desenvolvimento psicomotor e lingüístico da criança de 0 a 3 … borges da silva.pdf · a...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE
Desenvolvimento Psicomotor e Lingüístico da Criança de 0 a 3 anos
Samantha Borges da Silva
Rio de Janeiro, janeiro de 2003.
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Desenvolvimento Psicomotor e Lingüístico da Criança de 0 a 3 anos
Samantha Borges da Silva
Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Psicomotricidade.
Rio de Janeiro, janeiro de 2003.
Aos meus pais, meu noivo, meus irmãos e sobrinha pelo incentivo e paciência durante este curso. E por sempre acreditarem que sou capaz.
ii
Aqui ficam registrados meus sinceros agradecimentos a Deus que é tudo na vida. A Fátima Alves que além de mestre e supervisora, foi amiga. A todos os clientes que através de suas necessidades, contribuíram para que eu procurasse saber cada vez mais.
iii
Resumo
O processo de desenvolvimento da criança se dá através da união de
movimento e linguagem. Estes caminham lado a lado para o progresso psicomotor e
lingüístico do indivíduo. O movimento, assim como o exercício é de fundamental
importância no desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança, já que é o
exercício físico que fortalece os músculos e ossos. Estimula a respiração e a
circulação, de modo que, nutre as células e promove a eliminação de dendritos
celulares. O movimento permite à criança explorar o mundo através de experiências
concretas, onde ela desenvolve a consciência de si mesma e do mundo exterior, além
de construir noções básicas para o desenvolvimento intelectual. No processo de
desenvolvimento verbal pode-se observar que as etapas que envolvem a compreensão
são anteriores às etapas que envolvem a expressão. Assim as crianças inicialmente
compreendem o que os pais falam para depois expressarem-se oralmente, e
primeiramente, compreendem a palavra impressa (leitura) para posteriormente
expressarem-se através da escrita.
Sumário
Resumo .......................................................................................................................... 1 Introdução .......................................................................................................................2 Cap. 1 – Psicomotricidade e Áreas Psicomotoras ..........................................................4
1.1 – Psicomotricidade .......................................................................................4
1.2-Áreas Psicomotoras ......................................................................................5 1.2.1 – Conhecimento corporal ..........................................................................5 1.2.1.1 – Corpo vivido ou conceito corporal ......................................................6 1.2.1.2 – Imagem corporal ..................................................................................7 1.2.1.3 – Esquema corporal.................................................................................8 1.2.2 – Lateralidade ............................................................................................8 1.2.3 – Orientação .............................................................................................10 1.2.3.1 – Estrutura espacial ...............................................................................10 1.2.3.2 – Estrutura temporal .............................................................................12 1.2.3.2.1 – Simultaneidade ...............................................................................14 1.2.3.2.2 –Ordem e seqüência ..........................................................................15 1.2.3.2.3 – Duração dos intervalos ...................................................................15 1.2.3.2.4 – Renovação cíclica de certos períodos .............................................16 1.2.3.2.5 – Ritmo ..............................................................................................16 1.2.4 Coordenação ............................................................................................18 1.2.4.1 – Coordenação global ...........................................................................18 1.2.4.2 – Coordenação fina e óculo- manual ....................................................19 1.2.5 – Percepção ..............................................................................................20 1.2.6 – Atenção .................................................................................................22 1.2.7 – Raciocínio e Compreensão ...................................................................22 1.2.8 – Memória ...............................................................................................25 1.2.8.1 – Memória visual ..................................................................................25 1.2.8.2 – Memória auditiva ...............................................................................26 1.2.8.3 – Memória visomotora .........................................................................27 1.2.9 – Habilidades conceituais ........................................................................27 1.2.9.1 – Pré-escrita ..........................................................................................27 1.2.9.2 – Grafismo ............................................................................................28 Cap.2 – Linguagem e Áreas da linguagem .......................................................29 2.1 – Linguagem ...............................................................................................29 2.2 - Áreas da linguagem ..................................................................................31
2.2.1– Período pré- lingüístico .....................................................................................31
2.2.2 – Período lingüístico ................................................................................32 2.2.2.1 – Monossílabo intencional ....................................................................32 2.2.2.2 – Palavra- frase .....................................................................................33 2.2.2.3 – Palavra- justaposta .............................................................................33 2.2.2.4 – Frase simples .....................................................................................33 2.2.3 – Fala .......................................................................................................34 2.2.3.1 – Sistema receptor da fala .....................................................................35 2.2.3.1.1 – Sistema receptor auditivo da fala ...................................................35 2.2.3.1.2 – Sistema receptor visual da fala .......................................................35 2.2.3.1.3 – Sistema receptor tátil- cinestésico ..................................................35 2.2.3.2.- Sistema transmissor da fala ................................................................36 2.2.3.2.1 – Sistema transmissor aferente ..........................................................36 2.2.3.2.2 – Sistema transmissor eferente ..........................................................36 2.2.3.3 – Sistema integrador de ordem inferior ................................................37 2.2.3.3.1 – Sistema integrador de ordem inferior aferente ...............................37 2.2.3.3.2 – Sistema integrador de ordem inferior eferente ...............................37 2.2.3.4 – Sistema integrador de ordem superior ...............................................37 2.2.3.5 – Sistema efetor da fala ........................................................................38 2.2.3.5.1 – Sistema efetor respiratório da fala ..................................................38 2.2.3.5.2 – Sistema efetor fonatório ressonador ...............................................38 2.2.3.5.3 – Sistema efetor articulatório .............................................................38 2.2.3.6 – Sistema sensor da fala .......................................................................39 2.2.3.6.1 – Sistema sensor auditivo ..................................................................39 2.2.3.6.2 – Sistema sensor tátil- cinestésico .....................................................39 2.2.3.6.3 – Sistema sensor visual ......................................................................39 2.2.4 – Leitura ...................................................................................................39
2.2.5 – Escrita ...................................................................................................40
Cap. 3 – Desenvolvimento da Criança de 0 a 3 anos .......................................44
3.1 – Segundo Maria Goretti L. B. Bensusan e Maria Tereza V. Miranda ......44 3.2 – Segundo Arnold Gesell ............................................................................49 3.2.1 – Fases e idades ..................................................................................... 49 3.2.2 – O entretenimento e os ciclos de desenvolvimento ...............................53 3.2.3 – O complexo de crescimento .................................................................58 3.2.3.1 – O sono ................................................................................................58 3.2.3.1.1 – A fase do despertar .........................................................................59 3.2.3.1.2 – A fase da consolidação ...................................................................60
3.2.3.1.3 – Desprendimento no sono ( adormecer) ...........................................61 3.2.3.2 – Dificuldades e desvios .......................................................................62 3.2.3.3 – Alimentação .......................................................................................62 3.2.3.3.1 – Apetite ............................................................................................63 3.2.3.3.2 – Retenção .........................................................................................64 3.2.3.3.3 – Auto ajuda e aculturação ................................................................65 3.2.3.4 – Controle do intestino .........................................................................67 3.2.3.5 – Controle da bexiga .............................................................................69 3.2.3.6 – Interesses pessoais e sexuais .............................................................72 3.2.3.7 – Atividade individual, sociabilidade e autodependência ....................74 Anexo ...............................................................................................................78
Conclusão .........................................................................................................83
Bibliografia .......................................................................................................85
Introdução
No decorrer do desenvolvimento da criança é necessário que haja
harmonização dos esquemas de ação, que inicialmente são apenas reflexos. Mas é
através deles que vão originando os movimentos que aos poucos se tornam mais
complexos, fazendo assim uma inter-relação com as funções sensoriais, motoras,
afetivas e intelectuais, onde uma depende da outra.
A organização motora se dá através do padrão flexor do bebê. Geralmente sua
atitude é simétrica, com membros fletidos e mãos fechadas. Através de estímulos
oferecidos o bebê desenvolve a sua motricidade de forma mais rápida.
A manifestação do desenvolvimento motor se dá inicialmente com o rolar,
passa para o arrastar e engatinhar, até a criança ter condições de ficar em pé, ter o
equilíbrio necessário para andar e correr.
O desenvolvimento da linguagem se inicia com o choro que é a sua forma de
comunicação, mostrando que algo lhe causa desprazer. Porém com o tempo ela
aprende que assim pode comandar o ambiente a sua volta.
Surgem as primeiras vocalizações que são espontâneas, mesmo em crianças
com deficiência auditiva, que não têm estímulo da linguagem, a realizam. Para as
crianças ouvintes é apenas uma experimentação do som.
Com estímulos a criança no sexto mês inicia sua vocalização intencional, ela
quer fazer parte dos assuntos domésticos. Mas só aos doze meses que ela consegue
compreender melhor o que os adultos dizem. Apesar de falar pouco. É quando faz
muitos gestos com a mão e com a cabeça (não, beijo, tchau).
Aos dois anos seu vocabulário se amplia e ela se perde nas palavras. Fala
rápido pois quer falar tudo o que está aprendendo. Somente aos três anos sua
linguagem se encontra bem organizada, a criança faz uso de frases. Consegue definir
mentalmente o que quer dizer ou fazer. E o realiza com prazer.
É preciso respeitar a individualidade de cada ser, mesmo quando criança. Neste
trabalho, o tempo todo é estipulado idade para cada etapa do desenvolvimento. Mas é
preciso identificar, a precocidade ou prematuridade de atitudes, verificar os estímulos
oferecidos aquela criança e até sua alimentação. Pois tudo isso pode interferir no
processo de desenvolvimento psicomotor e lingüístico de uma criança.
Cap. 1 – Psicomotricidade e Áreas Psicomotoras
1.1 - Psicomotricidade
A psicomotricidade quer destacar a relação existente entre a motricidade, a
mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da criança por meio de uma
técnica. Técnica essa que é utilizada pelos mesmos caminhos, etapa por etapa, dos da
aprendizagem natural. Cada noção é abordada:
- Primeiro através de exercícios motores, isto é, exercícios em que o corpo se
desloca e o sujeito percebe as diferentes noções de maneira interna.
- Depois através de exercícios sensoriomotores, em virtude dos quais a
manipulação de objetos possibilita a percepção de diversas noções.
Evidentemente o tato é muito importante.
- Finalmente através de exercícios perceptomotores, em que as manipulações
são mais sutis e a percepção visual, muito importante, domina as outras
partes. Além disso esses exercícios possibilitam uma análise profunda das
funções intelectuais motoras tais como a análise perceptiva, a precisão da
representação mental, a determinação de pontos de referência.
Ainda no início deste século abordava- se este assunto apenas
excepcionalmente. Por ser a psicomotricidade um estudo recente, afirma-se pouco a
pouco em diversos aspectos sua evolução, que estão sempre voltando a se agrupar
Primeiramente em fase de pesquisa teórica fixaram-se sobretudo no
desenvolvimento motor e o atraso intelectual da criança. Seguindo nesta trajetória
passou-se a pesquisar sobre o desenvolvimento da habilidade manual e aptidões
motoras em função da idade.
Atualmente os estudos ultrapassam os problemas motores, pesquisa-se também
as ligações com a lateralidade, estruturação espacial e a orientação temporal por um
lado, por outro, as dificuldades escolares de crianças de inteligência normal. Faz
também com que se tome consciência das relações existentes entre o gesto e a
afetividade.
A psicomotricidade abrange áreas bem distintas:
- A formação do “eu”, da personalidade, isto é, o desenvolvimento do
esquema corporal, através do qual a criança toma consciência de seu corpo
e das possibilidades de expressar-se por meio desse corpo.
- A criança percebe que seus membros não reagem da mesma forma; por
exemplo pode pular em um só pé, com o esquerdo mas não com o direito: é
a dominância lateral.
- A maneira como a criança se localiza no espaço que a circunda e como
situa as coisas, umas em relação às outras: trata-se da estruturação espacial.
- A orientação temporal diz respeito à maneira como a criança se situa no
tempo.
- Como a criança se expressa também através do desenho, completa-se o
estudo com o domínio progressivo do desenho e do grafismo.
É fundamental que essas áreas da psicomotricidade tenham suas ordens
respeitadas, pois não se pode trabalhar a estruturação espacial sem ter atingido uma
determinada fase do esquema corporal.
1.2 - Áreas Psicomotoras
1.2.1 - Conhecimento corporal
É um elemento básico indispensável para a formação da personalidade da criança.
É a representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem do
próprio corpo.
A criança percebe a si, aos seres e coisas que a cercam, em função de sua pessoa.
Sua personalidade será desenvolvida devido a uma progressiva tomada de consciência
de seu corpo, do seu ser, de suas possibilidades de agir e de transformar o mundo a sua
volta.
A partir do momento que a criança percebe que seu corpo lhe obedece, ela
consegue fazer com que ele aja, se movimente e passa a conhecê- lo, utilizando-o
melhor.
Podemos considerar como duas fases de um mesmo fenômeno:
- O conhecimento de seu corpo, a unidade de suas diferentes partes e a
possibilidade de agir;
- A facilidade ou dificuldade do ser em reconhecer-se, aceitar-se e
responsabilizar-se por si.
Essas duas fases podem ainda se subdividirem em:
1.2.1.1 - Corpo vivido ou conceito corporal
O conceito corporal envolve um conhecimento intelectual e consciente do
corpo e também da função de seus órgãos.
A criança aprende os conceitos e as palavras correspondentes aos diferentes
segmentos e às diversas regiões do corpo bem como suas funções. A este respeito,
afirma: “Estes conceitos não fazem parte da experiência propriamente dita, são
entidades abstratas mais do que processos perceptivo ou afetivo. Mas a existência de
tais conceitos influencia, certamente, a experiência corporal.” (Vayer,1982:31)
A nominação das partes do corpo, como diz Ajuriaguerra (1980), confirma o
que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite verbalizar (por um mecanismo
de redução) aquilo que é vivenciado.
Nesta primeira etapa a criança utiliza exercícios motores para brincar com
jogos, que são exercícios de atividades espontâneas. Ela utiliza seus brinquedos para
uma atividade integrada. Onde responderá a dados verbais como: Ande!... Corra!...
Pule!..., a sensações como de equilíbrio, parada... e uma representação nítida como:
andar de quatro e de cócoras. (vide anexo) O objetivo da psicomotricidade é de levar a
criança a dominar seus movimentos e a perceber seu corpo globalmente, constituindo
um todo.
1.2.1.2 - Imagem corporal
A imagem corporal é a representação mental do corpo e não constituí uma
mera percepção, mas uma integração de diferentes gestalten, uma biológica e uma
gestalten em contínua modificação como participante da imagem corporal.
Após a percepção global do corpo, vem a etapa da tomada de consciência de
cada segmento corporal. Esta se realiza de forma interna (sentindo cada parte do
corpo) e externa (vendo cada segmento em um espelho, em uma outra criança ou em
uma figura).
Morais (1986) e Santos (1987) definem imagem corporal como uma impressão
que se tem de si mesmo, subjetivamente, baseada em percepções internas e externas
(exemplo: altura, peso, força muscular) e no confronto com outras pessoas do próprio
meio social. E Defontaine (1980) compara a imagem corporal a um conhecimento
geográfico que uma criança possa ter, através da interiorização, ela torna-se capaz de
se situar.
A criança situa todos os segmentos, um em relação ao outro, a fim de
identificar a imagem corporal, deve também conseguir apontar, nomear e localizar as
partes do corpo.
1.2.1.3 - Esquema corporal
A expressão esquema corporal nasceu em 1911 com o neurologista Henry
Head, tendo um cunho essencialmente neurológico. Segundo ele o córtex cerebral
recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais,
auditivas e de imagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um
modelo e um esquema de seu corpo e de suas posturas. Head ainda afirma que o
esquema corporal armazena não só as impressões presentes como também as passadas.
O esquema corporal não é um conceito aprendido, que se possa ensinar. Ele se
organiza pela experienciação do corpo da criança. É uma construção mental que a
criança realiza gradualmente, de acordo com o uso que faz de seu corpo. É uma síntese
de sua experiência corporal.
Para o desenvolvimento do esquema corporal é necessário identificar,
reconhecer, localizar e conhecer as funções de todas as partes do corpo. São
igualmente importantes:
- Aplicar os conceitos espaciais (que envolvem a noção de onde) e temporais
(que envolvem a noção de quando), no próprio corpo, no dos outros, no de
bonecos ou em desenhos de pessoas;
- Perceber e reproduzir movimentos e ritmos, com partes do corpo;
- Manter o equilíbrio estático, reproduzindo e mantendo posições;
- Expressar com o corpo diversos sentimentos;
- Realizar movimentos complexos e diferenciados;
- Dissociar movimentos, com vários segmentos corporais, e outros.
1.2.2 - Lateralidade
A lateralidade é a propensão que o ser humano possuí ao utilizar
preferencialmente mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: mão, olho e
pé. Isto significa que existe um predomínio motor, ou melhor, uma dominância de um
dos lados. O lado dominante apresenta maior força muscular, mais precisão e mais
rapidez. É ele que inicia e executa a ação principal. O outro lado auxilia esta ação e é
igualmente importante. Na realidade os dois não funcionam isoladamente, mas de
forma complementar.
A dominância ocular pode ser percebida quando por exemplo ao perfurar-se
um cartão, pede-se para a criança observar um objeto qualquer à sua frente através do
buraco; quando é pedido que olhe por um caleidoscópio ou um buraco de fechadura. É
preciso tomar muito cuidado ao afirmarmos qual é a dominância ocular, pois, às vezes,
um problema no olho pode mascarar essa percepção.
A dominância dos membros inferiores pode ser observada quando a criança
brinca de jogos infantis, no qual se exige pular com um pé só e depois com o outro.
Assim verifica-se qual o lado que teve mais facilidade, isto é, qual apresentou mais
precisão, mais força, mais rapidez e também equilíbrio. Também pode ser pedido que
a criança chute uma bola em um determinado alvo, que faça um desenho na areia com
os dedos do pé, que arraste com um pé um objeto até um lugar preestabelecido.
Guillarme (1983) “introduz aqui o conceito de prevalência e faz uma distinção
entre este termo – que para ele significa a freqüência de utilização de um lado, com
suas implicações psicológicas e sociais – e o termo dominância- com implicações
orgânicas e significando a relação existente entre esta utilização preferencial e o
predomínio de um hemisfério cerebral.” (Guillarme,1983: 143).
Se uma pessoa tiver a mesma dominância nos três níveis – mão, olho e pé – do
lado direito, diremos que é destra homogênea; e canhota ou sinistra homogênea, se for
do lado esquerdo. Se ela possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, isto
é, executar os mesmos movimentos tanto com um lado como com o outro, o que não é
muito comum, é chamada de ambidestra.
Podem ocorrer, entretanto, alguns casos em que a criança contrarie essa
tendência natural e passe a utilizar a mão não- dominante em em detrenimento da
dominante. Diremos que tem lateralidade cruzada, quando usa a mão direita, o olho e
o pé esquerdos ou qualquer outra combinação. Desta maneira, a pessoa pode
apresentar destralidade contrariada (um destro usando a mão esquerda) e sinistralidade
contrariada (um sinistro usando a mão direita).
São diversos os motivos que ocasionam um desvio da lateralidade. Por
exemplo: um acidente que provoque uma amputação ou uma paralisia no lado
dominante faz com que a pessoa passe a usar o outro lado. É chamado de falsa
sinistralidade, conforme o caso.
Podem ocorrer, também, casos em que esta mudança de prevalência manual
modifique-se por motivo de identificação com alguém ou por imposição dos pais ou
professores ou por motivo afetivo ou por qualquer outro.
Este assunto de lateralidade, desvio da escolha da mão, mudança de
prevalência remete-nos a um outro que tem causado muita polêmica entre os diversos
pesquisadores do assunto. É o problema das teorias e hipóteses que explicam o porquê
da preferência, pelo indivíduo, de um lado do corpo em relação ao outro.
1.2.3 - Orientação
A orientação se divide em estruturação temporal e espacial, que são
importantíssimas no processo da adaptação do indivíduo ao ambiente. A orientação
espaçotemporal corresponde à organização intelectual do meio e está ligada à
consciência, a memória e as experiências vivenciadas pelo indivíduo.
1.2.3.1 - Estruturação Espacial
A estruturação espacial é essencial para que se viva em sociedade. É através do
espaço e das relações espaciais que situa-se no meio em que se vive, em que se
estabelece relações entre as coisas, em que se faz observações, comparando-as,
combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas. Nesta comparação entre
os objetos é constatado as suas características comuns (e as não comuns também).
Através de um verdadeiro trabalho mental, é selecionado e comparado os diferentes
objetos além de extraídos, agrupados, classificados os fatores comuns e assim chega-
se aos conceitos destes objetos e às categorizações. Kephart (1986) afirma é esta
formação de categorias que leva à generalização e à abstração.
A aritimética lida com fenômeno do agrupamento e para isto é necessário que
tenha sido desenvolvida a noção espacial, visto que os objetos só existem dentro de
um espaço determinado.
A estruturação espacial não nasce com o indivíduo. Ela é uma elaboração e
uma construção mental que se opera através de seus movimentos em relação aos
objetos que estão em seu meio.
Fonseca (1988), Por sua vez, vê o espaço bucal como o primeiro com que a
criança se defronta. A boca é o espaço mais próximo dos braços e é, portanto, o
primeiro objeto de exploração, pois a sensação e movimento nesta fase estão
intimamente ligados.
A verbalização que auxiliará na designação dos objetos constitui um fator
muito importante para a organização da vivência do espaço e, também, para um
melhor conhecimento das diferentes partes do corpo e de suas posições. Segundo Le
Boulch (1984 a): Todo objeto, desde o momento em que ele é nomeado, faz o papel de
organizador do espaço que o rodeia. Para ele, a primeira orientação da criança é em
relação à posição dos objetos familiares descobertos através da experiência vivida.
Para que uma criança perceba a posição dos objetos no espaço, precisa,
primeiramente, ter uma boa imagem corporal, pois usa seu corpo como ponto de
referência. Ela se organiza quando possui um domínio de seu corpo no espaço. Isto
significa que ela aprende o espaço através de sua movimentação e é a partir de si
mesma que ela se situa em relação ao mundo circundante. Numa verdadeira
exploração motora inicial, ela necessita pegar os objetos, manuseá- los, jogá- los,
agarrá- los, lançá- los para a frente, para trás, para dentro e fora de determinado lugar.
Para a criança assimilar os conceitos espaciais precisa, também, ter uma
lateralidade bem definida, o que se dá por volta de seis anos. Ela torna-se capaz de
diferenciar os dois lados de seu eixo corporal e consegue verbalizar este
conhecimento, sem o que fica difícil distinguir posições, que os objetos ocupam no
espaço.
É através de uma experimentação pessoal, então, que estes conceitos de direita
e esquerda passam a ter um sentido e um valor para ela. Ao assimilá- los estará
preparada para perceber, comparar e assimilar os conceitos relacionados com outras
posições como à frente, atrás, acima, abaixo. Neste momento, a verbalização é
fundamental para vivenciar melhor o domínio das noções de orientação.
Ela aprende também as noções de situações (através de conceitos como dentro,
fora, no alto, abaixo, longe, perto); de tamanho (através dos conceitos de grosso, fino,
grande, pequeno, estreito, largo); de posição (por meio das noções de pé, deitado,
sentado, ajoelhado, agachado, inclinado); de movimento (através dos conceitos de
levantar, abaixar, empurrar, puxar, dobrar, estender, girar, rolar, cair, levantar, subir,
descer); de formas (conceito de cheio, vazio, pouco, muito, inteiro, metade); de
superfícies e de volumes.
Ao aprender estes conceitos, diz-se que ela atingiu a etapa da orientação
espacial. Isto significa que a criança tem acesso a um “espaço orientado a partir de seu
próprio corpo multiplicando suas possibilidades de ações eficazes.”(Le Boulch, 1984
a).
1.2.3.2 - Estruturação Temporal
Não se pode conceber a idéia de espaço sem abordar a noção de tempo. Eles
são indissociáveis. A este respeito Piaget (1997) declara: “O tempo é a coordenação
dos movimentos: quer se trate físicos ou movimentos no espaço, quer se trate destes
movimentos internos que são ações simplesmente esboçadas, antecipadas ou
reconstituídas pela memória mas cujo desfecho e objetivo final é também espacial...”
(Piaget apud Gislene de Oliveira, 1997: 59).
Da mesma forma que a palavra escrita exige que se tenha uma orientação no
papel, através das linhas e do espaço próprio para ela, a palavra falada exige que se
emitam palavras de uma forma ordenada e sucessiva, uma atrás da outra, obedecendo
um certo ritmo e dentro de um tempo determinado.
A leitura exige uma percepção temporal e um simbolismo que Defontaine
(1980) explica: “A leitura exige, também, a passagem a um simbolismo, isto é, à visão
das formas associadas a um som, e, enfim, a sincronização da leitura com os
movimentos dos olhos e uma linguagem interior (mental) em coordenação com a
respiração para a leitura em voz alta. Tudo isto pede, pois, um outro número de
atitudes ao nível da percepção temporal.” (Defontaine,1980:144).
Para uma criança aprender a ler, é necessário que possua domínio do ritmo,
uma sucessão de sons no tempo, uma memorização auditiva, uma diferenciação de
sons, um reconhecimento das freqüências e da duração dos sons das palavras.
Um indivíduo deve ter capacidade para lidar com conceitos de ontem, hoje e
amanhã. Uma criança pequena não consegue extrapolar suas ações para o passado ou o
futuro. O seu presente é o que está vivenciando. Os acontecimentos passados
normalmente se encontram enevoados e entrelaçados com as noções de presente. Ela
percebe as seqüências dos acontecimentos.
É a orientação temporal que lhe garantirá uma experiência de localização dos
acontecimentos passados, e uma capacidade de projetar-se para o futuro, fazendo
planos e decidindo sobre sua vida.
Segundo Kephart (1986): “a dimensão temporal não só deve auxiliar na
localização de um acontecimento no tempo, como também proporcionar a preservação
das relações entre os fatos no tempo.” (Kephart, 1986:144).
De início a criança vivência seu corpo, tentando conseguir harmonia em seus
movimentos. Mas este corpo não existe isolado no espaço e no tempo e a criança vai,
pouco a pouco, captando essas noções. Esta etapa é caracterizada pela aquisição dos
elementos básicos. Seus gestos e seus movimentos vão se ajustando ao tempo e ao
espaço exteriores. Depois desta fase, vai assimilando também os conceitos que lhe
permitirão se movimentar livremente neste espaço- tempo. Assimilará noções de
velocidade e duração próprias a seu dia-a-dia.
Numa etapa posterior, ela passa a tomar consciência das relações no tempo. Irá
trabalhar as noções e relações de ordem, sucessão, duração e alternância entre objetos
e ações. Irá perceber as noções dos momentos do tempo, por exemplo, o instante, o
momento exato, a simultaneidade e a sucessão.
A partir desta fase, então, ela começa a organizar e coordenar as relações
temporais. Pela representação mental dos momentos do tempo e suas relações, ela
atinge uma maior orientação temporal e adquire a capacidade de trabalhar ao nível
simbólico. Ela terá, então, maiores condições de realizar as associações e
transposições necessárias aos ensinamentos escolares, principalmente em relação à
leitura, à escrita, e à matemática.
Os principais conceitos que as crianças devem adquirir são:
1.2.3.2.1 - Simultaneidade
A simultaneidade é vivenciada inicialmente através do movimento, de forma
motora. Muitas das nossas atividades requerem atividades simultâneas. São
movimentos que, para serem realizados, têm que aparecer juntos. Kephart (1986) dá
como exemplo “um bebê que move seus braços e pernas ao mesmo tempo. Depois,
passa a se movimentar mais ou menos de forma alternada e, em seguida, seqüenciada.”
(Id, 1986:144) É exatamente ao relacionar seus movimentos juntos e seqüenciados, um
após o outro, que uma criança desenvolve o conceito de simultaneidade.
A simultaneidade requer, então, para sua realização, que a pessoa possua uma
boa coordenação (salvo o bebê, que exatamente por sua falta de coordenação e de
maturidade física, apresenta muitos movimentos juntos. Quando chora, seu corpo todo
está se movimentando).
1.2.3.2.2 - Ordem e Seqüência
Da mesma forma Kephart (1986) denomina a seqüência como a “disposição
dos acontecimentos em uma escala temporal, de modo que as relações de tempo e a
ordem dos acontecimentos evidenciem-se.” (Id, 1986:148). As atividades cotidianas
requerem uma sucessão de movimentos. Para uma criança conseguir colocar em
ordem cronológica suas ações do dia- a- dia precisa ter noção de antes e depois, da
ordem em que seus gestos podem ser realizados (por exemplo: Antes de dormir,
escovar os dentes; primeiro realiza uma tarefa, depois outra.).
Uma criança pequena tem condições de perceber a ordem e a seqüência de
acontecimentos, mas só aos cinco anos adquire a noção de seqüência lógica. Uma das
maneiras de verificação desse fato pode ser a apresentação às crianças de diversos
momentos de um desenho e pedir para colocarem na ordem em que o desenhista
pintou. Como exemplo Meur e Staes (1989) relatam Uma flor com suas pétalas, seu
caule, suas folhas e perguntam Qual foi a seqüência pintada.
Uma pessoa precisa, adquirir a noção de escala temporal para assimilar as
noções de seqüência.
1.2.3.2.3 - Duração dos Intervalos
Os fenômenos que acontecem no tempo apresentam uma certa duração – tempo
curto e tempo longo – e envolvem as noções de hora, minuto e segundo, isto é, o
tempo decorrido.
Uma criança pequena vive o que se chama de tempo subjetivo. Isto significa
que o tempo é determinado pela sua própria impressão e emotividade. Uma atividade
que lhe dá prazer terá um tempo menor e passará mais rapidamente (pois ela não verá
o tempo passar), do que uma que lhe seja desagradável (que transcorrerá lentamente e
terá um caráter interminável). Os adultos também vivem este tempo subjetivo quando
assistem a uma palestra monótona e sem sentido, ou quando estão em uma reunião
agradável. Entretanto, não perdem de vista o outro tempo, o tempo matemático,
sempre idêntico representado pelo tempo objetivo. Este tempo é fundamental para uma
maior organização do mundo em que se vive.
Orientar-se no tempo, portanto, torna-se fundamental na vida cotidiana, pois a
maioria de nossas atividades são controladas por ele. A criança caminha para esta
noção de tempo objetivo, e os adultos devem auxiliá-la nisto.
1.2.3.2.4 - Renovação Cíclica de Certos Períodos
É a percepção de que o tempo é determinado por dias (manhã, tarde e noite),
semanas, estações. De início, se faz junto com a criança as associações, por exemplo,
com as estações do ano: Que roupa de ser usada no inverno? E no verão?
1.2.3.2.5 - Ritmo
O ritmo é um dos conceitos mais importantes da orientação temporal. Ele não
envolve, porém, somente as noções de tempo, mas está ligado ao espaço também. A
combinação dos dois dá origem ao movimento. Defontaine (1986) diz “O ritmo não é
movimento, mas o movimento é meio de expressão do ritmo.” (Defontaine,1986:206)
É por isso que se diz que o ritmo deve ser vivido corporalmente.
Toda criança tem um ritmo natural, espontâneo. Segundo Aristow Journoud
(1974), “mesmo no nascimento, a criança é sensível ao ritmo do berço, da melodia
cantada por sua mãe. Seu grito e suas manifestações são ritmadas. Tem horas de
repouso e horas de impulsos e se manifesta através delas.” (Aristow Journoud,
1974:10).
Para Defontaine (1986), o homem se insere no tempo segundo sua realidade
psicossomática. Isto significa dizer que os fenômenos auditivos, táteis, visuais,
biológicos, cinestésicos estão constantemente interferindo em sua percepção de tempo.
Como foi afirmado anteriormente, existe um relógio corporal do qual normalmente
não se tem conhecimento. As células e as substâncias químicas do organismo humano
trabalham com precisão, dentro de um determinado ritmo. Possuem também um ritmo
endógeno, auto-mantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou
estímulo externo. O que pode ser observado quando se escuta os ruídos, as vibrações,
os timbres, quando se vê as cores, e sente-se as ondas sonoras, a interioridade do
organismo, o ritmo interno entrará em consonância ou reagirá a esses sons e deve-se
tentar transformar, aceitar ou mudar a ordem e a intensidade deles. Assim se mede o
tempo preferido por cada um.
O ritmo motor está ligado ao movimento do organismo que se realiza em um
intervalo de tempo constante. Andar, nadar, correr são exemplos de ritmos motores. É
uma condição necessária que a criança possua anteriormente uma coordenação global
dos movimentos para que estes se tornem ritmados.
O ritmo auditivo normalmente é trabalhado em associação com algum
movimento. Muitas crianças não percebem os ritmos auditivos a não ser que estejam
realmente unidos ao componente motor. Por esta razão as escolas associam os dois e
pedem para as crianças cantarem, dançarem, tocarem alguns instrumentos.
O ritmo visual envolve a exploração sistemática de um ambiente visual muito
amplo para ser incluído no campo visual em uma só fixação. A criança precisa
desenvolver uma transferência espaço-temporal .É necessário que possua uma certa
organização de ritmo. Muitas vezes, seus olhos não lêem com ritmo constante, isto é,
uma palavra atrás da outra. Eles se fixam em um determinado ponto e não
acompanham a fluidez do texto, não percebem a sucessão de elementos gráficos
contidos nele e que são traduzidos em elementos sonoros, comprometendo assim a
ritmicidade da leitura.
Na escrita, também verificamos o ritmo quando a criança respeita os espaços
entre as palavras e quando consegue ordenar as letras dentro da palavra e as palavras
nas frases. Uma letra deve suceder a outra. A pontuação e a entonação que
acompanham uma leitura e uma escrita são conseqüências das nossas habilidades
rítmicas.
“O ritmo envolve, pois, a noção de ordem, de sucussão, de duração e de
alternância,” como dizem (De Meur e Staes, 1989:17)
1.2.4 - Coordenação
Para uma pessoa manipular os objetos de cultura em que vive precisa ter certas
habilidades que são essenciais. Ela precisa saber se movimentar no espaço com
desenvoltura, habilidade e equilíbrio, e ter o domínio do gesto e do instrumento
(coordenação fina). “Esses movimentos, desde o mais simples ao mais complexo, são
determinados pelas contrações musculares e controladas pelo sistema nervoso”
(Brandão, 1984:17). Dependem, portanto, da maturação do sistema nervoso.
1.2.4.1 - Coordenação Global
A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos. Depende
da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo. Este equilíbrio está subordinado às
sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da
experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando
um equilíbrio cada vez melhor. Conseqüentemente, vai coordenando seus
movimentos, vai se conscientizando de seu corpo e das posturas. Quanto maior o
equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenadas serão suas
ações.
A coordenação global e a experimentação levam a criança a adquirir a
dissociação de movimentos. Isto significa que ela deve ter condições de realizar
múltiplos movimentos ao mesmo tempo, cada membro realizando uma atividade
diferente, havendo uma conservação de unidade do gesto. Quando uma pessoa toca
piano, por exemplo, a mão direita executa a melodia, a esquerda o acompanha, o pé
direito a sustentação. São três movimentos diferentes que trabalham juntos para
conseguir uma mesma tarefa.
Diversas atividades levam à conscientização global do corpo, como andar, que
é um ato neuromuscular que requer equilíbrio e coordenação; correr, que requerer,
além destes, resistência e força muscular; e outras como saltar, rolar, pular, arrastar,
nadar, lançar, pegar, sentar.
Uma criança desde cedo pratica estas atividades e quando chega aos bancos
escolares já possui uma certa coordenação global de seus movimentos. Algumas
podem ainda apresentar dificuldades e o professor, antes de mais nada, deve levar em
conta essas possibilidades, avaliando as aquisições anteriores. Deve observar a relação
entre postura e controle do corpo, e se a criança apresenta cansaço ou uma realização
deficiente do movimento. Ele precisa, então, corrigir as posturas inadequadas com
paciência e dentro de um clima de segurança, para melhor auxiliá- la no sentido de
desenvolver uma coordenação mais satisfatória.
Esta experimentação do corpo leva ao esquema corporal.
1.2.4.2 - Coordenação Fina e Óculo-Manual
A coordenação fina diz respeito à habilidade e destreza manual e constituí um
aspecto particular da coordenação global. É preciso ter condições de desenvolver
formas diversas de pegar os diferentes objetos. Uma coordenação elaborada dos dedos
da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos. É através do ato de preensão que
a criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu meio ambiente. Brandão
(1984) analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para descoberta do mundo,
afirmando que “ela é um instrumento de ação a serviço da inteligência.”
(Brandão,1984:5).
Só possuir uma coordenação fina não é suficiente. É necessário que haja
também um controle ocular, isto é, a visão acompanhando os gestos da mão. Chama-se
a isto de coordenação óculo-manual ou viso-motora.
A coordenação óculo-manual se efetua com precisão sobre a base de um
domínio visual previamente estabelecido ligado aos gestos executados, facilitando,
assim, uma maior harmonia do movimento.
Para Ajuriaguerra (apud Condenarín e Chadwick, 1987), “o desenvolvimento
da escrita depende de diversos fatores: maturação geral do sistema nervoso,
desenvolvimento psicomotor geral em relação à tonicidade e coordenação dos
movimentos e desenvolvimento da motricidade fina dos dedos da mão.” (Ajuriaguerra,
1987: 71).
Um dos aspectos que a experimentação do corpo todo favorece é a
independência do braço em relação ao ombro, e a independência da mão e dos dedos,
fatores decisivos de precisão da coordenação visomotora. A escrita necessita desta
independência dos membros para se processar de maneira econômica, sem cansaço, e
para que o indivíduo consiga controlar a pressão sobre os dedos (tônus muscular).
Experiências dinâmicas de lançar-pegar também são muito importantes para a
escrita, pois facilitam a fixação da atividade entre o campo visual e a motricidade fina
da mão e dos dedos, provocando uma maior coordenação óculo-manual.
O ensino da escrita exige também uma certa coordenação global do ato de
sentar. A criança precisa adquirir uma postura correta para realizar os movimentos
gráficos no sentido de torná-la mais cômoda, mais relaxada. Além disso necessita
adquirir uma dissociação e controle dos movimentos. É fundamental que consiga
também controlar a pressão gráfica exercida sobre o lápis e o papel, para alcançar
maior destreza e conseqüentemente maior velocidade no movimento. Isto é facilitado
quando possuí uma lateralidade bem definida.
1.2.5 - Percepção
Entende-se por percepção o ato ou efeito de conhecer os objetos em suas
qualidades ou relações. O fenômeno perceptivo implica em integração de estímulos e
atribuição de significados aos mesmos, ou seja, em interpretações pessoais acerca dos
diferentes objetos.
A percepção é um fenômeno dinâmico. Seu desenvolvimento pressupõe
exercícios de discriminação visual, auditiva, gustativa, olfativa e tátil.
O desenvolvimento da percepção visual requer intervenção, particularmente
em:
- motilidade ocular (seguir trajetórias de objetos, por exemplo);
- discriminação de cores, formas, tamanhos, quantidades, direções, semelhanças e
diferenças;
- relações entre figura x fundo;
- organização perceptiva (espacial e temporal);
- análise e síntese (captar semelhanças, comparar, discriminar e reorganizar estímulos
visuais);
- categorização de estímulos visuais, e outros.
A percepção auditiva, dentre outras formas, pode ser estimulada com:
- captação e discriminação de estímulos auditivos (ruídos, sons, vozes);
- localização da fonte sonora;
- treinamento rítmico;
- reprodução de sons;
- discriminação de fonemas;
- análise e síntese (captar semelhanças e diferenças, comparar, discriminar e
reorganizar estímulos auditivos), e
- identificação de semelhanças e diferenças sonoras. (vide anexo)
Para desenvolver a percepção gustativa, sugere-se:
- reconhecer sabores doces, amargos, azedos, salgados;
- discriminar diferentes sabores e temperaturas de alimentos.
A percepção olfativa pode ser estimulada com atividades que facilitem:
- o reconhecimento e a discriminação de odores;
- a comparação de cheiros.
Para a percepção tátil propõe-se:
- o desenvolvimento da sensibilidade das mãos e dedos, por meio da manipulação e
tato de objetos, explorando suas formas, tamanhos, posições, volumes, quantidades,
temperaturas, texturas;
- análise e síntese (pela manipulação, captação de semelhanças e diferenças,
comparação, discriminação e reorganização de estímulos táteis);
- relação figura x fundo.
1.2.6 - Atenção
A atenção é um fenômeno não manifesto e subjetivo. Difícil de conceituar,
constitui-se no modo como a mente seleciona e fixa determinados estímulos por um
período de tempo variável, segundo a motivação e a fadiga do sujeito. A atenção
revela-se muito ligada à percepção e se exprime pela seleção de alguns estímulos
dentre os inúmeros que envolvem o indivíduo. Os autores, de modo geral, ao se
referirem à atenção, limitam-na aos aspectos seletivos e à vigilância.
Experimentos neurofisiológicos sugerem a existência de centros cerebrais para
a atenção, nos quais a estimulação sensorial é decodificada e integrada, mantendo-se a
consciência em vigilância, até que a atividade que motivou a concentração da atenção
se resolva, ou sobrevenha a fadiga.
O desenvolvimento da atenção pressupõe atividades que se desencadeiam por
força da motivação (motivo de ação) e que despertam o interesse das crianças. Sugere-
se não sobrecarregá-las com muitos estímulos, evitando-se o oposto à atenção seletiva,
que é a distração. Igualmente importante é o grau de complexidade das situações
estimuladoras. Tanto as muito simples, como as muito complexas, podem ocasionar
redução na capacidade atentiva que, por desinteresse ou ansiedade tornam a atenção
baixa e dispersa. Os jogos, em geral, costumam estimular a atenção alta e concentrada,
em qualquer criança. Recomenda-se, porém, não se exceder naqueles que exacerbam o
clima competitivo, gerador de ansiedades, particularmente quando se trata de crianças
com dificuldade de aprendizagem.
Com criatividade, podem-se organizar materiais estimulantes da atenção, sem
precisarem repetir (e de pouco adianta) seus veementes pedidos de atenção!
1.2.7 – Raciocínio e Compreensão
Entende-se por raciocínio as formas de pensar que envolvem a resolução de
problemas: coletando dados, levantando hipóteses, selecionando e testando-as.
Depreende-se por este conceito que raciocínio e pensamento estão intimamente
relacionados. O raciocínio, embora seja processo subjetivo, não visível, manifesta-se
oralmente ou por escrito, evidenciando o modo como o pensamento se organiza e
dependendo da compreensão adquirida.
O pensamento é uma forma cognitiva complexa que ocorre em estágios mais
avançados do desenvolvimento do indivíduo. Corresponde ao processo de dados
fornecidos pela atividade perceptiva, envolvendo uma série de etapas que culminam
com uma solução súbita para a situação problema. A isso se denomina insight, ou
resultado da brusca configuração de partes que, isoladas, mostravam-se sem sentido,
passando a tê- lo através da organização perceptiva, que permitiu o discernimento.
Em termos clássicos, o raciocínio distingue-se em dedutivo e indutivo. O
raciocínio dedutivo exprime-se por sistemas fechados, isto é, consiste de operações
com um número limitado de elementos, cujas propriedades são conhecidas desde o
início e não se alteram à medida que o pensamento evolui. Tem como campo próprio a
Lógica e a Matemática. O raciocínio indutivo, ao contrário, exprime-se por sistemas
abertos. Exige que o indivíduo se aventure em outras áreas, diferentes daquelas em
que a situação-problema se originou. Baseia-se na observação de fatos particulares,
destes evoluindo para a generalização.
Moderadamente, defende-se a idéia de que nas atividades intelectuais, de modo
geral, prevalece o raciocínio hipotético-dedutivo, que parte de hipóteses e se
substantiva na busca de suas confirmações ou refutações. A maior parte do
pensamento científico é desse tipo.
O pensamento pode assumir algumas formas, como:
- pensamento realista, rigorosamente calcado na realidade externa do sujeito. Define-
se como pensamento dirigido, oriundo de atividades senso-perceptivas e que depende
de processos básicos tais como: memória, imaginação, formação de associações
lógicas e a compreensão.
Para solução de problemas, o pensamento é dirigido segundo as fases de:
identificação e análise das características da situação, geração de hipóteses,
determinação de estratégias, resolução e avaliação. Somente através da identificação e
análise das condições da situação-problema é o que o indivíduo pode estabelecer as
relações necessárias entre seus componentes. Após este exame preliminar levantam-se
hipóteses e formula-se um esquema geral lógico para resolver o problema. Na fase de
resolução, são escolhidas as ações estratégicas (operações) consideradas como as mais
adequadas. Na avaliação, se os resultados foram favoráveis, conclui-se que a solução
foi alcançada; se não, todo ciclo será refeito em busca de melhores resultados. Todos
esses são mecanismos mentais internos, realistas, e dirigidos para a solução de
problemas;
- pensamento comprometido com a inventividade, isto é, com novas descobertas.
Nesse tipo de pensamento a estruturação lógica dos processos mentais é pouco
marcante, porque as associações se mostram imprevistas;
- pensamento comprometido com a verificação do conhecimento, no qual o rigor
lógico é fundamental para a aquisição e análise do saber adquirido;
- pensamento analítico, gradual, cauteloso, baseado em informações que são
examinadas e organizadas, passo a passo;
- pensamento reprodutivo, que envolve a transferência de aprendizagens anteriores,
para a solução correta de novas situações-problema. Algumas vezes, as experiências
passadas aumentam as habilidades gerais de uma pessoa. Nesses casos, diz-se que ela
adquiriu atitudes, isto é, disposição para a aprendizagem ou, que aprendeu a aprender;
- pensamento produtivo, no qual as experiências passadas não são tão significativas
porque o processo se consuma no insight (discernimento, súbita reorganização dos
estímulos que passam a ter significado).
Todas essas formas devem ser estimuladas através de atividades que despertem
a motivação da criança para pensar, analisar situações, criar, seja:
- solucionando quebra-cabeças;
- classificando objetos segundo determinados critérios;
- identificando relações de igualdade, semelhanças e diferenças, entre objetos e
situações;
- estabelecendo nexos históricos causais (usando-se, por exemplo, quadrinhos para
organizar histórias em suas seqüências lógicas);
- inventando histórias e jogos;
- criticando
- tirando conclusões lógicas de enunciados inconclusos;
- analisando e sintetizando configurações gráficas ou contextuais, dentre outras.
A capacidade de realizar operações, hipotéticas, teóricas, independentes da
experiência prática, ou seja, a capacidade de criar novas formas de associações
mentais, aparece depois de um tempo relativamente curto de trabalho.
A compreensão é dada de acordo com o raciocínio. Sem raciocinar a criança
não compreende uma situação. Sendo ela o ato de entendimento do problema.
1.2.8 – Memória
Memória é a capacidade de registrar, fixar e recordar estímulos visuais,
auditivos e táteis, sejam estáticos ou cinéticos.
Tal capacidade desempenha importante papel em relação ao armazenamento do
conhecimento, bem como em sua evocação.
É importante salientar que a criança somente será capaz de reter e evocar, com
eficiência, estímulos de qualquer natureza, se os houver identificado e compreendido
anteriormente.
Algumas observações acerca da memória, em suas diferentes manifestações:
1.2.8.1 – Memória Visual
A memória visual consiste na capacidade de reter e recordar, com precisão,
experiências visuais anteriores.
Deve-se desenvolver a retenção e a evocação visuais, a fim de assegurar o
sucesso na leitura e em outras atividades que requeiram abstração de estímulos óticos.
Sugere-se os exercícios que favoreçam:
- a compreensão dos estímulos visuais;
- a retenção e evocação de nomes de lugares, de pessoas, de objetos, de figuras, de
frases, de números;
- a reprodução de situações ocorridas em filmes ou desenhos animados;
- jogos de mímica;
- a reprodução de desenhos apresentados por um tempo e depois retirados.
1.2.8.2 - Memória Auditiva
É a capacidade de reter e recordar informações captadas auditivamente. É essa
capacidade que vai permitir a criança fixar e reproduzir, oralmente ou por escrito, as
informações recebidas auditivamente, bem como fazê- la lembrar quais os sons
correspondentes aos símbolos gráficos visualizados.
Dificuldades na memória auditiva são responsáveis por falhas na associação
dos símbolos gráficos, discriminados visualmente, aos correspondentes sonoros.
Dentre as atividades que podem auxiliar a criança no desenvolvimento da
memória auditiva estão:
- retenção e evocação de sons (onomatopaicos), ordens verbais, letras de músicas, de
poesias, notícias, histórias;
- repetição das idéias principais de uma história, trecho lido, frases, etc.
1. 2.8.3 - Memória Visomotora
Pode-se definir a memória visomotora como sendo a capacidade de reproduzir,
com movimentos dos segmentos corporais, experiências visuais anteriores. A memória
visomotora é responsável pela eficiência da escrita e da caligrafia.
Objetivando o alcance adequado da memória visomotora, sugere-se como
atividades para as crianças:
- reprodução, de memória, de desenhos, ou de dobraduras, segundo modelos
apresentados anteriormente à execução;
- reprodução de movimentos com os segmentos corporais, concomitantemente à
apresentação de um modelo ou após demonstração;
- reconstrução, de memória, de situações da vida diária, como ir às compras, ao
trabalho, à escola, a festas, à praia.
1.2.9 – Habilidades Conceituais
1.2.9.1 - Pré-escrita
Domínio de gesto, estruturação espacial e orientação temporal são os três
fundamentos da escrita. Com efeito a escrita supõe:
- uma direção gráfica: escrevemos horizontalmente da esquerda para a direita;
- as noções de em cima e embaixo (n e u), de esquerda e direita (37 e não), de
oblíquias e curvas (g);
- a noção de antes e de depois, sem o que a criança não inicia seu gesto no lugar
correto; por exemplo, para escrever “ ”, a criança traçará, (a linha da direita antes de
formar o círculo) e, na formação de palavras, escreverá inicialmente a segunda letra
antes da primeira (“ap” para “pa”) mesmo que tenha decomposto as sílabas
corretamente.
Portanto os exercícios de pré-escrita e de grafismo são necessários para a
aprendizagem das letras e dos números: sua finalidade é fazer com que a criança atinja
o domínio do gesto e do instrumento, a percepção e a compreensão da imagem a
reproduzir. Esses exercícios dividem-se em:
- exercícios puramente motores
- exercícios de grafismo que são exercícios preparatórios para a escrita na lousa e no
papel.
Contudo não se deve reprimir o trabalho espontâneo de expressão gráfica da
criança; esta cria seu próprio desenho que lhe possibilita a expressão de sua visão do
mundo, a passagem do sonho à realidade, conformação ou não aos ensinamentos
recebidos.
Reveladores para os adultos e liberadores para a criança, esses exercícios
constituirão igualmente uma aprendizagem real da manipulação do lápis.
Exercícios Motores
Para a criança dominar o gesto da escrita é necessário: equilíbrio entre forças
musculares, flexibilidade e agilidade de cada articulação do membro superior.
Portanto é indispensável fixar as bases motoras da escrita antes de ensinar a
criança a dominar seu lápis. Com efeito, caso não se tenha atingido a motricidade, o
desenho não corresponderá à expectativa da criança que se desinteressará dessa forma
de expressão pedindo para o adulto desenhar para ela pois acha que não consegue
fazê-lo.
1.2.9.2 – Grafismo
Por meio de diferentes gestos em um plano vertical (ou pelo menos inclinado),
a criança aprende a segurar corretamente o giz e o lápis. Para que a criança adquira um
traço regular, precisará trabalhar, com certa rapidez, sobre uma grande superfície
colocada à sua altura.
A criança que não domina bem seu gesto será solicitada a trabalhar sobretudo
com o ombro e o cotovelo: fará então desenhos grandes. Somente mais tarde, quando
os movimentos à altura do ombro e do cotovelo se tornarem desenvolvidos, se faz
diminuir as proporções dos desenhos, exigindo assim da criança um trabalho mais
específico do punho e dos dedos.
É evidente que sempre se faça a criança trabalhar da esquerda para a direita.
Quando adquirir o hábito de começar da esquerda e ir para a direita, a criança
poderá praticar exercícios mais variados, por exemplo: desenhar um quadrado sem
levantar o lápis, portanto ir uma vez da esquerda para a direita e uma vez da direita
para a esquerda.
Cap. 2 - Linguagem e Áreas da Linguagem
2.1 - Linguagem
Linguagem é todo sistema de signos que serve como meio de comunicação
entre indivíduos e que pode ser percebido pelos órgãos dos sentidos. Cada povo,
em cada época, teve uma linguagem característica, própria, sua. A comunicação
pode ser dada através de gestos, de movimentos, de olhares, de sons, através da
expressão de uma emoção, do silêncio, da fala. Esta última como um meio de
expressão da linguagem interior e, através dela, a aquisição da leitura e da escrita.
A linguagem, como aspecto do processo evolutivo do indivíduo, está
diretamente ligada aos desenvolvimentos neurológico, da inteligência, da
afetividade, da motricidade e da socialização. Na aprendizagem da linguagem,
devem ser considerados os níveis de maturação, as experiências anteriores, a
motivação, as diferenças individuais e a socialização das crianças.
A aquisição da linguagem desempenha um papel decisivo na compreensão do
mundo e na transmissão de valores pessoais, sociais e culturais. A criança utiliza o
código da linguagem para formular seus sentimentos, suas sensações e valores,
para transmitir e receber informações. Depende muito do meio em que está
inserida, de seus contatos sociais, de sua excitação e treino.
Segundo Launay (1986): “a linguagem é ao mesmo tempo uma função e um
aprendizado: uma função no sentido de que todo ser humano normal fala e a
linguagem constitui um instrumento necessário para ele; um aprendizado, pois o
sistema simbólico lingüístico que a criança deve assimilar é adquirido
progressivamente pelo contato com o meio. A linguagem é um aprendizado
cultural e está ligada ao meio da criança.” (Launay, 1986:3).
É correto dizer que a linguagem permite a afirmação do EU em relação aos
OUTROS. Possibilita a formação da consciência social, assegurando aos membros
da comunidade sua adaptação à realidade exterior, particularmente pelo uso da
língua.
Quando a linguagem se utiliza de palavras faladas ou escritas como seu sistema
de signos para expressão do pensamento, é chamada de língua.
Ajuriaguerra (1984), Le Boulche (1982), Launay e Borel Maisonny (1986) e
outros autores distinguem duas etapas na aquisição da linguagem: pré- lingüística
(até dez meses de idade, normalmente) e lingüística ou semiótica (a partir desta
idade).
Na etapa pré- lingüística, a criança apresenta gestos e mímicas descoordenados
que não têm qualquer significação de linguagem. Na etapa lingüística, já com um
certo nível de desenvolvimento psicomotor, a criança passa a desenvolver uma
linguagem que para Launay(1986): “é preparada pelo conjunto das comunicações
não verbais do primeiro ano de vida.” (Launay,1986:19).
É necessário, para o desenvolvimento da linguagem, que a criança possua
necessidade de falar, que seja suficientemente estimulada. Percebe-se que muitas
crianças não precisam emitir palavras, pois ao simples apontar de dedo, as mães
correm para atender seus desejos. Elas não têm necessidade de se esforçar. Como
conseqüência, sua linguagem torna-se cada vez mais pobre e limitada. As trocas
verbais entre mãe e filho são inexistentes e a linguagem verbal da criança fica
estagnada e defasada em relação às outras crianças. Mais tarde, quando for
aprender a ler e a escrever poderá apresentar um pouco mais de dificuldade.
A importância da linguagem é salientada por Poppovic (1975): “A linguagem
tem um papel decisivo na mediação dos processos mentais, pois graças a ela é
possível generalizar, pensar logicamente, adquirir, reter e selecionar conceitos;
desta forma, ir criando novos sistemas funcionais. É através da linguagem que a
criança pergunta, procurando ajuda dos outros para aprender o nome dos objetos,
as categorias nas quais ordenará o mundo.” (Poppovic,1975:30).
2.2 - Áreas a Linguagem
2.2.1 - Período Pré- Lingüístico
É considerado por alguns autores como a etapa de preparação para a aquisição
e aprendizado da linguagem. Fatores como as condições orgânicas e as experiências
vivenciadas pelo recém-nato são primordiais para a excitação das vias sensoriais e dos
sistemas envolvidos na linguagem. Para a linguagem humana as vias sensoriais de
maior importância são: audição, visão e tátil-cinestésica.
A via auditiva capta e transporta impulsos verbo-acústicos. A via visual capta e
transporta impulsos verbo-visuais. Enquanto que a via tátil-cinestésica possibilita a
recepção de impulsos através de movimentos, vibrações, toque.
O período pré- lingüístico é a etapa que engloba os primeiros meses de vida da
criança. Por esta razão percebe-se que após o nascimento a criança ainda não apresenta
condições de usar a linguagem mas ela já está experimentando esta pois o meio a
utiliza como instrumento necessário para a comunicação com o outro. A criança
adquire a linguagem através da troca com o meio e assim autores dividem o período
pré-lingüístico em três fases: fase reflexa, balbucio e vocalização. (vide anexo)
Na fase reflexa, que corresponde ao primeiro mês de vida a criança se utiliza
de movimentos arcaicos e reflexos para se comunicar com o meio. Esta troca passa
pelas necessidades vitais que através do choro, dos gorjeios são atendidos.
A partir do segundo mês a criança já apresenta modificações no seu
comportamento e observa-se que inicia as primeiras emissões vocais. Estas emissões
são chamadas de balbucio universal. Pode se estender até o sexto mês de vida e
caracteriza-se por ruídos vocais emitidos durante o período de bem estar, ou seja, a
criança descobre a possibilidade de produzir sons e transforma isto em uma atividade
lúdica, prazerosa e que exercita ao mesmo tempo diversas estruturas fono-
articulatórias. O balbucio é formado por diversos sons que não fazem parte da língua
falada pelo grupo social.
É sabido que crianças com deficiência auditiva também vivenciam a fase do
balbucio porque para a emissão desses sons a criança não se utiliza da audição como
receptor fundamental.
Nesta fase o exercício envolvido na alimentação também auxilia aos órgãos
envolvidos para a linguagem falada. Com o amadurecimento orgânico percebe-se que
a criança vai aumentando a percepção do meio e amplia sua compreensão para a
linguagem falada ao seu redor. Assim principalmente através da audição associa que
todas as situações vivenciadas têm uma significação ou um sentido. Neste momento
para a continuidade das conquistas lingüísticas, o canal auditivo passa a ser
fundamental junto com o visual e o tátil-cinestésico vai tornar possível a criança
iniciar a imitação do que é vivenciado pelo modelo social. Quando a criança entra
nesta fase alcança a última etapa do período pré- lingüístico por volta do oitavo mês.
Esta é a fase em que crianças com prejuízos na audição vão apresentar
dificuldades no aprendizado da linguagem, é chamada fase da vocalização. (vide
anexo)
2.2.2 – Período Lingüístico
Na entrada do período lingüístico a criança passa a utilizar a emissão vocal
como valor comunicativo. (vide anexo)
2.2.2.1 - Monossílabo Intencional
Por volta dos dez meses, as produções vocais da criança, não são só
fisiológicas mas sim lingüísticas. Algumas crianças usam monossílabos combinados
com funções denominativas, ou seja, seus esteriótipos fonemáticos significam alguma
coisa para a criança, formulam seus desejos e suas idéias.
Nota-se que junto com as emissões vocais a criança passa a associar gestos,
como reforçadores da sua comunicação. Nesta fase a criança amplia a sua função
comunicativa como a capacidade de compreensão.
2.2.2.2 - Palavra – Frase
Nesta etapa (doze – dezoito meses), a criança associa sons monossilábicos
criando as primeiras sínteses ou estereótipos verbais ou as primeiras palavras. Estas
palavras significam alguma coisa mesmo que elas não sejam utilizadas pelo grupo
social que a criança viva, mas caracteriza aquisições fonológicas que possibilitam a
aquisição de novos fonemas e maior combinação em sílabas.
O que dá valor a palavra é o seu uso, ou seja, a capacidade da atenção da
criança vai aumentando na influência da progressão do seu vocabulário.
2.2.2.3 - Palavra – Justaposta
Se dá por volta dos quinze aos dezenove / vinte meses. Emerge da palavra –
frase e se caracteriza por palavras fusionadas, coordenadas entre si que gradativamente
vão se tornando independentes e passam a configurar nas primeiras gramáticas
infantis. Geralmente a criança utiliza palavras repetidas várias vezes e associa outras a
esta. Assim cria ligações entre elas fazendo uma maior utilização de conteúdos
semânticos.
As palavras mais repetidas são chamadas de palavras pivôt.
2.2.2.4 – Frase Simples
Por volta dos dois anos de idade, a criança amplia seu vocabulário
pronunciando frases simples.
Nelas coloca suas novas aquisições fonéticas e introduz algumas preposições,
conjunções, artigos dentre outras estruturas lingüísticas. Esta complexidade retrata o
desenvolvimento da compreensão e do pensamento da criança. Por volta dos dois aos
quatro anos os jogos do faz de conta, as imitações e as representações possibilitam a
interiorização da linguagem e da evolução do pensamento infantil.
Nesta faixa etária o pensamento é centrado e egocêntrico, fazendo com que a
criança compreenda o mundo a partir do seu ponto de vista. Junto com os jogos a
criança usa a linguagem falada. Este exercício serve para que junto com os
movimentos a criança consiga realizar ou resolver situações. É comum dos dois aos
seis anos observar-se crianças que falam sozinhas quando brincando ou montando
algum objeto. Entre os quatro e os seis anos verifica-se o domínio da língua por parte
da criança. Esta demonstra compreensão de ordens e organização e coordenação da
evocação de palavras na exposição de suas idéias. Vê-se também que nas suas
brincadeiras já não utiliza com tanta freqüência o falar em voz alta isto significa que a
criança já pensa na língua que lhe é familiar. Sua linguagem está interiorizada.
2.2.3 – Fala
Para Poppovic (1975), “um bom aparelho fonador e auditivo não é suficiente
para auxiliar uma criança a falar. Existem outras funções igualmente importantes,
como a percepção visual, coordenação motora, orientação espacial, noção de esquema
corporal e estruturação temporal. A fala é um ato motor organizado, e exige, além de
uma adequada percepção auditiva e visual, um conhecimento e controle do corpo,
através das posturas e gestos; uma orientação espacial que facilite sua movimentação,
uma coordenação para compreensão dos conceitos verbais; uma capacidade de
simbolização; uma estruturação temporal que permite à criança adquirir o ritmo e as
seqüências para uma emissão da fala mais fluída.” (Poppovic,1975:31).
O ser humano aprimorou diversos órgãos para poder adquirir e se utilizar da
linguagem, como forma de se comunicar. Dentre o mundo da linguagem a fala é
formada por sistemas que possuí interdependência para desempenharem as funções de:
- recepção;
- transmissão;
- atenção;
- interpretação;
- organização de respostas;
- efetuação;
- confirmação, dentre outras.
Para poder ter estas funções pelo menos seis sistemas se inter-relacionam, são
eles: sistema receptor, sistema transmissor, sistema integrador de ordem inferior e
superior, sistema efetor e sistema sensor.
2.2.3.1 – Sistema Receptor da Fala
Este sistema é composto por três sistemas sensoriais: receptor auditivo,
receptor visual e receptor tátil-cinestésico.
2.2.3.1.1 – Sistema Receptor Auditivo da Fala
Formado pelas orelhas externa, média e interna, tem como função receber os
impulsos sonoros fornecidos por quem fala gerando códigos verbo-acústicos para o
receptor. É o principal sistema de recepção para os estímulos relacionados a aquisição
e desenvolvimento da linguagem. Sabe-se que em uma situação que exista um emissor
e um receptor, face a face, este sistema trabalha associado ao sistema receptor visual.
2.2.3.1.2 – Sistema Receptor Visual da Fala
Tem uma participação significativa junto ao sistema auditivo. Através deste
sistema quem recebe o estímulo é capaz de captar a energia originada dos movimentos
articulatórios, expressões faciais, gestos e movimentos corporais. Estes impulsos
fornecidos pelo evento da fala gera códigos verbo visuais que auxiliam a qualidade da
comunicação. O sistema receptor visual trabalha associado ao sistema receptor
auditivo formando a função da recepção audio-visual. Desta forma ocorre a recepção
dos impulsos nervosos auditivos e visuais associados a fala.
2.2.3.1.3 – Sistema Receptor Tátil-Cinestésico
É considerado como sistema acessório ou secundário. Tem como função
receber as sensações de articulações musculares dos movimentos do falante. Captam
sensações vindas pelas vibrações ou pressões cutâneas. Pode ser utilizada junto aos
outros sistemas receptores ou separadamente. No atendimento fonoaudiológico, o
terapeuta pode utilizar este sistema como os estímulos audio-visuais. Em deficientes
auditivos, ele torna-se fundamental para o desenvolvimento da percepção da vibração
sonora e dos movimentos articulados da fala. No deficiente visual este sistema é muito
utilizado para a leitura em braille.
2.2.3.2 – Sistema Transmissor da Fala
Este sistema apresenta duas funções: sistema transmissor aferente e sistema
transmissor eferente.
2.2.3.2.1 – Sistema Transmissor Aferente
É responsável em transportar os impulsos nervosos gerados pelos receptores da
fala até o sistema integrador de ordem superior, ou cérebro da fala. Este transporte
ocorre através dos neurônios sensoriais conectados por diversas sinapses ao longo das
vias nervosas. É composto pelas vias de transmissão: auditiva, visual e tátil-
cinestésica.
Sua principal função é de conduzir informações verbo-acústicas, verbo-visuais
e vibratórias aos centros superiores da região cerebral, para assim ocorrer a percepção
da fala.
2.2.3.2.2 – Sistema Transmissor Eferente
É responsável na transmissão dos padrões dos impulsos motores gerados pelo
cérebro da fala até o sistema efetor periférico da fala. Este transporte ocorre através
dos neurônios motores e suas sinapses. O transmissor eferente é composto pelos
neurônios motores que estão associados aos sistemas efetores articulatório, fonatório,
respiratório e da ressonância. O principal papel é de conduzir os padrões dos impulsos
neuro motores com propósito específico que ocorra a fala.
2.2.3.3 – Sistema Integrador de Ordem Inferior
Este sistema é dividido em duas partes: sistema integrador de ordem inferior
aferente e sistema integrador de ordem inferior eferente.
2.2.3.3.1 – Sistema Integrador de Ordem Inferior Aferente
O papel deste sistema é de ativar o processo de atenção seletiva a sinais da fala.
É responsável em ajustar e facilitar a localização de impulsos audio-visuais da
linguagem falada. Graças a este sistema pode-se, a um estímulo específico olhar em
direção, acompanhar as expressões ou movimentos. Ativando a atenção para os
estímulos da fala.
2.2.3.3.2 – Sistema Integrador de Ordem Inferior Eferente
Neste sistema percebe-se a função de ajustar e selecionar movimentos
corporais aos movimentos específicos da fala. É responsável pela coordenação de
movimentos como gestos, mímicas faciais, movimentos com a cabeça, tronco e
membros. Movimentos de respiração, fonação, articulação e ressonância, dentre
outros.
2.2.3.4 – Sistema Integrador de Ordem Superior
É considerado como cérebro da fala. É responsável pela percepção, formulação
e compreensão da fala. Para suprir estas funções o cérebro se especializa em
memorizar, reconhecer, decodificar, associar, planejar e elaborar respostas.
Destaca-se o hemisfério esquerdo como predominante na função da fala e
ainda a interação das áreas e com o cerebelo em relação a coordenação motora, a
regulação do tonus e o equilíbrio postural. A maturação e o desenvolvimento da
linguagem são fatores importantes para a qualidade do que é percebido, destaca-se
ainda a integridade das artérias e veias cerebrais no transporte do sangue e do oxigênio
para as células nervosas que formam o sistema central da fala.
É este sistema que transforma pensamentos em códigos fonéticos / fonológicos
mandando estes impulsos através do sistema transmissor eferente ao sistema efetor da
fala.
2.2.3.5 – Sistema Efetor da Fala
É o responsável em criar os sons da fala a partir da corrente de ar originada nos
pulmões. É formado por três sistemas: sistema efetor respiratório, sistema efetor
fonatório ressonador e sistema efetor articulatório.
2.2.3.5.1 – Sistema Efetor Respiratório da Fala
Sua função é produzir a corrente de ar para a fala. A respiração vital tem o
fluxo de inspiração e expiração nasal. Já a respiração da fala necessita ser modificada
pois este fluxo é oral.
Esta adaptação só é possível pelas modificações das estruturas cerebrais que
controlam a respiração.
2.2.3.5.2 – Sistema Efetor Fonatório Ressonador
É responsável em produzir sons e modificá- los a partir da corrente de ar que
vem dos pulmões. Estes sistemas são formados pelas cavidades laríngea, faríngea,
boca e nasal. Destaca-se a função da laringe no sistema ressonador na produção do
tom laríngeo.
A variação de intensidade e altura deste tom ocorre de acordo com a tensão e
pressão glótica. Destaca-se o papel das cavidades laríngea, nasal e boca na produção
dos sons orais e nasais.
2.2.3.5.3 – Sistema Efetor Articulatório
É composto por todas as estruturas que estão localizadas a cima das pregas
vocais. Sua função é modificar e adicionar sons ao produzido na cavidade laríngea.
Sabe-se que estruturas como lábios, face, mandíbula, língua, dentes, palato, e todas as
musculaturas associadas têm importante papel na origem dos pontos articulatórios,
originando as funções fonéticas e fonológicas da fala humana.
2.2.3.6 – Sistema Sensor da Fala
Formado pelos sistemas receptores e transmissores auditivo, visual e tátil-
cinestésico. Tem a função de propiciarem ao sujeito-falante a percepção durante o ato
da fala. Auxilia na correção e ajuste do que se deseja falar.
2.2.3.6.1 – Sistema Sensor Auditivo
Participa durante o ato da fala fazendo com que o sujeito perceba o que está
falando através dos impulsos verbo-acústicos.
2.2.3.6.2 – Sistema Sensor Tátil-Cinestésico
Participa ativamente na percepção sensorial dos movimentos envolvidos
durante o ato da fala. A via sensorial proprioceptiva auxilia nesta percepção.
2.2.3.6.3 – Sistema Sensor Visual
Tem geralmente papel secundário pois só é ativado quando por exemplo o
sujeito pode visualizar os movimentos articulatórios quando fala.
2.2.4 – Leitura
A leitura significa muito mais do que um simples processo pelo qual uma
pessoa decifra os sinais ou símbolos como, por exemplo, as palavras e as letras, e
reproduz o som. Ela sabe ler quando compreende o que lê, quando retira o significado
do que lê, interpretando os sinais escritos. Existem crianças que conhecem as letras
mas não lêem.
No início da leitura, a criança deve diferenciar visualmente as letras impressas
e saber perceber que cada símbolo gráfico corresponde a um determinado som. A
escrita é composta por uma seqüência de letras que são os símbolos gráficos e que
correspondem a uma seqüência sonora também. A criança deve poder realizar esta
correspondência para poder ler. Morais (1986) explica de forma bastante clara esta
associação: “este processo inicial da leitura, que envolve a discriminação visual dos
símbolos impressos e a associação entre palavra impressa e som, é chamado de
decodificação e é essencial para que a criança aprenda a ler. Mas, para ler, não basta
apenas realizar a decodificação dos símbolos impressos, é necessário que exista,
também, a compreensão e a análise crítica do material lido (...) Sem a compreensão, a
leitura deixa de ter interesse e de ser uma atividade motivadora, pois nada tem a dizer
ao leitor. Na verdade, só se pode considerar realmente que uma criança lê quando
existe a compreensão. Quando a criança decodifica e não compreende, não se pode
afirmar que ela está lendo.” (Morais,1986:17).
Para que uma criança adquira a leitura é necessário que possua, além da
capacidade de simbolização, de verbalização, de desenvolvimento intelectual, algumas
habilidades pessoais essenciais. Ela deve possuir capacidade de memorização e
acuidade visual, coordenação ocular, mínimo de atenção dirigida e concentração, um
mínimo de vocabulário e de compreensão, noção de lateralidade, pois a nossa escrita
se faz linearmente da esquerda para a direita. Além disso, deve possuir também
orientação espacial e temporal. As palavras se sucedem num espaço e tempo
determinados. A criança não pode apresentar problemas sérios de articulação de
palavras.
A automatização dos mecanismos de leitura irão facilitar a produção gráfica.
2.2.5 – Escrita
A escrita pressupõe, também, um desenvolvimento motor adequado, através de
habilidades que são essenciais para seu desenvolvimento. Pode-se citar a coordenação
fina que irá auxiliar numa melhor precisão dos traçados, preensão correta do lápis ou
caneta, bom esquema corporal, boa coordenação óculo-manual. Além disso a criança
deve possuir uma tonicidade adequada que irá determinar um maior controle
neuromuscular e conseqüentemente determinará uma maior capacidade de inibição
voluntária. A inibição voluntária é a capacidade de parar o gesto no momento em que
se quer ou precisa. A rotação do pulso ao escrever e a posição da folha também devem
ser considerados, para não haver um maior dispêndio de energia e não provocar dores
musculares no braço. Além disso, a criança necessita de uma organização no espaço
gráfico, em termos de orientação espacial e temporal.
A escrita é um ato motor que mobiliza diferentes segmentos do corpo.
A escrita das crianças é verificada principalmente através da cópia, do ditado e
das redações ou composições livres. Basta que a criança tenha uma boa acuidade
visual para transportar símbolos impressos, uma coordenação fina razoável, postura
correta para escrever, para realizar uma cópia. Ela não precisa saber ler para copiar.
Poder-se-ia pensar que a cópia não possui nenhuma validade, a não ser a
puramente mecânica do ato de escrever. Isto não é verdade, como comprovam
Condemarín e Chadwisck (1987), “a prática da cópia nas realizações acadêmicas é
muito importante pois facilita uma tomada de consciência (pela criança) das letras, dos
espaços entre as palavras, da pontuação, dos sinais de expressão e da captação da
seqüência das letras dentro da palavra. Além disso, a cópia permite praticar e
desenvolver uma melhor coordenação fina no sentido de auxiliar as destrezas
caligráficas das formas específicas de cada letra. Auxilia, também, a percepção do
tamanho, da proporção, do alinhamento e da inclinação das letras.” (Condemarín e
Chadwisck,1987:168).
A cópia também favorece, além dos mecanismos de memorização, por seu
caráter cinestésico-motor, a familiaridade da criança com diversas modalidades de
estruturação das palavras nas frases e orações. A linguagem escrita possui uma sintaxe
que lhe é própria e que nem sempre reproduz a fala, como é o caso dos relatos de
experiências.
Precisa-se tomar cuidado quando se pede a realização das cópias
indiscriminadamente. Elas podem se tornar terrivelmente desestimulantes para a
criança quando dadas sem nenhum propósito, apenas a cópia pela cópia. Não deixa de
ser ato mecânico quando não é bem administrada. Os textos tem que ser agradáveis e
estimular as crianças a se interessarem pela sua realização.
A cópia deve ser praticada concomitantemente com o ensino de escrita e leitura
e não isoladamente. Isto não teria nenhum significado para a criança. Soaria mais
como um castigo do que como uma aprendizagem.
Normalmente a criança tem mais dificuldade em realizar o ditado do que a
cópia. No ditado ela necessita ter, de antemão, uma representação gráfica do conteúdo,
uma representação audio-verbal. Morais (1986) faz uma análise muito interessante
sobre o ditado: “as palavras ditadas oralmente devem ser discriminadas e diferenciadas
auditivamente pela criança, depois são associadas aos significados, à sua forma gráfica
(letras e sílabas que compõem a palavra ouvida e seus respectivos traçados) e são
escritas, devendo-se respeitar a orientação têmporo-espacial.” (Morais, 1986:18).
O ditado, portanto, é um treino de acuidade auditiva, pois a criança precisa se
concentrar para diferenciar os sons emitidos. Sua atenção terá que ser seletiva se
quiser conseguir reproduzir graficamente a linguagem oral. Condemarín e Chadwick
(1987) vêem outras vantagens na realização do ditado, como exercitar a memorização
das palavras, orações e frases, além de proporcionar um maior aprendizado do
vocabulário. Elas afirmam que “o ditado também é uma prática importante, não só
para as crianças com dificuldade de aprendizado na leitura e escrita como também para
as crianças que tendem a utilizar formas dialetais de comunicação. Nestas formas,
geralmente efetuam-se mudanças tônicas, omissões, aglutinações ou contrações
sintáticas (vê- lo por vê- lo).” (Condemarín e chadwick, 1987:184).
Na redação, a criança se encontra mais livre para elaborar as palavras e os
pensamentos, pois, como diz Morais (1986): “as palavras são elaboradas mentalmente,
associadas aos respectivos sons, aos significados, à forma gráfica e escritos.” (Morais,
1986:18).
Normalmente, deve-se aprender a ler e a escrever concomitantemente. A
leitura, entretanto, antecede a escrita. Se uma criança não aprendeu a ler, dificilmente
escreverá, pois as palavras que escreve não têm correspondência sonora e, portanto são
incompreensíveis.
Cap. 3 – Desenvolvimento da Criança de 0 a 3 anos
Neste capítulo serão abordadas as etapas do desenvolvimento, a importância da
psicomotricidade na evolução da criança e a influência da mesma na estruturação dos
processos intelectivos do indivíduo, segundo a opinião de alguns autores.
3.1 – Segundo Maria Goretti L. B. Bensusan e Maria Tereza V. Miranda.
A criança nasce, somente, com seu equipamento anátomo-fisiológico. Seus
movimentos são desordenados, por que ainda não há intencionalidade, são apenas
movimentos reflexos. O seu sistema tônico, ao contrário, está perfeitamente
desenvolvido, tanto no plano sensitivo quanto no motor.
A mãe ou quem cuida da criança tem uma importância fundamental no
desenvolvimento da sua noção corporal, pois é através do outro que ela se constrói,
pouco a pouco.
Somente a partir dos três meses, a criança começa a estabelecer ligações entre
os desejos e o meio externo e é através das reações circulares que ocorre todo o
processo de aprendizagem vivenciada por meio do movimento do seu próprio corpo.
Descobre, com isso, o prazer de brincar com seus pés, mãos e, logo, com outros
segmentos, progressivamente num domínio corporal.
A maturação dos seus órgãos dos sentidos vai se acelerando sob a influência de
numerosos estímulos externos, o que vai aumentar, ainda mais as suas experiências
motoras.
A partir dos cinco meses, com o desaparecimento do grasping reflex, da
aquisição da ritmicidade e da visão muscular fina, aparecem as primeiras preensões
voluntárias que, juntamente, com a coordenação da visão acarretam um controle sobre
os objetos e, mais tarde, a tomada intencional dos objetos que estão à sua volta.
Aos seis meses, ocorre uma descentralização geral através da função sensório-
motora e da coordenação das ações e dos espaços, não mais subjetivos e figurativos.
As coordenações viso – tátil –cinestésicas desenvolvem-se na presença dos
objetos, adquirindo um espaço prático. A partir daí ela não se limitará mais a
reproduzir seqüências descobertas por acaso pois já consegue coordenar diversos
esquemas conhecidos através de assimilação e acomodação para levar a uma ação
mais precisa.
Aos nove meses, ela começa a diferenciação do sujeito-objeto. Suas mãos é
que manipulam os objetos, construindo, com isso, um espaço objetivo e operativo,
através da tomada de consciência de seus limites corporais e das diferentes posições
que os objetos ocupam. A criança diferencia o mundo exterior do seu mundo interior e
passa a dispor do sistema prático da relação, onde o objeto é permanente e
independente.
Mas, é somente aos dois anos que ocorrem as primeiras manifestações
simbólicas, onde a criança já é capaz de utilizar, intencionalmente um esquema
interiorizado numa nova situação que tenha parentesco com alguma situação anterior.
É pelas experiências vividas do movimento global que a criança vai delimitar o
seu próprio corpo do mundo dos objetos, estabelece-se o primeiro esboço do seu
esquema corporal. Ela irá se lançar na descoberta de um novo mundo exterior.
O controle da verticalidade vai lhe permitir ver o mundo de outra maneira, não
mais tão dependente do outro, passando de um espaço bucal para um espaço próximo,
onde haverá uma maior liberdade de manipulação. Com o domínio da marcha ocorre o
ingresso num espaço locomotor, onde passará a agir através do seu próprio
deslocamento.
Nesta fase é necessário tocar, manusear, subir, descer, entrar, sair, ou seja,
vivenciar várias experiências para que ela possa aprender as formas, as dimensões, as
direções, orientações, superfícies, volumes e, com isso, melhor ajustar-se às situações
completas.
A imagem visual do seu próprio corpo ainda é muito incompleta, tendo apenas
uma visão parcelada de suas mãos e membros inferiores. É somente através do espelho
que ela pode se ver e completar o seu esquema geral do corpo, não mais fragmentado,
para a compreensão de seu corpo como um todo organizado.
Antes mesmo da linguagem verbal, a comunicação se dá com o outro, por
intermédio do corpo. As reações gestuais e mímicas são feitas por meio de uma
imitação inconsciente, motivada pelo afeto. Assim se estabelece um diálogo corporal
com a mãe. Esta identificação prossegue até à aquisição da linguagem, onde a criança
imita seus pais, reproduzindo seu modo de falar e suas entonações. A partir dos dois
anos e meio a imitação diferenciada (modelos ausentes), passa a ser possível através
da interiorização de modelos que existem, enriquecendo sua bagagem gestual
afinando, também, com isso seu controle tônico. Este fenômeno afetivo de
identificação, embora inconsciente, encerra todo o pensamento representativo.
A evolução da linguagem, também, modifica a imagem. Primeiramente, ela é
corporal, passando por especial para, posteriormente, ser temporal. O seu
desenvolvimento amplia o envolvimento e o conhecimento do real, enriquecendo,
ainda mais, a criança.
Aos três anos emerge a vontade de se afirmar, é a idade do não, do eu, do meu,
durante o qual a criança se conscientizará de que sua responsabilidade é distinta dos
modelos que toma para si. Vai descobrir o outro diante dela e começa a compor seu eu
social.
Aos cinco anos algumas partes do corpo não estão com maturação completa, o
que acarreta inúmeras sincinesias.
Aos seis anos, sua imagem corporal e uma imagem postural é estática. Sendo
esta fase operatória, ela é capaz de adotar uma atitude sem pensar nos detalhes da
execução.
Dos sete aos dez anos ocorre a estruturação de um esquema corporal,
integrando os dados vividos com dados percepto-cognitivos e ingressando, com isso,
na fase das operações concretas. Os esquemas de ação antecipatória vai lhe permitir
encarregar-se de sua própria motricidade, e por volta dos dez / doze anos já tem
capacidade de modificar um automatismo em execução, sem demasiadas sincinesias,
mantendo, com isso, a estrutura de conjunto.
Na puberdade ocorre um desenvolvimento rápido da força muscular e dos
fatores de execução, indo conferir ao corpo, transformações que não deixarão de
modificar a imagem do corpo, porém, conservarão as características fundamentais da
idade anterior.
Se for resumir as fases do corpo antes de atingir a perfeição se tem,
primeiramente, um corpo percebido, depois, conhecido e, finalmente, vivido e
representado, ao mesmo tempo que o espaço passa, de livre e não organizado, para
orientado, finalmente, também, representado. A organização do corpo está na razão
direta da ocupação do espaço que o justifica e o relaciona. Do espaço lateral, passa
para o circular, quando, então, a criança começa a explorar o espaço corporal que a
levará, através da prática, à noção corporal.
Um sujeito que conhece bem a funcionalidade do seu corpo e sabe se expressar
através dele, é um ser confiante em si mesmo, expressando-se melhor, pois seu corpo
traduz o seu pensamento. Esse conhecimento corporal se faz por intermédio das suas
vivências, tanto individuais, quanto grupais, pois o homem é também um ser social.
A harmonia do seu corpo com seu meio será traduzida na sua expressão
corporal. O ajustamento do indivíduo ao seu meio se fará a partir da conscientização
do outro e das normas tacitantes admitidas nesse meio. Portanto, a socialização do
indivíduo e do seu comportamento proporciona ao outro uma imagem dele mesmo,
conforme o que esperam dele, graças a certas atitudes, a determinada mímica, a um
estilo de linguagem e um modo de vestir, apropriados. Sendo assim, a expressão
autêntica de uma personalidade que se manifesta em seus gestos. Suas atitudes e suas
palavras devem-se inscrever em certos moldes sociais, consequentemente, e ser
modelada por um controle voluntário da mímica, correspondendo a uma verdadeira
aprendizagem social.
As experiências vividas pelo sujeito, em sua relação com seu meio humano,
tem considerável influência sobre a naturalidade de expressão e, especialmente sobre a
atitude corporal e gestualidade em suas relações com a personalidade global.
Por que tocar? A comunicação por meio do toque é um dos mais poderosos
meios de criar relacionamentos humanos. Para o relacionamento mãe e filho o toque
tem importância vital, porque oferece possibilidades de fortalecer o vínculo desde o
início da gestação, ajudando no desenvolvimento físico e emocional do bebê.
A sensibilidade ao toque, claramente presente sete semanas e meia após a
concepção, progride regularmente, até que, por volta da décima sétima semana, quase
todo o corpo do bebê reage a contatos.
Após o nascimento, o toque se torna mais valioso ainda, porque o bebê precisa
de ajuda para se adequar ao novo ambiente, tão diferente da barriga da mãe.
Este é um dos grandes benefícios do tocar: ao envolver o bebê nos braços, no
peito, ao dar- lhe apoio e contato, a mãe estará recriando as sensações de conforto e
segurança vividas no útero, facilitando sua transição para novas condições de vida.
Estudos e pesquisas sobre o toque revelam benefícios tão concretos que estão
revolucionando os cuidados com o bebê nos primeiros anos de vida.
Benefícios do tocar para o bebê: segundo estudos e pesquisas da University of
Miami Medical School e da Duke University Medical School ( revista de
Fonoaudiologia,2001), “os bebês massageados dormem melhor, ganham mais peso,
choram menos, ficam mais ativos e alertas, tornam-se mais conscientes do que os
rodeiam, toleram melhor os ruídos e ficam mais ligados aos pais.”
Uma das mais surpreendentes descobertas é o aumento da imunidade às
doenças em crianças que foram tocadas e massageadas por suas mães.
A massagem promove ainda o desenvolvimento do potencial motor permitindo
maior flexibilidade e tonificação dos músculos e da pele.
A criança massageada é mais descontraída porque seu organismo exerce suas
funções de forma mais equilibrada.
3.2 – Segundo Arnold Gesell
Gesell tem uma visão diferenciada para o ciclo de desenvolvimento da criança.
Segundo ele (1996): “o ciclo de vida é imensamente mais complexo do que as órbitas
da Terra e do Sol; mas, tal como corpos celestes, o ciclo da vida humana é regido
pelas leis naturais. As leis do desenvolvimento são comparáveis, em segurança e
precisão, às leis gravitacionais.” (Gesell, 1996:15).
Gesell divide o desenvolvimento da criança em Fases e Idades, no
Entretenimento, os Ciclos de desenvolvimento e no Complexo do crescimento.
3.2.1 – Fases e Idades
O ciclo de vida da criança começa com a fertilização de uma célula-ovo. Esta
partícula quase microscópica sofre prodigiosas transformações desenvolvimentistas.
Torna-se, numa seqüência que se desenrola com rapidez, um embrião palpitante de
vida, um feto, um recém-nascido, um bebê, uma criança que dá os primeiros passos,
uma criança de idade pré-escolar, uma criança que vai à escola, um adolescente e um
adulto. No sentido biológico, o ciclo da vida encontra-se já próximo da sua conclusão
quando o indivíduo está suficientemente amadurecido para produzir células
germinativas capazes de perpetuar a espécie.
Contudo, numa cultura moderna, a maturidade psicológica corresponde a uma
situação mais avançada. Pode definir-se como uma fase da maturidade individual que
é capaz de assumir as responsabilidades da paternidade. Este gênero de maturidade
demora a aparecer. Numa época mais primitiva, as crianças tornavam-se adultas mais
depressa. A civilização prolonga o período da infância e acha-se, ela própria,
dependente desta prolongação.
O desenvolvimento leva tempo. É um processo contínuo. Iniciando-se com a
concepção (a fertilização da célula-ovo), avança, fase após fase, numa seqüência
ordenada. Cada fase representa um grau ou nível da maturidade do ciclo de
desenvolvimento. Uma fase é um simples momento passageiro, ao passo que o
desenvolvimento, como o tempo, prossegue sempre a sua marcha. Isso não nos
impede, todavia, de escolher certos momentos significativos do ciclo de
desenvolvimento para assinalar as progressões com rumo à maturidade.
É esta uma das razões pelas quais a celebração dos aniversários se tornou um
costume cultural. Cada aniversário marca mais uma rotação em volta do Sol, mas
assinala também um nível de maturidade mais elevado. Para amadurecer é preciso
tempo. Exprime-se através da idade a quantidade de tempo consumida. As diferenças
etárias figuram, em grau extraordinário, nas práticas sociais e na legislação. É essa a
justificação, quer científica, quer cultural, de se definirem as fases de maturidade em
termos de idade do calendário.
Reconhece-se sem dúvida, que o fator de individualidade é tão poderoso que
não há duas crianças, de determinada idade, que sejam exatamente iguais. Mas as
variações individuais ligam-se a uma tendência central porque as seqüências e o plano
básico do desenvolvimento humano são características relativamente estáveis. O
estudo de centenas de bebês normais e de crianças pequenas, normais também
habilitou alguns pesquisadores a determinar as tendências médias etárias do
desenvolvimento do comportamento. É pensado no comportamento em termos de
idade e pensa-se na idade em termos de comportamento. Para qualquer idade que se
escolhe, é possível esboçar um quadro que trace características de comportamento
típicas dessa idade. Nos perfis de comportamento apresenta-se também a maturidade.
O ritmo de desenvolvimento da criança, no primeiro ano de existência, é tão
rápido que é preciso de cinco intervalos etários para que se possa apreciar
completamente os esquemas e as necessidades psicológicas do bebê. No segundo ano,
as transformações são tão grandes e, de um ponto de vista cultural, tão importantes,
que foi necessário dar uma atenção especial às idades de quinze e dezoito meses. No
terceiro e quarto anos de vida, as idades dos trinta e dos quarenta e dois meses
revelam-se tão significativas que precisam ser tratadas separadamente.
Isso não quer dizer que o desenvolvimento avance como que pelos degraus de
uma escada. O seu fluxo é sempre contínuo. Mas a apreciação por fase ajuda a
estabelecer comparações entre níveis contíguos e a adquirir o sentido do fluxo
desenvolvimentista. Sem normas de maturidade não se pode aperceber da relatividade
dos esquemas do crescimento. O ciclo de desenvolvimento da criança escapa, a menos
que esteja em condições de encarar o impressionante desfile do comportamento em
termos de fases e de idades.
A organização do comportamento inicia-se muito antes do nascimento e a
orientação geral dessa organização é da cabeça para os pés e dos segmentos proximais
para os distais. Os lábios e a língua em primeiro lugar, a seguir as orelhas e os
músculos dos olhos, depois o pescoço, os ombros, os braços, as mãos, os dedos, o
tronco, as pernas e os pés.
Na descrição do comportamento distinguem-se quatro áreas:
1- comportamento motor (postura, locomoção, preensão e conjuntos posturais);
2- comportamento adaptador (capacidade de apreender elementos significativos de
uma situação e de utilizar experiência presente e passada na adaptação a novas
situações);
3- comportamento da linguagem (todas as formas de comunicação e compreensão por
gestos, sons e palavras);
4- comportamento sociopessoal (reações individuais às outras pessoas e à cultura
social).
Os primeiros cinco anos do ciclo de desenvolvimento da criança são os mais
essenciais e os mais formativos pela razão simples, mas suficiente, de serem os
primeiros. A sua influência sobre os anos que depois seguem é incalculável. As
tendências e as seqüências desse desenvolvimento fundamental podem resumir-se
concisamente.
No primeiro trimestre do primeiro ano, o bebê, ultrapassados os riscos do
período pós-natal, adquire o domínio dos seus músculos óculo-motores.
No segundo trimestre (das dezesseis às vinte e oito semanas) adquire o domínio
dos músculos que lhe sustentam a cabeça e movem os braços. Quer agarrar coisas.
No terceiro trimestre (das vinte e oito às quarenta semanas) adquire o domínio
do tronco e das mãos. Senta-se. Agarra objetos, muda-os de lugar e manuseia-os.
No quarto trimestre (das quarenta às cinqüenta e duas semanas) alarga o seu
domínio às pernas e aos pés, e aos polegares e indicadores. Empurra e arranca
coisas.
Ao final do segundo ano anda e corre; articula palavras e frases; adquire o
controle do intestino e da bexiga; ganha um sentido rudimentar de identidade
pessoal e de posse individual.
Aos três anos exprime-se por frases completas, utilizando as palavras como
instrumento do pensamento; revela uma propensão positiva para compreender o
seu ambiente e para corresponder às exigências da cultura. Já não é um mero bebê.
Aos quatro anos, a criança faz inúmeras perguntas, aprende analogias e
manifesta uma tendência ativa para conceptualizar e generalizar. Nas rotinas da
vida doméstica está quase só dependente de si própria.
Aos cinco anos, a criança tem o seu domínio motor bem amadurecido. Fala
sem articulação infantil. É capaz de contar uma longa história. Prefere as
brincadeiras coletivas. Sente-se socialmente orgulhosa das roupas e das suas
proezas. É, no seu pequeno mundo, um cidadão bem integrado e seguro de si.
3.2.2 – O Entretenimento e os Ciclos de Desenvolvimento
À medida que a criança cresce, as suas capacidades aumentam. Ela progride,
inexoravelmente, das espécies de reações mais simples e imaturas para as mais
complexas.
Os especialistas em crianças estavam convencidos, que esse desenvolvimento
se efetuava segundo aquilo que se poderia designar como um processo retilíneo –
do simples para o complexo, sem qualquer complicação. A investigação recente
revela, porém, que o desenvolvimento avança de maneira mais complicada do que
originalmente se tinha pensado.
De maneira geral, se tudo corre bem, avança do simples para o complexo, mas
registram-se complicações interessantes – complicações essas que é útil que se
compreenda.
Tem-se observado que em qualquer comportamento em vias de
desenvolvimento há tipos de reações paralelas, mas opostas, que ocorrem
alternadamente, ora uma, ora outra, em repetida alternância, até o comportamento
atingir a sua fase final ou perfeita. É provável que, na vida prática quotidiana, um
desses dois tipos opostos de reações seja tido na conta de imaturo ou menos
desejável e o outro se considere amadurecido com o aumento da idade, parece que
ambos os tipos de resposta se alternam repetidamente.
Não se trata, porém, de um simples regresso do bebê exatamente ao mesmo
tipo de comportamento imaturo, mas é como se o trilho do desenvolvimento se
desenrolasse numa espiral ascendente, da esquerda para a direita (mas sempre para
cima), salientando ora o lado menos amadurecido da espiral, ora o lado mais
amadurecido.
Este princípio do desenvolvimento exprime-se, talvez, com maior clareza no
primeiro ano de vida, quando o bebê desenvolve a capacidade de rastejar,
engatinhar, ficar de pé e andar. Identifica-se vinte e duas fases que o bebê normal
atravessa habitualmente, enquanto se conserva deitado de barriga para baixo, ou
seja, em pronação. Nota-se que primeiro, os braços e as pernas se encontram
fletidos; numa fase mais adiantada estão estendidos; numa fase ainda mais
adiantada, estão outra vez fletidos; mais tarde ainda, estão de novo estendidos; e
assim sucessivamente, até o bebê se pôr de pé e caminhar em posição ereta.
As alternâncias mais aparentes no comportamento em pronação são as da
flexão e extensão predominantes dos braços e das pernas. No entanto, outras coisas
que também se alternam são adução e a abdução dos braços e das pernas e a
alternância de movimentos bilaterais e unilaterais. Todas essas forças complexas
trabalham conjuntamente para determinar qual a postura ou progressão que o bebê
irá levar por diante, isto enquanto ele se encontra deitado de barriga, no seu
primeiro ano de vida.
Como, em regra, os adultos não formulam qualquer juízo valorativo em relação
a uma postura em extensão ou em flexão, ou à bilateralidade ou a unilateralidade, é
relativamente fácil que eles observem com calma estas alternâncias, muito embora
o façam também com interesse. As pessoas, na sua maior parte, não acreditam que
o bebê assuma essas posturas em virtude de alguma coisa que alguém tenha feito
ou como reação a outros estímulos ambientais.
A medida que a criança vai crescendo e as espécies de comportamento que
caracterizam os sucessivos níveis etários podem ser, e geralmente são,
consideradas pela cultura como boas ou más, torná-se mais difícil de encarar o
comportamento da criança como originado dentro dela em resposta a estímulos
internos do crescimento, e é mais fácil admitirem que alguém ou alguma coisa lhe
deu causa.
Assim, quando as duas linhas de comportamento que estão se entretecendo já
não são meramente a flexão e extensão, a bilateralidade e a unilateralidade, ou
quaisquer outras forças de algum modo objetivas, mas, em vez disso, são
tendências para uma resposta equilibrada ou desequilibrada, é difícil a muitos pais
manterem a sua objetividade. É natural que eles procurem uma explicação
ambiental para o comportamento. O seu menino bom subitamente mau; o seu filho
obediente é desobediente; aquele filho que se relacionava tão bem com o mundo
que o rodeia, experimenta, de um momento para o outro, grandes dificuldades. É
fácil e natural que se censure alguém ou alguma coisa como culpado destas
mudanças para pior.
Não obstante, a acentuada semelhança que, nas mudanças de comportamento
com a idade, se verifica de uma criança para a outra, leva-se a crer que as forças
internas daquilo que se pode chamar um entretenimento recíproco (alternância
repetida de forças opostas ou contraditórias) podem desempenhar um papel
essencial numa área tão vasta e generalizada como é a totalidade das reações da
criança ao mundo que a cerca.
Observa-se que o comportamento de uma criança de determinada idade, seja
qual for, parece consistir em algo mais do que a soma das coisas que ela é capaz de
fazer. O comportamento, em qualquer idade, parece quase Ter uma
individualidade própria, refletindo a fase de desenvolvimento que a criança
atingiu. Há idades que, na maioria das crianças, parecem caracterizar-se por um
equilíbrio geral e uma adaptação fácil aos fatores do ambiente e às exigências da
vida de todos os dias.
Outras idades são justamente o contrário e parecem caracterizar-se por um
desequilíbrio generalizado. Nessas idades, todas as áreas da vida da criança
parecem ser afetadas e ela pode Ter dificuldades com a alimentação, o sono, a
maneira de reagir às outras pessoas e em comportar-se de forma aceitável. A tabela
abaixo dá uma noção simplificada das idades que, em geral, se caracterizam pelo
equilíbrio e daqueles que, em geral, se caracterizam pelo desequilíbrio, à medida
que a criança vai amadurecendo. Notar-se-á que as alternâncias dos tempos de
equilíbrio e desequilíbrio tendem a ser mais rápidas do comportamento ocorrem no
primeiro ano de vida, ou mesmo ainda antes, no decurso da vida fetal.
4 semanas equilíbrio 18 meses Expansão
6 – 12 semanas desintegrado 21 meses Interiorizado
16 semanas equilíbrio 2 anos Equilíbrio
20 semanas interiorizado 2 ½ anos Desequilíbrio
24 – 28 semanas expansão 3 anos Equilíbrio
32 semanas interiorizado 3 ½ anos Desequilíbrio
40 semanas equilíbrio 4 anos Equilíbrio
44 – 48 semanas desintegrado 4 ½ anos Desequilíbrio
52 - 56 semanas equilíbrio 5 anos Equilíbrio
15 meses interiorizado
Fonte: Gesell,1996:135
A circunstância de referir-se como natural o fato de a criança passar por fases
boas e más, fases de equilíbrio e de desequilíbrio, não deve ser interpretada como
significando aconselhamentos de uma conduta permissiva da parte dos pais. Não
se diz, nem sugere-se que, tão somente porque um comportamento indesejável é
característico e corrente, se deva ficar inativo e não fazer nada a tal respeito.
Quando os pais sabem que um certo comportamento inquietador é característico de
uma determinada idade, e pode, portanto, esperar-se que ela seja meramente
temporário, a sua maneira de lidar com esse comportamento é mais calma do que
quando se julga que o comportamento foi originado por alguma coisa que os pais
tenham feito, ou é indício de que alguma coisa, na criança, está correndo mal.
É necessário aconselhar e punir, e empregar os esforços mais cativantes para
levar o filho a comportar-se da maneira que se julga preferível. Não se pode ficar
de braços cruzados e dizer: Isso não passa de uma fase. Mas pode ser capaz de
acalmar os receios de ter errado ou de alguma coisa terrivelmente má esteja se
passando com o filho, se puder dizer: Isso não passa de uma fase.
Embora se tenha achado útil caracterizar as fases alternantes do
comportamento em maturação como equilibradas, há, todavia, muitas outras forças
que parecem estar ativas. As oscilações do equilíbrio para o desequilíbrio não são,
de modo nenhum, tão simples como se pode afigurar. Essas oscilações não
implicam, de modo nenhum, simplesmente um movimento de vaivém de fases
alternantes. Consegue-se definir seis fases diferentes em cada um dos cinco ciclos
que abarcam o período que vai desde o nascimento até aos dezesseis anos de idade.
Mas não se foi capaz de definir essas fases enquanto não se completou o estudo
dos anos que vão dos cinco aos dez e pode-se, então, olhar para trás, para o que
tinha acontecido antes.
A imaginação quase se confunde quando olha-se para a tabela abaixo,
seqüência de fases, e se vê a maneira ordenada como o processo do
desenvolvimento se desenrola, com a repetição dos ciclos a ocorrer a intervalos
cada vez maiores. A duração do primeiro ciclo é de sete meses; a do terceiro é de
três anos; a do quinto de seis anos. Conforme irá notar-se, as fases de equilíbrio
(fases um, três e cinco) podendo exprimir-se através de um comportamento
vigoroso e expansivo (fase cinco). Analogamente, as fases de desequilíbrio pode
exprimir-se através de um comportamento desintegrado (fase dois) de um
comportamento interiorizante (fase quatro) ou de um comportamento neurótico e
perturbado (fase seis). O primeiro mês, o chamado período pós-natal, é, na
realidade, um período inseguro, com muitas regressões ao comportamento fetal. É
necessário um relacionamento muito estreito entre mãe e filho para levar o recém-
nascido a atravessar, sem grave risco, esse período difícil da fase seis.
Seqüência das Fases
Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Fase 5 Fase 6 Fase 1
Equilíbr
io
desequil
íbrio
equilíbri
o
desequil
íbrio
equilíbri
o
Desequi
líbrio
Equilíbr
io
Calmo desinteg
rado
regulari
zado
Interiori
zado
expansi
vo
Neuróti
co
Calmo
Ciclos Nascim
ento
4
semanas
duração
1 4
semanas
6 – 12
semanas
16
semanas
20
semanas
24 - 28
semanas
32
semanas
40
semanas
0,7 anos
2 40
semanas
44 – 48
semanas
52 – 56
semanas
15
meses
18
meses
21
meses
24
meses
1,2 anos
3 2 anos 2 ½
anos
3 anos 3 ½
anos
4 anos 4 ½
anos
5 anos 3 anos
4 5 anos 5 ½
anos
6 ½
anos
7 anos 8 anos 9 anos 10 anos 5 anos
5 10 anos 11 anos 12 anos 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 6 anos
Fonte: Gesell, 1996:148
Conforme mostra a primeira tabela, esta seqüência de fases assaz complexa
inclui uma fase que se descreve como serena, firme e bem equilibrada; uma fase em
que o comportamento está bem equilibrado e regularizado; depois uma fase
interiorizada de desequilíbrio; depois uma fase vigorosa e expansiva; depois,
finalmente, uma vez mais um bom equilíbrio. A seqüência inteira parece ocorrer cinco
vezes, de uma forma mais ou menos completa, desde o nascimento até aos dezesseis
anos de idade.
O fato de uma seqüência de fases tão complexas poder apresentar-se de forma
tão clara, e tão repetidamente, confirma o ponto de vista basilar de que o
comportamento é, na verdade, uma função estrutural e de que ele se desenvolve de
uma maneira tão previsível e esquematizada como o próprio corpo.
3.2.3 – O complexo do Crescimento
Não há nada tão fascinante como observar e promover o desenvolvimento de
uma criança. Isso deveria ser sempre uma experiência enriquecedora, estimulante e
aprazível.
Gesell divide o complexo do crescimento em: o sono, dificuldades e desvios, a
alimentação, controle do intestino, controle da bexiga, interesses pessoais e sexuais e
atividade individual, sociabilidade e autodependência.
3.2.3.1 – O sono
O sono é comportamento. Habitua-se a pensar no sono como uma cessação do
comportamento; ele é, contudo, uma função positiva. Não se trata da simples cessação
de funcionamento da máquina, mas de um reajustamento a toda maquinaria do
organismo, incluindo o sistema nervoso central, destinado a proteger o bem estar da
totalidade do organismo.
O sono perfeito é uma reação total. Neste sentido, difere das outras
formas de comportamento. Todos os outros comportamentos representam um
ajustamento ou uma adaptação a situações mais ou menos específicas. O sono,
pelo contrário, é uma reação tão inclusiva e fundamental como a nutrição.
Pode, na verdade, ser encarado como uma expressão da economia nutrimental.
Há, pois, assim, três fases distintas no ciclo do sono: ( 1 ) adormecer;
(2) dormir; e ( 3 ) despertar. Nem sempre é fácil distinguir entre a primeira e a
terceira fase. A primeira depende de um controle cortical mais elevado que
habilita a criança a desprender-se no sono; a terceira de um ativo centro
nervoso do despertar. A dificuldade de adormecer é devido a um
desprendimento defeituoso ou a uma atividade excessiva do centro de
despertar? Entre o desprendimento no sono e o desprendimento
desenvolvimento é a de criar um equilíbrio adequado entre estas três fases. À
medida que a criança cresce, é a primeira fase, a do desprendimento no sono,
aquela que parece trazer- lhe maiores dificuldades, a terceira é a mais fácil.
Considera-se cada uma das fases por sua vez, principiando pela terceira fase,
que parece ser a primeira a que o bebê presta a sua atenção desenvolvimentista.
3.2.3.1.1 – A fase do despertar
O bebê recém-nasciddo não acorda suavemente, nem sabe acordar. Acorda
muitas vezes com um grito estridente. O seu despertar parece estar dependente de um
aguilhão interno, um repelão do trato gastrintestinal ou qualquer outro incitamento
interior. É bastante significativo que ele não reaja prontamente a um estímulo externo.
Não é fácil acordá-lo com uma palmadinha ou uma sacudidela, o que confirma a
sugestão de que o despertar depende de um mecanismo interno que o seu próprio
sistema nervoso faz funcionar.
À outra medida que as semanas vão passando, começa a acordar, uma ou outra
vez, com mais suavidade; nem sempre chora, ou então o seu choro é mais curto e mais
brando. O bebê torna-se mais dócil. Às dezesseis semanas, o seu mecanismo do
despertar trabalha com relativa eficiência. Daí por diante, já não oferece, neste
aspecto, grandes dificuldades à cultura. Aos dois anos e meio, porém, não só lhe é
difícil adormecer como tem também dificuldade em sair do sono. As duas dificuldades
parece estarem relacionadas uma com a outra, nesta fase intensamente perturbada da
maturidade. A criança perde temporariamente o jeito de acordar. Readquire-o de novo,
mas, na adolescência, pode manifestar outra vez um análogo apego desenvolvimentista
ao sono. Deve-se considerar ainda outros aspectos do comportamento do despertar, em
conexão com outras duas fases do ciclo do sono.
3.2.3.1.2 – A fase da consolidação
Não é muito compensador que a criança tenha demasiada habilidade em
manter-se desperta. Isso irá, segundo Gesell, interferir com o sono. A criança precisa
aprender a dormir profundamente durante períodos razoáveis. Essa é a fase de
consolidação e está sujeita a processos de desenvolvimento.
O sono da noite passa a ser menos interrompido, as sestas diurnas agregam-se.
Primeiro são curtas e irregulares, mas às doze semanas, duas ou três sestas adjacentes
já se consolidaram numa só. O longo processo de realização de um ciclo monofásico
de sono-vigília segue o seu percurso. Às doze semanas, o bebê pode ter quatro ou
cinco períodos de sono nas vinte e quatro horas; aos doze meses, dois ou três.
Até dezesseis semanas, as variabilidades do trato gastrintestinal tendem a
transformar os períodos de sono. Mais tarde, o mesmo pode acontecer devido a criança
se sentir molhada, ou outro desconforto físico, ou também ruídos. Ainda mais tarde,
podem ser experiências emocionais, mudança de ambiente, excitação demasiada ou
novos receios. Aos quinze meses e aos vinte e um meses, a criança acorda com
freqüência durante a noite e, numa conduta de certo modo extravagante, mantém-se
acordada por uma hora ou duas. A criança de três anos parece ser menos estável
durante a noite do que durante o dia. Pode sair da cama, fica inquieta se a mãe vai
passar uma noite fora de casa.
2.3.3.1.3 – Desprendimento no sono (adormecer)
O bebê recém-nascido, não tem, aparentemente, dificuldade em adormecer.
Encontra-se já nessa situação, e o seu sono e a alimentação andam tão intimamente
ligados que as transições são fáceis de fazer. Além disso, tanto o seu sono como a
vigília se processa a um nível subcortical. O bebê não tem mecanismos inibitórios nem
problemas de inibição no que diz respeito a dormir. Mas, à medida que adquire uma
vigília de opção, esses mesmos problemas e mecanismos começam a tomar forma. O
seu córtex passa a entrar em cena e, uma vez que se torne ativo, o bebê tem de
aprender a inibir a sua atividade. É essa a tarefa do desprendimento do sono.
À medida que a criança cresce, essa tarefa torna-se cada vez mais complexa,
porque o córtex é, simultaneamente, o agente e o depositário das suas experiências
cada vez mais numerosas. E o dinamismo intenso da cultura vai sempre incitando o
córtex a uma atividade de caráter mais cumulativo do que rítmico.
A capacidade de desprendimento no sono tende a ser máxima durante os
sucessivos períodos de equilíbrio, quando os músculos flexores e extensores e outras
funções opostas se encontram sob melhor controle. Assim, o bebê de dezesseis
semanas cai suavemente no sono. Mesmo durante os períodos de vigília, quando se
conserva deitado de costas numa postura simétrica, dá-se uma impressão de
serenidade. Acabou de atravessar um período, entre as oito e as doze semanas, em que
a tendência do desenvolvimento no sentido da vigília era bem pronunciada. Adormecia
então com mais dificuldade: pode ter sido necessário acalmá-lo discretamente com
embalos, cantigas ou com uma luz para ele fitar. (É claro que essa acalmação não dará
resultado se não for tão cuidadosamente ajustada que o próprio bebê contribua com
nome da função do desprendimento no sono.)
3.2.3.2 – Dificuldades e Desvios
É nesse mesmo período das oito às doze semanas que o bebê começa a chupar
o dedo. Esta ação relaciona-se, quer com comportamento alimentar, quer com o sono.
Quando a ligação essencial é com a alimentação, o chupar do dedo pode prolongar-se
por pouco tempo. Se, porém, por razões de personalidade ou quaisquer outras, a
ligação principal se estabelece com o sono, é provável que a criança continue por mais
tempo a chupar o dedo e a ligação com o sono, em vez de enfraquecer, tornár-se cada
vez mais forte. Porque assenta no complexo do crescimento, a sua duração é maior.
Pode ter início em alturas variáveis, no decurso do primeiro ano de vida. Tem
tendência para regredir um pouco durante os períodos de equilíbrio. Às vinte e oito
semanas, por exemplo, chupar o dedo pode ser substituído pela ação de levar objetos à
boca. Por vezes, desaparece de súbito, como se a criança tivesse acabado de transpor
um obstáculo do desenvolvimento. Também isso sugere que se encontre em ação uma
combinação de fatores de personalidade e de desenvolvimento. Quando o chupar do
dedo é ainda intenso depois do primeiro aniversário, tende a prolongar-se por bastante
tempo, mas reduzindo-se progressivamente e vindo a desaparecer em qualquer altura
entre os dois e os cinco anos. Um esquema deste tipo não se relaciona apenas com o
sono e a fome, mas passa a ser uma descarga de tensão generalizada que a criança
utiliza como meio de evasão e aquietação em situações de fadiga, embaraço,
frustração, receio, e também de excitação.
3.2.3.3 – A alimentação
No início da vida do bebê há muito sono; mas também há fome. Quando o sono
é profundo, a respiração é regular, o tônus é frouxo e o corpo está imóvel. Mas, à
menor redução na entrada de oxigênio, a respiração acelera-se, o tônus intensifica-se e
os músculos agitam-se; isto porque a fome de ar é a mais essencial de todas as fomes e
há muitas espécies de fome.
A fome de alimento vem logo a seguir. Ela é de tal maneira imperativa que a
postura do corpo se altera totalmente: a boca se abre e abrem-se os olhos. Segue-se o
choro e movimentos de busca. O bebê desperta para comer e come para dormir.
Nos primeiros períodos do desenvolvimento, está intimamente relacionada
coma do comportamento do sono. Os fatores do desenvolvimento que organizam o
comportamento alimentar não são diferentes dos do sono. Pode examinar o esquema
da alimentação sob os três aspectos seguintes: (1) apetite; (2) retenção; (3) auto-ajuda
e aculturação. O apetite é a primeira fase: a criança tem de buscar o alimento e querer
ingeri- lo. Em segundo lugar, tem de segurá- lo firmemente dentro de si. Essa é a fase
de retenção. De início, a criança está inteiramente dependente dos outros para a
satisfação da sua fome, mas deseja cada vez mais tornar-se dependente de si própria e
a cultura estimula- lhe esse desejo.
3.2.3.3.1 – Apetite
O apetite situa-se na base da auto-regulação. A princípio, o impulso fisiológico
que está por trás do desenvolvimento é tão intenso que praticamente todas as crianças,
quer elas sejam criadas ao peito ou à mamadeira, podem, após um ajustamento inicial,
dar a conhecer a sua fome. Com o tempo, esse anseio de alimento cede lugar a
variações do apetite. O apetite varia de intensidade no comportamento de um mesmo
dia. Varia igualmente de idade para idade. Diferencia-se em múltiplas mudanças das
preferências alimentares. Há uma mescla quase inextricável de fatores de maturidade e
de equações individuais.
O apetite é particularmente forte no período entre oito e as doze semanas, tão
forte que, principiam a manifestar-se problemas de retenção. O comportamento
alimentar da criança encontra-se, geralmente, bem organizado por volta das dezesseis
semanas. Come com moderada energia e retém bem aquilo que come. A sua
capacidade de sugar é eficiente. A propensão para sugar é tão forte que tende a
interferir, nesta altura, com aceitação de alimentos sólidos.
No período das vinte às vinte e oito semanas, a curva do apetite apresenta-se de
novo irregular. A criança exige uma refeição extraordinária, muitas vezes às primeiras
horas da manhã, mas reduz as suas exigências de sucção e é capaz de se adaptar a um
alimento sólido antes de pegar na mamadeira ou no seio. Às trinta e seis semanas
registra-se um aumento perceptível de interesse pelo alimento. O apetite intensifica-se
à simples vista do alimento em vias de preparação. Às quarenta semanas, o apetite
atinge novamente um pico elevado. A criança come aquilo que lhe dão e deixa o prato
limpo. Entre o primeiro e o segundo aniversários há uma diminuição do vigor do
apetite e da quantidade de alimento ingerido a cada refeição.
Depois dos dezoito meses, o apetite torna-se mais requintado. A criança de dois
anos principia a dizer os nomes dos alimentos; definem-se as preferências; aferra-se
com entusiasmo a certos alimentos especiais; determinadas corem avivam-lhe a
curiosidade; tem implicância com a louça; gosta de que os pratos combinem uns com
os outros. Pode-se concluir de todos estes indícios, que o complexo alimentar está se
expandindo, se diferenciando e ganhando características do ambiente e dentro do
complexo total do crescimento. O apetite selvagem civiliza-se através da cultura.
Dificilmente podemos saber onde acaba o apetite e começa a aculturação. Mas, de
tempos em tempos, a criança dá início a um comportamento alimentar que é de tal
maneira auto-afirmativo que mais parece brotar do próprio organismo que do meio
cultural
3.2.3.3.2 – Retenção
O alimento não tem apenas de ser procurado e ingerido. Precisa também ser
retido. E isso não é uma questão simples. O trato gastrintestinal não é um receptáculo
passivo. As suas paredes musculares e ativas movem-se em ritmos e ondas que
precisam ser coordenadas, seriadas na direção conveniente e submetidas a um controle
voluntário parcial. Tudo isso são problemas de retenção que só podem ser resolvidos
através de progressivas modificações desenvolvimentistas no sistema nervoso central e
vegetativo.
Até a idade de oito a doze semanas registra-se um aumento regular na ingestão
de alimento, a qual pode atingir um máximo diário de quase treze decilitros. Parece
que o organismo tem necessidade de carregar as fornalhas para fazer face às árduas
transformações que estão por se realizar. Há uma tendência para exagerar a carga. O
trato digestivo não se adapta com facilidade ao excesso de trabalho que lhe é exigido.
Há mais incômodos gástricos e maior passagem de gases em ambas as direções. A
ingestão prematura de sólidos e o óleo de fígado de bacalhau ministrado ao bebê nessa
altura podem agravar- lhe as dificuldades. O bebê regurgita; pode até vomitar, e os
vômitos, quando, devidos a uma instabilidade neuromotora, assumem a natureza de
um desvio excessivo de regurgitação.
A ingestão e a retenção têm de equilibrar-se mutuamente. Os movimentos
peristálticos têm de manter-se na direção conveniente ao longo de todo o trato
digestivo. O organismo precisa também adquirir a capacidade protetora de rejeitar e
regurgitar. Tudo isto levanta um problema de desenvolvimento bem definido que nos
leva a pensar em um grupo de bebês que sofrem de uma deficiência mais ou menos
inata do controle do seu peristaltismo. É preciso distinguir esses bebês daqueles que
vomitam logo a partir do nascimento, em conseqüência de uma oclusão parcial da
extremidade pilórica do estômago, casos estes de estenose pilórica e de espasmo do
piloro que necessitam de tratamento médico.
Na idade das oito às doze semanas, alguns casos de chupar o dedo parece estar
mais estreitamente relacionados com o comportamento alimentar do que com o
comportamento do sono.
3.2.3.3.3 – Auto-ajuda e Aculturação
Embora o trato digestivo seja, na história da espécie, a parte mais antiga da
anatomia humana, tem mantido sempre uma conexão com a organização cerebral,
mais recente e índole a hábitos e costumes. Os hábitos alimentares e os costumes
próprios da altura das refeições constituem um importante capítulo da antropologia
cultural.
O desenvolvimento do comportamento alimentar do bebê é a história de uma
progressiva autodependência conjugada com uma conformidade cultural. A marcha
desse desenvolvimento não é suave. Os utensílios de comer são complicados, as
praxes da sala de jantar são difíceis.
Se a criança é alimentada pela mamadeira, começa a fazer- lhe festas, enquanto
está chupando, logo às vinte semanas. A transição para os alimentos sólidos faz-se
com maior facilidade nessa altura, porque a maturidade do sistema nervoso já o
permite. Às trinta e seis semanas, é geralmente capaz de segurar a mamadeira com
persistência e firmeza. Daí por mais um mês, pode sentar-se para cima, segurar a
mamadeira e incliná- la com a perícia de um corneteiro. É capaz de comer sozinha uma
bolacha. Às quarenta semanas, começa também a comer com os dedos, apanhando e
levando à boca pedacinhos de comida. Na idade de um ano, a sua forte tendência para
estar de pé interfere com novos requintes dos hábitos sedentários de comer.
Mediante alguns artifícios simples e graduais, pode passar-se da mamadeira
para a xícara, sem danos traumatizantes. Algumas crianças que manifestam exagerado
apego à mamadeira continuam a utilizá- la até ao ano e meio ou aos dois anos; em
alguns casos, ainda até mais tarde. Na alimentação ao peito, o desmame processa-se
segundo um calendário semelhante, que varia de criança para criança. No entanto, de
maneira geral, a alimentação ao peito tende a prolongar-se até os doze e os quinze
meses, se deixar à criança escolher quando largar.
Aos quinze meses, a criança já aprendeu a inibir o seu anterior impulso
instintivo para agarrar no prato e no tabuleiro. Segura também firmemente na colher e
principia a comer pela sua mão, embora não deixe de entornar uma parte da comida; a
colher é um utensílio complexo e ela não adquiriu ainda as orientações posturais e as
pré-percepções necessárias para manejá-la com destreza.
Este surto de independência é um fenômeno do desenvolvimento; e é claro,
está contrabalançado por outras tendências. Na verdade, uma criança que aos quinze
meses se mostra senhora de si, e come bem sozinha durante um ano ou dois, pode
depois pedir ajuda da mãe e aceitar que esta lhe meta a comida na boca com a colher.
Aos dois anos, inibi-se de virar a colher ao levá- la à boca e come de forma muito
aceitável. Contudo, essa nova capacidade é complexa e tem de ser delicadamente
apoiada pelo sistema nervoso. Conseqüentemente a criança desembaraça-se melhor se
apenas comer pela mão dela uma parte da refeição que lhe agrade em especial. Se
dermos excessiva liberdade, suja e mistura tudo.
3.2.3.4 – Controle do Intestino
As funções excretórias são governadas por uma combinação complexa de
mecanismos voluntários e involuntários e por conveniências culturais. Essas
conveniências exprimem-se através de costumes, de tabus rigorosos e de repugnâncias
influenciadas por emoções mais ou menos intensas.
O controle do intestino é, na verdade, uma função extremamente complexa. O
ato involuntário da evacuação consiste nas contrações peristálticas do cólon,
comandadas pelo sistema nervoso vegetativo; mas a demora voluntária e o início do
ato em condições variáveis requerem um notável grau de inibição determinado pelos
centros superiores do cérebro. Esta inibição não se pode adquirir segundo uma
progressão retilínea constante, nem por mero treino do hábito, porque o controle
intestinal envolve não apenas os músculos do esfíncter, mas a criança toda, como
organismo completo. A defecação voluntária não é uma simples reação localizada,
mas uma resposta total; e a criança muda, toda ela, de uma idade para outra. Por
conseguinte, a resposta difere, de idade para idade, na sua neurologia e na sua
psicologia.
Durante as primeiras semanas, as dejeções são extraordinariamente numerosas.
Ocorrem um tanto ao acaso, mas, por volta das quatro semanas, associam-se mais de
perto ao ato do despertar, como se estivessem a emergir da pura vida vegetativa e a
entrar na vida consciente do bebê. Tendem a ocorrer durante o período diurno e o seu
número desce para três ou quatro diárias. Às oito semanas, pode haver só duas
dejeções, que aparecem não só ao despertar, mas também no termo da refeição e,
ocasionalmente, no decurso dela.
Por volta das dezesseis semanas, pode registrar-se um nítido intervalo entre a
refeição e a evacuação, como se a natureza estivesse a querer fazer uma distinção mais
rigorosa entre a alimentação e a eliminação.
Às vinte e oito semanas, o bebê apresenta uma irregularidade temporária nas
suas dejeções. Estas já não andam estreitamente associadas com o despertar ou com as
refeições. Uma delas pode ocorrer de manhã cedo, durante o período de brincadeira, e
a outra só ao fim da tarde. Alguns bebês, sobretudo meninas, ficam inquietos quando
estão sujos.
Cerca das quarenta semanas, o bebê já dominou bem a capacidade de estar
sentado e, durante algumas semanas, reage positivamente ao treino, isto é, adapta-se à
colocação no vaso. Dá uma espécie de grunhido e olha para a mãe no decurso do ato;
tudo isso significa que o esquema do comportamento está sofrendo uma elaboração
progressiva e incorporando-se de maneira mais completa ao sistema de ação da
criança.
Na idade de um ano, os desenvolvimentos posturais trazem consigo novas
complicações. Os êxitos são menos freqüentes, surge outra vez oposição; e também se
perde a relação de olhar para aa mãe. Podemos atribuir algumas destas irregularidades
e perdas aparentes à aquisição da postura ereta.
Aos quinze meses, a criança já consegue manter-se bem na posição de pé e a
sua resistência ao treino diminui. Gosta mesmo que a ponham no vaso. Algumas
crianças, nesta idade, assumem instintivamente uma postura de cócoras. Enquanto
estão no vaso, manifestam com freqüência uma contração prolongada do esfíncter,
afrouxam essa contração quando as tiram de lá, como se estivessem à espera do
estímulo da fralda.
Aos dezoito meses, a contração é, algumas vezes, excessivamente forte e,
outras vezes, o relaxamento é explosivo. Na situação total do comportamento
começam a incluir-se também as palavras, cujo papel não consegue dizer banheiro e
relacionar o termo com a dejeção aumenta desse modo o seu controle voluntário.
Aos vinte e um meses, pode haver um período transitório de habilidade
fisiológica, manifestada por uma forma de diarréia que não é relacionada com
qualquer irritação mucóide. Durante o mesmo período, pode registrar-se um acentuado
aumento na freqüência das micções. Isto faz-se pensar em mais uma fase de transição,
no decurso da qual se estão a incorporar os controles nervosos superiores.
A criança de dois anos é, muitas vezes, fácil de treinar, se lhe consentirem que
seja ela a cuidar de si. A mãe tira- lhe a calça e depois deixa-a agir à sua vontade.
Algumas crianças desembaraçam-se melhor se lhe despirem a roupa toda. Essa
liberdade parece favorecer uma reação mais completa.
Na idade paradoxal dos dois anos e meio, a criança revela, naturalmente, uma
tendência para extremos e exageros. Neste período, pode não ter nenhuma dejeção
durante um dia inteiro ou até durante dois dias seguidos. O organismo está adquirindo
uma capacidade maior de retenção, mas ao fazê- lo, exagera essa tendência construtiva
do desenvolvimento. Os laxantes de frutas constituem, nesses casos, uma ajuda
cultural apropriada.
Aos três anos, há uma maior aptidão para reter e adiar. A dejeção diária tende a
ocorrer para o fim da tarde ou até depois do jantar. A criança aceita a ajuda da cultura
e chega mesmo a pedi- la.
3.2.3.5 – Controle da Bexiga
Os mecanismos que comandam a bexiga são comparáveis aos que comandam o
intestino. Em ambas as circunstâncias lidamos com um mecanismo involuntário, no
qual o controle voluntário se incorpora através dos lentos e tortuosos processos do
desenvolvimento. É a coordenação do sistema nervoso vegetativo e dos centros
cerebrais superiores que está na origem desse controle.
A aquisição do controle da bexiga caracteriza-se, pois, pela mesma
variabilidade, os mesmos altos e baixos e as mesmas oscilações reguladoras que já se
fez notar quando esboçou-se o desenvolvimento do controle intestinal. Na verdade,
estudos demostram que existe uma correspondência significativa, de uma idade para
outra, no desenvolvimento destas duas funções. Há um quase paralelismo que se
assenta em fatores de maturidade comuns e coincidentes. Naturalmente que os
processos de orientação e de treino terão também muita coisa em comum.
Por volta das quatro semanas, o bebê pode ter, durante o sono, um curto
período de choro quando ocorre uma micção. É como se a passagem da urina e a
conseqüente umidade rompessem a inconsciência do sono com um relâmpago de
vigília.
Às dezesseis semanas, o número de micções diárias decresceu e o volume de
algumas delas aumentou distintamente. A natureza canaliza a produção da urina
segundo os mesmos métodos desenvolvimentistas pelos quais canaliza e consolida
períodos de sono do bebê.
Às vinte e oito semanas, comprova-se isso mesmo pelas fraldas encharcadas.
Ocorrem agora intervalos enxutos de uma a duas horas.
Às quarenta semanas, pode-se nota que o bebê se conserva enxuto durante uma
ora inteira após determinada soneca ou após uma hora de passeio no carrinho.
Levando em consideração esses períodos enxutos, a mãe poderá colocar o bebê no
vaso logo depois da soneca ou do passeio. Alguns bebês podem ser treinados desta
forma logo às vinte e oito semanas. Mas o controle limita-se a uma ou duas micções
durante todo o dia e está sujeito a falhas.
À medida que se desenvolve, vai adquirindo experiências que orientam o seu
desenvolvimento interior. Às quarenta semanas, e ainda mais tarde, o seu dedo
indicador se torna um instrumento de pesquisa para explorar o meio que a rodeia e
penetra assim na terceira dimensão. De forma análoga, explora ocasionalmente a urina
que produziu.
Com um ano de idade, pode continuar a aparecer enxuta depois das sestas. A
certas horas do dia pode não suportar as fraldas molhadas. É freqüente reagir bem à
colocação no vaso e parece ser um bom candidato ao treino. Mas o desenvolvimento
da postura ereta e do andar criam-lhe, aparentemente, dificuldades e resistências. E
perde-se tudo o que aprendera anteriormente.
Aos quinze meses diminuíram as dificuldades posturais. Gosta de estar sentada
no vaso e reage bem nas melhores ocasiões. Mas outras vezes opõe resistência. Dá isso
porque ela se encontra numa fase de transição em que a contração dos esfíncteres da
bexiga supera o relaxamento. A sua margem de retenção alargou-se para duas ou três
horas. A colocação no vaso pode estimulá- la a reter urina. Exercita essa capacidade
enquanto está sentada. No momento em que a retiram do vaso solta prontamente a
urina.
Aos dezoito meses, a linguagem assume um papel mais importante. Quando
lhe perguntam se precisa ir ao vaso, a criança pode responder com um delicado aceno
de cabeça com um não. Pode até, uma vez ou outra, antecipar-se ela própria a pedir,
servindo-se do termo uh, recentemente adquirido. As palavras que se radicaram na
experiência da criança servem-lhe de instrumento de controle.
Aos vinte e um meses, a sua tendência natural é, semelhante, de comunicar, a
menos que, insensatamente, lhe tenham batido. Essa comunicação faz parte do
processo de aprendizagem e desenvolvimento. Comunica ou anuncia não só depois,
mas por vezes, antes. Conta, fica muito contente com seus êxitos.
O pêndulo do desenvolvimento oscila da fase de contração (retenção) para uma
fase de relaxamento. O número de micções aumenta gradativamente.
Aos dois anos de idade, essas funções já estão bem mais equilibradas. Assim, a
criança de dois anos manifesta um decisivo progresso no seu controle. Não oferece
resistência à colocação rotineira no vaso. Pede claramente com antecedência. Pode ir
sozinha para o banheiro e abaixar a calça.
A duração da retenção está aumentando. Aos dois anos e meio pode alongar-se
por cinco horas ou mais. É neste período que a contração dos esfíncteres, tanto da
bexiga como do intestino, se encontra numa fase ascendente. As meninas, que em
geral se adiantam aos meninos no controle dos esfíncteres, podem acordar enxutas
mesmo depois de sestas relativamente compridas. A criança está aprendendo a parar
em meio de uma micção para depois continuar.
A criança de três anos, conforme já foi observado, acha-se em perfeito
equilíbrio. Assim, está igualmente bem treinada no controle da bexiga. Aceita a ajuda
alheia. Os desastres são pouco freqüentes. Se algum ocorre, pede que lhe mudem a
roupa. Algumas crianças desta idade dormem a noite inteira enxutas, outras chegam
mesmo a acordar por si e a pedir que as ponham no vaso. Ainda outras podem ser
levadas para lá sem chegarem a acordar.
3.2.3.6 – Interesses pessoais e Sexuais
Os problemas dos interesses pessoais e sexuais do bebê e da criança pequena
não são, afinal de contas, essencialmente diferentes daqueles de que tratou-se até aqui.
Os princípios de desenvolvimento e orientação que se aplicam ao sono, à alimentação
e à eliminação aplicam-se precisamente da mesma maneira à esquematização do
comportamento pessoal e sexual. Não existem leis únicas ou especiais para
organização das emoções. Realmente, os processos do desenvolvimento psicológico
são de tal modo integrados e unificados que uma orientação inteligente dos
comportamentos da alimentação, do sono e da eliminação quase garantem por si só
uma organização favorável das outras áreas de comportameto.
Na idade de quatro semanas, o rosto do bebê é geralmente impassível. Às oito
semanas, abre-se um sorriso espontâneo de sociabilidade à vista do rosto de outra
pessoa. Pode discutir-se, nesse momento, ele tem maior consciência do seu sorriso
interior ou do rosto exterior. Em qualquer dos casos, esta dupla referência está na base
da sociabilização e personalização da criança. Às dezesseis semanas, o sorriso social é
espontâneo ou auto-induzido.
Às vinte e oito semanas já reage de maneira diferente a um rosto estranho. Essa
discriminação mostra que já está se realizando o desenvolvimento de percepções
pessoais complexas. A criança já faz uma distinção elementar, um juízo sociopessoal.
Cerca da idade de quarenta semanas ou de um ano, já fez progressos
significativos no caminho da sua autodescoberta. Quer ele esteja sentado ou deitado,
os braços e as mãos têm agora maior liberdade de movimentos e o bebê serve-se deles
para explorar o seu próprio físico. Às dezesseis semanas levava a mão à boca; às vinte
semanas, tinha-as ocupadas acima do peito. Seguindo a tendência da cabeça para os
pés que é característica do desenvolvimento, às quarenta semanas (e mais tarde) as
mãos descem até as coxas. Tal como costumava entreter-se a mexer com os dedos de
uma das mãos nos da outra, assim estabelece agora contato com os órgãos genitais,
quando não está vestido. Essa manipulação exploratória é, em regra um acontecimento
mais ou menos passageiro no decurso da autodescoberta do seu físico.
No período que vai do ano aos dois anos, aumenta o seu quantitativo de
referências sociais. Embora a criança-bebê seja capaz de se entregar durante longos
intervalos a uma atividade de auto- absorção, estabelece igualmente contatos sociais
que constituem o encanto deste período etário.
Os dois anos é um período de transição em que a criança tanto se prende aos
seus ancoradouros como corta as amarras que as seguram a eles. A criança de dois
anos pensa que o mundo inteiro está povoado de mamães e que todas as crianças são
bebês. Este rasgo de generalização faz- lhe muita honra, mas a verdade é que ela ainda
tem muita coisa para aprender. Tem de distinguir entre a mamãe e uma mamãe. Tem
também de estabelecer uma distinção mais precisa entre a mãe e o pai. No decurso
normal dos eventos da vida familiar, tem-lhes notado diferenças na maneira de vestir e
no seu arranjo pessoal. As suas primeiras diferenciações do sexo fundamentam-se no
vestuário, no arranjo do cabelo e, possivelmente, na voz.
Por volta dos dois anos e meio, após ter ganho maior compreensão das suas
próprias funções urinárias, a criança mostra-se interessada pela diferença entre
meninos e meninas quanto ao modo como urinam. É o que pode-se chamar um
interesse genito-urinário, por ser esse o seu ponto de partida, e conduz a uma nova
consciência dos órgãos genitais próprios e alheios.
A criança de dois anos e meio tem um sentimento mais forte do eu. Dizendo eu
quero, eu preciso. Tanto é negativa como positiva. Dizendo eu não gosto. É capaz de
afirmar o seu próprio sexo através de uma negação: não, eu não sou menina.
Aos três anos a criança já adquiriu um sentimento bem equilibrado do eu. Não
tem acentuada preferência por um ou outro sexo, embora anteriormente possa ter
revelado uma fixação em relação a um deles, de modo que se faça pensar numa
possível tendência do seu temperamento. Sabe com segurança o sexo a que pertence.
O seu interesse pela anatomia humana continua a ser forte, fala espontaneamente e
com naturalidade nas diferenças já observadas. Interessa-se pela estrutura da vida
familiar na sua generalidade, embora de forma dispersa. Deseja Ter um bebê na
família da mesma maneira como deseja um triciclo.
3.2.3.7 – Atividade Individual, Sociabilidade e Autodependência
O complexo do crescimento nunca se detém. Pode-se compará- lo a um rio que
sempre corre, um rio muito complicado, cheio de correntes e contracorrentes,
redemoinhos e lagos tranqüilos, e, contudo, um rio que consegue cavar um leito e
alcançar um destino. Se o rio congelasse, a vida pararia. As correntes no interior do rio
têm os seus fluxos e refluxos. A força da corrente abranda, por vezes, como que para
ganhar forças para uma arremetida que depois, por seu turno, abranda igualmente.
Parece ser esta a fórmula do desenvolvimento para cada uma das áreas do
comportamento e também para a totalidade do organismo, ao longo de certo período
de tempo.
Em certa medida, a atividade individual e a sociabilidade são tendências
opostas. A natureza, através da maturação, e a cultura, através da orientação,
equilibram e harmonizam essas tendências. Uma atividade individual excessiva levá-
la-ia a um conformismo extremo.
O comportamento do bebê de quatro semanas é estável e coordenada. Durante
as suas curtas horas de vigília, notam-se um descontestamento de nova espécie no seu
choro do fim da tarde, como se procurasse às apalpadelas o caminho para uma
experiência nova. O bebê está menos satisfeito consigo mesmo. Parece desejar
qualquer contato social. O sorriso com que responde à presença de um rosto parece
revelar uma satisfação parcial desse vago desejo.
Nas dezesseis semanas, o bebê tem agora levíssimas manifestações de timidez
associadas às suas novas capacidades de percepção. Gostaria de estar sentado e de se
sociabilizar, mas não está ainda à altura de combinar sua atividade individual com a
sociabilidade. Gostaria de se pôr em posição de rastejar, mas ainda tem dificuldades
curiosas em coordenar a parte dianteira do corpo com a parte de trás. Essa
coordenação defeituosa é um sistema de desequilíbrio desenvolvimentista.
O bebê de vinte e oito semanas dá uma imagem clássica de autodependência,
quer esteja deitado de barriga ou de costas, quer esteja sentado. É capaz de combinar
as suas capacidades perceptuais com a postura de que pode dispor. É capaz de olhar,
manusear e sorrir, tudo ao mesmo tempo. Qualquer coisa lhe serve para brincar. Cria
facilmente amizades.
Por volta das trinta e duas semanas, o bebê perde a segurança postural.
Esforça-se por estar sentado sem o apoio que anteriormente aceitava e esforça-se
também para mudar de posição de sentado para a de pronação. Enleia-se no berço em
posições embaraçosas e não é capaz de sair delas. (A cultura tem de interferir para o
libertar.) Tem receio de pessoas estranhas. Fica excitado em demasia com os contatos
sociais e não consegue passar facilmente de uma situação de convívio social para um
entretenimento solitário. Quando deitado de barriga para baixo, é mais natural que se
mova para trás do que para frente.
Mas, as quarenta semanas, vai outra vez de vento em popa. Deitado de barriga,
é capaz de rastejar para diante e agarrar um objeto que lhe escapava. É capaz de sentar
sozinho, de guindar-se às alturas empolgantes da posição de pé, de brincar sozinho,
combinando objetos com o seu prazer e examinando-os com delicada coordenação
motora. Pela primeira vez, na sua existência, é capaz de correlacionar as suas posturas,
o domínio motor delicado e o comportamento social. Fica feliz no seu espaço.
Aos quinze meses, esta circularidade cede o passo a um comportamento
tangencial e propulsivo. A criança tornou-se bípede. Gosta de preciptar-se e de atirar
com coisas. Tem uma grande propensão para arremessar objetos sem olhar para onde.
(Quando tinha um ano, gostava de que os objetos se conservassem numa órbita em que
pudessem voltar-lhe a mão.) Por agora, este ativo bebê é capaz de se pôr em marcha,
mas não sabe parar. Do ponto de vista cultural, não está bem equilibrado.
Aos dezoito meses, a criança é ainda muito ativa, mas já tem maior domínio
sobre si. Já é mais uma pessoa com quem se possa tratar facilmente ao seu próprio
nível. Sem dúvida, na rotina do dia-a-dia, é capaz de estafar a mãe com exigências,
mas, por outro lado, aceita qualquer pessoa estranha como companheira nos seus
passeios. Basta-se de tal maneira a si mesma, brinca sozinha por duas horas
consecutivas. Maneja objetos com eficiência e segurança. Não se preocupa demasiado
com as pessoas. Revela, consequentemente, um elevado grau de autodependência,
apesar das tolices e caprichos da sua conduta.
Aos vinte e um meses, com o aumento de maturidade, torna-se outra vez mais
cônscia de outras pessoas a sua volta, por isso, a Ter medo dos estranhos. Prende-se
mais aos adultos da sua roda familiar. Tem um novo sentimento de propriedade das
coisas, o que lhe complica a vida, porque a cultura é bastante cega em relação aos
esquemas, através dos quais manifesta o seu conceito rudimentar de posse. Domina
mal o vocabulário, mas tem muita coisa para dizer e então berra de uma maneira que
dizem ser a mais irracional.
Mas a criança de dois anos é mais equilibrada e o seu sentido de orientação no
tempo e no espaço não é tão precário. Ajusta-se de forma mais completa aos espaços
familiares. Está mais à vontade com ela mesma e se dá por satisfeita em brincar
tranqüilamente em espaços mais limitados e com objetos menores. É capaz de brincar
ao lado de outras crianças assim como brincar sozinha. Gosta de brincar nessas
condições e de não interromper as brincadeiras dos outros. Não depende
excessivamente da mãe, mas gosta de a Ter por perto e oferece- lhe de vez em quando,
um sorriso aprovador. Está emocionalmente presa a ela, mas sem uma dependência
exagerada. É uma pessoa autodependente.
Todavia, passados seis meses, a criança perde quase por completo esse
comportamento, porque tem então dois anos e meio. Essa idade distingui-se pelas suas
espetaculares manifestações de instabilidade. Se as vinte e oito semanas dão o
exemplo clássico da autodependência, os trinta meses são o exemplo clássico do pólo
oposto. O perfil do comportamento desta idade aponta-se algumas das numerosas
tendências diametralmente opostas que lutam pela supremacia no complexo sistema de
ação da criança. Não se sente segura de si, a sua salvação reside nas suas rotinas. Estas
são o seu velho eu, em que ela pode confiar, pois domina-as bem. Assim, insiste nelas
com energia e persistência.
A criança de três anos de idade, pode se transformar num modelo de
autodependência. Mercê das suas vitórias batalhadas com as tendências opostas em
conflito, readquiriu a capacidade de escolha. Está segura de si e sob o aspecto
emocional, menos introvertida. Com a sua margem de tolerância alargada, dispõe de
uma reserva de boa vontade para com o gênero humano. A cultura pode lidar com ela
de igual para igual. Sente-se igualmente à vontade na roda familiar, na creche-escola,
no parque infantil. Mantém relações pessoais maleáveis tanto com o pai como com a
mãe ou com outras crianças. A atividade individual e a socialidade estão bem
proporcionadas. Executa as suas rotinas sensatamente. Utiliza o seu equipamento de
comportamento de maneiras culturalmente aceitáveis. Ou, mais precisamente, tem um
equipamento de comportamento eficiente porque, de momento, age numa situação de
bom equilíbrio. Tudo o mais decorre naturalmente daí.
Anexo
Para melhor compreensão destes períodos, o mesmo é apresentado sob forma
de tabela.
Idade Motor Linguagem
1 mês Ergue a cabeça quando está
de bruços, move
simetricamente os pés e as
mãos, tem dezenas de
reflexos que o fazem
agarrar coisas com força.
Reconhece o cheiro da mãe,
que é a única que o deixa
tranqüilo. Chora por tudo e
de tanto chorar descobre
que este é o melhoe recurso
para conseguir atenção.
2 meses Mantém a cabeça erguida
por mais tempo, levanta o
rosto, movimenta os olhos
acompanhando objetos.
Percebe ruidos com rapidez,
emite sons como “he” –
“hu” chora e sorri .
Reconhece o rosto da mãe.
3 meses Abre as mãos, agarra
objetos com firmeza,
levanta pés e mãos, reage a
barulhos e enxerga as cores.
Reage a barulhus
arregalando os olhos,
franzindo a testa e parando
de mamar. É o
amadurecimento da função
auditiva. Aprende que se
bater em um móbile
consegue um som como
resultado. É o início da
relação causa e efeito.
4 meses Pegam o que querem,
levantam as pernas e se
viram para os lados.
Chora quando é deixado
sozinho. É o primeiro sinal
da sociabilidade do bebê.
Procura a mãe virando a
cabeça e os olhos ao ouvir
sua voz. Já distingue bem os
sons da língua materna.
5 meses Lambe, morde e chupa tudo Reage diferente ao ouvir
ao seu alcance, quando
virado de bruços rola na
cama.
uma voz amável de uma
brava, pois já pode
discernir. Reconhece um
rosto familiar.
6 meses Elevam os braços, levam o
pé até a boca, viram
totalmente a cabeça para
localizar a origem de um
barulho ou procurar objetos
que caíram de suas mãos,
seguram objetos com as
duas mãos.
Balbucia “mama”, “papa”
sem associar a algum
significado.
7 meses Senta com certo equilíbrio,
gosta de ver figuras em
livros, aparecem os
primeiros dentes.
Entende o significado de
algumas palavras, como
“não”.
8 meses Pega e solta objetos pelo
chão, esperando que alguém
os pegue de volta. Procura
(objetos) brinquedos atrás
de móveis, imita os pais,
está pronto para engatinhar,
mas se locomove rolando,
arrastando a barriga ou o
bumbum.
Emite uma série de sons e
parece prestar atenção à
conversas. Reconhece o
próprio nome e olha para
quem o chamou.
9 meses Primeiros movimentos de
pinça, unindo polegar e
indicador, bate palmas e dá
tchau.
Balbucia constantemente
para ouvir a própria voz e se
diverte quando imita sons,
como tossir. Já guarda
algumas imagens na
memória como por exemplo
a imagem do pai. Até então
só recordava quando via a
pessoa.
10 meses Aponta com o indicador
mostrando o que deseja.
Engatinha grandes
distâncias.
Entende conceitos como
“aqui”, “lá”, “dentro”,
“fora”, “para cima”, “para
baixo”. Recorre ao “dá”para
ser atendido. Entende
quando os pais desaprovam
seu comportamento e sente
ciúme quando sua mãe pega
outra criança no colo.
11 meses Fica em pé segurando nas
paredes, anda com apoio.
Revela seu senso de humor,
adora gracejos e se irrita
quando é contrariado.
1 ano Anda com os braços abertos
para se equilibrar melhor.
Dorme bem à noite, joga
beijos.
A sociabilidade aumenta, dá
beijinhos, mas não fica
sozinho. Seu poder de
compreensão continua
sendo maior que sua
capacidade para falar.
Aprende duas palavras
novas por dia.
1 ano e 6 meses Anda para os lados e para
trás e até ensaia uma
corrida. Puxa e arrasta o que
encontra pela frente. Usa
objetos como vareta/
vassoura para pegar
brinquedos que tenham
caído debaixo da mesa ou
da cama.
Demonstra claramente o
que quer e o que não quer.
Recusa alimentos de que
não gosta e participa das
atividades domésticas.
Reconhece-se em uma
fotografia apontando e até
dizendo seu nome. Faz
frases de uma palavra só.
Fase de perguntar: O que é
isso?
2 anos Fecha um zíper, destampa Já começa a falar em tirar a
potes, abre trincos e calça
sapatos de fecho simples.
Tem dezesseis dentes.
fralda. Para de repetir
palavras e passa a responder
às perguntas e a conversa.
Ciumento, usa o pronome
possessivo “meu”para tudo
que deseja ser dele. Suas
respostas preferidas são
“não vou”, “não quero”,
“não gosto”; fase da
negatividade. As frases
aumentam e surge o plural.
2 anos e 6 meses Salta com os dois pés ao
mesmo tempo, anda na
ponta dos pés. Carrega
objetos sem perder o
equilíbrio e corre muito
bem. Monta e desmonta
brinquedos, empilha e
derruba.
Reconhece algumas cores.
Adiciona à linguagem
detalhes como adjetivos.
Mantém atenção por
períodos mais longos ao
ouvir uma história, pintar ou
ver desenho na tv. Está
aprendendo a conviver com
outras crianças mas ainda
manifesta sentimentos de
rivalidade e egoísmo. As
formas não verbais ficam
mais corretas e começa a
fase do porquê.
3 anos Tem habilidade motora para
tocar instrumentos musicais
simples, como tambor ou
gaita. É ágil pode fazer duas
coisas ao mesmo tempo,
chuta bola enquanto corre,
toma sorvete subindo
escadas, come e fala ao
A criança mais
independente dos pais,
relacionando-se melhor com
os outros. É generosa e
carinhosa com os adultos.
Está descobrindo as
diferenças entre os sexos.
Assim a menina reafirma
telefone. que é do sexo feminino,
repetindo o comportamento
da mãe enquanto o menino
imita o pai. Entendem tudo
a sua volta, mesmo quando
há velocidade. Seu
vocabulário triplicou nesses
últimos seis meses.
Conclusão
Para acompanhar e entender o desenvolvimento infantil é necessário ter em
mente que atos que inicialmente são apenas reflexos, vão se modificando e dando
origem aos esquemas de ação. Esses esquemas, ao se combinarem uns com os outros,
se tornam cada vez mais complexos.
A inteligência se constrói a partir do momento em que a criança nasce e tem
como grande facilitador a vivência de cada um. É importante lembrar que todo
desenvolvimento deve se dar de forma harmônica.
As funções do sistema nervoso – sensoriais, motoras, afetivas e intelectuais –
evoluem juntas. Cada uma dessas funções é dependente do progresso das outras. O ser
humano é um todo completamente indivisível, no qual alterações em qualquer uma das
partes se refletem em todas as outras e nas suas funções.
A afetividade entra como fator impulsionante de todo o desenvolvimento. É o
interesse da criança pelo meio que vai levá- la a explorá-lo e daí adquirir
conhecimento.
A organização motora se dá através do padrão flexor próprio do bebê, onde sua
atitude é em geral simétrica, com membros fletidos e mãos fechadas. Ao se manusear
um bebê, sempre deve-se buscar colocá- lo na posição chamada de padrão organizado.
Pois nesta posição ele estará mais relaxado e atento aos estímulos oferecidos. Assim, o
desenvolvimento motor vem aos poucos se manifestando através do rolar, arrastar e
engatinhar, até a criança ter condições de se colocar de pé, ter o equilíbrio necessário
para andar e correr.
O desenvolvimento da comunicação começa com o choro, que inicialmente
serve apenas para mostrar o desprazer, porém com o tempo, a criança passa a usá- lo
para comandar as ações a sua volta. Depois surgem as primeiras vocalizações
espontâneas. São normalmente relacionadas a momentos de prazer, mas sem nenhum
conteúdo intencional, apenas experimentando o som. Somente no quarto mês essa
vocalização passa a ser um pouco mais intencional.
No sexto mês de vida ocorre o amadurecimento das funções orais, alterando
padrões de sucção, com maior pressão intra-oral e movimentos predominantes de
língua. Esse fato é bastante importante, pois, é também nessa fase, em geral, que são
introduzidos novos alimentos.
Aos doze meses a linguagem compreendida da criança está mais desenvolvida
que a falada. Faz gestos com a mão e cabeça (tchau, beijo, não, etc), brinca bastante
com onomatopéias e usa as primeiras palavras.
A linguagem se encontra bem organizada e a criança faz uso de frases aos três
anos. É interessante observar também a evolução do desenho, que vai e organizando e
chega a esta fase com formas bem definidas e começando a aparecer cenas. Aqui a
criança cria o desenho mentalmente e pode dizer o que vai fazer antes de executá- lo.
Existe uma harmonia entre o crescimento de maxila / mandíbula. Ambas
evoluem com hipodesenvolvimento até o primeiro surto de crescimento ósseo aos três
anos. Neste surto ocorre um aumento da estrutura óssea, que vem acompanhado de
uma espécie de reorganização dos órgãos fonoarticulatórios (posicionamento de
língua, alterações nas funções, etc). Todo crescimento / desenvolvimento das
estruturas dos órgãos fonoarticulatórios está ligado ao exercício das funções do
sistema estomatognático (respiração, fala, sucção, mastigação e deglutição). Quanto
mais adequadas estiverem, mais harmonioso e apropriado será este desenvolvimento.
Bibliografia
1) BRANDÃO, Samarão. Desenvolvimento Psicomotor da mão. Rio de
Janeiro, Enelivros: 1984.
2) CANONGIA, Marly Bezerra. Psicomotricidade em Fonoaudiologia. Rio de
Janeiro, Edição do autor: 1986.
3) CORIAT, Lydia F. Maturação Psicomotora no Primeiro Ano de Vida da
Criança. São Paulo, Cortez e Moraes: 1977.
4) COSTE, J. C. A Psicomotricidade. Rio de Janeiro, Zahar: 1988.
5) FONSECA, V. e MENDES, N. Escola, escola, quem és tu? Porto Alegre,
Artes Médicas: 1983.
6) GESELL, Arnold A Criança dos 0 aos 5 Anos São Paulo, Martins Fontes:
1996.
7) GUILLARME, J. J. Educação e Reeducação Psicomotora. Porto Alegre,
Artes Médicas: 1983.
8) LAPIERRE, Aucouturier B. Simbologia dos Movimentos. Barcelona, 1977.
9) LE BOULCH, Jean. Rumo a uma Ciência do Moviment Humano. Porto
Alegre, Artes Mádicas Sul Ltda: 1987.
10) MARCHESAN, Irene Q. Fundamentos em Fonoaudiologia – Motricidade
Oral. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan: 1998.
11) MEUR, A . de e STAES, L. Psicomotricidade, Educação e Reeducação.
1989.
12) MYSAK, E. D. Patologias dos Sistemas da Fala. Rio de Janeiro, Atheneu:
1997.
13) OLIVEIRA, Gislene de C. Psicomotricidade. Rio de Janeiro, Vozes: 1997.
14) OLIVEIRA, Vera B. de. O Brincar e a Criança do Nascimento aos 6 Anos.
São Paulo, Vozes:2000
15) SILVA, Carlos dos S. e outros. Desenvolvimento Infantil em Debate.
Inepedec: 1984.