descentralizar é fragmentar, riscos

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Revista Crítica de Ciências Sociais 77 (2007) Poderes locais em perspectiva comparada ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Tiago Matos Fernandes Descentralizar é fragmentar? Riscos do pluralismo administrativo para a unidade do Estado em Moçambique ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aviso O conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusiva do editor. Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digital desde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquer exploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e a referência do documento. Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casos previstos pela legislação em vigor em França. Revues.org é um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França) ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Referência eletrônica Tiago Matos Fernandes, « Descentralizar é fragmentar? Riscos do pluralismo administrativo para a unidade do Estado em Moçambique », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 77 | 2007, posto online no dia 01 Outubro 2012, consultado o 30 Janeiro 2013. URL : http://rccs.revues.org/795 Editor: Centro de Estudos Sociais http://rccs.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://rccs.revues.org/795 Este documento é o fac-símile da edição em papel. © CES

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Riscos da descentralização, um mito político!

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  • Revista Crtica de CinciasSociais77 (2007)Poderes locais em perspectiva comparada

    ................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    Tiago Matos Fernandes

    Descentralizar fragmentar? Riscosdo pluralismo administrativo para aunidade do Estado em Moambique................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusivado editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexplorao comercial. A reproduo dever mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferncia do documento.Qualquer outra forma de reproduo interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislao em vigor em Frana.

    Revues.org um portal de revistas das cincias sociais e humanas desenvolvido pelo CLO, Centro para a edioeletrnica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - Frana)

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    Referncia eletrnicaTiago Matos Fernandes, Descentralizar fragmentar? Riscos do pluralismo administrativo para a unidade doEstado em Moambique, Revista Crtica de Cincias Sociais [Online], 77|2007, posto online no dia 01 Outubro2012, consultado o 30 Janeiro 2013. URL: http://rccs.revues.org/795

    Editor: Centro de Estudos Sociaishttp://rccs.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em: http://rccs.revues.org/795Este documento o fac-smile da edio em papel. CES

  • Revista Crtica de Cincias Sociais, 77, Junho 2007: 151-164

    TIAgO MATOS FERNANDES

    Descentralizar fragmentar? Riscos do pluralismo administrativopara a unidade do Estado em Moambique

    procedese a uma anlise crtica dos riscos derivados da existncia de uma diversidade de actores polticos locais em Moambique, os quais, para alm dos governos distritais e das autarquias locais, exercem funes polticas e/ou administrativas no mesmo espao territorial. so eles, fundamentalmente, os chefes tradicionais, os secretrios de bairro e os lderes religiosos. a partir de um estudo de caso realizado no municpio da ilha de Moambique (provncia de nampula), pretendese demonstrar como a institucionalizao deste pluralismo administrativo, acelerado pelo processo de descentralizao administrativa em curso, coloca em risco o exerccio da soberania do estado ao nvel local.

    IntroduoO processo de descentralizao em Moambique, que veio a culminar com as primeiras eleies autrquicas realizadas no pas, em 30 de Junho de 1998, deve ser entendido no contexto dos esforos de reaproximao do Estado moambicano s comunidades locais, fortemente afectadas pela guerra civil e pela falncia das tentativas do partido Frelimo na promoo do desenvolvimento local.

    Esses esforos iniciaram-se em finais dos anos 80, com a execuo dos primeiros programas de reajustamento estrutural (FMI e Banco Mundial), e conduziram elaborao de um Programa de Reforma dos rgos Locais (PROL), em 1991 (naturalmente, a introduo dos princpios do pluralismo e da democracia multipartidria na Constituio, em 1990, e a celebrao dos acordos de paz de Roma, em 1990, no foram alheios a todos estes esforos).

    O PROL teve como objectivo a reformulao do sistema de administra-o local do Estado vigente e previa inicialmente a diviso administrativa do pas em 128 distritos municipais rurais e 23 distritos municipais urbanos, dirigidos por trs rgos municipais (Presidente, Assembleia e Conselho Municipal), eleitos por sufrgio directo, secreto e universal.

  • | tiago Matos Fernandes

    No entanto, com as primeiras eleies multipartidrias (para a Presidn-cia e para a Assembleia da Repblica), realizadas no ms de Outubro de 1994, e se bem que se tenham assegurado as condies de pacificao e democratizao necessrias para dar incio ao processo de descentralizao administrativa do pas, verificou-se igualmente que o partido Renamo con-seguiu obter resultados eleitorais potencialmente ameaadores, na ptica da Frelimo, para a sua hegemonia poltica no mbito local (principalmente no Centro e Norte do pas), mais ainda num cenrio de eleies municipais. Por essa razo, e tambm por divergncias manifestadas pelo partido Renamo sobre o teor da legislao que visava regulamentar a primeira lei sobre autar-quias locais, acabou por proceder-se, em 1996, alterao da Constituio moambicana, a qual passou a incluir um novo captulo sobre poder local. Foi esta alterao constitucional que permitiu finalmente a entrada em vigor, em 199, de uma nova lei reguladora da descentralizao (a Lei das Autar-quias Locais), a criao de 33 municpios urbanos no pas (e j no a imple-mentao de distritos municipais em todo o territrio, com os riscos polticos da resultantes) e a realizao das primeiras eleies autrquicas, em 1998.

    Ao longo de todo o processo de produo legislativa, revelou-se deter-minante o papel informador desempenhado pela legislao e pela doutrina jurdico-administrativa portuguesas papel que foi consolidado e aprofun-dado pelo importante trabalho de consultadoria realizado por alguns jus-publicistas portugueses junto do governo moambicano para a elaborao dos primeiros diplomas legais em matria de descentralizao administra-tiva.1 Essa influncia foi ao ponto de, salvo algumas raras excepes, a ordem jurdica moambicana ter importado na sua quase totalidade o enquadra-mento jurdico-administrativo portugus sobre a organizao e funciona-mento das autarquias locais.2

    As ineficincias de um Estado importadoOra, a importao/imitao de um modelo de organizao administrativa local estranho realidade do pas (a qual bem pode ser analisada luz do conceito de Estado mimtico de Dominique Darbon3), acabou por reve-

    1 Dos quais destacamos o Prof. Doutor Vitalino Canas, consultor do Banco Mundial na avaliao do PROL (em finais de 1991) e, posteriormente, consultor do Governo de Moambique, desde Fevereiro de 1992 at Outubro de 1995.2 Uma das excepes a possibilidade, prevista na lei moambicana, de o presidente do Conselho Municipal (a designao moambicana para designar a Cmara Municipal) poder escolher livre-mente metade dos membros desse Conselho, devendo os demais membros ser escolhidos de entre os deputados da Assembleia Municipal. 3 O Estado africano um modo de dominao aceite como legtimo e constitudo pela imitao formal do modelo histrico desenvolvido por certos pases ocidentais (Darbon, 1998: 62).

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    lar insuficincias evidentes, quando confrontada com a realidade sociolgica e cultural de Moambique, porquanto ignorou a importncia das instituies polticas comunitrias tradicionais na mobilizao e participao das comu-nidades na vida poltica local.

    Por outro lado, revelou um desconhecimento da prpria lgica que pre-side ao modo como a sociedade moambicana, semelhana das demais sociedades africanas, se organiza, segundo a qual so os resultados obtidos que determinam as formas de organizao administrativa (e no o inverso).4

    Para tienne Le Roy (1995: 159), justamente esta lgica funcionalista, em detrimento de uma lgica institucional ou normativista, que est na origem da existncia e funcionamento de um verdadeiro pluralismo admi-nistrativo em frica. Foi essa lgica que criou condies para a existncia, no seio de um mesmo territrio, de diversos tipos de entidades administrati-vas locais e fruns de resoluo de conflitos (de origem oficial ou no oficial, formal ou informal), capazes de suprir a incapacidade do Estado de garantir o exerccio das funes administrativa e jurisdicional no mbito local, onde no consegue chegar, e de servir, assim, os interesses dos cidados comuns.

    Para o mesmo autor, este pluralismo assume uma grande vitalidade jus-tamente porque leva em considerao a pluralidade das formas de organi-zao existentes nos Estados africanos e responde de uma forma relativa-mente clere e eficaz aos problemas concretos dos cidados.

    Organizao administrativa local e pluralismo administrativoEm Moambique, esse pluralismo pode ser visto em trs nveis distintos de administrao: a administrao local do Estado (desconcentrada); a admi-nistrao local autrquica; e a administrao comunitria (onde podemos encontrar chefes tradicionais, secretrios de bairro5 e outros lderes legiti-mados pelas comunidades).

    Segundo Boaventura de Sousa Santos, o referido pluralismo existe den-tro e fora das instituies da administrao pblica oficial. Assim, quando nos referimos ao fenmeno de diversidade das prticas administrativas que

    4 Segundo tienne Le Roy, no contexto africano, o que legitima, aos olhos dos actores, o interesse ou no das reformas em vista no tanto a beleza do desenho institucional como as vantagens prticas retiradas de um dispositivo organizativo (Le Roy, 1995: 159). Ou seja, para este autor, o fundamento para a aceitao (legitimidade) e para o sucesso de um determinado modelo de orga-nizao administrativa pelas comunidades locais africanas reside mais nas vantagens prticas resul-tantes da sua adopo (isto , na sua adequao a servir de instrumento para a resoluo dos problemas concretos) do que na aparente racionalidade burocrtica do modelo adoptado.5 Antigos secretrios dos Grupos Dinamizadores, formalmente extintos, mas que sobreviveram sociologicamente atravs do exerccio de funes administrativas. Os secretrios dos Grupos Dina-mizadores eram responsveis pela divulgao e enquadramento ideolgico das comunidades situa-das nos bairros e nas aldeias, durante o perodo socialista.

  • | tiago Matos Fernandes

    opera dentro das prprias instituies da administrao pblica oficial, estaremos a falar de um pluralismo interno6. J quando nos referimos ao pluralismo externo, estaremos a falar no fenmeno de sobrevivncia de estruturas polticas que exercem as prerrogativas prprias do Estado no mbito local, socorrendo-se para o efeito de regras de Direito hbridas (compsitos de Direito formal e informal) e de formas de legitimao poltica no oficial ou mesmo tradicional. sobre esta forma de pluralismo administrativo que nos debruaremos no presente artigo.

    O pluralismo administrativo em Moambique um fenmeno relevante, quer do ponto de vista sociolgico, quer do ponto de vista jurdico, de tal sorte que o Estado moambicano, a partir de 2001, se viu forado a reconhe-cer e legislar sobre as formas de legitimao e reconhecimento das autori-dades comunitrias, e sobre os modos de articulao dos rgos locais do Estado e das autarquias com as autoridades comunitrias.

    Por essa razo, na Lei dos rgos Locais do Estado (e respectivo Regu-lamento), o legislador contemplou os diferentes nveis e espcies de organi-zao administrativa, nos termos que abaixo esquematizamos (Quadro 1):

    QuaDrO 1 Formas de organizao administrativa local em Moambique

    unidade Territorial8administrao Local

    Desconcentradaadministrao Local

    DescentralizadaadministraoComunitria

    Provncia Governo ProvincialComunidadese AutoridadesComunitrias

    Distrito Governo Distrital MunicpiosComunidadese AutoridadesComunitrias

    Posto AdministrativoChefe de PostoAdministrativo

    PovoaesComunidadese AutoridadesComunitrias

    Localidade Chefe de LocalidadeComunidadese AutoridadesComunitrias

    Fonte: Lei dos rgos Locais do Estado e Regulamento.

    6 Este pluralismo traduz-se numa situao de extrema heterogeneidade no interior do Direito estatal e, portanto, na actuao poltico-administrativa e reguladora do Estado. O Estado em que domina esta condio designa-se por Estado heterogneo (Santos e Trindade, 2003a: 63). O que fez nos diplomas que estaturam os modos de articulao dos governos distritais e das autarquias locais com autoridades comunitrias, e na lei dos rgos locais do Estado e respectivo regulamento.8 Segundo Jos scar Monteiro (2002), o nmero de distritos e postos administrativos foi alargado, em 1986, ficando o pas estruturado em 10 provncias, 128 distritos, dos quais 31 de 1a classe, 54 de 2 classe e 43 de 3 classe, 393 Postos Administrativos e 1.048 localidades.

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    No de estranhar a importncia atribuda pelo Estado administrao comunitria. Num inqurito realizado no territrio do municpio da Ilha de Moambique, durante o ano de 2001,9 foi possvel, por exemplo, apurar que 53,3% dos conflitos relacionados com a titularidade e uso das terras eram dirimidos com o recurso s autoridades comunitrias, sendo que a interveno das autoridades administrativas apenas se verificava em 45% dos casos. As autoridades comunitrias tambm revelaram grande prota-gonismo na resoluo de conflitos sociais, resultantes de dvidas particula-res e pequenos delitos: fizeram-no em 30,% das vezes (contra 59,5% das autoridades oficiais e 9,8% de outras autoridades).

    Naturalmente, a importncia dada pelas populaes ao exerccio da acti-vidade administrativa exercida por autoridades no oficiais coloca entraves garantia do exerccio da soberania do Estado sobre o territrio e popula-es no mbito local, da qual deriva, em ltima medida, a sua unidade.10

    Os dois volumes publicados em 2003 com as concluses do projecto de investigao organizado por Boaventura Sousa Santos e Jos Carlos Trindade sobre o fenmeno do pluralismo jurdico em Moambique (Santos e Trin-dade, 2003) demonstram saciedade como, em Moambique, o poder administrativo vem sendo exercido por uma pluralidade de formas e insti-tuies, formais e informais, e como as comunidades locais se encontram sujeitas a formas no estatais de exerccio do poder poltico. Demonstra igualmente a existncia de vrios ordenamentos jurdicos originrios de base, dos quais derivam, em ltima instncia, formas diversas de legitimidade e legitimao do poder. Em suma, acaba por demonstrar (apesar de no ser esse o seu objectivo), que o poder local das autarquias locais se exerce num contexto estranho do princpio constitucional da unidade do Estado.11 Trata--se de um exemplo acabado de como a law in action no acompanhou a law in the books, para utilizar uma expresso cara Sociologia do Direito.

    9 No mbito de um projecto de pesquisa do Cruzeiro do Sul Instituto de Investigao para o Desenvolvimento (Maputo).10 Um Estado designa-se por unitrio quando as formas de poder e actores polticos locais se encontram subordinados ao poder do Estado central, e quando todo o povo e territrio nacionais se encontram sujeitos a um nico poder poltico. Em tese, um Estado unitrio deve ainda com-portar uma unidade de ordenamentos jurdicos originrios e de Constituies; uma unidade de sistemas de funes e rgos do Estado; e uma unidade de centros de deciso poltica (Miranda, 1988, 1992; Zippelius, 199). Registe-se que um Estado unitrio pode comportar um modelo descentralizado de organizao administrativa (como o caso de Moambique).11 Recorde-se que o n. 1 do artigo 188. da Constituio da Repblica de Moambique, referindo-se administrao local autrquica, determina que o Poder Local tem como objectivos organizar a participao dos cidados na soluo dos problemas prprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidao da democracia, no quadro da unidade do Estado moambicano.

  • | tiago Matos Fernandes

    Deste modo, o exerccio da soberania pelo Estado no pode ser analisado sem ser em confronto com o exerccio do poder pelos demais actores pol-ticos locais (no estatais).

    Pluralismo democrtico e controlo socialEsta anlise torna-se tanto mais interessante e complexa quando realizada no contexto da vitria do partido Renamo-UE12 em cinco municpios do pas, nas eleies autrquicas de 19 de Novembro de 2003. Esta vitria criou condies para que esse partido exercesse, pela primeira vez, o poder pol-tico executivo, num quadro de legitimidade eleitoral.

    Sucede que esse factor contribuiu igualmente para a degradao das relaes entre os actores polticos locais existentes no territrio dos referi-dos municpios, visto que a descentralizao equipou a Renamo-UE com um conjunto de instrumentos de controlo social e poltico das comunidades locais. Essa capacidade de controlo foi alis fortalecida e legalizada pelo prprio Estado-Frelimo, quando o mesmo decidiu alargar aos municpios o regime j existente para a articulao dos rgos da administrao local do Estado com as autoridades comunitrias.

    No municpio da Ilha de Moambique, por exemplo, a administrao municipal, ao abrigo dos mecanismos legalmente previstos para a articula-o entre as autarquias locais e as autoridades comunitrias, e com o objec-tivo de fortalecer o seu controlo social e poltico sobre as populaes, tem vindo a manipular os processos de legitimao das autoridades comunitrias. Esta tentativa de manipulao tem sido dirigida para o objectivo de reco-nhecimento de autoridades comunitrias da sua confiana poltica (rgulos e respectivos auxiliares, na ilha e no continente) isto , sem auscultao da vontade expressa das comunidades locais, como manda a lei.

    Naturalmente, este processo tem gerado a resistncia da Frelimo e do representante do Estado ao nvel local (o administrador distrital), reintro-duzido no municpio aps a vitria da Renamo nas eleies municipais de 2003 (em parte com o objectivo de defender o exerccio da soberania do Estado no mbito local). Para o ajudar na sua tarefa, o administrador dis-trital, desta feita ao abrigo dos mecanismos legalmente previstos para a articulao entre os rgos da administrao local do Estado e as autorida-des comunitrias, apenas vem reconhecendo os secretrios de bairro como autoridades comunitrias.

    12 Abreviatura de Resistncia Nacional Moambicana-Unio Eleitoral.

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    Autoridades comunitrias: sobrevivncia ou reinveno?Nos ltimos anos, foram vrios os autores que estudaram as razes da sobre-vivncia das autoridades comunitrias em Moambique, apesar da tentativa de as destruir, durante o perodo ps-independncia, pelo partido Frelimo.13 Segundo o antroplogo francs Georges Geffray, a sobrevivncia destas auto-ridades deve-se ao apoio e relevncia social que o partido Renamo lhes con-feriu, durante a guerra civil, arregimentando-as assim como sua base social de apoio (Geffray, 1990). J para Fernando Florncio, a sobrevivncia das autoridades tradicionais deve encontrar-se na legitimidade poltica que sempre lhes foi conferida pelas comunidades locais e que deriva, em ltima medida, do seu papel de intermedirios com os antepassados (Florncio, 2003).

    Alice Dinerman, nos estudos que realizou no antigo Distrito de Erati sobre as relaes entre o Estado-Frelimo e as autoridades tradicionais, demonstrou que as autoridades tradicionais foram capazes de manter o estatuto de liderana das suas famlias, conseguindo mesmo eleger os sobri-nhos para os lugares de secretrios do Grupo Dinamizador da regio, com a cumplicidade do presidente do Grupo Dinamizador distrital e das res-tantes estruturas do partido Frelimo (Dinerman, 1994).

    Sejam quais forem as razes e estratgias de sobrevivncia poltica das autoridades tradicionais, a verdade que elas lograram manter algumas prerrogativas do seu poder poltico at actualidade e que o Estado se viu forado a reconhecer a sua existncia e legitimidade, pressionado pelas organizaes internacionais e pelos doadores (que viram nelas os interlo-cutores por excelncia para a promoo de estratgias de desenvolvimento participativo ao nvel local).

    Na verdade, o Estado tambm viu nas autoridades tradicionais uma opor-tunidade nica para encontrar um elo de re-legitimao junto das comuni-dades locais. Por essa razo, acabou por lhes atribuir importantes compe-tncias, por via legislativa e regulamentar. Citamos, entre outras, a competncia para organizar as populaes para a cobrana de impostos, para as mobilizar na construo e mobilizao de infra-estruturas e vias de comunicao, para participar o cometimento de infraces ou para resolver os conflitos derivados do uso e gesto das terras.

    Concomitantemente, conferiu-lhes poderes com uma grande carga sim-blica, como sejam o poder de usar fardamento e smbolos da Repblica, de receber um subsdio pela sua participao na cobrana de impostos e de participar nas cerimnias oficiais.

    13 A Frelimo preconizava o desaparecimento das sociedades tradicionais, o que pensava-se iria dar lugar ao surgimento de uma Nova Sociedade e de um Homem Novo. Este processo passava pela abolio quer da sociedade colonial, quer da sociedade tradicional.

  • | tiago Matos Fernandes

    Na verdade, trata-se de uma reactualizao do modelo de administrao de indirect rule que presidiu Reforma Administrativa Ultramarina, e que vigorou no pas durante praticamente todo o tempo colonial. De facto, feita uma anlise realista dos diplomas que vieram regular a articulao das auto-ridades oficiais (governos distritais e autarquias locais) com as autoridades tradicionais (redenominadas autoridades comunitrias), pode concluir-se que, semelhana do ocorrido no tempo colonial, o objectivo da adminis-trao central foi novamente o de as autoridades tradicionais desempenha-rem o papel de representantes do Estado no mbito local, e s muito resi-dualmente o papel de provedores dos interesses das comunidades junto da administrao local (Buur e Kyed, 2005).

    Registe-se igualmente que o Estado, semelhana da administrao colo-nial, continuou a reservar para si o direito de reconhecer formalmente as autoridades comunitrias legitimadas pelas comunidades locais (atravs das Direces Provinciais de Apoio e Controlo). Trata-se de um importante instrumento poltico para que o partido do Estado possa garantir a conti-nuidade exerccio do seu poder e soberania, sem o risco de o controlo social e poltico das populaes ser realizado por autoridades tradicionais cuja legitimao tenha sido orquestrada pelo partido Renamo, com a cumpli-cidade das comunidades locais que lhes so afectas.

    Outro problema consiste em determinar quais so as regras que devem presidir escolha dos lderes comunitrios, aps dcadas de manipulao de biografias e de regras de transmisso de poder, com largos perodos de vazio de poder e duplicao de lideranas (West et al., 1999). No se trata j de saber quais so as regras que devem ser genuinamente entendidas como tradicio-nais, mas sim de saber quais so as regras a adoptar para que o lder comu-nitrio possa ser legitimado pela comunidade (e, subsequentemente, reconhe-cido pelo Estado, sem que este possa arguir a inobservncia de tais regras).14

    14 Esta questo remete-nos necessariamente para os estudos de Eric Hobsbawm a respeito das tradies inventadas. Segundo Hobsbawm, tais tradies inventadas tm a virtude de conferir a possibilidade de uma sociedade ou grupo social estabelecerem ligaes artificiais entre um facto ou prtica actual e um determinado passado histrico, com o objectivo de legitimarem novas prticas de actores polticos, ou resolverem contradies do presente, resultantes da mudana e da inovao. Hobsbawm chama a ateno para o facto de haver uma srie de factos sociais dados como tradicionais, mas que so na verdade de origem bastante recente ou mesmo inventados. a chamada tradio inventada, que deve entender-se como [...] um conjunto de prticas, normal-mente dominadas por regras aceites explcita ou tacitamente e de natureza ritual ou simblica, que procuram inculcar certos valores e normas de comportamento por meio da repetio, que pressu-pe automaticamente a continuidade com o passado. De facto, sempre que possvel, essas prticas normalmente procuram estabelecer uma relao de conyinuidade com um passado histrico ade-quado. (Hobsbawm, 1992: 1).Esta manipulao do passado, por forma a adequ-lo convenientemente ao presente, com o objectivo de legitimar comportamentos e novos actores polticos, quer dizer que a tradio inven-

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    Como veremos, o problema da legitimao e reconhecimento das auto-ridades comunitrias est no centro da disputa de poder entre os principais actores polticos locais em Moambique, de cujo resultado depende, em ltima medida, a garantia do exerccio da soberania pela administrao central e a defesa da unidade do Estado.

    Na verdade, sendo o poder poltico, na definio clssica de Max Weber (1944), uma relao de mando-obedincia (j que traduz simultaneamente a imposio de uma vontade ou de uma norma de um indivduo ou de um grupo sobre o outro, dentro de certos limites socialmente aceites, e porque a sua aceitao implica formas de cooperao dentro da sociedade), igual-mente verdade que essa relao tem de fazer-se dentro de um quadro geral de legitimidade.

    Deste modo, podemos concluir que quanto maior for o nvel de legiti-midade de que beneficiam os actores polticos no estatais, maior ser o risco de perda de soberania do Estado, j que o poder poltico se afere pelo grau de obedincia (legitimidade) que o Estado consegue granjear junto das populaes.15 essa ponderao que nos propomos fazer seguidamente, de forma necessariamente resumida, com base na investigao que realiz-mos em Agosto de 2005 no municpio da Ilha de Moambique.

    legitimidade e legitimidades polticas no municpio da Ilha de MoambiqueO municpio de Ilha de Moambique apresenta uma amostra riqussima relativamente diversidade de actores polticos presentes no mbito local. Para alm do Conselho Municipal (integralmente composto por membros ou simpatizantes do partido Renamo-UE) e da Assembleia Municipal (com-posta por dez deputados municipais na bancada da Renamo-UE, seis na bancada da Frelimo e um do movimento de cidados UPI - Unidos pela Ilha, num total de 1 deputados), o territrio ocupado pelo municpio ainda administrado, desde a vitria da Renamo-UE em 2003, por um admi-nistrador (que representa, coordena e gere os interesses do Estado no mbito local, nomeadamente as direces distritais sectoriais).

    Por outro lado, o municpio um autntico mostrurio dos tipos de autoridades comunitrias mais comuns no pas. Em primeiro lugar, os lde-res religiosos, maioritariamente muulmanos, organizados em confrarias,

    tada tanto inclui tradies que foram realmente inventadas, construdas e institudas formalmente como as que emergiram de um modo menos fcil de rastrear num perodo breve e datvel [] e se estabeleceram com grande rapidez. (Hobsbawm, 1992: 1).15 Registe-se que a legitimidade do poder poltico se traduz essencialmente na manifestao do consentimento (expresso atravs de vrias formas, rituais e instrumentos) ao exerccio da gover-nao. A esse processo de formao da legitimidade do poder poltico d-se o nome de legitima-o (Fernandes, 1988: 210).

  • 0 | tiago Matos Fernandes

    com uma importante funo de controlo social das populaes; em segundo lugar, os secretrios de bairro (representantes do partido Frelimo no mbito comunitrio, tanto na parte urbana, como na parte rural do municpio, com funes de representao dos interesses da Administrao junto das populaes); e, por fim, os rgulos (conotados com o partido Renamo-UE), recentemente relegitimados no continente (zona rural), ou recriados na ilha (zona urbana), em grande medida por via das operaes de legitimao de autoridades comunitrias previstas no Diploma Ministerial n. 80/2004, de 14 de Maio.

    Formalmente, apenas o Conselho Municipal e a Assembleia Municipal beneficiam de verdadeira legitimidade democrtica, no estrito sentido em que os seus membros foram eleitos. No entanto, essa legitimidade no materialmente nova, pois a representao social que as comunidades fazem do exerccio do poder poltico pelos lderes municipais no difere substan-cialmente da representao que tinham do Conselho Executivo (estrutura administrativa anteriormente existente ao nvel local, cujo presidente no era eleito, mas sim nomeado pelo Ministro da Administrao Estatal, ouvido o Governador Provincial). Como explica o advogado Jorge Graa,

    Em Moambique tem havido uma certa evoluo sincrtica no domnio poltico-social. As prprias municipalidades emergem de formaes estatais anteriores. No fundo, procura-se uma maior legitimao pela via eleitoral, mas o municpio uma extenso do prprio Estado, no um terceiro gnero que aparece.

    Na verdade, a legitimidade do Conselho Municipal tem sido procurada atravs do estabelecimento de pequenas redes clientelares e de proteco das comunidades locais (o que faz atravs da designao de rgulos da sua confiana poltica, como contrapeso influncia e controlo social exercido pelos secretrios de bairro nomeados pelo administrador distrital, que pro-cedem sistematicamente limitao do acesso das populaes rurais aos poos de gua potvel, cobrana discricionria de taxas nos mercados ou proibio de realizao de ritos de iniciao).

    Por seu turno, o administrador distrital, no tendo legitimidade demo-crtica ( nomeado pelo ministro da Administrao Estatal, ouvido o governador provincial), alicera a sua legitimidade na sua aco poltica e administrativa, e na distribuio de recursos e de empregos, dentro da sua rede clientelar.

    Quanto s autoridades comunitrias, a sua legitimidade formal deriva pre-sentemente da respectiva legitimao nos termos dos diplomas destinados a articul-las com os rgos da administrao local do Estado e autrquica.

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    Sucede que a entronizao formal dos lderes comunitrios deve ser pre-cedida de um processo de legitimao realizado de acordo com as regras das comunidades. Ora, desconhecendo-se efectivamente quais sejam as regras que devem presidir a tal processo de legitimao, e aproveitando a oportunidade para criar uma situao de facto que consolide o seu controlo social das populaes, o Conselho Municipal da Ilha de Moambique deci-diu designar unilateralmente quatro rgulos da sua confiana poltica (dois na ilha e dois no continente), ao arrepio da manifestao de vontade das respectivas comunidades e, naturalmente, do reconhecimento dessa legiti-mao pelo Estado.

    Como moeda de troca, o governo distrital consolidou o seu apoio poltico e administrativo aos secretrios de bairro (oito na ilha e 23 no continente), no exerccio das funes administrativas que vinham exercendo desde a extino da figura dos secretrios dos Grupo Dinamizadores.16

    Na verdade, apenas os lderes religiosos muulmanos (os xehes, com grande tradio e peso na Ilha de Moambique), assumem e exercem o seu poder de acordo com as regras das respectivas comunidades, pelo que, formalmente, apenas eles deveriam ser considerados autoridades comuni-trias luz do texto da lei.1

    Naturalmente que a capacidade de mobilizao das populaes pelas autoridades comunitrias depende dos diferentes nveis de legitimidade de que beneficiam, sendo certo que, em geral, as comunidades urbanas aceitam melhor o exerccio do poder poltico pelos secretrios de bairro, enquanto as rurais consentem no exerccio do poder tradicional pelos rgulos.

    Em qualquer caso, patente que os diferentes nveis de legitimidade das autoridades comunitrias junto das comunidades locais geram uma maior ou menor capacidade de exerccio da soberania pelo governo distrital (repre-sentante do Estado no mbito local) e que a garantia da unidade do Estado ao nvel local se joga, portanto, no xadrez da poltica local (na esteira da abordagem da politique par le bas de Jean-Francois Bayart).18

    16 Segundo Chale Mussa, secretrio do bairro da Unidade, essas funes so as de passarem [...] declaraes de residncia para viagens [para emisso de passaportes], bilhetes de identidade, compra e venda. Segundo Braimo Pilale, secretrio de bairro do Museu, o secretrio de bairro de facto chamado para intervir em questes familiares, mas tambm para a mobilizao para limpezas, declaraes de residncia para ligao de energia nas residncias, para passaportes e para aquisio de talhes. [...].1 Alis, a legitimidade destes lderes religiosos manifesta-se na sua excelente capacidade de mobi-lizao das populaes para as grandes campanhas de limpeza, construo e reparao de vias, ambiente e sade pblica, alicerada igualmente na independncia que foram conseguindo granjear face ao poder poltico.18 Registe-se, no entanto, que a disputa dos rgos da administrao local pelo controlo das comu-nidades atravs das lideranas comunitrias bem mais do que simplesmente ideolgica, j que

  • | tiago Matos Fernandes

    ConclusesAo longo deste artigo, pretendemos demonstrar como o pluralismo admi-nistrativo, pela forma como se vem manifestando (principalmente nos muni-cpios em que o partido Renamo venceu as ltimas eleies autrquicas), pode pr em risco a forma unitria do Estado moambicano, tal como entendida pela doutrina internacional (Miranda, 1988, 1992, Zippelius, 199). E, a partir de um estudo de caso no municpio da Ilha de Moam-bique, conclumos que se assiste efectivamente fragmentao das funes do Estado no mbito local, exercidas casuisticamente por uma variedade de entidades oficiais e no oficiais, reconhecidas ou no pelo prprio Estado.

    Por outro lado, e se bem que no possamos falar de uma pluralidade de centros de deciso poltica em Moambique, a verdade que a tentativa levada a cabo para garantir o domnio social e poltico das populaes pelo partido Renamo leva a que possamos encontrar no territrio nacional reas onde o Estado encontra resistncias para exerccio da sua soberania. claramente esse o caso do municpio da Ilha de Moambique, princi-palmente na sua zona continental.

    Assim, e ainda que obviamente no possamos concluir que o Estado moambicano, escala nacional, um Estado composto e no um Estado unitrio, a verdade que os processos de transformao poltica gerados ou legitimados pelo prpria descentralizao (maxime exerccio de poder pol-tico, no mbito local, por partidos diferentes do partido do Estado, e legiti-mao de autoridades comunitrias criadas ex novo para o controlo social e poltico das comunidades locais) abriu a porta para o aparecimento de gra-ves entraves ao livre exerccio da soberania pelo Estado, no plano local.

    Consideramos, portanto, que a garantia do exerccio da soberania do Estado no plano local est intrinsecamente ligada ao futuro das lideranas comunitrias, sendo certo que esse futuro vai depender do desfecho dos seus processos de legitimao e reconhecimento, nos termos da legislao

    passa pela tentativa de interveno directa na vida quotidiana das populaes (proibio/autori-zao dos ritos de iniciao, controlo do acesso aos poos comunitrios, colecta de taxas) e pelo controlo das foras de segurana comunitrias (os fruns de policiamento comunitrio). Registe-se tambm que esta rivalidade verifica-se ainda no plano das relaes entre o governo distrital e o Conselho Municipal, o que, na prtica, gera a desarticulao dos esforos destas insti-tuies para a promoo do desenvolvimento local. o que se passa no tocante interveno municipal em reas do domnio pblico martimo, da disputa pelo domnio das foras de segurana pblica e da desarticulao na gesto do patrimnio imobilirio do Estado.Para alm da descoordenao registada entre as autoridades administrativas oficiais, verifica-se um esprito de desconfiana das prprias autoridades comunitrias, entre si, o que afecta a execuo das tarefas solicitadas pelas autoridades administrativas e pelas prprias organizaes no-gover-namentais a operar localmente, o que condiciona severamente o nvel da eficincia, eficcia e celeridade das aces de promoo do desenvolvimento local.

  • descentralizar fragmentar? | 3

    aplicvel, e que a ltima palavra sobre o reconhecimento formal das auto-ridades comunitrias compete Direco Provincial de Apoio e Controlo, cuja imparcialidade frequentemente posta em causa pelos lderes muni-cipais eleitos pelas listas do partido Renamo.

    Por esta razo, e dada a inexistncia de mecanismos independentes de regulao de conflitos, pensamos que o processo apenas ser concludo por via de negociao entre a Frelimo e a Renamo. At l, a Renamo tentar acelerar o processo de criao de autoridades tradicionais de facto, criando um clima de instabilidade poltica e social, destinado a forar o Governo Provincial a ceder na composio da lista de autoridades comunitrias reconhecidas no final do processo.

    Consciente de todos estas dificuldades, o Estado delineou uma estratgia alternativa de consolidao da sua soberania, o que tem feito atravs da manuteno das suas prerrogativas de tutela administrativa e inspeco financeira das autarquias locais e do restabelecimento dos Governos Dis-tritais no territrio dos municpios.

    Simultaneamente, ao abrigo da nova Lei dos rgos Locais do Estado, prepara-se para promover o estabelecimento de mecanismos de coordena-o, apoio tcnico e cooperao com as autarquias locais, bem como de auscultao dos interesses das comunidades locais atravs da generalizao do recurso aos conselhos comunitrios. Finalmente, decidiu centrar a sua estratgia de combate pobreza nos Governos Distritais, os quais dotou com importantes recursos financeiros e autonomia financeira.

    Em suma, o Governo est a tentar compensar os riscos resultantes da fragmentao poltico-partidria e administrativa gerada pelo processo de descentralizao, atravs da consolidao do seu processo de desconcen-trao administrativa, com o qual pensa poder garantir melhor a defesa do princpio da unidade do Estado.

    Referncias bibliogrficasBuur, L.; Kyed, H.M. (2005), State Recognition of Traditional Authority in Mozambique:

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    Darbon, Dominique (1998), Crise du territoire tatique et communautarisme. Les nouveaux enjeux idologiques de lintgration en Afrique Noire, in D. Bach (org.), Rgionalisation, mondialisation et fragmentation en Afrique subsaharienne. Paris: Karthala.

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  • | tiago Matos Fernandes

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    legislao consultadaConstituio da Repblica de Moambique.Lei n. 2/9, de 18 de Fevereiro (Lei das Autarquias Locais).Decreto-Lei n. 15/2000, de 20 de Junho (Articulao dos rgos locais do Estado com

    Autoridades Comunitrias).Lei n. 8/2003, de 19 de Maio (Lei dos rgos Locais do Estado).Diploma Ministerial n. 80/2004, de 14 de Maio (Articulao das Autarquias Locais

    com Autoridades Comunitrias). Decreto n. 11/2005, de 10 de Junho (Regulamento da Lei dos rgos Locais do

    Estado).