desconto que custa sangue cem mil oitavo de mercadoria roubada costumam carregar caixas ou fardos...

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REPORTAGEM LUÃ MARINATTO MARCOS NUNES POLLYANNA BRÊTAS EDIÇÃO GIAMPAOLO MORGADO BRAGA ARTE IVAN LUIZ E WILLIAM BATISTA 1 2 3 (Em especial nas zonas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro) Brasília-Santos Rio de Janeiro – Belo Horizonte Curitiba - Rio de Janeiro RJ GO SP 1 BR-116 Rodovias mais perigosas do Brasil 2 BR-050 3 BR-040 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Produto Local e data Local Data Local Data Compramos por Custa no mercado Leite semi- desnatado (1L) Minas Gerais, 17/01/2017 Av. Brasil (altura de Cordovil) 12/02 Entre as estações Tomás Coelho e Cavalcanti 14/02, às 10h40 R$2 R$3,99 Leite em pó integral (400g) Santa Catarina, 29/11/2016 Dutra (altura da Pavuna) 08/03, às 14h Altura da Estação Mercadão de Madureira 08/03, às 20h R$5 R$9,98 Óleo de soja refinado (900g) Paraná (sem data) * 11/03 Entre as estações Barros Filho e Honório Gurgel 13/03, às 10h30 R$2,50 R$3,49 Manteiga (pote, 200g) Minas Gerais, 05/03/2017 Av. Brasil (altura de Coelho Neto) 13/03 Entre as estações Rocha Miranda e Mercadão de Madureira 14/03, às 10h20 R$2,50 R$7 Sardinha (250g) Santa Catarina, 24/06/2016 Av. Brasil (altura da Pavuna) 16/03 (TARDE) Entre as estações Rocha Miranda e Mercadão de Madureira 16/03, às 20h40 R$2,50 R$6,05 Manteiga (barra, 200g) Minas Gerais, 10/03/2017 Dutra (altura de Comendador Soares) 17/03 (MADRUGADA) Entre as estações Pilares e Tomás Coelho 17/03, às 11h50 R$2,50 R$4,79 Leite desnatado (1L) Minas Gerais, 15/03/2017 Dutra (altura de Comendador Soares) 17/03 (MADRUGADA) Entre as estações Tomás Coelho e Cavalcanti 17/03, às 11h55 R$2 R$2,80 Balas de frutas sortidas (500g) São Paulo (sem data) Dutra (entre Pavuna e São João de Meriti) 20/03, às 5h Entre as estações Barros Filho e Honório Gurgel 20/03, às 10h35 R$2 R$4,90 Bombom (300g) São Paulo (sem data) Dutra (entre Pavuna e São João de Meriti) 20/03, às 5h Entre as estações Barros Filho e Honório Gurgel 20/03, às 10h35 R$2 R$3,90 Queijo ralado (50g) Minas Gerais, 20/02/2017 Dutra (altura de Queimados) 22/03 (FIM DA MADRUGADA) Entre as estações São Cristóvão e Triagem 23/03, às 16h40 R$1,25/ R$1** R$1,99 Leite condensa- do (395g) Minas Gerais, 27/01/2017 Av. Brasil (altura de Guadalupe) 29/03 (NOITE) Entre as estações Costa Barros e Barros Filho 30/03, às 10h45 R$3,33 R$5,99 Milho (lata, 200g) Goiás (sem data) * 01/04, às 11h40m Entre as estações Costa Barros e Barros Filho 03/04, às 10h40 R$1 R$1,79 Ovo de codorna (30 unidades) São Paulo, 04/04/2017 Dutra (altura de São João de Meriti) 06/04, às 7h Entre as estações Rocha Miranda e Mercadão de Madureira 06/04, às 17h R$2 R$4,99 Macarrão (500g) * Estr. da Água Branca (altura de Padre Miguel) 06/04, às 18h Entre as estações Coelho da Rocha e Agostinho Porto 06/04, às 19h35 R$1,67 R$2,75 Jujuba (500g) 03/05/2016 (sem local) Madureira Julho de 2016 Entre as estações Pilares e Tomás Coelho 07/04, às 11h R$3 R$6,60 Molho de tomate (340g) Três Rios (RJ) (sem data) Av. Brasil (altura de Deodoro) * Entre as estações Costa Barros e Barros Filho 12/04, às 10h R$2 R$0,99 FABRICAÇÃO ROUBO COMPRA PREÇO (por unidade) *Sem informação **Algumas horas depois, e pelos dias seguintes, o preço foi reajustado para R$ 1 OBS.: Os produtos foram rastreados com o auxílio das empresas sob a condição de que elas não tivessem seus nomes ou o das marcas divulgados TOTAL DE PRODUTOS COMPRADOS NÃO-RASTREADOS: 11 ROUBADOS: 16 NÃO-ROUBADOS: 2 29 HISTÓRICO DOS PRODUTOS (todos no ramal Belford Roxo da SuperVia) Diferença média de 50% Foram 9.862 roubos de carga no Estado do Rio em 2016 – um a cada 54 minutos, em média O Rio alcançou no ano passado, pela primeira vez, o patamar de São Paulo em números absolutos de ocorrências Proporcionalmente, porém, está à frente: são 59 casos para cada cem mil habitantes, quase três vezes mais do que o estado vizinho A Cidade do Rio de Janeiro perde R$ 852 mil por dia com esse tipo de crime. O rombo no ano passado foi de R$ 311 milhões Em nível nacional, o prejuízo é de R$ 161 mil por hora, superando R$ 1,4 bilhão em 2016 A cada 88 veículos de carga que circulam pelo Brasil, um já foi alvo de assalto Numa lista de 57 países, o Brasil é apontado como o oitavo mais perigoso para transporte de carga, à frente de Paquistão, Eritreia e Sudão do Sul MAIS NO SITE extra.globo.com/videos 8 extra.globo.com Terça-feira, 2 de maio de 2017 Terça-feira, 2 de maio de 2017 extra.globo.com 9 te em que o motorista foi rendido, quase sempre em vias expressas ou rodovias, como a Avenida Brasil e a Dutra, e a venda nos vagões. Essas revelações vêm à tona no primeiro dia da série “O Rio sem en- trega”, que destrincha os fatores que envolvem a modalidade de crime que mais cresceu no estado nos últi- mos anos. Entre policiais, promoto- res, empresários, representantes de transportadoras e seguradoras, polí- ticos, motoristas, moradores e am- bulantes, 75 pessoas foram ouvidas para compor o material exclusivo sobre roubos de carga que começa a ser publicado hoje. CUSTA SANGUE des c onto que e EM ALGUNS casos, entre o roubo e a venda nos vagÕes se passam menos de duas horas u sou um ovo. Minha mãe, uma codorna, se perde em meio às 20 milhões de aves poedeiras da cidade de Bas- tos, no interior de São Pau- lo, onde nasci em 4 de abril deste ano. Com um dia de vida, percorri quase mil quilômetros para chegar à Ceasa, no Rio de Janeiro. Logo após desembarcar, já numa cami- nhonete com destino à Baixada Flu- minense, no início da manhã, ban- didos renderam o motorista na Ro- dovia Presidente Dutra e levaram toda a carga, eu inclusive. Dez horas mais tarde, quando a caixa em que eu estava foi aberta por mãos estra- nhas, me vi dentro de um vagão de trem, sendo ofertado aos passagei- ros. Fui comprado, numa embala- gem com 29 irmãos, por míseros R$ 2 — menos da metade do preço ha- bitual. Para que o freguês economi- zasse ao me degustar com molho ro- sé, porém, um trabalhador honesto teve uma arma apontada para si e viu a morte de perto. A história desse solitário ovo se repete com outras dezenas de pro- dutos. Macarrão, leite, sardinha... Numa lista de roubos que se confun- de com a de compras do mês. Du- rante dois meses, o EXTRA fez cerca de cem viagens em todos os oito ra- mais da SuperVia, adquirindo mer- cadoria que aparentava ter proce- dência duvidosa — fosse pela pos- tura dos camelôs, fosse pelo perfil ou preço dos itens comercializados. Ao fim da apuração, de 18 produ- tos rastreados a partir de informa- ções como lote, fabricação e valida- de, 16 (ou 88,9%) eram fruto de roubos de carga. A logística crimino- sa de escoamento que faz a merca- doria chegar à malha ferroviária é de dar inveja a qualquer gigante do se- tor de entregas: metade dos itens ha- via sido roubada no mesmo dia em que os ambulantes os ofereciam no trem. Em alguns casos, passaram-se menos de duas horas entre o instan- Ambulante vende, no trem, ovos de codorna roubados horas antes REPRODUÇÃO DE VÍDEO Ambulantes vendem carga roubada e transformam os trens da SuperVia em feirão de produtos ilegais B Todos os produtos alvo de roubo com- prados pelo EXTRA nos trens estavam sendo comercializados no ramal Belford Roxo, que passa entre as comunidades do Chapadão e da Pedreira, reduto das principais quadrilhas de assaltantes de carga do estado. Em algumas situações — com um leite e uma manteiga, e com duas embalagens de doces — os itens, mesmo adquiridos com camelôs diferen- tes, em momentos distintos, eram fruto de um único roubo de carga. Em ambos os casos, crimes ocorridos horas antes. Ao contrário dos ambulantes que tra- balham com produtos legítimos, os dis- tribuidores de mercadoria roubada costumam carregar caixas ou fardos in- teiros, tal qual a carga é armazenada pelas transportadoras. As promoções são uma estratégia comum, com várias unidades sendo vendidas por um valor cheio, como R$ 5 ou R$ 10. E não há o menor constrangimento em, volta e meia, evidenciar a procedência ilegal dos itens: “O caminhão tombou, o pre- ço baixou”, diz um dos bordões mais re- petidos por vendedores nos vagões. Todos os produtos comprados pelo EXTRA, assim como as filmagens e fotos registradas dentro das composições, se- rão entregues à Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) para auxiliar na investigação dos crimes. s t O CAMINHÃO TOMBOU, O PREÇO BAIXOUO camelÔ do crime costuma carregar caixas e fardos inteiros dos produtos Rastreio foi feito via lote, fabricação e validade ROBERTO MOREYRA .................................................................................... AMANFavelas já lucram mais com roubo do que com tráfico. Há alguma investigação sobre ambu- lantes que vendem carga roubada? Temos um inquérito aberto que obje- tiva justamente identificar esses re- ceptadores de menor escala, que também alimentam o mercado crimi- noso. E, aqui na DRFC, nós temos um lema: receptador não é trabalhador. Isso é lenda. Receptador é criminoso. Quem compra um produto roubado no trem pode responder por isso? Sim. Quem adquire esse tipo de mer- cadoria também é um receptador. As pessoas têm de ter em mente que alimentam um ciclo vicioso. Estão estimulando que uma arma seja posta na cabeça de um trabalhador. Como diferenciar o produto roubado? Não é crível que alguém esteja ven- dendo, dentro de um vagão, um pro- duto perecível que deveria estar ar- mazenado. O risco de perda do mate- rial é enorme. Outra coisa é o preço. Não é possível que a pessoa não per- ceba que o produto está sendo ofere- cido por um valor muito abaixo do mercado. A conta não fecha. Por que a explosão, nos últimos anos, no número de roubos de carga? Houve uma mudança muito grande de 2013 para cá, porque foi o mo- mento em que o tráfico de drogas passou a ter interesse nesta modali- dade criminosa. O tráfico entrou (para roubar cargas) porque perce- beu que era um tipo de crime onde não era necessário investimento para obter um grande retorno financeiro. QUEM ADQUIRE ESSE TIPO DE MERCADORIA TAMBÉM É UM RECEPTADORENTREVISTA MAURÍCIO MENDONÇA Delegado titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) GIOVANNI SANFILIPPO SUPERVIA A SuperVia diz entender que a venda de produtos roubados dentro dos trens e estações se configura como um problema de segurança pública”. De acordo com a concessionária, sua equipe de segurança não tem poder de polícia e, por isso, os agentes não podem apreender e nem mesmo atestar a origem dos produtos”. .................... FLUXO DE PASSAGEIROS Por dia, segundo a SuperVia, cerca de 700 mil pessoas circulam pelos trens do estado. A concessionária se negou a repassar o número de passageiros apenas para o ramal Belford Roxo. Dados de 2015, porém, apontam para uma média de 27 mil usuários diariamente nessa linha. .................... POLÍCIA MILITAR Já a PM informou que o Grupamento de Policiamento Ferroviário (GPFER), responsável por patrulhar a malha ferroviária, teve seu efetivo dobrado e redistribuído, em maio, para atuar, principalmente, em áreas de grande fluxo de pessoas, como as estações de Madureira, Deodoro e Belford Roxo. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL A Polícia Rodoviária Federal afirmou ter intensificado ações de inteligência com investimentos em tecnologia e acrescentou que utiliza um helicóptero no policiamento. A íntegra de todas as respostas está no site do EXTRA. .................... EMPRESAS Ao todo, 14 empresas, de diferentes portes, colaboraram com a reportagem do EXTRA. Os produtos foram rastreados sob a condição de que elas não tivessem seus nomes ou os das marcas divulgados. ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ RESPOSTAS ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

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Page 1: desconto que CUSTA SANGUE cem mil oitavo de mercadoria roubada costumam carregar caixas ou fardos in-teiros, tal qual a carga é armazenada pelas transportadoras. As promoções são

REPORTAGEMLUÃ MARINATTOMARCOS NUNESPOLLYANNA BRÊTAS

EDIÇÃOGIAMPAOLOMORGADOBRAGA

ARTEIVAN LUIZE WILLIAMBATISTA

1

2

3

(Em especial nas zonas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro)

Brasília-Santos

Rio de Janeiro – Belo Horizonte

Curitiba - Rio de Janeiro

RJ

GO

SP 1BR-116

Rodovias maisperigosas do Brasil

2BR-050

3BR-040

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

Produto Local e data Local Data Local DataCompramos

porCusta nomercado

Leite semi-desnatado (1L)

Minas Gerais, 17/01/2017

Av. Brasil (alturade Cordovil)

12/02 Entre as estações TomásCoelho e Cavalcanti

14/02, às 10h40

R$2 R$3,99

Leite em póintegral (400g)

Santa Catarina,29/11/2016

Dutra (altura da Pavuna)

08/03, às 14h

Altura da EstaçãoMercadão de Madureira

08/03, às 20h

R$5 R$9,98

Óleo de sojarefinado (900g)

Paraná (semdata)

* 11/03 Entre as estações BarrosFilho e Honório Gurgel

13/03, às 10h30

R$2,50 R$3,49

Manteiga(pote, 200g)

Minas Gerais,05/03/2017

Av. Brasil (alturade Coelho Neto)

13/03 Entre as estações Rocha Mirandae Mercadão de Madureira

14/03, às 10h20

R$2,50 R$7

Sardinha(250g)

Santa Catarina,24/06/2016

Av. Brasil(altura da Pavuna)

16/03(TARDE)

Entre as estações Rocha Mirandae Mercadão de Madureira

16/03, às 20h40

R$2,50 R$6,05

Manteiga(barra, 200g)

Minas Gerais,10/03/2017

Dutra (altura de Comendador Soares)

17/03(MADRUGADA)

Entre as estações Pilares e Tomás Coelho

17/03, às 11h50

R$2,50 R$4,79

Leitedesnatado (1L)

Minas Gerais,15/03/2017

Dutra (altura de Comendador Soares)

17/03(MADRUGADA)

Entre as estações Tomás Coelho e Cavalcanti

17/03, às 11h55

R$2 R$2,80

Balas de frutassortidas (500g)

São Paulo (semdata)

Dutra (entre Pavuna e São João de Meriti)

20/03, às 5h

Entre as estações BarrosFilho e Honório Gurgel

20/03, às 10h35

R$2 R$4,90

Bombom(300g)

São Paulo (semdata)

Dutra (entre Pavuna e São João de Meriti)

20/03, às 5h

Entre as estações BarrosFilho e Honório Gurgel

20/03, às 10h35

R$2 R$3,90

Queijo ralado(50g)

Minas Gerais,20/02/2017

Dutra (altura de Queimados)

22/03 (FIM

DA MADRUGADA)

Entre as estações SãoCristóvão e Triagem

23/03, às 16h40

R$1,25/R$1**

R$1,99

Leite condensa-do (395g)

Minas Gerais,27/01/2017

Av. Brasil (altura de Guadalupe)

29/03(NOITE)

Entre as estações CostaBarros e Barros Filho

30/03, às 10h45

R$3,33 R$5,99

Milho(lata, 200g)

Goiás (semdata)

* 01/04, às 11h40m

Entre as estações CostaBarros e Barros Filho

03/04, às 10h40

R$1 R$1,79

Ovo de codorna(30 unidades)

São Paulo,04/04/2017

Dutra (altura de SãoJoão de Meriti)

06/04, às 7h

Entre as estações Rocha Mirandae Mercadão de Madureira

06/04, às 17h

R$2 R$4,99

Macarrão(500g)

* Estr. da Água Branca(altura de Padre Miguel)

06/04, às 18h

Entre as estações Coelhoda Rocha e Agostinho Porto

06/04, às 19h35

R$1,67 R$2,75

Jujuba (500g) 03/05/2016 (sem local)

Madureira Julhode 2016

Entre as estações Pilarese Tomás Coelho

07/04, às 11h

R$3 R$6,60

Molho de tomate (340g)

Três Rios (RJ) (sem data)

Av. Brasil (alturade Deodoro)

* Entre as estações Costa Barrose Barros Filho

12/04, às 10h

R$2 R$0,99

FABRICAÇÃO ROUBO COMPRAPREÇO

(por unidade)

*Sem informação **Algumas horas depois, e pelos dias seguintes, o preço foi reajustado para R$ 1

OBS.: Os produtos foram rastreados com o auxílio das empresas sob a condição de que elas não tivessem seus nomes ou o das marcas divulgados

TOTAL DEPRODUTOS

COMPRADOS NÃO-RASTREADOS: 11 ROUBADOS: 16 NÃO-ROUBADOS: 229HISTÓRICODOS PRODUTOS

(todos no ramal Belford Roxo da SuperVia)

Diferençamédia de 50%

Foram 9.862 roubos de carga no Estado do Rio em 2016 – um a cada 54 minutos, em

média

O Rio alcançou no ano passado, pela

primeira vez, o patamar de São

Paulo em números absolutos de ocorrências

Proporcionalmente, porém, está à frente: são

59 casos para cada

cem mil habitantes,quase três vezes mais

do que o estado vizinho

A Cidade do Rio de Janeiro perde

R$ 852 mil por dia com esse tipo de crime. O rombo

no ano passado foi de

R$ 311 milhões

Em nível nacional, o prejuízo é de

R$ 161 mil por hora, superando

R$ 1,4 bilhão em 2016

A cada 88veículos de carga

que circulam pelo Brasil, um já

foi alvo de assalto

Numa lista de 57 países, o Brasil é apontado como o

oitavo mais perigosopara transporte de carga, à frente de Paquistão, Eritreia

e Sudão do Sul

MAISNO SITEe x t r a . g l o b o . c o m / v i d e o s

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te em que o motorista foi rendido,quase sempre em vias expressas ourodovias, como a Avenida Brasil e aDutra, e a venda nos vagões.

Essas revelações vêm à tona noprimeiro dia da série “O Rio sem en-trega”, que destrincha os fatores queenvolvem a modalidade de crimeque mais cresceu no estado nos últi-mos anos. Entre policiais, promoto-res, empresários, representantes detransportadoras e seguradoras, polí-ticos, motoristas, moradores e am-bulantes, 75 pessoas foram ouvidaspara compor o material exclusivosobre roubos de carga que começa aser publicado hoje.

CUSTA SANGUEdesconto que

e

EM ALGUNS casos, entre o roubo e a venda nos vagÕes se passam menos de duas horas

u sou um ovo. Minha mãe,uma codorna, se perde emmeio às 20 milhões de avespoedeiras da cidade de Bas-tos, no interior de São Pau-

lo, onde nasci em 4 de abril desteano. Com um dia de vida, percorriquase mil quilômetros para chegarà Ceasa, no Rio de Janeiro. Logoapós desembarcar, já numa cami-nhonete com destino à Baixada Flu-minense, no início da manhã, ban-didos renderam o motorista na Ro-dovia Presidente Dutra e levaramtoda a carga, eu inclusive. Dez horasmais tarde, quando a caixa em queeu estava foi aberta por mãos estra-nhas, me vi dentro de um vagão detrem, sendo ofertado aos passagei-ros. Fui comprado, numa embala-gem com 29 irmãos, por míseros R$2 — menos da metade do preço ha-bitual. Para que o freguês economi-zasse ao me degustar com molho ro-sé, porém, um trabalhador honestoteve uma arma apontada para si eviu a morte de perto.

A história desse solitário ovo serepete com outras dezenas de pro-dutos. Macarrão, leite, sardinha...Numa lista de roubos que se confun-de com a de compras do mês. Du-rante dois meses, o EXTRA fez cercade cem viagens em todos os oito ra-mais da SuperVia, adquirindo mer-cadoria que aparentava ter proce-dência duvidosa — fosse pela pos-tura dos camelôs, fosse pelo perfilou preço dos itens comercializados.

Ao fim da apuração, de 18 produ-tos rastreados a partir de informa-ções como lote, fabricação e valida-de, 16 (ou 88,9%) eram fruto deroubos de carga. A logística crimino-sa de escoamento que faz a merca-doria chegar à malha ferroviária é dedar inveja a qualquer gigante do se-tor de entregas: metade dos itens ha-via sido roubada no mesmo dia emque os ambulantes os ofereciam notrem. Em alguns casos, passaram-semenos de duas horas entre o instan-

Ambulante vende, no trem, ovos de codorna roubados horas antes

REPRODUÇÃO DE VÍDEO

Ambulantes vendem carga roubada e transformamos trens da SuperVia em feirão de produtos ilegais

B Todos os produtos alvo de roubo com-prados pelo EXTRA nos trens estavamsendo comercializados no ramal BelfordRoxo, que passa entre as comunidadesdo Chapadão e da Pedreira, reduto dasprincipais quadrilhas de assaltantes decarga do estado. Em algumas situações— com um leite e uma manteiga, e comduas embalagens de doces — os itens,mesmo adquiridos com camelôs diferen-tes, em momentos distintos, eram frutode um único roubo de carga. Em ambosos casos, crimes ocorridos horas antes.

Ao contrário dos ambulantes que tra-balham com produtos legítimos, os dis-tribuidores de mercadoria roubadacostumam carregar caixas ou fardos in-teiros, tal qual a carga é armazenadapelas transportadoras. As promoçõessão uma estratégia comum, com váriasunidades sendo vendidas por um valorcheio, como R$ 5 ou R$ 10. E não há omenor constrangimento em, volta emeia, evidenciar a procedência ilegaldos itens: “O caminhão tombou, o pre-ço baixou”, diz um dos bordões mais re-petidos por vendedores nos vagões.

Todos os produtos comprados peloEXTRA, assim como as filmagens e fotosregistradas dentro das composições, se-rão entregues à Delegacia de Roubos eFurtos de Cargas (DRFC) para auxiliarna investigação dos crimes. s

t

‘O CAMINHÃOTOMBOU, OPREÇO BAIXOU’

O camelÔ do crime costuma carregar caixas e fardos inteiros dos produtos

Rastreio foi feito via lote, fabricação e validade

ROBERTO MOREYRA

....................................................................................

AMANHÃFavelas já lucram mais comroubo do que com tráfico.

Há alguma investigação sobre ambu-lantes que vendem carga roubada?Temos um inquérito aberto que obje-tiva justamente identificar esses re-ceptadores de menor escala, quetambém alimentam o mercado crimi-noso. E, aqui na DRFC, nós temos umlema: receptador não é trabalhador.Isso é lenda. Receptador é criminoso.

Quem compra um produto roubadono trem pode responder por isso?Sim. Quem adquire esse tipo de mer-cadoria também é um receptador. Aspessoas têm de ter em mente quealimentam um ciclo vicioso. Estãoestimulando que uma arma sejaposta na cabeça de um trabalhador.

Como diferenciar o produto roubado?Não é crível que alguém esteja ven-dendo, dentro de um vagão, um pro-duto perecível que deveria estar ar-mazenado. O risco de perda do mate-rial é enorme. Outra coisa é o preço.Não é possível que a pessoa não per-ceba que o produto está sendo ofere-cido por um valor muito abaixo domercado. A conta não fecha.

Por que a explosão, nos últimos anos,no número de roubos de carga?Houve uma mudança muito grandede 2013 para cá, porque foi o mo-mento em que o tráfico de drogaspassou a ter interesse nesta modali-dade criminosa. O tráfico entrou(para roubar cargas) porque perce-beu que era um tipo de crime ondenão era necessário investimento paraobter um grande retorno financeiro.

‘QUEM ADQUIREESSE TIPO DEMERCADORIATAMBÉM É UMRECEPTADOR’

ENTREVISTAMAURÍCIO MENDONÇADelegado titular da Delegacia deRoubos e Furtos de Cargas (DRFC)

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SUPERVIAA SuperVia diz entender que “a venda deprodutos roubados dentro dos trens eestações se configura como um problemade segurança pública”. De acordo com aconcessionária, sua equipe de segurança“não tem poder de polícia e, por isso, osagentes não podem apreender e nemmesmo atestar a origem dos produtos”.....................

FLUXO DE PASSAGEIROSPor dia, segundo a SuperVia, cerca de 700mil pessoas circulam pelos trens doestado. A concessionária se negou a

repassar o número de passageiros apenaspara o ramal Belford Roxo. Dados de 2015,porém, apontam para uma média de 27mil usuários diariamente nessa linha.....................

POLÍCIA MILITARJá a PM informou que o Grupamento dePoliciamento Ferroviário (GPFER),responsável por patrulhar a malhaferroviária, teve seu efetivo dobrado eredistribuído, em maio, para atuar,principalmente, em áreas de grande fluxode pessoas, como as estações deMadureira, Deodoro e Belford Roxo.

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERALA Polícia Rodoviária Federal afirmou terintensificado ações de inteligência cominvestimentos em tecnologia eacrescentou que utiliza um helicópterono policiamento. A íntegra de todas asrespostas está no site do EXTRA.....................

EMPRESASAo todo, 14 empresas, de diferentesportes, colaboraram com a reportagemdo EXTRA. Os produtos foram rastreadossob a condição de que elas não tivessemseus nomes ou os das marcas divulgados.

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RESPOSTAS........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................