é um indivíduo que vê o mundo sob seus próprios filtros
perceptivos. Aquele que deseja se comunicar, deve compreender que o objeto
pictórico é o meio pelo qual a informação é transmitida. Por isso, outros fatores
precisam ser abordados para compreendermos como se processa a percepção da
informação. Kincaid (apud MORAES, 2002) aponta que, quando a informação é
partilhada por dois ou mais indivíduos, o processamento da informação deve conduzir
à entendimentos mútuos, à concordância mútua e à ação coletiva, ou seja, o
aproveitamento do conhecimento pré-existente do consumidor aumenta a eficácia de
um projeto gráfico. Em termos de análise e percepção da forma, temos a
representação pictórica como o signo. O signo é percebido sensorialmente pelo
intérprete (consumidor, usuário, espectador) que processa mentalmente a informação
recebida, compara-a consciente e inconscientemente com seus parâmetros culturais e
afetivos, respondendo e reagindo à interpretação processada. O signo em si é o modo
como o fenômeno é percebido. De acordo com Niemeyer (2009), toda imagem traz
uma mensagem que não inocente. Toda mensagem possui uma carga de informação
que é composta por dois componentes: persuasão e manipulação. Persuasão é a
estratégia para fazer o intérprete crer em algo. Manipulação é a estratégia utilizada
para promover no intérprete uma reação.
5 O provável método de Rafael Sanzio
A obra de Rafael Sanzio caracteriza-se pela religiosidade, tanto nas gravuras, como
na pintura e arquitetura. Tal religiosidade guarda mais relação com interesses sociais
e financeiros do artista do que com motivações espirituais. Hauser (1972, p. 357-554)
descreve que Rafael, como outros artistas renascentistas, era proprietário de palácios,
contemplado com títulos de nobreza e via a Igreja como principal financiadora.
A influência de Leonardo Da Vinci2 na obra de Rafael é documentada por biógrafos
como Thoenes (2005, p. 13-85). Tanto a influência de Leonardo na composição
estrutural dos arranjos como a influência do próprio contexto renascentista pode ter
conduzido Rafael Sanzio a incorporar em sua obra as relações de proporção áurea. A
presença da geometrização do espaço e o emprego da seção áurea se fundamenta
por Rafael ter sido também arquiteto. A figura 1 apresenta uma gravura feita por
Joseph Mallord William Turner (1810), possivelmente, o primeiro a identificar relações
de geometrização áurea no quadro A Transfiguração, de Rafael.
Figura 1: Estudo realizado por Truner no quadro “A Transfiguração”. Fonte - www.tate.org.uk
A partir Turner, evidencia-se a organização espacial em subdivisões proporcionais3
nesse projeto de Rafael. Pelo menos nos elementos pictóricos mais expressivos.
Verificamos ainda que existe um ciclo conduzindo o olhar do observador através de
um regime de visibilidade que envolve elos numa corrente rítmica que conduz o
observador que retorna sua atenção ao objeto principal na imagem: o Redentor. Tal
ciclo é indício de que Rafael sabia conduzia a atenção de seu público.
2 Leonardo Da Vinci se baseou em Vitruvius para desenvolver seu diagrama conhecido como Homem
Vitruviano (1490) – “O Homem Vitruviano representa a forma humana em um estado de perfeição física” (catálogo da exposição Leonardo Da Vinci, a exibição de um gênio, 2007, p. 8-27). 3 Especificamente orientadas pela seção áurea com uma finalidade específica: expressar algo.
Figura 2: A Transfiguração de Rafael Sanzio, 1520. Fonte – BECK (1994, p. 127)
Rafael parece iniciar seu desenvolvimento posicionando a representação de Cristo
centralizada no eixo horizontal da tela, pouco acima do centro geométrico. Segundo
Hauser (1972), esta representação é uma tendência artística na alta renascença,
quando o pranto e a dor gótica não encontra mais amparo, e o Cristo já não é mais o
mártir crucificado, mas é representado vivo e glorioso. Esta escolha espacial converge
com a área nobre da tela descrita por Ostrower (1983), e apresenta uma roupagem
simbólica em sintonia com a carga representacional de sua época. Rafael estabelece
o seu ponto principal de atenção e um eixo de simetria.
Figura 3: Processo construtivo na arte de Rafael (imagem gerada pelo autor)
Rafael parece distribuir simetricamente os personagens da história, como vemos nas
figuras 4 e 5. Podemos observar também o surgimento de linhas oblíquas a esquerda
e a direita do eixo vertical central, assim como grifou Turner em seu diagrama. Tais
linhas formam um conjunto que proporciona no espectador a percepção do movimento
na cena e conduzem a mente deste observador, como descrito por Ostrower (1983).
Verificamos aqui as três funções básicas da forma apontadas por Wong (2010): a
representação, o significado e a função. Cada elemento pictórico conduz ao seguinte
num arranjo que se materializa sistemicamente em algo novo na tela.
Figura 4: Processo construtivo na arte de Rafael (imagem gerada pelo autor)
Figura 5: Processo construtivo na arte de Rafael (imagem gerada pelo autor)
O quadro A Transfiguração se divide em duas cenas. A primeira representa a cura do
mancebo do qual Cristo expulsa uma “legião de demônios”. Esta cena ocorre nos dois
quadrantes inferiores e a segunda cena, a da transfiguração, nos dois quadrantes
superiores. É importante observar que Rafael trabalha sua comunicação com signos
conhecidos pelo público de seu tempo, como podemos observar em Hauser:
A arte4 emancipa-se dos dogmas eclesiásticos, mas fica intimamente
relacionada com a filosofia científica da época... (HAUSER, 1972)
Nem sempre Rafael usará este tipo de artifício. Por exemplo, na obra Escola de
Atenas, os signos ali envolvidos apresentam pouco ou nenhum significado para as
massas ou para o homem inculto5, como ocorre no quadro A Transfiguração.
Rafael parece elaborar inter-relações nos elementos pictóricos das duas narrativas
representadas. Sempre respeitando a simetria, inclusive no emprego das cores e nas
relações de figura e fundo. Com isso, Rafael introduz um elemento que podemos
classificar como identidade visual e aplica princípios de forma e desenho como
4 Hauser se refere à arte renascentista ao escrever esta citação. De acordo com HAUSER, a uniformidade e a consistência espacial foram os critérios mais elevados no processo criativo dos artistas entre 1500 a 1900, o que o historiador chama de cientificismo organicista na arte. 5 Como apontado por Hauser (1972)
descritos por Wong e Ostrower, como podemos observar na figura 6. Através da
exploração desta imagem, podemos perceber que ocorre a mesma noção cíclica de
controle do movimento do olhar em ambas as cenas, a cena da transfiguração e a
cena da cura do mancebo, onde cada personagem dialoga em gestos e em linguagem
corporal com o seguinte e todos apontam novamente para o Cristo. Rafael usou este
recurso para captura e controle de seu público alvo.
Figura 6: Processo construtivo na arte de Rafael (imagem gerada pelo autor)
Como o artista imprimiu este controle geométrico em sua obra? O diagrama de Turner
nos aponta um caminho. Como observado na figura 1, identifica-se um grande
triângulo isósceles que é formado por outros dois triângulos retos menores, alinhados
segundo o eixo vertical principal. Esses triângulos estão na proporção áurea e suas
subdivisões também são formadas por triângulos nesta proporção. Porém, seria
possível encontrar uma relação de seção áurea nas duas cenas? A primeira cena
apresenta um possível problema. O personagem principal da primeira cena é o
mancebo, que está em posição vertical. Nenhuma parte de seu corpo parece sugerir
inicialmente a existência de linhas diagonais imaginárias nas quais possamos encaixar
um triângulo de seção áurea segundo a ordem prevista por Turner. No entanto, Alberti
(1485, apud HAUSER, 1972) afirma que esta obra é constituída de tal maneira que é
impossível tirar-lhe ou acrescentar-lhe algo sem desequilibrar sua beleza. Então, deve
existir uma relação geométrica correspondente entre as cenas. Este é um indício de
que talvez seja necessário identificar outro modelo de malha, e não o de Turner. Na
figura 2, verificamos que esta imagem é muito mais densa de elementos pictóricos do
que Turner ilustra. Teria o pintor organizado o posicionamento de outros elementos
presentes na imagem, ou focou apenas nos personagens principais? Se a resposta for
positiva, como Rafael desenvolveu esta estrutura? O que percebemos, ao analisar a
tela de Rafael, é que parece existir um outro padrão de linhas oblíquas simétricas e
alinhadas segundo o eixo vertical horizontal. Este padrão pode ser identificado na
imagem e forma um sistema de rede denso que define o posicionamento de cada
elemento pictórico na pintura, ou seja, Rafael desenvolveu uma mancha gráfica em
sistema de redes em 1520. A rede encontrada na tela apresenta certo conjunto de
propriedades como descritas por Wong (2010). Entre elas, a rotação, a reflexão e a
simetria com relação ao eixo vertical. Ao verificarmos as proporções das áreas
formadas pelo padrão desenvolvido, identificamos que cada célula da rede estava na
proporção áurea. Podemos observar seu sistema de malhas na figura 7 a seguir.
Figura 7: Sistema de rede identificado em A Transfiguração (imagem gerada pelo autor)
Verificamos que o quadril da moça de amarelo, posicionada à direita apontando para o
mancebo, alinha-se com o olho direito no rosto do homem entre a moça e o mancebo,
e o eixo médio do rosto do mancebo se alinha com o olho esquerdo do outro
personagem que segura-o por traz. Encontraremos simetricamente no eixo esquerdo,
alinhamentos da mesma natureza compondo a rede. Podemos seguir com este
detalhamento, identificando cada elemento que compõe a figura. Existiria uma relação
geométrica entre a rede descrita no presente estudo e o diagrama de Turner?
Figura 8: Relação entre o diagrama de Turner e a rede proposta (imagem gerada pelo autor)
A figura 8 apresenta a sobreposição do diagrama de Turner na rede áurea proposta. O
total acoplamento nas duas abordagens ocorre porque nosso achado é um
desdobramento do diagrama de Turner. Ao se fragmentar o espaço em triângulos
áureos cada vez menores continuamente, desenvolve-se uma rede que se sobrepõe à
proposta deste artigo. Tal associação evidencia a busca por organizar a
correspondência entre as duas cenas. Como já vimos, esta obra é carregada
significados nos elementos gráficos, nos levando a questionar se o sistema de
rede aqui demonstrado não levantaria outras possibilidades presentes.
Podemos verificar que é possível traçar eixos verticais e horizontais sobre a
representação de Cristo, compondo uma cruz áurea como mostra a figura 9.
Figura 9: a presença de uma cruz áurea (imagem gerada pelo autor)
A proporção áurea traz uma carga cultural histórica de relação com o Sagrado, com o
Divino. A presença deste signo na estrutura de geometrização é significativamente
simbólica, aliando o Sagrado à imagem de Cristo através de um recurso geométrico:
Para que os templos fossem magnificentes, deveriam ser construídos tendo por base a analogia do corpo humano bem formado, no qual existe uma harmonia perfeita entre as partes. Vitruvius Apud DOCZI (1981).
Esta harmonia perfeita com base a seção áurea, resulta na sobreposição do Homem
Vitruviano sobre a Transfiguração de Rafael?
Figura 10: Sobreposição do Homem Vitruviano na rede proposta (imagem gerada pelo autor)
Eis o signo de religiosidade em Rafael, influenciado por Da Vinci: O Cristo soberano e
sua subjetiva cruz áurea (que é latente), signo do próprio Redentor e da harmônica
perfeição anatômica, cujo Corpo deveria ser representado proporcional e perfeito.
6 Conclusão
Constatar a presença de um sistema de redes no trabalho de Rafael Sanzio e suas
conexões simbólicas implica em algo mais do que mero achado técnico pois implica no
desdobramento de nossa discussão: Rafael Sanzio possuía uma metodologia
sofisticada conduzindo o comportamento humano, o que aponta claramente ao
desenvolvimento de um projeto de expressão gráfica sofisticada para sua época.
Identificamos uma metodologia na qual se manifesta o intencional e o científico no ato
criativo de organizar o caos, onde a arte pela arte não é o foco, mas cede lugar a
estruturação e a integração das partes para compor o todo, num planejamento
consciente por meio da expressão das imagens graficamente representadas.
Referências
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Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1982.
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HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Editora Mestre Jou,
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MORAES, A. Ergonomia Informacional: Avisos, Advertências e Projeto
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