(des)conexÕes na educaÇÃo para a saÚde...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO IZAR MÜLLER BEHS (DES)CONEXÕES NA EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE INTEGRAL: UM ESTUDO DE CASO COM CATADORES DE UMA COOPERATIVA Porto Alegre 2014

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    DOUTORADO EM EDUCAO

    IZAR MLLER BEHS

    (DES)CONEXES NA EDUCAO PARA A SADE

    INTEGRAL: UM ESTUDO DE CASO COM CATADORES DE UMA

    COOPERATIVA

    Porto Alegre

    2014

  • IZAR MLLER BEHS

    (DES)CONEXES NA EDUCAO PARA A SADE INTEGRAL: UM

    ESTUDO DE CASO COM CATADORES DE UMA COOPERATIVA

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Orientadora: Profa. Dra. Leda Lsia Franciosi Portal

    Porto Alegre, 2014

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    B421d Behs, Izar Mller (Des)conexes na educao para a sade integral : um

    estudo de caso com catadores de uma cooperativa / Izar Mller Behs. Porto Alegre, 2014.

    154 f.

    Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, PUCRS.

    Orientador: Prof. Dr. Leda Lsia Franciosi Portal.

    1. Educao e Sade. 2. Sade Pblica. 3. Sociologia Educacional. I. Portal, Leda Lsia Franciosi. II. Ttulo.

    CDD 370.19

    Ficha Catalogrfica elaborada por Vanessa Pinent

    CRB 10/1297

  • IZAR MLLER BEHS

    (DES)CONEXES NA EDUCAO PARA A SADE INTEGRAL:

    UM ESTUDO DE CASO COM CATADORES DE UMA COOPERATIVA

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovada em 26 fevereiro 2014.

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________________ Orientador(a): Profa. Dra. Leda Lsia Franciosi Portal PUCRS

    _________________________________________________________ Examinador(a): Profa. Dra. Bettina Steren dos Santos PUCRS

    _________________________________________________________ Examinador(a): Profa. Dra. Esalba Maria Carvalho Silveira PUCRS

    _________________________________________________________ Examinador(a): Prof. Dr. Rogerio Foschiera IFRS

    _________________________________________________________ Examinador(a): Profa. Dra. Rosangela Barbiani UNISINOS

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela vida.

    A Ivan Cesar Behs, meu esposo, por sua constante presena,

    companheirismo e cumplicidade.

    Aos catadores, pela acolhida, pela oportunidade de ouvir as suas

    experincias e pelo enriquecimento que deram a este trabalho.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao da Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que contriburam para que este estudo

    fosse uma realidade.

  • AGRADECIMENTO ESPECIAL

    Professora Leda Lsia Franciosi Portal, pela amizade, pelos

    aconselhamentos e, sobretudo, pelos conhecimentos socializados durante a nossa

    convivncia.

  • RESUMO

    Este estudo caracterizou-se por uma abordagem investigativa estudo de

    caso vinculado linha de pesquisa Pessoa e Educao do Programa de Ps-

    Graduao na Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    (PUCRS). Com o objetivo de compreender as condies de trabalho dos catadores

    de uma cooperativa de triagem de lixo reciclvel, situada na cidade de Canoas, no

    Estado do Rio Grande do Sul, e a sua relao com a educao para sade integral,

    os sujeitos da pesquisa foram observados e entrevistados. A pesquisa obedeceu ao

    princpio da triangulao de evidncias, e os dados foram coletados por meio da

    observao participante com registro, em dirio de campo, de entrevistas individuais

    semiestruturadas e da aplicao de um questionrio socioeconmico, bem como de

    uma sesso de grupo focal. Para a organizao e a anlise dos dados, foram

    utilizadas duas estratgias: a primeira, mais restrita e de carter quantitativo, teve

    como objetivo a organizao estatstica dos dados obtidos pelo questionrio

    socioeconmico, a segunda, com objetivos mais amplos, foi de natureza

    essencialmente qualitativa e seguiu o mtodo da anlise de contedo de acordo

    com Bardin (2008). A decomposio, a estruturao e o entrecruzamento do material

    coletado propiciaram o agrupamento das expresses, ideias e falas que foram

    classificadas em unidades de significado, surgindo, assim, as quatro categorias

    deste estudo: 1) identidade e profisso: que aborda as concepes dos catadores

    sobre a sua identidade e profisso; 2) ambiente de trabalho: no qual foram

    agrupados termos sobre o enfrentamento do risco e da doena ocupacional, assim

    como apresentadas as reflexes acerca das formas de enfrentamento dos riscos, dos

    sentimentos de sofrimento e do prazer no ambiente de trabalho; 3) representao da

    sade integral: o que os catadores elaboram, a partir das estruturas do corpo e da

    mente, das doenas e de seus tratamentos; 4) educao para sade e a diversidade

    de espaos: relativo s experincias e vivncias dos catadores que geraram

    oportunidades de aprendizado, orientao preventiva e cuidados relacionados

    perspectiva da sade integral. Os resultados mostraram que a educao para sade

    integral deve ser tratada sob os mais diferentes olhares, seja o da cincia, por meio de

    vrias disciplinas; do senso comum; do ponto de vista objetivo ou subjetivo; seja em

    abordagens individuais ou coletivas. No mbito da educao, trata-se da valorizao

    do saber do outro, entendendo que o conhecimento um processo de construo

  • coletiva e, no mbito da sade, quando vista no sentido ampliado corpo e alma ,

    se apoia na compreenso das necessidades humanas fundamentais, materiais e

    espirituais. A educao para sade, considerada como socialmente produzida e

    relacionada a um conjunto de valores, passa a exigir uma ao coordenada,

    combinada com metodologias de interveno, implicadas com diferentes grupos

    sociais. Valorizar a dimenso educativa pode dar um novo sentido ao trabalho do

    catador, sua produo e sua prpria vida. Assim, a educao a servio da vida

    deve integrar a tica da solidariedade e integridade da pessoa.

    Palavras-chave: Educao para sade. Educao social. Integralidade do catador.

    Sade integral.

  • ABSTRACT

    The current research is characterized by an investigative approach a case

    study that is part of the research line Person and Education of the Post-Graduation

    Program in Education of Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    (PUCRS). Aiming to understand the conditions of the garbage collectors work in a

    sorting cooperative of inorganic garbage, located in Canoas City, in the Rio Grande

    do Sul State, and its relation to the integral health education, the subjects of the

    study were observed and interviewed. The study followed the principle of

    triangulation of evidences, data were collected through a participant observation, as

    well as individual semi-structured interviews were recorded in a field diary, and a

    social economic questionnaire, and a focus group session were applied. In order to

    organize and analyze data, two strategies were used: the first, that is more restrict

    and has a quantitative feature, aimed the statistical organization of data, which were

    collected through social and economic questionnaire; and the second, whose

    objectives are broader, is particularly qualitative, and the content analysis was used

    accordingly to Bardin (2008). Decomposition, structuring, and interweaving of the

    collected material enable the expression, idea and statement grouping, that were

    classified in meaning units, so that four categories emerged in the current study: 1)

    identity and occupation: focusing on the garbage collectors conception related to

    their identity and occupation; 2) work environment: in which many words were

    grouped, related to coping the risk and the occupational diseases, as well as to the

    presentation of the reflections associated to the way they face risks and also the

    feelings of pain and pleasure in the work environment; 3) representation of integral

    health: the ideas that garbage collectors create about mental and body structures, as

    well as diseases and their treatments; 4) health education and diversity of spaces:

    they are related to the garbage collectors experiences that trigger learning

    opportunities, preventive orientation and care, considering integral health

    perspective. The results showed that education for integral health has to be treated

    from different perspectives, that can be science, through many subjects; common

    sense; from objective and subjective views; and in individual and collective approach.

    Regarding to education, the focus is on how to value the knowledge of the other

    person, comprehending that knowledge is a process of collective construction and,

    taking into account health, when it is analyzed in a broader sense body and soul

  • its basis is on the understanding of human beings fundamental, material and spiritual

    needs. Health education, considered as socially produced and associated to a set of

    values, requires a coordinated action, in combination with intervention

    methodologies, which are related to different social groups. The valorization of

    education can produce a new perspective to the garbage collectors, to their

    production and their own lives. Thus, education for life should integrate the persons

    solidary and integrality ethic.

    Key-words: Health education. Social education. Garbage collectors integrality.

    Integral health.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Dimenses da sade integral ................................................................... 41

    Figura 2 - Esquema grfico do estudo ..................................................................... 59

    Figura 3 - Regies do municpio de Canoas/RS ...................................................... 62

    Figura 4 - Populao por quadrante municpio de Canoas/RS ............................. 63

    Figura 5 - Entrada do bairro Guajuviras ................................................................... 63

    Figura 6 - Nmero de responsveis pelos domiclios com renda at 1/2 salrio mnimo ..................................................................................................... 64

    Figura 7 - Nego, o recepcionista .......................................................................... 78

    Figura 8 - Enfeites decorativos ................................................................................. 80

    Figura 9 - Avaliao da oferta de escolas pblicas na vizinhana por bairros e total de Canoas ........................................................................................ 88

    Figura 10 - Avaliao da oferta de servios pblicos de sade na vizinhana por bairros e total de Canoas ........................................................................ 89

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  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Referenciais de interveno educativa para sade ................................ 31

    Quadro 2 - Comparativo entre o referencial curativo e o emancipador .................... 32

    Quadro 3 - Categorias e subcategorias de anlise .................................................. 77

    Quadro 4 - Identidade e profisso ............................................................................ 91

    Quadro 5 - Ambiente de trabalho ............................................................................. 97

    Quadro 6 - Representao da sade integral......................................................... 106

    Quadro 7 - Educao para sade e a diversidade de espaos .............................. 117

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  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Caracterizao dos sujeitos .................................................................... 74

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  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    AIDS Sndrome de Deficincia Imunolgica Adquirida

    C - Catador

    CBO Classificao Brasileira de Ocupaes

    CLT Consolidao das Leis do Trabalho

    DVD Digital Versatile Disc/Disco Digital Verstil

    EPI Equipamentos de Proteo Individual

    FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

    FEE Fundao de Economia e Estatstica

    HPS Hospital de Pronto Socorro

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INSS Ministrio da Previdncia Social

    MNCR Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis

    OMS Organizao Mundial de Sade

    ONG Organizao no Governamental

    PAC2 Programa de Acelerao do Crescimento

    PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil

    PNSB Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico

    PRONASCI Programa Nacional de Segurana com Cidadania

    PUCRS Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    REFAP Refinaria Alberto Pasqualini

    RS Rio Grande do Sul

    SUS Sistema nico de Sade

    UNICEF United Nations Childrens Fund/Fundo das Naes Unidas para Infncia

    UPA Unidade de Pronto Atendimento

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ...................................................................................................... 15

    2 FUNDAMENTAO TERICA ............................................................................ 19

    2.1 EDUCAO PARA SADE ............................................................................... 19

    2.1.1 Educao e sade: duas reas, uma associao ....................................... 19

    2.1.2 Referenciais que educam para sade ......................................................... 28

    2.1.3 A construo da abordagem integradora ................................................... 34

    2.2 O CATADOR: SEU TRABALHO E SUA SADE ............................................... 44

    2.2.1 Catador: quem esse trabalhador? ............................................................ 44

    2.2.2 A sade do catador na atividade da unidade de triagem ........................... 48

    3 MARCO METODOLGICO .................................................................................. 56

    3.1 OBJETIVOS ....................................................................................................... 56

    3.1.1 Objetivo geral ................................................................................................ 56

    3.1.2 Objetivos especficos .................................................................................... 56

    3.2 CARACTERISTICAS DO ESTUDO ................................................................... 56

    3.3 CENRIO DO CASO.......................................................................................... 59

    3.4 SUJEITOS DO ESTUDO .................................................................................... 65

    3.5 OBTENO DOS DADOS ................................................................................. 66

    3.6 PROCEDIMENTO DE ANLISE DOS DADOS .................................................. 73

    4 RESULTADOS E ANLISE .................................................................................. 78

    4.1 NOTAS SOBRE O OLHAR E A SUA PECULIARIDADE NO ESTUDO ............. 78

    4.1.1 O discurso dos sujeitos ................................................................................ 82

    4.2 PERFIL SOCIOECONMICO ............................................................................ 84

    4.3 CATEGORIAS: ANLISE DOS DISCURSOS .................................................... 91

    4.3.1 Identidade e profisso .................................................................................. 91

    4.3.2 Ambiente de trabalho .................................................................................... 97

    4.3.3 Representao da sade integral .............................................................. 105

    4.3.4 Educao para sade e a diversidade de espaos .................................. 117

    5 CONCLUSO: EDUCAO PARA SADE INTEGRAL COMO EFEITO TRANSFORMADOR ........................................................................................... 123

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  • 5.1 SNTESE DOS RESULTADOS ........................................................................ 123

    5.2 RELEVNCIA DO ESTUDO: CONTRIBUIO NA CONSTRUO DE UMA PROPOSTA EDUCATIVA PARA SADE INTEGRAL ............................ 125

    5.3 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 129

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 132

    APNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................... 141

    APNDICE B - Termo de Autorizao de Uso de Imagem ................................ 142

    APNDICE C - Entrevista Semiestruturada ........................................................ 143

    APNDICE D - Levantamento Socioeconmico ................................................ 144

    APNDICE E - Roteiro das Questes Provocadoras na Conduo do Grupo Focal ............................................................................................. 153

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  • 15

    1 INTRODUO

    Este estudo est vinculado linha de pesquisa Pessoa e Educao do

    Programa de Ps-Graduao na Educao da Pontifcia Universidade Catlica do

    Rio Grande do Sul (PUCRS) (2012)1, na qual

    estuda-se a educao como um processo amplo, implicado o desenvolvimento, a formao e a autoformao da pessoa, destacando seus entrelaamentos com a sade, a espiritualidade, as histrias de vida. Acolhe estudos e pesquisas interdisciplinares que potencializam a dimenso pedaggica da experincia humana em suas interaes com os aspectos biolgicos, psicossociais, biogrficos, culturais dos sujeitos e das subjetividades na sociedade contempornea.

    A temtica investigativa focaliza a educao para sade integral em um

    contexto organizacional, em situao de vulnerabilidade social. A gnese do

    interesse por tal temtica est relacionada trajetria de vida da pesquisadora,

    compreendida no entrecruzamento entre o seu ser pessoal e profissional.

    A formao de enfermeira permitiu a ela viver dois momentos bem definidos:

    o primeiro, bastante natural para quem fez a opo por esta profisso, na qual

    atuava como ator assistencial e entendia a prtica como dever da funo. Naquele

    momento, no considerava o aprendizado e o desenvolvimento interpessoal como

    uma oportunidade de evoluo e, com isto, no tinha interesse pelo global, mas, sim,

    pela tarefa. O segundo, de amor e, por que no dizer, de paixo pela profisso

    escolhida. Nesse segundo momento, foram traadas metas para a evoluo

    profissional: a proposta era fazer a diferena.

    Nas metas traadas, o objetivo estava muito claro: trabalhar com pessoas

    de maneira que pudesse entrelaar sade e educao. Na atuao com pessoas,

    um dos atributos de maior valor a tica, mais do que isto, ao demonstrar atitudes

    de proteo criao de vnculos, desenvolve-se a sensibilidade e a ampliao do

    entendimento de que cada pessoa um ser nico e individual.

    1 PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL (PUCRS). Disponvel em: . Acesso em: 17 dez. 2012.

    http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/facedppg/ppge

  • 16

    Na atuao como primeira enfermeira, leiga de um hospital gerido por uma

    entidade de confisso religiosa, a pesquisadora, na funo de supervisora noturna e

    com a vontade de crescer, buscou novas oportunidades de trabalho. Dois anos

    aps, contratada por um hospital referncia na capital e com inquietude por saber

    mais, cursou a especializao em Administrao dos Servios de Enfermagem.

    A experincia de aliar a educao formal com a prtica do dia a dia em um

    ambiente, onde as relaes eram intensas sob todos os aspectos, mas

    principalmente, nas relaes de poder e de sentimentos que envolviam vida e morte,

    reforou o seu interesse pelas pessoas.

    Nessa oportunidade, foram aprofundados os estudos sobre o cuidado

    humano e a assistncia integral, os quais foram incorporados, gradualmente, nas

    atitudes e na prtica diria, dimenses de valor, percebidas como comprometimento,

    tica e espiritualidade. De tal forma, foi desenvolvido um melhor entendimento sobre

    a pessoa, a partir do qual se compreendeu que a confiana, a segurana, o respeito,

    o acolhimento, a ateno e a sensibilidade so elementos essenciais nas relaes,

    quando se atua com educao e sade.

    Nessa configurao, a pesquisadora evoluiu por meio do conhecimento

    tcnico, da capacidade de liderar pessoas, de tomar decises e de propor

    mudanas. Tal dinmica favoreceu o seu crescimento pessoal e profissional,

    possibilitando, assim, a ascenso do cargo de supervisor para gerente, e, deste,

    para o de superintendente. A posio de gerente exigiu conhecimento na rea

    administrativa, o que a levou ao aprofundamento na educao formal, optando pelo

    Curso de Mestrado em Administrao.

    A titulao e a vivncia hospitalar proporcionaram a participao em um

    projeto para a implantao dos cursos da rea da sade em um Centro Universitrio

    da regio metropolitana de Porto Alegre. Com a rotina e o acmulo de atividades,

    pelo menos, por doze horas dirias de trabalho, que eram cumpridas regularmente,

    inclusive aos sbados, constituiu-se uma experincia cansativa, mas que lhe

    proporcionava muito prazer e muitas convivncias satisfatrias. O cansao venceu, e

    a qualidade de vida, que j era questionvel, influenciou a opo pela academia.

  • 17

    Ento, o convite para ser pr-reitora comunitria trouxe o desafio em primeiro lugar,

    de poder optar por um caminho, em segundo, de poder trabalhar em uma rea

    desafiadora, a rea da educao superior.

    Em 2010, um novo desafio se estabeleceu: desenvolver um projeto inovador

    na rea das Tecnologias Sociais. Inicialmente, a proposta era assustadora e, de

    imediato, surgiu a pergunta: Em que uma enfermeira, professora, capacitada para

    gesto, pode contribuir? Aos poucos, depois de muita leitura e estudo, veio o

    entendimento de que havia chegado a hora de fazer a diferena, ou seja, a

    oportunidade de harmonizar, em uma s prtica, educao e sade.

    Poder contribuir para a qualidade de vida das pessoas, para o bem-estar

    fsico e o desenvolvimento humano, permitiu a aproximao com os catadores2.

    No entrelaamento das reas de educao e sade, surge, portanto, o

    problema desta pesquisa: Como se configuram as condies de trabalho dos

    catadores no ambiente de uma cooperativa, na perspectiva de uma educao para a

    sade integral?

    Desta forma, esta tese foi construda a partir da observao dos catadores de

    uma cooperativa de catadores de lixo na cidade de Canoas/RS. A observao teve

    como base a crena de que a educao para sade desempenha um papel

    importante na esfera social da comunidade e possibilita pessoa adotar

    comportamentos saudveis e preventivos, desde que respeitadas as crenas, o

    estilo de vida e o ponto de vista dos membros dessa comunidade.

    A hiptese inicial de que a sade integral do catador, quando relacionada ao

    seu ambiente e s condies de trabalho, melhoraria, se, nas oportunidades de

    (re)conduzir sade esses sujeitos tivessem contato com um referencial de

    educao para sade, baseado em suas prprias experincias.

    2 A categoria profissional catador de material de reciclvel foi includa na Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO), sob Cdigo 5192-05, podendo aquele tambm ser denominado catador de ferro-velho, catador de papel e papelo, catador de sucata, catador de vasi lhame, enfardador de sucata (cooperativa), separador de sucata (cooperativa) e triador de sucata (cooperativa). (ZANIN, 2011, p. 367).

  • 18

    Essa introduo, por conseguinte, consiste na primeira parte desta

    investigao. A segunda a fundamentao terica, que contm dois captulos de

    reviso de literatura, destinados compreenso do contexto e do objeto deste

    estudo: o primeiro, dedicado inter-relao da educao e sade e ao conceito de

    educao para sade na abordagem integradora; o segundo, dissertando sobre o

    catador e o seu espao de trabalho.

    A terceira parte o marco metodolgico, no qual se descrevem os objetivos,

    as caractersticas gerais do estudo e do caso estudado, os sujeitos do estudo, as

    tcnicas e os instrumentos para coleta de dados e, por fim, as estratgias utilizadas

    para a organizao, a anlise e a interpretao dos resultados.

    A quarta parte composta por trs sees: a primeira, que abrange uma

    descrio do caso, a partir da observao participante no ambiente da Cooperativa

    unidade de triagem das atividades do catador e dos seus discursos; a segunda

    que apresenta o perfil socioeconmico dos catadores; e a terceira se dedica a

    analisar os discursos, a partir das categorias: identidade e profisso, ambiente de

    trabalho, representao da sade integral e educao para sade, bem como

    diversidade de espaos.

    Por fim, a quinta parte faz um exerccio de sntese dos resultados da

    pesquisa, reflete sobre a relevncia do estudo e a sua contribuio na construo de

    proposta educativa para sade integral, evoluindo para o fechamento com os

    comentrios finais e a concluso do trabalho.

  • 19

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 EDUCAO PARA SADE

    Este captulo dissertar sobre o que associa, em sua prpria denominao, o

    campo da educao e da sade, contexto no qual emergiram a multidisciplinaridade

    dos programas de educao para sade e a evoluo para uma abordagem

    integradora.

    2.1.1 Educao e sade: duas reas, uma associao

    Abordar a temtica educao para sade passa pela contextualizao da

    educao para sade, como promoo para sade, e sade, como qualidade ou

    estado pessoal, apoiado pelo conceito amplo da Organizao Mundial de Sade

    (OMS, 1946), no qual a sade considerada um estado de completo bem-estar

    fsico, mental e social e no, apenas a ausncia da doena ou enfermidade. Desta

    forma, o foco exclusivo na doena, que sempre dominou a pesquisa na rea da

    sade, vem cedendo espao ao estudo das caractersticas adaptativas, como

    resilincia, esperana, sabedoria, criatividade, coragem, espiritualidade e crenas

    pessoais que no so temas alheios ao conceito de sade integral, sendo, na

    verdade, uma de suas dimenses.

    Crema (1995, p. 107) resume sade como:

    [...] a condio natural da humanidade. Significa estar em harmonia com ns mesmos e com o nosso universo. Quando em harmonia, sentimo-nos mais dispostos, alegres e sadios. Se no reconhecermos esse estado, preciso que faamos. esse o sentido da cura. Quanto maior a nossa capacidade de alinhamento com que o somos, mais saudveis seremos.

    Nesta perspectiva, para Garcia (2000), a sade est relacionada qualidade

    de vida, e o bem- estar a consequncia da relao entre as condies objetivas de

    vida e certas variveis mais subjetivas e pessoais, que tm como resultado

    determinado ndice de satisfao dos indivduos. Assim, sade, na perspectiva da

    qualidade de vida, um conceito que inclui todos os aspectos de vida dos

    indivduos, tais como: sade, famlia, trabalho, habitao, situao financeira,

  • 20

    oportunidades educativas, autoestima, criatividade, competncia e sentimento de

    pertena.

    Garcia (2000, p. 36), quando trata dos conceitos e das definies de

    educao para sade, define qualidade de vida como:

    La percepcin que un individuo tiene de su lugar en la existencia, en el contexto de la cultura y del sistema de valores en los que vive y en relacin com sus objetivos, sus expectativas, sus normas, sus inquietudes. Se trata de un concepto muy amplio que est influenciado de modo complejo por la salud fsica del sujeto, su estado psicolgico, su nivel de independencia, sus relaciones sociales, asi como su relacin com ls elementos esenciales de su entorno.

    Por sua vez, bem-estar um conceito subjetivo, definido pela comparao

    com o mal-estar, e influenciado pelos padres individuais e pelos padres de bem-

    estar da comunidade, na qual o indivduo est inserido. Segundo Almeida Filho

    (2011), conceitos de sade, como valor em si, na perspectiva de estado ou

    situao altamente desejvel para o ser humano, tem sido criticado por alguns

    autores, devido ao seu carter idealista ou utpico.

    Como Boff (2007) destaca, os movimentos ecolgicos alertam que dar valor

    sade nem sempre ajuda a orientar as pessoas e aos grupos na tomada de deciso

    quanto s suas vidas e, por muitas vezes, nos coloca perante a nossa

    responsabilidade individual e coletiva na destruio de grande parte do nosso

    habitat. O autor segue dizendo que, sendo os humanos a espcie da racionalidade,

    somos simultaneamente uma das espcies mais vulnerveis, sobretudo, pela nossa

    enorme capacidade afetiva.

    Neste sentido, Pelizzoli (2010) diz que no podemos reduzir a

    complexidade do humano a uma leitura objetiva da vida, negligenciando os

    fatores emocionais, psicolgicos, culturais, simblicos e mgicos que interferem

    na existncia humana. Assim, toda inovao tecnolgica que no considere esse

    carter de integralidade congnita da vida humana reducionista e limitada. Com

    isto, segue explicando o autor que urge a construo de formas de educao

    para sade que tm como objetivo o equilbrio e a autorregulao da vida. Crema

    (1995, p. 107) refora esse entendimento, quando diz que a educao provm do

  • 21

    latim educare, significando trazer para fora a sabedoria inerente ao indivduo:

    atualizar o seu potencial inato.

    Assinala-se, portanto, que no h como educar para sade sem valorizar

    atitudes individuais e coletivas. Conforme Garcia (2000), a generalizao de

    comportamentos no saudveis parte do princpio de no nascemos para ter esses

    comportamentos, quando se trata da sade individual. Os referidos comportamentos

    so produzidos, porque se trata, em primeiro lugar, de um comportamento

    aprendido. O autor ainda enfatiza que, se podemos aprender comportamentos no

    saudveis, do mesmo modo, poderemos aprender comportamentos saudveis.

    Sampaio (2004) e Garcia (2000) se complementam, quando o primeiro

    defende a posio de que a pauta do educador deve passar do mundo artificial para

    o mundo das necessidades humanas e ainda refora que os problemas humanos

    no se resolvem no nvel da racionalidade, mas, no nvel afetivo. O segundo autor

    supracitado complementa, ensinando que, desenvolvendo estilos de vida saudveis,

    os indivduos podem se transformar em poderosos agentes primrios de educao

    para sade em seu ambiente de trabalho, em sua famlia, em sua comunidade, entre

    outros, contribuindo, assim, por meio de seus exemplos, para que outros membros

    da comunidade aprendam comportamentos que favoream a sade em sua

    integralidade.

    Neste contexto, Garcia (2000, p. 43) assinala que

    El educador para la salud se transforma, asi, en un facilitador de elementos cognitivos y de instrumentos para la accin de los individuos y grupos, para que stos determinen por si mismos si cambiam o no sus pautas de conducta y ls determinantes ambientales em relacin a la mejora de su salud.

    Um indivduo, autoeducado para sade, apresenta, como primeira

    caracterstica, o tipo de pessoa conhecedora e no ignorante, e, como segunda, a

    de uma pessoa sensvel, atenta s alteraes que o meio ambiente propicia, bem

    como a sua dinmica, como sujeito de uma informao e uma educao

    (MOSQUERA; STOBUS, 1983).

  • 22

    Com isto, o conceito de educao para sade tem adquirido conotaes

    diversas que partiram de construes sobre os significados da natureza do corpo e de

    suas funes, bem da estrutura sobre as relaes corpo-esprito e pessoa-ambiente.

    A fim de converter os programas de educao para sade em um dos

    principais instrumentos de formao de hbitos e comportamentos saudveis, a

    posio pedaggica de Sampaio (2004, p. 47) contribui para isto, quando diz que

    [...] preciso desenvolver a autoconscincia para que cada indivduo assuma o comando da prpria vida com responsabilidade espiritual e divina. E esse processo se d na integrao do homem com os nveis fsico, emocional, mental e espiritual [...].

    Segundo Garcia (2000), o conceito mais atual de educao para sade

    descrito por Tones (1994), no qual incorpora, implcita e explicitamente, muitos

    fatores que influenciam a tomada de deciso que vo alm da socializao do

    conhecimento e do apoio a um conjunto de aes para mudana de atitudes,

    trabalhando as convices pessoais, as crenas e os valores individuais.

    Tones (1994 apud GARCIA, 2000, p. 38):

    La educacin para salud es toda actividad libremente elegida que participa en un aprendizaje de la salud o de la enfermedad, es decir, en un cambio relativamente permanente de las disposiciones o de las capacidades del sujeto. Uma educacin para la salud, eficaz, puede as producir cambios a nivel de los conicimientos, de la comprensin e de las maneras de pensar; puede o clarificar los valores; puede determinar cambios de actitudes y de creencias; puede facilitar la adquisicin de competencias; incluso puede producir cambios de comportamientos o de modos de vida.

    Para escapar dos impasses conceituais, ao atribuir valor ao conceito de

    educao para sade, nos defrontamos, de imediato, com a questo da distribuio

    desigual de renda e, muitas vezes, perversa na sociedade capitalista.

    Almeida Filho (2011, p. 90), neste contexto, explica que:

    Vida longeva e plena, com qualidade e desempenho, produtividade e satisfao, representa o ideal platnico de sade como valor social e poltico que, numa sociedade estruturalmente desigual e injusta, implicaria disparidades de acesso, distribuio e controle de recursos, bens e servios.

  • 23

    Conforme Barata (2009), a posio social dos indivduos e grupos sociais,

    medida por indicadores de classe social, a partir das condies de vida ou dos

    determinados espaos geogrficos, um poderoso determinante do estado de

    sade das populaes. A autora ensina que estudos, que buscam explorar a relao

    entre o nvel de riqueza, a distribuio de renda e a satisfao com a vida ou o bem-

    estar, mostram que, embora o nvel geral de satisfao e bem-estar aumente com o

    crescimento do nvel de riqueza do pas, para o mesmo nvel de riqueza, a

    satisfao e o bem-estar so maiores nos pases que apresentam menor

    desigualdade na distribuio de renda.

    Indicadores econmicos, sociodemogrficos, isolados ou combinados, podem

    revelar medidas objetivas da realidade concreta do bem-estar ou da integralidade da

    sade de um indivduo, de um determinado grupo, comunidade ou nao,

    apresentando um diagnstico de suas condies de vida. Porm, ser que nos basta

    o conhecimento desses indicadores objetivos situacionais? Ou, alm deles, nos

    interessa entrar em contato com as percepes e os pensamentos das pessoas,

    envolvendo uma srie de fatores psicolgicos, as suas avaliaes subjetivas,

    atribuies e significados, bem como as crenas e os julgamentos acerca dos mais

    variados componentes e contedos dos inmeros domnios da vida?

    Eco (2001) considera que os parmetros desses julgamentos dependem de

    nossas razes, de nossas preferncias, de nossos hbitos, de nossos afetos e

    experincias. De acordo com o pesquisador, existe a crena de que o

    desenvolvimento tecnolgico, a expanso dos contedos e a rapidez dos transportes

    seriam um valor. Neste sentido, a globalizao uma fase capitalista, na qual se

    busca uma racionalizao global, inclusive, dos padres culturais, e tais padres

    culturais mundializados no podem ser apreendidos, em funo dos bens sociais

    concretos.

    Essa racionalizao exclusiva impede que aqueles que educam para sade,

    muitas vezes, manipulem o seu espao e, tambm, favoream novas formas de

    pensar o conhecimento. Nesta perspectiva, o ato de educar para a sade fica

    fragilizado, no intuito de abrir caminhos para alternativas condizentes com o seu

    conceito contemporneo, j que a definio que cada indivduo tem sobre sade

  • 24

    influencia no s na perspectiva sobre educao para sade, mas tambm, na forma

    como nos envolvemos nas prticas nesse campo. Conforme Garcia (2000), ao

    assumirem essa questo, os educadores para sade devem desenvolver as

    estratgias pedaggicas mais adequadas para os programas de educao para

    sade, levando em considerao o meio sociocomunitrio em que o indivduo est

    inserido e os princpios bsicos para uma interveno socioeducativa democrtica e

    respeitosa. Desta forma, de acordo com o autor, os educadores para sade

    colaborariam com as comunidades, favorecendo o seu desenvolvimento no

    encaminhamento das mudanas nas condies sociais, polticas, econmicas e de

    meio ambiente e, consequentemente, do bem-estar individual e coletivo.

    Para Sampaio (2010, p. 23),

    as ideologias que dominam o planeta, decorrentes de todo o processo da inconscincia humana, desumanizao e fragmentao esto voltadas para as questes externas materiais, econmicas, de domnio e competio, sem levar em considerao o respeito pela vida, pela natureza, pela dignidade do ser humano.

    Freire (2001), neste contexto, afirma que a racionalidade faz parte de um

    contexto dito moderno, mas isto no significa menosprezar a formao de um

    sujeito-no-mundo que se sinta responsvel por si prprio perante a sociedade.

    Uma viso dinmica a respeito do contexto social e ambiental fundamental

    na educao para sade, visto que se torna importante serem analisados os

    determinantes de sade e da doena nos indivduos e comunidades. Nesta linha, a

    Organizao Mundial de Sade (OMS) (1978, p. 62) afirma que

    ainda h muito que avanar para conseguir compreender as relaes entre sade e os componentes de estilos de vida especficos. Numerosos estilos favorecem a sade, desenvolvem o bem-estar fsico e mental e protegem o indivduo do stress. Outros englobam comportamentos que podem ser prejudiciais sade.

    A OMS adotou um conjunto de metas que tem como finalidade proporcionar a

    todos os habitantes um nvel saudvel, que lhes permita uma vida social e

    economicamente produtiva, e, dentre as estratgias, a educao para sade se

    destaca. Cabe a reflexo que o fator de melhoria do bem-estar fsico dos indivduos,

  • 25

    das comunidades e, por conseguinte, do nvel de sade integral, a sade.

    Contudo, interroga-se sobre o tipo de educao que permite alcanar um bom nvel

    de sade integral.

    Assim, o que precisa ser resgatado, neste contexto, a emergncia do

    homem ser o sujeito de sua prpria educao, e, neste sentido, o foco integral nutre-

    se, fundamentalmente, das teorias da Psicologia Cognitivista, Humanista e do

    modelo dialgico de Paulo Freire. Freire (1979, p. 30), diz que, quando o homem

    compreende a sua realidade, pode levantar hipteses sobre o desafio dessa

    realidade e procurar solues para ela.

    Seguindo o pensamento de Freire (1979), neste enfoque, preciso associar a

    ideia de sujeito inseparvel das relaes sociais, conforme esclarece Sampaio

    (2010), ao risco de erro e iluso. Desta forma, os diversos nveis educacionais

    precisam trabalhar pela sustentabilidade social do planeta e a integrao do ser

    humano consigo mesmo e com o pensar-sentir-agir.

    Qualquer ao, no sentido de trabalhar hbitos de sade e estilo de vida,

    implica mudana individual e comunitria. Quando somente o aspecto individual

    trabalhado, raramente, ocorre uma resposta positiva da pessoa. A educao para

    sade deve, desta forma, estabelecer uma ligao com a histria de vida das

    pessoas, as suas crenas, os seus valores e relacionamentos, enfim, tudo que as

    rodeia.

    Freire (2001, p. 61) pergunta e, ao mesmo tempo responde: Como chegar a

    isto? Utilizando um mtodo ativo de educao, um mtodo de dilogo crtico e que

    convide crtica modificando o contedo dos programas [...].

    Seguindo uma lgica semelhante, Sampaio (2010) acredita que a integrao

    do educador e do educando favorece a fora que impulsiona o ser humano para

    uma nova ordem social. Essa simbiose deve permear as aes de quem educa para

    a sade, e este educar deve considerar o essencial e reconhecer a formao da

    cultura e de novas relaes sociais. O prprio processo educativo, portanto, conduz

    sade do homem, o qual se insere, tambm, no seu projeto de vida. A educao

  • 26

    v-se como uma das melhores formas, para elevar a qualidade de vida e o nvel de

    sade das pessoas. Ento, o papel do educador criar condies, para que o

    homem possa desenvolver as suas capacidades.

    Ao desenvolver suas capacidades, conforme Freire (2001, p. 42),

    [...] o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexo, crtica, inveno, eleio, deciso, organizao, ao [...] todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser ou no somente adaptado realidade aos outros, mas integrado.

    Entendemos que a educao um processo dinmico e que, concretamente

    na educao para sade, tal caracterstica busca ensinar o homem a pensar e

    decidir por si mesmo perante situaes e momentos da sua vida individual e coletiva.

    A educao para sade deve, pois, constituir um processo interativo, reconhecido e

    aceito pela comunidade, e adquirir uma postura de participao ativa e de parceria.

    Educar pessoas para sade criar condies para que elas se transformem,

    mostrando-lhes que podem aprender, e se sensibilizem quanto importncia dos

    conhecimentos.

    Nesta perspectiva, segundo Freire (2001), a cultura uma aquisio

    sistemtica da experincia, crtica e criadora e no, uma justaposio de

    informaes. O autor segue dizendo que ningum luta contra as foras que no

    compreende. Ao contrrio desse entendimento, os anos 80 foram marcados pela

    crise do Estado que agravou as desigualdades sociais e acentuou a intensificao

    das prticas em educao para sade, guiada por procedimentos preestabelecidos,

    estandardizados e derivados, apenas, dos conhecimentos cientficos.

    Ainda, nesta perspectiva, temos de considerar que essas prticas invadem a

    vida das pessoas, inclusive, aquilo que considerado sagrado no discurso liberal, a

    privacidade dos indivduos, indo de encontro da prtica social de culto democracia.

    Assim, devem ser considerados outros espaos de cidadania, com novas

    prticas em educao para sade. Isto, sem dvida, pressuporia novas formas de

    participao ou, ainda, para Zanin (2011), pressuporia promover o prolongamento do

  • 27

    conceito de cidadania, no sentido de eliminar os mecanismos de excluso ou ainda

    de se buscar a combinao de formas individuais com formas coletivas.

    Vrias tcnicas podem ser usadas a servio desse processo, porm mais

    importante do que o uso das tcnicas o processo em si, ou seja, a possibilidade de

    as pessoas manifestarem-se como sujeitos e de sentirem-se capazes de ajudar a

    encontrar novas solues ali, onde, muitas vezes, as certezas absolutas tornam-se

    obstculos para o desenvolvimento das possibilidades da prpria vida. O alcance de

    iniciativas de educao para a sade, orientada de modo a viabilizar aes de sade

    integral, sero tanto maiores quanto mais estiveram articuladas, para lidar com a

    complexidade e a incerteza.

    Parece claro que o fator base do melhoramento dos indivduos, das

    comunidades e do seu nvel de sade a educao. No entanto, podemos continuar

    interrogando sobre qual o tipo de educao permitir alcanar esses objetivos. Mais

    uma vez, Freire (2001) responde essa questo, ao distinguir dois processos

    contraditrios de educao: aquele, no qual os homens caminham, no sentido de se

    tornarem cada vez mais sujeitos, pessoas, tudo; e aquele, no qual so reduzidos a

    se tornar, cada vez mais, objetos, coisas, nada.

    Nessa abordagem, percebe-se a complexidade dos tempos atuais. Isto

    implica dificuldade de proceder a uma anlise que se volte para a crtica em relao

    ao poder institudo, na perspectiva de um envolvimento orgnico. Por isso, adverte

    Minayo (2003) que os desafios que nos so colocados exigem que saiamos desse

    pndulo de no guiar nem servir. Em vez da distncia crtica, a proximidade crtica;

    em vez de compromisso orgnico, o envolvimento livre; e, em vez de serenidade

    autocomplacente, a capacidade de espanto e de revolta.

    Para a autora, essa a situao complexa que afeta os programas de

    educao para a sade. H posies alienadas que defendem que a educao para

    a sade deve constituir-se em instrumento no processo de transformao social; h

    tambm posies que defendem que a prioridade deve ser a pesquisa bsica e

    aplicada. O conhecimento reside, em ltima instncia, no prprio objeto, sendo o

  • 28

    papel da cincia descobrir a realidade e produzir um conhecimento verdadeiro sobre

    as propriedades do mesmo.

    Entrelaando os pensamentos de Freire (2011, 2001, 1979), Minayo (2003) e

    Almeida Filho (2011, 2000), podemos entender a prtica da educao para a sade

    como um caminho integrador que constitui um espao de reflexo-ao, fundado em

    saberes tcnico-cientficos e populares, culturalmente significativos para o exerccio

    democrtico, capaz de provocar mudanas individuais e prontido, para atuar na

    comunidade, contribuindo, assim, para a transformao social. Seguindo o

    pensamento de Freire, o exerccio de uma prtica educativa crtica, como

    experincia especificamente humana, constitui uma forma de interveno no mundo,

    comprometida com o princpio da democracia que rejeita qualquer forma de

    discriminao, dominao e integra uma atitude de inovao e renovao na crena

    de que possvel mudar.

    Neste sentido, compreendemos a educao para sade, inspirada nos

    pensamentos de Freire, coerente e competente, que testemunha o seu gosto pela

    vida, a sua esperana em um mundo melhor, que atesta a sua capacidade de luta, o

    seu respeito s diferenas da realidade e a maneira consistente com que vive a sua

    presena no mundo.

    Desta forma, educar para sade estar aberto ao contorno geogrfico, social,

    poltico e cultural do indivduo, bem como da comunidade.

    2.1.2 Referenciais que educam para sade

    Os Programas de Educao para Sade devem ser norteados por desafios

    em trs planos que incluem: religar saberes inter-poli-tranculturais (MORIN, 1999),

    construir solidariedade e, sobretudo, deixar atravessar os valores que devem ser

    dinamizados na prtica.

    Ao longo do tempo, a educao para sade trouxe, em sua prtica, uma

    influncia de aes multidisciplinares, por muitas vezes, focalizada apenas na parte

    doente, esquecendo-se da ideia que o indivduo um todo. O que se busca na

  • 29

    proposta da educao para sade integral uma integrao da cincia social com a

    cincia da sade, envolvendo profissionais distintos em um trabalho interdisciplinar,

    complementar e cooperativo.

    Alm disso, destaca-se que uma nova disciplina jamais surge do nada, e ela

    passa a se alimentar de outras disciplinas, as chamadas disciplinas me. A

    educao para sade, desta forma, situa-se na interseo dos diversos aportes

    tericos e prticos que a configuram, e, neste enfoque, est como uma disciplina e

    uma prtica profissional ecltica. Sendo assim, recebe ideias, teorias e mtodos,

    procedentes de muitas reas do conhecimento, nos quais podemos assinalar a

    psicologia, as cincias da sade, a educao e a comunicao que, por sua vez,

    possuem suas razes em muitos outros componentes das cincias humanas

    (GARCIA, 2000).

    A educao para sade associa, em sua denominao, as cincias da

    educao e da sade, portanto o desafio de quem educa para sade passa pela

    criao de mecanismos, capazes de liderar o processo de modernizao do

    conhecimento e resolver os problemas mais simples da maioria da populao. Logo,

    o conhecimento passa a ser o elemento imprescindvel para a promoo da sade

    integral.

    Segundo Freire (1979, 2011), a resposta se possvel comea a ser

    articulada, quando se tenta desconstruir o (suposto) saber, para reconstru-lo em

    uma perspectiva histrica, transformando o conhecimento em um instrumento que

    possa contribuir para a conscincia crtica. Ao objetivar a emancipao dos

    indivduos, dos grupos e da sociedade, a educao para sade permite a

    contradio e o conflito, sintetizando uma nova prxis integrando a qualidade de

    vida aos processos da sociedade. por meio do processo de educao que o ser

    humano levado a investir e responder de acordo com a sua cultura ou extrato

    social. Assim que ele constri as suas referncias.

    Freire (1979, 2001, 2011), ento, defende um modelo educativo, no qual as

    pessoas so estimuladas a desenvolver uma conscincia crtica, pelo processo de

    anlise coletiva de problemas, na busca de solues e estratgias conjuntas para a

  • 30

    mudana da realidade. Essa pedagogia evidncia a formao de um indivduo mais

    crtico e questionador.

    Sampaio (2004, p. 102), ao comentar sobre o assunto, assevera que, na

    vida, o homem busca obter excelncia e, assim, satisfazer a principal aspirao

    humana. A excelncia no competir com os outros, mas, consigo mesmo. A

    excelncia uma atitude diante da vida e pode ser aprendida.

    Devido importncia das mudanas comportamentais, quando se fala de

    educao para sade integral, remete-se necessidade de analisar condutas e

    estratgias para a construo de um modelo socioeducativo que integre distintas

    teorias e que sirvam para abrir os caminhos da reflexo e permitam estabelecer

    planos de desenvolvimento. As estratgias devem, por conseguinte, ser eficazes na

    produo de resultados para aquelas pessoas que tm expectativas de resolver as

    suas necessidades, a partir da realidade que pertencem.

    No Quadro 1, so apresentadas as propostas dos referenciais de interveno

    segundo Garcia (2000).

  • 31

    Quadro 1 - Referenciais de interveno educativa para sade

    Referenciais de Interveno Educativa para Sade

    Informativo Motivacional Poltico-econmico-ecolgico

    Conceito de sade Ausncia de enfermidade.

    Objetivo vital. Recurso vital.

    Anlise da realidade Papel das condies fsicas e ambientais.

    Orienta-se pelas normas sociais

    dominantes. No considera os efeitos

    ambientais.

    nfase nos efeitos dos fatores sociais e fsicos da sade.

    Objetivos Proporcionar informao sobre

    normas de higiene e conduta.

    Fazer com que o educando adquira

    habilidades que outros consideram benficas

    para a sade.

    Desenvolver a capacidade de anlise

    que desenvolvam habilidades para a gerao de sade.

    Metodologia Transmisso de conhecimento, normas

    e valores.

    Persuaso, para que assuma uma nova

    conduta.

    Participao, trocas colaborativa.

    Aprendizagem contextual.

    Prtica educativa Protecionista. Unidirecional.

    Unidirecional. Controlada

    tecnologicamente.

    Bidirecional. Busca a autonomia das

    pessoas.

    Papel do educador Prescritivo. Detm o conhecimento e por

    isto decide.

    Controlador do processo de

    aprendizagem.

    Mediador junto com a comunidade.

    Papel do educando Obediente. Passivo. Responsvel pela m conduta em sade.

    Passivo em relao ao conhecimento. Ativo

    no ajuste do prescrito.

    Participativo. Verdadeiro e

    protagonista da ao educativa.

    Fonte: Adaptado pela autora, a partir de MARTINEZ, Alfonso Garcia; Juan SEZ CARRERAS, Juan; HARO, Andra Escarbajal de. Educacin para la salud: la apuesta por calidad de vida. Madrid: Arn, 2000, p. 180.

    De acordo com Almeida Filho (2011), a educao para a sade integral deve

    ser orientada por um modelo educativo emancipador que promova a qualidade de

    vida e responda s necessidades sociais, diferentemente da tendncia curativa,

    desenvolvida por meio de programas verticais.

    Sampaio (2010, p. 100) complementa o supracitado autor, quando diz que a

    pedagogia do ser sinaliza um caminho para transformao humana que se d no

    processo de integrao do ser humano consigo mesmo, com o outro e com o

    ambiente em que vive.

  • 32

    O Quadro 2, a seguir, apresenta uma comparao entre o modelo curativo e o

    modelo emancipador, a partir dos diversos elementos norteadores do processo de

    educao para sade integral.

    Quadro 2 - Comparativo entre o referencial curativo e o emancipador

    Elementos Curativo Emancipador

    1. Usurio Indivduo Grupos da populao

    2. Iniciativa Doente Profissionais e comunidade

    3. Possibilidade de escolha Ampla Restrita

    4. Acesso Difcil Fcil

    5. Assistncia Pontual Continuada

    6. Continuidade Mnima Alta

    7. Atitude do usurio Obedincia Participante

    8. Atitude dos profissionais Tecnocrtica Democrtica

    9. Tcnicas Diagnstico + Tratamento Identificao e soluo dos problemas atravs da educao e da mudana

    10. Enfoque Individual Comunitrio, grupal

    11. Caracterstica Relao mercantil Autonomia da ao

    12. Financiamento Direto do usurio ou pblico Pblico ou recursos comunitrios

    13. Avaliao Melhora do doente Aumento de qualidade de vida

    14. Juzo de valor Qualidade Melhora e desenvolvimento da comunidade ou do grupo

    15. Tendncia Ideolgica Liberal Democrtica radical

    Fonte: Adaptado pela autora, a partir da obra de BOSI, Maria Lucia Magalhes; MERCADO, Francisco J. (Orgs.). Avaliao qualitativa de programas de sade: enfoques emergentes. 2. ed. Petrpolis: Vozes, 2006, p. 161-228.

    As posies de Garcia (2000) e Bosi (2006) indicam a importncia de uma

    relao dialgica e permanente entre sujeitos, conceitos prvios, experincias e

    contextos, como a base do aprendizado humano no que se refere ao tema

    educao para sade. Por este motivo, exigem uma especial proximidade entre os

    mtodos didticos e a vida real do aprendiz, bem como a valorizao dos seus

    saberes prvios e a reflexo crtica e diuturna sobre a prtica objeto central da

    preocupao de Paulo Freire, educador brasileiro, cujas contribuies alertam para o

    compromisso dos profissionais de todas as reas com a sociedade.

  • 33

    Freire (1979, p. 17) afirma que

    [...] no h homem sem mundo, nem mundo sem homem, no pode haver reflexo e ao fora da relao homem-realidade. Esta relao homem-realidade, homem-mundo, ao contrrio do contato animal com o mundo, como j afirmamos, implica a transformao do mundo, cujo produto, por sua vez, condiciona ambas, ao e reflexo.

    De acordo com Barata (2009), no desenvolvimento da educao para a sade

    integral, devem ser observadas as alteraes sociopolticas e a evoluo dos fatores

    de risco. No contexto dos fatores de risco, a educao para sade que segue o

    modelo informativo considera, de maneira protecionista, que os hbitos e os

    comportamentos no saudveis tm origem na falta de informao.

    A proposta de Barata (2009) considera a educao para a sade centrada na

    mudana de comportamento. O seu objetivo obter comportamentos saudveis, e a

    informao , apenas, um elo do processo. A sade integral, neste foco,

    considerada resultante do comportamento do indivduo, determinado por estmulos

    do meio onde est inserido.

    Por ltimo, a educao para sade integral denominada crtica, que surgiu

    ante as insuficincias das abordagens anteriores, prope alternativas de mudanas

    sociais, ligando a morbimortalidade estrutura econmica, tenta reduzir as

    desigualdades e potencializar a participao comunitria.

    Conforme Freire (2003), nessa ao, os atores no chegam ao mundo

    popular como invasores, mas, sim, para conhec-lo com o povo e no, para ensinar,

    ou transmitir, ou entregar nada ao povo. O propsito, entretanto, no a

    manipulao, mas, a construo de uma sntese, mediante ao conjunta e criativa

    dos sujeitos. Ao invs da imposio de modelos e prescries, os sujeitos decidem

    juntos quanto ao que exercero sobre a realidade.

    Evidentemente que essa aproximao corresponde ao que Buber (1974)

    nomeia Eu-Tu e no pode ser mantida indefinidamente, devendo ser alternada com

    o distanciamento, atitude Eu-Isso.

  • 34

    Sem desconsiderar as demais prxis educativas, fazemos referncia ao

    reconhecimento do papel dos processos de educao como elemento de

    transformao, por mais complexos que sejam os contextos. Destacamos, assim, o

    papel revolucionrio do cotidiano, cabendo, evidentemente, como sensibilizar os

    catadores, sujeitos que, nesta proposta, queremos valorizar, sendo este um desafio,

    uma vez que no comporta solues simplistas nem tampouco generalizveis.

    Bosi e Mercado (2006, p. 104), neste sentido, enfatizam que

    [...] a construo de prticas centradas na integralidade e humanizao demanda, conforme j assinalado, um processo complexo de formao que deve, tambm, permitir que o aluno eduque suas emoes, aprendendo a lidar com o seu sofrimento, as suas fragilidades e imperfeies e reconfigurando sua compreenso no sentido fenomenolgico-hermenutico do termo uma vez que s se pode compreender (e, por conseguinte, aceitar e respeitar) verdadeiramente algum no ato de ser o que se com tudo o que isto implica.

    Um referencial centrado na integralidade indica que quem educa para sade

    um facilitador, e por que no dizer um cuidador, considerando que encaminha, junto

    aos seus educandos, a compreenso das condies em que vivem e, juntos,

    determinam o que pode ser alterado.

    Nesse modelo, as dinmicas dos processos de ensino e aprendizagem

    buscam inspirao freiriana, norteadas no mais adequado para o estabelecimento

    de uma educao transformadora para a mudana social.

    2.1.3 A construo da abordagem integradora

    O sculo XX assistiu a um notvel desenvolvimento econmico e tecnolgico,

    sobretudo nos chamados pases industrializados. Apesar do ritmo acelerado

    observado nesse sculo, pode-se dizer que parte das mudanas comeou a ocorrer

    a partir do sculo XIX, poca em que se deflagrou a Revoluo Industrial.

    A medicina, especificamente, beneficiou-se, no sculo XIX, de

    acontecimentos, como a disseminao das vacinas e as descobertas da anestesia e

    da existncia dos microorganismos. Esses avanos, aliados a uma euforia positivista

  • 35

    em uma era de f na cincia e em sua capacidade promissora de tornar melhor a

    vida do homem, fizeram-se acompanhar de uma unio bem sucedida e estvel.

    Tal unio fez com que as condies de vida e sade, no ltimo sculo,

    melhorassem de forma continua e sustentadas na maioria dos pases, isto tambm

    ocorreu, devido aos progressos polticos, econmicos, sociais e ambientais, assim

    como aos avanos na sade pblica e da tecnologia na medicina.

    Por vezes, ouvimos dizer a seguinte frase: Sade no doena, sade

    qualidade de vida. Por mais correta que esteja tal afirmativa, costuma ser vazia de

    significado e, frequentemente, revela a dificuldade que temos de encontrar algum

    sentido terico e epistemolgico fora do marco referencial do sistema mdico.

    Ser que temos a dimenso precisa do significado dessa expresso, com a

    qual nos deparamos e a qual recorremos, s vezes, com frequncia abusiva. Temos

    conscincia do que ela representa para cada indivduo? Qual ser o sentido

    individual que cada um coloca para a integralidade da sua sade e de ser saudvel?

    Para Wilber (2007, p. 46), algumas doenas tm causas e curas amplamente

    fsicas (atropelamento por nibus, fratura na perna), no entanto a maioria das doenas

    tem, entre suas causas e curas, componentes emocionais, mentais e espirituais.

    Leloup (2012a, p. 16) complementa a ideia acima, ao esclarecer que,

    dessa maneira, denomino anamnese essencial a arte e a prtica de lembrar-se do Ser, por meio das memrias do corpo fsico e das marcas psicolgicas deixadas nele. Porque o corpo humano se recorda de todos os momentos que atravessou e viveu.

    Dizer, portanto, que o conceito de sade integral tem relaes ou deve estar

    mais prximo da noo de qualidade de vida e que sade no mera ausncia de

    doena j um bom comeo, porque manifesta o mal-estar com o reducionismo

    biomdico (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).

  • 36

    Boff (2007, p. 45) assume, assim, o conceito de homem integrado, ao dizer

    que ele

    no deve ser somente perfeito no equilbrio de suas tenses para fora de si mesmo. Ele deve ser integrado na harmonia de seus dinamismos interiores conscientes e inconscientes. O homem se apresenta, em si mesmo, como um n de tenses e paixes.

    preciso compreender sade como qualidade vital que afeta a integralidade

    da vida, e so muitos os fatores que interferem no estado de sade, so eles:

    fsicos, mentais, espirituais, sociais, culturais, econmicos, entre outros que no

    podem ser analisados e sistematizados a partir de uma nica teoria. Entretanto,

    comum conceituar sade a partir das carncias, da a definio que popularmente se

    escuta de sade como ausncia de doena.

    Segundo Garcia (2000, p. 19), En efecto, la salud es un estado, esto es, una

    cualidad vital que afecta a la totalidad de la vida misma y, en tanto que tal,

    representa un desafio permanente para cualquier definicin precisa y medible.

    Na tecitura das leituras dos autores, Almeida Filho (2011), Boff (2007, 2012,

    2011, 1999), Capra (2002), Crema (1995), Frankl (2008), Leloup (2012a, 2012b),

    Morin (1999), Wilber (2007), Pelizzoli (2010) e Torralba (2009), com o vis de

    formao e da vivncia da pesquisadora na rea de educao e sade, arrisca-se

    entender a abordagem integradora da educao para sade como uma posio que

    promove a interdisciplinaridade, pois os problemas de sade das pessoas no esto

    organizados de forma congruente com os interesses corporativos. A posio

    integradora prope uma dialtica entre corpo-esprito, que se refere a uma

    interpretao e integrao entre as vrias dimenses do ser humano. No h

    fronteiras entre o fisiolgico, o psicolgico e o social, visto que eles constituem-se

    em um todo integrado. Os pensamentos, as crenas e os sentimentos esto

    encarnados no corpo. As vivncias pessoais da pessoa, o seu ambiente, os seus

    pensamentos, os sentimentos e as crenas vivem intimamente com os seus

    msculos, tendes, ossos, nervos, hormnios e posturas corporais.

    Assim, as vivncias culturais e pessoais esto impregnadas no corpo. O termo

    atitude, por exemplo, etimologicamente, evoluiu no sentido de significar disposio

  • 37

    do esprito, traduzida pela do corpo, isto , a postura ou o ngulo em que a pessoa

    est inclinada a partir da vertical. Neste contexto, curar no curar o corpo-objeto,

    mas, a pessoa.

    Essa viso integrada da pessoa v qualquer processo, seja um conflito

    psicolgico ou social ou um sintoma fsico, como parte de um todo, que inclui

    aspectos biolgicos, psicolgicos e sociais. Assim, algo que ocorre no domnio da

    mente, como sentimentos e hostilidade, inclui uma expresso fsica, como os

    padres de postura ou tenso corporal, a forma como a pessoa respira, as

    alteraes cardacas, a expresso social e a deteriorao de relaes interpessoais.

    As referidas dimenses so consideradas partes integradas em um todo que do

    origem a uma expresso unitria.

    Essa incurso sobre integralidade nos remete, inevitavelmente, a uma breve,

    mas necessria, considerao sobre a noo de cuidado que permeia toda esta

    reflexo, fundada na proposio de que o cuidado transcende o mbito prtico da

    educao para sade. Boff (2012) assinala que o cuidado to ancestral como o

    universo, e nele reside a essncia do humano. Portanto, cuidar de algum mais

    que construir um mtodo ou definir um programa de interveno. Para cuidar, h que

    se considerar e construir programas de educao para sade que sustentem, ao

    logo de algum tempo, uma certa relao.

    As metodologias que buscam educar para sade integral devem juntar todos

    os aspectos da pessoa, de forma que esta possa experienciar um organismo

    unitrio, em vez de uma mistura de partes, as quais, em que todas as dimenses,

    tm de ser conectadas ou ligadas dialeticamente, para promover e facilitar o

    processo preventivo ou de tratamento. Para Torralba (2009), seria necessrio

    revisar, a fundo, os processos formativos e introduzir conhecimentos novos para o

    aprofundamento na essncia do universo pessoal.

    A construo do conceito de sade integral tem despertado interesse

    cientfico e uma conscientizao cada vez maior, recebendo a devida considerao

    em uma abordagem integrada e interdisciplinar, na tentativa de solues holsticas e

    voltadas para o bem-estar do ser humano.

  • 38

    Segundo o Ministrio da Sade (2002), a viso integral de sade,

    apresentada em contraposio ao modelo biomdico, pressupe que todos os

    sistemas e as estruturas que regem as condies sociais e econmicas, assim como

    as condies do ambiente fsico, devem ser considerados quanto ao seu impacto

    nas condies de sade e na qualidade de vida dos indivduos e da coletividade. A

    viso integral da sade, enquadrada como um componente fundamental da

    qualidade de vida, remete importncia da intersetorialidade de medidas que

    enfatizam a necessidade da participao social e o fortalecimento do poder local e

    das comunidades.

    A partir da dcada de 70, com a crise nos servios de sade e a necessidade

    de rever essa concepo limitada do processo de sade-doena, o governo do

    Canad publicou um documento sobre a nova perspectiva de sade dos

    canadenses, conhecido como Informe Lalonde (1974), no qual a sade era

    relacionada a diversos fatores que deveriam ser analisados em conjunto. Esse

    documento decompe o campo da sade em quatro componentes que so: a

    biologia humana, o meio ambiente, o estilo de vida e a organizao da ateno

    sade. Lalonde (1974, p. 4) conclui que,

    at agora, quase todos os esforos da sociedade para melhorar a sade, assim como a maior parte dos gastos diretos em matria de sade, tem se concentrado na organizao da assistncia mdica. Entretanto, as causas principais de enfermidade e morte tm a sua origem nos outros trs componentes: a biologia humana, o meio ambiente e o estilo de vida.

    Estudos nas comunidades carentes, de acordo com Vasconcelos (1998),

    demonstraram que a interao entre profissionais que educam para sade e a

    populao, com a troca de conhecimentos e saberes, favorece traar estratgias

    mais adequadas s realidades locais. As referidas estratgias, ressalta o autor,

    no se restringiram aos cuidados tradicionais de higiene, ao tratamento e

    preveno das doenas, mas ampliaram a atuao dos profissionais educadores

    para sade para as dimenses psicossociais dos problemas, responsveis pelo

    adoecimento e o sofrimento crnico da populao. Esses profissionais enfatizam o

    cuidado e o apoio social das famlias, com objetivo de ajud-las a reconstruir os

    seus caminhos de vida.

  • 39

    Dentro dessa abordagem, torna-se possvel organizar prticas de educao

    para sade, voltadas para a integralidade na ateno e no cuidado, o que

    necessariamente implica rever a teoria de sade-doena que sustenta essas

    prticas (ALMEIDA FILHO, 2001). Nesse sentido, acrescenta o autor que a

    promoo da sade, como paradigma orientador das prticas sanitrias, somente

    se viabiliza a partir da concepo positiva de sade, tanto no nvel individual como

    coletivo.

    O que significa, ento, sade integral? Quais dimenses estariam envolvidas

    e prioritariamente deveriam ser atendidas?

    Enquanto, para alguns, significa boa condio financeira, que possibilite uma

    vida de conforto material e acesso a bens de consumo, para outros, poderia

    significar a realizao pessoal ou profissional, satisfao na vida ou, ainda, para

    alguns outros, seria sinnimo de ter um emprego, da possibilidade de trabalhar e

    de garantir o seu prprio sustento. J, para tantos outros, poderia ser a

    possibilidade de uma vida saudvel, a recuperao da sade fsica ou mental e a

    paz interior.

    Neste contexto, somando-se a exploso dos custos na sade e as suas

    consequentes dificuldades financeiras, cria-se abertura para uma pergunta chave:

    De onde vem a qualidade de vida base da sade integral? Ou seria o inverso?

    A introduo do conceito de qualidade de vida, como medida de desfecho

    em sade integral, surgiu a partir da dcada de 1970, no contexto do progresso da

    medicina. Ele trouxe um prolongamento na expectativa de vida, na medida em que

    as doenas, anteriormente letais (por exemplo, infeces), passaram a ser

    curveis ou a ter, pelo menos, controle dos sintomas ou do retardo no seu curso

    natural.

    Conforme Almeida Filho (2009), seis grandes vertentes convergiram para o

    desenvolvimento do conceito de sade integral: 1) estudos de base epidemiolgica

    sobre a felicidade e bem-estar; 2) busca de indicadores sociais; 3) insuficincia das

  • 40

    medidas objetivas de desfecho em sade; 4) satisfao do cliente; 5) movimento de

    humanizao da medicina; e 6) Psicologia positiva.

    Diante dessa discusso, poderamos conceituar integralidade, como um

    princpio pelo qual as aes, relativas sade, devem ser efetivadas no nvel do

    indivduo e da coletividade, buscando atuar nos fatores determinantes e

    condicionantes da sade, garantindo, por conseguinte, que as atividades de

    promoo, preveno e recuperao da sade sejam integradas em uma viso

    interdisciplinar que incorpore, na prtica, o conceito ampliado de sade.

    Como enfatiza Wilber (2007), a abordagem integral envolve o cultivo do corpo

    no self, na cultura e na natureza. Para Pelizzoli (2010), o alerta de Wilber

    importante, quando consideramos ser ele, hoje, um dos portadores da bandeira de

    um novo paradigma da complexidade do que seja integral e, tambm, de uma

    sade integral que considere igualmente os aspectos subjetivos e objetivos da

    realidade humana.

    De acordo com Almeida Filho (2011), com o conceito de sade, publicado

    pela OMS em 1946, produziram-se grafismos, trusmos e tautologias das mais

    variadas e exticas formas, como o caso em que a sade aparece como uma

    mandala, totalizante das virtudes e dos valores humanos, como apresentado na

    Figura 1, a seguir.

  • 41

    Figura 1 - Dimenses da sade integral

    Fonte: ALMEIDA FILHO, Naomar de. O que sade? Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011, p. 10.

    Segundo o autor, a partir dessa anlise crtica, a sociedade literalmente bate

    porta das instituies acadmicas e cientficas, que supostamente deveriam saber

    o que , como se mede e como se promove a sade integral.

    A viso filosfica do ser humano, da existncia e da vida dirige todo o trabalho

    de aproximao e compreenso do conceito de sade integral. Torralba (2009, p.

    44) diz que,

    quando se pergunta filosoficamente o que a pessoa humana, pergunta-se sobre o sentido que tem a sua existncia, sobre a sua interioridade, sobre o invisvel da pessoa, pergunta-se qual o fundamento ltimo de seu ser, de seu obrar, de seu fazer, de seu pensar.

    Tericos, como Nietzsche, por exemplo, apresentam o homem como algo que

    no pronto, mas, sim, um conjunto de possibilidades que vai se atualizando no

    decorrer de sua existncia, a qual instvel, incerta e, at mesmo, contraditria. O

    existir entremeado de escolhas, s vezes, fceis e, outras vezes, exigindo

    decises que trazem ansiedade e angstia.

  • 42

    Para Torralba (2009, p. 62), talvez, na filosofia contempornea, o pensador

    que abordou com mais penetrao intelectual a questo da finitude do ser foi Martin

    Heidegger em Ser e Tempo. Heidegger (2001) define o homem como o ser-no-

    mundo, um ente particular que s existe e pode ser compreendido em sua relao

    com o mundo, relao na qual cria o mundo, enquanto criado por ele.

    De fato, o nosso viver dirio nos revela que nossas vivncias no esto

    contidas apenas dentro de ns mesmos, mas se manifestam e esto intimamente

    relacionadas ao nosso ambiente, s pessoas e s situaes em que nos

    encontramos ou s quais nos reportamos por meio da memria ou da imaginao.

    Segundo Pelizzoli (2010), para o bem-estar, as condies intensas so muito mais

    importantes, pois o estado da mente que interpreta a situao externa.

    Na verdade, embora no se possa negar a essncia do homem, no por

    meio dela, de princpios e verdades imutveis, colocadas acima de qualquer

    existncia, que podemos chegar ao ser. O homem transcende um determinado

    mecanismo e o adota de uma forma muito peculiar. Se seu significado aparece em

    funo da pessoa, este ser existente que escolhe a sua prpria existncia pela

    relao que mantm com a verdade e a realidade interpretadas por ele.

    Frankl (2008) uma inspirao neste momento, quando aborda as trs

    atitudes facilitadoras da relao teraputica: a considerao positiva, a coerncia e a

    empatia, que auxiliam a pessoa na busca do sentido para sua vida, com um respeito

    especial pelo que eminentemente existencial. Boff (1999, p. 18), neste sentido,

    assevera que [...] o crescimento material ilimitado, mundialmente integrado, sacrifica

    2/3 da humanidade, extenua recursos da Terra e compromete o futuro das geraes

    futuras vindouras, o que traz, conforme ele, um sintoma doloroso de difuso mal-

    estar da civilizao.

    Boff (1999, p. 25) segue a reflexo, explicando que,

    [...] aps sculos de cultura material, buscamos hoje ansiosamente uma espiritualidade simples e slida, baseada na percepo do mistrio do universo e do ser humano, na tica da responsabilidade, da solidariedade e da compaixo, fundada no cuidado, no valor intrnseco de cada coisa, no

  • 43

    trabalho bem feito, na competncia, na honestidade e na transparncia das intenes.

    O autor acrescenta que o cuidado abrange mais que momentos de ateno e

    de zelo, sendo mais que um ato e, sim, atitude de responsabilizao, de

    ocupao, preocupao e envolvimento afetivo, atingindo a dimenso material,

    pessoal, social, ecolgica e espiritual.

    Neste contexto, oportuno lembrar Capra (2002), quando considera que

    cuidar uma viso de mundo que reconhece o valor inerente da vida no humana.

    Todos os seres vivos so membros de comunidades ecolgicas, ligadas umas s

    outras, em uma rede de interdependncias. Quando essa percepo ecolgica

    profunda torna-se parte de nossa conscincia cotidiana, emerge um sistema de

    tica.

    Retomando Heidegger (2001), o filosofo do cuidado por excelncia, em seu

    famoso livro Ser e Tempo, diz que cuidar significa um modo-de-ser essencial,

    sempre presente, em uma dimenso frontal, originria e ontolgica. Para esse

    filsofo, o cuidado entra na natureza e na constituio do ser humano, propondo que

    no temos cuidado, mas somos cuidado. Mostrou que realidades fundamentais,

    como o querer e o desejar, se encontram enraizados no cuidado essencial, como

    subjacentes a tudo que o ser humano empreende, projeta e faz.

    Cuidar, querer e desejar parecem os pilares das condies gerais que

    facilitam ou no, o desenvolvimento humano, pretendido para sade integral, para a

    satisfao com a vida como um todo, mesmo na impossibilidade da eliminao total

    do sofrimento, o qual faz parte do processo vital.

    Apesar de no se estabelecer um nico conceito, certamente devido

    complexidade do tema que polissmico, multidimensional, multidisciplinar e

    intrinsecamente subjetivo, podemos dizer que o conceito de sade integral tambm

    passa pelo valor da opinio dos indivduos sobre si mesmos, privilegiando os

    aspectos subjetivos nele contidos e estimulando estudos e discusses.

  • 44

    Os educadores para sade devem se sentir autorizados a reagir

    racionalmente frente a determinadas inrcias que maculam a eminente dignidade da

    pessoa humana e o respeito que ela merece, especialmente, se ela sofre uma

    situao de mxima vulnerabilidade. Sobre a vulnerabilidade do ser humano,

    Torralba (2009, p. 58) se refere nos seguintes termos:

    O ser humano vulnervel, mas, alm de s-lo, pode ser consciente de sua vulnerabilidade, ou seja, pode refletir acerca dela, tratar de buscar solues e frmulas, para combater o desalento, o cansao, a doena, a insegurana e tudo que est relacionado com a vulnerabilidade. Um ser vulnervel um ser quebradio, cuja integralidade est constantemente ameaada por elementos externos e internos.

    Na abordagem integradora, o educador deve congregar a capacidade e a

    habilidade de desenvolver nos diferentes grupos, mesmo naqueles na mais

    vulnervel condio social, acordos comuns, favorveis manuteno de uma

    sade integral. Vila e Vila (2007) reforam a relevncia da abordagem integradora

    ao assinalarem que estudos em educao para sade objetivam suscitar o

    envolvimento de uma determinada comunidade e promover transformaes,

    orientando-se para aes, cuja essncia est na melhoria da qualidade de vida.

    2.2 O CATADOR: SEU TRABALHO E SUA SADE

    A seo, a seguir, discorre acerca do catador e do seu trabalho, alm do

    ambiente da unidade de triagem, refletindo a respeito dos riscos e agravos deste

    ambiente para a sua sade.

    2.2.1 Catador: quem esse trabalhador?

    A transformao do trabalho e as estratgias de convivncia com o

    desemprego fizeram surgir, ao longo do tempo, novas atividades de gerao de

    renda. Catar, selecionar e coletar lixo urbano tm sido uma alternativa de muitos,

    surgindo, assim, a atividade dos catadores. Em seu estudo sobre as transformaes

    no mundo do trabalho, Marinho (2005, p. 27) afirma que o trabalho passou a ser o

    sentido da vida, possibilidade de enriquecimento futuro, e, para alm do problema

    da sobrevivncia, ainda que heternomo, proclamado como virtude. Logo, catar

  • 45

    lixo, como qualquer atividade informal que agregue valor sociedade

    contempornea, trabalho.

    A relevncia social dessa temtica encontra subsdios a partir de dados do

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) Pesquisa Nacional de

    Saneamento Bsico (PNSB) 2000, segundo os quais se estima que, no Brasil, haja

    em torno de 24.500 pessoas trabalhando nos locais de disposio final lixes,

    aterros e unidades de triagem, dentre outros.

    So muitas as pessoas que sobrevivem da coleta, separao, classificao e

    venda de material reciclvel. Na verdade, sempre estiveram presentes os que

    carregavam carrinhos ou sacos de objetos variados, objetos resgatados daquilo que

    a sociedade prefere descartar. Por muitos anos, pensava-se que coletavam coisas

    inteis ou de pouco valor e no despertavam a ateno e talvez, por vezes, nojo.

    De acordo com os dados do Movimento Na