depoimento

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50 DEPOIMENTO ARMANDO SILVA P esquisador colombiano com respeitada trajetória acadêmica, Armando Silva se dedica ao estudo do pensamento visual. Passou pela Universidade da Califórnia, fez mestrado em se- miótica e psicanálise na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e estudou filosofia e estética na Faculdade de Filosofia da Universidade de Roma. Além de filósofo e semiólogo, o professor é colunista do jornal El Tiempo, de Bogotá, e colaborador das revistas D’Ars, de Milão, Arte e Cultura, de São Paulo, Discursos, do México. No Brasil acaba de publicar dois livros pela Edições Sesc: Atmos- feras Urbanas: Grafite, Arte Pública, Nichos Estéticos e Imaginários, Estranhamentos Urbanos. Acompanhe a conversa de Armando Silva com a Revista E. A CIDADE E O URBANO Tenho algumas obsessões de trabalho e uma delas é a cidade. A base de minha tese é que cidade não é a mesma coisa que urbano. A cidade representa a parte física, já o urbano é iden- tificado pela mentalidade. Logo, meu trabalho é relacionado à mentalidade urbana e a hipótese seria que na cidade (física) nós vivemos dependendo da mentalidade. Nesse sentido, podemos pensar que temos medo na ci- dade porque as mentalidades sentem esse medo. A cidade pode ser perigosa, mas a mentalidade é que tem medo pri- meiro. Por exemplo, Santiago (Chile), uma das cidades mais seguras do continente, é um lugar onde as pessoas sentem muito medo, porque é um medo correspondente ao imaginário. Porém, há cidades que são perigosas e ao mesmo tempo imaginadas como tal, a exemplo de Caracas, na Venezuela.

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Entrevista com o pesquisador Armando Silva publicada na Revista do Sesc em fevereiro de 2015

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Page 1: Depoimento

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DEPOIMENTO

ArMANDO SIlvA

P esquisador colombiano com respeitada trajetória acadêmica, Armando Silva se dedica ao estudo do pensamento visual. Passou pela Universidade da Califórnia, fez mestrado em se-

miótica e psicanálise na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e estudou filosofia e estética na Faculdade de Filosofia da Universidade de Roma. Além de filósofo e semiólogo, o professor é colunista do jornal El Tiempo, de Bogotá, e colaborador das revistas D’Ars, de Milão, Arte e Cultura, de São Paulo, Discursos, do México.

No Brasil acaba de publicar dois livros pela Edições Sesc: Atmos-feras Urbanas: Grafite, Arte Pública, Nichos Estéticos e Imaginários, Estranhamentos Urbanos.

Acompanhe a conversa de Armando Silva com a Revista E.

A cIDADE E O urbANOTenho algumas obsessões de trabalho e uma delas é a cidade.

A base de minha tese é que cidade não é a mesma coisa que urbano. A cidade representa a parte física, já o urbano é iden-tificado pela mentalidade. Logo, meu trabalho é relacionado à mentalidade urbana e a hipótese seria que na cidade (física) nós vivemos dependendo da mentalidade.

Nesse sentido, podemos pensar que temos medo na ci-dade porque as mentalidades sentem esse medo. A cidade pode ser perigosa, mas a mentalidade é que tem medo pri-meiro. Por exemplo, Santiago (Chile), uma das cidades mais seguras do continente, é um lugar onde as pessoas sentem

muito medo, porque é um medo correspondente ao imaginário. Porém, há cidades que são perigosas e ao mesmo tempo imaginadas como tal, a exemplo de Caracas, na Venezuela.

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O imaginário é produzido quando o sentimento domi-na a percepção. No livro (Imaginários, Estranhamentos Ur-banos) há muitos exemplos disso. Falo de como funciona o imaginário urbano e social. Acho que encontrei a minha chave, no caso, o sentimento. Quando o sentimento domina a percepção social, nós temos o imaginário.

PrODuçãO ArTíSTIcA cONTEMPOrâNEAOutro assunto que me atrai muito em minhas pesquisas

é a arte, em especial a contemporânea, que trabalho de ma-neira mais histórica, aliada à semiótica da imagem.

Um dos meus focos está no fato de a arte contemporâ-nea não ter mais a força do suporte físico, e sim um su-porte imaginário. Então relaciono os estudos tendo um ponto no trabalho imaginário da cidade e outro na arte, articulando ambos.

Meu olhar para o cotidiano também é forte. Para isso, trabalho como colunista no jornal colombiano El Tiempo. Escrevo sobre assuntos variados e temas da cultura popular, turismo, intervenção de arte, quadrinhos e gastronomia.

A urbE E SuA ATMOSfErANo livro (Atmosferas Urbanas: Grafite, Arte Pública, Ni-

chos Estéticos) estabeleço as diferenças entre o que é arte, arte pública, arte urbana, grafite, pós-grafite, pichação, ni-cho urbano, todos bem diferentes entre si.

Por exemplo, se a prefeitura da cidade tem a iniciativa de convidar artistas para desenhar num muro, essa ação faz parte da arte urbana, em contraste com o grafite que é considerado ilegal, ou seja, sem permissão. Como não é arte exposta na galeria eu chamo de arte pública ou urbana; a diferença entre elas é que a arte urbana é figurativa e a arte pública já é mais filosófica.

No Brasil, há um gênero muito próprio, que é a pichação. São Paulo é a cidade mais dinâmica em grafite e pichação.

O fIlóSOfO E PrOfESSOr cOlOMbIANO ArMANDO SIlvA

fAlA DA chAvE DE SuA PESquISA, lIgADA AO PENSAMENTO vISuAl

“TENHo AlgUMAS oBSESSõES dE TRABAlHo E UMA dElAS É A CidAdE. A BASE

dE MiNHA TESE É qUE CidAdE Não É A MESMA CoiSA qUE URBANo. A CidAdE

REPRESENTA A PARTE FíSiCA, já o URBANo É idENTiFiCAdo PElA MENTAlidAdE”

Se há uma evolução do grafite, posso dizer que desde 1978 é um grafite muito mais composto de palavras. Depois dos anos 1970, se compararmos com Nova York (morei lá nesse período), é um grafite bem figurativo. Lá fizeram um grafite revolucionário porque não era ideológico, mas remetia dire-tamente à arte visual. Para mim esse é o segundo momento do grafite. O terceiro momento é a partir dos anos 1990, em que se destacam São Paulo, Bogotá, México e Buenos Aires. É notória a vinculação de São Paulo com a arte, especial-mente a relação entre arte moderna e grafite.

Fico muito honrado que meu livro esteja agora em portu-guês, porque São Paulo está bem presente em meu trabalho.

Nas intervenções urbanas há três impactos nítidos: a pessoa que mora na cidade, a própria cidade e o criador da intervenção. E nesse fluxo vemos que a pessoa que traba-lhava na rua veio para a galeria, mas há pessoas que antes só trabalhavam para galerias que agora estão fazendo gra-fite, porque tem mais público, além de ser muito impor-tante para o cidadão, que, geralmente, não é um público especializado em arte.

cIDADE versus NAçãOHoje podemos falar que a cidade é mais importante do que

a nação, porque o sentido de nação é muito abstrato. As ci-dades parecem mais próximas, são identificadas com a nossa luta diária. A ideia de nação é usada quando há um aconte-cimento de grande dimensão, uma guerra, por exemplo. A ideia de cidade, não. Podemos pensá-la cotidianamente. O impacto é diário. A vida na rua é a conquista do espaço públi-co. Cada dia se toma mais consciência das diferenças sociais e, também, de que organizações como sindicatos e partidos políticos não são funcionais, porque não atendem priorita-riamente às demandas dos cidadãos. Agora o que vemos são as pessoas agindo sem mediação. É parte de uma luta cidadã por mais democracia e menos privilégios.