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Descrição e análise dos processos fonológicos na fala de Cascavel/PR Jorge Antonio Berndt (UNIOESTE) Sanimar Busse (UNIOESTE) Resumo: A história e a formação da língua portuguesa é marcada pelo contato com diferentes línguas, o que resultou em processos fonológicos registrados no Português falado no Brasil. Esta pesquisa busca descrever esses fenômenos na fala de cascavelenses, em dados coletados por Busse (2010), para o Estudo Geossociolinguístico da Fala do Oeste do Paraná. Elegemos a localidade para a pesquisa, pois, embora esteja na periferia do que se denominou de núcleo de colonização sulista, Marechal Cândido Rondon, Toledo e Palotina, Cascavel abrigou no período de seu povoamento grupos sulistas, mas também, paulistas, mineiros e pessoas provenientes do norte do Paraná. Esse contato entre falantes de variedades do alemão e do italiano e do português do sul e do sudeste do Brasil podem demarcar traços da fala que remetem ou não às variedades do Português. Neste trabalho apresentaremos os dados referentes aos processos fonológicos/metaplasmos de redução ou subtração dos ditongos orais e nasais em dados coletados por Busse (2010). O Oeste paranaense destaca-se em pesquisas sobre diversidade linguística pelo seu polimorfismo linguístico, e, neste contexto, Cascavel se destaca por registrar uma transição entre traços do sul e de outras regiões do Brasil. Palavras-Chave: fala; mudança linguística; processos fonológicos. Abstract: The history and formation of the Portuguese language is marked out by the contact between different idioms, what arised phonological processes registered in the Portuguese spoken in Brazil. The purpose of this paper is to describe these phenomenons in the cascavelense speech, based in Buse (2010), to the Sociolinguistic study of the Paraná’s west speech. The place was chosen to the research because Cascavel housed in its settlement distinct groups, such as southern brazilian people, paulistas, mineiros and Paraná’s northern people. This contact among german, italian and portuguese varieties can line off characteristics related or not to portuguese varieties. In this part of the research, we are going to study the phonological processes (metaplasms) of addition, reduction and syllabic transposition in answer to the 29 questions questionnaire applied Cascavel informants by Busse (2010). The Paraná’s west stands in linguistic diversity researches out for its linguistic polymorphism, and, in this context, Cascavel stands out for registering many brazilian traces. Keywords: speaks; linguistic change; phonological processes. Considerações iniciais Neste artigo buscaremos descrever os processos fonológicos de caráter aditivo, subtrativo e transpositivo, com base nos dados coletados por Busse (2010), referentes à fala de Cascavel, tabulando-os e cartografando-os. Para tanto, os fenômenos registrados serão relacionados tanto aos condicionantes internos quanto aos externos da língua. lego-português.

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Page 1: Descrição e análise dos processos fonológicos na fala de ... · sociais, faixas etárias, com seus registros próprios quanto à formalidade da situação de comunicação, daí

Descrição e análise dos processos fonológicos na fala de Cascavel/PR

Jorge Antonio Berndt (UNIOESTE)

Sanimar Busse (UNIOESTE)

Resumo: A história e a formação da língua portuguesa é marcada pelo contato com diferentes

línguas, o que resultou em processos fonológicos registrados no Português falado no Brasil.

Esta pesquisa busca descrever esses fenômenos na fala de cascavelenses, em dados coletados

por Busse (2010), para o Estudo Geossociolinguístico da Fala do Oeste do Paraná. Elegemos a

localidade para a pesquisa, pois, embora esteja na periferia do que se denominou de núcleo de

colonização sulista, Marechal Cândido Rondon, Toledo e Palotina, Cascavel abrigou no

período de seu povoamento grupos sulistas, mas também, paulistas, mineiros e pessoas

provenientes do norte do Paraná. Esse contato entre falantes de variedades do alemão e do

italiano e do português do sul e do sudeste do Brasil podem demarcar traços da fala que

remetem ou não às variedades do Português. Neste trabalho apresentaremos os dados referentes

aos processos fonológicos/metaplasmos de redução ou subtração dos ditongos orais e nasais

em dados coletados por Busse (2010). O Oeste paranaense destaca-se em pesquisas sobre

diversidade linguística pelo seu polimorfismo linguístico, e, neste contexto, Cascavel se

destaca por registrar uma transição entre traços do sul e de outras regiões do Brasil.

Palavras-Chave: fala; mudança linguística; processos fonológicos.

Abstract: The history and formation of the Portuguese language is marked out by the contact

between different idioms, what arised phonological processes registered in the Portuguese

spoken in Brazil. The purpose of this paper is to describe these phenomenons in the

cascavelense speech, based in Buse (2010), to the Sociolinguistic study of the Paraná’s west

speech. The place was chosen to the research because Cascavel housed in its settlement distinct

groups, such as southern brazilian people, paulistas, mineiros and Paraná’s northern people.

This contact among german, italian and portuguese varieties can line off characteristics related

or not to portuguese varieties. In this part of the research, we are going to study the

phonological processes (metaplasms) of addition, reduction and syllabic transposition in

answer to the 29 questions questionnaire applied Cascavel informants by Busse (2010). The

Paraná’s west stands in linguistic diversity researches out for its linguistic polymorphism, and,

in this context, Cascavel stands out for registering many brazilian traces.

Keywords: speaks; linguistic change; phonological processes.

Considerações iniciais

Neste artigo buscaremos descrever os processos fonológicos de caráter aditivo,

subtrativo e transpositivo, com base nos dados coletados por Busse (2010), referentes à fala de

Cascavel, tabulando-os e cartografando-os. Para tanto, os fenômenos registrados serão

relacionados tanto aos condicionantes internos quanto aos externos da língua.

lego-português.

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Em um país tão miscigenado e rico culturalmente como o Brasil já era de se esperar que

diferentes dialetos surgissem, se desenvolvessem e se estabilizassem. Diversos estudos já

apontaram esta diversidade cultural e linguística. Isquerdo (2006) destaca que os trabalhos de

Ribeiro (1954 apud 2006), Júnior (1960 apud 2006) e Ribeiro (1997 apud 2006) buscaram

classificar as áreas a partir de uma perspectiva diatópica, dedicando-se à tarefa de traçar um

perfil (ou perfis) do falar e do ethos brasileiro.

Conclui-se disto, então, que as línguas se manifestam heterogeneamente e são

socialmente determinadas, sendo essencialmente sujeitas à variação. Desta forma, elas são

caracterizadas pela mutabilidade e volatilidade. A pesar disso, as variações ocorrem de maneira

regular e constante. Como Monteiro (2000) aponta, estas apresentam “...padrões de

regularidades que, de tão sistemáticas, não podem ser devidos ao acaso” (MONTEIRO, 2000,

p. 57).

Diversidade e mudança linguística

Antes de prosseguir é importante entender a relação entre a língua e os dialetos. Alvar

(1996) pontua que, ao se fragmentar, a língua prevalece sobre outros dialetos surgidos. Assim,

tem-se a língua de cultura e o dialeto, enquanto o primeiro é valorizado e cultivado no seio das

instituições e das obras literárias, o segundo, geralmente, passa por um desenvolvimento mais

rústico e vernacular.

Segundo Mattos e Silva (s.d., p. 5),

Por dialeto hoje se entende na linguística as variedades de uma língua

histórica que caracterizam formas de falar específicas de lugares, estratos

sociais, faixas etárias, com seus registros próprios quanto à formalidade da

situação de comunicação, daí as designações metalinguísticas de dialetos

diatópicos, dialetos diastráticos, dialetos diacrónicos.

São as variações dialetais que constituem, portanto, a forma mais viva da língua, em

que se movimentam falantes e formas linguísticas, até que se atinja graus de estratificação mais

próximos do que os grupos consideram prestigiados. Para Mattos e Silva (s.d., p. 4-5),

Uma norma linguística é sempre definida sobre um «dialecto de prestígio»

que é característico de um grupo social e de um centro cultural considerado

modelar, por razões sócio-políticas e culturais; mas não por razões

estritamente linguísticas. Além dessa norma de prestígio, resultado, em geral,

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do consenso entre letrados, académicos, gramáticos, existe em toda

comunidade de fala, com todas as suas variações típicas, uma norma

consensual que não é imposta de fora ou de cima, mas resultado da

necessidade de intercomunicação interdialectal.

A língua, na sua condição mais normativa, constitui-se, portanto, a partir dos falares e

dialetos de uma dada comunidade linguística. Considera-se que os processos de diversidade e

mudança linguística orientam os trajetos pelos quais a língua se constitui nas dimensões

diacrônica e sincrônica.

Segundo Mattos e Silva (s.d., p. 4),

O conceito de língua histórica é essencial para o entendimento da questão da

língua portuguesa nas diversas configurações que ela toma nas diferentes

situações geográficas, históricas e políticas em que ocorre. Ao mesmo tempo

que é essencial para a compreensão da unidade da língua portuguesa a noção

de sistema abstraível das suas diversas concretizações e que permite defini-la

como língua portuguesa e não espanhola, italiana, francesa ou outra.

O dialecto chamado de prestígio ou standard não é mais, portanto, do que um dos

«modos de falar» (significado etimológico de dialecto, do grego «dialektos») de uma

determinada língua histórica, próprio a um segmento social de um determinado lugar que é

pela sociedade em que se insere escolhido como modelo ou norma a ser seguido, em certas

instâncias obrigatoriamente seguido, neste caso como uma das múltiplas formas de controle

social existentes nas sociedades humanas, com o fim político de neutralizar a diversidade

natural às sociedades e línguas históricas.

Todavia, se tomarmos dois dialetos distintos, como o português falado pela classe

média paulistana e o por descendentes de quilombolas do centro-oeste (SPINDOLA; FLEURI,

2015), constataremos uma certa unidade e coerência interna dentro destes grupos — no caso

do segundo, pode-se citar como característica marcante a despalatalização da lateral palatal

sonora [ʎ] e o rotacismo (predominante na fala de idosos). Deste modo, perfaz-se que as

palavras estão ligadas ao conhecimento a posteriori dos grupos, ou seja, a linguagem não é

concebida isoladamente (como Crusoé), mas sim por meio das relações e das experiências em

um âmbito social congruente.

Assim, só é possível compreender por completo os processos de transformação das

línguas e dos dialetos por meio do entendimento das estruturas sócio-históricas das

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comunidades em que estas mudanças ocorrem\ocorreram e dos fatores internos contíguos aos

fatos linguísticos.

A Dialetologia, por meio do método Geolinguístico, descreve a variação e mudança

linguística a partir do seu registro areal ou geográfico. Assim, por meio de cartas linguísticas,

é possível observar como a língua acompanha ou não os grupos a partir do seu movimento no

espaço e no tempo.

As mudanças linguísticas se manifestam, fundamentalmente, de duas maneiras: ou por

meio de fatores internos ou por externos. Os fatores internos refletem certos princípios

linguísticos de economia e de controle, conforme destaca Bagno (2007),

[...] oposições que não se revelam funcionais podem desaparecer, já que um

princípio de economia tenderá a eliminar redundâncias, ou novas oposições

podem ser criadas no sentido de preencher lacunas que um princípio de

clareza necessária à comunicação tenderá a colmatar. (BAGNO, 2007, p. 03).

Por sua vez, os fatores externos espelham as mudanças sociais, históricas e políticas,

como a fragmentação ou a união de Estados, migrações de povos em escalas consideráveis,

alianças ou embargos comerciais, exclusões socioeconômicas de determinados grupos, entre

outros. Bagno (2007) dá alguns exemplos, entre eles o caso da reconquista da península Ibérica:

[...] a constituição de reinos distintos implica a criação de fronteiras políticas.

E as fronteiras políticas se transformarão em fronteiras lingüísticas. O

romance do Norte vai-se compartimentando, assim, em dialetos diferenciados

pela ação de substratos e superstrato. Galiza e Portugal, Astúrias e Leão,

Castela, Navarra e Aragão e Catalunha afirmam-se como entidades políticas

distintas e, conseqüentemente, como núcleos lingüísticos distintos. Em cada

uma dessas regiões e, portanto, em cada um destes romances — galego-

português, astur-leonês, castelhano, navarro-aragonês e catalão —,

características diferenciadoras vão tomando forma. (BAGNO, 2007, p. 49).

O “relacionamento” entre estas populações (e, portanto, suas línguas) provocara uma

série de alterações fonológicas, comentadas por Bagno (2007), como a supressão do /f/ incial

de origem latina no castelhano e a síncope do /l/ e do /n/ em situações intervocálicas no caso

do galego português.

O processo de mudança linguística ocorre mediante contextos que atuam como

condicionadores. Há entre as variáveis sociais e linguísticas uma relação de determinação. No

que se refere às crenças e atitudes linguísticas, as avaliações sobre falantes e as formas

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linguísticas atuam para determinados comportamentos que se estendem à manutenção ou

mudança linguística.

Para Lambert e Lambert (1972, p.93), existem três princípios que regem as crenças e

suas consequentes atitudes sociais, são eles: (i) associação – princípio pelo qual se evita o

contato com pessoas ou coisas que nos desagradem e nos aproximamos daqueles que nos

trazem coisas agradáveis; (ii) transferência, pois transferimos nossas expectativas para

determinados fins; e (iii) satisfação de necessidade, quando procuramos nos aproximar de

pessoas que associamos a coisas agradáveis.

Segundo Aguilera (2008),

A valorização remete à noção de prestígio lingüístico, ou seja, o processo de

concessão de estima e respeito para indivíduos ou grupos que reúnem certas

características e que leva à imitação das condutas e crenças desses indivíduos

ou grupos. No caso em análise, o informante nega qualquer valor positivo à

fala do outro, atribuindo prestígio apenas à própria fala e à de seus

conterrâneos. (AGUILERA, 2008, p. 105).

A língua, na sua face mais monitorada, e a fala, na dimensão mais viva, abarcam os

comportamentos dos falantes. Os dados apresentam, portanto, segundo Busse (2010), um

panorama da história e da cultura da comunidade de fala.

História e formação: elementos da língua

Dentre os estágios pelos quais o latim, o galego-português e a língua portuguesa

passaram, destacamos, neste trabalho, os processos fonológicos ou metaplasmos.

Segundo Bagno (2007, p. 08),

Um metaplasmo é uma mudança na estrutura de uma palavra, ocasionada por

acréscimo, remoção ou deslocamento dos sons de que ela é composta. Na

mudança do latim em português é possível detectar alguns metaplasmos que

agiram com regularidade nessa transformação.

Os metaplasmos podem ser de quatro tipos: 1. por acréscimo 2. por supressão 3. por

transposição 4. por transformação

Apresentaremos, aqui, alguns dados que registram processos fonológicos de supressão.

Bagno (2007, p. 09-10) apresenta:

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(i) A aférese e a deglutinação consistem na supressão de um segmento sonoro no início da

palavra: acume > gume; attonitu > tonto; episcopu > bispo. Como casos especiais o autor

destaca a deglutinação, supressão de um a ou o inicial por confusão com o artigo: horologiu >

orologiu > relógio; apotheca > abodega > bodega. A aférese ocorre com frequência em diversas

variedades do português brasileiro atual: imaginar > maginar; agüentar > güentar; alcagüete >

cagüete.

(ii) A síncope ocorre por meio da supressão de um segmento sonoro no meio da palavra: legale

> leal; legenda > lenda; malu > mau. Segundo Bagno, a haplologia é um caso especial de

síncope, pois há a supressão da primeira de duas sílabas sucessivas iniciadas pela mesma

consoante: bondade + -oso = bondadoso > bondoso; trágico + comédia = tragicocomédia >

tragicomédia; formica + -cida = formicicida > formicida; dedo + duro + -ar = dedodurar >

dedurar.

(iii) A apócope acontece com a supressão de um segmento sonoro no fim da palavra: mare >

mar; amat > ama; male > mal. Segundo Bagno, um caso de apócope muito difundido no

português brasileiro é o da supressão da consoante /r/ em final de palavra, sobretudo de

infinitivos verbais: cantar > cantá; vender > vendê; sair > saí.

(iv) A crase é a fusão de duas vogais iguais em uma só: pede > pee > pé; colore > coor > cor;

nudu > nuu > nu. É um recurso para a eliminação do hiato. 10 Na língua atual ocorrem alguns

casos de crase: cooperar > coperar; álcool > alco; caatinga > catinga; feiíssimo > feíssimo.

(v) A sinalefa ou elisão é a queda da vogal final de uma palavra, quando a palavra seguinte

começa por vogal: de + intro > dentro; de + ex + de > desde; outra + hora > outrora.

A história da língua manifesta-se nos fenômenos registrados na fala do dia a dia.

Embora, lapidados pela dimensão mais monitorada da variedade padrão, essas variações

refletem a história dos próprios falantes, segundo Busse (2010).

Neste artigo, apresentaremos e analisaremos os dados referentes à síncope da semivogal

ou monotongação e a apócope ou redução do ditongo nasal.

Na sequência, apresentamos os dados da pesquisa de Busse (2010) a partir dos registros

coletados em Cascavel/PR sobre a realização do ditongo decrescente no interior da palavra e

do ditongo nasal, em final de palavra.

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Variáveis da pesquisa

A Dialetologia, por meio do método Geolinguístico, busca descrever os fenômenos da

variação linguística a partir do registro areal. Compreende-se que as formas linguísticas

“viajam” no tempo e no espaço, deixando marcar de grupos, culturas e relações entre os

falantes.

Para a definição da rede de pontos são necessárias observações sobre cada ponto, na

busca por estabelecer uma relação entre os falantes com relação à língua. Busse (2010) buscou

descrever a fala da região a partir da colonização de cada localidade, com a presença de grupos

sulistas, oriundos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, descendentes de alemães e

italianos, e de outros grupos de diferentes regiões do Brasil.

Busse (2010) realiza uma pesquisa para descrever os fenômenos da variação e mudança

linguística nos níveis fonético-fonológico, semântico-lexical e morfossintático na região Oeste

do Paraná. Para tal, foram selecionadas 9 localidades que formam a rede de pontos da pesquisa,

conforme quadro abaixo:

Quadro 01 – Rede de Pontos do Estudo Geossociolinguístico da Fala do Oeste do Paraná

Ponto Descrição do Ponto

Ponto 01 Guaíra

Ponto 02 Assis Chateaubriand

Ponto 03 Marechal Cândido Rondon

Ponto 04 Santa Helena

Ponto 05 Medianeira

Ponto 06 Santa Terezinha de Itaipu

Ponto 07 Capitão Leônidas Marques

Ponto 08 Cascavel

Ponto 09 Guaraniaçu

(BUSSE, 2010, p. 105)

Para este trabalho elegemos o Ponto 08 – Cascavel para a descrição e análise dos

processos fonológicos de supressão, coletados por meio da realização de inquéritos com 8

informantes, conforme as variáveis sociais da pesquisa.

A história do Oeste do Paraná confunde-se com os ciclos econômicos e migratórios do

Brasil e do Estado. A saga de cada povo e etnia pelo território oestino marca a região

econômica, social e culturalmente. Segundo Busse (2010),

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O desenvolvimento de cada localidade assim como da própria região deu-se

a partir da ocupação dos espaços, das relações mantidas com o meio físico,

de acordo com as suas condições e do tipo de economia implantado, cujo

resultado está assentado nos valores culturais que determinam todas as

atividades ali desenvolvidas. (BUSSE, 2010, p. 55).

O município de Cascavel se destaca na região Oeste do Paraná, por, geograficamente,

estar no caminho para Foz do Iguaçu, por registrar a presença de paulistas, mineiros, moradores

do norte do Paraná, gaúchos e catarinenses, em diferentes momentos do seu povoamento.

Conforme Reolon (2007),

[...] o município de Cascavel, como já indicava, passou a afirmar-se como

pólo regional de desenvolvimento e integrar a rede nacional de cidades no

âmbito da produção e da distribuição de bens de consumo e serviços,

tornando-se uma ponte, para os municípios de seu entorno, de acesso aos bens

produzidos externamente à região, conforme indica o estudo Caracterização

e Tendências da Rede Urbana do Brasil (2000). (REOLON, 2007, p. 53).

A história de cada localidade pode ser tomada como dimensão para a descrição da

língua, na tentativa, de identificar os traços dos diferentes grupos e os elementos que orientaram

as relações entre os falantes, em ambiente mais ou menos prestigiados da fala.

Para realizar uma análise, então, como Ribeiro (2011) afirma, “é necessário levar em

conta duas questões de grande interesse para a sociolinguística: a variável e a variante”. Neste

sentido, abordaremos as dimensões diastráticas, diageracionais e diasssexuais. Uma vez que

estas variáveis representam, respectivamente, os fatores que condicionam a estigmatização ou

valorização e a conservação ou inovação.

Em um âmbito Geossociolinguístico, esta pesquisa buscou analisar os fenômenos

coletados por Busse (2010) a partir das seguintes dimensões e parâmetros: a) diastrática,

tomando dois grupos: um com o ensino fundamental incompleto e outro com ensino

fundamental completo; b) diageracional, tomando dois grupos: um de idade entre 18 a 35 anos

e outro entre 45 e 65 anos; c) diassexual, tomando dois grupos, um masculino e outro feminino.

Assim, temos:

Quadro 02 – Variáveis Sociais

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DIMENSÕES PARÂMETROS

Diastrática

EFI (Analfabeto ou Ensino Fundamental Incompleto);

EMI (Ensino Fundamental ou Ensino Médio Incompleto);

Diageracional

G I (18 a 35 anos);

G II (45 a 65 anos);

Diassexual

Masculino;

Feminino;

Então, fundamentando-se em um questionário semiestruturado foram levantadas

variantes fonético-fonológicas para a descrição da fala da região oeste do Paraná.

Ditongos orais

Nas cartas linguísticas encontramos um panorama da realidade linguística dos 9 (nove)

pontos ou localidades investigadas por Busse (2010). Consideramos a análise comparativa para

identificarmos as variáveis que atuam sobre a fala nos movimentos de manutenção e inovação

linguística.

Nas cartas linguísticas 73, 74 e 75 podemos observar a distribuição areal ou diatópica

das variantes para a realização do ditongo oral.

Os dados indicam a formação de isófonas ou áreas de manutenção dos ditongos e áreas

de síncope ou monotongação. Essas áreas podem ser analisadas a partir dos movimentos de

colonização e de reemigrações atuais.

O Ponto nº 8 – Cascavel indica uma variação constante entre o ditongo e o monotongo.

A prevalência da síncope da semivogal em Peneira e Tesoura, assim como a alternância em

Caixa, pode indicar um comportamento comum aos pontos investigados.

A redução do ditongo, segundo estudiosos como Hora (2012), esteve presente na

formação da língua portuguesa e se manifesta ainda hoje, muito provavelmente, por variáveis

internas à língua, como a organização da sílaba.

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Figura 01 – Carta linguística 73 – Ditongo decrescente tônico no interior da palavra

(BUSSE, 2010)

Embora o fenômeno da monotongação se manifeste na língua portuguesa desde o seu

nascituro, na dimensão geográfica, os dados apontam para uma realidade bem diversa.

Na carta linguística 73 a monotongação é registrada em toda a rede de pontos. Em

Cascavel, ponto 8, o processo fonológico se destaca em relação ao ditongo.

Num primeiro momento, as cartas linguísticas indicam a formação de isófonas, entre

localidades de colonização mais sulista e localidades mais heterogêneas, com momentos de

migração tardia de grupos de outras regiões do Paraná e do Brasil.

Na carta linguística 74, em Cascavel, os dados reafirmam a ocorrência da

monotongação, e aproxima a localidade a pontos mais heterogêneos, como Guaíra, ponto 01,

Assis Chateaubriand, ponto 02, e Guaraniaçu, ponto 09.

Figura 02 - Carta linguística 74 – Ditongo decrescente tônico no interior da palavra

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(BUSSE, 2010)

Porém, não se pode preterir os dados que podem indicar os contextos linguísticos como

atuantes sobre o fenômeno. Na carta linguística 75, as ocorrências destacam a manutenção do

ditongo, não somente em Cascavel, mas em outras localidades, também. Não se trata de

pesquisa exaustiva, mas os dados indicam o contexto linguístico como elemento, além dos

aspectos socioculturais, que condiciona o fenômeno da monotongação.

Figura 03 - Carta linguística 75 – Ditongo decrescente tônico no interior da palavra

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(BUSSE, 2010)

As variáveis sociais, como sexo, faixa etária e escolaridade, conforme figura 04,

revelam que não avaliação ou estereótipo sobre o processo fonológico, embora os homens, da

faixa etária mais velha, com escolaridade até o Ensino Fundamental completo ou incompleto,

se destaquem no registro do fenômeno, as mulheres também apresentam o traço.

Figura 04 – Representação dos dados socioculturais

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(BUSSE, 2010)

O fenômeno da monotongação não sofre avaliação entre os falantes. Porém, a

escolaridade pode atuar sobre a manutenção do ditongo, independentemente, da situação de

interação. O registro da monotongação entre os informantes com Ensino Fundamental

completo e Ensino Médio incompleto, figura 04, reafirma a sua natureza fonético-fonológica,

entre os ditongos decrescentes.

Ditongos Nasais

A seguir, apresentaremos e analisaremos apócope ou redução dos ditongos nasais. As

cartas linguísticas 77 e 78 apresentam os dados. Na carta 77, variantes para homem, a

manutenção do ditongo a próxima a localidade dos pontos com colonização proeminentemente

sulista, como Marechal Cândido Rondon (Ponto nº 3), Guaíra (Ponto nº 1) e Medianeira (Ponto

nº 5).

Na carta 78, variantes para passagem, a prevalência da apócope ou redução do ditongo,

aproxima de localidades cujo povoamento é marcado por grupos heterogêneos, como Assis

Chateaubriand (Ponto nº 2), Guaraniaçu (Ponto nº 9) e Capitão Leônidas Marques (Ponto nº 7)

No que se refere à manutenção do ditongo nasal, as cartas linguísticas 77 e 78

apresentam um comportamento diverso. Em <homem>, mais da metade dos informantes

mantiveram o ditongo nasal. Já em <passagem>, há a redução do ditongo se destaca.

Figura 05 – Carta linguística 77 – Ditongo nasal final

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(BUSSE, 2010)

Figura 06 – Carta linguística 77 – Ditongo nasal final

(BUSSE, 2010)

Muito provavelmente, o contato com a palavra <homem> em situações de escrita, como

anúncios, panfletos, cartazes, entre outros, pode atuar sobre a manutenção do ditongo.

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Figura 07 – Representação dos dados socioculturais

(BUSSE, 2010)

No que se refere aos dados sociais, são as mulheres, da geração mais nova, com Ensino

Médio completo ou incompleto destacam-se na manutenção do ditongo nasal.

O nível de escolaridade pode gerar alguma avaliação que conduza esse grupo a registrá-

la a não realizar a apócope da consoante nasal.

Considerações finais

Os resultados, ainda preliminares, apontam para processos de mudança em progresso.

Na dimensão diatópica, Cascavel, Ponto nº 08, apresenta coocorência dos fenômenos

alternando entre a manutenção do ditongo e a sua redução. Muito provavelmente, a

monotongação não se apresente como tema de avaliação ou estereótipo entre os falantes. Na

dimensão social, pode-se observar a escolaridade e a faixa etária como variáveis que

condicionam os fenômenos para manutenção do ditongo entre jovens com escolaridade até o

Ensino Médio.

Trata-se de pesquisa inicial que pretende observar os processos fonológicos a partir das

variáveis geográficas, considerando o contato entre grupos e falantes de diferentes regiões do

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Brasil, e os condicionadores sociais, principalmente aqueles que acionam avaliações entre os

falantes.

Referências

AGUILERA, Vanderci de Andrade. Crenças e atitudes lingüísticas: o que dizem os falantes

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