depoimento da maratona de san francisco, ca - usa

6
Depoimento da maratona de San Francisco: diversão garantida Todos os corredores que almejam realizar provas mundo afora tem uma atração quase sobrenatural pelas seis maiores maratonas do mundo. São elas: Tóquio, Berlim, Londres, Nova Iorque, Chicago e Boston. Essas provas são determinadas tanto pelo critério quantitativo, ou seja, maior número de inscritos, quanto pelas espetaculares cidades onde residem. Todas possuem organizações excepcionais, o que possibilita que milhares corredores participem sem maiores problemas. Mas, por fora deste roteiro existem inúmeras maratonas igualmente sensacionais, pouco faladas e, por vezes, subestimadas. Certamente uma delas é a maratona de San Francisco, na Califórnia, USA, foco deste depoimento. Logo da Meu desejo por realizar está prova era antigo. tive oportunidade de conhecer a cidade anteriormente e sabia da grande beleza natural, associada ao excelente clima, mesmo nos meses extremos de verão ou inverno. Pouco se fala da maratona de lá, mas sabia que acontecia no verão do hemisfério norte, o que é menos comum para as grandes provas internacionais. Provavelmente a razão disso esteja no fato de que em San Francisco, por influência do oceano, tem um clima relativamente constante ao longo do ano, nunca fazendo muito frio ou muito calor. Inclusive há um ditado na cidade que diz que, "o inverno mais frio que passei em minha vida foi o verão de San Francisco", Quando cheguei à cidade, estava vindo de Orlando, na Florida, onde as temperaturas beiravam os 40 graus. Assim que cheguei a San Francisco, fui surpreendido com o clima de "ar condicionado ligado no máximo", estando frio a qualquer hora da noite e também sob qualquer

Upload: ricardo-sartorato

Post on 13-Apr-2017

43 views

Category:

Sports


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

Depoimento da maratona de San Francisco: diversão garantida

Todos os corredores que almejam realizar provas mundo afora tem uma atração quase sobrenatural pelas seis maiores maratonas do mundo. São elas: Tóquio, Berlim, Londres, Nova Iorque, Chicago e Boston. Essas provas são determinadas tanto pelo critério quantitativo, ou seja, maior número de inscritos, quanto pelas espetaculares cidades onde residem. Todas possuem organizações excepcionais, o que possibilita que milhares corredores participem sem maiores problemas. Mas, por fora deste roteiro existem inúmeras maratonas igualmente sensacionais, pouco faladas e, por vezes, subestimadas. Certamente uma delas é a maratona de San Francisco, na Califórnia, USA, foco deste depoimento.

Logo da prova

Meu desejo por realizar está prova era antigo. Já tive oportunidade de conhecer a cidade anteriormente e sabia da grande beleza natural, associada ao excelente clima, mesmo nos meses extremos de verão ou inverno. Pouco se fala da maratona de lá, mas sabia que acontecia no verão do hemisfério norte, o que é menos comum para as grandes provas internacionais. Provavelmente a razão disso esteja no fato de que em San Francisco, por influência do oceano, tem um clima relativamente constante ao longo do ano, nunca fazendo muito frio ou muito calor. Inclusive há um ditado na cidade que diz que, "o inverno mais frio que passei em minha vida foi o verão de San Francisco", exemplificando claramente o que se espera do clima nessa época.

Quando cheguei à cidade, estava vindo de Orlando, na Florida, onde as temperaturas beiravam os 40 graus. Assim que cheguei a San Francisco, fui surpreendido com o clima de "ar condicionado ligado no máximo", estando frio a qualquer hora da noite e também sob qualquer sombra durante o dia. A temperatura fica confortável ao sol, chegando a fazer calor próximo ao meio do dia. Por um lado isso ajuda bastante a nós corredores, mas, por outro, existe aquela aversão básica do carioca a sair para correr no frio. Ainda mais às 5h30, quando a prova larga e a temperatura gira em torno de 10 graus. Porém, deixarei para falar mais à frente sobre isso.

Page 2: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

Normalmente, as maratonas no Brasil acontecem nos meses de inverno, buscando assim um alívio ao calor. Historicamente a maratona do Rio de Janeiro acontece em junho ou julho desde sua reintrodução ao calendário de provas da cidade, em 2003. Portanto, a principal prova da cidade ocorre na mesma época da maratona de San Francisco, causando uma compreensível escolha dos cariocas pela prova local, visto os custos e dificuldades de uma viagem ao exterior. Soma-se a isso o pouco glamour da maratona de San Francisco, uma vez que pouco se fala ou é escrito sobre ela, principalmente se comparado com maratonas como de Roma, Paris, ou mesmo a da Disney. Porém, este ano foi especial. Vivemos um momento único em nossa cidade por conta das olimpíadas. O calendário de provas na cidade foi alterado, trazendo a clássica maratona carioca para maio. Assim, após anos de desejo, abriu-se uma janela de oportunidade para uma prova no exterior, justamente no mês de julho. Minha óbvia escolha foi por San Francisco e reafirmo que valeu a pena.

Largada da prova

Quais as razões tornam essa prova tão atrativa? Primeiro a cidade, pelas belezas naturais e arquitetônicas, que mesclam estilo vitoriano e moderno. Lembra um pouco o Rio de Janeiro, no aspecto de ter mar e montanhas e a prova se aproveita muito bem dessas qualidades. A largada é num local antigo e famoso, o píer chamado Embarcadeiro, situado na orla do centro da cidade. Em seguida, continua-se por essa orla mais uns 5-7 km, até começar a chamada “escalada” para entrar na tão famosa Golden Gate. Aqui as dificuldades começam, pois além das ladeiras, tem o frio causado pelos fortes ventos gelados por influência do oceano. Assim que se entra na ponte, inteiramente feita em metal, a prova fica um pouco apertada para seus cerca de 7.000 corredores. Contudo, ainda é possível manter seu próprio ritmo, ainda que com um pouco de dificuldade. O maior risco neste ponto são escorregões, pois a umidade é bem alta, tornando o chão escorregadio. Após chegar ao outro lado da ponte, à cidade de Sausalito, é feito o retorno à San Francisco e temos novamente a ponte pela frente. Infelizmente na hora em que passei neste local, o comum foggy desta área estava presente, reduzindo a visibilidade e impedindo de ver a incrível paisagem.

Trecho inicial

Ida a Golden Gate

Page 3: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

Antes de falar do próximo trecho da prova, vale ressaltar o segundo ponto que faz dessa prova interessante. Não há tédio. Não há longas retas. O percurso até aqui é muito agradável e o frio, para quem gosta, ajuda a proteger o organismo de super aquecimento, ajudando a produzir o máximo desempenho. Particularmente este não é meu caso, mas reafirmo que também não me prejudicou. Também não havia comentado, mas a prova, apesar de não ter um número de participantes como em Nova Iorque ou Chicago, que superam os 40.000, tem sua largada em ondas, muito organizadas, tornando o fluxo bem fluido. Não houve congestionamentos, mas senti a falta da blue line, a marcação oficial da distância de 42,195 m, sob a forma de uma linha azul, da largada à chegada.

Voltando ao percurso, a prova seguiu um trecho montanhoso, com longas subidas e descidas, ao melhor estilo Avenida Niemeyer ou Paineiras, culminando no Golden Gate Park, local que marca o meio da prova. Este parque é imenso e belíssimo, com gigantescas árvores, museus, exposições, parquinhos infantis, trilhas, tudo muito conservado e sinalizado. Um detalhe adicional... muito do que se fazer por lá é gratuito. Foi interessante também observar que foram muito mais corredores fizeram este primeiro trecho, por conta da meia maratona que acontece simultaneamente com a maratona. Porém, o que poderia gerar confusão em muitos momentos, acaba não atrapalhando, pois a prova dividia-se em diversos trechos, diminuindo a quantidade de corredores que percorriam simultaneamente nas mesmas ruas. Isso é bem visível no parque, pois é possível ver muitos corredores em outros pontos em que eu não havia percorrido.

Acima: corredores passam pela Golden Gate em trecho apertado. Ao lado: névoa prejudicou a visibilidade no dia da prova.

Page 4: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

O difícil dessa área foi uma longa descida, seguida por uma longa subida, que minou minhas energias e fez meu ritmo cair. Aqui, já estava por volta dos 30 km. Quem gosta de correr em áreas arborizadas, vai gostar muito deste pedaço, pois o Golden Gate Park oferece um ambiente fechado de floresta, com altas árvores e muito verde. Até por conta dessas características do percurso, a prova não tem suporte popular em grande quantidade, pois, simplesmente em diversos momentos, não há onde ficar o espectador ou o acesso ao local é difícil. A maioria parte dos expectadores se concentrarão principalmente próximo a chegada, novamente no Embarcadeiro, centro de San Francisco.

A cidade, aliás, não tem mais do que 7x7 milhas quadradas (aproximadamente 121 km 2) a partir do centro, mostrando que um percurso de 42,195 m requer criatividade para não causar caos no trânsito e ser agradável ao corredor. Isso foi possível passando por estes dois famosos pontos, a ponte e o parque, que afetavam menos a vida dos seus cerca de 800.000 habitantes.

Passando pelo parque, entramos finalmente nos arredores da cidade, onde se veem as casas de madeira, típicas dos cartões postais. Por conta dos frequentes terremotos e das históricas catástrofes que estes trouxeram, a cidade cresceu predominantemente com casas pequenas e de madeira para evitar maiores danos. Esse estilo cria um ambiente único, com ruas pouco monótonas e muitas surpresas pelo caminho. Aqui pode se sentir que o apoio popular começa a aumentar, mas nada ainda comparável às demais grandes provas pelo mundo, como na entrada da ilha de Manhattan, no km 30 da maratona de Nova Iorque, onde há milhares de pessoas ovacionando quem passa por lá.

A população de San Francisco é hospitaleira e oferece o que pode para ajudar, desde energéticos, frutas, sal, biscoitos, ou ainda, frases de apoio. Muitas engraçadas, aliás, como: "chegue logo para tomar uma cerveja sem álcool" - fazendo alusão a cervejaria alemã Erdinger, que oferece um copo caprichado de sua versão livre de álcool, após a chegada dos maratonistas.

Ruas de San Francisco

Perfil altimétrico

Page 5: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

Conforme a prova sai da periferia e se aproxima novamente da orla, as ruas se tornam gradualmente menos inclinadas, ajudando no final a dar a arrancada que for possível. Não foi este meu caso... as ladeiras causaram um estrago maior que previ e não consegui aumentar o ritmo, mesmo depois que alcancei o plano. Até mesmo para os atletas profissionais a prova cobra seu preço. O primeiro colocado deste ano fez o trajeto em pouco mais de 2h30min, demostrando a dureza do percurso. Ainda assim, ela qualifica para a desejada maratona de Boston, o que mostra que muitos alcançam bons tempos, ainda que correndo nesta difícil altimetria.

No final, os muitos voluntários ajudam os corredores a dar seu gás final, quando já começa a ser visualizada novamente a Bay Bridge, outra famosa ponte bem próximo da largada/chegada. De volta ao Embarcadeiro, com a bela medalha no peito e foto para registrar o momento, pude concluir este tão antigo desejo, superando minhas expectativas.

Acima: corredores visualizam a Bay Bridge. Abaixo: a chegada da prova. Ao lado: dois momentos da Bay Bridge, na largada e na chegada.

Page 6: Depoimento da maratona de San Francisco, CA - USA

Se eu puder ajudar alguém a escolher que trecho da prova foi mais interessante de ser feito, certamente direi que o primeiro, pois percorre a ponte e também o parque. O segundo trecho, mais urbano, passa em alguns locais mais degradados, como por baixo de autoestradas e pontes. Mas nada como cruzar a linha de chegada, no centro da cidade, lotada de expectadores. Logo, é muito mais animado para quem escolhe a segunda parte. Talvez, seja melhor mesmo fazer a maratona completa para não precisar passar por esta dúvida.

Apesar de não ter comentado inicialmente, a feira da prova acontece num armazém próximo a uma antiga fábrica de chocolates localmente famosa, a Ghirardelli. É simples, mas tem praticamente um expositor de todos os equipamentos que os corredores precisam. Só senti falta mesmo das promoções e marcas clássicas, como a Asics e Suunto. Um detalhe interessante desta prova é que todas as fotos tiradas pelo percurso são disponibilizadas gratuitamente, cerca de uma semana após o evento. Além disso, o próprio preço de inscrição é muito acessível, quase quatro vezes menos que a análoga maratona de Nova Iorque, por exemplo. Fora que não há dificuldade para encontrar vagas, mesmo próximo à data do evento.

Medalha de 2016

Por fim, finalizo meu depoimento com dois famosos comentários sobre San Francisco, que podem ser extrapolados para a própria maratona: “San Francisco pode ser definida como as 49 milhas cercadas pela realidade” e “San Francisco tem apenas um inconveniente... é difícil sair de lá”. Quem sabe um dia não teremos outra oportunidade de correr por lá? Porque esta valeu a pena!

Ricardo Sartorato

Fotos oferecidas pela prova