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1 DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO: DA DEPENDÊNCIA AO PROTAGONISMO DO AGRICULTOR POLAN LACKI CAPITULO 1. CRESCIMENTO AGROPECUÁRIO COM EQÜIDADE E NEOLIBERALISMO ECONÔMICO: DOS DITOS AOS FATOS Os países da América Latina necessitam que todos os seus agricultores façam uma agricultura rentável e competitiva; não só por imperativos de justiça social, mas também porque a agricultura em sua globalidade tem potencialidades para oferecer uma contribuição muito mais significativa à solução dos grandes problemas nacionais. No entanto, não poderá proporcionar tal contribuição enquanto a grande maioria dos agricultores da América Latina e o Caribe continuar praticando uma agricultura arcaica e rudimentar e cometendo algumas, várias ou todas as distorções que estão ilustradas no desenho no.4 deste documento. Porque as ineficiências de produção, gestão, comercialização de insumos e produtos ali indicadas, são as principais causas do subdesenvolvimento imperante no meio rural, o qual por sua vez contribui para o subdesenvolvimento nacional. Enquanto os agricultores não puderem introduzir inovações para eliminar estas ineficiências e aumentar seus baixos rendimentos, será virtualmente impossível que se tornem rentáveis e competitivos. Agora que já não existem subsídios para compensar estas distorções, os agricultores terão que eliminá-las ou aceitar que elas os expulsem do campo. No entanto, não é suficiente que tais inovações sejam apenas tecnológicas e que sejam introduzidas somente na etapa de produção propriamente dita.É necessário introduzir inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais e, além disso fazê-lo em todos os elos da cadeia agroalimentar; isto é no acesso aos insumos, na produção, na administração da propriedade, na transformação dos produtos e na comercialização dos excedentes; porque estes são os pré-requisitos para que eles se transformem em eficientes (ainda que sejam pequenos) empresários, capazes de obter insumos a preços mais baixos, de reduzir custos de produção, de melhorar a qualidade dos excedentes e de incrementar os seus preços de venda; e, como conseqüência da adoção destas medidas realistas, obter maiores receitas (ingressos, renda). A necessidade de que os agricultores sejam muito mais eficientes como requisito para se tornarem rentáveis e competitivos está fora de discussão; o problema reside em "como" e "com que" fazê-lo. Infelizmente, as tentativas feitas com tal propósito nos últimos 45 anos nos países da América Latina e Caribe, demonstraram que é virtualmente impossível consegui-lo, através do modelo convencional de desenvolvimento agropecuário; porque os governos, ainda que quisessem, não disporiam dos recursos na quantidade suficiente para oferecer todos os fatores clássicos de modernização (1*) à totalidade dos agricultores. O problema central é que existe uma profunda contradição entre: a) a urgência de tecnificar e modernizar a agricultura para aumentar a produção e a produtividade de todos os agricultores; e b) a não disponibilidade de recursos para fazê-lo pela via convencional fortemente dependente dos fatores clássicos recém mencionados. Se os países têm o imperativo de que todos os seus agricultores se modernizem e se não dispõem dos meios convencionais para fazê-lo, é necessário que, no mínimo, os governos proporcionem aos agricultores os conhecimentos (tecnologia e capacitação) para que eles possam desenvolver-se prescindindo ou pelo menos diminuindo sua dependência: - das nem sempre favoráveis nem oportunas decisões do governo; - dos insuficientes e muitas vezes ineficientes serviços do Estado; - dos geralmente inacessíveis recursos externos à propriedade (crédito, tecnologias de ponta,insumos de alto rendimento, maquinaria sofisticada, etc.) (2*)

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DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO: DA DEPENDÊNCIA AO PROTAGONISMO DO AGRICULTOR – POLAN LACKI

CAPITULO 1. CRESCIMENTO AGROPECUÁRIO COM EQÜIDADE E NEOLIBERALISMO ECONÔMICO: DOS DITOS AOS FATOS

Os países da América Latina necessitam que todos os seus agricultores façam uma agricultura rentável e competitiva; não só por imperativos de justiça social, mas também porque a agricultura em sua globalidade tem potencialidades para oferecer uma contribuição muito mais significativa à solução dos grandes problemas nacionais.

No entanto, não poderá proporcionar tal contribuição enquanto a grande maioria dos agricultores da América Latina e o Caribe continuar praticando uma agricultura arcaica e rudimentar e cometendo algumas, várias ou todas as distorções que estão ilustradas no desenho no.4 deste documento. Porque as ineficiências de produção, gestão, comercialização de insumos e produtos ali indicadas, são as principais causas do subdesenvolvimento imperante no meio rural, o qual por sua vez contribui para o subdesenvolvimento nacional.

Enquanto os agricultores não puderem introduzir inovações para eliminar estas ineficiências e aumentar seus baixos rendimentos, será virtualmente impossível que se tornem rentáveis e competitivos. Agora que já não existem subsídios para compensar estas distorções, os agricultores terão que eliminá-las ou aceitar que elas os expulsem do campo.

No entanto, não é suficiente que tais inovações sejam apenas tecnológicas e que sejam introduzidas somente na etapa de produção propriamente dita.É necessário introduzir inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais e, além disso fazê-lo em todos os elos da cadeia agroalimentar; isto é no acesso aos insumos, na produção, na administração da propriedade, na transformação dos produtos e na comercialização dos excedentes; porque estes são os pré-requisitos para que eles se transformem em eficientes (ainda que sejam pequenos) empresários, capazes de obter insumos a preços mais baixos, de reduzir custos de produção, de melhorar a qualidade dos excedentes e de incrementar os seus preços de venda; e, como conseqüência da adoção destas medidas realistas, obter maiores receitas (ingressos, renda).

A necessidade de que os agricultores sejam muito mais eficientes como requisito para se tornarem rentáveis e competitivos está fora de discussão; o problema reside em "como" e "com que" fazê-lo. Infelizmente, as tentativas feitas com tal propósito nos últimos 45 anos nos países da América Latina e Caribe, demonstraram que é virtualmente impossível consegui-lo, através do modelo convencional de desenvolvimento agropecuário; porque os governos, ainda que quisessem, não disporiam dos recursos na quantidade suficiente para oferecer todos os fatores clássicos de modernização (1*) à totalidade dos agricultores.

O problema central é que existe uma profunda contradição entre:

a) a urgência de tecnificar e modernizar a agricultura para aumentar a produção e a produtividade de todos os agricultores; e

b) a não disponibilidade de recursos para fazê-lo pela via convencional fortemente dependente dos fatores

clássicos recém mencionados. Se os países têm o imperativo de que todos os seus agricultores se modernizem e se não dispõem dos meios convencionais para fazê-lo, é necessário que, no mínimo, os governos proporcionem aos agricultores os conhecimentos (tecnologia e capacitação) para que eles possam desenvolver-se prescindindo ou pelo menos diminuindo sua dependência: - das nem sempre favoráveis nem oportunas decisões do governo; - dos insuficientes e muitas vezes ineficientes serviços do Estado; - dos geralmente inacessíveis recursos externos à propriedade (crédito, tecnologias de ponta,insumos de

alto rendimento, maquinaria sofisticada, etc.) (2*)

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Se não se diminui a dependência destes fatores reconhecidamente escassos, o crescimento com equidade continuará sendo o que tem sido até agora, ou seja, seguirá sendo um simples postulado de boas intenções; e o modelo vigente continuará negando oportunidades de tecnificação e por tal motivo excluindo a mais de 90% dos agricultores da América Latina, de qualquer possibilidade de tornarem-se rentáveis e competitivos; condenando-os a que sigam no arcaísmo tecnológico,gerencial e comercial, ilustrado no desenho no. 4 e que dali sejam expulsos ao mundo da miséria das periferias das grandes cidades.

Nas atuais circunstâncias dos países da Região (neoliberalismo, enxugamento da máquina do Estado, restrição ao crédito, eliminação dos subsídios, etc), não existe qualquer possibilidade de que os agricultores possam desenvolver-se, se continua tentando fazê-lo através do referido modelo convencional; a equidade é incompatível com o modelo vigente. Insistir nele significaria seguir desperdiçando tempo e recursos cada vez mais escassos, criando falsas expectativas nos agricultores e postergando a solução dos angustiantes problemas deles e dos países.

No entanto, por imperativos econômicos, sociais, políticos e especialmente éticos, os governos não podem renunciar ao objetivo da equidade; isto significa que o Estado deverá adotar medidas que sejam capazes de compatibilizar as urgentes necessidades de uma enorme quantidade de agricultores com as cada vez mais limitadas possibilidades dos governos em satisfazê-las. Os governos estão sendo obrigados a oferecer oportunidades de modernização a todos os seus agricultores porque os países necessitam urgentemente:

a) aumentar a produção, a produtividade e a renda de todos os agricultores; b) abastecer de alimentos a crescente número de habitantes urbanos a preços que sejam compatíveis com o baixíssimo poder aquisitivo da maioria deles; c) gerar excedentes agrícolas de melhor qualidade e menor custo, sem os quais não poderão: - fazer economicamente viável o desenvolvimento das agroindústrias nacionais; - competir com êxito nos cada vez mais abertos mercados internacionais;

- gerar as divisas necessárias para financiar as importações. Se os governos não o fizerem estarão em grande parte comprometidos os esforços para promover o desenvolvimento nacional, porque na maioria dos países este depende muito estreitamente do desempenho da sua agricultura. Esta modernização, no entanto, já não poderá ser conseguida pela via paternalista, fortemente dependente

de crédito, subsídios e protecionismo. Isto significa que a partir de agora: a) Agricultura rentável e competitiva terá que ser sinônimo de agricultura eficiente, no acesso aos insumos, na produção, na administração da propriedade, no processamento e conservação dos produtos e na comercialização dos excedentes. b) Só poderá ser rentável a agricultura que graças a sua eficiência: - reduza custos unitários de produção e - incremente preços de venda dos excedentes.

c) Só poderá ser competitiva a agricultura que: - melhore a qualidade dos excedentes e - reduza custos de produção. d) Só poderá existir equidade se oferece a todos os agricultores alternativas de modernização que sejam compatíveis com os recursos que eles realmente possuem, por escassos que sejam. Para a imensa maioria dos agricultores só poderá haver equidade se lhes oferecem tecnologias de baixo ou custo zero que possam ser adotadas sem necessidade de recorrer a fatores externos, porque tal maioria simplesmente não pode adquiri-los.

e) Terão maior possibilidade de êxito econômico os agricultores que, além de produzir com muita eficiência, se organizarem para fazer investimentos em conjunto e se encarregarem eles mesmos de uma maior parte das demais etapas da cadeia agroalimentar (ou negócio agrícola).(4*)

f) De pouco servirão as cada vez mais distantes e improváveis promessas de macrodecisões políticas de âmbito nacional se dentro das propriedades, por falta de adequadas medidas tecnológicas e gerenciais, os agricultores: - continuarem produzindo excedentes muito pequenos e de má qualidade;

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- continuarem obtendo tais excedentes com baixos rendimentos e consequentemente com altos custos unitários de produção; - continuarem tendo grandes perdas na colheita e posteriores a ela; - continuarem vendendo os excedentes no atacado sem agregar-lhes valor e ao primeiro elo de uma longa cadeia de intermediários. Ainda que existissem subsídios, estes não seriam suficientes para corrigir as graves ineficiências e distorções que ocorrem nos distintos elos da cadeia agroalimentar (dentro e fora da propriedade).

g) Em grande parte, os insumos materiais que são insuficientes ou inacessíveis, terão que ser substituídos por (ou potencializados com) insumos intelectuais (tecnologias apropriadas, capacitação e estímulos); os agricultores terão que utilizar integral e racionalmente seus recursos próprios e aplicar corretamente tecnologias que sejam compatíveis com tais recursos; ao otimizar o rendimento dos recursos que possuem, estarão seguindo o caminho lógico para tornarem-se menos dependentes de recursos que não possuem.

h) O principal fator de produção será o conhecimento adequado e não tanto o recurso abundante. Terão mais possibilidades de êxito os agricultores que saibam solucionar seus problemas e não tanto os que tenham com que fazê-lo; dispor de recursos materiais não será suficiente se os agricultores não tiverem os conhecimentos para aproveitar as potencialidades e oportunidades de desenvolvimento que existem em suas propriedades.

1.Créditos, insumos de alto rendimento, animais de alto potencial genético, equipamentos modernos, obras de infraestrutura, subsídios, garantias oficiais de preços e de comercialização, etc.

2.Esta proposta de menor dependência não significa que os fatores externos sejam desnecessários; não significa que os países poderão modernizar sua agricultura, sem decisões de governos, sem serviços do Estado e sem insumos e equipamentos modernos; seria irracional e ingênuo propor que no mundo moderno se faça uma agricultura rentável e competitiva sem irrigação, fertilizantes, maquinaria, etc. O que se advoga é proporcionar aos agricultores às condições descritas nos capítulos 4 e 5 deste documento para que eles possam começar a tecnificar as suas atividades mesmo que não tenham acesso, como de fato não o tem, a imensa maioria dos agricultores da América Latina, aos fatores externos de modernização antes mencionados.; só assim poderá haver equidade.

3.Se estima,baseando-se em fontes confiáveis, que na média dos países da América Latina, sequer 10% dos agricultores têm acesso a estes fatores de modernização, de forma eficiente, completa e permanente)

4. Como por exemplo: produzir em suas propriedades parte dos insumos; fazer o processamento primário das colheitas a nível de propriedade ou comunidade para incorporar-lhes valor; e comercializar os insumos e os excedentes em conjunto para fazê-lo com menor intermediação,

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CAPITULO 2. EQÜIDADE E RENTABILIDADE: COM MAIS RECURSOS OU COM MELHORES CONHECIMENTOS?

A profunda contradição que existe entre: a) ter a urgente necessidade de que todos os agricultores se modernizem; e b) não dispor no presente (e provavelmente em um futuro previsível) dos recursos para fazê-lo pela via convencional, nos conduz à óbvia necessidade de dotar os agricultores de conhecimentos, habilidades, destrezas e atitudes para que eles mesmos queiram, saibam e possam protagonizar a solução dos seus próprios problemas através de um modelo:

- mais endógeno, no sentido de que seja baseado no desenvolvimento dos recursos que os agricultores realmente possuem (mão-de-obra, um pouco de terra e alguns animais) e não daqueles que desejaríamos que possuíssem; - mais autogestionário no sentido de que os próprios agricultores possam solucionar seus problemas, mesmo que não contem com decisões favoráveis e nem com serviços eficientes do Estado; - mais auto-suficiente de modo que, parte dos recursos financeiros necessários para adquirir os insumos modernos, possam ser gerados nas próprias propriedades; e sobre tudo - muito mais eficiente, no sentido de que os recursos próprios ou adquiridos produzam na plenitude de suas potencialidades (5*); porque tal como o demonstra este documento, os baixíssimos rendimentos da agricultura latino-americana são conseqüência, em grande parte do mau uso dos recursos disponíveis e da aplicação em forma equivocada de tecnologias que são inadequadas aos recursos existentes. Neste modelo mais endógeno e mais autogestionário a equidade, a rentabilidade e a competitividade dos agricultores terão que passar obrigatória e inexoravelmente: 1- por uma forte introdução de "insumos intelectuais" para que os agricultores sejam muito mais eficientes nos aspectos produtivos, gerenciais e comerciais; 2- pela correta adoção de tecnologias que sejam poupadoras de fatores escassos e ocupadoras de fatores abundantes; 3- pela maior produtividade do homem e da terra, como formas de contrapor a insuficiência de recursos produtivos e de "produzir mais e melhor com menos recursos"; 4- pela eficiente administração das propriedades para usar integral e racionalmente os recursos disponíveis e eliminar eventuais ociosidades e superdimensionamentos; estes dois últimos podem ser diminuídos na medida em que aumenta a produtividade e o rendimento dos fatores de produção; 5- pela diminuição no custo e na quantidade dos insumos, especialmente dos externos a propriedade; 6- pela redução nos custos unitários de produção e pelo melhoramento da qualidade dos excedentes (como

consequência natural da correta adoção das cinco medidas anteriores); 7- pela diminuição das perdas durante e posteriores à colheita; 8- pelo processamento primário das colheitas, ainda que seja, em pequenas agroindústrias familiares ou comunitárias, com o fim de incorporar valor e conservá-las para poder vendê-las na entressafra, obtendo assim melhores preços; 9- pela redução dos elos da cadeia de intermediação (de insumos e produtos) com o propósito de diminuir o custo dos insumos e incrementar o preço dos excedentes.

Devido a eliminação dos subsídios, somente serão rentáveis aqueles agricultores que adotarem em forma integral e correta estas nove medidas, porque só através delas poderão reduzir ao mínimo a quantidade e o custo das entradas e simultaneamente, incrementar ao máximo, a quantidade, a qualidade e o preço das saídas. Fora deste caminho, difícil porém realista, parece que nas atuais circunstâncias não existe outra alternativa para tornar economicamente viáveis a todos os agricultores.

Pelas razões já analisadas, este conjunto de indispensáveis mudanças já não poderá ser tão fortemente dependente das ineficazes e inacessíveis medidas que tradicionalmente os agricultores solicitam aos governos(créditos abundantes com prazos mais longos e juros mais baixos; mais subsídios; mais anistias e refinanciamentos de dívidas, maiores impostos para as importações; protecionismos e taxas compensatórias; taxa de câmbio mais favorável frente ao dólar; etc). Ainda que estas medidas sejam desejáveis, infelizmente é cada vez menos provável que os governos as adotem.

Por tal motivo, os agricultores terão que mudar a sua pauta de reivindicações e exigir que os governos lhes proporcionem o conhecimento, porque este é o mais importante fator de desenvolvimento no mundo moderno; entre outras razões porque:

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- em muitos casos, o fator conhecimento é suficiente para solucionar os problemas mais imediatos dos agricultores; - O referido fator é o único que tem o grande mérito de torná-los menos dependentes do fator mais escasso(capital) e de outros fatores que os governos não lhes proporcionam e provavelmente não lhes proporcionarão (créditos, subsídios, etc). Em suas reivindicações os líderes sindicais deverão outorgar menos ênfase em solicitar aqueles fatores que contribuem a perenizar a sua dependência de decisões, serviços e recursos externos; e outorgar mais ênfase em exigir os conhecimentos, porque estes são os únicos que lhes permitirão emancipar-se das dependências externas. O fator conhecimento (tecnologias apropriadas, capacitação, etc) lhes daria as condições para que aplicassem integral e corretamente as nove medidas recém mencionadas e ao fazê-lo tornar-se-iam:

a) mais eficientes, mais auto-suficientes, mais autodependentes e mais autogestionários na solução dos seus próprios problemas; e

b) consequentemente muito menos dependentes de subsídios, créditos e outras decisões e serviços do Estado. A comparação entre os desenhos no.4 e no.8 confirma este postulado.

A agricultura dos tempos modernos já não pode estar submetida a improvisações emergenciais; a correção das suas ineficiências e distorções já não pode continuar esperando pelos cada vez mais improváveis artificialismos efêmeros que dependem de recursos que os agricultores não possuem e de serviços estatais aos quais eles não têm acesso.

A agricultura é uma atividade econômica e como tal só poderá sustentar-se se é rentável; e para que isso seja possível deverá ser encarada com uma visão empresarial. A forma profissional e empresarial de fazer agricultura requer que os agricultores tenham melhores conhecimentos, habilidades, aptidões e destrezas; porque estas lhes proporcionarão a auto-suficiência técnica e especialmente a autoconfiança anímica para que eles mesmos possam assumir o protagonismo na solução de seus próprios problemas.

É necessário proporcionar-lhes os conhecimentos para que possam solucionar os seus próprios problemas, de forma mais endógena e autogestionária, pelas seguintes razões:

1. As distorções produtivas, gerenciais e comerciais ilustradas no desenho no. 4, cujas correções não necessariamente dependem de decisões externas nem de recursos adicionais, causam muitíssimo mais dano econômico aos agricultores que a falta de leis, de decisões políticas,de crédito, de subsídios e de protecionismo; além do mais a correção das referidas distorções está ou deveria estar ao alcance dos próprios agricultores; enquanto que as decisões e recursos externos não estão ao alcance deles; isto sugere que é mais frutífero e pragmático enfatizar os fatores controláveis pelos agricultores que os incontroláveis por eles.

2. Os governos dos endividados países da América Latina e Caribe não dispõem dos recursos em quantidade suficiente: a) para enfrentar os subsídios que os poucos países desenvolvidos concedem aos seus agricultores; (6*) b) para fabricar ou importar os insumos e maquinaria, em quantidade suficiente para proporcioná-los à totalidade dos agricultores; c) para financiar as caras obras de infra-estrutura (irrigação, drenagem, armazenagem, etc); d) para outorgar a todos os agricultores o crédito que seria necessário para financiar os insumos, as maquinarias e custear as políticas oficiais de garantias de preços mínimos e comercialização. É por esta razão de fundo, que as boas intenções das pessoas que propõem modernizar a agricultura especialmente através de ajudas exógenas, continuam permanecendo como boas intenções, porque não existem recursos nem agilidade institucional para levá-las à prática. De pouco serve adotar boas decisões políticas se não existem abundantes recursos financeiros para transformar as intenções em realidades. Onde obter os recursos para chegar à equidade (oferecer os fatores exógenos a 100% dos agricultores), se na atualidade sequer 10% dos produtores tem acesso aos referidos fatores?

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3. Os fatores externos pelos quais os agricultores esperaram durante as últimas décadas, mesmo que sejam sempre desejados e às vezes desejáveis; ainda que sejam facilitadores e aceleradores de inovações tecnológicas, nem sempre são imprescindíveis nem tão eficazes como pensam as pessoas que não conhecem outras alternativas de tecnificação.

Inumeráveis experiências têm demonstrado que, mesmo quando estes fatores não estão disponíveis: a) é perfeitamente possível começar (7*) a modernizar a agricultura e que depois que isto ocorra;

b) é possível gerar nas propriedades, parte dos recursos que são necessários para adquirir aqueles insumos externos requeridos somente nas etapas mais avançadas de modernização; com a única condição de que se lhes proporcionem as tecnologias e a capacitação para que os produtores possam fazê-lo com os recursos que já possuem.

Trabalhos de pesquisa agropecuária e numerosas experiências de campo têm demonstrado que para melhorar a sua produção e produtividade, os pequenos agricultores não necessariamente precisam adotar, desde o princípio, as chamadas "tecnologias de produto", as que para ser aplicadas dependem de fertilizantes sintéticos, pesticidas e equipamentos caros e escassos. Tais pesquisas e experiências demonstram que a grande maioria dos agricultores necessitam em primeiro lugar, das chamadas "tecnologias de processo ou de conhecimento" que estão incorporadas ao desenho no. 6, como por exemplo: rotação de culturas, diversificação, execução das atividades em forma correta e no momento adequado, espaçamento ideal de semeadura, eliminação oportuna das ervas daninhas utilizando mão-de-obra familiar ou animais de tração, redução das perdas pós-colheita, manejo dos animais, etc.

Estas tecnologias de processo têm a vantagem que para ser aplicadas não necessitam de crédito nem de insumos de alto custo e, consequentemente poderiam estar ao alcance dos agricultores de escassos recursos; elas apenas exigem conhecimentos.

Ao cometer o crônico equívoco de priorizar o uso das "tecnologias de produto", sem haver adotado previamente as "tecnologias de processo", os insumos externos caros e escassos se desperdiçam, não produzem os resultados que potencialmente poderiam e deveriam produzir(8*) e, por fim frustram os esforços que governos e agricultores fazem para modernizar a agricultura.

Muitos projetos de modernização da agricultura fracassam porque:

a) se superestima a importância e eficácia dos fatores externos à propriedade e a comunidade rural, e se subestima a importância de capacitar aos agricultores para que possam desenvolver-se com menor dependência dos fatores externos;

b) se propõem aos agricultores que se desenvolvam através de um modelo não viável, porque dependente de recursos sempre insuficientes, geralmente inexistentes e muitas vezes desnecessários;

c) se solicita aos agricultores que façam o que não podem e com recursos que não possuem, em vez de pedir-lhes que façam o que podem com os meios que estão disponíveis em suas propriedades;

d) se espera que o Estado solucione os problemas dos agricultores, em vez de proporcionar-lhes os conhecimentos para que eles mesmos possam fazê-lo;

e) se ignora o fato de que as melhores decisões políticas de pouco servem se dentro das propriedades e comunidades não existe eficiência tecnológica e racionalidade gerencial;

f) e finalmente se tenta corrigir com subsídios e outros artificialismos efêmeros e excludentes as ineficiências dos distintos elos da cadeia agroalimentar, em vez de oferecer conhecimentos aos agricultores para que eles reduzam seus custos de produção e incrementem seus preços de venda; e, através destas duas medidas realistas, se tornem menos dependentes dos inacessíveis e insuficientes subsídios.

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Estes e muitos outros erros cometidos nos últimas décadas estão demonstrando que a solução dos principais problemas dos agricultores não necessariamente depende de decisões políticas, nem sempre depende da alocação de recursos adicionais; mas sim depende especialmente de que os agricultores tenham conhecimentos para saber adotar em forma correta medidas tecnológicas e gerenciais que sejam compatíveis com os recursos que possuem.

Quando o êxito da agricultura dependia fortemente dos fatores externos antes mencionados e quando nos organismos (9*) nos quais se decidiam os créditos e os subsídios, realmente existiam recursos para fazê-lo, era lógico que as decisões fossem políticas, que fossem adotadas na capital do país e formuladas pelos profissionais urbanos que lá trabalhavam. Porém, agora que o êxito da agricultura depende da eficiência tecnológica e gerencial, as decisões deverão ser técnicas, deverão ser adotadas nas propriedades e comunidades rurais e consequentemente deverão ser formuladas e executadas pelos profissionais agrários; estes ao dominar os temas de tecnologias agropecuárias e administração rural, são os que têm (ou deveriam ter) a auto-suficiência técnica e a autoconfiança anímica para conseguir que os agricultores adotem de forma correta as nove medidas indicadas neste documento; porque são estas medidas realistas as que têm o mérito de ser passíveis de ser adotadas por todos os agricultores e de ser eficazes na solução dos problemas cotidianos da grande maioria deles.

No próximo capítulo se fará um diagnóstico, sem eufemismos, sobre os seguintes temas: - quais são os problemas reais (não os aparentes) da grande maioria dos agricultores da América Latina; - quais são as causas elimináveis que originam tais problemas; - quais são seus problemas solucionáveis; - quais são as necessidades mais imediatas (não os desejos) desses agricultores para que eles possam solucionar os seus problemas.

Sublinhamos intencionalmente alguns vocábulos deste último parágrafo com o propósito de indicar que muitos projetos de modernização da agricultura tem fracassado por tentar: solucionar os problemas aparentes em vez de solucionar os problemas reais; remover causas não controláveis em vez de eliminar as

controláveis; tentar resolver problemas não solucionáveis em vez de resolver os solucionáveis; e finalmente satisfazer aos agricultores no que eles solicitavam em vez de proporcionar-lhes o que necessitavam.

c) se solicita aos agricultores que façam o que não podem e com recursos que não possuem, em vez de pedir-lhes que façam o que podem com os meios que estão disponíveis em suas propriedades;

d) se espera que o Estado solucione os problemas dos agricultores, em vez de proporcionar-lhes os

conhecimentos para que eles mesmos possam fazê-lo;

e) se ignora o fato de que as melhores decisões políticas de pouco servem se dentro das propriedades e comunidades não existe eficiência tecnológica e racionalidade gerencial;

f) e finalmente se tenta corrigir com subsídios e outros artificialismos efêmeros e excludentes as ineficiências dos distintos elos da cadeia agroalimentar, em vez de oferecer conhecimentos aos agricultores para que eles reduzam seus custos de produção e incrementem seus preços de venda; e, através destas duas medidas realistas, se tornem menos dependentes dos inacessíveis e insuficientes subsídios.

Estes e muitos outros erros cometidos nos últimas décadas estão demonstrando que a solução dos principais problemas dos agricultores não necessariamente depende de decisões políticas, nem sempre depende da alocação de recursos adicionais; mas sim depende especialmente de que os agricultores tenham conhecimentos para saber adotar em forma correta medidas tecnológicas e gerenciais que sejam compatíveis com os recursos que possuem.

Quando o êxito da agricultura dependia fortemente dos fatores externos antes mencionados e quando nos organismos (9*) nos quais se decidiam os créditos e os subsídios, realmente existiam recursos para fazê-lo, era lógico que as decisões fossem políticas, que fossem adotadas na capital do país e formuladas pelos profissionais urbanos que lá trabalhavam. Porém, agora que o êxito da agricultura depende da eficiência tecnológica e gerencial, as decisões deverão ser técnicas, deverão ser adotadas nas propriedades e comunidades rurais e consequentemente deverão ser formuladas e executadas pelos

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profissionais agrários; estes ao dominar os temas de tecnologias agropecuárias e administração rural, são os que têm (ou deveriam ter) a autosuficiência técnica e a autoconfiança anímica para conseguir que os agricultores adotem de forma correta as nove medidas indicadas neste documento; porque são estas medidas realistas as que têm o mérito de ser passíveis de ser adotadas por todos os agricultores e de ser eficazes na solução dos problemas cotidianos da grande maioria deles.

No próximo capítulo se fará um diagnóstico, sem eufemismos, sobre os seguintes temas:

- quais são os problemas reais (não os aparentes) da grande maioria dos agricultores da América Latina; - quais são as causas elimináveis que originam tais problemas; - quais são seus problemas solucionáveis; - quais são as necessidades mais imediatas (não os desejos) desses agricultores para que eles possam solucionar os seus problemas.

Sublinhamos intencionalmente alguns vocábulos deste último parágrafo com o propósito de indicar que muitos projetos de modernização da agricultura tem fracassado por tentar: solucionar os problemas aparentes em vez de solucionar os problemas reais; remover causas não controláveis em vez de eliminar as controláveis; tentar resolver problemas não solucionáveis em vez de resolver os solucionáveis; e finalmente satisfazer aos agricultores no que eles solicitavam em vez de proporcionar-lhes o que necessitavam.

5.(A necessidade de contar com recursos externos é inversamente proporcional à eficiência e a racionalidade com que o agricultor utiliza os recursos internos da propriedade; mais eficiência produz menos dependência e vice-versa.)

6. Só em 1992, tais países concederam aos seus agricultores subsídios no valor de US$ 356 bilhões; para efeito comparativo é interessante mencionar que o montante atual da dívida externa dos 33 países da América Latina e Caribe, é aproximadamente 438 bilhões de dólares.

7. A comparação entre as figuras 2 e 6 corrobora esta afirmação.

8. O fato de fazer uma agricultura de monocultura, mais química que biológica, sem diversificação, nem

rotação de culturas, está exigindo a incorporação de crescentes quantidades de fertilizantes sintéticos e de pesticidas, com o inconveniente de que estes são cada vez menos eficazes e menos eficientes; esta é uma importante razão pela qual a relação insumo/produto é cada vez mais desfavorável para o agricultor, porque este se vê obrigado: a) a adquirir uma quantidade cada vez maior de insumo para obter a mesma quantidade de produto colhido; e b) entregar uma maior quantidade de produto para adquirir a mesma quantidade de insumo.

9. Congresso Nacional, Ministério da Fazenda, Banco Central, etc.

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CAPITULO 3. OS GRANDES PROBLEMAS DOS PEQUENOS AGRICULTORES

Na América Latina, mais de 13,5 milhões de pequenos agricultores vivem uma realidade produtiva e comercial similar a que aparece no desenho no.4 [1]. Eles representam 78% do total das unidades de produção agropecuária desta Região [2]. Esses agricultores enfrentam múltiplos problemas e dificuldades, os quais para efeitos didáticos classificamos em duas categorias:

a) problemas externos: aqueles que se originam fora das propriedades e comunidades, ou cuja solução não depende ou está fora do controle dos agricultores;

b) problemas internos: os que se originam dentro das propriedades e comunidades, e cuja solução está (ou poderia estar) ao alcance das famílias rurais.

3.1 PROBLEMAS EXTERNOS

Os principais problemas externos são os seguintes:

a) Ausência de políticas agrícolas claras e estáveis.

b) Na formulação das políticas globais de desenvolvimento os governos discriminam a agricultura; e na formulação das políticas agrícolas, discriminam os pequenos produtores agropecuários e especialmente as mulheres agricultoras.

c) As políticas agrícolas são definidas em forma centralizada e vertical, sem considerar as reais necessidades dos pequenos agricultores e sem levar em conta se eles estão em condições ou não de levá-las à prática; os agricultores não têm canais para encaminhar suas demandas nem têm força política para reivindicar que elas sejam atendidas.

d) A terra é insuficiente, de má qualidade e localizada em áreas marginais; além disso, muitas vezes os camponeses não detém os respectivos títulos de posse.

e) Os recursos de capital, tais como maquinaria, instalações e animais de trabalho e produção, são de acesso muito limitado para os pequenos agricultores.

f) Os serviços agrícolas de apoio são insuficientes em sua cobertura e ineficientes em seu funcionamento, com o que excluem a grande maioria dos produtores agropecuários e não respondem as suas necessidades concretas.

g) O crédito rural oficial é escasso e burocratizado; a ele não tem acesso a grande maioria dos agricultores e muito menos as agricultoras.

h) As tecnologias agropecuárias em grande parte são inadequadas para as circunstâncias específicas dos pequenos agricultores; agrava esta situação o fato que, quando são adequadas, não chegam aos seus destinatários, em virtude das evidentes e lamentáveis debilidades dos serviços de extensão rural.

i) Os insumos industrializados são caros, os preços de venda da produção são baixos e a comercialização é instável, com o que se origina uma relação insumo/produto desfavorável.

j) O poder aquisitivo da maioria dos consumidores urbanos é baixo, este fato limita a expansão do mercado interno e reduz os preços de venda dos produtos agropecuários.

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k) As restrições, subsídios e protecionismos impostos pelos países desenvolvidos dificultam as exportações e estimulam as importações de alimentos a preços subsidiados, prejudicando duplamente os produtores nacionais.

l) A contínua baixa no câmbio real(dólar x moedas nacionais) estimula a importação e desestimula a exportação de produtos agrícolas, ambas prejudiciais aos agricultores.

m) Os pagamentos correspondentes ao serviço da dívida externa e outras formas de exportação de capitais, limitam as possibilidades dos governos de alocar recursos adicionais ao desenvolvimento nacional em geral e ao desenvolvimento do setor agropecuário em particular.

n) Existe uma permanente transferência de recursos do setor rural-agrícola ao setor urbanoindustrial.

Como é fácil constatar, os problemas externos antes mencionados são reais e incidem negativamente no desenvolvimento agropecuário. Infelizmente suas soluções dependem de fatores que estão fora do controle dos agricultores e alguns deles até dos próprios governos. É improvável que os agricultores consigam solucioná-los, a menos que através de um processo de organização canalizem suas demandas e obtenham o poder político para reivindicá-las.

3.2 PROBLEMAS INTERNOS

Além dos problemas externos antes mencionados, os pequenos agricultores têm também crônicos e gravíssimos problemas internos, gerados dentro das suas propriedades e comunidades. Ao contrário dos problemas externos, que têm sido objeto de permanentes e profundos estudos, os problemas internos têm sido minimizados e ignorados. É lamentável que sua importância tenha sido subestimada porque:

- sua eliminação poderia minimizar em grande parte os problemas externos ou reduzir sua importância relativa;

- e sua solução está ou poderia estar ao alcance dos próprios agricultores, se o Estado lhes oferecesse o apoio mínimo que reconhecidamente está dentro de suas possibilidades proporcionar.

Os problemas internos mais importantes são os seguintes:

a) Em virtude de que não se oferecem aos agricultores oportunidades de desenvolver o seu potencial humano e elevar sua autoconfiança e desejo de superação, os produtores geralmente nem sequer estão conscientes de que eles mesmos poderiam solucionar muitos dos seus problemas produtivos e econômicos;e que em suas propriedades estão disponíveis os recursos mínimos para começar o seu autodesenvolvimento.

b) Os pequenos agricultores não estão capacitados para identificar as causas internas (geralmente de

difícil percepção, porém de fácil eliminação) que originam os seus problemas; ao não conhecê-las ou ao subestimar a sua importância, não se preocupam em eliminá-las ou atenuá-las; em vez disso se dedicam a identificar as causas externas, a corrigir conseqüências (de fácil percepção, porém de difícil solução) e a buscar em vão agentes também externos que lhes ajudem a solucionar os seus problemas; quer dizer, deixam de fazer o que podem por tentar fazer o que não podem.

c) Os pequenos agricultores também não estão treinados para administrar as suas propriedades com eficiência; utilizar plena e racionalmente os recursos mais abundantes, economizando os mais escassos; introduzir corretamente tecnologias apropriadas e menos dependentes de insumos externos; aumentar rendimentos por superfície e por animal; produzir maiores e melhores excedentes para o mercado; agregar valor aos produtos; e reduzir custos unitários de produção.

d) Tampouco estão organizados para adquirir os insumos e outros fatores de produção, nem para comercializar seus excedentes em condições mais favoráveis. Estas circunstâncias mantêm o círculo vicioso, no qual a agricultura ineficiente não gera os recursos necessários para aumentar a sua renda (receita). Na falta desta, os agricultores não podem comprar alguns insumos externos que são necessários para modernizar a agricultura, melhorar a capacidade produtiva e gerar renda adicional.

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É evidente que estas distorções não ocorrem por culpa dos agricultores ou porque eles são resistentes às mudanças, mas sim:

i) por não ter-lhes sido oferecidas alternativas tecnológicas e gerenciais compatíveis com os recursos que efetivamente possuem; e

ii) por não ter sido treinados adequadamente para que utilizem racionalmente tais recursos, adotem corretamente as referidas alternativas tecnológicas, organizem as suas comunidades e, com estas medidas, solucionem os seus problemas mais imediatos. Para reafirmar a importância destes problemas internos e sua forte e crucial incidência negativa na renda das famílias rurais, a seguir se analisará quais são os procedimentos que adotam os agricultores, da porteira para dentro e da porteira para fora.

3.2.1 O QUE ACONTECE NA ETAPA ANTERIOR AO PROCESSO PRODUTIVO PROPRIAMENTE DITO?

Os pequenos agricultores compram no varejo os poucos insumos que adquirem, o fazem de forma individual, em pequenas quantidades, adquirindo produtos processados com alto valor agregado. Além disso, compram a crédito e do último elo de uma longa cadeia de intermediação. É o vendedor quem fixa o preço, pesa o produto, faz os cálculos; enfim, ele é o protagonista da transação e os agricultores se mantêm numa postura de passividade e subordinação, sem nenhuma condição para negociar melhores preços.

Muitas vezes, estimulados pelo aparato publicitário e comercial, compram produtos desnecessários, outras vezes os compram em quantidades excessivas (10*) Em outras ocasiões gastam seus escassos recursos adquirindo insumos cujos sucedâneos poderiam produzir a nível de propriedade (fertilizantes químicos em vez de adubos orgânicos, concentrados industrializados em vez de forragens leguminosas produzidas na própria propriedade, etc). Outras vezes compram produtos inadequados para as suas necessidades, adulterados, ou com data de vencimento já expirada.

Com freqüência adquirem maquinaria desnecessária ou superdimensionada para sua pequena escala de produção e fazem investimentos que, técnica ou economicamente, não se justifica fazê-los em forma individual.

Como conseqüência pagam por tais fatores preços muito superiores aos que poderiam e deveriam pagar. Isto ocorre devido a que todos os procedimentos que eles adotam (ver o desenho no.1) contribuem para que os preços sejam muito altos. Assim, os pequenos agricultores gastam mal os seus escassos recursos ao aumentar desnecessariamente os custos dos fatores ainda antes de iniciado o processo produtivo. Posteriormente os seus custos unitários de produção aumentarão ainda mais, em virtude das distorções produtivas e gerenciais analisadas no próximo item.

3.2.2 O QUE ACONTECE DURANTE O PROCESSO PRODUTIVO?

Por falta de tecnologias apropriadas e por não estar capacitados para aplicá-las corretamente, muitos pequenos agricultores adotam procedimentos produtivos e gerenciais rudimentares, similares aos que aparecem no desenho no.2, como por exemplo:

- não preparam o solo no momento oportuno e em forma adequada;

- usam sementes de má qualidade e as semeiam fora de época e com espaçamento inadequado (por falta de teste de germinação e regulagem das plantadeiras);

- não efetuam os trabalhos agrícolas em forma correta e na época oportuna;

- não fazem rotação de culturas com leguminosas inoculadas ou com pastagens;

- não adotam medidas elementares (de baixo ou custo zero) para conservar o solo e melhorar a sua fertilidade;

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- desperdiçam o esterco e queimam os restos de culturas e outros dejetos orgânicos;

- ainda que disponham de abundante mão-de-obra familiar e de animais de tração não eliminam as ervas daninhas no momento oportuno;

- por falta de conhecimentos elementares sobre administração rural, não fazem um uso ótimo dos seus recursos, não diversificam as atividades produtivas e não planejam adequadamente as atividades para distribuí-las durante todo o ano.

Por falta de conhecimentos (e não tanto de recursos) subutilizam os fatores produtivos disponíveis em suas propriedades (terra, mão-de-obra familiar, animais de produção e trabalho, etc); contraem dívidas para comprar maior número de animais de produção, em circunstâncias nas quais normalmente a prioridade não seria possuir mais animais, e sim melhorar o seu manejo e produzir mais forragens para alimentá-los adequadamente, de modo que os animais já existentes produzam na plenitude de suas potencialidades. Além disso, utilizam insumos caros em excesso e os aplicam em forma incorreta ou fora de tempo (por exemplo, aplicam fertilizantes compostos, sem fazer análise prévia para conhecer as reais necessidades do solo, ou efetuam aplicações exageradas de pesticidas quanto a freqüência ou a quantidade). Também sofrem inaceitáveis perdas de produção agrícola durante o processo produtivo, na colheita, no transporte e no armazenamento, ocasionadas por manejo inadequado ou por pragas e doenças.

Na América Latina se perde aproximadamente 40% da produção agrícola potencial [3], em circunstâncias de que grande parte de tais perdas poderiam ser evitadas através de tecnologias de reconhecido baixo custo e fácil aplicação. Igualmente, sofrem perdas na produção pecuária potencial (menor número de partos e de animais desmamados; menor produção de leite; baixo desfrute; alongamento desnecessário da idade de abate; mortalidade; etc.). Estas perdas poderiam ser evitadas se os agricultores melhorassem a alimentação do seu rebanho com forragens produzidas na propriedade, adequassem o manejo dos animais, melhorassem a higiene e aplicassem vacinas e antiparasitários.

Como conseqüência deste conjunto de distorções (cujas causas são fáceis de evitar, porém seus efeitos são difíceis de corrigir), os rendimentos por unidade de terra e de animal são muito baixos;

o excedente produzido para o mercado é escasso e de qualidade inferior; e os custos unitários de produção, que já haviam sido afetados pelas razões mencionadas no item 3.2.1, aumentam ainda mais.

É interessante realçar que muitas das distorções aqui analisadas não necessariamente ocorrem por insuficiência de recursos,mas sim porque os agricultores não possuem conhecimentos para que os fatores de produção já disponíveis aumentem a sua produtividade ou rendimento. Por exemplo: muitas vezes a produtividade da terra é baixa porque o agricultor não sabe aplicar algumas tecnologias de baixo ou custo zero; a produtividade da mão-de-obra familiar é baixa por esta mesma razão e também porque os agricultores não planejam nem diversificam adequadamente as suas atividades para distribuí-las ao longo do ano; os animais produzem pouco leite, carne e lã e parem e desmamam poucos animais porque estão qualitativa e quantitativamente mal alimentados e porque o seu manejo sanitário e reprodutivo é inadequado; as culturas têm baixos rendimentos porque não se conserva o solo, porque não se incorporam a palhada e o esterco, porque se semeia em época e com espaçamento inadequados, porque não se eliminam oportunamente as ervas daninhas, etc.

É fácil constatar que a correção destas distorções não sempre nem necessariamente depende de decisões políticas de alto nível nem da alocação de recursos adicionais; elas poderiam ser eliminadas ou diminuídas se os agricultores conhecessem alternativas tecnológicas compatíveis com os seus recursos e se recebessem capacitação para adotar corretamente tecnologias mais produtivas e menos custosas. Isto significa que, por falta de tecnologias adequadas e de capacitação, eles gastam desnecessariamente mais do que deveriam gastar e produzem menos do que poderiam produzir.

3.2.3 O QUE ACONTECE NA ETAPA POSTERIOR A PRODUÇÃO?

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Nesta etapa, e novamente devido a que os pequenos agricultores não estão suficientemente capacitados nem organizados, ocorrem as distorções ilustradas no desenho no.3, as que se analisam a seguir.

Seus excedentes, que além de pequenos são de má qualidade e foram produzidos com altos custos unitários, são vendidos como produtos primários (sem valor agregado), no atacado (11*), em forma individual, ao primeiro elo de uma longa cadeia de intermediação que compra na propriedade (provavelmente o mesmo comprador que lhes vendeu os insumos e lhes concedeu o crédito informal).

Além disso, devido a urgência em obter dinheiro para pagar compromissos adquiridos na etapa de produção e ao não dispor de instalações para armazenar as suas colheitas, vendem a totalidade da sua produção de uma só vez, na pior época do ano; porque o fazem na época da colheita ou antes dela, momento no qual todos querem vender e aparentemente poucos querem comprar. Por esta razão os preços baixam.

Tal como sucedia na etapa anterior ao processo produtivo propriamente dito (item 3.2.1), aqui também todos os procedimentos adotados atuam contra os agricultores. Naquela etapa (3.2.1) todos os procedimentos contribuíam para que eles pagassem preços muito altos pelos insumos; nesta etapa (3.2.3) todos os procedimentos contribuem, sem exceção, a que obtenham preços mais baixos na venda dos seus excedentes. Nesta etapa, é o comprador quem fixa o preço e as condições de pagamento, avalia e define a qualidade do produto, pesa, faz os cálculos, etc.; e os agricultores outra vez mantêm sua postura de passividade e subordinação; quer dizer, não têm nenhum poder de negociação. A relação é muito desigual porque se trata de muitos agricultores desorganizados, que tentam vender a uns poucos compradores organizados, em um momento (época de colheita) na qual geralmente a oferta é superior a demanda.

Em tais condições:

a) Ao haver escassez de produção, os preços sobem para os consumidores, porém não necessariamente para os produtores, porque a produção geralmente é adquirida pelos intermediários antes que os preços se elevem.

b) Ao haver excesso (12*) de produção, os preços baixam para os agricultores, porém não necessariamente para os consumidores, especialmente se estes produtos passam por algum processo industrial que lhes agrega valor (muitas vezes diminui o preço do porco vivo nas propriedades, porém nunca diminui o preço do presunto nos supermercados).

Em ambos os casos, é o sistema agroindustrial e comercial que processa e distribui a produção e, portanto, se beneficia da grande parte dos ganhos que deveriam e poderiam ser dos agricultores. Se estes estivessem organizados poderiam postergar a venda de uma parte da sua colheita, incorporar valor aos seus produtos através de processamento primário a nível familiar ou comunitário (seleção, classificação, limpeza, debulhamento, transformação, conservação, secagem, embalagem, etc.) e poderiam reduzir o número de elos de intermediação. Se aplicassem apenas estas três medidas, aumentariam os preços de venda dos seus produtos.

3.2.4 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS FATORES INTERNOS QUE CONDICIONAM O DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO

A partir do que foi analisado neste capítulo e está ilustrado no desenho no.4, pode-se concluir o seguinte:

1) Se por falta de capacitação e organização os agricultores compram insumos e equipamentos a preços muito altos, às vezes em quantidades excessivas e adquirem produtos prescindíveis ou superdimensionados; se adotam tecnologias inadequadas; se desperdiçam insumos e subutilizam equipamentos caros; se desperdiçam os recursos mais abundantes que possuem em suas propriedades; se obtém baixos rendimentos por unidade de terra e de animal; se produzem com altos custos unitários; se sofrem perdas durante e depois da colheita; se não incorporam valor a seus produtos; se os vendem ao primeiro elo de uma longa cadeia de intermediação e, em conseqüência a preços baixos; enfim se acontece tudo isto é evidente que não podem ter ganhos suficientes porque estes dependem dos custos de produção (os quais devido às distorções antes mencionadas, são desnecessariamente altos) e dos preços de venda (os

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quais devido às referidas distorções, são muito baixos). Se eles perdem ou deixam de ganhar nos custos de produção e nos preços de venda, a sua renda não melhorará e eles não disporão de recursos para:

a) comprar alguns bens que são realmente imprescindíveis (tais como sementes melhoradas, inoculantes, vacinas, parasiticidas, ferramentas, etc.);

b) fazer investimentos produtivos; e

c) melhorar o bem estar familiar. Este é o problema de fundo dos pequenos produtores rurais; é necessário e urgente romper este círculo vicioso porque...

2) Se persistem as distorções internas nas três etapas mencionadas nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 (que geralmente são subestimadas), mesmo que as restrições externas incluídas no item 3.1 (que geralmente são superestimadas) sejam eliminadas, será muito difícil melhorar a renda dos agricultores e fazer viável o seu desenvolvimento econômico e social. Enquanto prevaleçam as distorções ilustradas no desenho no.4, de pouco servirá o empenho que façam os agricultores para obter mais terra, mais crédito, mais animais, mais subsídios, mais maquinaria, mais infraestrutura, mais tecnologia sofisticada, etc. Especialmente se considerarmos que a eliminação das distorções do desenho no.4 não necessariamente depende dos componentes (de alto custo) indicados na parte inferior do desenho no.9; e que depende muito especialmente dos componentes (de baixo custo) ilustrados na parte superior do desenho no.9. Ante tal situação e considerando que os recursos (dos agricultores e dos governos) são escassos, é evidente que antes de oferecer-lhes os recursos adicionais é necessário capacitar os agricultores para que utilizem integral e racionalmente os recursos que já possuem; do contrário, é provável que se contribua a agravar o subaproveitamento ilustrado no desenho no. 2.

Outra prioridade para viabilizar economicamente aos pequenos agricultores é reduzir os custos desnecessários e as perdas que ocorrem nas três etapas antes descritas; especialmente porque esta redução depende de conhecimentos tecnológicos e gerenciais (fatores de baixo custo) e não tanto da alocação de recursos adicionais; isto é, depende de fatores que são ou poderiam ser manejáveis e solucionáveis pelos próprios agricultores.

3) A existência dos problemas externos antes mencionados, cuja solução está fora do alcance imediato dos agricultores, não pode e não deve ser motivo para que eles não solucionem os problemas internos, quando isto esteja (e geralmente está ou deveria estar) dentro das suas possibilidades imediatas de fazê-lo; especialmente, quando a solução de muitos dos problemas internos não necessariamente depende da solução dos problemas externos.

Como se pode constatar, muitos dos problemas dos agricultores estão principalmente dentro das suas propriedades ou em suas proximidades (dentro e fora das porteiras); é ali também onde se originam muitas das suas causas. Por estas duas razões, é ali onde se deve encontrar as soluções e dali deverão sair os recursos para alcançá-las. Estas soluções serão realmente eficazes na medida em que os agricultores se tornarem eficientes em todos os elos da cadeia agroalimentar; se eles comprarem, produzirem, processarem e comercializarem com eficiência.

4) Por todas as razões até aqui mencionadas, as ações em prol o desenvolvimento agropecuário deverão começar pela solução dos problemas internos, em base aos recursos que os agricultores realmente possuem em suas propriedades (não em base aos que não possuem); e através da iniciativa e do esforço das próprias famílias. Cumprida esta etapa, poderão avançar em forma gradual e organizada até a solução dos problemas externos, baseando-se em recursos e ações também externas. Só assim todas as famílias rurais terão reais possibilidades de desenvolver-se e se poderá atingir o crescimento com equidade. Será sempre muito mais frutífero e estimulante começar pelos problemas solucionáveis em vez de frustrar-se ao dar prioridade aos problemas não solucionáveis.

Como se vê:

a) A proposta de começar pela solução dos problemas internos não é uma questão de opção, mas sim uma necessidade e uma condição para fazer exequível o desenvolvimento de todos os agricultores. Se se continua outorgando prioridade à solução dos problemas externos, o crescimento seguirá sendo

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excludente, porque não haverá recursos em quantidade suficiente para proporcioná-los à totalidade dos produtores agropecuários;

b) O dilema, por tanto, não está entre começar pelos problemas internos ou pelos externos; o dilema está entre começar o desenvolvimento de forma endógena ou simplesmente condenar a imensa maioria dos agricultores a que continuem subdesenvolvidos.

c) Finalmente, as soluções exógenas, quando necessárias, não deveriam ser buscadas exclusivamente no Ministério da Fazenda, no Congresso Nacional ou no Banco Central; elas deveriam ser procuradas, muito especialmente, nas Faculdades de Ciências Agrárias, nos institutos de pesquisa agropecuária e nos serviços de extensão rural; porque é lá que estão os instrumentos factíveis e eficazes (conhecimentos), através dos quais os agricultores poderiam incrementar os atuais rendimentos médios da agricultura latinoamericana, que são os seguintes:

No próximo capítulo se indicará que os problemas recém descritos são solucionáveis; e se proporá algumas medidas pragmáticas e realistas que os governos poderiam adotar (não para solucionar com paternalismo os problemas dos agricultores), mas sim para proporcionar-lhes os instrumentos que requerem para que eles mesmos saibam e possam resolver os seus próprios problemas e satisfazer as suas necessidades.

10. É freqüente que o agricultor necessite vacinar sua única vaca e a vacina seja vendida em frascos de 20 doses; em tais condições desperdiça 19 doses ou não compra tal insumo e consequentemente não protege o seu animal.

11.No item 3.2.1 se indicava que os agricultores são "castigados" nos preços dos insumos, porque os compram no varejo, em pequenas quantidades, com alto valor agregado e os adquirem do último elo da cadeia de intermediação. Agora se indica que ao vender os seus excedentes continuam sendo castigados porque vendem no atacado, sem incorporar valor e o fazem com o primeiro elo da cadeia de intermediação.

Isto confirma que os agricultores sempre estão em desvantagem frente ao circuito industrial e comercial; quando compram os insumos pedem que lhes cobrem menos ou perguntam quanto vão lhes cobrar, porém quando vendem pedem que lhes paguem mais ou perguntam quanto vão lhes pagar.Quando vendem os seus excedentes é o comprador quem impõe o preço; quando compram insumos não é o comprador e sim o vendedor quem impõe o preço; isto significa que os agricultores nunca podem impor preços nem na venda de seus excedentes, nem na compra dos insumos.

12. Este "excesso" costuma ser magnificado pelas autoridades governamentais para demonstrar à opinião pública o acerto e o êxito se suas políticas agrícolas. Os intermediários se aproveitam desta aparente supersafra para reduzir ainda mais os preços que pagam aos agricultores.

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CAPITULO 4. ESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO MAIS ENDÓGENO E AUTOGESTIONÁRIO

Existem múltiplas propostas para conseguir que os agricultores se tornem rentáveis e competitivos. Todavia, nenhuma delas será eficaz enquanto continuar vigente a realidade ilustrada no desenho no.4 e os baixíssimos rendimentos e renda que tais distorções acarretam (13*). Enquanto ambos persistirem, de pouco servirão os artifícios efêmeros tais como subsídios ou protecionismos. É por esta razão básica que a única via realista para alcançar a rentabilidade e a competitividade é através da introdução de inovações tecnológicas e gerenciais; para que os agricultores se tornem mais eficientes e elevem sua própria produtividade e os rendimentos dos escassos recursos que possuem (se são escassos com maior razão é necessário que sejam mais produtivos).

A abrupta retirada dos subsídios (que no passado asseguravam de forma artificial a rentabilidade, mesmo quando a agricultura fosse ineficiente) e a necessidade de enfrentar com êxito os cada vez mais abertos e competitivos mercados internacionais, exigem que os agricultores se tornem muito mais eficientes. Só através da eficiência poderão obter excedentes de melhor qualidade e produzir mais quilos de produto, não só por unidade de mão-de-obra, de terra e de animal, como também por unidade de crédito, de trator, de insumos, de energia, bem como por unidade de tempo. Na medida que cada um destes fatores for mais produtivo, os agricultores necessitarão dispor de uma menor quantidade dos mesmos e consequentemente gastarão menos em investimentos e se tornarão menos dependentes do crédito rural.

Tudo isto contribuirá para que reduzam custos e se tornem mais competitivos, diminuindo, em vez de aumentar as suas necessidades de capital e de subsídios. Fora desta via realista, será difícil encontrar soluções para uma agricultura que infelizmente já não recebe subsídios e que além do mais está sendo obrigada a competir com a agricultura subsidiada dos países desenvolvidos; a partir de agora, só poderá

ser rentável e competitiva a agricultura que for eficiente para incrementar a produtividade e os rendimentos de todos os fatores de produção.

Se os governos não estão em condições de proporcionar a todos os seus agricultores as decisões favoráveis, os serviços eficientes e os recursos abundantes, para que eles possam desenvolver-se pela via clássica de forte dependência externa, devem oferecer-lhes no mínimo os três componentes que analisaremos a seguir.

1. Geração de tecnologias apropriadas

Sem prejuízo de que a pesquisa agropecuária continue gerando tecnologias avançadas (14*) para uma agricultura empresarial moderna que tem o imperativo de competir nos mercados internacionais, é necessário que ela faça um esforço similar em prol dos pequenos agricultores. Para estes últimos, as tecnologias devem ser adequadas às adversidades físico-produtivas (15*), e a escassez de insumos e recursos de capital, porque são estas circunstâncias as que caracterizam a 78% dos agricultores desta

Região. Eles necessitam de tecnologias de menor risco, menos exigentes em insumos, energia e capital e mais intensivas em mão-de-obra; tecnologias que substituam, até onde seja possível, capital (fator mais escasso) por trabalho (fator mais abundante); que sejam de baixo custo, fácil aplicação e menor dependência de insumos externos (16*) que enfatizam fatores (sementes por exemplo) que com um custo muito baixo produzem grande impacto nos rendimentos; que priorizem aqueles fatores que sendo de baixo custo (inoculantes) permitam aos agricultores tornarem-se menos dependentes daqueles que são de alto custo (fertilizantes nitrogenados sintéticos); que priorizem a eliminação das causas em vez de corrigir as conseqüências; que utilizem equipamentos mais simples e de menor tamanho para que sejam adaptados a escala de produção dos pequenos agricultores; e finalmente que sejam visivelmente vantajosas e eficazes na solução dos problemas produtivos (e também econômicos) dos agricultores.

Ao dispor de tecnologias com tais características, todos os agricultores teriam reais oportunidades de começar a tecnificar as suas atividades produtivas, a aumentar a sua produção e incrementar a sua renda; inclusive aqueles que se desempenham dentro da adversidade e da escassez antes mencionadas. Com esta renda adicional (e não necessariamente com o crédito oficial) poderiam adquirir aqueles fatores externos que são realmente necessários para atingir novos melhoramentos tecnológicos (vacinas, parasiticidas, fertilizantes, etc.).

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Além da pesquisa tradicional (por produto e por disciplina), se deveria investigar em sistemas integrados e diversificados de produção agrícola, florestal e pecuária; estes ao serem autosustentáveis e de menor risco, são mais adequados às circunstâncias dos pequenos agricultores. A pesquisa deveria gerar inovações tecnológicas que se adaptem às circunstâncias normalmente adversas dos agricultores e de seu meio físico, em vez de exigir que sejam o homem e o meio físico os que se adaptem artificialmente a elas. Em fim, a pesquisa deveria gerar tecnologias que permitam aos agricultores fazer a transformação da deprimente realidade produtiva ilustrada no desenho no.2 para a florescente prosperidade do desenho no.6; e que lhes permita fazê-lo com minimização de dependências, custos e riscos. Além disso, tal transformação deveria ser conseguida fundamentalmente a base do uso dos recursos que realmente possuem em suas propriedades e, consequentemente, com menor dependência dos geralmente inacessíveis fatores externos indicados na parte inferior do desenho no.9.

Se a pesquisa não gerar tecnologias com as características antes mencionadas,simplesmente os pequenos agricultores não poderão tecnificar as suas explorações, aumentar seus rendimentos, reduzir seus custos, elevar seus ingressos e romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento. No entanto, de pouco servirá gerar tecnologias adequadas se não se adota a medida decisiva que se propõe a seguir.

2. Capacitação de todos os membros das famílias rurais

A premissa básica deste documento é que só os próprios agricultores podem promover o seu desenvolvimento; outros agentes ou fatores, apenas podem contribuir para que eles o façam. Todavia, devido a sua insuficiente capacitação, na atualidade os agricultores não estão em condições de fazê-lo. A conclusão lógica é que não haverá desenvolvimento, a menos que se forme e capacite as famílias rurais, para que elas queiram (estejam motivadas), saibam e possam solucionar os seus próprios problemas. Qualquer projeto que não priorize o desenvolvimento das capacidades dos agricultores, estará condenado ao fracasso; como de fato tem fracassado, por este mesmo motivo, muitos projetos de alto custo executados nesta Região.

A ênfase que se atribui ao recurso humano como o mais importante fator de desenvolvimento e a necessidade de capacitá-lo, se deve à seguinte justificativa: ele é o recurso mais abundante, o que custa menos (tem o menor custo de oportunidade) e o que oferece o maior potencial de crescimento e desenvolvimento. Os outros fatores além de escassos e caros têm um limite de crescimento, a partir do qual se tornam inócuos ou até prejudiciais, como por exemplo o excesso de revolvimento do solo ou a aplicação exagerada de fertilizantes e pesticidas.

Portanto, é imprescindível capacitar a todos os membros das famílias, com os seguintes propósitos:

a) Liberar o seu imenso potencial latente de desenvolvimento.

b) Ampliar os seus conhecimentos, habilidades e destrezas com o propósito de que estejam em efetivas condições de introduzir inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais, em todos os elos da cadeia agroalimentar. A ampliação destes conhecimentos, habilidades e destrezas deve ter o duplo propósito de acelerar o ritmo na adoção de tecnologias e elevar o grau de correção e de eficiência na aplicação das mesmas.

c) Torná-los mais capazes para transformar realidades adversas e para protagonizar a solução de seus próprios problemas, com menor dependência de ajuda externa; colocar em marcha as forças e potencialidades produtivas e de desenvolvimento das famílias, propriedades e comunidades rurais. A capacitação é o fator externo que tem o grande mérito de libertar o agricultor da dependência dos outros fatores externos; e nisto reside a sua extraordinária importância estratégica, especialmente quando os fatores externos são reconhecidamente escassos, insuficientes e inacessíveis.

d) Elevar a produtividade da mão-de-obra familiar (homens, mulheres e jovens). Esta é a maneira mais inteligente de contrapor a escassez de recursos, inclusive de mão-de-obra; a sua produtividade aumentará na medida em que todos os integrantes da família rural tenham os conhecimentos que são necessários para incrementar os rendimentos de todos os demais fatores de produção. Em algumas zonas rurais já se começa a sentir claramente também a escassez de mão-de-obra. Em tais circunstâncias, e a título de exemplo: se

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não existe mão-de-obra suficiente para produzir 4.000 kg de milho em dois hectares de terra, o caminho mais lógico é colher esta mesma quantidade em um hectare; se não existe mão-de-obra nem outros recursos para manter 10 vacas que produzem 5 litros de leite cada uma, é preferível ter 5 animais que produzam os mesmos 50 litros totais. Para que fazer um grande esforço e gastar muitos recursos, cultivando 2 hectares e ordenhando 10 vacas se se pode obter os mesmos resultados plantando um hectare e ordenhando 5 vacas?

e) Como consequência dos quatro propósitos recém-analisados, conseguir que as famílias rurais adotem novos comportamentos e valores, se tornem mais autoconfiantes, abandonem suas atitudes de fatalismo e substituam a passividade e o conformismo pelo protagonismo, ao dar-se conta que elas mesmas são capazes de solucionar os seus próprios problemas. A propósito, a comparação entre os desenhos no.2 e 6 confirma as impressionantes transformações produtivas que podem ser conseguidas contando exclusivamente com a ajuda da capacitação para: a adequada e oportuna execução das atividades agropecuárias; a correta introdução de tecnologias apropriadas (de baixo ou custo zero); e o melhor aproveitamento e manejo dos recursos que já existiam no desenho no.2. Os recursos produtivos de ambos desenhos são praticamente os mesmos, a mesma terra e água, a mesma mão-de-obra, os mesmos cavalos, as mesmas duas vacas, o mesmo arado, etc. A diferença reside no fato crucial e decisivo, de que no desenho no.6, graças a capacitação para a correta introdução de adequadas inovações tecnológicas e gerenciais, todos os recursos produzem na plenitude de suas potencialidades: terra, mão-de-obra, vacas, cavalos, etc; no espaço e no tempo.

Como se vê, para obter estes extraordinários resultados, não se requer de sofisticações tecnológicas, nem de recursos materiais adicionais, nem de decisões políticas de alto nível. O que fundamentalmente se requer é investir no desenvolvimento do mais abundante e importante de todos os recursos existentes na propriedade; os membros da família rural. No entanto, quando os recursos materiais externos são acessíveis, também a capacitação joga um rol muito importante, já que permite utilizá-los de forma mais parcimoniosa e os torna muito mais eficazes (exemplo: alimentar as vacas com concentrado depois de ter melhorado as pastagens).

Em resumo, a capacitação é absolutamente indispensável, seja para quem tem acesso ou para quem não tem acesso aos fatores externos à propriedade; no primeiro caso, ela torna os insumos mais eficazes e no segundo, os torna mais prescindíveis. No entanto, esta capacitação deverá ser executada por instrutores que tenham um profundo conhecimento e vivência dos problemas e necessidades reais dos agricultores; e muito especialmente, que tenham capacidade técnica e pedagógica para ensinar-lhes o que lhes seja realmente útil e aplicável na solução dos seus problemas concretos e

cotidianos. Muitos programas de capacitação fracassam porque são executados por profissionais teóricos e urbanos, que por não conhecer as reais necessidades dos agricultores lhes ensinam teorias e abstrações sem nenhuma relevância e utilidade prática para solucionar os problemas que eles enfrentam. A pouca disponibilidade destes capacitadores práticos, objetivos, realistas, pragmáticos, experimentados e tecnicamente capazes de solucionar os problemas tecnológicos, gerencias e comerciais dos produtores, é: a) o maior obstáculo real (geralmente subestimado ou não reconhecido) que os países desta Região enfrentam para promover o desenvolvimento rural; e b) a principal causa dos fracassos dos projetos

destinados a modernizar a agricultura.

3. Organização dos agricultores

Ainda que imprescindível, não é suficiente que os agricultores disponham de tecnologias e recebam capacitação, que lhes ajudem a produzir com eficiência técnica e gerencial, dentro das suas propriedades individuais. Eles também têm problemas externos às suas propriedades e necessitam de melhores mecanismos para adquirir insumos e comercializar seus excedentes de forma mais eficiente e mais vantajosa; além do mais, eles têm problemas internos que não podem ser resolvidos em forma individual e portanto, exigem decisões e investimentos grupais ou comunitários. Por estas razões e diante da debilidade e ineficiência dos serviços oficiais de apoio à agricultura, é necessário que os produtores se organizem para estabelecer os seus próprios mecanismos de recepção (de fora) e de prestação (para dentro) de serviços; estes serviços pertencentes aos próprios agricultores lhes permitiriam diminuir gradualmente sua dependência dos serviços externos (do Estado e das empresas privadas); possuindo tais serviços eles mesmos poderiam atuar em conjunto para solucionar os seguintes problemas que constituem importantes causas de que suas receitas (rendas) sejam insuficientes:

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a) Aquisição de insumos a preços mais baixos.

b) Possibilidade de investimentos em conjunto, redução dos seus custos e uso em comum daqueles bens que não justifiquem sua propriedade ou realização de forma individual, tais como maquinarias, eletrificação, canais de irrigação, centros de armazenagem, etc; desta forma os pequenos produtores também poderão obter economia de escala e, se for necessário, fazer os investimentos de maior custo que os tornem competitivos com os agricultores empresariais. Existem certos equipamentos que, ainda que necessários, são de alto custo e utilizáveis apenas esporadicamente; por tal motivo deveriam ser de propriedade e uso comum, já que não se justifica que cada pequeno agricultor os possua em forma individual; como por exemplo as motosserras, as enfardadeiras de feno, as ensiladeiras, os castradores, os pequenos equipamentos de apicultura, as trilhadeiras, etc.

O fato de que cada agricultor queira possuir tais equipamentos em forma individual é uma importante e às vezes evitável e desnecessária causa de endividamento, de elevação dos custos de produção e redução da renda, porque ao gastar os seus recursos na aquisição do acessório (uma trilhadeira) provavelmente não terá dinheiro para comprar o essencial (fertilizantes, sementes melhoradas, etc.) . Se eles deixassem de comprar os referidos equipamentos em forma individual economizariam recursos, com os quais poderiam adquirir aqueles insumos que são realmente necessários para incrementar os rendimentos por unidade de terra e de animal. Ao fazê-lo poderiam cultivar menor superfície e ter menor quantidade de matrizes, o que por sua vez permitiria economizar em animais, tratores, instalações, trabalho, etc; economias com as quais poderiam financiar a aquisição de outros insumos externos que são imprescindíveis para incrementar ainda mais a produtividade dos fatores mais caros.

c) Processamento e incorporação de valor agregado à produção em pequenas unidades agroindustriais comunitárias.

d) Comercialização dos produtos para reduzir os elos das cadeias de intermediação e obter melhores preços de venda.

e) Constituição de outros serviços com o fim de oferecê-los aos seus associados, como por exemplo:

- confecção e conserto de ferramentas, arreios, implementos agrícolas, carretas; - elaboração de colmeias e de recipientes para transportar e depositar produtos agrícolas, etc; - estábulos comunitários para a produção de leite a custos mais baixos; - condomínios para a criação de suínos; - instalação de pequenos moinhos de cereais ou trituradores para a preparação de rações; - serviços veterinários e de inseminação artificial.

No referente a organização deverão ser evitadas as formas autoritárias e não participativas, nas quais os agricultores são manipulados em forma populista e demagógica por interesses alheios às suas necessidades verdadeiras; as organizações deverão nascer e crescer de baixo para cima, desde as próprias comunidades e não desde a capital do país. Os grupos deverão ser pequenos para que exista homogeneidade de interesses e confiança mútua; deverão ter objetivos muito claros e metas realistas que sejam compatíveis com suas possibilidades concretas de alcancá-las.

Na etapa de motivação para a organização dos agricultores deverão evitar-se as formas teóricas e abstratas porque estas não conseguirão sensibilizá-los para a cooperação; é necessário demonstrar-lhes clara e objetivamente que a organização é realmente capaz de solucionar os seus problemas concretos e cotidianos, por exemplo: como comprar insumos a preços mais baixos, como reduzir os custos de produção, como conseguir em forma conjunta um investimento que não podem fazer em forma individual, como vender por melhores preços as suas colheitas, etc.; porque na vida cotidiana estes são os problemas que eles geralmente necessitam solucionar. Se a organização não responde a estas necessidades concretas de forma objetiva, dificilmente contará com o apoio dos agricultores e sem este a organização não terá êxito; além disto, se a organização não tem capacidade de prestar serviços palpáveis, sequer tem razão de existir.

A comparação dos desenhos no. 1 e 3 (nos quais se indica a forma distorcida e convencional como os pequenos agricultores adquirem os fatores de produção e como vendem os seus exíguos excedentes), com o desenhos no. 5 e 7 (nos quais aparecem formas mais racionais para adquirir insumos e para

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vender os seus excedentes) é muito ilustrativa. Tal comparação indica os múltiplos benefícios que os agricultores poderiam obter se eles se organizassem para incorporar valor aos seus produtos e para reduzir os elos da cadeia de intermediação (de insumos e de produtos); e desta forma se beneficiariam eles mesmos (não os intermediários) do fruto de seu trabalho. Além do mais, é fácil compreender que quando os agricultores atuam em forma coletiva, o esforço que se exige de cada um deles é muito menor que no caso de atuar em forma individual (hipoteticamente falando, um trator de 100 HP custa menos que dois tratores de 50HP). A complexidade e magnitude dos problemas de cada agricultor se reduzem quando eles atuam em grupo para a consecução de um objetivo comum.

Enquanto os agricultores não tomem a decisão e não tenham a capacidade para constituir os seus próprios serviços (ainda que estes sejam muito pequenos, primários e rudimentares) para:

- adquirir e distribuir os insumos a seus associados com menor intermediação; - processar seus produtos (ainda que seja em microagroindústrias familiares ou comunitárias); e - comercializar os seus excedentes,.... eles continuarão repartindo suas escassas rendas com os comerciantes e agroindustriais.

Além do arcaísmo produtivo, os longos e muitas vezes desnecessários elos das cadeias comerciais e agroindustriais (os que atuam antes da semeadura e depois da colheita), são uma importantíssima razão pela qual a renda dos agricultores é muito baixa. A inexistência destes serviços próprios causa muitíssimo mais prejuízo econômico aos agricultores que a falta de políticas, leis, créditos, subsídios, etc. É necessário estabelecer vínculos mais diretos e mais próximos entre produtores organizados e consumidores também organizados, com o objetivo de que ambos se beneficiem.

Para concluir, duas reflexões:

a) Os agricultores deveriam aproveitar a fortaleza política das suas novas organizações não para mendigar favores, mas sim para exigir que os governos adotem, pelo menos, as medidas emancipadoras propostas nos itens 1 e 2 deste capítulo; este é o melhor caminho para que eles possam ir liberando-se gradualmente da dependência do Estado e do setor industrial/comercial; enquanto os agricultores continuarem mendigando medidas paternalistas estarão contribuindo a perpetuar as duas dependências recém-mencionadas.

b) Os agricultores são o elo mais importante da cadeia agroalimentar, porque: i) são eles os que geram mercado para a indústria e o comércio de insumos e equipamentos que atuam antes da semeadura; e ii) são eles os que tornam viável o comércio e a indústria que atuam depois da colheita. Por tais motivos eles deverão organizar-se para exigir que os outros elos estejam a seu serviço e não ao contrário como ocorre atualmente, devido a fragilidade dos agricultores; ou melhor ainda, que na medida do possível eles mesmos criem e se tornem os proprietários de uma maior parte dos demais elos do negócio agrícola; ou seja, que em forma organizada e progressiva se encarreguem, até onde seja possível, de produzir, transportar e distribuir os insumos; de processar, conservar, armazenar, transportar e comercializar os excedentes. Em outras palavras, que além de produtores eficientes também sejam eficientes (ainda que pequenos) agroindustriais e comerciantes.

13. Os baixíssimos rendimentos indicados no final do capítulo anterior são reflexo dos erros elementares que os agricultores (não por sua culpa evidentemente) cometem na utilização de seus recursos e na aplicação das tecnologias. Estes baixíssimos rendimentos médios indicam claramente que a produtividade da agricultura latinoamericana: a) não necessariamente está limitada pela falta de insumos de alto rendimento, de tecnologias de ponta, de animais de alto potencial genético, de maquinaria sofisticada, nem de crédito para poder adquiri-los; e b) está limitada principalmente pela não adoção de tecnologias elementares de baixo custo, cuja aplicação nem sempre depende de recursos materiais externos à propriedade, nem de decisões políticas de alto nível; porém sim, depende fundamentalmente que os agricultores estejam bem capacitados.

Se a vaca latinoamericana produz em média 4 litros de leite por dia, se tem o primeiro parto aos 42 meses e se tem parições a cada 24 meses, significa que estes índices de desempenho não estão determinados pela

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falta de transplante de embriões ou de reprodutores e matrizes de alto potencial genético; estes baixíssimos índices se devem ao fato de que muitos pecuaristas não foram capacitados para melhorar o manejo reprodutivo e sanitário, e não sabem como melhorar suas pastagens para alimentar adequadamente o gado sem necessidade de recorrer ao crédito para adquirir rações balanceadas.

O mesmo raciocínio se aplica para a maioria das outras espécies animais e para as espécies agrícolas, cujos baixíssimos rendimentos indicam que nem sempre é a falta de recursos e de decisões políticas que está obstruindo o desenvolvimento agropecuário; porém sim, a falta de conhecimentos. Se os agricultores fizessem apenas o que aparece no desenho no.6 (que depende de conhecimentos e não de recursos) os rendimentos da agricultura latinoamericana não seriam baixos como são.

14. Irrigação por pivot central, transplante de embriões, computação, teledetecção, informática, maquinaria sofisticada

15. Terra de sequeiro, solos salinos, ácidos e/ou de baixa fertilidade; relevo acidentado, clima desfavorável, etc.

16.Como, por exemplo, produzir sementes de variedade (não híbridas) para que os agricultores possam produzi-las em suas propriedades e com isto não sejam obrigadas a adquiri-las todos os anos.

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CAPITULO 5. ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS, GERENCIAIS E ORGANIZACIONAIS PARA UM DESENVOLVIMENTO MAIS ENDÓGENO E AUTOGESTIONÁRIO (17*)

Neste capítulo serão apresentadas várias alternativas tecnológicas, gerenciais e organizacionais com o objetivo de demonstrar que os agricultores poderiam diminuir de forma muito significativa, sua dependência dos fatores externos e protagonizar seu autodesenvolvimento; com a condição que eles dispusessem de tecnologias apropriadas e estivessem capacitados para adotar as seguintes inovações:

1) Melhoramento no planejamento das atividades e na administração das propriedades para: aproveitar oportunidades de desenvolvimento; evitar ociosidades e fazer um ótimo uso dos recursos disponíveis; e distribuir sua utilização ordenadamente durante o ano (terra, mão-de-obra familiar, animais de tração, animais de produção, equipamentos, instalações, etc.). Com isto, todos os recursos disponíveis poderiam ser utilizados racionalmente, produziriam resultados na plenitude de suas potencialidades e, desta maneira, evidentemente os agricultores, ao utilizar melhor o que possuem, se tornariam menos dependentes do crédito e de outros fatores que não possuem.

Quando os recursos existentes nas propriedades são escassos, com mais razão devem produzir na plenitude de suas potencialidades; ainda que esta afirmação seja elementar e óbvia, é muito frequente encontrar nas propriedades valiosos recursos que apenas existem, porém não produzem os benefícios que poderiam proporcionar. Para diminuir tal contradição:

- Todos os membros da família devem ter ocupação produtiva e geradora de rendas durante todo o ano e devem estar muito bem capacitados para executar suas atividades com eficiência; para consegui-lo é necessário diversificar as atividades, promover a integração vertical (encarregando-se inclusive das atividades anteriores à semeadura e posteriores à colheita); e planejar as atividades para distribuí-las ao longo do ano, inclusive para os dias nos quais por razões climáticas não se pode trabalhar no campo (por exemplo: confecção de utensílios para uso na propriedade e no lar, processamento agroindustrial de produtos, etc). - Se existem vacas (fator de maior custo) estas devem dispor de boas pastagens (fator de menor usto) para que uma melhor alimentação contribua a que tenham parições mais precoces e com maior frequência e produzam o máximo possível de leite. - Se existem investimentos, estes não devem ser superdimensionados nem permanecer subutilizados ou ociosos; uma junta de bois que come o ano inteiro uma forragem produzida numa terra escassa não deve trabalhar apenas algumas semanas ao ano. - As árvores frutíferas devem ser enxertadas para que ocupem menor superfície do terreno e produzam frutos de melhor qualidade, com maior precocidade e em maior quantidade. - As leguminosas devem ser inoculadas para extrair e incorporar ao solo maior quantidade de nitrogênio que se encontra disponível na atmosfera. - Os estercos devem ser recolhidos e utilizados para adubar o solo e os tanques de peixes; os restos de culturas não devem ser queimados, e sim incorporados ao solo. - Se deve proporcionar condições favoráveis para que a própria natureza ajude a combater as doenças e pragas, especialmente via diversificação e rotação de culturas. - Os animais ou plantas que não produzem ou produzem com pouca eficiência devem ser substituídos por outros mais produtivos; recursos escassos não devem manter fatores ociosos. - Devem existir abelhas para que, aproveitando a disponibilidade de flores, melhorem a polinização e incrementem os rendimentos das culturas e ao mesmo tempo produzam mel para autoconsumo e geração de renda.

Adicionalmente e quando os recursos o permitam:

- se existe eletricidade, esta deve contribuir para acionar equipamentos produtivos, para aumentar a produtividade da mão-de-obra e para agregar valor aos produtos; e não apenas para iluminar a casa e acionar o televisor; - se existe água suficiente, esta deve ser utilizada racionalmente para regar, criar peixes, gerar eletricidade ou impulsionar moinhos;

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- a radiação solar deve ser captada através de equipamentos para esquentar água, gerar energia e secar grãos, frutas e hortaliças; - o vento deve acionar cataventos para bombear água subterrânea ou gerar eletricidade. Devido a escassez de recursos, cada componente do sistema de produção deveria, na medida do possível, ter múltiplo propósito e cumprir simultaneamente várias funções, como por exemplo:

a) A cana de açúcar poderia ser plantada em cordões vegetados (em curvas de nível) que protegeriam o solo contra a erosão; suas extremidades alimentariam os poligástricos; seu suco serviria como alimento energético para a família e para os suínos e aves; seu bagaço serviria como combustível, etc.

b) Algumas leguminosas poderiam servir para manter o terreno coberto e com isto evitar a erosão e a incidência de ervas daninhas; extrair nutrientes das camadas mais profundas do solo (alfafa, guandu, etc.); incorporar matéria orgânica e nitrogênio; servir como componente protéico na alimentação da família e nas rações animais; melhorar as condições físicas e biológicas do solo, etc. Em ambos exemplos, uma única espécie tem um múltiplo propósito e atua eficazmente para elevar a produtividade dos três fatores que com mais frequência estão disponíveis nas propriedades: a família, a terra e os animais. Para que todos os fatores contribuam ao desenvolvimento racional e eficiente da propriedade, é necessário planejar as atividades tendo em mente este importante objetivo; é especialmente necessário diversificar as atividades, de forma que estas se integrem e se complementem.

Deste modo, todos os demais fatores produzirão em forma harmônica e permanente, enquanto o agricultor trabalha ou descansa. Além disto, é necessário que todos os espaços estejam ocupados em forma produtiva: peixes no tanque, minhocas na terra; abelhas, aves e coelhos nos cavaletes; aves e plantas aquáticas na superfície dos tanques. etc. Estes componentes além de não competir entre si se complementam, integram e potencializam.

Quem conhece o campo sabe que, infelizmente os espaços disponíveis, apesar de reduzidos, nem sempre estão ocupados em forma racional durante todo o ano; e que os recursos existentes nem sempre produzem em forma satisfatória; se ambos são escassos, com maior razão a prioridade deverá consistir em capacitar aos agricultores para que os usem adequadamente e obtenham deles o máximo proveito possível.

Se todos os espaços estivessem continuamente ocupados e se todos os recursos produtivos fossem utilizados de forma racional e em caráter permanente, os agricultores não estariam tão fortemente dependentes da alocação de fatores externos; e do crédito para adquiri-los.

Infelizmente existe uma forte tendência a magnificar a aparente necessidade de obter recursos adicionais e a minimizar a importância de usar plenamente os que já estão disponíveis nas propriedades.

2) Diversificação e integração de atividades agrícolas, pecuárias e florestais com o objetivo de gerar renda e autoabastecer-se em caráter permanente de :

- alimentos para a família tais como cereais, leguminosas, raízes e tubérculos, hortaliças, bebidas (chá, café, erva-mate), condimentos, frutas, gorduras, mel, ovos, leite e carne e seus derivados; - forragens e ingredientes para rações (milho, sorgo, soja, nabo forrageiro, alfafa, rami, guandu, lupinus, mandioca, abóbora, leucena, etc.); - adubos orgânicos; - lenha; - madeira para construções, instalações rurais, cercas, cabos de ferramentas, colméias, caixas ou recipientes para armazenar ou transportar produtos, etc;(18*) - cana (Arundo donax), palmeiras e outras espécies para cobertura de telhados; - matérias-primas para artesanato e utensílios domésticos (sorgo para confeccionar vassouras; vime para fabricar cestos e móveis; bambu de vários calibres para balaios, canos de água, bebedouros, comedouros e jaulas de animais menores; cabaças; esponjas, etc.).

É difícil fazer viável a agricultura familiar sem incorporar animais ao sistema de produção, entre outras razões, porque estes ajudam no trabalho; proporcionam aminoácidos essenciais para a alimentação da família; transformam em produtos mais nobres (leite, carne, lã, etc.) os subprodutos da agricultura, os quais

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sem animais seriam desperdiçados; permitem recuperar a fertilidade do solo através da incorporação do esterco e da rotação de culturas com as pastagens, etc.

Na agricultura familiar se deve dar preferência aos animais de menor porte e/ou mais eficientes ou mais prolíferos, como por exemplo: as vacas jersey que são de pequeno porte e muito eficientes produtoras de leite; ou os frangos que são muito rápidos e eficientes transformadores dos alimentos produzidos na granja; ou os coelhos, os quais com cinco fêmeas e um macho produzem a carne suficiente para alimentar uma família padrão. Se o agricultor não pode ter uma vaca talvez possa ter três cabras leiteiras, as quais bem alimentadas e manejadas poderiam produzir o leite suficiente para satisfazer as necessidades da família.

Uma propriedade diversificada pode proporcionar alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, não apenas para a família mas também para os animais, e fazê-lo em caráter permanente./. Ademais, ao produzir e consumir na propriedade, grande parte dos bens, o agricultor se torna menos exposto a ação expropriatória das cada vez mais extensas cadeias de intermediação; as quais de forma crescente, se estão estabelecendo, seja na aquisição dos insumos ou na venda das colheitas. Em virtude desta ação expropriatória, muitas vezes resulta economicamente mais conveniente que o agricultor produza os insumos e consuma os produtos no próprio sítio, em vez de comprar os primeiros e vender os últimos do (e ao) circuito industrial e comercial. Isto não significa que se esteja propondo uma desvinculação do agricultor dos mercados, das cadeias agroalimentares e dos demais setores econômicos; significa propor que o agricultor se torne menos dependente daquelas relações com o setor industrial e comercial que lhe sejam desnecessárias e/ou desfavoráveis; como exemplo se poderia mencionar que o produtor não deve comprar ração balanceada de origem industrial, se ele pode (e geralmente pode, porém não sabe) produzi-la ele mesmo, utilizando (em vez de vender) os componentes produzidos na sua propriedade.

É evidente que, esta autosuficiência não pode ser absoluta; as famílias rurais requerem em caráter permanente de alguns insumos e bens de consumo familiar que o sítio diversificado não pode proporcionar. Isto as obriga a produzir excedentes comerciáveis que gerem renda, também em forma permanente para poder adquirir estes elementos (inoculantes, vacinas, vermífugos, agroquímicos, ferramentas, arame,

pregos, roupas, etc.); sem necessidade de recorrer sempre ao escasso e burocratizado crédito oficial ou ao caro crédito do agiota. Na vida moderna, em virtude das crescentes aspirações (19*) e necessidades das famílias rurais, estes excedentes comerciáveis devem ser cada vez maiores, o que significa que o autoabastecimento poderia ser uma prioridade (ponto de partida) e não um objetivo final (ponto de chegada). O agricultor poderia começar com um sítio para autoconsumo não como um fim em si mesmo, e sim como um meio (ou uma estratégia) para chegar a uma granja comercial, fazendo tal transição de forma progressiva. De acordo com as circunstâncias de cada agricultor, os produtos comerciáveis podem ser:

a) oriundos dos excedentes das culturas de autoconsumo, ou

b) originados de uma ou mais culturas ou criações produzidas exclusivamente para o mercado(20*); isto é, oriundas daquelas que se produzem exclusivamente com o propósito de ser comercializadas e não para ser consumidas pela família.

A melhor forma de se tornar exequível e economicamente estável uma pequena propriedade é através de uma grande diversificação de atividades agrícolas e sua integração com distintas atividades pecuárias e com a produção florestal. Salvo raras exceções, um pequeno produtor não deveria ser exclusivamente agricultor ou pecuarista; e muito menos dedicar-se a cultivar ou criar uma única espécie, porque tal procedimento o exporia a riscos desnecessários, a vulnerabilidades e dependências.

Uma propriedade bem diversificada é o supermercado, a fábrica de insumos, o banco, a agroindústria, a companhia de seguros e a fonte de emprego para a família do agricultor, que funciona em forma ininterrupta durante os 365 dias do ano, produzindo alimentos e insumos, incorporando nitrogênio ao solo, recuperando a vida e a fertilidade do solo, controlando pragas, reciclando resíduos, polinizando flores, gerando rendas, etc. O fato de que muitas espécies têm uma produção estacional, enquanto que o consumo (da família e dos animais) e a necessidade de renda são permanentes, é um poderoso argumento em favor da diversificação. Se por qualquer motivo não for conveniente que cada agricultor faça uma grande diversificação, existe outra alternativa que consiste no seguinte: um grupo homogêneo de aproximadamente 10 agricultores conjuga seus recursos e seus esforços para atingir em conjunto os seus objetivos econômicos.

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Com tal fim cada um deles se dedica e especializa em uma única atividade, porém o resultado econômico de todas as atividades de todos os membros do grupo é repartido entre todos eles. Esta alternativa tem a extraordinária vantagem de reduzir de forma drástica os gastos em investimentos e consequentemente a dependência do crédito. Por exemplo, se apenas um deles passa a criar suínos, o grupo necessita de apenas uma pocilga, um bom reprodutor e um triturador de grãos, em vez de necessitar 10 unidades de cada um destes fatores; se apenas um membro do grupo se dedica à produção leiteira, também se necessitará de um menor número de reprodutores, de apenas um estábulo e apenas uma ordenhadeira, em vez de necessitar 10 unidades de cada um deles; se apenas um membro passa a dedicar-se à avicultura, se necessitará de apenas um galpão em vez de ter dez; se apenas um deles se dedica à produção de grãos poderá talvez utilizar a terra dos demais membros e possuir apenas um trator, uma máquina semeadeira e uma colheitadeira, em vez de necessitar 10 de cada uma.

Esta alternativa compatibiliza as vantagens de que os 10 membros em seu conjunto:

a) gozem dos benefícios de ter uma agricultura diversificada e integrada verticalmente (o milho e a soja produzidos por um membro alimentam os suínos, as aves e as vacas dos outros membros); e

b) por sua vez gozem também dos benefícios de conseguir economia de escala e poder especializar-se ao adotar a chamada divisão social do trabalho. A alternativa recém-descrita não impede que cada agricultor em seu próprio sítio tenha uma produção diversificada para autoconsumo.

Esta é uma interessante alternativa de como a tecnificação pode estar a serviço dos agricultores e não tanto dos provedores da agricultura

3) Adoção de medidas elementares de recuperação e conservação da fertilidade dos solos (21*), como por exemplo: utilizá-los de acordo com sua capacidade de uso (vocação); semear em curvas de nível; fazer plantio direto com equipamentos de tração animal especialmente projetados para tal fim (lavrança mínima); evitar o manejo excessivo que incrementa custos em maquinaria e trabalho, provoca a compactação e aumenta a vulnerabilidade à erosão; não semear em favor da pendente; construir terraços; implantar cordões vegetados com espécies de múltiplo propósito; recolher os estercos e incorporá-los ao solo junto com os restos de culturas e adubos verdes; manter o solo com cobertura verde ou morta durante todo o ano, para reter mais água das chuvas, melhorar a porosidade, reduzir o escorrimento, diminuir o desenvolvimento de ervas daninhas, estimular a vida microbiana e evitar o aquecimento excessivo do solo; fazer rotação de culturas com leguminosas previamente inoculadas e com espécies de diferentes sistemas radiculares (aproveitamento vertical da fertilidade do solo) ou de distintas exigências nutricionais.

Estas medidas permitem aumentar a produtividade da terra com menor gasto em fertilizantes sintéticos. No entanto, quando estes últimos estão disponíveis serão muito mais eficientes se previamente à sua incorporação, o agricultor adotar as medidas recém-mencionadas; além do mais, se o agricultor as adota integral e corretamente, poderia ser até um contra senso não complementá-las com a incorporação de fertilizantes sintéticos, especialmente se o agricultor dispõe de sementes de alto potencial genético que tenham capacidade para responder a uma melhor fertilidade. A recuperação e manutenção da fertilidade do solo é a mais importante, crucial e decisiva medida que todos os agricultores deveriam adotar em forma integrada e permanente. Da capacidade do solo para produzir altos rendimentos dependerá o autoabastecimento da família, a produtividade da mão-de-obra (porque poderá cultivar uma menor superfície para obter igual quantidade de produto), a maior produtividade e o menor custo dos demais fatores de produção, a adequada alimentação dos animais (e consequentemente o seu desempenho produtivo e reprodutivo) e a suficiente geração de excedentes para o mercado.

4) Melhoria no uso e manejo da água. Muitos agricultores desperdiçam este importante fator de produção por irrigar através de métodos inadequados que não contribuem a economizá-lo. Em alguns casos, os agricultores "molham porém não regam", por desconhecerem a profundidade das raízes ou as necessidades hídricas das culturas. Outros, mesmo que pudessem fazê-lo, não aproveitam a água disponível para criar peixes, os quais poderiam ser alimentados diretamente com os produtos e resíduos das propriedades ou indiretamente com o esterco dos animais.

No entanto, o pior desperdício e água ocorre quando o agricultor rega, porém não adota em forma correta, todas as demais tecnologias que são necessárias para que a irrigação manifeste todas as suas potencialidades qualidade das sementes, espaçamento adequado, controle de ervas daninhas, combate a

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pragas e doenças, fertilização, etc.); em tal circunstância o agricultor faz o mais caro e segue obtendo baixos rendimentos por não fazer o mais barato.

Infelizmente esta tão frequente distorção, além de provocar mais desperdício de água, gera um grave e desnecessário superdimensionamento dos caros equipamentos de irrigação. Ao obter baixos rendimentos pelo motivo recém-mencionado, o agricultor necessita ampliar a superfície irrigada, o que por sua vez requer um motor de maior potência, uma bomba de maior capacidade, mais energia, mais encanamento, mais aspersores, mais trabalho, etc; esta distorção é um importante, ainda que não muito visível, fator de incremento de custos.

5) Uso de sementes de boa qualidade, semeando variedades mais produtivas, precoces e resistentes às adversidades, com o fim de aumentar a produtividade da terra (geralmente de escassa superfície) e o número de colheitas em um mesmo período de tempo, como formas pragmáticas de compensar a insuficiência de terra.

No item 3 deste capítulo foi ressaltada a importância de elevar a capacidade produtiva do solo; esta no entanto não será suficiente se não for potencializada e complementada com uma semente de boa qualidade. A conjugação destes dois importantíssimos e determinantes fatores (solo fértil e semente de maior potencial) é fundamental para que os agricultores aumentem em forma muito significativa os rendimentos da terra (e por conseguinte da mão-de-obra e dos animais), como requisito pra tornarem-se economicamente viáveis.

Sem aumentar de forma muito significativa seus atuais rendimentos, dificilmente os pequenos agricultores poderão viabilizar-se economicamente; e muito especialmente se eles dedicarem sua escassa terra a explorar culturas de baixa densidade econômica, como por exemplo mandioca, arroz, feijão, milho, batatas, etc; isto é, se os agricultores pobres continuarem produzindo produtos que são adquiridos pelos consumidores pobres.

6) Adoção de técnicas adequadas de semeadura quanto a época, profundidade e espaçamento; fazer teste de germinação e regular a semeadeira, são medidas que não custam, porém permitem obter um espaçamento adequado; se este for insuficiente os espaços disponíveis serão ocupadas pelas ervas daninhas e serão elas (e não a espécie cultivada) as que se beneficiarão dos fertilizantes que eventualmente sejam aplicados. Pequenos e evitáveis atrasos na época de semeadura provocam grandes reduções nos rendimentos. Semear bem não significa necessariamente gastar mais, mas sim ganhar mais.

Por exemplo, semear em linhas em vez de fazê-lo a lanço (trigo, cevada, aveia, etc.); colocar só uma semente e reduzir a distância em vez de ampliar tal distância e colocar várias sementes em uma só cova. Estas medidas elementares diminuem a quantidade de sementes; facilitam os trabalhos e reduzem o custo das capinas; e aumentam os rendimentos por hectare.

7) Eliminação oportuna das ervas daninhas utilizando a mão-de-obra familiar ou equipamentos de tração animal, normalmente disponíveis, em vez de usar herbicidas e tratores que são caros. A eliminação das ervas daninhas é uma das atividades que mais esforço físico e mais tempo absorve da mão-de-obra familiar, especialmente se estas não são eliminadas no início do ciclo vegetativo. Por tal motivo, é necessário outorgar mais ênfase às eficazes medidas de prevenção; entre elas sua eliminação na etapa inicial de crescimento, com o fim de romper o ciclo vegetativo e com isto diminuir e facilitar o penoso trabalho das capinas; ou semear com espaçamento adequado para que o solo esteja bem coberto; ou antecipar a data de preparação do solo para que as ervas daninhas possam emergir e serem eliminadas antes de semear a cultura; ou utilizar cobertura morta; ou introduzir plantas alelopáticas, etc.

Como se vê, medidas de fácil adoção e baixo custo permitiriam aos agricultores diminuir as esgotadoras e caras jornadas de capinação e lhes possibilitariam aumentar os rendimentos; ambos contribuiriam a reduzir os custos unitários de produção, sem necessidade de recorrer a tratores e/ou herbicidas.

Adicionalmente, se os agricultores adotassem as outras medidas incluídas neste capítulo, poderiam incrementar os rendimentos das suas culturas; isto por sua vez lhes permitiria diminuir a superfície cultivada e consequentemente reduzir ainda mais o trabalho e os gastos com o controle de ervas daninhas.

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8) Adoção de práticas de "manejo integrado de pragas" para reduzir o excessivo e às vezes desnecessário uso de pesticidas. É necessário combater o conceito equivocado de que manejo de pragas é sinônimo de aplicação de agroquímicos. Estes poderiam ser total ou parcialmente eliminados dos processos produtivos da maioria das atividades das pequenas propriedades, se os agricultores adotassem as eficientes e eficazes medidas de "manejo integrado de pragas" mencionadas a seguir:

- diversificar a produção; - semear culturas consorciadas ou associadas; - utilizar variedades mais resistentes a pragas e doenças; - usar sementes e plantas sadias; - fazer rotação de culturas; - utilizar plantas repelentes de pragas e/ou atraentes de inimigos naturais das pragas; - instalar armadilhas ou iscas; - empregar inimigos naturais; - adotar pesticidas só como último recurso, depois que as alternativas de menor custo e menor dano demonstrem ser ineficazes ou insuficientes.

Inumeráveis e reiteradas experiências executadas pelas instituições oficiais de pesquisa agrícola dos países da América Latina, têm demonstrado enfaticamente que é possível reduzir, em forma significativa, a quantidade de pesticidas e o número de suas aplicações, sem diminuir os rendimentos por área cultivada. Naturalmente, se os agricultores não adotarem estas práticas alternativas, seguirão necessitando usar crescentes quantidades de agroquímicos, os quais aumentarão desnecessariamente seus custos de produção, matarão as pragas e também os inimigos naturais destas; com tal procedimento entrarão em um círculo vicioso, que beneficiará principalmente a uns poucos fabricantes e provedores destes pesticidas, com visíveis prejuízos para milhões de produtores e danos para milhões de consumidores e para o meio ambiente.

9) Aplicação de medidas zootécnicas e veterinárias, como por exemplo: melhor alimentação dos

animais com recursos forrageiros produzidos no próprio sítio; vacinações e desparasitações no momento adequado; permanente limpeza das instalações; desmame precoce; manejo racional dos pastos, dos animais e da reprodução; cuidados no parto; proteção ao recém-nascido (contra frio, vento, umidade, predadores, etc); desinfecção do umbigo; castração no momento adequado seguindo normas elementares de higiene; realização de duas ordenhas diárias, etc. Com estas medidas de baixo custo e fácil adoção é possível: aumentar, em forma muito significativa, a produção de carne, leite, lã, etc; alongar o período de lactação; aumentar a frequência dos partos e o número de animais nascidos e desmamados em menor espaço de

tempo e por conseguinte em uma menor superfície de terra; tudo isto sem necessidade de endividar o agricultor na aquisição de um maior número de animais.

10) Utilização de práticas que diminuem as significativas perdas (nem sempre perceptíveis) (22*) que ocorrem durante o processo produtivo, na colheita (por falta de habilidade dos operadores ou de equipamentos adequados, por não fazê-la no momento oportuno, etc.), na trilha, no transporte, na armazenagem, no consumo pelos animais (23*) e na comercialização. É possível diminuí-las em forma

significativa por meio de procedimentos que os agricultores poderiam adotar sem custos adicionais, se estivessem conscientes da magnitude das perdas e se estivessem adequadamente capacitados para evitá-las. Por exemplo: utilizar variedades menos suscetíveis à debulha, adotar técnicas melhoradas de trilhagem, prevenir contra os ratos, guardar as colheitas em sacos de polietileno de baixo custo, etc.

Estas técnicas de conservação não só permitem reduzir as perdas, como também postergar a venda dos produtos excedentes para épocas de menor oferta e consequentemente de melhores preços.

Algo tão elementar como colher de imediato o produto maduro, normalmente não se realiza; muitas vezes o produtor expressa razões pouco convincentes para deixar o produto na lavoura por demasiado tempo, sem se dar conta de que ao colhê-lo já tem menor quantidade e está infectado por insetos que seguirão destruindo-o nos paióis ou depreciando-o se deseja vendê-lo. Entre os médios e grandes agricultores, são impressionantes as perdas na colheita de grãos devido a inadequação da maquinaria ou a deficiente regulagem ou operação das colheitadeiras.

Se continuarem ocorrendo as grandes perdas em todas as etapas antes mencionadas, continuaremos no seguinte paradoxo: a terra insuficiente, o crédito difícil, os insumos escassos e os esforços dos agricultores

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seguirão sendo em grande parte destinados a produzir bens que, lamentavelmente, jamais trarão qualquer benefício a eles e nem a humanidade. Geralmente não existe proporção entre:

i) os grandes esforços que fazem os agricultores para ter acesso aos fatores de produção e para obter colheitas mais abundantes; e

ii) a pouca atenção que eles dedicam a adoção de medidas (geralmente de fácil aplicação e baixo custo) para conservar os bens depois de produzidos.

Uma reflexão sobre as 10 medidas descritas neste capítulo

Em que percentagem os agricultores poderiam incrementar os rendimentos (por unidade de terra e de animal) pelo simples fato de introduzir as medidas (de baixo custo e consequentemente factíveis de ser adotadas), descritas nos 10 itens anteriores?

Em que percentagem poderiam reduzir seus custos unitários de produção se eles adotassem tais medidas: a) por aumentar os rendimentos; e b) por reduzir a quantidade e o custo dos insumos (e dos tratores e das obras de irrigação, e das matrizes e reprodutores, e do crédito, etc.)?

Se os agricultores adotassem tão somente as 10 medidas recém-descritas, seguramente obteriam aumentos muito significativos nos rendimentos e conseguiriam reduções também muito expressivas nos custos por quilograma produzido. Adicionalmente, teriam maior volume de produtos para alimentar a família, para arraçoar os animais e para colocar os excedentes no mercado; isto implicaria automaticamente em aumentar a renda e reduzir os gastos na aquisição de alimentos humanos e rações para os animais. Tudo isto se traduziria em um incremento dos ganhos líquidos dos agricultores. Seria melhor adotar estas medidas viáveis, em vez de continuar perdendo tempo em esperar recursos e perfeccionismos que de fato são inacessíveis.

No entanto, adotar estas 10 medidas mesmo que seja necessário e possível, ainda não é suficiente e não é tudo o que podem fazer as famílias rurais. Seus ganhos podem dar outro salto quantitativo se, além de tudo o que foi anteriormente proposto, elas adotam as duas medidas que se descrevem a seguir (itens 11 e 12) e finalmente se adotam estas 12 medidas na forma descrita no item 13.

11) Processamento e incorporação de valor agregado. Uma das causas dos baixos preços de venda

da produção agrícola, é que ela é oferecida ao mercado, in natura, tal como é colhida, sem nenhum processo de beneficiamento; isto é, sem limpar, lavar, debulhar, classificar, secar, processar, transformar, moer, envasar, etc. Os pequenos agricultores deveriam aproveitar a sua abundante e, muitas vezes, subocupada mão-de-obra e com ela adotar as medidas antes mencionadas, com os propósitos: de processar para aproveitar totalmente os excedentes que ocorrem na época de colheita (frutas por exemplo); de conservar os produtos por mais tempo para consumi-los (pela família ou pelos animais) e para vendê-los em épocas nas quais por razões climáticas não se pode produzi-los; de reduzir perdas; de incorporar-

lhes valor; de alongar o período de comercialização e de vendê-los fora da época de colheita e, consequentemente, por melhores preços.

Com estes propósitos, os agricultores poderiam adotar medidas tais como: processamento de frutas (secas, cristalizadas, marmeladas, etc.); conservas de hortaliças; transformação de carnes em embutidos, carne salgada, defumada, etc; produção de derivados do leite; beneficiamento de couros, peles e lãs, etc. O processamento industrial dentro da propriedade tem a vantagem adicional de que é o agricultor quem fica com os subprodutos e pode utilizá-los como insumo para obter outro produto na sua propriedade.

Para consegui-lo não se requer de grandes instalações industriais; os processamentos antes mencionados poderiam consegui-los através da capacitação de mulheres e jovens para que o façam em forma artesanal, a nível de propriedade ou de comunidade. Isto contribuiria para ocupar a mão-de-obra e incrementar a renda familiar em forma muito significativa.

12) Diminuição do exagerado e desnecessáio número de elos do circuito industrial/comercial, que atua antes da semeadura e depois da colheita; com o duplo fim de reduzir os gastos na aquisição dos insumos e de obter melhores preços na venda das colheitas. Muitos eficientes produtores não têm

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conseguido viabilizar-se economicamente porque têm sido ineficientes comercializadores (dos insumos que adquirem e dos excedentes que vendem).

Os agricultores organizados deveriam constituir os seus próprios serviços e assumir em forma gradual e crescente, algumas atividades que atualmente executam os intermediários e agroindustriais. Uma importante razão pela qual os ganhos dos agricultores são insuficientes, é que desde que o insumo é fabricado pela indústria até que o produto agrícola chega à mesa do consumidor, existe um desnecessário superdimensionamento na quantidade de intermediários, muitos dos quais se mantêm a expensas do trabalho do agricultor.

O crescente alongamento destas cadeias de intermediação é um importantíssimo motivo pelo qual;

a) o agricultor recebe uma porcentagem cada vez menor do preço que o consumidor final paga pelos alimentos; e

b) o agricultor necessita entregar uma quantidade cada vez maior de produto para adquirir a mesma quantidade de insumo. Este desnecessário excesso de elos do circuito industrial/comercial, está deteriorando a relação insumo/produto e impedindo a viabilização econômica de muitos agricultores. A título de ilustração, vejamos um exemplo dos elos desta cadeia:

- o industrial fabrica os insumos para a produção agrícola (fertilizantes, herbicidas, inseticidas, etc.); - o intermediário do centro industrial os adquire do fabricante e os vende ao comerciante do município ou da comunidade na qual reside o agricultor; - este comerciante local os vende ao agricultor; - o agricultor utiliza os insumos e com eles produz milho, sorgo, alfafa, soja, etc; - o intermediário local compra estes produtos primários do agricultor e os vende aos intermediários do centro industrial ou a indústria; - a indústria transforma estes produtos primários em rações e concentrados e os vende ao intermediário do centro industrial; - estes intermediário os vende ao comerciante do município ou da comunidade onde reside o pecuarista; - o pecuarista compra a ração e produz os suínos; - o suinocultor vende os porcos vivos ao intermediário ou ao frigorífico; - esta indústria os transforma em produtos elaborados (salame, patê, bacon, presunto, etc.) e os vende ao intermediário do centro industrial; - este intermediário vende tais produtos ao atacadista do município onde vive o consumidor;

- este atacadista os vende ao comerciante varejista; e - o comerciante varejista os vende ao consumidor final.

Como se vê nesta longa corrente, poucos são os que realmente produzem bens, porém muitos são os que intermediam (às vezes desnecessariamente) e se apropriam dos ganhos dos poucos que efetivamente produzem tais riquezas.

Se aos ganhos de cada elo desta longa corrente agregamos os impostos pagos em cada transação, os gastos com fretes (24*), embalagens (às vezes tão sofisticadas que respondem por uma alta porcentagem do preço que o consumidor paga pelo produto final), perdas, etc, é fácil de entender porque os ganhos dos agricultores são tão baixos, apesar de que os consumidores pagam preços muito elevados pelos alimentos que adquirem. Em muitos casos, os intermediários são necessários; não se trata, portanto, de propor em forma demagógica ou ingênua, sua eliminação do circuito de comercialização; trata-se de diminuir ao mínimo indispensável, o desnecessariamente elevado número de elos das correntes de intermediação: os anteriores e os posteriores à etapa de produção propriamente dita.

Para consegui-lo, a solução ideal seria organizar os agricultores e aproximá-los cada vez mais dos consumidores também organizados; quer dizer, diminuir a desnecessária distância que se estabeleceu entre ambos grupos; e reduzir os excessivos custos de transação que tal distância originou; ao aproximá-los se estaria beneficiando às duas grandes maiorias nacionais; os pequenos agricultores e os consumidores pobres; e não às minorias, nem sempre produtivas, dos circuitos de intermediação. Em que porcentagem os agricultores poderiam aumentar a sua renda líquida se estivessem capacitados e organizados para eliminar apenas os elos que são desnecessários e elimináveis? Não será esta uma muito importante (porém evitável) razão pela qual seus lucros são insuficientes?

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Depois de descrever as bondades destas 12 medidas, cabe fazer a seguinte indagação: Se elas são factíveis e benéficas, por que não produzem os resultados esperados, por que não ajudam a solucionar os problemas técnicos e econômicos dos agricultores?

Basicamente porque:

a) a maioria dos produtores não as adotam; e

b) não levam em conta o que está exposto no item 13 que se descreve a seguir.

13) Execução eficiente, oportuna e integral das 12 alternativas recém-propostas. As medidas sugeridas nos itens anteriores são comprovada e reconhecidamente eficazes. Se aplicadas em conjunto, no momento oportuno e em forma correta, produzem resultados extraordinários; em conjunto, porque de forma isolada nenhuma das 12 medidas será capaz de produzir resultados significativos; em forma correta e no momento oportuno, porque o êxito de qualquer exploração produtiva depende mais do "como fazer" e do "quando fazer", que do "com que fazer".

No entanto, se não se cumprem estes três requisitos, os esforços modernizadores não produzirão (como de fato não têm produzido, em grande parte por este motivo) os resultados esperados. O requisito que se explica neste item 13 é o mais importante que qualquer dos outros 12 que o antecederam.

O fato de aplicar as alternativas recém-descritas em forma parcializada ou de maneira incorreta, usar um insumo de forma equivocada ou executar as práticas agrícolas fora da época, são importantes causas (nem sempre percebidas e reconhecidas) de fracassos dos projetos de modernização da agricultura.

Por exemplo, não é suficiente adotar as recomendações mencionadas nos itens 1) e 2) deste capítulo, se não se adota as indicadas nos itens 3) e 5)(25*); igualmente, não é suficiente aplicar um pesticida ou uma vacina, se não se o fizer no momento adequado; não é suficiente aplicar um fertilizante, é necessário que este seja adequado e que se o aplique em forma correta.

Estes condicionantes, tão elementares e óbvios, lamentavelmente e com muitíssima frequência não ocorrem, e são uma importantíssima razão pela qual os insumos ou as tecnologias não produzem os resultados que poderiam produzir; exatamente porque geralmente falta o mais

importante: capacitar os agricultores para que saibam aplicar corretamente as tecnologias e utilizar racionalmente os insumos. Não se trata portanto de usar ou não usar insumos; de adotar ou não tecnologias; é necessário usá-los/adotá-las em conjunto, corretamente e no momento oportuno. Incorporar tecnologias e utilizar insumos de forma descuidada e irreflexiva, sem preocupar-se do "como" e o "quando" fazê-lo, tem sido uma importante razão pela qual os agricultores se decepcionam com a eficácia dos insumos e das tecnologias modernas.

Às vezes é melhor não inovar que fazê-lo em forma equivocada.

Definitivamente, a agricultura será mais rentável e os agricultores serão mais competitivos, na medida em que:

- exista eficiência não só tecnológica, como também gerencial e organizacional em todos os elos da cadeia

agroalimentar; inclusive nos anteriores a etapa de produção propriamente dita (aquisição ou produção própria dos fatores de produção) e nos posteriores a ela (processamento, armazenagem, incorporação de valor agregado, comercialização, etc.); isto é, quando os agricultores adotarem uma correta verticalização do negócio agrícola; e - os próprios agricultores se encarreguem de uma parte mais significativa (não necessariamente de todas) das referidas atividades anteriores e posteriores à etapa de produção propriamente dita; com este propósito, é necessário que eles se organizem para constituir os seus próprios mecanismos de recepção e de prestação de serviços e para instalar pequenas unidades agroindustriais a nível comunitário, que sejam de sua propriedade e não necessariamente pertençam aos grandes grupos empresariais privados;

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porque, do contrário, serão estes grupos os que seguirão apropriando-se dos benefícios do trabalho e do esforço dos agricultores.

Ao adotar em forma correta estas medidas, os agricultores aumentarão substancialmente a sua renda, porque melhorarão a eficiência do sistema na sua globalidade, ao reduzir a quantidade e o custo das entradas e simultaneamente incrementar a quantidade, a qualidade e o preço de venda das saídas.

17. Parte do texto deste capítulo foi extraída do documento GAITÁN J. e LACKI, P.

18. As espécies destinadas à lenha e madeira deverão ser semeadas em locais não aptos para a agricultura, como: protetoras das nascentes e cursos de água, cercas vivas, cortinas quebravento, árvores de proteção aos animais (contra o vento, frio ou sol excessivo)

19.Ter uma bicicleta, moto, televisor, automóvel, equipamento de música, roupas e calçados que usam os habitantes urbanos, organizar e participar das festividades etc, são aspirações legítimas às quais deverão ter acesso para melhorar sua qualidade de vida.

20.Não se deve confundir economia de maior auto-suficiência e maior autodependencia com economia de subsistência desconectada da vida econômica do país.

21. "Só se pode falar de agricultura quando se conserva a fertilidade do solo. Se ela diminui com as sucessivas colheitas, o nome que lhe corresponde é mineração." Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística estadunidense.

22. Perdas provocadas por maquinaria mal manejada, mal regulada ou mal conservada; por fatores de produção ociosos ou subutilizados; pela erosão do solo; pela incidência de ervas daninhas, pragas e doenças facilmente evitáveis; por manter fêmeas com excessivos intervalos entre partos, que parem e desmamam poucos animais; por alongar a idade de abate dos animais; por alimentar poligástricos com grãos; por mortalidade de animais; pelos baixos rendimentos por unidade de terra, animal, capital, energia e tempo; por executar trabalhos que desmandam demasiado tempo e dinheiro frente aos pobres benefícios que produzem (isto ocorre quando se colhe em dois hectares, a mesma quantidade que se poderia colher em apenas um deles, se se adotasse tecnologias elementares e de baixo custo); por animais que, ao não estar

presos, destroem as culturas ou são atacados por predadores etc.

23. É muito frequente dar o feno ou forragem aos animais, colocando-os no solo no qual se misturam barro ou esterco; ou jogar espigas inteiras de milho no assoalho da pocilga (grande parte dos grãos se mistura com o esterco ou se perde através dos orifícios do piso); usar comedouros inadequados e enchê-los em excesso. Todos estes procedimentos contribuem para que se perca grande parte dos escassos alimentos.

24. São paradoxos os casos de produtos primários (inclusive frutas) transportados desnecessariamente e com altos custos desde a fonte de produção até as distintas grandes metrópoles. Ali são classificados, polidos, etiquetados, empacotados (não processados industrialmente) e depois voltam para ser vendidos aos consumidores do mesmo município no qual os bens foram produzidos.

25. Tal como ocorre em uma corrente, de pouco serve que ela seja muito forte se um dos seus elos é fraco. Na tecnificação da agricultura, a existência de um elo débil anula o efeito fortalecedor de todos os demais. É

por esta razão que não é suficiente adotar, de forma correta, alguns componentes que contribuam para o aumento da renda; é necessário adotar de maneira eficiente todos eles.

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CAPITULO 6. A FACTIBILIDADE E EFICÁCIA DA ESTRATÉGIA PROPOSTA

As 12 alternativas descritas no capítulo anterior poderiam ser adotadas integral, oportuna e corretamente pelos pequenos produtores, apesar das suas reconhecidas restrições produtivas; com a única condição de que eles estivessem capacitados e dispusessem de tecnologias compatíveis com os recursos que realmente possuem. Estas alternativas se adequam à sua situação de escassez de recursos porque:

- Algumas delas, para ser adotadas, não exigem nenhuma despesa adicional ou insumo material externo à propriedade; geralmente apenas requerem: a) mudanças na forma e na época de executar os trabalhos; e b) reordenamento no uso dos recursos disponíveis (como por exemplo o parcelamento na aplicação dos fertilizantes para reduzir a lixiviação e aumentar sua eficiência). - Algumas inclusive diminuem o uso de insumos externos (por exemplo, o manejo integrado de pragas ou a rotação de culturas). - Outras, se bem que requerem insumos externos ou despesas adicionais, têm custos insignificantes em relação aos benefícios econômicos que produzem; como por exemplo, prevenção de perdas pós-colheita, inoculação de sementes de leguminosas, mineralização, vacinação ou desparasitação dos animais, etc. A título de exemplo: A então Empresa Catarinense de Pesquisas Agropecuárias - EMPASC (atual EPAGRI) organismo oficial de pesquisa do Estado de Santa Catarina, Brasil, conduziu uma pesquisa que demonstrou o seguinte: os bovinos que receberam tratamento antiparasitário estratégico (três aplicações ao ano) chegaram ao peso de mercado (380 kg), 417 dias antes dos animais testemunhas, cuja única diferença foi não haver recebido nenhum antiparasitário. A espetacularidade do resultado provavelmente se deveu, em grande parte, ao fato de que todos os animais (inclusive os testemunhas) estiveram submetidos a precárias condições alimentares; em tal circunstância, os animais com maior carga parasitária sofrem em maior grau

as consequências de déficit alimentar; se todos os animais estivessem bem alimentados, provavelmente o resultado seria menos espetacular, porém, ainda assim, a aplicação do antiparasitário seria economicamente vantajosa [6].

As alternativas mencionadas no capítulo anterior mostram que é um perigoso equívoco afirmar que a tecnificação da agricultura está sempre condicionada à necessidade de crédito, insumos modernos, maquinaria e grandes gastos adicionais. É fácil constatar que a adoção destas inovações

de baixo custo é uma alternativa realista, factível e eficaz para solucionar muitos dos problemas dos agricultores, porque através delas é possível:

a) "aumentar" a superfície de terra ao obter dela um maior número de colheitas num mesmo período de tempo e fazê-lo com maiores rendimentos; também é possível "aumentar" verticalmente o rendimento animal, via melhoramento produtivo e reprodutivo; b) diminuir a dependência do crédito;

c) reduzir as despesas com insumos industriais ou substituí-los por outros produzidos na propriedade; d) aumentar rendimentos, reduzir custos unitários de produção e elevar os preços de venda; e) diminuir riscos; f) beneficiar-se de uma maior percentagem do preço final que os consumidores pagam pelos produtos agrícolas; g) aumentar a renda dos agricultores; h) e como consequência dos sete êxitos anteriores, solucionar os principais problemas que afetam

cotidianamente as famílias rurais.

Se as 12 alternativas antes descritas podem ser adotadas pela maioria dos agricultores, apesar das suas atuais restrições, e se elas têm demonstrado sua eficácia técnica e suas vantagens econômicas; por que não estimular a sua adoção? Dessa forma se ofereceria, à totalidade dos agricultores, reais oportunidades de produzir maiores excedentes e gerar renda adicional para iniciar um processo gradual de tecnificação mais avançado. Por que não buscar a equidade por esta via realista, factível e eficaz?

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A realidade é que, apesar da factibilidade e eficácia destas inovações, a grande maioria dos produtores agropecuários não as adotam (basta percorrer as suas propriedades ou analisar os baixíssimos rendimentos por hectare e por animal da agricultura latinoamericana para comprová-lo); não as adotam porque não as conhecem, porque não sabem aplicá-las corretamente ou porque as subestimam, porque a sua factibilidade e eficácia não lhes foi demonstrada. Por estas razões é necessário difundi-las, indicar seus benefícios aos agricultores; transformar o desconhecido em conhecido; capacitá-los para a sua correta, oportuna e preferentemente integral aplicação; demonstrar-lhes que eles são capazes de adotá-las com os recursos de que dispõem nas suas propriedades; e motivá-los para a tecnificação de suas explorações agropecuárias e a organização de suas comunidades. Estas deverão ser as prioridades, se se quer enfrentar o subdesenvolvimento rural com realismo e factibilidade.

Se estas premissas são válidas, os países que não têm possibilidades de promover o desenvolvimento rural com equidade através do modelo convencional, por não poder oferecer todos os seus componentes à totalidade dos agricultores, deveriam adotar estratégias realistas, objetivas e pragmáticas, iniciando o processo de desenvolvimento agropecuário a partir das alternativas descritas no capítulo anterior. A simples introdução destas inovações seria suficiente para solucionar, em grande parte, os problemas fundamentais dos pequenos agricultores: seu autoabastecimento, a geração permanente de maiores excedentes para o mercado, a plena ocupação da mão-de-obra familiar em atividades produtivas e geradoras de renda e a obtenção de um fluxo constante de entrada de dinheiro.

"Os problemas mais imediatos da maioria dos agricultores parecem extender-se em proporção inversa à complexidade de suas soluções. Isto significa que grande parte dos crônicos problemas que afligem aos pequenos agricultores poderiam ser solucionados através de tecnologias elementares e de baixo custo, e do uso racional dos recursos que eles mesmos possuem. A ciência agronômica assim o tem comprovado e continua confirmando-o. Inumeráveis experiências de campo têm demonstrado que a insuficiência de recursos de capital, ainda que real, nem sempre é o principal problema e, também, que a alocação de recursos adicionais nem sempre é a solução. De acordo com o esquema abaixo ilustrado, a maioria dos agricultores (B) necessitariam de tecnologias elementares, porém adaptadas aos recursos

que eles possuem (b) sempre que sejam de baixo custo, pouco risco e fácil adoção. Apenas uma pequena minoria (A) necessitaria de tecnologias mais sofisticadas e de recursos em grande quantidade (a)".[7]

Se esta premissa é verdadeira, para que submeter a grande maioria dos agricultores (B) a uma infrutífera dependência de tecnologias sofisticadas e de recursos externos (a)? Por que não começar o processo de tecnificação através de uma estratégia mais realista, oferecendo-lhes tecnologias simples que não requeiram recursos externos e que os liberem da referida dependência?

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As 12 alternativas mencionadas no capítulo anterior, às quais se poderiam agregar muitas mais, demonstram que é perfeitamente possível promover a tecnificação da agricultura, em favor de todos os produtores hoje; apesar da crise, mesmo que a terra e os demais recursos de capital sejam escassos, mesmo que o crédito e os insumos sejam limitados e a relação insumo/produto seja desfavorável.

Se se proporcionasse aos agricultores apenas os três fatores de baixo custo mencionados no capítulo 4, eles mesmos (26*) estariam em condições de solucionar os seus problemas sem necessidade de recorrer a fatores de alto custo e difícil acesso (crédito, insumos, maquinarias, subsídios, infraestrutura, etc.).

Dito de outra forma: a) Se os agricultores dispõem de tecnologias compatíveis com os seus recursos; se os utilizam integralmente e adotam corretamente as referidas inovações; e se estão devidamente organizados (desenho no. 8), os fatores externos tradicionais (indicados na parte inferior do desenho no. 9) perdem importância relativa e, de certa maneira, passam a ser prescindíveis. b) Se eles não adotam corretamente os componentes ilustrados na parte superior do desenho no.9, a ajuda dos fatores ilustrados na parte inferior do referido desenho será de pouca eficácia; porque estes fatores ao ser mal utilizados ou desperdiçados não produzirão resultados na plenitude de suas potencialidades; dentro deste raciocínio, os fatores de baixo custo (conhecimentos) são muito mais importantes que os de alto custo (recursos materiais ou de capital).

Com o objetivo de que a estratégia proposta seja realmente eficaz, é necessário que o trinômio oferta de tecnologias apropriadas/capacitação/ organização, seja abordado em forma simultânea (não sequencial) e executado de maneira correta. Para que a renda dos agricultores melhore de forma significativa, é necessário que não só reduzam custos unitários de produção, mas também que aumentem os preços de venda dos excedentes destinados ao mercado. Por tal motivo:

i) A introdução de inovações tecnológicas e gerenciais na etapa de produção não será suficiente se os agricultores, ao não estar organizados, continuarem comprando os insumos a preços muito altos e vendendo a sua produção a preços muito baixos. Ao atuar em forma individual, não conseguem romper o circuito extrativo do setor agroindustrial e comercial; consequentemente, não conseguem reter e beneficiar-se do excedente gerado nas suas propriedades. Não será suficiente introduzir as tecnologias indicadas no desenho no.6 se os agricultores continuarem adotando os procedimentos que aparecem nos desenhos no.1 e 3. Para reforçar este argumento basta comparar o preço que o agricultor paga por um quilo de semente de milho híbrido com igual quantidade de grão de sua colheita; a relação geralmente é de

15 para 1 e até de 20 para 1. ii) A organização dos agricultores para comprar insumos e comercializar os excedentes em condições mais favoráveis não será suficiente se, durante a etapa de produção propriamente dita não forem introduzidas tecnologias destinadas a aumentar rendimentos por superfície, gerar um maior excedente para o mercado, melhorar a sua qualidade e apresentação, e reduzir os custos unitários de produção. De pouco servirá introduzir os melhoramentos que aparecem nos desenhos no.5 e 7 se na etapa de produção continuar ocorrendo o que esta ilustrado no desenho no.2.

Pelas razões anteriormente mencionadas, para que os agricultores obtenham maiores lucros em suas atividades, deverão promover até onde seja possível, a integração vertical de suas atividades; isto é, deverão encarregar-se (e corrigir as distorções) das três etapas do negócio agrícola: a anterior ao processo produtivo, a etapa de produção propriamente dita e a etapa posterior à colheita.

O desenho no.8 ilustra como os agricultores que se encarregam das três etapas anteriormente descritas, e o fazem com eficiência e racionalidade, diminuem em grande parte a sua dependência das ajudas e influências externas indicadas na parte inferior do desenho no.9, sejam estas públicas ou privadas. Os agricultores que praticam uma eficiente agropecuária diversificada e integrada horizontalmente (na qual o subproduto ou desperdício de uma atividade é o insumo da outra e vice-versa), se tornam mais autosuficientes e menos vulneráveis às incertezas de clima e de mercado, e aos vaivéns das políticas agrícolas; especialmente, se além de diversificar, também verticalizem suas atividades agroeconômicas, encarregando-se da pré-produção, da produção propriamente dita e as etapas posteriores a esta (processamento e comercialização).

Estes agricultores, ao diversificarem as suas culturas/criações e ao integrarem verticalmente as suas atividades, têm ocupação produtiva para todos os membros da família durante todo o ano; são

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autosuficientes na produção de alimentos e de alguns insumos; geram receitas em caráter permanente e diminuem riscos. Além disto, ao verticalizar as suas atividades, têm menores custos unitários de produção e, finalmente, vendem seus produtos a melhores preços. Em tais condições, é menos provável que se vejam seriamente afetados pelos fatores externos às suas propriedades e comunidades.

Estes agricultores diversificados e integrados horizontalmente e também integrados verticalmente, se vêem menos afetados por políticas agrícolas inadequadas, pela insuficiência de crédito, pelas deficiências no fornecimento de insumos, pelos preços fixados pelo governo para um determinado produto e suas condições de comercialização; porque eles dispõem de muitas salvaguardas contra dependências, adversidades, riscos e incertezas.

Eles conseguem solucionar os seus problemas mais imediatos, apesar de não ter acesso aos fatores clássicos do modelo convencional; isto significa que tal modelo não é necessariamente a única alternativa de desenvolvimento e que os seus componentes não são tão imprescindíveis como muitas vezes se pensa.

A comparação entre os desenhos no.4 e 8 indica, por si só, o muito que os agricultores poderiam avançar através da estratégia proposta, mesmo sem necessidade de fazer gastos adicionais e sem ter acesso a fatores materiais escassos e externos às propriedades e comunidades. Indica, também que se os agricultores fizessem apenas o que está indicando no desenho no.8, os seus principais problemas estariam resolvidos, as dependências desapareceriam, os fatores externos perderiam importância, os componentes clássicos de modernização (créditos, subsídios) passariam a ser prescindíveis, os riscos diminuiriam, os agricultores se emancipariam; também, as famílias estariam bem alimentadas e, consequentemente, haveria um melhoramento em suas condições de saúde e em sua produtividade; além do mais, os lucros aumentariam e as condições de vida melhorariam.

Como consequência destes melhoramentos, desapareceriam as principais motivações para abandonar o campo e diminuiria a pressão sobre os governos para que solucionem nas cidades, os três grandes problemas que preocupam as autoridades urbanas: gerar empregos, executar projetos habitacionais de alto custo e satisfazer as necessidades alimentares dos pobres; porque os agricultores, eles mesmos, se autoempregariam em suas próprias granjas, construiriam suas próprias casas com os materiais produzidos ou existentes em suas propriedades e se autoabasteceriam de alimentos em seus sítios diversificados; tudo isto em seu próprio meio, com seus próprios recursos e com seus próprios esforços.

É necessário reconhecer e valorizar as imensas potencialidades que existem no meio rural e a partir delas, a baixo custo e com relativa facilidade, solucionar no campo os problemas que não conseguimos resolver

nas cidades, mesmo executando programas de altíssimo custo que consomem com voracidade os recursos dos governos. A título de exemplo, no livro "Complexo Agroindustrial - o Agrobusiness Brasileiro", dos autores Ney Bittencourt de Araujo, Ivan Wedekin e Luiz Antonio Pinazza, se afirma que manter uma pessoa na cidade, custa 22 vezes mais caro que mantê-la no campo.

É necessário corrigir o equívoco de superestimar o urbano e subestimar o rural; não necessariamente para que os urbanos voltem para o meio rural porque é pouco provável que isto ocorra, porém pelo menos para que os que ainda permanecem no campo, não sigam iludindo-se com os falsos atrativos das cidades.

Definitivamente, é necessário revalorizar o setor agropecuário e rural; discriminar positivamente a agricultura e muito especialmente aos pequenos agricultores; a solução de muitos problemas urbanos (desemprego, falta de moradias, fome, delinquência, etc) está no campo. O marginalizado urbano de hoje é o filho ou neto do camponês desamparado de ontem. São tantas e tão negativas as consequências que o abandono do campo gera nas cidades, que não seria exagerado afirmar: ou se salva as zonas rurais ou se perde a nação (no desemprego, na fome, na delinquência, na violência pública, nas drogas, etc.). Os pequenos agricultores, que são injustamente considerados como o grande problema rural (que repercute negativamente no meio urbano), poderiam e deveriam ser a grande solução, diretamente para o setor rural e indiretamente para o urbano.

26. Enquanto eles mesmos não possam fazê-lo, não se poderá falar de participação e não se darão passos grandes para chegar à EQÜIDADE.

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CAPITULO 7. O PROTAGONISMO DOS AGRICULTORES TEM SEUS

LIMITES: O ESTADO NÃO PODE DESFAZER-SE DOS SERVIÇOS ESTRATÉGICOS

Nos capítulos anteriores se tratou de demonstrar que os pequenos agricultores podem conseguir resultados extraordinários em termos de aumento da produção, da produtividade e de renda; por escassos que sejam seus recursos de capital, por adversas que sejam as condições físico-produtivas das suas propriedades e por limitadas que sejam as alocações de recursos e serviços externos a seus sítios e comunidades. Isto indica que eles também podem alcançar a eficiência, transformar-se em pequenos empresários conectados com o mercado em forma competitiva; enfim que podem modernizar-se sem modernismos e sem consumismos tecnológicos.

No entanto, ainda que isto seja possível, não é justo impor-lhes uma política de sacrifícios, abnegações e "economia de guerra", condenando-os a seguir produzindo ad infinitum em condições de adversidade e escassez, e com um mínimo apoio oficial. Com maior razão se o Estado continua aplicando seus recursos em atividades muitíssimo menos importantes que a produção de alimentos.

É fundamental, portanto, que os pequenos agricultores estejam organizados para que, além de produzir, administrar e comercializar eficientemente, também fortaleçam o seu poder político e reivindiquem que o Estado e os provedores façam o mínimo que poderiam e deveriam fazer em prol do desenvolvimento agropecuário. Devidamente organizados e politicamente fortalecidos deveriam reivindicar a adoção das seguintes medidas:

1) Formulação de políticas nacionais de desenvolvimento que não discriminem contra a agricultura, e de políticas agrícolas em particular que não discriminem contra os pequenos agricultores.

2) A alocação para o setor agropecuário de recursos adicionais e sua distribuição de forma mais equitativa, em benefício de todos os agricultores.

3) Adequação na formação dos profissionais e técnicos de ciências agrárias às necessidades concretas da maioria dos agricultores e dos empregadores que contratam os seus serviços.

Tanto os agricultores como os empregadores necessitam de profissionais muito mais práticos, eficientes e

pragmáticos, que tenham real capacidade de ajudar a solucionar os problemas dos agricultores "tais como eles são e utilizando os recursos que realmente possuem". Para isto necessitam ingressar das faculdades e escolas agrotécnicas com conhecimentos mais relevantes, com melhores habilidades, destrezas e aptidões e com atitudes de compromisso para transformar realidades tão adversas como por exemplo a ilustrada no desenho no.4 deste documento; e, se necessário, fazê-lo sem contar com recursos adicionais aos que ali estão ilustrados.

4) Adequação das orientações e o funcionamento dos serviços agrícolas de apoio (pesquisa, extensão, crédito, etc) às necessidades concretas dos agricultores. Muitos destes serviços têm pesadas e ineficientes estruturas burocráticas, sobrecarregadas de funcionários mal remunerados e desmotivados, e apresentam inaceitáveis contradições entre:

i) o que declaram os seus objetivos constitutivos;

ii) as atividades que verdadeiramente executam; e iii) o que as famílias rurais realmente necessitam receber deles; tais contradições geralmente são muito profundas. É necessário fazê-los cumprir seus objetivos constitutivos; exigir que suas atividades sejam executadas com eficiência e eficácia para que produzam resultados concretos; definir claramente suas funções e eliminar suas distorções e deficiências; descentralizar e desconcentrar suas atividades para que os agentes de desenvolvimento estejam mais próximos aos agricultores e aos seus problemas cotidianos; eliminar rotinas e controles administrativos desnecessários; modernizá-los (não tanto em equipamentos, porém em procedimentos e atitudes); tornar mais eficientes seus mecanismos de operação e intervenção; e adotar novas metodologias para ampliar sua cobertura. Também desburocratizá-los, despolitizá-los e agilizar suas operações; reciclar os funcionários capacitando-os para que melhorem seu desempenho e exigir deles que não só cumpram em executar as

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atividades, mas que se comprometam a que estas produzam resultados; se não os produzem de pouco servem.

Tudo isto, com o propósito de que tais instituições e pessoas cumpram realmente o seu dever de oferecer serviços que tenham capacidade de dar respostas eficientes e efetivas às necessidades e problemas da maioria (não de uma minoria) dos agricultores; se isto não ocorrer será difícil justificar a razão de sua existência e, ainda mais difícil, conseguir que os governos lhes aloquem recursos adicionais.

É urgente romper o círculo vicioso no qual o Estado não dispõe de recursos suficientes aos serviços agrícolas de apoio porque eles são ineficientes e estes, por sua vez, se tornam ainda mais ineficientes porque o Estado não lhes proporciona o apoio necessário.

Se não é possível aumentar os orçamentos de tais serviços, é preferível reduzir as suas estruturas e metas, a fim de que as instituições disponham de recursos suficientes para pagar adequadamente aos seus funcionários e com isto poder exigir que trabalhem com eficiência. Definitivamente, não se justifica seguir mantendo estruturas que por estar superdimensionadas se mantêm inoperantes, já que os seus recursos apenas permitem pagar os baixos salários dos funcionários; e não são suficientes para cobrir os gastos operativos necessários para executar as suas atividades substantivas e cumprir as finalidades para as quais foram constituídas.

Finalmente, é necessário levar em conta que:

a) estes organismos públicos são mantidos pela sociedade; b) os profissionais que neles trabalham, geralmente foram educados em escolas públicas mantidas com os impostos pagos pela sociedade; e c) para manter tais organismos e pagar os salários de seus empregados o Estado deixa de oferecer outros importantes serviços a uma grande quantidade dos seus habitantes; isto é, a sociedade se sacrifica e se priva de outros bens e serviços para poder manter estes organismos públicos de apoio à agricultura e para pagar os salários de seus funcionários.

Isto significa que os profissionais de tais organismos não têm o direito de negar (e sim, têm o dever moral de oferecer) reais oportunidades de desenvolvimento àquelas pessoas que com os seus sacrifícios e privações possibilitaram que estes profissionais tenham sido formados no passado e estejam sendo pagos no presente; e muito especialmente quando tais oportunidades dependem dos conhecimentos que possuem e dos postos que ocupam os referidos profissionais; ambos financiados pelos recursos diretos ou indiretos dos agricultores os que têm o direito de receber esta justa retribuição.

5) Adequação das escolas primárias rurais para que se transformem em centros de participação comunitária e formação de recursos humanos; as escolas primárias deveriam oferecer às crianças rurais os conhecimentos, habilidades e atitudes para que, uma vez adultas, protagonizem a solução dos seus próprios problemas e promovam o seu desenvolvimento e o de suas comunidades em forma mais autônoma. Esta adequação deveria introduzir mudanças nos conteúdos de ensino, nos materiais didáticos, nos métodos pedagógicos e na formação/capacitação dos docentes [5]. As crianças rurais não deveriam continuar sendo obrigadas a memorizar tantas datas e feitos históricos e nomes de heróis de outros países; o comprimento de rios e a altura de montanhas de outros continentes; o nome de animais exóticos; mas sim, deveriam receber uma educação relevante para a vida no campo, para o trabalho rural e para o compromisso social de promover o desenvolvimento de suas comunidades.É necessário que às crianças rurais se lhes ensine: i) menos sobre semáforos, arranha-céus, portos, balneários e centros de recreação urbana (que os "desenraizam" do seu meio); e ii) mais a valorizar a vida rural; a identificar as riquezas e recursos produtivos existentes nas propriedades; a utilizar racionalmente em seu próprio benefício tais recursos, sem danificar o meio ambiente; a desenvolver suas habilidades manuais; a produzir e consumir frutas, verduras e outros alimentos em forma balanceada; a processar e conservar alimentos; a pesar e medir; a calcular proporções, juros, superfícies e volumes; a aplicar primeiros socorros; a ter melhores hábitos de higiene; a não contaminar a água; a ter uma privada para a família; a tomar vacinas e adotar outras medidas profiláticas; a escovar os dentes; a lavar as mãos antes das refeições; a estimular o desenvolvimento da personalidade, com autoestima e autoconfiança; a valorizar a solidariedade; a ajudar ao próximo; a ter espírito associativo e cooperar com os seus vizinhos para solucionar problemas comuns e promover o desenvolvimento da comunidade; a identificar novas oportunidades de produzir mais e melhor, de progredir

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e viver melhor no campo. Enfim, uma educação que proporcione conhecimentos úteis que lhes ajudem a solucionar os seus problemas cotidianos de vida, de trabalho e de participação comunitária; que lhes ensine mais do atual e do próximo e não tanto do passado e do distante.

A adequação aqui proposta se deve ao fato de que a cobertura quase universal das escolas primárias rurais poderia contrabalançar, a baixo custo, a limitada capilaridade dos serviços de extensão rural. Além do mais, passar por uma escola primária é, para muitos habitantes rurais, a única oportunidade em toda sua vida de receber algum tipo de formação regular e sistematizada.

6) Exigências aos fabricantes de equipamentos para que estes sejam mais duráveis, econômicos e funcionais às escalas de produção dos distintos extratos de agricultores. No que concerne aos insumos agropecuários, exigir sementes adaptadas às condições adversas de produção, pesticidas mais eficazes e menos nocivos, fertilizantes mais eficientes, etc. Não é justo que o setor agrícola pague pelas ineficiências que não são suas e que estas sejam repassadas aos custos de produção e distribuição e com isto reduzam a renda dos agricultores.

As mudanças propostas neste capítulo são necessárias para que todas as famílias rurais tenham efetivas oportunidades de desenvolver-se. No entanto, é necessário considerar que a adoção de um modelo adequado de desenvolvimento agropecuário, a formulação e execução de políticas agrícolas compatíveis com as necessidades da maioria dos agricultores e a adequação da institucionalidade de apoio ao agro às necessidades destas maiorias, não se gerarão espontaneamente, de cima para baixo, nem de fora para dentro.

É necessário considerar que a formulação das políticas está influenciada por pessoas que, de alguma forma, se beneficiam do status quo ou que não têm sensibilidade para as necessidades e sofrimentos das maiorias nacionais postergadas; transformações mais profundas atentariam contra os interesses das pessoas que atualmente se beneficiam da situação vigente. Por estas razões, as mudanças que normalmente estes formuladores propõem são superficiais ou as mínimas necessárias para não ameaçar ou colocar em risco a sua estabilidade.

O setor agropecuário, ao contrário, exige mudanças amplas, profundas e muito urgentes; tais transformações só poderão ser concretizadas se aquelas pessoas que atualmente pagam ou sofrem as consequências do modelo imperante tiverem acesso às decisões correspondentes. Por esta razão adicional, é imprescindível que os agricultores estejam organizados para fortalecer o seu poder político e reivindicatório; só assim serão capazes de conseguir as amplas, profundas e rápidas transformações que exigem a

formulação das políticas e o funcionamento da institucionalidade de apoio ao agro. Por todas as razões antes mencionadas, estas mudanças terão que ser conquistadas pelas próprias famílias rurais em forma protagônica e organizada. Do contrário, no meio rural não haverá mudanças, nem desenvolvimento, nem muito menos igualdade.

A estratégia descrita nos capítulos anteriores requer um esforço conjunto, dentro do qual os agricultores, devidamente capacitados, cumprirão com a sua atribuição de produzir, administrar e comercializar eficientemente; e estes mesmos agricultores, devidamente organizados, canalizarão as suas demandas para que o Estado cumpra com o seu dever de adequar as instituições públicas que apoiam o agro, para que estas lhes proporcionem as oportunidades e os estímulos que eles requerem para protagonizar o seu autodesenvolvimento. Na etapa de transição que mediará entre o tradicional intervencionismo do Estado e o novo protagonismo dos agricultores, as referidas instituições (escolas primárias rurais, organismos de pesquisa e serviços de extensão), deverão desempenhar um rol de grande importância estratégica; a elas corresponderá a essencial tarefa de proporcionar os insumos intelectuais (conhecimentos e tecnologias) que serão imprescindíveis para contrabalançar a insuficiência dos insumos materiais (créditos, insumos, maquinaria, etc.), que o Estado está deixando de proporcionar-lhes; consequentemente, tais serviços deverão ser reorientados, fortalecidos, estimulados, apoiados com os recursos necessários e sobretudo, deverão tornar-se muito mais eficientes e muito mais capazes de ajudar aos agricultores para que eles mesmos solucionem os seus problemas.

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CAPITULO 8. A TECNIFICAÇÃO DA AGRICULTURA COMO REQUISITO PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL

Nos capítulos anteriores se tratou de demonstrar que os pequenos agricultores, apesar das suas reconhecidas restrições têm reais possibilidades de melhorar em forma muito significativa a sua produção, produtividade e organização, e como consequência a sua renda; isto é, se tratou de demonstrar que eles podem promover o seu desenvolvimento econômico. Não obstante, isto não é suficiente; alcançar tal desenvolvimento é somente um meio (e de certo modo uma estratégia) para conseguir o objetivo final que é o desenvolvimento rural, entendido como o melhoramento das condições econômicas, sociais, culturais e políticas de todos os habitantes do meio rural.

Neste documento se enfatiza e prioriza o desenvolvimento econômico pelas seguintes razões:

a) A melhoria das condições de vida dos agricultores exige o acesso a melhor habitação, alimentação, saúde, educação, vestuário, etc; para consegui-lo não só é necessário capacitar as famílias rurais nestes aspectos de economia doméstica, mas também é imprescindível aumentar a sua renda para que possam ter acesso a tais melhoramentos. Sem recursos financeiros adicionais será muito difícil alcançar o bem estar familiar e conseguir o desenvolvimento social.

b) A fonte geradora de renda para a maioria dos habitantes rurais é a atividade agropecuária. De sua eficiência produtiva, gerencial, comercial e organizacional, dependerá o nível de renda das famílias rurais; isto é, da mesma forma como não pode existir desenvolvimento social sem desenvolvimento econômico, tampouco pode existir este último sem uma agricultura eficiente e rentável.

c) Duas importantes aspirações sentidas pela maioria das famílias rurais são obter sua segurança alimentar e aumentar a renda com um mínimo de riscos. Começar por satisfazer estas aspirações sentidas e conseguir que elas mesmas o façam através de ações concretas, é uma interessante estratégia para romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento. Uma vez dado este primeiro passo, os agricultores sentirão que, se eles foram capazes de solucionar os seus problemas alimentares e aumentar a sua renda, também serão capazes de solucionar outros problemas que os afetam; com isto aumentarão sua autoconfiança e ampliarão o seu horizonte de aspirações.

A partir destes avanços ocorrerá uma real mudança de atitudes e de valores, os quais são importantes componentes do desenvolvimento cultural. No entanto, é difícil conseguir estas mudanças de atitudes simplesmente com propostas teóricas e abstratas; é mais fácil atingi-las através de atividades concretas, as quais têm uma grande força motivadora; conseguir que os agricultores aumentem a sua produção, sua produtividade e sua renda é uma forma concreta (não retórica) de elevar a sua autoconfiança, de promover mudanças de atitudes e de conseguir que eles se motivem para novas e permanentes iniciativas.

d) Ao atingir o desenvolvimento agropecuário, não só experimentarão as mudanças de atitudes mencionadas no item anterior, como também se darão conta de que alguns problemas produtivos e econômicos não podem ser solucionados em forma individual e sem ajudas externas. Por esta razão, compreenderão a necessidade de organizar-se para canalizar as suas demandas, fortalecer-se como grupo, desenvolver sua liderança e participar na tomada de decisões sobre os problemas que os afetam. Ao fazê-lo estarão dando um importante passo para o seu desenvolvimento político, no sentido de conseguir que o governo adote decisões e execute serviços e obras de infraestrutura que respondam àquelas demandas dos habitantes rurais que eles não podem satisfazer por si mesmos. A participação dos pequenos agricultores na tomada de decisões do governo é muito importante porque, enquanto estas continuarem sendo adotadas exclusivamente pelas pessoas que têm o saber, o poder e os recursos, as que não os têm seguirão não os tendo.

Nos capítulos anteriores se mencionou que o Estado não está em condições de oferecer todos os componentes do modelo clássico de desenvolvimento agropecuário à totalidade dos agricultores, (crédito rural, fornecimento de insumos e equipamentos, garantias de preços e de comercialização, obras de irrigação, armazenagem, caminhos vicinais, instalação de agroindústrias, etc); simplesmente porque não dispõe de recursos suficientes para fazê-lo. Esta restrição será muito maior se aos componentes do

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desenvolvimento agropecuário recém-mencionados se lhes agrega aqueles relacionados com o desenvolvimento social (escolas, postos de saúde, moradia, comunicação, geração de empregos, lazer, etc.).

Então cabe perguntar quem financiará estes serviços e a infraestrutura de natureza social?

Dispõe o Estado dos recursos para poder oferecer todos os componentes do desenvolvimento agropecuário e também os do desenvolvimento social antes mencionados a todas as famílias rurais?

A situação de escassez de recursos públicos para promover o desenvolvimento econômico e social do meio rural se complica ainda mais devido ao rápido êxodo rural e a conseqüente urbanização dos países da Região. Os habitantes urbanos, que atualmente representam os 75% da população latinoamericana, aumentarão cada vez mais. Eles estão melhor organizados e seus problemas são mais visíveis, porque estão mais próximos à vista das autoridades que tomam as decisões políticas. Eles pressionarão para que os governos canalizem os investimentos públicos para a solução dos seus problemas e lhes assegurem alimentos a preços compatíveis com os baixos salários da maioria urbana, prejudicando ainda mais os débeis, dispersos e menos visíveis agricultores.

As freqüentes autorizações que os governos concedem para importar alimentos quando os preços dos produtos agrícolas nacionais sobem de preço, confirmam a discriminação positiva em prol dos consumidores (maioria) e a discriminação negativa contra os produtores (minoria). Entre importar um produto de grande consumo popular que contribua para reduzir os gastos com a alimentação de 100% dos habitantes de um país ou deixar de fazê-lo para proteger a uns 5% dos habitantes que se dedicam a cultivar tal produto, os governos estão cada vez mais optando pela primeira alternativa. Infelizmente é cada vez menos provável que os governos fixem políticas setoriais favoráveis aos agricultores se elas se contrapõem às políticas econômicas globais (por exemplo, elevar o valor do dólar para favorecer a agricultura de exportação).

As pressões dos habitantes urbanos atuarão contra a desejada canalização de recursos destinados à solução dos problemas dos habitantes rurais. Tudo indica que os recursos escassos fluirão para os primeiros, a menos que os segundos se organizem e fortaleçam o seu poder político. Isto possibilitaria reverter a tendência e faria com que o Estado efetuasse os investimentos necessários para eliminar no campo as causas do êxodo rural, em vez de tentar tardiamente e sem êxito corrigir as suas consequências nas cidades (desemprego, marginalidade, fome, falta de serviços, etc). Ainda que se reconheça que muitos dos recursos e serviços necessários para o desenvolvimento rural deveriam ser proporcionados pelo Estado, tais recursos serão sempre insuficientes; a menos que os agricultores pratiquem uma agricultura rentável que gere recursos adicionais aos proporcionados pelo governo, e participem em forma protagônica e

organizada na solução dos seus próprios problemas.

Pelas razões antes analisadas, uma agricultura eficiente e rentável é uma condição para conseguir o desenvolvimento rural. Não reconhecê-lo seria criar nos agricultores falsas expectativas, que os estimulariam a seguir esperando recursos e serviços externos, os quais provavelmente nunca chegarão em quantidade suficiente para solucionar todos os seus problemas.

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CAPITULO 9. PRINCÍPIOS ESTRATÉGICOS E METODOLÓGICOS PARA QUE OS AGRICULTORES PROTAGONIZEM O SEU DESENVOLVIMENTO

Com o objetivo de promover o desenvolvimento agropecuário através deste modelo mais endógeno e autogestionário, deverão ser seguidos alguns princípios estratégicos e metodológicos, entre os quais se destacam os seguintes:

1) Reconhecer e considerar que a família rural é o recurso mais importante, valioso e decisivo para promover o desenvolvimento agropecuário; só ela poderá fazê-lo; se por qualquer motivo ela não o fizer, de pouco servirão os recursos materiais que se lhe proporcionem e as políticas agrícolas favoráveis que se adotem.

O desenvolvimento deverá começar com o ser humano (com a sua decisão e iniciativa) e terminar com ele (ele deverá ser o seu beneficiário)."O potencial humano é o único capaz de gerar potencial econômico, político e social. Uma sociedade de pessoas capacitadas gera mais indivíduos capacitados. Um povo é grande quando pensa grande e atua em razão de sua grandeza. O libertador Simon Bolívar afirmou: A Pátria é do tamanho do saber do seu povo [8]".

Consequentemente, se deve priorizar a capacitação das famílias rurais (por sobre a alocação de recursos materiais) de modo que elas estejam em condições de utilizar racionalmente as potencialidades do seu meio, as quais não são tão limitadas como muitas vezes se pensa. É necessário considerar que os problemas, suas causas e suas soluções estão mais nos seres humanos que nos recursos materiais; quanto mais capacitação se outorgue aos primeiros, menor será sua dependência dos últimos. Muitos agricultores são pobres, não necessariamente por falta de recursos, mas sim porque não têm a suficiente capacidade para utilizá-los e aproveitá-los com fins produtivos e geradores de riquezas.

É o desenvolvimento intelectual das pessoas o que produz os recursos e promove o desenvolvimento material. É o trabalho eficiente e não tanto o capital abundante o que gera produtividade, rentabilidade, prosperidade e independência.

Os países da América Latina estão pagando um preço muito alto por ter privilegiado a distribuição de bens materiais de alto custo (obras de irrigação, drenagem, eletrificação, centros de armazenagem, créditos subsidiados, insumos, reprodutores e maquinaria) e subestimado a importância de capacitar a baixo custo as famílias rurais para que elas pudessem transformar tais recursos materiais em produção, renda e bem estar.

Devido, em grande parte, a este lamentável equívoco, os resultados dos projetos de desenvolvimento rural

têm sido decepcionantes. Somente agora estamos nos dando conta que a melhor forma de distribuir renda é distribuindo conhecimentos para que as pessoas melhorem a sua eficiência e produtividade; e por esta via se desenvolvam, graças aos seus próprios esforços e a sua própria capacidade de geração de renda. "O equívoco máximo da América Latina foi o de não considerar o potencial humano como a chave do desenvolvimento e ter deixado passar os anos sem começá-lo por onde deveria tê-lo feito: isto é, pela mente do homem. Existem países subdesenvolvidos porque os seus habitantes são subdesenvolvidos".[8]

2) Atribuir maior importância ao protagonismo das famílias rurais que ao paternalismo do Estado. O desenvolvimento deverá ser promovido basicamente com a iniciativa, os recursos e os esforços de todos os membros das famílias e da comunidade. Eles devem entender que a solução dos seus problemas não depende tanto de uma determinada autoridade de governo, mas do esforço individual e coletivo de todas as famílias rurais; porque na realidade o desenvolvimento rural não ocorre nos ministérios de economia, nos parlamentos ou nos bancos agrícolas, mas sim nos lares, sítios e comunidades rurais; a partir de mudanças de atitudes que se iniciam na mente das famílias.

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O Estado não pode e não deve fazer pelos agricultores o que eles mesmos podem executar; se o faz não terá tempo nem recursos para proporcionar-lhes os conhecimentos que os emancipariam da dependência do paternalismo estatal. O Estado deve ajudar com conhecimentos àquelas pessoas que querem ajudar-se a si mesmas, com o seu próprio esforço.

No entanto, afirmar que as famílias rurais devem protagonizar o seu autodesenvolvimento, não significa que na atualidade elas estejam preparadas, motivadas e capacitadas para fazê-lo. Esta emancipação deverá ocorrer de maneira paulatina; e para que elas possam assumir em forma gradual a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento, necessitam que os governos as capacitem, organizem e ofereçam oportunidades perduráveis e não paternalismos efêmeros. Se os agricultores não desenvolvem a sua capacidade de autogestão, autodependência e cooperação mútua, seguirão sempre dependentes do Estado; este continuará atendendo as mesmas pessoas ano após ano, sem conseguir sua emancipação e, em consequência, sem poder deslocar a assistência governamental a novos beneficiários e sem possibilidade de ampliar a sua cobertura.

Consequentemente, mais importante que conseguir que os agricultores tenham acesso ano a ano aos fatores escassos e externos às suas propriedades, é capacitá-los e organizá-los para que se tornem autosuficientes e menos dependentes de tais fatores. Ao emancipar-se da dependência de ajudas externas, perderão menos tempo em longas caminhadas, viagens, trâmites e esperas que utilizam para adquirir insumos prescindíveis, obter empréstimos, pedir ajudas, etc.

3) Promover o desenvolvimento de dentro para fora e de baixo para cima, estimulando e fomentando a autosuficiência individual e coletiva. Basear o desenvolvimento nas potencialidades e oportunidades internas; isto é, naqueles recursos que os agricultores realmente possuem em seus sítios (geralmente mão-de-obra, terra e alguns animais), em vez de insistir nas debilidades e restrições externas (no que eles não possuem).

O desenho no.2 indica que o agricultor geralmente tem mais recursos do que ele é capaz de usar racionalmente e administrar eficientemente [7]. Uma estratégia realista e de bom senso deveria começar por incrementar a produtividade dos três recursos recém-mencionados; começando pela capacitação da mão-de-obra para elevar a sua própria produtividade e para que esta desenvolva o potencial produtivo da terra; esta por sua vez, ao melhorar sua fertilidade e elevar sua produtividade, produzirá maiores excedentes, que alimentarão a família e os animais. A mão-de-obra, ao estar bem alimentada, terá melhor saúde e maior produtividade; os animais por sua vez, ao estar bem alimentados, melhorarão o seu desempenho reprodutivo e através deste também o produtivo. Com isto se desencadeará um círculo virtuoso, no qual os

três fatores que eles possuem gerarão as riquezas e a renda, com os quais os agricultores poderão adquirir os fatores que eles não possuem.

4) Valorizar mais o pragmatismo realista das soluções endógenas que o perfeccionismo utópico das soluções exógenas. Para os agricultores, mais vale uma solução modesta que esteja ao seu alcance imediato (e que no futuro possa ser melhorada), que outra ideal, porém não alcançável (quer seja no presente ou no futuro); mais valem as medidas imperfeitas que a estagnação e o imobilismo.

5) Não superestimar a importância dos recursos e serviços externos para evitar que o ser humano - quem deveria ser o agente e beneficiário do seu desenvolvimento - se transforme em objeto e vítima do subdesenvolvimento. Ao esperar que outros lhe proporcionem os recursos e adotem as decisões, o produtor não se sente comprometido com a solução dos seus próprios problemas: se paralisa, se imobiliza, se descompromete e por fim cai na resignação e no fatalismo. O paternalismo (doar ou fazer coisas) reforça a atitude de acomodação e o sentimento de incapacidade e impotência dos agricultores para solucionar os seus próprios problemas.

Se não se oferece às famílias rurais efetivas oportunidades para que tomem consciência do seu próprio potencial e das potencialidades do seu meio, que estejam motivadas e desejosas de se superar e capacitadas para solucionar tais problemas, simplesmente não haverá desenvolvimento. Ou os próprios afetados pelos problemas do meio rural os solucionam de maneira protagônica e basicamente com os seus próprios meios, ou tais problemas dificilmente serão solucionados.

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As pessoas que propõe uma estratégia de desenvolvimento agropecuário, baseada fundamentalmente em recursos e soluções externos às propriedades e comunidades rurais, geralmente estão propondo utopias inatingíveis; além do mais:

a) com a boa intenção de favorecer aos mais pobres, de fato os estão prejudicando, porque fomentar um modelo exógeno, significa favorecer aos mais favorecidos e privilegiar aos já privilegiados (os quais com maior facilidade têm acesso aos fatores externos e escassos); e

b) estão subestimando a capacidade potencial das famílias rurais para solucionar problemas que são seus e que devem ser solucionados por elas mesmas. Apesar das suas boas intenções, os defensores do desenvolvimento exógeno de fato estão prejudicando as famílias rurais; ao criar-lhes ilusões(27*) de que outras pessoas ou instituições solucionarão as suas dificuldades, desvia as suas atenções e contribuem para que elas não assumam a responsabilidade pela solução dos seus próprios problemas; e contribuem para que as famílias rurais continuem pensando que "se as causas são externas, as soluções e os recursos também deverão vir de fora"; é necessário entender que a participação popular não é só um direito, mas também um dever de todos os membros de cada família rural.

Muitas das suas dificuldades poderiam ser superadas pelas próprias famílias rurais, independente das ajudas que proporcione ou das decisões que adote o governo; não se deve superestimar a importância de tais ajudas."Na medida em que o pobre entenda que mesmo que careça de riquezas materiais próprias, existem ao seu redor recursos que pode aprender a utilizar; que capte o valor da solidariedade bem orientada; que aprenda as noções mínimas de um manejo técnico dos recursos, ferramentas e matérias primas a sua disposição; que espere de si mesmo e não das esmolas ou ajudas, então e só então darão resultados os planos para lhe ajudar a solucionar os seus problemas"[8].

Em outras palavras, os agricultores deveriam colocar menos ênfase na espera de uma pouco provável ajuda externa e mais ênfase em uma segura possibilidade de melhorar a eficiência interna de suas granjas e comunidades.

6) Eliminar as causas que originam os problemas, se é possível de uma só vez para que não seja necessário corrigir ano a ano as suas consequências. Por exemplo, capacitar aos agricultores para que melhorem a produção de forragens a nível de propriedade, em vez de conceder-lhes ad infinitum empréstimos para que comprem rações e concentrados; capacita-los para que produzam com eficiência, reduzam custos de produção e incrementem preços de venda para tornar-se rentáveis, sem necessidade de que o Estado tenha que corrigir as consequências da baixa rentabilidade com subsídios; atacar as causas e

não os sintomas.

7) Partir do conhecido ao desconhecido; da árvore para a floresta e não da floresta para a árvore. Iniciar pela solução dos problemas mais simples e de menor custo(28*) e avançar paulatinamente para aqueles mais complexos e de maior custo; existem várias soluções que custam pouco, porém rendem muito. A solução dos problemas mais simples, geralmente exige pouca capacitação, é de menor risco e requer menor quantidade de recursos; em tais circunstâncias, é mais fácil e provável que os agricultores se decidam a enfrentá-los e que tenham êxito em suas iniciativas.

É importante destacar que ao iniciar pelos problemas mais simples, os agricultores se vão autocapacitando (aprendendo a solucioná-los), vão adquirindo autoconfiança (perdendo temor às inovações e aos riscos) e se vão capitalizando (gerando na propriedade os recursos necessários para outras inovações de maior custo). Ao enfrentar de maneira gradual a solução dos problemas, os agricultores estarão eliminando três importantes e freqüentes obstáculos ao desenvolvimento; isto é, falta de conhecimentos, falta de autoconfiança e insuficiência de recursos. Assim começam a romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento, porque a gradualidade tem um forte efeito educativo e motivador para a ação.

Por outra parte, pretender solucionar problemas complexos e de alto custo com agricultores não devidamente capacitados, com baixa autoestima e escassos recursos, conduz a fracassos, frustrações, desperdícios, descréditos; estes últimos de muito difícil reversão. A gradualidade, ao melhorar o cotidiano cotidianamente, facilita e torna factível a estratégia proposta neste documento; com ela é mais fácil fazer a transição do subdesenvolvimento indicado no desenho no.4 à prosperidade ilustrada no desenho no. 8; sem ela é mais difícil. De acordo com as circunstâncias de cada agricultor, a gradualidade poderá ser horizontal

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(avançar de menos a mais em superfície de terra ou número de animais) ou vertical (avançar de menos para mais em complexidade de tecnologias).

Dentro do princípio da gradualidade, se propõe iniciar com inovações tecnológicas e gerenciais que sejam de baixo custo; sua adoção produzirá aumento nos rendimentos e consequentemente na renda; com estes lucros adicionais, se poderá financiar a aquisição dos insumos necessários para a adoção das tecnologias de médio custo (vacinas, inoculantes, sementes melhoradas) as quais provocarão outro adicional de rendimentos e lucros; estes novos lucros adicionais serão utilizados para financiar a obtenção dos fatores necessários para a adoção das tecnologias de alto custo (instalações, reprodutores, equipamentos, etc). Esta gradualidade permite a autogeração endógena dos recursos requeridos para financiar as etapas mais avançadas de tecnificação, sem necessidade de esperar pela ajuda de recursos externos.

Em outras palavras, as "tecnologias de processo" financiam as "tecnologias de produto" e os "insumos intelectuais" financiam a aquisição dos "insumos materiais". O mesmo princípio da gradualidade (avançar de menos a mais) se propõe aplicar à instalação de pequenas unidades industriais para efetuar, no lar ou na comunidade, as primeiras etapas de transformação das colheitas; idem à construção de outras instalações; idem à organização dos agricultores.

Tudo isto porque é mais fácil e seguro optar por mudanças graduais que pelas espetaculares. A gradualidade é uma alternativa eficaz e acessível para que o agricultor prescinda (ou pelo menos diminua sua dependência) do crédito, geralmente inacessível.

8) Iniciar o desenvolvimento com o que os agricultores possuem e com o que fazem; depois de forma gradual e paulatina, ir potencializando com recursos externos o que eles possuem e melhorando com novas tecnologias o que fazem. Antes de executar atividades novas se deve melhorar e corrigir o que os agricultores já vêm fazendo. Fazer o possível hoje para habilitar-se ao desejável de amanhã. O impossível de amanhã não pode e não deve ser um obstáculo, um motivo ou uma justificativa para não fazer o possível de hoje. As mudanças muito amplas e profundas entram em conflito com a idiossincrasia dos agricultores e provocam o seu rechaço, em vez de obter a sua necessária adesão e apoio.

9) Utilizar plena e racionalmente os recursos locais mais abundantes e aplicar os recursos externos e escassos só como complemento. Enquanto existirem recursos subaproveitados e ociosos, a prioridade deverá ser utilizá-los plenamente e não (como costuma suceder) pedir recursos externos adicionais, antes de haver utilizado totalmente os recursos disponíveis. A título de exemplo, se o produtor ilustrado no desenho no. 2 deseja aumentar a sua produção de leite, não necessariamente,

deverá endividar-se para adquirir mais vacas; mas sim deverá melhorar a pastagem e desparasitar as vacas já existentes.

Com estas duas medidas de baixo custo, aumentará a produção de leite e com a renda adicional poderá incluir alguma leguminosa em sua pastagem e dar sal mineral aos animais; estas novas tecnologias gerarão outros incrementos na produção e na renda com os quais o agricultor poderá melhorar as instalações, dar aos animais um concentrado protéico e, agora sim como último recurso, adquirir um maior número de vacas.

10) Priorizar as medidas preventivas normalmente de baixo custo, sobre as corretivas que costumam ser de alto custo. A título de exemplo, a eficácia e o baixo custo relativo das vacinas frente aos resultados produzidos confirmam o princípio.

11) Privilegiar as "tecnologias de processo" (as quais para ser adotadas não requerem de insumos, apenas necessitam de novos conhecimentos para melhorar as práticas de produção e administração) sobre as "tecnologias de produto" (as quais exigem insumos). As tecnologias de processo (época e maneira de executar os trabalhos, rotação e diversificação de culturas, administração rural, manejo dos animais e das pastagens, etc) requerem, para ser adotadas, somente do fator conhecimento; uma vez que este tenha sido repassado aos agricultores, poderá ser apropriado por eles a custo zero e utilizado ad infinitum.

Por sua vez, para poder adotar as tecnologias de produto se requer que os agricultores comprem os insumos necessários, cada vez que vão adotá-las; isto os mantêm permanentemente dependentes de tais insumos e do crédito necessário para adquiri-los; se estes não forem acessíveis, provavelmente a tecnologia não

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poderá ser adotada. Em outras palavras, as tecnologias de processo não se esgotam no ato da adoção; porém no caso das tecnologias de produto, os insumos se esgotam cada vez que se as adota. As tecnologias de processo deveriam, de acordo com as circunstâncias, anteceder, substituir, complementar e/ou potencializar as tecnologias de produto.

A correta adoção das tecnologias de processo contribuiria (ou criaria as condições mais favoráveis (29*)) para que as tecnologias de produto e os insumos que elas requerem fossem mais eficazes; isto significa que as duas categorias de tecnologias não necessariamente devem ser excludentes ou estar em contraposição; mas sim, devem ser complementares. Os insumos materiais evidentemente que são necessários, porém é melhor que eles sejam considerados como complementos e não com condicionantes da tecnificação da agricultura.

12) Iniciar a tecnificação por aqueles problemas que afetam a um maior número de famílias rurais, cuja solução é mais fácil e de menor custo. Com tal fim se deve difundir poucas tecnologias que sejam de fundamental importância para muitas famílias, em vez de abarrotar com muitas inovações de pouca relevância a umas poucas pessoas. Ao iniciar com soluções de menor custo, complexidade e dependência externa se contribui a conseguir que um maior número de famílias rurais se beneficie dos projetos de desenvolvimento.

13) Ir do concreto ao abstrato, dando mais importância a atividades ou tecnologias visivelmente vantajosas, de impacto imediato e resultado palpável, que dêem respostas concretas às necessidades mais sentidas pela maioria das famílias rurais. Estas não mudarão de atitudes nem adotarão uma inovação apenas porque se lhes diga que o façam; elas mudarão na medida em que vejam que o sugerido lhes traz vantagens e benefícios pessoais; daí a grande importância de que os resultados sejam rápidos e visíveis.

É necessário que o agricultor se sinta premiado e recompensado por adotar uma determinada inovação; que se sinta gratificado, econômica e psicologicamente; e isto se consegue enchendo o seu bolso e o seu ego. Não devemos esquecer-nos de que o dinheiro e o prestígio (reconhecimento social) são duas importantíssimas "locomotivas" do desenvolvimento. Resultados rápidos, concretos e visíveis são o melhor "argumento" para que os agricultores inovadores continuem adotando tecnologias mais complexas e de maior custo; também, são o melhor meio para que a adoção das tecnologias se irradie a outros produtores não tão inovadores.

14) Substituir o enfoque parcializado pessoa-produto pelo enfoque holístico, sistêmico e integrador família-propriedade; com isto se pode aproveitar integral, permanente e racionalmente a contribuição de todos os

membros da família rural, e as potencialidades e complementariedades de todos os recursos produtivos existentes nas propriedades; ambos (a família e os demais recursos produtivos) devem ter uma função sinérgica, complementar e de múltiplo propósito. É necessário ter uma visão empresarial, na qual se aproveite ao máximo todas as oportunidades de utilizar recursos, de aumentar a produção e a renda, e se reduza ao mínimo as possibilidades de gastos, ociosidades, perdas, riscos e vulnerabilidades. A propriedade deverá ser encarada e desenvolvida com uma visão globalizadora e um enfoque holístico.

15) Privilegiar as atividades e investimentos em conjunto sobre as individuais, estimulando a cooperação, a solidariedade e o compromisso pelo desenvolvimento da comunidade. Ao organizar aos agricultores é necessário definir claramente os objetivos e as metas que se pretende alcançar, porque objetivos abstratos e metas difusas dificilmente conseguem motivar e comprometer aos agricultores; igualmente se deve programar e executar atividades concretas, que produzam resultados também concretos; consequentemente, não se deve organizar por organizar, porque a organização deve ser encarada só como um meio para conseguir resultados palpáveis e mensuráveis; estes deveriam estar prévia e claramente estabelecidos. Muitas organizações têm fracassado por não haver definido claramente o que querem fazer e onde querem chegar(30*). A organização só terá êxito se a totalidade dos seus membros se compromete, assume e compartilha responsabilidades e atividades.

Quando apenas uns poucos têm atribuições concretas (geralmente os membros da diretoria) e a maioria só assiste como meros espectadores, é muito provável que esta maioria critique aos dirigentes, não valorize o esforço da organização e não se comprometa com o seu êxito. Por tal motivo, as atividades e responsabilidades deveriam atribuir-se (de forma rotativa ou permanente) ao maior número possível de sócios; oxalá a todos eles.

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16) Ao estimular a organização, é preferível partir de grupos autóctones, naturais ou informais já existentes e só avançar na formalização dos mesmos, na medida em que ela seja realmente necessária e desejada pelas famílias rurais; do contrário se corre o risco de que as formalidades burocráticas passem a ser mais importantes que a prestação de serviços para os quais foi constituída a organização. Evitar a politização e a ideologização porque estas, além de não contribuírem para a solução dos problemas, têm destruído muitas iniciativas bem intencionadas de organizar os agricultores. A ideologização e politização costumam ser os meios aos quais recorrem as pessoas que não sabem solucionar os problemas pela via da eficiência tecnológica, gerencial e organizacional.

17) Partir do micro ao macro, do particular ao geral, do individual ao coletivo. O processo de mudanças deverá iniciar com poucos agricultores, com poucas atividades, com tecnologias elementares, em pequenas áreas, e usando os recursos disponíveis. Ao iniciar em pequena escala, se pode fazê-lo com recursos próprios e consequentemente se diminui a dependência externa e se evitam riscos desnecessários (é preferível experimentar em pequena escala para não fracassar em grande escala).

Além disso, em pequena escala é mais fácil faze-lo com maior perfeição e com isto conseguir resultados mais concretos e mais contundentes;estes ao ser mais visíveis e de maior impacto, contribuirão para elevar a autoestima e autoconfiança das famílias rurais; elas, ao dar-se conta de que são capazes de eliminar, no presente, pequenos problemas e as causas internas do seu subdesenvolvimento, se sentirão estimuladas a solucionar, no futuro, os grandes problemas e a organizar-se para conquistar a eliminação das causas externas às suas propriedades e comunidades; isto é, os agricultores deverão atuar no "micro"(31*) e avançar gradualmente para chegar ao "macro", porque os pequenos desafios geralmente os estimulam e os grandes os paralisam; quanto maior for a amplitude e complexidade de um problema, menor será a disposição dos agricultores para enfrentá-lo e vice-versa.

Os projetos em pequena escala são mais ágeis, mais facilmente manejáveis e existe maior confiança recíproca entre os membros do grupo quando o número de agricultores que o integram é reduzido. Ao contrário, os grandes projetos de âmbito nacional, centralizados, verticalizados e burocratizados, são mais

caros, menos eficientes e geralmente atribuem maior importância (na disposição dos recursos e na alocação de tempo do pessoal) aos meios (controles, fiscalizações, processamento de dados) que aos fins institucionais. O efeito multiplicador e irradiador de uns poucos agricultores que conseguem resultados de grande impacto é muito maior que o efeito de muitos agricultores que obtêm resultados apenas medíocres; isto é especialmente importante se se considera que temos poucos extensionistas e consequentemente os resultados deverão ser impactantes para que se difundam por si mesmos.(32*)

18) A qualidade deverá ser mais importante que a quantidade; as atividades dos agricultores devem ser realizadas em uma escala compatível com os seus recursos; se estes são insuficientes é preferível sacrificar a quantidade, porém garantir a qualidade; os produtores devem fazer pouco, porém bem feito; fazer menos e melhor.

Esta proposta, ao basear-se em recursos escassos, necessita obter o máximo proveito dos que estão disponíveis; para isto é necessário ser eficiente, de modo que cada fator em particular e todos os fatores

em conjunto tenham a máxima produtividade ou rendimento. A abertura dos mercados, a eliminação dos subsídios e a crescente competição internacional, exigem eficiência, produtividade e baixo custo, e isso não se consegue com quantidade, mas sim com qualidade.

Muitos produtores semeiam culturas e criam animais em quantidades que estão acima de sua disponibilidade de recursos e de tempo; dessa forma perdem eficácia, porque os recursos e o tempo que dispõem não são suficientes para executar todas as atividades com a eficiência necessária em toda a área cultivada e com todos os animais que possuem. A título de exemplo, se os recursos são suficientes para cultivar um hectare com eficiência, não se deve semear dois hectares de forma medíocre; as metas devem ser ajustadas aos recursos disponíveis; se estes são insuficientes e não é possível aumentá-los, se deve reduzir aquelas (área e número de animais). Muitos agricultores ultrapassam as suas possibilidades com a boa, porém equivocada intenção de produzir e ganhar mais.

Em vez de semear dois hectares de batata com tecnologia rudimentar e colher uns 7000 kg em cada um dos hectares, normalmente é preferível que se semeie apenas um hectare; e com a economia conseguida (em cercar, arar, gradear, plantar, eliminar ervas daninhas, combater pragas e doenças, colher, etc) disponham de recursos e de tempo para preparar muito bem a terra de um hectare, obter

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uma semente de melhor qualidade e plantá-la com o espaçamento adequado, adubar corretamente o solo, eliminar as doenças e pragas a tempo e com tudo isto, colher talvez 15000 kg por hectare. Os custos unitários seriam mais baixos, se requereria menos investimentos, menor quantidade de insumos, menos mão-de-obra (tempo, sacrifícios, esforços, custos, etc) e se poderia destinar estes fatores economizados e o hectare que deixa de ser semeado a outra atividade mais produtiva.

Seguindo o mesmo princípio, é melhor ter menor quantidade de animais bem alimentados, manejados adequadamente e sadios, que ter maior quantidade deles em precárias condições de alimentação, manejo e sanidade; as quais se refletirão em um baixo rendimento: "colocar mais animais nas propriedades, muitas vezes significa apenas aumentar o que fazer e diminuir o que comer". Ao manter um menor número de animais se poderia produzir a mesma quantidade de leite, carne ou lã, com menos trabalho, menores gastos em alimentação, cercas, construções, etc; além do mais, se evitaria o superpastoreio e se liberaria terra e recursos financeiros, geralmente escassos, para outra atividade.

Parte destas economias poderia ser destinada a adquirir alguns insumos indispensáveis para melhorar as pastagens, a alimentação e a sanidade do gado, com o que se conseguiria incrementar ainda mais a capacidade produtiva e reprodutiva dos animais.

Quanto de seu valioso tempo e de seus escassos recursos os agricultores desperdiçam e dedicam a atividades inúteis ao colher em dois hectares a mesma quantidade que poderiam obter em um hectare; ou quando duas vacas produzem a quantidade de leite que uma só poderia produzir? Uma vaca que produz 10 litros diários de leite custa menos, consome menos alimentos, ocupa menos espaço e exige menos mão-de-obra que duas vacas que produzem 5 litros diários cada uma. Os agricultores devem fixar como objetivo "colher mais" e não necessariamente "semear mais"; deverão buscar incrementos verticais em vez de horizontais.

19) Não confundir as necessidades reais (sentidas e não sentidas) dos agricultores com os seus desejos e necessidades aparentes (estes últimos costumam ser criados artificialmente pela publicidade dos fabricantes e distribuidores de insumos e equipamentos, estimulando o chamado consumismo tecnológico); tal pressão publicitária muitas vezes faz com que os agricultores confundam o desejado com o desejável e lhes dá a entender que a tecnificação da agricultura necessariamente é sinônimo de muitos insumos, maquinarias e investimentos; os quais por sua vez exigem grandes quantidades de crédito. Com isto aprisionam os agricultores em um círculo vicioso de dependência, às vezes exagerada e outras vezes desnecessária. Na verdade, nem sempre nem necessariamente deve existir tal sinonímia entre tecnificação e necessidade de insumos, especialmente nas primeiras etapas de introdução de inovações. A comparação

entre os desenhos no.2 e 6 corrobora esta asseveração.

Nem sempre o que os agricultores solicitam é o que eles realmente necessitam.

20) Não superestimar os conceitos, os princípios, os dogmas e as ideologias em detrimento da eficiente e oportuna aplicação das inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais; porque são estas últimas as que conduzem à solução dos problemas concretos dos agricultores; as ideologias de pouco servirão se os agricultores não atingirem a eficiência produtiva, administrativa e comercial; se requer menos formulações teóricas e mais ações concretas: "o desenvolvimento é mais uma questão de transpiração que de inspiração".

Os principais problemas da maioria dos agricultores geralmente são de natureza técnica, gerencial e organizacional e por estas mesmas vias deverão ser resolvidos; não necessariamente pela via política e ideológica.

21) Outorgar prioridade a atividades que devido a sua simplicidade, baixo custo e menor dependência de fatores externos, sejam repetíveis (no tempo) e extrapoláveis (no espaço) à grande maioria das famílias rurais. Com este propósito a modernização deve iniciar por aquelas inovações que podem ser adotadas a partir do uso adequado das potencialidades já existentes na propriedade; com isto se permitirá que a adoção das tecnologias se perenize no tempo e se irradie a um maior número de agricultores.

22) Estabelecer mecanismos metodológicos de baixo custo e ampla cobertura para estimular a adoção e multiplicação das experiências bem sucedidas de modernização. Estas não devem ser difundidas

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exclusivamente pelos limitados serviços de extensão rural e muito menos, se o forem através de métodos individuais (de alto custo). Estas tecnologias e experiências deverão ser difundidas através das escolas rurais, das associações de agricultores, dos líderes comunitários, da implantação de demonstrações de resultados, dos dias de campo, dos meios de comunicações (especialmente rádio), etc.

Deverá haver um grande esforço nacional para que as famílias rurais conheçam aquilo que não conhecem: se não se lhes apresentam soluções novas, elas continuarão adotando as soluções antigas; é necessário que as tecnologias desconhecidas sejam conhecidas.

23) O Estado deverá priorizar as atividades de grande efeito multiplicador e de caráter perdurável. Devido a que os seus recursos são escassos, os governos não deveriam pulverizá-los em investimentos pequenos de alto custo e escassa cobertura (por exemplo em uma obra de irrigação ou de drenagem, eletrificação, um centro de armazenagem) dispersos em distintos pontos do território nacional; em virtude de seu alto custo, eles beneficiam a uma percentagem ínfima de agricultores, com mínimo impacto no desenvolvimento global da agricultura nacional.

O Estado deveria concentrar os seus escassos recursos em programas de efeito perdurável no tempo e com grande efeito multiplicador no espaço; para consegui-lo deveria enfatizar e priorizar atividades de capacitação para que todos os agricultores e não só uma percentagem ínfima, possam tornar-se mais eficientes e aumentar a sua produção e a sua renda; e com isto tornar-se menos dependentes dos investimentos que o Estado não pode fazer em benefício de todos.

A título de exemplo:

i) se o Estado não dispõe de recursos para financiar individualmente, ano após ano, a aquisição de rações balanceadas para todos os agricultores, seria mais produtivo que os capacitasse para que produzam seus ingredientes nas próprias propriedades e lhes financiasse de forma comunitária um triturador para que eles mesmos pudessem preparar as rações com suas matérias primas e em suas próprias comunidades;

ii) se o governo não pode financiar a importação e venda de insumos modernos à totalidade dos agricultores todos os anos, deveria capacitá-los uma só vez para que adotem tecnologias alternativas (como por exemplo as mencionadas no capítulo 5 deste documento) que os façam prescindir ou diminuir sua dependência daqueles fatores escassos; iii) se o Estado não pode financiar a aquisição de sementes híbridas ano após ano, a todos os agricultores, deveria oferecer-lhes sementes de variedade (não híbridas) e capacitá-los uma só vez para que eles mesmos as produzam de forma individual ou comunitária, e se independizem do incerto e deficiente fornecimento do Estado.

24) Dentro da estratégia de desenvolvimento é conveniente estabelecer a seguinte ordem de prioridades:

- em primeiro lugar, conseguir que as famílias rurais queiram solucionar os seus problemas; isto é, que estejam motivadas e sintam necessidade e conveniência de fazê-lo.

- em segundo lugar, que saibam fazê-lo e em - terceiro lugar, que possam solucioná-los;

Com demasiada frequência se superestima a suposição de que os agricultores não podem desenvolver-se porque não dispõem de recursos para fazê-lo; e se subestima o fato concreto de que geralmente não o fazem porque não foram suficientemente motivados nem adequadamente capacitados para que queiram e para que saibam fazê-lo. Ao partir de diagnósticos equivocados, se chega também a soluções equivocadas de oferecer-lhes recursos materiais em circunstâncias nas quais geralmente requerem, em primeiro lugar, de motivação e autoconfiança para assumir a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento; e, em segundo lugar, de orientação técnica para fazê-lo através do uso adequado dos recursos que já possuem em suas propriedades. A transformação do homem é a mais urgente das reformas.

De pouco servirá oferecer-lhes os meios necessários para que possam solucionar os seus problemas, se antes disto, não se lhes oferece a capacitação necessária para que saibam fazê-lo e, muito especialmente, se não se amplia o seu horizonte de aspirações e não se os motiva para que queiram solucioná-los. Nos países da América Latina e Caribe existem múltiplos (e muito onerosos) exemplos de projetos de desenvolvimento agropecuário que fracassaram exatamente pela razão antes indicada. Em sentido contrário,

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as experiências indicam que quando os agricultores estão capacitados e motivados para solucionar um determinado problema, eles mesmos se esforçam e conseguem os meios para fazê-lo.(33*)

No entanto, para conseguir que os agricultores realmente queiram, saibam e possam protagonizar o seu desenvolvimento, são necessários dois pré-requisitos:

1. Que exista um extensionista que tenha real capacidade de enfrentar a realidade ilustrada no desenho no.4 e solucionar os seus problemas, utilizando para tal fim os recursos ali existentes; estas soluções devem ter custos e dependências externas mínimas.

2. Que a pesquisa gere tecnologias que respondam à adversa realidade indicada no referido desenho. Sem estes pré-requisitos não se poderá esperar que os agricultores queiram, saibam e possam solucionar os seus problemas. Os agricultores deverão organizar-se, obter maior poder político e exigir que os governos, no mínimo, lhes proporcionem os referidos pré-requisitos a partir dos quais eles mesmos quererão, saberão e poderão solucionar os seus problemas.

Só assim a agricultura deixará de ser o grande problema e passará a ser a grande solução para os problemas rurais e em grande parte também para os urbanos.

27. Ilusões porque o paternalismo é mais teórico do que real, já que as promessas de ajudas externas poucas vezes são realmente cumpridas.

28. Por exemplo: comprar uma pequena quantidade de sementes de boa qualidade e multiplicá-las para tê-las em quantidade suficiente para o próximo ano; fazer testes de germinação; semear com espaçamento adequado; fazer rotação de culturas; instalar uma pequena horta doméstica; iniciar por espécies de ciclo vegetativo muito curto para recuperar rapidamente o gasto realizado; vacinar e adotar outras medidas profiláticas de baixo custo; melhorar o manejo produtivo e reprodutivo dos animais ; recolher e utilizar o esterco dos animais; plantar algumas frutíferas rústicas que exigem insumos e cuidados mínimos (abacate, manga, banana, nêspera, goiaba, caqui, mamão, etc); comprar uma espécie de fêmea prenhe de uma espécie menor para que, com a venda de suas crias, se possa adquirir uma fêmea prenhe de uma espécie maior, e a partir dela, ampliar o seu rebanho; diversificar a produção; colher no momento oportuno, etc. Quem não pode fazê-lo? e, no entanto, o arcaísmo produtivo e os baixíssimos rendimentos da agricultura latino-americana confirmam que são muitíssimos os agricultores que não o fazem.

29. Se antes de aplicar um fertilizante sintético se adotam as medidas propostas na alínea C do capítulo 5, tal fertilizante será muito mais eficaz.

30."Não exitem ventos favoráveis para quem não sabe aonde ir" (Séneca, filósofo e político romano 4aC-65dC)

31. É mais fácil corrigir os erros (mesmo que estes sejam grandes) de projetos de pequena escala que corrigir os erros (mesmo que estes sejam pequenos) de projetos em grande escala.

32. "As palavras movem, porém, os exemplos arrastam." Enrique Rojas

33. Não são poucos os lugares do mundo onde as famílias rurais de escassos recursos, cansadas de escutar promessas políticas e de esperar ajudas estatais, decidiram tomar suas pás, picaretas e martelos para reconstruírem as suas próprias casas, para construir uma escola, uma capela ou um posto de enfermagem, ou para abrir caminhos que lhes permitissem chegar aos mercados. Em tais experiências, a colaboração subsidiária tanto pública como privada começou a afluir como por encanto, seja porque "Deus ajuda a quem se ajuda" ou, simplesmente, porque "os ganhadores são sempre atrativos". Arturo Urrutia Aburto.

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CAPITULO 10. ALGUNS OBSTÁCULOS QUE DIFICULTAM A APLICAÇÃO DO MODELO PROPOSTO

Quando as propostas em prol de um desenvolvimento agropecuário mais endógeno e menos dependente de fatores externos começaram a surgir na América Latina, seus postulados tinham pouca credibilidade já que soavam a utopia ou lirismo. Contribuíram para este ceticismo a radicalização e a polarização de certas propostas, algumas ingênuas (34*),Como por exemplo, afirmar que se poderia alimentar as multidões das grandes metrópoles latinoamericanas,abastecer o parque industrial e gerar os excedentes que os países necessitam exportar para financiar seu desenvolvimento, sem utilizar fertilizantes sintéticos, pesticidas, tratores, irrigação, tecnologias de ponta, etc. e outras carregadas de forte conteúdo emocional e ideológico. Os interesses contrários atuando de má fé, se aproveitaram das polarizações e da aparente falta de fundamentação científica de tais propostas, para desqualificá-las e desacreditá-las.

Como consequência das contradições e do esgotamento do modelo clássico de desenvolvimento agropecuário, felizmente têm surgido nos países da Região propostas mais consensuais e neutras que buscam diminuir as ideologizações, polarizações e emocionalismos antes mencionados. Estas novas propostas, ao resgatar algumas práticas autóctones e potencializá-las com o auxílio dos avanços científicos mais recentes, tratam de conciliar, em grande parte, as necessidades mais imediatas dos agricultores com as reais possibilidades dos governos em satisfazê-las. O maniqueísmo entre a agricultura orgânica e a da revolução verde está perdendo terreno e credibilidade muito rapidamente. As tendências mais modernas e fidedignas advogam por uma complementação entre ambas, extraindo de cada uma delas os aspectos positivos que inegavelmente ambas possuem. Este documento sugere que se inicie a modernização com as tecnologias da agricultura orgânica, não só para contribuir à sustentabilidade e à equidade, como também para que os chamados insumos modernos da revolução verde, quando disponíveis, se tornem muito mais eficazes e eficientes.

São tantas e tão óbvias as vantagens desta mescla de tecnologias da agricultura orgânica com as da revolução verde, que a adoção de um modelo menos polarizado de tecnificação da agricultura deveria haver-se generalizado rapidamente para contribuir a mudar as atitudes dos profissionais e técnicos e, através deles, dos agricultores. Todavia, a aplicação de um modelo mais consensual tem sido dificultada, entre outras, pelas razões mencionadas a seguir:

1º. Obstáculo

A formação dos profissionais de ciências agrárias. O ensino universitário está fortemente inspirado na realidade do mundo desenvolvido, no qual o capital é abundante e a mão-de-obra é escassa. Nos países da América Latina e Caribe, ocorre exatamente o contrário; consequentemente os conteúdos do ensino das faculdades, geralmente não são adequados às nossas circunstâncias e, muito especialmente, às da grande maioria dos pequenos agricultores. "Uma escola ou universidade de um país em desenvolvimento é

considerada tanto mais adiantada ou progressista quanto mais proximamente simule em seus programas de ensino e pesquisa, o que se faz nas instituições similares de outros países desenvolvidos, sem importar que isto não responde em absoluto às necessidades do próprio país.

Desta forma, o profissional se prepara só para atender às necessidades de um pequeno setor formado pelas grandes unidades de produção, as que também seguem o compasso dos avanços tecnológicos dos países desenvolvidos. A consequência final é que o pequeno produtor que, como vimos antes, representa um setor

majoritário, se encontra cada vez mais relegado e arraigado a seus sistemas tradicionais de produção que sem ser muito eficientes, lhes oferecem segurança. Uma ação efetiva para melhorar a produção a nível de pequenas propriedades demanda mudança de enfoque na formação dos profissionais que devem atuar como instrumentos de desenvolvimento. Os programas de ensino devem adequar-se às necessidades da sociedade a que vão servir os futuros profissionais. Isto não significa que tenham que sacrificar a qualidade acadêmica e a base científica por se tratar de países em desenvolvimento. Pelo contrário, se requer formar profissionais com um alto grau de preparação acadêmica, porém conscientes das necessidades da sua própria sociedade" [9].

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Durante a sua formação, os estudantes geralmente não têm a suficiente vivência da problemática do campo, nem possibilidades concretas de executar práticas agropecuárias diretamente nos sítios e comunidade rurais. Este desconhecimento se acentua devido a origem crescentemente urbana dos estudantes e docentes das faculdades e às restrições orçamentárias de tais instituições, as quais limitam suas possibilidades de levá-los ao campo. Devido aos conteúdos que as faculdades lhes ensinam, estes profissionais não estão preparados para solucionar os problemas dos agricultores dentro da escassez e da adversidade produtiva; isto é, para solucioná-los com menos insumos, créditos, tratores, tecnologias de ponta e com menor dependência do Estado. Quando se vêem defrontados com as restrições que aparecem no desenho no.2, não dispõem dos conhecimentos necessários para solucionar os problemas ali indicados de forma endógena (com os recursos locais e com tecnologias menos dependentes de fatores externos); esta é a razão de fundo pela qual estes profissionais tendem a solicitar mais recursos e soluções externas preconizados pelos modelos clássicos de desenvolvimento agropecuário; e como geralmente não os obtêm, não conseguem transformar as realidades adversas ali existentes.

O imenso e complexo desafio da equidade (35*), Elevar a oferta de efetivas oportunidades de desenvolvimento de 10% para 100% dos agricultores, enquanto os recursos para fazê-lo diminuem, em vez de aumentar.exige a urgente adequação na formação dos profissionais de ciências agrárias para que eles, além de promover o necessário desenvolvimento da agricultura empresarial, também estejam em efetivas condições de transformar a estagnação indicada no desenho no.2 na prosperidade ilustrada no desenho no. 6; mesmo que os agricultores não tenham acesso, como de fato, grande parte deles não o tem, aos fatores clássicos de tecnificação agropecuária. O primeiro passo em tal sentido é "ruralizar" a formação de tais profissionais, para contrabalançar o insuficiente e inadequado conhecimento que os estudantes têm do mundo rural; eles não podem propor soluções para o agro, se previamente não conhecem os problemas ali existentes; também, se requer adotar novos métodos de ensino. A propósito, um recente documento publicado conjuntamente pela ALEAS e pela FAO, menciona:

"A formação é excessivamente teórica, abstrata e desligada da realidade produtiva, com poucas possibilidades para que os alunos executem de forma direta e pessoal, dentro das condições reais que

enfrentam os produtores, todas as atividades que estes normalmente realizam em todas as etapas do ciclo agroeconômico (acesso aos insumos e ao crédito; produção propriamente dita; processamento e comercialização). Os programas de estudo estão sobrecarregados com um número muito alto de disciplinas, algumas de escassa relevância ou aplicabilidade e de caráter descritivo, com pouca ou nula profundidade de análise. Os métodos de ensino são, em geral, de caráter letivo e pouco participativos e não conduzem ao questionamento crítico das realidades imperantes nas unidades de produção e nos serviços agrícolas de apoio; tampouco fomentam a iniciativa, criatividade, compromisso e responsabilidade social dos futuros

profissionais para transformar as adversidades e deficiências existentes nos dois níveis antes mencionados (nas propriedades e uns serviços de apoio)" [10]. O desconhecimento da realidade rural, de suas potencialidades e limitações, das aspirações e necessidades reais (não as aparentes) dos agricultores, contribui a aumentar ainda mais a contradição existente entre o que se investiga nas estações experimentais e o que realmente necessitam as famílias rurais; existe um crescente desencontro entre a oferta universitária urbana e as necessidades concretas da demanda rural.

Os futuros profissionais de ciências agrárias necessitam receber uma formação:

- Mais relevante para o seu exercício profissional e para as necessidades cotidianas da maioria dos agricultores; relevante em termos de conhecimentos, habilidades, destrezas e atitudes. - Mais realista e pragmática, que lhes proporcione condições técnicas de promover o desenvolvimento dos agricultores, com base nos recursos que eles possuem em maior abundância e não nos que são mais escassos e inacessíveis; infelizmente existe uma paralizante tendência a fazer exatamente o

contrário e com isto manter os agricultores na dependência, em vez de contribuir a libertá-los e a emancipá-los da mesma. - Mais objetiva, que lhes permita diagnosticar (37*), os problemas concretos e as causas reais ( não aparentes) que os originam; identificar os recursos, as oportunidades e potencialidades de desenvolvimento ( não só as debilidades e restrições) existentes nas propriedades; e, a partir da utilização dos recursos realmente disponíveis solucionar os problemas concretos dos produtores, com mínima dependência de recursos materiais externos. - Mais prática, no sentido de que saibam aplicar corretamente as tecnologias adequadas às necessidades e possibilidades dos agricultores, que saibam executar com habilidade e destreza os trabalhos agrícolas;

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e, muito especialmente, que saibam solucionar de maneira concreta, objetiva e realista, os problemas abaixo mencionados, porque são estes os que, com maior frequência, afligem aos agricultores: i) como acceder aos fatores de produção para obtê-los a preços ou custos mais baixos; ii) como produzir eficientemente para aumentar os rendimentos, reduzir os custos e melhorar a qualidade das colheitas; iii) como administrar as propriedades para evitar ociosidades e subutilização dos recursos nelas existentes; iv) como conservar e processar os produtos agrícolas para incorporar-lhes valor e reduzir perdas pós-colheita; v) como comercializar os excedentes com menor intermediação para obter melhores preços de venda; vi) como organizar suas comunidades para que os agricultores constituam os seus próprios serviços e através deles facilitem a solução em conjunto dos seus problemas comuns. - Mais construtiva e mais positiva para que gere nos profissionais a vontade, a autoconfiança anímica, a autosuficiência técnica e o compromisso: i) de encontrar e aplicar soluções, em vez de limitar-se a diagnosticar os problemas e identificar as causas que os originam; ii) de formular o remédio (e saber aplicá-lo), em vez de limitar-se a mostrar a enfermidade; e iii) de assumir como sua a responsabilidade de solucionar os problemas dos agricultores, tais como eles são e com os recursos que efetivamente possuem.

Se os profissionais não ingressam das faculdades com estes conhecimentos, atitudes, habilidades, destrezas e aptidões, simplesmente não se adéquam às necessidades concretas da grande maioria dos agricultores desta Região. Nossos agricultores necessitam de profissionais "solucionadores" de problemas, "mobilizadores" de pessoas e de vontades e transformadores" das realidades adversas imperantes no meio rural.

Esta formação prática não pode ser ministrada exclusivamente nas salas de aula, nas condições artificiais dos laboratórios ou estações experimentais, nem na simulação dos computadores; ela deve ser proporcionada também nas adversas e difíceis condições do campo, onde vivem e trabalham as famílias

rurais; daí a importância de "ruralizar" o ensino das ciências agrárias, dentro do princípio de ensinar e aprender fazendo e produzindo. Isto requer uma maior imersão das faculdades na realidade rural; uma maior vinculação com a produção; e uma maior permanência dos estudantes no campo, praticando e produzindo.

2º. Obstáculo

A influência dos fabricantes e provedores de insumos e maquinaria. Eles naturalmente têm interesse em vender mais fertilizantes, pesticidas, rações e máquinas agrícolas. Devido a que este modelo alternativo, não enfatiza o uso intensivo de bens que possam ser comercializáveis ou patenteáveis pelos grupos industriais, não conta então com o apoio dos mesmos. Os representantes destes grupos de interesses têm acesso e exercem forte influência nos governos, parlamentos, universidades, centros de pesquisa e meios de comunicação. É através dessas instituições que influenciam os formuladores e executores das políticas agrícolas dos países. Com estas variadas influências contribuem para que se crie a

nível dos profissionais e agricultores, a equivocada convicção de que a única alternativa para desenvolver a agricultura é através do uso massivo de sementes de alto potencial genético, de fertilizantes, inseticidas, fungicidas, rações, tratores, etc., e que para fazê-lo possível se requer de abundantes créditos e subvenções.

É cada vez mais difícil encontrar no comércio especializado aqueles produtos que contribuam a emancipar aos agricultores da dependência de fatores externos; porém é cada vez mais fácil encontrar aqueles que perpetuam tal dependência. Mesmo nos rincões mais isolados existe um local comercial que fornece: sementes híbridas (não as de variedade), fertilizantes compostos (mas não existem sementes de espécies para adubo verde que os tornariam menos dependentes dos fertilizantes químicos); rações balanceadas para todas as espécies animais e para todas as etapas de desenvolvimento (porém é difícil encontrar sementes de espécies que lhes permitiriam melhorar as pastagens ou produzir rações caseiras); fertilizantes nitrogenados sintéticos (porém é difícil encontrar inoculantes), etc. Quer dizer, tudo contribui para manter o agricultor dependente de comprar, ano após ano, os insumos industrializados, em vez de produzir sucedâneos em sua própria propriedade. Quando os agricultores querem emancipar-se encontram-se ante a situação de que as galinhas de granja não chocam (porém os agricultores facilmente encontram pintos de um dia ou incubadoras);que existem sementes de melancia, cujos frutos não têm sementes; que não encontram os

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ingredientes para preparar a mistura mineral caseira para os seus animais (no entanto encontram, com muita facilidade e em qualquer lugar os sais minerais compostos industrializados).

Ante o lamentável debilitamento dos serviços oficiais de extensão rural, muitos extensionistas já não chegam com sua mensagem educativa (e não comprometida comercialmente) às propriedades e lares rurais; No entanto, chegam os vendedores de insumos (38*), Aos quais se costuma denominar, de modo equivocado, agentes privados de assistência técnica ou, pior ainda, agentes privados de extensão rural.e também as permanentes mensagens radiofônicas e da televisão que estimulam o uso de agroquímicos e maquinarias. Se esta situação não for revertida a agricultura será crescentemente orientada em função dos interesses do setor industrial/comercial e não em função dos interesses do setor agrícola; os interesses de ambos setores não só são diferentes, como costumam ser antagônicos e conflitivos. É por este motivo que alguns serviços oficiais do Estado não devem ser substituídos por serviços de empresas privadas com fins de lucro; a responsabilidade pela assistência técnica deveria, na medida do possível, ser gradualmente assumida pelos próprios agricultores organizados, naturalmente depois que o Estado lhes proporcione de forma paulatina as condições (de capacitação e organização) para que eles constituam os seus próprios serviços e com isto diminuam suas dependências externas (do Estado e das empresas privadas com fins de lucro).

Esta influência da indústria produtora de insumos e equipamentos é ainda mais grave na atualidade, devido a crise financeira das instituições oficiais de pesquisa e das universidades; estas, ao não dispor de recursos públicos suficientes para gerar novas tecnologias, recorrem ao apoio financeiro dos fabricantes de fertilizantes, rações, equipamentos, tratores, etc. Não é de se estranhar, então, que as novas tecnologias não apontem, como deveriam fazê-lo, a reduzir o uso de insumos e equipamentos de alto custo. Dificilmente um fabricante de pesticidas financiaria uma pesquisa que contribuiria para diminuir o seu uso; dificilmente um fabricante de fertilizantes nitrogenados contribuiria para a geração e difusão de uma tecnologia sobre adubos verdes ou rotação de culturas com leguminosas previamente inoculadas. Devido às restrições orçamentárias das associações de profissionais e das instituições oficiais de apoio à agricultura, um crescente número de congressos e seminários destinados a discutir políticas agrícolas é financiado pelos

mencionados fabricantes de insumos e equipamentos; nestas condições é fácil entender a influência que exercem nas discussões e deliberações de tais eventos. As pessoas não comprometidas por estes interesses meramente mercantis deverão estar advertidas para não se deixar influenciar por postulados que, ainda que em aparência, estão preocupados com a sorte dos agricultores, de fato estão defendendo outros interesses.

Esta influência está ampliando-se porque, devido à crise das instituições do Estado, as próprias empresas privadas estão paulatinamente encarregando-se de gerar novas tecnologias. Existe uma tendência a

nível mundial nos fabricantes de fertilizantes e inseticidas a dedicar-se também à produção de sementes e à pesquisa em biotecnologia. Em tais condições, é muito pouco provável que as empresas privadas fabricantes de herbicidas, inseticidas, fungicidas e fertilizantes se dediquem a gerar novas plantas ou a produzir sementes com a preocupação de que sejam menos dependentes dos referidos insumos. Além do mais, é fácil entender que os pequenos agricultores (que não compram ou compram poucos insumos) não sejam a clientela preferencial das instituições privadas com fins lucrativos, que geram e difundem tecnologias agropecuárias. Esta é um importante razão adicional para

que a privatização dos serviços do Estado tenha certos limites porque, do contrário, os pequenos agricultores serão ainda mais marginalizados e o crescimento com equidade continuará sendo apenas uma declaração de boas intenções.

3º. Obstáculo

Os agricultores carecem de autênticos representantes que interpretem as suas necessidades e interesses. Devido a sua fragilidade e a falta de lideranças genuínas, se tornam vulneráveis a propostas populistas de pessoas que estão mais preocupadas em conquistar simpatias (votos) que em solucionar os problemas das famílias rurais. Costumam ser vítimas da demagogia dos maus políticos os quais dizem aos agricultores apenas o que estes querem ouvir (por exemplo, que eles só poderão ter rentabilidade se o governo os subsidiar) e não o que eles deveriam ouvir (que se eles fossem mais eficientes seriam menos dependentes dos subsídios); com tais procedimentos os induzem a equívocos e desviam sua atenção das verdadeiras causas dos seus problemas e das formas de solucioná-los com realismo e objetividade. Estas propostas populistas geralmente dão a entender às famílias rurais que os seus problemas se devem exclusivamente a fatores externos, tais como:

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- insuficiência de recursos produtivos; - falta de decisões políticas; - falta de leis e reformas estruturais; - inadequação do regime ou sistema político; - injustiça nas relações de intercâmbio a nível internacional; - falta de créditos e subvenções (aos insumos e aos produtos).

Sem desconhecer a existência e incidência de alguns dos fatores externos antes mencionados, não se deve superestimar a sua importância, porque se os problemas internos descritos nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 do capítulo 3 não forem solucionados, a eliminação dos obstáculos externos terá pouca utilidade e eficácia. Adicionalmente, os postulados populistas costumam ressaltar uma suposta (ainda que muito discutível) racionalidade e eficiência dos camponeses na alocação de recursos produtivos e na aplicação de tecnologias. Com isto concluem, muitas vezes de forma equivocada, que os seus problemas se devem a falta de recursos e não de conhecimentos. Ao superestimar a importância do fator que eles não podem manejar (recursos) e subestimar a importância do fator que podem manejar (conhecimentos) apenas contribuem a manter os agricultores em atitudes de passividade e fatalismo, devido a que os levam a pensar que:

i) se as causas dos problemas são externas e se os recursos que eles dispõem são insuficientes, a conclusão lógica é que tanto as soluções como os recursos para superar tais problemas deverão ser externos e que, enquanto estes não chegarem, os agricultores não poderão fazer nada em prol da solução dos seus próprios problemas; e

ii) se eles são racionais na alocação dos seus recursos e eficientes na adoção de tecnologias, não requerem novos conhecimentos, porque não necessitam introduzir mudanças administrativas e tecnológicas em suas propriedades.

Quando os agricultores, estimulados por influências populistas, reivindicam ao governo reformas estruturais, subsídios, recursos materiais e decisões de alto nível, que estão acima das possibilidades do Estado, se desgastam, caem no descrédito e perdem seu tempo porque o Estado geralmente não tem recursos nem mecanismos operativos para satisfazer a todos; e perdem também a oportunidade de reivindicar medidas política e economicamente factíveis, que o governo poderia e deveria oferecer a todos os agricultores.

A título de exemplo, os agricultores deveriam exigir e obter insumos intelectuais (tecnologias apropriadas e capacitação) porque estes sim estariam ao alcance do governo e além do mais contribuiriam a emancipá-

los, em grande parte, dos recursos materiais que infrutiferamente reivindicam ao Estado. O melhor momento para fazer tais reivindicações é nas campanhas eleitorais, porém os agricultores deveriam ser conscientizados para "votar nos seus", quer dizer, votar nos próprios agricultores para que estes sejam realmente confiáveis quando assumem os compromissos de defender as causas dos produtores e da agricultura(39*)

4º. Obstáculo

O desejo legítimo de facilitar a solução dos problemas. Devido à complexidade das atividades agropecuárias, às adversidades da vida rural e ao baixo nível de capacitação dos agricultores, existe uma natural e legítima tendência a:

- solicitar que o Estado lhes conceda mais terra, em vez de tornar mais produtiva aquela que eles já possuem; - contratar os serviços de um trator para arar, gradear, semear, capinar e colher, em vez de fazê-lo com animais de tração ou com a mão-de-obra familiar; - adquirir rações industrializadas, em vez de produzir os ingredientes nas propriedades, e, com eles, formular e preparar rações nos próprios sítios; - recuperar a fertilidade do solo exclusivamente com fertilizantes químicos, em vez de fazê-lo também com outras alternativas, como por exemplo as descritas no item 3 do capítulo 5; - aplicar um inseticida de amplo espectro que elimina todos os insetos (inclusive os inimigos naturais destes) em vez de aplicar as práticas de manejo integrado de pragas; - solicitar um crédito para adquirir mais vacas, em vez de adotar as medidas de alimentação, sanidade e manejo para que as vacas já existentes melhorem o seu desempenho produtivo e reprodutivo;

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- vender os produtos agrícolas no atacado, na propriedade e sem elaborá-los; em vez de processá-los e buscar melhores opções de venda, mais próximas aos consumidores, para vendê-los no varejo; - solicitar que o governo subsidie uma agricultura antieconômica, em vez de adotar as medidas produtivas, gerenciais e organizacionais para reduzir os custos de produção e incrementar os preços de venda, de modo que ao tornar-se rentáveis, prescindam dos subsídios.

Evidentemente que é justo e razoável que os agricultores queiram facilitar e fazer menos sacrificada a dura vida do campo e diminuir o esforço que requerem as atividades agropecuárias. No entanto, é necessário ter cuidado para que esta legítima aspiração não signifique que todos os possíveis ganhos da atividade agrícola caiam em outras mãos que não sejam as do agricultor; toda facilidade tem um preço; nem sempre o que é mais fácil é o mais conveniente para a família rural.

5º. Obstáculo

O conformismo em aceitar passivamente as distorções existentes. A longa e persistente reiteração das distorções nas políticas agrícolas e no funcionamento dos serviços agrícolas de apoio, tem contribuido a que se perca a capacidade de assombro (indignação). A longa convivência com estas distorções está produzindo uma espécie de conformismo e permissividade que conduzem a pensar que é normal ou pelo menos tolerável: que se formem profissionais para o desemprego; que se gerem tecnologias irrelevantes ou inadequadas; que as tecnologias adequadas não sejam difundidas e muito menos adotadas por quem deveria beneficiar-se das mesmas; que os extensionistas permaneçam nos escritórios por não dispor de veículos para ir ao campo, enquanto os agricultores estão carentes de apoio técnico e de capacitação; que os recursos do crédito rural sejam desviados ou mal aplicados; que se superdimensionem as maquinarias e desperdicem insumos importados com as escassas divisas dos países; que os serviços do Estado sejam ineficientes e não cumpram com os seus objetivos, ainda que consumam os escassos recursos públicos; que as instituições gastem recursos públicos, porém não produzam resultados; que os países com reconhecida vocação agrícola façam grandes importações de alimentos, os que desestimulam aos produtores nacionais.

Enquanto continuar persistindo tal permissividade e tolerância com as distorções antes mencionadas, é evidente que o modelo proposto não poderá ser levado à prática; ou melhor dito: nenhum modelo, por mais apoio e recursos que tenha, poderá promover o proclamado crescimento com equidade.

As pessoas que formulam as políticas agrícolas deverão evitar as influências indicadas nos cinco itens antes mencionados; deverão ter plena consciência de "a quem" se beneficia com as políticas de desenvolvimento agropecuário e, finalmente, ter espírito crítico para estabelecer a diferença entre as necessidades

concretas dos agricultores e os desejos; estes últimos artificialmente criados por interesses alheios às famílias rurais.

34. Por exemplo: afirmar que se poderia alimentar as multidões das grandes metrópoles latinoamericanas, abastecer o parque industrial e gerar os excedentes que os países necessitam exportar para financiar seu desenvolvimento, sem utilizar fertilizantes sintéticos, pesticidas, tratores, irrigação, tecnologias de ponta, etc. 35. Elevar a oferta de efetivas oportunidades de desenvolvimento de 10% para 100% dos agricultores, enquanto os recursos para fazê-lo diminuem, em vez de aumentar. 36. Educação agrícola superior na América Latina: seus problemas e desafios. 37. Diagnosticar não só "o que" sucede nas propriedades, mas, especialmente, o "por quê" sucede; as causas não os sintomas (a "infecção" e não apenas a "febre"); os problemas solucionáveis pelos próprios agricultores (de pouco serve diagnosticar aqueles que os produtores não podem solucionar); o que os agricultores necessitam e não o que eles desejam; enfim, os profissionais devem ter a capacidade de fazer um diagnóstico dinâmico (não estático) do funcionamento da propriedade, para descobrirem com que eficiência (ou ineficiência) estão sendo utilizados (ou subutilizados) os recursos disponíveis. 38. Aos quais se costuma denominar, de modo equivocado, agentes privados de assistência técnica ou, pior ainda, agentes privados de extensão rural. 39. "Nós, os agricultores, devemos deixar de votar em médico, dentista, jogador de futebol, mulher bonita e em pessoas que fazem lindos discursos, porém que não tem nada a ver conosco. Necessitamos votar em pessoas que têm nosso sangue, que têm calos nas mãos como os homens do campo". Nelson Marquezelli, Presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados do Brasil.

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CAPITULO 11. COMO ENFRENTAR A ADVERSIDADE PRODUTIVA E A

ESCASSEZ DE RECURSOS

Neste capítulo se tratará de demonstrar que:

a) alguns fatores de produção escassos podem ser substituídos por outros mais abundantes, sem perder eficiência produtiva e econômica; b) certas tecnologias complexas e caras podem ser substituídas por outras mais simples e de menor custo; c) vários insumos industrializados podem ser substituídos por sucedâneos produzidos dentro da propriedade; d) alguns insumos industrializados podem ser eliminados ou fortemente diminuídos nos processos produtivos; e) o uso de insumos externos pode ser diminuído sem reduzir os rendimentos que atualmente obtêm os agricultores; f) os rendimentos podem ser aumentados mantendo o atual nível de utilização de insumos e os mesmos gastos; e finalmente g) a adversidade físico produtiva e a escassez de recursos não são obstáculos insuperáveis que devam continuar mantendo os agricultores no círculo vicioso de miséria.

Para demonstrar estas asseverações, se analisarão os principais fatores que convencionalmente são apontados como restritivos e obstaculizadores do desenvolvimento agropecuário. Em cada caso se indicará um conjunto de alternativas que permitirá eliminá-los ou torná-los menos importantes e inclusive prescindíveis.

11.1 O QUE FAZER QUANDO A TERRA É INSUFICIENTE E DE MÁ QUALIDADE?

Os 13.500.000 pequenos agricultores da América Latina possuem uma superfície média de 11,2 hectares de terra, dos quais apenas 4,2 ha são cultiváveis e somente 3,3 ha estão realmente cultivados. Esta situação, comparada com a dos poucos proprietários de grandes extensões de terra, muitas vezes subutilizadas e ociosas, por si só justifica a urgente necessidade de que os pequenos agricultores se organizem e se mobilizem para conseguir uma distribuição mais justa e equitativa deste importante fator de produção. Todavia, enquanto se desenvolve tal esforço, é necessário adotar outras medidas paralelas, já que a insuficiente terra dos pequenos agricultores será ainda mais insuficiente se eles:

- continuarem utilizando apenas 80% da superfície que dispõem (4,2 hectares cultiváveis versus 3,3 hectares cultivados); - não adotarem tecnologias capazes de aumentar a sua produtividade (rendimentos mais altos e maior número de colheitas por unidade de tempo). É fácil constatar que a maioria das 13 alternativas indicadas no capítulo 5 contribuiriam para contrabalançar os efeitos da insuficiente superfície de terra, se fossem devidamente adotadas. Infelizmente, ao não

conhecê-las, ou não estar capacitados nem motivados para adotá-las, muitos agricultores continuam: - preparando o solo de forma inadequada e fora de época; - não adotando medidas elementares para manter ou recuperar a sua fertilidade; - não ocupando-o durante todo o ano, mesmo que as condições climáticas o permitam; - não adotando variedades de ciclo mais curto para que produzam, mesmo que o período de chuvas seja de curta duração; - fazendo semeadura no lugar definitivo, em vez de fazer transplante, mesmo que a mão-de-obra não seja um fator limitante e certos cultivos permitam a adoção de tal tecnologia; fazendo transplante se poderia reduzir o tempo de ocupação da terra escassa e os gastos com capinas, fertilizantes, irrigação e agroquímicos; - não cultivando espécies de maior densidade econômica ou variedades mais produtivas; - não realizando os trabalhos agrícolas de forma correta e no momento oportuno; - utilizando sementes de baixa qualidade e semeando-as com espaçamento inadequado ou não repondo, de imediato, as plantas que não tenham germinado; - não enxertando e não podando as fruteiras, com repercussões negativas na precocidade, rendimento por planta e número de plantas por hectare;

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- permitindo que as pragas, ervas daninhas e enfermidades reduzam o rendimento de suas culturas e criações; - produzindo espécies menos eficientes por unidade de terra, de capital e de tempo (por exemplo: criando animais maiores em vez de animais menores(40*); animais menores em vez de leguminosas; cereais em vez de raízes e tubérculos, etc). Muitos produtores destinam uma significativa superfície de sua escassa terra a manter potreiros com baixíssima capacidade de suporte, em vez de dedicá-la a culturas tecnificadas de forrageiras de corte; com tal medida poderiam aumentar a produção de forragem por hectare e, com isto, economizar em cercas ou liberar parte da terra para outras culturas ou criações; - obtendo baixa produtividade do seu gado e alongando desnecessariamente a idade para iniciar a atividade reprodutiva e para chegar ao mercado (e ocupando a terra escassa por um período excessivo e desnecessariamente longo) devido a falta de um melhor manejo da alimentação e da sanidade; - permitindo que ocorram grandes perdas no campo, na colheita, na armazenagem e no transporte.

Em resumo, se os agricultores não se organizam para conquistar uma maior superfície de terra, se continuam mantendo 20% dela improdutiva, se não a utilizam durante todo o ano, se não adotam tecnologias apropriadas que lhes permitiriam aumentar os rendimentos das explorações, se permitem que ocorram perdas durante e depois da colheita....., é evidente que a escassa terra será insuficiente e pouco produtiva e, em consequência, ainda mais insuficiente. Como se pode observar, além da insuficiência de terra, também existe uma inadequação na aplicação das tecnologias agropecuárias e gerenciais, que contribui a fazê-la ainda mais insuficiente. O melhor argumento para demonstrar o anteriormente mencionado e as reais possibilidades de "aumentar" a superfície de terra, é comparar o desenho no.2 com o no.6; esta comparação permite constatar a imperiosa e urgente necessidade de orientar e capacitar aos produtores para que eles mesmos façam esta transformação, a partir do uso de tecnologias que sejam apropriadas aos recursos que possuem, em vez de continuar esperando por perfeccionismos inalcançáveis e utopias dependentes de decisões e auxílios externos. Nem sempre a melhor forma de aumentar a produção dos pequenos agricultores é conceder-lhes mais terra.

11.2 O QUE FAZER QUANDO O CRÉDITO É ESCASSO E INACESSÍVEL ?

Os recursos que o Estado destina aos programas de crédito rural são reconhecidamente insuficientes; os altos custos operativos das agências oficiais de crédito, a concessão de subsídios, a alta morosidade na recuperação dos empréstimos e as anistias de dívidas, os tornam (ou tornaram) ainda mais insuficientes; além do mais, os trâmites administrativos para sua obtenção são normalmente muito burocratizados. O antes mencionado, somado ao fato de que costumam ocorrer interferências ou favorecimentos políticos em sua liberação em favor dos grandes produtores, traz como consequência que a imensa maioria dos

agricultores não tenha acesso a este importante fator; importante porque deveria ter como objetivo estimular a introdução de inovações tecnológicas e gerenciais, melhorar a eficiência produtiva e aumentar a produtividade agropecuária.

Em muitos casos a filosofia e os objetivos do crédito oficial foram desvirtuados, pois este instrumento não foi utilizado para fomentar a introdução de inovações tecnológicas e gerenciais nem para estimular que os fatores de produção, próprios ou adquiridos, sejam aplicados racionalmente(41*).Tradicionalmente o crédito

tem servido para financiar:

i) campanhas de aumento da produção a base de tecnologias que já são adotadas pelos agricultores; consequentemente, sem cumprir nenhuma função indutora à modernização tecnológica; ii) a aquisição de insumos e equipamentos; e iii) investimentos em obras de infraestrutura. Isto é, o crédito rural tem sido um estimulador da utilização de "tecnologias de produto" e não tanto do uso de "tecnologias de processo". Isto se deve, em parte, a que existe uma equivocada tendência a pensar que a introdução de inovações tecnológicas, é sinônimo de incorporação de insumos e maquinarias, e a estabelecer uma condicionabilidade entre ambos, o que nem sempre nem necessariamente é verdadeiro.

O crédito oficial geralmente é concedido em quantias elevadas em favor de uns poucos agricultores, com o agravante de que a estes mesmos beneficiários é oferecido ano a ano. Muitas vezes o crédito se destina a financiar todos os anos, os insumos e serviços de baixo custo que poderiam e deveriam ser custeados com recursos próprios dos agricultores; recursos que deveriam ter sido gerados com a rentabilidade da atividade agropecuária dos ciclos anteriores.

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Ao proceder desta maneira, os escassos montantes do crédito rural oficial se esgotam rapidamente para satisfazer a uma minoria e o Estado deixa de atender à grande maioria de pequenos agricultores. Esta grande maioria necessitaria de crédito em pequenas quantidades e o requeriria umas poucas vezes, para financiar fatores de produção "reproduzíveis", como por exemplo, algumas fêmeas prenhas (vaca, porca, ovelha, cabra, coelha) uma colméia de abelhas, algumas aves de postura, sementes melhoradas (não híbridas) de distintas espécies, certos insumos mínimos, ferramentas, implementos agrícolas para tração animal, etc. Alguns destes fatores (animais e sementes) se multiplicariam e reproduziriam nos anos seguintes, liberando os agricultores da necessidade de recorrer todos os anos aos agentes financeiros em busca de novos empréstimos. Desta forma, haveria disponibilidade de crédito rural para financiar a outros produtores ainda não beneficiados.

Sempre que fosse possível, o crédito deveria ser concedido para empresas de tipo comunitário (com garantia e responsabilidade solidária); estes grupos comunitários se encarregariam de oferecer serviços e recursos aos membros da associação; por exemplo: campos comunitários para a produção de sementes ou mudas enxertadas; unidade grupal para a produção de rações; criação de suínos em sistema de condomínios; aquisição de um reprodutor de melhor potencial genético; compra de maquinaria para uso comunitário, etc.

Desta forma, com uma única operação de crédito se financiaria uma empresa de caráter permanente, que multiplicaria e produziria bens para vários associados durante muitos anos; este mecanismo substituiria o inadequado procedimento no qual cada agricultor, de forma individual, tem que enfrentar todos os anos os penosos trâmites do banco ou recorrer ao usureiro para comprar, também de forma individual, os vários insumos que os beneficiariam uma única vez. Em outras palavras, seria um crédito para que o grupo produza coletiva e reiteradamente os fatores de produção nas próprias comunidades, em vez de crédito para que cada agricultor compre individualmente tais fatores aos intermediários a cada ano.

O crédito oficial deveria ter um caráter instrumental e multiplicador e ser concedido como apoio ou estímulo

inicial para que todos os agricultores, ao tecnificar suas atividades agropecuárias, consigam atingir um dos seguintes objetivos:

a) produzir (em vez de comprar) alguns fatores de produção passíveis de ser produzidos na propriedade (sementes, mudas, adubos, animais de trabalho e de produção, etc); ou

b) gerar os recursos financeiros necessários para adquirir aqueles fatores que não podem ser produzidos no

sítio. A propriedade eficiente e muito diversificada deveria ser o banco do agricultor.

Dito de outra forma, em primeiro lugar o crédito rural oficial deveria ser um "estimulador" da eficiência técnica e gerencial das atividades agropecuárias e não um "compensador" que subsidie a ineficiência, nem um "facilitador" que estimule a compra de insumos e equipamentos(42*). Em segundo lugar, a tradição de conceder montantes elevados a uns poucos agricultores mais opulentos e ano após ano, deveria ser substituída pela seguinte orientação: concedê-lo em pequenas quantias para atividades iniciais com efeito multiplicador; o crédito seria concedido em uma só operação, de forma coletiva, a um grupo de agricultores, só para facilitar-lhes a decolagem inicial. Ao dar-lhes esta arrancada, o crédito permitiria que os agricultores se liberassem da sua dependência nos anos seguintes (ao gerar em suas propriedades os recursos necessários para financiar as atividades do próximo ciclo de culturas); em vez de perpetuar a referida dependência, tal como ocorre na atualidade.

Ao reduzir o montante do crédito, eliminar sua perenidade, aplicá-lo em investimentos reprodutíveis e evitar que seja concedido ano após ano a uma mesma minoria de privilegiados, haveria recursos suficientes, os quais poderiam ser estendidos à grande maioria de pequenos agricultores. Como se vê, a insuficiência de recursos poderia ser atenuada se se adotasse medidas que dessem ao crédito escasso um caráter mais democrático e o necessário efeito multiplicador. Caso não se adote estas medidas, os recursos serão cada vez mais insuficientes.

Por outra parte, deve reconhecer-se que a correção das distorções antes mencionadas, ainda que necessária, não será suficiente. O crédito rural oficial, de por si já escasso e mal utilizado, será ainda mais escasso se:

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a) os fatores de produção financiados continuarem sendo mal utilizados ou desperdiçados, em virtude da inadequada e insuficiente capacitação dos agricultores; por exemplo, utilizar pesticidas de amplo espectro que eliminam inclusive os inimigos naturais, em vez de eliminar apenas as pragas, ou utilizar herbicidas para eliminar leguminosas das pastagens por considerá-las como ervas daninhas; b) os recursos recebidos continuarem sendo desviados para outras atividades mais rentáveis ou remuneradoras fora do setor agropecuário; c) continuar sendo utilizado na compra de insumos prescindíveis ou que poderiam ser substituídos por outros produzidos nas propriedades; d) continuar sendo aplicado para financiar equipamentos ou investimentos superdimensionados; e) os produtores não aplicarem todas as inovações que não dependem de crédito; não pode alegar falta de crédito o agricultor que ainda não incorporou as muitas tecnologias, cuja aplicação reconhecidamente não depende do auxílio creditício.

Para fazer com que o fator crédito seja menos indispensável, os pequenos agricultores poderiam adotar as seguintes medidas tecnológicas, gerenciais e organizacionais:

11.2.1 Diversificar suas atividades produtivas

Como fruto da diversificação, cada agricultor poderia ter uma "granja integrada autosuficiente" e produzir nela praticamente todos os ingredientes necessários para oferecer diariamente, a sua família e aos seus animais, uma alimentação completa e balanceada; além do mais, poderia assegurar a obtenção diária de pequenas rendas e produzir certos insumos que substituiriam os insumos externos. Ao fazê-lo, seria mais autosuficiente e indiscutivelmente se tornaria muito menos dependente do crédito.

Os agricultores que se dedicam a monocultura que lhes gera alimentos e renda apenas uma ou duas vezes ao ano, evidentemente serão muito mais dependentes do crédito, não só para comprar os alimentos e outros produtos para o lar, como também para satisfazer as suas necessidades produtivas (insumos).

11.2.2 Melhorar a administração das propriedades

Os agricultores deveriam utilizar integral e racionalmente todos os recursos produtivos que possuem para que estes rendam na plenitude de suas potencialidades (terra, mão-de-obra familiar, água, equipamentos, animais de produção, animais de trabalho, etc) como alternativa realista para não necessitar adquiri-los em maior quantidade. Ao planificar as culturas e criações, deveriam priorizar aquelas que geram receita, em distintas épocas do ano e oxalá durante o ano inteiro (gado leiteiro, olericultura, bananicultura, criação de pequenos animais, etc). Com estas duas medidas de administração rural se tornariam muito menos dependentes do crédito.

11.2.3 Fazer investimentos de forma conjunta

Existem certos investimentos que por razões técnicas ou econômicas não se justifica fazê-los individualmente, porém bem poderiam ser efetuados em forma grupal com os vizinhos; por exemplo, uso de reprodutores e maquinarias, construção de obras de irrigação, centros de esfriamento de leite, microagroindústrias coloniais, etc. Desta forma seria possível reduzir os investimentos e diminuir a dependência do crédito rural.

Como se vê, é necessário desmitificar a importância do crédito, introduzindo inovações tecnológicas e gerenciais que tornem tal fator menos imprescindível. É impressionante o muito que os próprios agricultores poderiam fazer para tornar-se menos dependentes deste fator supostamente imprescindível, mas que na realidade não o é(43*); não se deve, portanto, sacralizá-lo. Igualmente impressionante é constatar os imensos esforços que se fazem para que os agricultores tenham acesso a tal fator e os mínimos esforços que são feitos para diminuir a sua dependência do mesmo e torná-lo mais eficiente, quando está disponível.

E para concluir:

a) se o crédito fosse tão eficaz e eficiente não haveria tantos agricultores endividados (se existem tantos, significa que quando houve crédito, este muitas vezes criou novos problemas em vez de solucioná-los); b)

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se houvesse abundância de recursos para o crédito rural, ainda assim não seria a solução para os pequenos agricultores, devido a sua baixa capacidade de endividamento (por insuficiência de garantias reais) e sua baixa capacidade de ressarcimento (devido a baixa rentabilidade) e

b) se nos tempos em que o crédito era fortemente subsidiado não foi tão seguro e benéfico para os agricultores, como será agora que as taxas de juros são reais e positivas? Definitivamente, é necessário combater a mitificação do crédito e com ele, a mistificação dos agricultores. Se o Estado já não te crédito para distribuir o que lhe resta é capacitar os agricultores para que saibam prescindir do mesmo ou gerá-lo em seus próprios sítios.

11.3 O QUE FAZER QUANDO AS SEMENTES MELHORADAS SÃO EXCESSIVAMENTE CARAS?

As sementes melhoradas têm um grande potencial para aumentar os rendimentos por superfície cultivada; em alguns casos, a simples mudança deste fator permite obter extraordinários incrementos na produtividade. Apesar disto e por distintas razões, os pequenos agricultores normalmente não utilizam sementes de melhor qualidade (genética, física, sanitária e fisiológica); os baixos rendimentos que por tal motivo obtêm, requerem que ampliem a superfície cultivada muito além do que seria necessário; esta ampliação exige uma esgotadora e desnecessária utilização de mão-de-obra. Os agricultores não podem seguir semeando grãos de baixa produtividade e dessa forma estar condenados a uma produção insuficiente; mui especialmente em zonas de minifúndio, onde com mais razão é necessário obter maior quantidade de alimentos por unidade de terra, quer seja cultivando variedades mais precoces, mais produtivas ou mais nutritivas.

A incidência das sementes no custo total de produção é habitualmente muito baixa (existem algumas exceções, como por exemplo, os tubérculos de batatas) frente aos indiscutíveis benefícios que elas produzem em termos de aumento dos rendimentos. Em função disso, mesmo que as sementes sejam caras, os agricultores deverão fazer esforços especiais para ter acesso a um material de bom potencial produtivo. Caso não possam comprá-las todos os anos, deveriam adquiri-las em pequenas quantidades (não híbridas) e multiplicá-las para tê-las disponíveis para os anos seguintes, a preços muito baixos.

A propósito, uma publicação da FAO denominada "Autoabastecimento de sementes de qualidade: uma solução ao alcance do pequeno agricultor" demonstra as reais possibilidades que têm os camponeses, por limitados que sejam os seus recursos de produzir suas próprias sementes. Nesta publicação se menciona, a título de exemplo, que para produzir aproximadamente os 20 kg de sementes que são necessários para semear um hectare de milho, seria suficiente cultivar (com boa tecnologia) no ano

anterior uma parcela com uma superfície inferior a 100m2; e, que para semear esta reduzida superfície, o agricultor necessitaria comprar apenas 150 a 200 gramas de sementes de boa qualidade. Qual é o agricultor que não pode comprar 150-200 gramas de sementes e cultivar com tecnologia adequada, uma parcela de 100 metros quadrados para multiplicá-las?(44*)Adicionalmente esta alternativa tem um extraordinário efeito educativo e motivador, através do qual o próprio agricultor se dará conta que, se ele foi capaz de cultivar com racionalidade e eficiência uma superfície de 100 metros quadrados, porque não será capaz de fazê-lo em uma superfície de 1000 ou de 10.000 metros quadrados ou de fazê-lo em toda a área cultivada. Se foi

capaz de fazê-lo com o milho, porque não poderá fazê-lo com o feijão, a soja ou com o amendoim?

Como alternativa, os pequenos agricultores poderiam manter um campo comunitário de produção de sementes e mudas, o qual poderia ser conduzido por um dos seus membros, prévia e adequadamente capacitado para tal fim. Também poderiam obter os materiais de propagação através de seleção massal, como por exemplo escolher as plantas mais sadias, mais vigorosas e mais produtivas; no caso do milho, eliminar os grãos das extremidades das espigas; no caso da batata inglesa, marcar as plantas com sintomas de vírus e destruí-las para que seus tubérculos não se misturem com aqueles destinados a sementes; no caso das leguminosas, eliminar as vagens mais próximas ao solo; no caso da mandioca, utilizar o terço médio das ramas e escolher estas em função da sanidade e do número de raízes; no caso das hortaliças, selecionar as plantas mais sadias e mais produtivas, guardando para obter sementes os melhores frutos, etc; adicionalmente colhê-las em data mais próxima à maturação fisiológica, secá-las imediatamente depois da colheita e armazená-las em lugar fresco e seco, ventilado e protegido das pragas.

Como se pode constatar, os pequenos agricultores poderiam ter reais possibilidades de dispor de sementes de melhor qualidade, sem necessidade de que ano após ano gastem dinheiro com sua compra; ou estejam

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sujeitos a que não cheguem a tempo de semeá-las, não tenham boa sanidade, germinação e pureza, ou que o seu potencial produtivo seja insatisfatório.

No entanto, a grande maioria dos agricultores ao não adotar estas medidas e ao não dispor de recursos para comprar sementes melhoradas, segue semeando ano após ano seus grãos de baixo potencial produtivo, com desconhecido e frequentemente baixo poder germinativo e muitas vezes contaminados com patógenos, pragas e sementes de ervas daninhas; esta limitante somada ao fato de não fazer teste de germinação e de não regular a plantadeira, redunda em um inadequado espaçamento e, em consequência, em baixos rendimentos. Nestas condições, de pouco servirá que os agricultores gastem seus escassos recursos em irrigar e aplicar fertilizantes e pesticidas, porque devido às razões antes citadas, a cultura não responderá adequadamente a estes fatores externos de alto custo.

11.4 O QUE FAZER QUANDO OS FERTILIZANTES QUÍMICOS SÃO CAROS E INACESSÍVEIS?

Os solos dos pequenos agricultores geralmente estão muito erodidos e têm baixa fertilidade; consequentemente, uma medida imprescindível para tornar factível esta estratégia de autodesenvolvimento endógeno, é recuperar e manter a fertilidade do solo para aumentar a sua produtividade. Para tal fim é muito conveniente que os agricultores incluam em seus sistemas de produção a criação de animais e a rotação de culturas com leguminosas inoculadas.Devido ao esgotamento dos solos, é difícil aumentar os rendimentos das culturas sem utilizar adubos orgânicos ou fertilizantes químicos. Infelizmente, estes últimos têm preços que muitos pequenos agricultores não podem pagar; porém felizmente, a recuperação e manutenção da fertilidade dos solos não necessariamente são sinônimos de permanentes e custosas incorporações de fertilizantes sintéticos. A ciência agronômica dispõe de outras alternativas que tornam os fertilizantes químicos menos imprescindíveis e, se persiste a imprescindibilidade de seu uso, que eles sejam mais eficientes. Algumas das alternativas incluídas no capítulo 5 demonstram claramente estas possibilidades.

Se os agricultores não adotam tais alternativas; se produzem monoculturas que não lhes permitem fazer rotações com leguminosas inoculadas; se em seus sistemas de produção não incluem os animais, os que ajudariam a recuperar a fertilidade dos solos através das pastagens e do esterco; se deixam o solo sujeito a erosão por mantê-lo descoberto durante longos períodos de tempo, em vez de semear alguma cultura de cobertura para adubo verde; se desperdiçam ou queimam a matéria orgânica disponível; se não fazem análise de solo antes de aplicar os fertilizantes químicos e os incorporam em quantidade,formulação (45*), época (sem parcelar a aplicação) ou localização inadequada; se não semeiam em curvas de nível; e se, finalmente, não

eliminam as ervas daninhas no momento oportuno e permitem que estas e não as culturas, consumam os nutrientes; se tudo isso ocorre (e em geral lamentavelmente ocorre), é evidente que os agricultores seguirão muito dependentes do uso de fertilizantes químicos e deverão comprá-los em quantidades superiores às quais seriam necessárias se adotassem as alternativas tecnológicas recém-mencionadas.

11.5 O QUE FAZER QUANDO AS RAÇÕES E CONCENTRADOS SÃO MUITO CAROS?

"Convém assinalar que nos programas governamentais da maioria dos países latinoamericanos, o aspecto alimentação é o que menos atenção recebe. Com frequência se sustenta que a baixa produção dos animais das pequenas unidades agropecuárias, se deve ao seu baixo potencial genético. Sob essa premissa, se investem somas consideráveis de dinheiro em importações de animais de "melhor" qualidade genética e em programas de inseminação artificial e até transferência de embriões com resultados negativos. A magnitude em que a alimentação afeta a produtividade animal, se pode apreciar nos resultados de um experimento executado na serra do Peru (IVITA, 1974). Ovelhas crioulas procedentes de várias comunidades rurais com um peso médio de 19,7 kg aos 20 meses de idade e prenhas, foram transladadas para potreiros de "rye grass e trevo branco", prévio tratamento contra parasitas 45 É freqüente que agricultores mal orientados comprem fórmulas compostas de fertilizantes que contêm N, P e K, em circunstâncias nas quais a cultura anterior foi uma leguminosa inoculada e em conseqüência, o solo provavelmente requer menos nitrogênio; ou que a mata foi recentemente derrubada e queimada e, nestas condições, o solo possivelmente tem suficiente potássio. gastrointestinais. Seus cordeiros, nascidos neste novo ambiente, pesaram ao desmame, aos 90 dias, em média 17 kg".[9] Isto significa que atingiram em 90 dias quase o mesmo peso que suas mães levaram mais de 600 dias para consegui-lo.

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Muitos produtores não conseguem fazer economicamente viáveis as suas explorações pecuárias pelo fato de alimentar os seus animais com grandes quantidades de rações e concentrados industriais. Devido ao seu alto preço, este procedimento encarece muitas vezes desnecessariamente os custos de produção. Os agricultores poderiam reduzir os custos da alimentação de seus animais, se estivessem sensibilizados sobre a importância de algumas das medidas mencionadas a seguir e se fossem devidamente capacitados para adotá-las:

1) Melhorar suas pastagens através da introdução de gramíneas mais produtivas e nutritivas e sua associação com forrageiras leguminosas devidamente inoculadas, manejando-as adequadamente para que produzam forragens em maior quantidade e de melhor qualidade. A base da alimentação dos poligástricos deveria ser constituída por pastagens para reduzir os custos, e para que eles não compitam com os seres humanos e com os animais monogástricos. Para os poligástricos, as rações e concentrados de origem industrial deveriam ser apenas um complemento, depois de esgotadas, nesta ordem, as seguintes alternativas: pastoreio direto; forragens para corte e consumo in natura; feno e/ou silagem; e grãos produzidos na propriedade. Os concentrados deveriam ser utilizados de forma estratégica, fornecendo-os em maior quantidade às vacas que produzem mais, nas etapas que têm maior capacidade de resposta e no momento que são maiores suas exigências nutricionais, para compensar o esgotamento provocado pela maior produção de leite. Em virtude do seu alto custo os concentrados não deveriam ser utilizados de forma indiscriminada independente do desempenho produtivo de cada vaca.

2) Armazenar os excedentes em épocas de abundância (silagem, feno) para utilizá-los nos períodos de escassez. Melhor ainda, se for possível (e muitas vezes o é) semear espécies que produzam nos períodos críticos; a título de exemplo, semear aveia ou couve forrageira durante o inverno em zonas temperadas ou leguminosas e cana de açúcar em zonas tropicais. Estas são alternativas muito interessantes para produzir "feno ou silagem viva" e tê-los disponíveis nas épocas de escassez, sem necessidade de incorrer em todos os gastos (em dinheiro e tempo) para a preparação, armazenagem e conservação da silagem ou feno convencionais.

3) Cultivar capineiras para corte, porque o seu rendimento por hectare geralmente é superior ao dos potreiros em regime de pastoreio.

4) Implantar bancos de proteínas.

5) Usar antiparasitários para que sejam os animais e não os parasitas os que consomem os nutrientes das forragens e rações.

6) Elaborar suas próprias rações, a partir de matérias primas que produzem ou que poderiam produzir em suas propriedades. Nas chácaras dos pequenos agricultores da América Latina se produzem, ou se poderiam produzir, matérias primas com as quais eles poderiam obter forragens e rações de excelente qualidade, tais como milho, sorgo, soja, alfafa, trevo, guandu, gliricidia, desmodium, centrosema, soja perene, algaroba, leucena, stilosantes, cana de açúcar, rami, mandioca, abóbora, batata doce, etc. Com algumas destas espécies, os agricultores poderiam melhorar as suas pastagens monofíticas, aumentar sua capacidade de suporte e melhorar seu valor nutritivo; outras lhes permitiriam complementar suas pastagens mediante produção de forrageiras para corte; e por último, certas espécies lhes possibilitariam a produção de suas próprias rações a nível de propriedade; comprando apenas pequenas quantidades de sais minerais e proteínas de origem animal (só para os monogástricos).

Estas rações caseiras podem ser de qualidade superior as industrializadas e seus custos são incomparavelmente mais baixos; quando são complementadas com alfafa verde ou por pastoreio com forrageiras rústicas e palatáveis, os gastos com a alimentação se reduzem de forma muito significativa. Se considerarmos que em certas criações, como a de suínos, a alimentação constitui 80% do custo total de produção, é evidente que comprar ou produzir as próprias rações determinará se o agricultor terá perdas ou ganhos em sua atividade.

É inaceitável que os pequenos agricultores produzam algumas das valiosas matérias primas antes mencionadas (milho, sorgo, soja, alfafa, etc), as vendam in natura a preços baixos, e posteriormente comprem a altos preços as rações fabricadas, em grande parte com estes mesmos ingredientes. É necessário adverti-los que ao proceder desta maneira, provavelmente estão comprando uma ração que foi fabricada com os mesmos ingredientes produzidos pelos

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próprios agricultores; ingredientes que, depois de fazer um longo percurso desde as suas propriedades de origem até o centro industrial, regressam devidamente processados e vendidos a preços elevados. Adotando este procedimento equivocado, os produtores não se dão conta que estão compartilhando seus escassos ganhos com o comerciante que lhes comprou a matéria prima, com o industrial que a processou e com o intermediário que lhes vendeu a ração; e que além do mais, estão também pagando o frete de ida e volta, os impostos e outros gastos incorporados ao preço final da ração ou concentrado.

Mais dramático ainda é constatar que muitas vezes estes produtores necessitam recorrer aos agentes de crédito, endividar-se e pagar juros para comprar uma ração que, como se disse, muito provavelmente foi fabricada com os ingredientes produzidos em suas propriedades. Estas e outras distorções similares (cujas soluções poderiam e deveriam estar ao alcance dos agricultores) são importantes razões pelos quais os seus lucros são insuficientes. Se eles estivessem devidamente capacitados para fabricar tais rações em suas propriedades ou comunidades, economizariam os recursos que lhes permitiriam pagar, em curto prazo o custo do motor e do triturador necessários para moer os ingredientes. Uma boa capacitação (feita uma só vez) seria suficiente para emancipar os produtores da dependência prejudicial e desnecessária na aquisição de rações que se repete de forma rotineira, durante todas as suas vidas.

Como se vê, os recursos produtivos geralmente estão disponíveis em suas propriedades, as soluções existem e são eficazes; só falta capacitar aos agricultores e demonstrar-lhes que eles mesmos são capazes de solucionar os seus problemas, a partir do melhor uso dos seus próprios recursos.

11.6 O QUE FAZER PARA MELHORAR O POTENCIAL GENÉTICO DOS ANIMAIS?

Os pequenos agricultores normalmente têm poucos animais de produção, em virtude da insuficiência de recursos para adquiri-los em maior quantidade, da reduzida superfície de suas terras e da baixa capacidade de suporte de suas pastagens. Agrava esta situação o fato de que necessitam de um reprodutor e têm poucas fêmeas; por tal motivo geralmente existe um superdimensionamento do primeiro em relação com o número de fêmeas (por exemplo tem um reprodutor para cinco vacas, quando o ideal seria um para 25 ou 30 fêmeas). Em virtude deste superdimensionamento, os produtores contribuem, sem querer, para que a superfície de sua terra escassa seja ainda mais reduzida, porque o reprodutor ocupa o espaço e consome os alimentos que poderiam ser destinados a mais de uma fêmea adicional. O outro agravante é que tanto os reprodutores como as fêmeas geralmente são de baixo potencial genético e cada pequeno agricultor não pode ter um bom reprodutor. Uma alternativa seria a organização dos agricultores para que em conjunto adquirissem um reprodutor de melhor potencial, que possa atender a um número ideal de fêmeas

pertencentes a vários integrantes do grupo; os agricultores deverão entender que lhes será muito mais econômico adquirir e alimentar a um único porém bom reprodutor, que comprar cinco reprodutores medíocres e alimentar cinco deles desnecessariamente. A segunda alternativa seria constituir um grupo para contratar os serviços de inseminação artificial (ou organizar o seu próprio serviço).

Com qualquer das duas alternativas se superaria o problema do superdimensionamento; ao eliminar o reprodutor individual, cada produtor poderia ter uma vaca adicional e, sobre tudo, melhoraria a qualidade

genética do rebanho obtendo reconhecidas e indiscutíveis vantagens produtivas e econômicas. Infelizmente, a maioria dos produtores não adota estas soluções, não tanto por falta de condições econômicas para fazê-lo; e sim porque não estão convencidos sobre a importância de melhorar o potencial genético do seu rebanho e por desconhecimento sobre suas reais possibilidades de consegui-lo.

É conveniente reiterar que de pouco servirá que os produtores melhorem o potencial genético do seu gado, se antes desta medida eles não aumentarem a produção de forragens, se não produzirem as suas próprias rações, se não armazenarem forragem para épocas de escassez, se não desmamarem precocemente os terneiros, se não melhorarem a eficiência reprodutiva (antecipando a idade de reprodução, reduzindo os intervalos entre partos, aumentando o número de crias por parto e aumentando o número de animais desmamados) e se não vacinarem, mineralizarem e desparasitarem os seus animais.

Uma reflexão sobre os temas incluídos nos itens 11.5 e 11.6

Nestes dois itens foram incluídas algumas alternativas que permitiriam aos produtores pecuários aumentar a produção e a produtividade dos seus rebanhos, através da adoção de medidas compatíveis com os recursos que eles normalmente possuem. Não obstante, eles geralmente não o fazem, entre outras razões

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porque não se dão conta das perdas que lhes ocasiona o fato de adotar métodos tradicionais de criação de animais. Também porque não lhes foi demonstrado que eles dispõem dos recursos necessários, que têm reais possibilidades de introduzir inovações de baixo custo e que são capazes de fazê-lo.

Com o propósito de motivar aos produtores para que adotem as medidas antes propostas, é útil fazer-lhes ver, entre outras coisas que:

a) Se uma vaca inicia a parir aos 42 meses podendo fazê-lo aos 28, se tem partos a cada 24 meses podendo tê-los a cada 13 meses, e se o novilho leva cinco anos para chegar ao mercado podendo fazê-lo aos dois anos e meio, é evidente que o agricultor verá seus ganhos sensivelmente reduzidos; além do mais, necessitará mais terra e maior quantidade de alimentos para manter animais que durante um longo tempo consomem, porém virtualmente não produzem, ou produzem abaixo de suas potencialidades.

b) Se uma vaca produz três litros diários de leite durante 180 dias podendo produzir seis litros durante 300 dias, a renda diminui, já que ela produziu apenas 540 litros de leite por lactação, em circunstâncias que poderia ter produzido 1.800; Ademais, há uma capacidade ociosa correspondente a um fator de produção caro - como são as vacas - que aos produtores lhes custa muito adquirir. Se as vacas produzem pouco leite, a prioridade não necessariamente deverá consistir em comprar mais vacas, mas sim em melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo das já existentes, fundamentalmente com melhor alimentação e cuidados sanitários; é necessário sensibilizar aos agricultores sobre a importância da produtividade e demonstrar-lhes que aumentar o número de vacas não é a única alternativa (nem a mais importante) para incrementar a produção de leite e melhorar os seus ganhos.

c) Se uma porca tem três partos em dois anos e consegue desmamar neste período apenas 15 leitões podendo ter cinco partos e desmamar 35; se estes demoram 11 meses para chegar ao peso de mercado em vez de fazê-lo em 6 meses, é evidente que se produzirá desperdício de animais de produção, terra, instalações, mão-de-obra e, muito especialmente, do fator de maior custo que é a alimentação; porque as fêmeas deixaram de produzir 20 leitões e os 15 leitões desmamados consumiram recursos durante cinco meses adicionais, em cujo período não produziram ou o fizeram abaixo de suas potencialidades.

Muitas e reiteradas experiências têm demonstrado que para melhorar a produção pecuária não necessariamente se requer de grandes investimentos, nem de instalações muito sofisticadas, nem de animais de alto potencial genético, nem de transplante de embriões, nem de polivitamínicos ou suplementos de concentrados industrializados. Somente se consegue melhorar a alimentação (com componentes produzidos na propriedade), a sanidade e a reprodução.

11.7 O QUE FAZER PARA EVITAR RISCOS E INCERTEZAS?

As atividades agropecuárias estão sujeitas a riscos tais como a incidência de pragas e efermidades, as adversidades climáticas, as incertezas de preços e de comercialização, etc. É necessário que os agricultores diminuam as probabilidades de se ver afetados por aqueles riscos e incertezas que são evitáveis ou atenuáveis. Com tal propósito, poderiam adotar as seguintes medidas:

1) Planejar com os seus vizinhos as atividades agropecuárias (espécies e superfícies a cultivar), com o fim de adequar a oferta à demanda e com isto evitar superprodução e baixa de preços; fazer a chamada "produção programada".

2) Diversificar a produção para não depender de uma ou de poucas culturas ou criações. É fácil entender que se os agricultores se dedicam a poucas culturas (ou a uma só), é mais provável que uma adversidade climática, a incidência de uma praga ou enfermidade, ou um preço desfavorável os afetem mais gravemente. A título de exemplo: se a insuficiência de chuvas prejudica o milho, talvez se salve o sorgo, que é mais resistente ao estresse hídrico; se uma geada imprevista destroi a plantação de batata inglesa, talvez se salvem as lentilhas, a aveia e a cevada; se alguma enfermidade prejudica a batata inglesa, provavelmente não afetará a batata doce ou a mandioca; se a febre suína afeta aos porcos, todas as demais espécies se salvarão porque não são susceptíveis a tal enfermidade.

Mesmo que não ocorra nenhuma adversidade climática ou sanitária, isto não significa que os agricultores de monocultura estarão a salvo; porque quando as condições são favoráveis a produção será satisfatória para

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a maioria dos produtores e os preços se reduzirão; no ano seguinte, poucos semearão a cultura afetada e os preços se elevarão; no terceiro ano, todos semearão a referida espécie e os preços se reduzirão e assim ocorrerá sucessivamente. A diversificação das atividades agrícolas e sua integração com as atividades pecuárias é o melhor antídoto contra os riscos; ela é a "companhia de seguros" dos agricultores.

3) Escalonar as semeaduras ou utilizar variedades com distintos ciclos vegetativos, para diminuir os riscos climáticos, parcelar a oferta e alongar o período de comercialização; ao estender este período poderão vender maiores quantidades e fazê-lo a melhores preços.

4) Produzir espécies não perecíveis que técnica e economicamente podem ter postergada a sua venda, se no momento da colheita as condições de mercado não forem favoráveis.

5) Produzir espécies que possam ser processadas ou transformadas em outro produto se as condições de mercado assim o recomendarem (por exemplo, elaborar frutas secas ou transformar milho e soja em suíno).

6) Adotar medidas contra uma possível incidência de pragas e enfermidades nas culturas ou contra enfermidades e parasitas nos animais. Nas condições dos pequenos produtores pecuários de muitos países da Região, a incidência de febre aftosa, mastite, vermes gastrointestinais e carrapatos é muito frequente; e, por tal motivo deveria receber medidas permanentes de profilaxia, diagnóstico e controle. Por não fazê-lo, os produtores pecuários têm grandes perdas, com o agravante de que algumas não são facilmente perceptíveis porque os animais não morrem. Não obstante, se reduz a produção e a fertilidade e baixa o índice de conversão alimentar; com isto se desperdiçam rações, aumentam os gastos sanitários, se alonga o tempo para chegar ao peso de mercado, etc. Os produtores deveriam ser capacitados sobre medidas profiláticas e primeiros socorros veterinários; com isto poderiam evitar significativas e desnecessárias perdas em seus rebanhos.

11.8 O QUE FAZER QUANDO OS INSUMOS AGRÍCOLAS SÃO MUITO CAROS?

Se por falta de orientação, os agricultores cometem em suas atividades produtivas algumas das distorções mencionadas neste documento, necessitarão utilizar crescentes quantidades de insumos, os quais em grande parte se desperdiçarão e não produzirão os resultados desejados.

Infelizmente, existe uma forte pressão por parte dos interesses comerciais, que utilzam eficazes e poderosos meios publicitários para motivar aos agricultores a comprar e utilizar mais insumos industrializados e outros componentes materiais que podem ser patenteados e comercializados pelas grandes empresas que os fabricam. Em contrapartida, poucos são os esforços no sentido de capacitar aos agricultores para que adotem tecnologias alternativas que lhes permitam diminuir a dependência do uso de insumos industrializados, ou adverti-los sobre a sua correta utilização, quando eles são realmente indispensáveis. Por razões de ordem comercial, não se motiva aos agricultores para que usem as "tecnologias de processo", porque estas não são comerciáveis.

Com tal desequilíbrio de esforços em prol do uso das "tecnologias de produto", não é de surpreender que os agricultores utilizem insumos desnecessários, que os apliquem em excesso e muitas vezes de forma equivocada. A diversificação mencionada em vários pontos deste capítulo permitiria que os próprios agricultores produzissem em seus sítios alguns sucedâneos, que substituiriam com menores custos aos insumos industrializados. Na realidade, é possível converter suas propriedades em verdadeiras "fábricas" de substitutos de insumos convencionais (adubos, forragens, rações, etc). A dependência de recursos externos (crédito, insumos, etc) é inversamente proporcional a:

i) a diversificação da produção silvoagropecuária; ii) a adequada complementariedade de seus componentes; iii) a eficiência no uso dos recursos produtivos existentes nas propriedades; e iv) a correta aplicação das tecnologias. Quanto maior é a diversificação e a eficiência, menor será a dependência.

O uso inadequado e excessivo de insumos industrializados aumenta desnecessariamente os custos

unitários de produção. Se, além dos problemas de uso equivocado ou excessivo antes mencionados, os agricultores não estão organizados para comprá-los em conjunto e não conseguem encurtar as extensas

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cadeias de intermediação, é evidente que os preços dos insumos serão muito altos e os custos unitários de produção se elevarão desnecessariamente. Desnecessariamente porque, tal como já foi indicado, os pequenos agricultores têm reais e efetivas possibilidades de adotar tecnologias que poderiam diminuir a dependência ou prescindir de vários fatores caros e escassos.

11.9 COMO MELHORAR OS PREÇOS DE VENDA?

A forma distorcida como os agricultores têm acesso aos fatores de produção e as tecnologias inadequadas que adotam, determinam que seus custos unitários de produção sejam elevados. Esta situação provoca uma necessidade ainda maior de melhorar a comercialização dos seus excedentes com o objetivo de vendê-los por melhores preços e desta forma contrabalançar, pelo menos em parte, os elevados custos unitários de produção, e remunerar o esforço e os riscos dos agricultores.

Infelizmente isto não ocorre assim; pelos motivos já indicados, os agricultores vendem os seus escassos excedentes a preços desnecessariamente baixos. Estes preços de venda continuarão sendo baixos, a menos que os agricultores:

a) Diversifiquem a sua produção agropecuária e semeiem culturas anuais com variedades de distintos ciclos vegetativos (com maturação precoce e/ou tardia) ou o façam de forma escalonada, para evitar que toda a oferta de um único produto se concentre em uma só época ou em um período muito curto do ano; época na qual todos os agricultores efetuam suas vendas e os preços se deprimem; com idêntico propósito, as culturas permanentes deveriam ter variedades com distintas épocas de colheita (diversificação varietal por maturação), especialmente as perecíveis, como por exemplo as frutas.

b) Adotem medidas para aumentar a oferta em épocas de escassez ou de maior demanda, como por exemplo, adequar a produção de forragem e as parições das vacas para ter uma maior produção de leite em épocas críticas; obter colheitas precoces para antecipar a chegada ao mercado; construir galpões rústicos e de baixo custo para armazenar os excedentes de forma segura e poder vendê-los em épocas de escassez; programar a produção de leitões para vendê-los por ocasião das festas de fim de ano ou a de peixes na Semana Santa.

c) Façam o processamento primário (ainda que seja a nível familiar ou comunitário) dos excedentes, não só para agregar-lhes valor(46*) e evitar perdas, mas também para distribuir o seu consumo (pela família e pelos animais) e a sua venda ao longo do ano e fazê-lo por melhores preços. Às vezes os preços na época da safra são tão baixos, que sequer pagam o custo da colheita; em tal circunstância, o seu processamento para poder postergar a venda do excedente se apresenta como uma interessante e às vezes única alternativa para salvar-se do prejuízo.

d) Produzam variedades que permitam um período mais longo de armazenagem (conservação) para obter melhores preços fora da época de colheita. Por exemplo, a antiga variedade de cebola "Valenciana Corrente" usada há muitos anos no Chile, pode ser substituída pela "Valenciana Platina" e "Valenciana Sintética 14". Estas podem ser armazenadas em bom estado e com um mínimo de brotação até 240 dias; enquanto que a "Corrente" apodrece e brota em 80% ao final do mesmo período. Tudo isto em condições normais de armazenagem a nível de pequenos agricultores [12]. O grande aumento que geralmente ocorre no preço de um produto perecível diretamente aos consumidores, proporcionará uma receita incomparavelmente superior que vender tal produto no atacado, ao primeiro intermediário que aparece no sítio, sem limpá-lo, classificá-lo e sem empacotá-lo.como a cebola, desde a colheita até a véspera da próxima pode melhorar significativamente os lucros dos agricultores, pelo simples fato de semear uma variedade apropriada ao propósito antes mencionado. Um significativo prolongamento no período de conservação (que gera significativos aumentos nos preços de venda) também pode ser conseguido através de uma melhor sanidade da cultura e com adequadas práticas de pós-colheita (que não necessariamente exigem gastos adicionais).

e) Ofereçam ao mercado, produtos mais sadios; muitos consumidores estão cada vez mais dispostos a pagar um preço mais alto por produtos cujas culturas tenham sido irrigadas com águas não contaminadas e produzidos sem a utilização de agroquímicos.

f) Ofereçam produtos de melhor qualidade. A título de exemplo, no caso do café, o simples fato de adotar algumas tecnologias melhoradas de produção, colher apenas os frutos maduros e introduzir melhores

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práticas de manejo pós-colheita, resultam em um significativo incremento na qualidade do produto e consequentemente em seu preço de venda.

g) Diminuam as desnecessariamente extensas cadeias de intermediação.

h) Diversifiquem as opções e os canais de comercialização; como exemplo, agricultores organizados podem entregar cestas diversificadas de alimentos (com periodicidade previamente estabelecida) diretamente a consumidores também organizados; ganham mais os produtores e economizam mais os consumidores.

Se não se capacita aos agricultores e não se estimula sua organização para que adotem as medidas recém-indicadas, os processos de comercialização continuarão sendo distorcidos e os preços pagos aos agricultores continuarão sendo baixos e injustos; mesmo que o Estado estabeleça preços mínimos e garantias de comercialização, construa centrais de abastecimento e infraestruturas de distribuição e conceda subvenções. Estas medidas de alto custo terão pouca eficácia se previamente não se capacita e organiza os agricultores; se isto não ocorre, as demais medidas governamentais recém-mencionadas acabarão beneficiando de fato aos intermediários; para confirmá-lo basta verificar quem são as pessoas que comercializam nos mercados agrícolas; geralmente não são agricultores, ainda que aparentem sê-lo.

11.10 COMO MELHORAR A RELAÇÃO INSUMO/PRODUTO E AUMENTAR OS LUCROS?

Os agricultores se queixam, com razão: que a relação insumo/produto na atividade agropecuária é cada vez mais desfavorável; que eles necessitam utilizar uma maior quantidade de insumos para obter a mesma quantidade de produto; que os preços dos insumos aumentam muito mais que os preços de seus produtos (porque existem demasiados elos no circuito industrial e comercial, antes e depois da etapa de produção propriamente dita); e que eles necessitam entregar mais quilos de produto para comprar uma mesma quantidade de insumo.

Como consequência destas condições desfavoráveis os seus lucros são insuficientes. Dentro da tendência neoliberal, talvez a única alternativa realista, é conseguir o aumento dos seus lucros como resultado da oferta de um maior e melhor excedente, da redução dos custos de produção e do aumento dos preços de venda. Através desta via realista, os agricultores ganharão mais dinheiro por aumentar a quantidade do excedente (volume de produção) e por melhorar o preço de cada quilograma vendido. Para que esta alternativa seja eficaz, é necessário que os próprios agricultores executem as 3 etapas do negócio agrícola; isto é, que eles mesmos se encarreguem da produção propriamente dita, mas também da etapa anterior e posterior ao processo produtivo.

Dito de outra forma, é necessário que se encarreguem das atividades "dentro da porteira" (produção) e "fora da porteira" (acesso a insumos, processamento e comercialização); só assim se apropriarão de uma percentagem mais alta e mais justa do preço final que os consumidores pagam pelo produto agrícola. Se eles se responsabilizarem apenas pelas atividades "dentro da porteira", os benefícios que estas produzem serão anulados pelas atividades "fora da porteira". Se eles se dedicarem somente a etapa de produção, as demais serão executadas pelos agentes intermediários, os quais se apropriarão dos excedentes que poderiam melhorar a renda dos produtores agropecuários(47*).

Para aumentar os seus ganhos, é desejável que os agricultores substituam até onde seja possível:

- o habitual e prejudicial procedimento de comprar insumos industrializados, no varejo, com alto valor agregado (e consequentemente a preços altos) e vender os seus produtos no atacado, na época de colheita, sem valor agregado (e consequentemente a baixos preços); por um - novo procedimento no qual os agricultores produzam em seus sítios e comunidades parte dos insumos (com baixos custos) e vendam os seus produtos no varejo, fora de época de colheita, com algum valor agregado (a preços altos).

Em outras palavras, é necessário que os agricultores gastem menos no que compram e adicionalmente ganhem mais no que vendem; que gastem menos nas entradas e ganhem mais nas saídas; que comprem menos e vendam mais; que os insumos que entram na propriedade custem menos e os produtos que saem valham mais; porém os agricultores necessitam atingir os dois objetivos de forma simultânea, já que alcançar apenas um deles não é suficiente.

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Para conseguir uma menor valorização das entradas e uma maior valorização das saídas é conveniente que as famílias, os lares, as propriedades e as comunidades dos pequenos agricultores se transformem paulatinamente em suas agroindústrias, as quais deverão ser empregadoras da mão-de-obra familiar excedente, produtoras de insumos, processadoras de alimentos e incorporadoras de valor agregado. Isto lhes permitirá, por exemplo:

a) que em vez de comprar rações balanceadas adquiram as sementes dos seus componentes, produzam estes ingredientes em suas propriedades e com eles fabriquem as rações domésticas; se não podem produzir tais componentes deveriam comprá-los no atacado diretamente dos produtores na época da colheita para reduzir seus custos; e b) que em vez de vender sua soja e milho na época de colheita, no atacado (e in natura) os transformem em suínos e estes em defumados e os vendam no varejo, com um mínimo de intermediação.

Ao propor que os agricultores realizem de forma eficiente as três etapas (antes, durante e depois da produção) do negócio agrícola, não significa que eles não devam integrar-se ao mundo moderno das cadeias agroindustriais e agroexportadoras; significa que devem integrar-se apenas naqueles elos que sejam vantajosos e convenientes para os interesses dos agricultores (não dos industriais ou exportadores); significa que devem eliminar aqueles elos que não lhes sejam convenientes; significa que alguns elos deveriam pertencer aos agricultores para que eles não necessitem estar sempre dependentes e subordinados a elos pertencentes às grandes corporações que fabricam insumos e processam suas colheitas.

Ao concluir, cabe fazer uma pergunta: Por que os preços que os agricultores recebem por seus produtos primários flutuam (leite, frutas, cereais, suínos, etc) e os preços que os consumidores pagam por seus derivados (leite em pó, frutas em conserva, farinha, presunto,etc) sempre sobem e jamais baixam?

Uma reflexão final....Sim, é possível!

Neste documento se tratou de demonstrar que: - é possível promover o desenvolvimento agropecuário sem exclusões e sem protelações; isto é, que se pode fazê-lo em favor de todos os agricultores e de forma imediata.

- nos países da América Latina e Caribe temos um imenso contingente de recursos humanos desejosos de trabalhar, de superar-se e de progredir; temos a terra (geralmente fértil e barata); temos muitas tecnologias reconhecidamente eficazes; muitas vezes temos os recursos materiais; em muitas regiões temos as condições climáticas favoráveis (temperatura, luminosidade e precipitação pluviométrica) que nos permitem produzir biomassa de forma permanente e obter até três colheitas de grãos ao ano (a maioria dos países desenvolvidos só pode obter uma colheita anual); e, muito especialmente, temos a urgente necessidade de fazê-lo.

O que faz falta é levar à prática uma estratégia de desenvolvimento pragmática, mesmo que não seja a ideal; pois os agricultores não estão pedindo perfeccionismos inalcançáveis, eles necessitam com urgência de medidas que sejam compatíveis com as soluções que realmente possam adotar (não com as que estão fora do seu alcance).

Porém é necessário fazê-lo de imediato, nas adversas condições de hoje, com os recursos que estão disponíveis na atualidade e não com os que, talvez, tenhamos amanhã; porque o mais provável é que amanhã não teremos condições mais favoráveis, nem recursos em maior quantidade dos que temos na atualidade. Além do mais, é necessário fazê-lo com urgência, devido a que os atuais 59 milhões de latinoamericanos desnutridos necessitam alimentar-se hoje e não no futuro. Com tantas potencialidades humanas, tecnológicas e econômicas não parece lógico continuar dedicando tempo e esforços a identificar debilidades e restrições, a buscar culpáveis, a formular justificativas e a pedir que outros solucionem nossos próprios problemas; é necessário atuar e aproveitar as oportunidades existentes.

Quem deve formular e executar esta estratégia?

Pelas razões mencionadas nas páginas 139 a 141 (capítulo 12, comentário ao 6o. questionamento), agora mais do que antes o desenvolvimento agropecuário é um problema fundamentalmente (ainda que não

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apenas) tecnológico e gerencial; consequentemente, deverá ser resolvido sob a orientação direta dos profissionais de ciências agrárias, especialmente os que atuam nas instituições de educação agrícola, pesquisa agropecuária e extensão rural; porque a agricultura contemporânea requer como absolutamente imprescindível dispor de boas tecnologias, de bons extensionistas, os que por sua vez exigem que as faculdades formem excelentes profissionais. No entanto, devido a magnitude do desafio não é suficiente contar apenas com o apoio dos executivos das três instituições recém-mencionadas.

É necessário o compromisso e a participação de todos os pesquisadores, docentes e extensionistas, porque:

- É importante que os diretores dos organismos de pesquisa tomem a decisão de gerar tecnologias que respondam às circunstâncias reais (não ideais ou artificiais) de todos os estratos de agricultores de cada país; porém é imprescindível que cada um dos pesquisadores proporcione de imediato a contribuição pessoal que está dentro de suas possibilidades, em vez de seguir esperando por decisões superiores ou recursos externos. - É importante que os diretores das faculdades de ciências agrárias adotem a decisão de formar profissionais mais criativos, inovadores, comprometidos, pragmáticos, realistas, práticos, porém é imprescindível que cada um (sem exceção) dos docentes de cada faculdade adapte os conteúdos das suas disciplinas, para que sejam mais pertinentes ao exercício profissional e mais adequados às necessidades e possibilidades da maioria dos agricultores. Nunca será demasiado reiterar: O maior potencial de mudança e com maior efeito irradiador para o interior de todos os serviços agrícolas de apoio, está nas faculdades de ciências agrárias. - É importante que os diretores dos serviços de extensão rural tomem a decisão de agilizar operativamente suas instituições e de adequar os conteúdos difundidos e os métodos empregados; porém é imprescindível que o façam também todos e cada um (sem exceção) dos extensionistas e, muito especialmente, os agentes locais de extensão.

Enfim, este desafio não é tarefa só para os executivos, o é também e muito especialmente para os executores. Muitas das mudanças propostas neste documento podem ser adotadas pelos

executores sem depender das decisões dos executivos; porém as decisões dos executivos de pouco servirão se não contarem com a ação comprometida de todos os executores que integram cada instituição. As mudanças deveriam vir de baixo para cima; de dentro para fora; e não tanto (ou não apenas) de cima para baixo e de fora para dentro.

Os pesquisadores, os docentes e os extensionistas fizeram muitíssimo em prol da agricultura comercial e de exportação; é necessário que continuem fazendo-o, porque a abertura dos mercados exige a contribuição

eficiente dos grandes agricultores. Todavia, agora é fundamental que façam um esforço, ainda mais significativo, em prol dos pequenos e médios agricultores. Conseguirão fazê-lo na medida em que:

a) tenham o compromisso social e a humildade profissional de "fazer o possível, quando não possam fazer o desejável".

b) sigam o sábio ensinamento do imperador romano Marco Aurélio: "Rogo a Deus que não me faça mudar aquilo que não se pode mudar; que tenha a coragem de mudar o que deve ser mudado e ter a sabedoria para distinguir o que se pode mudar daquilo que não pode ser mudado".

Felizmente, é muito o que os próprios profissionais de base (não necessariamente os executivos) podem mudar; é necessário, no entanto, que o façam e que o façam todos(48*), que façam tudo o que podem, que o façam bem feito e que o façam já; porque tarde ou cedo terão que fazê-lo e o futuro oferecerá maiores oportunidades profissionais para os rápidos que para os lentos; terão êxito os que fizerem primeiro. É necessário sair do plano dos conceitos e passar ao plano das realizações concretas, porque cada minuto que passa é oportunidade que se perde, e esta muitas vezes já não se pode recuperar.

40. Se a terra é fator limitante, deverá priorizar-se a criação de animais menores (aves, peixes, ovelhas, cabras, abelhas, suínos, coelhos, etc) e obter deles altos rendimentos produtivos e reprodutivos. A escassez da terra será inversamente proporcional aos referidos rendimentos.

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41. Esta distorção significa que ao fazer (o Estado) um grande esforço para conceder o crédito a um agricultor, se desperdiça a potencialidade e a oportunidade de introduzir inovações tecnológicas; com isto se perde em grande parte sua razão de ser e os principais motivos para que o Estado o conceda aos agricultores)

42.Quando o crédito foi abundante e subsidiado, às vezes atuou como um "desestimulador" da eficiência e um estimulador do consumismo tecnológico e do superdimensionamento dos investimentos.O Estado não tem capacidade financeira para sustentar no tempo os mecanismos artificiais compensadores das ineficiências do negócio agrícola

43. Um estudo realizado no Brasil indica que o montante de crédito rural oficial diminuiu de 20,830 bilhões de dólares em 1980 para 8,590 bilhões em 1993; e que nesses 13 anos a produção agropecuária aumentou em 44,6%, apesar de que nesse mesmo período a superfície cultivada baixou do índice 100 para 88,7; isto significa que aumentou a produção via incremento da produtividade, mesmo com redução do montante de crédito que o governo concedeu aos agricultores.

44.Adicionalmente esta alternativa tem um extraordinário efeito educativo e motivador, através do qual o próprio agricultor se dará conta que, se ele foi capaz de cultivar com racionalidade e eficiência uma superfície de 100 metros quadrados, porque não será capaz de fazê-lo em uma superfície de 1000 ou de 10.000 metros quadrados ou de fazê-lo em toda a área cultivada. Se foi capaz de fazê-lo com o milho, porque não poderá fazê-lo com o feijão, a soja ou com o amendoim?

45. é freqüente que os agricultores mal orientados comprem fórmulas compostas de fertilizantes que contêm N, P e K, em circunstâncias nas quais a cultura anterior foi uma leguminosa inoculada e em conseqüência, o solo provavelmente requer menos nitrogênio; ou que a mata foi recentemente derrubada e queimada e, nestas condições, o solo possivelmente tem suficiente potássio.

46. A titulo de exemplo, vender o feijão limpo, selecionado e empacotado em pequenos sacos de plástico diretamente aos consumidores proporcionará uma receita incomparavelmente superior que vender tal produto no atacado, ao primeiro intermediário que aparece no sítio, sem limpá-lo, classificá-lo e sem empacotá-lo.

47. De acordo com dados de 1990 da Associação Brasileira de Indústrias de Alimentos (ABIA), apenas 28% da receita total do negócio ou complexo rural é gerado dentro da propriedade e 72% fora dela, sendo 8% antes do processo produtivo e 64% depois da colheita.

48. Que todos o façam, porque ninguém deverá sequer correr o risco de omitir-se quer seja consciente ou inconscientemente, porque "a omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se constata; e o que facilmente se comete e dificilmente se constata, raramente se corrige. A omissão é o pecado que se faz não fazendo". Sermão da Primeira Dominga do Advento (1.650 Padre Vieira).

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CAPITULO 12. QUESTIONAMENTOS SUSCITADOS POR ESTA PROPOSTA

Durante sua etapa de elaboração e de reelaboração, os conceitos incluídos neste documento foram submetidos à consideração de representantes das principais instituições relacionados com as atividades agropecuárias de todos os países da América Latina.

A grande maioria das opiniões recebidas foram de total apoio a estas propostas. Não obstante, também houve manifestações de aparente desacordo sobre alguns aspectos que serão esclarecidos a seguir:

Primeiro questionamento

Ao enfatizar a necessidade de formular e executar políticas agrícolas que respondam às necessidades dos pequenos agricultores, não se estaria marginalizando a agricultura comercial e empresarial e subestimando sua importância como "alimentadora" das agroindústrias e geradora de excedentes exportáveis, especialmente se considerarmos que a abertura dos mercados internacionais exige maior competitividade?

Comentário: A estratégia aqui proposta prioriza as necessidades dos pequenos agricultores; em primeiro lugar porque eles representam 78% do total das unidades de produção agropecuária da América Latina; em segundo lugar porque o crescimento com equidade e o desenvolvimento global dos países exige a contribuição eficiente de todos os agricultores. Se se deseja oferecer oportunidades iguais a todos, é necessário proporcionar mais aos que têm menos (maiorias silenciosas) e não aos que pressionam ou reivindicam mais (minorias ruidosas); quer dizer, é necessário discriminar em favor dos pequenos agricultores.

Por outra parte, mesmo que se esteja insistindo nos pequenos produtores, muitos dos problemas aqui indicados ocorrem também com os médios e grandes produtores agropecuários. Além do mais, muitas das soluções propostas são aplicáveis, com as devidas adaptações, a todos eles. A título de exemplo, as tecnologias economizadoras de insumos, energia e capital, não só deveriam ser adotadas pelos pequenos agricultores, que virtualmente não têm acesso a estes fatores escassos, mas também pelos produtores comerciais e empresariais que têm acesso a eles e que, às vezes, os utilizam mal e desperdiçam, elevando desnecessariamente os custos de produção (maquinaria superdimensionada, excessiva preparação do solo, exageradas aplicações de pesticidas, adubação sem análise de solo, etc).

Grande parte dos conceitos e princípios (que não devem ser confundidos com receitas ou fórmulas) incluídos neste documento, depois de adaptados a cada escala de produção, podem ser de aplicação universal.

Finalmente, é lógico que não se pode subestimar a importância da agricultura comercial e empresarial, entre outras razões, pelo muito que significa a sua contribuição ao volume da produção agropecuária nacional; à geração de empregos, diretos e indiretos; ao desenvolvimento das agroindústrias; ao abastecimento das grandes cidades; e à geração de divisas necessárias para impulsionar o desenvolvimento nacional. No entanto, estes agricultores, pelo seu nível educativo, econômico e organizacional, têm seus próprios recursos e condutos para solucionar seus problemas. Em outras palavras, não se está propondo uma estratégia que exclua aos agricultores comerciais do processo de desenvolvimento, mas sim uma alternativa que inclua a todos os produtores agropecuários. Se os países necessitam (e de fato necessitam urgentemente) da contribuição eficiente de todos os agricultores, é fundamental que em contrapartida ofereçam a todos eles, reais e efetivas oportunidades para conseguir tal eficiência. Já pertencem ao passado os maniqueísmos do tipo "agricultura camponesa x agricultura empresarial"; porque ambas necessitam ser eficientes.

Segundo questionamento

Ao propor que se priorize a adoção de tecnologias apropriadas, de baixo custo e menor dependência de insumos e equipamentos externos, não se estaria subestimando a importância das tecnologias de ponta e dos insumos e equipamentos modernos, necessários para aumentar a produção e a produtividade, e através destas últimas conseguir uma maior competitividade nos mercados internacionais? Não se estaria propondo algo muito pequeno para uma agricultura que requer dar um grande salto qualitativo para a modernidade?

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Comentário: Para satisfazer as necessidades de todos os estratos de agricultores é necessário dispor e oferecer-lhes todas as alternativas tecnológicas (desde a época adequada de semeadura até o transplante de embriões); também é necessário contar com todos os tipos de insumos e equipamentos (desde o adubo orgânico produzido no sítio até o computador que controlará a composição e distribuição das rações para o gado leiteiro). Neste aspecto também já não tem muito sentido seguir polarizando entre "tecnologia autóctone e tecnologia de ponta", todas são importantes e necessárias e portanto devem complementar-se.

O que se propõe é que a adoção de tecnologias e a utilização dos insumos e equipamentos pelos agricultores de baixos recursos seja feita de forma gradual. Iniciar pelas inovações que não dependem de recursos externos à propriedade, por aquelas que são de menor risco, de menor custo e de mais fácil aplicação, de modo que se possa universalizar as oportunidades de adoção e de desenvolvimento; depois - e só depois - de esgotar tais alternativas, avançar até as inovações de maior custo e complexidade, se isto for realmente necessário. Em outras palavras, se propõe inverter a ordem cronológica de introdução de tecnologias e de utilização de insumos, começando pelas "tecnologias de processo" e depois que estas tenham sido incorporadas, potencializá-las com as "tecnologias de produto".

A introdução de tecnologias não necessariamente é sinônimo de uso de insumos e maquinarias; o uso destes, ainda que desejável, nem sempre é garantia de aumentos significativos e automáticos na produtividade. A título de exemplo, no Brasil, no período de 1964 a 1979, a produtividade das 15 principais culturas aumentou em 16,8% enquanto que o uso de insumos e equipamentos aumentou durante o mesmo período nas seguintes percentagens: - fertilizantes químicos 124,3% - inseticidas 233,6% - fungicidas 584,5% - herbicidas 5.414,2% - tratores 389,1% [13]

Este documento critica a tendência de iniciar a tecnificação através de medidas e recursos mais caros, complexos e escassos, sem haver adotado e utilizado correta e previamente aquelas medidas e recursos que são de menor custo, mais simples e mais abundantes. É frequente encontrar culturas com insuficiente quantidade de plantas e grande quantidade de ervasdaninhas, em cujos terrenos se fez grandes gastos de fertilização e irrigação, sem haver corrigido prévia ou paralelamente aqueles fatores restritivos. Também existem muitos produtores de leite que gastam grandes somas na aquisição de rações e concentrados, sem haver eliminado previamente os endo e ectoparasitos dos seus

animais ou sem melhorar suas pastagens, como formas de diminuir as despesas com as rações antes indicadas.

Neste documento se critica a atitude de considerar as tecnologias de ponta, os insumos e equipamentos modernos como únicas alternativas ou único recurso para tecnificar a agricultura; pelo fato de que são escassos e caros, eles deveriam ser os recursos complementares, depois de ter esgotado todas as alternativas de menor custo e menor

dependência.

Se propõe esta inversão na ordem cronológica de tecnificação por múltiplos motivos, porém especialmente para que todos os agricultores tenham reais e efetivas oportunidades de iniciar a introdução de inovações, de modernizar-se e de desenvolver-se; do contrário, não se poderá falar em crescimento com equidade, porque isto só será uma realidade quando todos tenham tais oportunidades.

Se sugere partir do que é possível fazer com os recursos realmente disponíveis e mais abundantes; começar com aquelas inovações que para ser adotadas só requerem que os agricultores sejam capacitados; depois de haver conseguido acumular alguns excedentes de produção e de renda, continuar com o que é mais escasso, mais caro e que depende de recursos externos. Se queremos ser coerentes com o postulado do crescimento com equidade e se não podemos oferecer tecnologias de ponta e insumos de alta produtividade a todos os agricultores porque não temos os recursos suficientes para fazê-lo, devemos iniciar com tecnologias de baixo custo e menos dependentes de insumos externos. Depois que os agricultores tenham adotado corretamente todas as tecnologias de baixo custo, seria até um contra-senso não potenciá-las ou não complementá-las com as tecnologias e insumos de maior custo, com o propósito de aumentar rendimentos e garantir melhores colheitas.

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Seria uma ingenuidade pensar que se poderia abastecer as cada vez maiores metrópoles da América Latina, "alimentar" as agroindústrias e gerar os imprescindíveis excedentes exportáveis a custos competitivos sem usar fertilizantes, pesticidas, tratores, irrigação, etc. No entanto, pelo fato de que estes fatores externos são escassos e insuficientes para oferecê-los a todos os agricultores, com muito mais razão é necessário criar os pré-requisitos ou condicionantes para que tais fatores, quando estejam disponíveis, produzam todo o efeito potencializador que possuem; isto ocorrerá com maior eficiência se tais condicionantes (as alternativas tecnológicas incluídas no capítulo 5) precederem o uso dos fatores externos.

A título de exemplo:

i) a irrigação terá um grande efeito nos rendimentos se se semeia uma semente de boa qualidade, na época e espaçamento adequado, se se elimina as ervas daninhas, se se fertiliza corretamente, etc.;

ii) um suplemento concentrado terá um efeito positivo (técnico e econômico) na produção de leite de uma vaca de bom potencial genético, sadia, desverminada e alimentada com uma boa pastagem; com tais antecedentes ou pré-requisitos, provavelmente seria até um contra-senso não dar-lhe o referido suplemento concentrado, se o adicional de leite produzido resultar em uma relação custo/benefício favorável.

Aqui cabe perguntar: Como seria a agricultura latinoamericana se a maioria dos agricultores adotasse no mínimo as tecnologias de baixo custo que não requerem de fatores adicionais aos que os agricultores já possuem? Em quanto aumentariam a produção e a produtividade? Quanto economizariam os governos e os agricultores em créditos, em obras de irrigação e drenagem, em tratores e colheitadeiras, em terras, em animais e seus alimentos e em instalações, pelo simples fato de aumentar a produtividade dos fatores antes mencionados? Se aumentasse a produtividade destes fatores é evidente que os agricultores necessitariam adquiri-los em menor quantidade. Em princípio se se conseguisse multiplicar por dois os rendimentos de cada um destes fatores se poderia dividir por dois a necessidade de cada um deles; é com este pragmatismo que é necessário buscar a equidade, quando não se pode fazê-lo pela via cômoda e convencional de obter recursos adicionais.

Em quanto aumentaria a produção e se reduziriam os custos de produção (e por conseguinte aumentaria a renda) pelo simples fato de que os agricultores adotassem tecnologias elementares para eliminar os gastos invisíveis e os custos ocultos, que são causados por ineficiências e subutilizações dos recursos já disponíveis? O simples, porém infelizmente muito frequente, fato de não executar as atividades a tempo provoca prejuízos que jamais poderão ser recuperados; por exemplo: levar a fêmea ao reprodutor depois de haver perdido vários cios; vacinar os animais quando a enfermidade já chegou à comunidade; desverminar

depois que os parasitas já fizeram um grande dano; capinar depois que as ervas daninhas já afetaram de maneira irreversível o rendimento da cultura; colher depois que grande parte da produção já está perdida, etc.

É absolutamente necessário aplicar corretamente as tecnologias, usar racionalmente os recursos produtivos, melhorar a administração da propriedade, utilizar parcimoniosamente os insumos e reduzir os gastos com investimentos. Tal necessidade se faz ainda mais imperiosa se se leva em consideração que temos que atuar num mercado internacional altamente competitivo, no qual participam países desenvolvidos que subsidiam fortemente seus agricultores, em circunstâncias que nossos países infelizmente não dispõem do poder político para impedir que eles o façam, nem do poder econômico para subsidiar nos mesmos níveis aos nossos agricultores.

Terceiro questionamento

Ao propor um modelo de desenvolvimento agropecuário menos dependente de fatores externos e ao sugerir que as próprias famílias rurais deveriam protagonizar a solução dos seus problemas, não se estaria dando a sensação de que os serviços de apoio ao agro e os agricultores mantêm recursos ociosos que estão sendo desperdiçados e que, portanto, não deveria alocar-lhes recursos adicionais? Não se estaria legitimando e contribuindo a que o Estado, que já destina recursos insuficientes ao setor agropecuário e faz muito pouco pela grande maioria dos agricultores, lhes ofereça e faça por eles cada vez menos? Pelo contrário, não deveria o Estado fortalecer as suas estruturas operativas de apoio ao meio rural e destinar recursos adicionais ao desenvolvimento agropecuário?

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Comentário: Evidentemente, seria desejável que o Estado fizesse tudo o antes mencionado e muito mais; que oferecesse mais terra, concedesse créditos adicionais a todos os agricultores, subsidiasse a agricultura, garantisse a comercialização a preços remuneradores, etc. Todavia, o Estado ainda que quisesse, não poderia fazer tudo isto em favor de todos; devido a que existe um evidente desequilíbrio entre as múltiplas necessidades de um grande contingente de agricultores e as reconhecidamente reduzidas possibilidades do Estado em satisfazê-las.

Por este motivo, é necessário liberar o Estado daquelas ações delegáveis que os agricultores organizados podem assumir e permitir que o poder público se ocupe só daquelas que os produtores agropecuários não podem executar. Desta forma, o Estado poderia concentrar os seus esforços e recursos em algumas atividades estratégicas e executá-las de maneira realmente eficiente em favor de todos os agricultores. Entre estas atividades podemos mencionar: educação primária rural, geração e difusão de tecnologias, capacitação dos agricultores e execução de algumas obras de infraestrutura.

Se o Estado continuar fazendo aquilo que é prescindível em favor de uma minoria de agricultores, não disporá de tempo nem de recursos para fazer o que é imprescindível, em favor da totalidade dos produtores. Os recursos que o Estado aplica atualmente na execução de serviços delegáveis; na concessão de subsídios e subvenções destinados a corrigir as consequências de uma agricultura ineficiente; na importação de alimentos e na manutenção de instituições que gastam recursos, porém não produzem resultados, poderiam ser canalizados a programas de geração de tecnologias apropriadas e capacitação dos produtores. Com isto, os próprios agricultores se tornariam mais eficientes e rentáveis e consequentemente menos dependentes do paternalismo e dos subsídios (eliminada a causa desaparece o efeito).

Os agricultores organizados deveriam complementar as ações do Estado, facilitá-las e ajudar a torná-las mais eficientes, compartilhando com o governo os esforços em prol do desenvolvimento agropecuário. É necessário advertir que de pouco servirá diminuir a dependência que tem os agricultores dos recursos e serviços do Estado e permitir que, devido a sua fragilidade e desorganização, continuem expostos à

excessiva dependência do sistema agroindustrial e comercial privado. Por este motivo, se insiste na necessidade de capacitar, sensibilizar e organizar aos produtores agropecuários para que constituam os seus próprios serviços e desta forma diminuam, até onde seja possível, sua dependência de ambos (do Estado e do sistema agroindustrial(49*) e comercial privado); é desejável que, na medida do possível, os próprios agricultores:

a) sejam os proprietários das agroindústrias (ainda que estas sejam familiares e/ou comunitárias) tanto

daquelas que produzem alguns insumos como daquelas que fazem a primeira etapa de processamento dos produtores que colhem;

b) sejam os comercializadores dos insumos que adquirem e dos excedentes que vendem.

Quarto questionamento

Ao enfatizar a solução dos problemas internos das propriedades e comunidades rurais, não estariam sendo subestimados alguns fatores externos de fundamental importância para promover o desenvolvimento rural, tais como a posse da terra e a alocação de recursos governamentais para fortalecer os serviços agrícolas de apoio?

Comentário: No que se refere à posse da terra, a distribuição extremamente injusta deste fator de produção na maioria dos países da América Latina por si só justifica o esforço em prol do melhoramento da situação vigente; especialmente se se considera que com frequência os grandes proprietários não exploram racionalmente a sua terra ou a mantém ociosa e com fins especulativos, enquanto muitos pequenos produtores não dispõem do mínimo indispensável para a sua própria subsistência. Em alguns casos, a superfície de terra dos minifundiários é tão reduzida que mesmo utilizando-a intensiva e racionalmente não lhes permitiria sair da marginalidade social na qual se encontram e requeririam de opções adicionais de emprego e de renda. Porém também é verdade que, em muitos casos os agricultores dispõem de uma razoável superfície de terra, têm acesso ao crédito e a outros fatores externos, suas propriedades são servidas por boas estradas e mesmo assim não produzem satisfatoriamente e não geram receitas suficientes.

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Promover a distribuição da terra, mesmo que seja necessário e em muitos casos imprescindível, não será suficiente nem eficaz, se por falta de capacitação e de organização dos agricultores persistirem dentro das propriedades e comunidades profundas distorções na administração dos recursos, no acesso aos insumos, na produção e na comercialização (como as que aparecem no desenho no.4) . Em outras palavras, ambas reformas, a da posse e a do uso da terra são necessárias; todavia, quando este último não depende da primeira, não se justifica esperar por mudanças estruturais para iniciar a solucionar os problemas daqueles agricultores que não estão afetados pelo fator externo antes mencionado. Não deve pedir recursos adicionais quem previamente a isto não utilizou integralmente os recurso que possui.

No que se refere à alocação de maiores recursos governamentais para fortalecer a institucionalidade de apoio à agricultura, é evidente que eles são necessários. Porém, além dos acentuados déficits orçamentários dos governos, que limitam tal possibilidade, é necessário reconhecer que não é razoável destinar mais recursos se se permite que em tais instituições continuam ocorrendo graves distorções e deficiências.

Frente a este paradoxo entre insuficiência de recursos por um lado e sua má utilização por outro, parece lógico e sensato outorgar absoluta prioridade à utilização eficiente e racional dos recursos disponíveis; só depois de ter utilizado plenamente os recursos adicionais, se poderá justificar a necessidade de auxílios externos. Fazer o contrário, significaria estimular a ociosidade e premiar a ineficiência.

Nos países desta Região, existem muito exemplos nos quais os governos concederam os recursos adicionais solicitados pelas instituições como necessários para melhorar o seu desempenho. Lamentavelmente, em muitos destes casos, os recursos foram aplicados na ampliação de suas estruturas operativas; na construção de sedes administrativas; na aquisição de veículos, computadores, processadores de textos e fax; na contratação de mais diretores e assessores; e apesar disto, lamentavelmente não houve melhoramento na eficiência e produtividade pessoal e institucional. Porque os recursos foram destinados para satisfazer as necessidades da instituição e dos seus funcionários (corporativismo); e não do público, em nome do qual tal instituição foi constituída.

Devido a que os recursos são realmente escassos e insuficientes, com mais razão deverão ser utilizados com racionalidade e eficiência. A concessão de maiores recursos governamentais para continuar "fazendo mais do mesmo", não parece ser a solução mais adequada; a alocação de recursos adicionais deveria estar condicionada à eliminação das deficiências, ociosidades e desperdícios que continuam existindo dentro de muitos organismos públicos. Normalmente existe uma excessiva ênfase e empenho em conseguir recursos adicionais para o desenvolvimento (caminho mais fácil), porém lamentavelmente é minúsculo o esforço para garantir (caminho mais difícil) que tais recursos sejam aplicados com parcimônia e racionalidade para

melhorar a produtividade; e sem aumentá-la, qualquer adicional de recursos será irracional e artificial. Não se deve julgar as instituições pelo montante que elas dispõem para promover o desenvolvimento agropecuário, porém sim pelos benefícios concretos que proporcionam aos agricultores.

Quinto questionamento

A proposta de capacitar as famílias rurais, organizar as comunidades, utilizar racionalmente os recursos disponíveis, introduzir inovações de baixo custo e eliminar ociosidades, tem tal coerência que dificilmente poderia provocar desacordos. Se existe aceitação e um relativo consenso a respeito e se além do mais os seus componentes são suficientemente conhecidos, porque se "ressuscita" uma proposta antiga e se insiste em algo que já se conhece e que se sabe que deveria ser adotado?

Comentário: No contexto da dramática situação de endividamento dos países, de debilidade das suas instituições e de pobreza da grande maioria dos agricultores da América Latina e Caribe, só uma proposta de baixo custo será capaz de compatibilizar os quatro grandes desafios que atualmente enfrenta o setor agropecuário (sustentabilidade, rentabilidade, competitividade e equidade) com o neoliberalismo que contribui a reduzir ainda mais os serviços e recursos que o Estado destina ao setor agropecuário. Esta proposta é antiga em sua concepção, porém moderna em sua adequação à atualidade latinoamericana, porque ela concilia as limitadas possibilidades do Estado com as urgentes necessidades dos agricultores. Por outro lado, o fato de que uma proposta seja sensata, que seja consensual, que seja antiga e conhecida, não é suficiente para solucionar os problemas existentes se ela não é adotada. Um pensador inglês afirmou que "o valor nutritivo de uma maça é zero, a menos que ela seja comida".

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Por ser tão óbvias e elementares, se dá por certo que as propostas deste documento já estão sendo ou pelo menos, já deveriam ter sido adotadas pela maioria dos agricultores. Lamentavelmente, a realidade é muito diferente; basta observar os lares, propriedades e comunidades rurais para constatar que a grande maioria das famílias não as adota, apesar de que muitas destas sugestões são de baixo custo e fácil aplicação. Os baixíssimos rendimentos (ver página 26 do capítulo 3) médios da agricultura latinoamericana (não só dos pequenos agricultores) confirmam e demonstram o baixo nível e a forma incorreta no uso dos insumos e na aplicação das tecnologias, inclusive das mais elementares. Quem conhece e convive com o campo, sabe que esta é a lamentável realidade; sabe também que é exatamente a não adoção destas tecnologias elementares (e não das sofisticadas e de alto custo) a que está determinando os baixíssimos rendimentos da agricultura desta Região.

Várias propostas óbvias e elementares deste documento, mesmo que conhecidas e tacitamente aceitas, não estão sendo colocadas em prática. Em tais condições, a prioridade deverá ser aplicar o que já se conhece, o que é factível e eficaz, em vez de seguir propondo soluções espetaculares e ressonantes, geralmente utópicas e inalcançáveis; de pouco serve fazer profundas elocubrações filosóficas e formular complexas e sofisticadas simulações teóricas, se os países não dispõem de recursos para financiar estes grandes projetos, nem de estruturas operativas para que seus serviços cheguem aos seus destinatários e se estes não estão capacitados para poder beneficiar-se destes perfeccionismos. Isto tem sido demonstrado através de várias panaceias que foram experimentadas na Região durante as últimas quatro décadas, as que semearam falsas expectativas e produziram grandes frustrações. A validade de uma proposta não se mede por sua complexidade (50*) ou sofisticação, mas sim por sua exequibilidade e eficácia.

Enquanto existirem propriedades e comunidades subutilizando ou desperdiçando recursos, adotando procedimentos inadequados e operando com baixa eficiência, será necessário renunciar aos perfeccionismos e difundir alternativas realistas e sobretudo compatíveis com os recursos realmente existentes. E isto deverá durar até que tais medidas sejam adotadas e os problemas sejam resolvidos, não importando quão antigas ou novas sejam estas alternativas.

Sexto questionamento

A estratégia descrita neste documento parece ser adequada às possibilidades dos agricultores e eficaz na solução dos seus problemas mais imediatos. Todavia, para levá-la à prática e apesar de que se insiste no protagonismo do agricultor, isto não ocorrerá por geração espontânea sem um estímulo inicial externo. Na atualidade, os agricultores não têm condições de protagonizar o seu autodesenvolvimento. Estas medidas

requerem no mínimo reforçar e reorientar a pesquisa e a extensão rural às circunstâncias reais que caracterizam a grande maioria dos agricultores. Quem o fará se consideramos que:

i) as faculdades de ciências agrárias não estão formando profissionais com o perfil necessário para tornar factível esta nova proposta (estratégia) de desenvolvimento; e

ii) o Estado tende a reduzir ainda mais os já insuficientes recursos que destina a agricultura e a privatizar os serviços públicos?

Especialmente se considerarmos que as empresas privadas com fins lucrativos reconhecidamente não têm interesse em gerar e difundir tecnologias para os pequenos agricultores, porque eles não compram insumos e equipamentos e tampouco podem pagar pela assistência técnica.

Comentário: Em primeiro lugar, é necessário introduzir profundas mudanças na formação dos profissionais de ciências agrárias. Tais profissionais deveriam receber uma formação que lhes permita reorientar os serviços de apoio ao agro e mobilizar as vontades dos agricultores, capacitá-los para que saibam viabilizar o seu autodesenvolvimento endógeno e transformar suas realidades adversas. A formação destes profissionais assume uma extraordinária importância estratégia nesta etapa de transição que vai:

i) do crescimento excludente ao crescimento com equidade; e

ii) do paternalismo do Estado ao protagonismo do agricultor. Aos referidos profissionais corresponde a difícil tarefa de buscar a equidade apesar das restrições do neoliberalismo econômico.

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Depois de tentar durante quatro décadas resolver os problemas dos agricultores através de soluções exógenas de natureza política e macroeconômica, agora se começa a reconhecer e a valorizar a importância das soluções endógenas de natureza técnica e microeconômica. Na atualidade, a viabilização econômica dos agricultores terá de ser conseguida através da eficiência técnica, gerencial e organizacional; este é o único caminho realista para contrabalançar a eliminação dos subsídios, os quais durante várias décadas permitiram, de forma artificial, que a agricultura pudesse ser rentável, apesar de produzir com rendimentos muitos baixos. Na atualidade, já não existe tal possibilidade e é por este motivo, que a partir de agora a viabilidade econômica dos agricultores será sinônimo e consequência de sua eficiência produtiva e gerencial. Estas soluções (endógenas, técnicas e gerenciais), por sua própria natureza, só podem ser formuladas e executadas pelos profissionais de ciências agrárias.

Em segundo lugar, e como consequência do reconhecimento da importância estratégica e da eficácia de sua ação profissional, eles necessitam despojar-se de alguns preconceitos que durante muitos anos têm freiado (em vez de estimular) as iniciativas dos próprios profissionais e dos agricultores(51*). É importante despojá-los de tais preconceitos porque:

i) ainda que estes fatores sejam desejados e às vezes desejáveis, eles nem sempre são indispensáveis;

ii) os governos não estão em condições de proporcionar todos estes estímulos à totalidade dos agricultores; e

iii) inconscientemente tais preconceitos paralisam as iniciativas dos profissionais (e com isto também as dos agricultores) e os conduzem a não assumir este desafio, porque lhes dão a sensação de que não são eles os que devem e podem solucionar os problemas existentes. É necessário que estes profissionais assumam como sua a responsabilidade de promover as profundas mudanças que é necessário introduzir, sobretudo nos organismos de pesquisa agropecuária e de extensão rural; que assumam dita responsabilidade como sua, porque só eles têm ou deveriam ter a idoneidade técnica para fazê-lo.

Os referidos profissionais necessitam mudar de atitudes, elevar sua autoconfiança e se dar conta de que estas transformações na pesquisa e na extensão:

a) devem ser executadas por eles mesmos; b) nem sempre requerem de decisões dos altos executivos das referidas instituições ou de outras autoridades externas às mesmas; c) nem sempre e necessariamente dependem de que os parlamentos aprovem novas leis; d) nem sempre e necessariamente dependem da alocação de recursos adicionais; e) sim dependem de que cada profissional adote as medidas que estejam ao seu alcance, dentro do seu âmbito de ação por reduzido que seja dito espaço e por baixo que seja o seu nível hierárquico. Ao fazê-lo dar-se-ão conta do muito que podem fazer (sem depender de terceiros) e do importante que é a sua contribuição para o desenvolvimento da agricultura e do país. Quando todos o fizerem - e só depois que isto ocorrer - haverá verdadeiras mudanças nas estações experimentais e nas agências de extensão e, através delas, nas propriedades e comunidades rurais.

Em terceiro lugar, o neoliberalismo, a privatização dos serviços e a desativação dos organismos públicos, não podem ir até as últimas conseqüências; sua adoção indiscriminada contribuiria a aumentar ainda mais, em vez de diminuir, o desnível existente entre a próspera agricultura comercial e a estagnada agricultura dos pequenos produtores.

Por esta e outras razões, o Estado não pode abandonar de forma abrupta aos pequenos agricultores sem antes proporcionar-lhes os requisitos mínimos, especialmente de capacitação e de organização, para que eles constituam os seus próprios serviços (de recepção e entrega) e assumam de forma gradual, a responsabilidade pela solução dos seus problemas com maior autonomia e com menor dependência do governo. O Estado deverá continuar responsabilizando-se de várias atividades, entre elas a geração de tecnologias e a formação e capacitação das famílias rurais. Todavia, a nova ação e orientação do Estado deverá sofrer uma profunda e radical transformação. O Estado deverá capacitar aos agricultores não para perpetuar sua dependência do governo, do crédito, do subsídio, da garantia oficial de preços e comercialização; mas sim deverá capacitá-los com um claro objetivo de emancipá-los de tais fatores externos, ensinando-lhes tecnologias que prescindam até onde seja possível, de tais fatores; e estimulando

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sua organização para que constituam os seus próprios serviços e, através deles, se tornam menos dependentes dos serviços estatais.(52*)

Na atualidade, a ação do Estado já não pode e não deve ter um caráter paternalista e permanente de tentar solucionar, ano após ano, os problemas dos agricultores; esta ação deverá ter um caráter seletivo, instrumental, transitório e, muito especialmente educativo, para que as próprias famílias rurais possuam e dominem os conhecimentos, habilidades e atitudes, que lhes permitam assumir a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento de forma mais autogestionária e autodependente. Os serviços do Estado deverão ter como objetivo, conseguir que eles mesmos se tornem desnecessários no mais curto prazo.

Alguns exemplos esclarecerão este conceito:

- Conscientes de que não dispõem de recursos para subsidiar uma agricultura ineficiente, os governos deveriam eliminar as causas da baixa rentabilidade em vez de corrigir as consequências. Com tal fim deveriam proporcionar-lhes conhecimentos para que os agricultores: melhorem a sua eficiência produtiva e gerencial; colham mais quilos de produto por unidade de mão-de-obra, de terra, de animal, de insumo, de trator, de energia e de tempo; reduzam os seus custos unitários; e melhorem a qualidade dos seus excedentes; se os agricultores adotassem estas 4 medidas se tornariam rentáveis, mesmo sem receber subsídios. - Em vez de conceder crédito todos os anos, para que os agricultores adquiram insumos externos, o Estado deveria ensinar-lhes alternativas tecnológicas e gerenciais que diminuam a sua dependência de tais insumos; ou capacitá-los para que eles mesmos gerem recursos em suas propriedades e se autofinanciem para diminuir a permanente necessidade de receber o crédito oficial. - Em vez de lançar caríssimos projetos de colonização e reforma agrária, destinados a assentar novos colonos, o Estado deveria adotar medidas de muitíssimo menor custo para evitar que os agricultores já assentados continuem abandonando o campo. - Em vez de importar ou fabricar mais tratores e conceder mais crédito para que os agricultores possam

adquiri-los, o Estado deveria capacitá-los para que não superdimensionem o seu investimento em maquinaria, para que não façam uma excessiva preparação do solo, e para que façam uma melhor manutenção da maquinaria afim de prolongar sua vida útil, etc. - Em vez de fazer grandes investimentos públicos e privados em caríssimas obras de irrigação, o Estado deveria capacitar aos agricultores para que melhorem a baixa produtividade dos sistemas de irrigação já existentes e adotem outras tecnologias que permitam a irrigação manifestar todas as suas grandes potencialidades.

- Em vez de priorizar a importação de animais de alto potencial genético e conceder crédito para que os agricultores possam adquiri-los, o Estado deveria capacitá-los para que melhorem: a) a eficiência reprodutiva dos animais que já possuem (e com isto diminuir o número dos que necessitam comprar); e b) a eficiência produtiva do gado e com isto possam aumentar a produção, sem necessidade de adquirir mais animais. - Em vez de financiar a aquisição de mais colheitadeiras, o Estado deveria capacitar os operadores de tais máquinas para que saibam regulá-las e manejá-las, com o propósito de reduzir as perdas na colheita; com

esta economia os agricultores poderiam adquiri-las com menor dependência de crédito.

Esta nova orientação poderia: a) compatibilizar as imensas necessidades de milhares de agricultores com as limitadas possibilidades do Estado em satisfazê-las; b) conciliar a factibilidade de levá-la a prática com a eficácia na solução dos problemas dos agricultores.

Não se trata, portanto, de desativar ou privatizar todos os serviços públicos; é necessário manter os que são indelegáveis, porém torná-los eficientes e funcionais às reais necessidades dos agricultores, até que as famílias rurais consigam emancipar-se e tornar-se autodependentes na solução dos seus problemas. No âmbito dos seus próprios serviços agrícolas de apoio, o Estado poderia adotar vários dos princípios de gradualidade e pragmatismo que este documento propõe para o âmbito produtivo da agricultura.

O Estado, ante a real impossibilidade de fazer tudo por todos, porém consciente de que necessita oferecer um mínimo de oportunidades de autodesenvolvimento à totalidade dos agricultores deveria fixar prioridades de forma estratégica; e isto recomenda concentrar o esforço e os escassos recursos do governo naquelas medidas selecionadas sob os critérios de menor custo e de maior efeito multiplicador,

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no espaço (replicabilidade) e no tempo (perdurabilidade); priorizar aquelas medidas que contribuam a tornar os agricultores menos dependentes de fatores externos, inclusive dos serviços e recursos do próprio Estado.

A pesquisa agropecuária e a extensão rural, reúnem estes dois requisitos (menor custo e maior efeito multiplicador) e, por tal motivo, deveriam receber maior apoio político e financeiro do Estado. Todavia, este apoio não deveria servir para que elas "continuem fazendo mais do mesmo"; estas duas instituições requerem profundas modificações. Os organismos de geração de tecnologias deveriam priorizar a pesquisa aplicada e, mais ainda, a imediatamente aplicada e aquela de grande pertinência para a maioria dos agricultores (53*) (e não tanto para publicá-las nas revistas científicas internacionais ou para satisfazer curiosidades pessoais dos pesquisadores).

O maior apoio à extensão rural deveria estar condicionado:

a) a que esta outorgue absoluta prioridade à reciclagem (pragmática e prática) dos extensionistas para que tenham real capacidade de ajudar aos agricultores a que eles mesmos possam solucionar os seus problemas dentro da escassez e da adversidade que os caracteriza; esta reciclagem é absolutamente imprescindível, porque os atuais extensionistas foram formados para promover uma agricultura propelida a crédito, a insumos de alto rendimento, a subsídios e protecionismos, fatores aos quais a imensa maioria dos agricultores, simplesmente não tem acesso;

b) a que os extensionistas permaneçam efetivamente no campo e se é necessário residam nas comunidades para que concentrem todo seu tempo e esforço em suas funções, as que por sua própria natureza são essencialmente educativas e devem executar-se diretamente nas propriedades e comunidades rurais (não nos escritórios); e

c) que adotem estratégias e métodos muito mais eficientes e eficazes para reduzir os custos por família atendida e aumentar a cobertura do serviço.

É necessário não esquecer que a sociedade (que com os seus impostos mantêm os organismos públicos), está cada vez menos disposta a financiar dependências governamentais que não respondam às suas necessidades concretas; ela já não pode e não deve aceitar que o Estado mantenha instituições que gastam recursos e não produzem resultados palpáveis e mensuráveis.

Em consequência, os organismos que desejem continuar recebendo apoio financeiro do Estado, deverão demonstrar a quem distribui os recursos governamentais, que em termos comparativos ou competitivos, vale mais a pena investir neles que em outras instituições; já não é suficiente que tais organismos sigam informando sobre a qualificação acadêmica dos seus profissionais, sobre a informatização dos seus procedimentos, ou sobre as atividades que realizam; a sociedade quer saber que resultados concretos produziram tais atividades; quer saber como tais atividades incidiram no melhoramento das condições econômicas e sociais dos agricultores; que problemas (dos produtores e do país) ajudaram a solucionar; em quanto aumentaram a produção do país e a produtividade dos agricultores; em quanto contribuíram para reduzir as importações e para aumentar as exportações de produtos agropecuários, etc.; enfim, como responderam aos objetivos para os quais foram criados.

Os organismos que não conseguirem demonstrá-lo dificilmente poderão manter-se por absoluta falta de apoio político/financeiro e de legitimidade da opinião pública; porque estes serão canalizados àquelas instituições que consigam demonstrar que realmente estão retribuindo à sociedade (em qualidade, eficiência, desempenho, etc), o apoio financeiro que esta lhes outorgou. Isto significa que, ao solicitar mais recursos externos, as instituições deverão comprometer-se a introduzir profundas mudanças internas; porque de agora em diante, aqueles estarão cada vez mais condicionados a estas.

A estratégia descrita neste documento será eficaz desde que exista real eficiência, racionalidade e produtividade nos organismos de pesquisa e extensão rural; não é suficiente que eles gerem e difundam mais tecnologias; é necessário que estas sejam adequadas e que sejam aplicadas corretamente pelos agricultores. Se os produtores não estão adotando-as e/ou não estão fazendo-o de forma correta significa que algo muito grave está ocorrendo; não necessariamente porque os demandantes sejam resistentes às mudanças, porém muito provavelmente porque os ofertantes não lhes estão oferecendo alternativas compatíveis com as suas reais necessidades e possibilidades.

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49. A clássica integração dos pequenos agricultores com uma empresa agroindustrial privada (que lhes concede o crédito, as sementes, os insumos, os pintos, a ração, a assistência técnica e lhes garante comercialização), normalmente adotada pela indústria fumageira e avícola, pode ser muito cômoda para os produtores rurais e muito interessante para as conveniências da agroindústria; porém não necessariamente para as conveniências econômicas dos pequenos agricultores.

50. "É uma tarefa simples complicar as coisas, porém, é uma tarefa complexa fazê-las simples." Dr Julio Garcia Tobar

51. Por exemplo, pensar que só é possível promover o desenvolvimentos agropecuário com profundas reformas estruturais, com decisões políticas de alto nível, com muito crédito subvencionado, com tecnologias de ponta, com grandes obras de infra-estrutura, com ampliação das estruturas operativas dos serviços agrícolas de apoio, com garantias oficiais de comercialização a preços remunerados, etc

52. "Quando os remédios não têm suficiente eficácia para curar as enfermidades é necessário curar os remédios, para que estes curem o enfermo." -Padre Vieira, Sermão de Santo Antônio.

53. Os agricultores são tais como são e não como gostaríamos que fossem.