derivado do eco

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Derivado do eco Jonatas Tosta Um homem tem em sua mão todo o entorno do estado. Um homem tem em seu ombro parte do peso da angústia que se aloja no braço. Um homem tem tanta coisa entre os dedos das mãos e a altura dos joelhos que já não sabe mensurar o peso do cano, como se os dentes fossem maior que leviatã, e como se leviatã fosse maior que o oceano sob o qual submerge. A cabeça elevada ao espelho da cômoda, acomoda o boné no cabelo e treina o único bem que possui: e sorri. Um homem pode ter um milhão de coisas, ele pensa. Mas suponho que cada número não passe de unidade , um mícron de espaço que vai da cor da pele ao intestino delgado, do singular ao ambíguo e solene gesto de arrependimento. Sou todo sorriso, diz, põe um cabelo escapulindo da aba da orelha para dentro do boné. Passa pelas fotografias de rosto virado para baixo do móvel, escora o corpo manco na parede, no retângulo manchado onde se pendurava o quadro. Um homem é o único animal a aprender o sorriso, recorda-se,. Como água empossada no asfalto, gira a maçaneta metálica, e o atem entre as bochechas. O joelho estala, sente-o erodir a cada passo. Atravessa o casaco de lã e acomoda o cano no bolso como se fosse um filho. Os números do elevador se apagam no sétimo e décimo andar. Olha para o relógio. Sabe que os ponteiros não obedecem o tempo, por isso estão sempre no presente, parados. O caminho está livre. De mãos atadas ao acaso um homem pisa fora da casa; o relógio marca sete horas, o termômetro marca vinte e um graus. Gente preta e branca em todo espaço, do contorno às ruas, das bancas de jornais às

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Derivado do ecoJonatas TostaUm homem tem em sua mo todo o entorno do estado.Um homem tem em seu ombro parte do peso da angstia que se aloja no brao.Um homem tem tanta coisa entre os dedos das mos e a altura dos joelhos que jno sabe mensurar o peso do cano, como se os dentes fossem maior que leviat, e como se leviat fosse maior que o oceano sob o qual submerge.cabea elevada ao espelho da c!moda, acomoda o bon" no cabelo e treina o nico bem que possui# e sorri.Um homem pode ter um milho de coisas, ele pensa. $as suponho que cada nmero no passe de unidade , um m%cron de espao que vai da cor da pele ao intestino delgado, do singular ao amb%guo e solene gesto de arrependimento. &ou todo sorriso, di', p(e um cabelo escapulindo da aba da orelha para dentro do bon".)assa pelas fotografias de rosto virado para bai*o do m+vel, escora o corpo manco na parede, no ret,ngulo manchado onde se pendurava o quadro. Um homem " o nico animal a aprender o sorriso, recorda-se,. .omo gua empossada no asfalto, gira a maaneta metlica, e o atem entre as bochechas./ joelho estala, sente-o erodir a cada passo. travessa o casaco de l e acomoda o cano no bolso como se fosse um filho. /s nmeros do elevador se apagam no s"timo ed"cimo andar. /lha para o rel+gio. &abe que os ponteiros no obedecem o tempo, por isso esto sempre no presente, parados. / caminho est livre. 0e mos atadas ao acaso um homem pisa fora da casa1 o rel+gio marca sete horas, o term!metro marca vinte e um graus. 2ente preta e branca em todo espao, do contorno 3s ruas, das bancas de jornais 3s propagandas de refrigerante. 2ente de terno preto, de camisa preta, de +culos escuros e pulseirinhas com olhos de boa sorte que acabavam no grande ponto sacolejante dos cotovelos. Uma gente mida vendendo suco e po seco.Um homem sentado no hidrante vermelho, lustroso, fabricado em 4567.espera" curta, o !nibus atrasado est va'io. &obe no !nibus sem saber se tem o dinheiro da passagem no bolso.fila se interrompe aos murmrios. Um homem caminha tr!pego com o brao enfiado no casaco macio, a etiqueta arrancada1 evita que encostem em si. Um homem acaba de subir no !nibus ouvindo msica alta. s portas se fecham, o !nibus parte. )ela janela, de repente, inclina-se para apanhar a moeda de cru'ado encrustada no asfalto. Tenta tirar 3 fora, as unhas se ferem no disco prateado, tolo.Um homem submerso no imperativo indefinido que redu' o respeito a um bom dia, se mant"m calado. 8ueria andar armado. 8ueria disparar uma centelha de ocaso com todo aquele estado de esp%rito tr9mulo das mos. s portas rangem, as pernas e quadris se abarrotam no encalo. 0esperta. &o de' para as oito.b%blia quase se fecha,mas vira as mos em palmas para o lado contrrio, esbarrando num homem que sonha andar armado. :ncolhe-se mais no canto da janela, aperta o cano contra a barriga e senteo tambor frio entre os dedos. ;eserva a sensao s+ para si.